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OPOSIÇÃO POR EMBARGOS SUPERVENIENTES
NULIDADE DA SENTENÇA POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
PRESCRIÇÃO DO DIREITO CAMBIÁRIO EXEQUENDO
ÓNUS DA PROVA
INTERRUPÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL
CONTAGEM DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO E INCONSTITUCIONALIDADE DA INTERPRETAÇÃO DOS ARTS.323º DO CC E ARTS.750º
752º E 794º DO CPC
Sumário
1. Numa ação executiva em que foi dado à execução uma livrança, acompanhada de uma escritura de constituição de hipoteca (dos avalistas da referida livrança em relação a dívida constituída ou a constituir da subscritora da livrança), sem alegação no requerimento inicial dos factos integrativos da relação subjacente e sem junção do contrato subjacente, não permite concluir que foi dada à execução um título executivo que reconheça ou constitua uma obrigação pecuniária distinta da obrigação cambiária literal e abstrata. 2. Na ação executiva sustada, por precedência de penhora prévia, o exequente pode reclamar os seus créditos no processo executivo onde tiver sido realizada a primeira penhora (arts.871º do CPC de 1961 e 794º do CPC de 2013), altura em que beneficia do regime de interrupção do prazo prescricional (arts.323º, 326º e 327º do CC). 3. Na ação executiva, com instância renovada depois da extinção (art.850º/5 do CPC), na qual os executados deduziram embargos de executado supervenientes com arguição da exceção de prescrição do direito cambiário exequendo, cabe ao exequente/embargado, na contestação aos embargos, alegar e provar os factos concretos que integrem fatores interruptivos da prescrição, nomeadamente os de 2 supra. 4. O decurso do prazo de prescrição do direito cambiário do art.70º, ex vi do art.77º da LULL, contado depois da estabilização da decisão de extinção da instância executiva da primeira ação, por falta de cumprimento pelo exequente dos ónus referidos em 2 e 3, não corresponde a uma violação do direito constitucional de tutela efetiva do art.20º da CRP. 5. Não é admissível formular na contestação de embargos um pedido de ampliação da causa de pedir do requerimento executivo inicial e de aditamento de título executivo, impossibilidade esta que não é ultrapassada pelo princípio de proibição de prática de atos inúteis (art.130º do CPC), que não se destina a sanar a falta de pressupostos processuais ou a verificação de exceções perentórias relativas àquele requerimento inicial.
Texto Integral
Os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam no seguinte
ACÓRDÃO
I. Relatório:
No processo de oposição por embargos supervenientes, deduzido por AA e BB contra EMP01..., SA, na sequência de pedido desta de renovação da instância executiva contra aqueles: 1. Os embargantes/executados avalistas invocaram a exceção de prescrição, alegando, sumariamente, em sua defesa:
a) A execução foi instaurada com base numa livrança avalizada pelos executados; entretanto, após sustação, por decisão 06.01.2014, a agente de execução declarou a ação executiva extinta; a 20.12.2022 os executados foram notificados do pedido de renovação da instância, nos termos do 850º/5 do CPC.
b) O art.70º da LULL, que se aplica a livranças por força da norma remissiva do art.77º da LULL, define que todas as ações contra o emitente relativas a livranças prescrevem em três anos a contar do seu vencimento, sendo que, a contagem do (novo) prazo de prescrição se reiniciou logo que transitou em julgado o despacho que julgou a extinção da execução, ou seja, a 06.02.2014; à data do pedido da renovação da execução e da data em que foram notificados do mesmo a 20.10.2022, nos termos do art.850º/5 CPC, a obrigação cambiária já se encontra prescrita, uma vez que aquele prazo de prescrição se reiniciou logo com o trânsito em julgado do despacho que julgou extinta a execução, não podendo a mesma ser renovada a instância executiva (tal como o decidido no Ac. RE de 12/05/2022, proferido no processo nº319/11.5T2ODM-A.E1, relatado por Anabela Luna de Carvalho). 2. A embargada/exequente, depois de notificada, pugnou pela improcedência da oposição apresentada, defendendo:
a) Que, se os autos de execução se extinguiram em janeiro de 2014, aplica-se a previsão de renovação da instância (art.850º do CPC).
b) Que, tendo-se executado dívida com garantia real, a penhora deve começar pelo prédio dado em garantia (art.752º do CPC) e, estando este penhorado à ordem de outro processo executivo (nº...4... do ... Juízo do Tribunal Judicial da Comarca ..., pela Ap. ...5 de 2004/12/10), só com o cancelamento deste ónus foi possível à exequente prosseguir com a renovação da execução.
c) Que o prazo de prescrição não aproveita aos executados sem mais, mesmo com respeito ao art.323º/1 do CC, sob pena de se premiarem os incidentes dos devedores relapsos, quando o exequente estiver limitado nos termos do art.752º do CPC (exemplificando a contestação da aplicação do prazo de prescrição nestas situações, face a um indicado exemplo abstrato: «12.º Veja-se o simples exemplo: penhorado um bem onerado com garantia real (hipoteca), basta que o processo em que tem a penhora primeiramente concretizada (e no qual o credor garantido reclamou atempadamente créditos) seja manietado na fase da venda (seja porque o exequente titular dos autos está em conluio com os executados, seja porque se frustram validamente várias tentativas e modalidades de venda), para que o segundo processo (a execução promovida pelo credor titular da garantia real), entretanto findo em virtude da sustação integral (recorde-se a obrigatoriedade emergente do art. 752.º que impossibilita, na prática, que possam ser nomeados à penhora outros bens) se veja confrontado com o decurso de um prazo de prescrição em que legalmente não lhe podia pôr cobro! 13.º Não terá sido pretensão do legislador, no sopesar dos interesses em confronto, depauperar ostensivamente os credores titulares de garantias reais e expô-los a uma alea tão grosseira como à que se assiste nos presentes autos.»); que deve a presente renovação da instância ser admitida, pela não verificação do decurso do prazo, atenta a disposto nos arts.323º/1 do CC e 752º, 794º e 750º do CPC; que interpretação diversa consubstancia uma inconstitucionalidade (sem indicar a norma violada na CRP).
d) Que, apesar de ter dado à execução uma livrança avalizada pelos executados, a relação subjacente consubstancia um mútuo (que junta sob o documento nº..., em relação a contrato de 30.08.2005, com a epígrafe “Contrato de Mútuo”, celebrado entre o Banco 1... e a EMP02..., Lda., em que lhe foi concedido o empréstimo de € 118 200, 00, reembolsável em 300 prestações mensais, pagáveis com juros) e dispõe de uma hipoteca (constituída por escritura junta com o requerimento executivo, junta agora sob doc. nº...), que determinam que o prazo de prescrição seja de 20 anos.
e) Que, se a oposição dos executados for aceite, terá que instaurar nova execução, em que dê como título o contrato de mútuo com a escritura de hipoteca, o que implica uma redobrar de esforços dos operadores judiciários, evitável com a renovação da instância, com respeito pelo limite do art.693º/2 do CC, e que não prejudica a posição dos executados, razões pelas quais pede que os seus interesses sejam atendidos, com admissão da decisão de renovação da instância. 3. A 08.02.2023 foi proferido despacho saneador tabelar, foi fixado valor aos embargos de executado (da ação executiva) e foi considerado dever o objeto do processo ser conhecido o mérito, o que foi feito mediante a prolação de sentença que: 3.1. Apresentou a seguinte fundamentação de direito (após os factos provados):
«É a seguinte a questão a decidir: saber se a dívida dos oponentes (não) se mostra prescrita.
Para melhor compreensão do plano mediato onde se desenvolveram os actos que conduzem à eventual prescrição, façamos uma breve referência ao normativo processual que regulou a ação executiva.
Dispõe o art.º 794.º CPC:
“1 - Pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, o agente de execução susta quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respetivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga.
2 - Se o exequente ainda não tiver sido citado no processo em que a penhora seja mais antiga, pode reclamar o seu crédito no prazo de 15 dias a contar da notificação de sustação; a reclamação suspende os efeitos da graduação de créditos já fixada e, se for atendida, provoca nova sentença de graduação, na qual se inclui o crédito do reclamante.
3 - Na execução sustada, pode o exequente desistir da penhora relativa aos bens apreendidos no outro processo e indicar outros em sua substituição.
4 - A sustação integral determina a extinção da execução, sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 850º.”
Por sua vez, dita o art.º 849.º CPC que:
“1 - A execução extingue-se nas seguintes situações:
(…) e) No caso referido no n.º 4 do artigo 794.º;”
E, de acordo com o art.º 850.º, n.º 5, “o exequente pode ainda requerer a renovação da execução extinta nos termos das alíneas c), d) e e) do n.º 1 do artigo anterior, quando indique os concretos bens a penhorar, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no número anterior”.---
Foi sob este contorno jurídico que nos autos principais a execução foi extinta em 15.05.2013 e, mais tarde, em 20.12.2022, renovada a instância executiva.
Importando ora apreciar se essa renovação contende com o direito dos embargantes a ver prescrito o direito contra si exercido pela exequente.
Como primeira questão, vejamos qual a natureza da relação jurídica em causa.
Considerando o requerimento executivo e o título (livrança) que o integra, dúvidas não haverá que o direito exercido contra os embargantes e, o contra direito destes à prescrição, se desenvolve no plano cambiário.
Os executados foram acionados em virtude da declaração de aval prestado à livrança dada à execução. Por isso, a relação jurídica que subjaz ao litígio é a relação jurídica cambiária e não a relação fundamental. Desse modo a prescrição a ocorrer há-de ser a prescrição do direito cambiário, a qual segue o regime fixado no art. 70º LULL.
Dispõe, pois, o citado art.º 70.º, I que “todas as ações contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento”, o que, aplicando-se a livranças por força da norma remissiva do art.º 77.º da LULL, se deve ler “todas as ações contra o emitente relativas a livranças prescrevem em três anos a contar do seu vencimento”.
Tratando-se de pretensão do credor contra o avalista do emitente da livrança aplica-se o prazo de prescrição que valer para o avalizado, ou seja, três anos a contar do vencimento, como cominado pelo art.º 70.º, I da LULL.
Definido o prazo de prescrição, vejamos se o mesmo ocorreu, importando considerar o normativo do Código Civil que rege o tempo e a sua repercussão nas relações jurídicas.
Dispõe o n.º 1 do art.º 323.º do CC que “a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”. Por sua vez, segundo rege o art.º 326.º do referido diploma, “1. A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo seguinte. 2. A nova prescrição está sujeita ao prazo da prescrição primitiva, salvo o disposto no artigo 311.º”.
E, acrescenta o n.º 1 do art.º 327º, “se a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.”
Temos pois que, o prazo de prescrição interrompe-se pela citação e, em consequência da interrupção o tempo decorrido fica inutilizado. Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.
A prescrição invocada a ter ocorrido decorre desta nova oportunidade, duma renovação da instância.
A execução a que respeitam os embargos foi extinta por sustação integral em 15.05.2013 e, em 20.12.2022, foi objeto de decisão de renovação proferida pela AE. A contagem deste (novo) prazo de prescrição reiniciou-se logo que transitado em julgado o despacho que julgou a sustação integral, a qual nos termos do art.º 794.º, n.º 4 CPC determinara a extinção da execução. Tal despacho, proferido em 15.05.2013 transitou em julgado em 14.06.2013. Desta feita, o prazo de prescrição de três anos (re)inicia a sua contagem em 15.06.2013, terminando em 15.06.2016.
Ora, a decisão que renovou a instância data de 20.12.2022. Em tal data já o prazo de prescrição se havia completado, não podendo relevar para a sua eventual (e nova) interrupção – como o defende a Exequente – o facto de só quando se concretizou o cancelamento do referido ónus é que poderia aquela prosseguir com a renovação/prossecução dos presentes autos.
Tem-se, assim, por verificada a prescrição da livrança na data em a AE decidiu pela renovação da execução, prescrição essa que aproveita aos embargantes.». 3.2. Decidiu:
«Em conformidade com o exposto, julga o Tribunal a presente oposição à execução mediante embargos de executado totalmente procedente, termos em que se decide absolver os executados da instância executiva.
Custas a cargo da Exequente.
Registe e notifique.». 4. A embargada/exequente interpôs recurso, no qual apresentou as seguintes conclusões e pedido final:
«1. O presente recurso visa a reapreciação da factualidade dada como provada e, sobretudo, reagir contra a omissão de pronúncia operada pelo digno Julgador a quo, que não se pronunciou relativamente à fundamentação de direito evidenciada pela ora recorrente.
2. Em primeiro lugar e no que à matéria de facto dada como assente pelo Tribunal a quo, crê a ora recorrente que o facto relacionado sob a verba 3.1 peca por defeito.
3. Com efeito, perante a documentação que foi junta aquando da submissão do requerimento executivo, não resta margem para dúvidas que o título executivo não é apenas a livrança em que os executados figuram como avalistas, mas igualmente a escritura pública de constituição de hipoteca voluntária a favor da exequente e por aqueles outorgada.
4. Sem prejuízo das limitações de índole informática que a plataforma CITIUS enferma – em particular no que à nomenclatura de títulos executivos diz respeito– dúvidas não sobejam de que estamos perante um título executivo composto,
5. O que, per se, determina que o facto dato como assente sob o n.º 3.1 mereça a redacção «A execução de que os presentes autos constituem apenso foi instaurada para pagamento da quantia exequenda no montante de 123.879,36€, tendo como título executivo uma livrança emitida em 21/07/2008, apresentada nessa data a pagamento, para além de uma escritura de constituição de hipoteca voluntária.», o que, nos termos e para os efeitos do preceituado no 1 do art. 640.º e n.º 1 do art. 662.º do CPC expressamente se requer.
Sem prescindir,
6. E na senda da complexidade do título executivo em discussão, mal terá andado a decisão do Tribunal a quo ao reconhecer a prescrição da obrigação exequenda, na medida em que, perante a multiplicidade de documentos com força executiva, atento o disposto no art. 390.º e al. a) do art. 730.º do CC, esta só ocorrerá volvidos 20 anos.
7. Por respeito ao art. 752.º do CPC, perante a hipoteca voluntária incidente sobre a fracção autónoma designada pela letra ..., do prédio urbano descrito na CRPredial ... sob o n.º ...55, freguesia ..., inscrito na respectiva matriz ...83,
8. E atenta a penhora primeiramente registada noutro processo em que a recorrente atempadamente reclamou o seu crédito, só depois de cancelado o ónus da primeira penhora registada é que pôde a ora recorrente promover o regular andamento dos autos em que é exequente, designadamente requerendo a sua renovação.
9. Isto porque, tal qual por si evidenciado, não terá pretendido o legislador dar cobertura a comportamentos relapsos, dotando os devedores de ferramentas processuais cujo efeito último é defraudar as expectativas dos credores, mormente as decorrentes da prestação de garantias reais como seja a hipoteca.
10. E para afastar a bondade da tese dos recorridos que mereceu o amparo da primeira instância basta evidenciar o seguinte: imagine-se um bem hipotecado que é alvo de uma penhora; o credor hipotecário é citado, reclama os seus créditos e vê o seu crédito correctamente graduado.
11. Apesar de ter igualmente pendente um processo executivo em que figura enquanto exequente, este sustou-se, nos termos e para os efeitos do preceituado nos arts. 752.º e 794.º do CPC.
12. Se no processo em que se concretizou a primeira penhora exequente e executados estão em conluio (tratando-se, portanto, de um crédito simulado) ou mesmo se não existe qualquer conluio, mas o processo vai sofrendo vicissitudes e acaba por genuinamente se arrastar,
13. Admitir-se que a prescrição a favor do devedor ocorre sem mais, estando o processo em que o titular da hipoteca é exequente sustado de modo incontornável, é um convite ao abuso de direito e ao surgimento de fábulas creditícias, com o consequente depauperamento das expectativas dos legítimos credores.
14. Vale por isto dizer que a interpretação avançada pelo Venerando Tribunal a quo das disposições conjugadas dos arts. 323.º do CC e 750.º, 752.º e 794.º do CPC é, afinal, inconstitucional.
Por fim,
15. Crê igualmente a recorrente que ao não admitir o pedido de renovação da instância, o Tribunal a quo violou o princípio do aproveitamento dos actos.
16. Uma vez que, não pondo em crise as garantias de defesa dos executados, ao vetar a possibilidade de renovar a instância, determina que a recorrente se tenha que socorrer de nova acção com os correlativos incrementos financeiros e processuais, com expressão em todos os operadores judiciários, designadamente o Ilustre Tribunal.
17. A decisão de que se recorre violou, assim, o preceituado na al. d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, pelo que deverá o respeitável Tribunal ad quem julgar procedente o presente recurso, por provado, revogando a douta decisão recorrida, proferindo nova decisão que determine a renovação da instância executiva.
Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deverá ser dado inteiro provimento ao presente recurso, acolhendo-se as razões invocadas pela recorrente, revogando-se, em consequência, a decisão proferida, proferindo-se uma nova em sua substituição, com o que se fará a sã e costumeira JUSTIÇA.». 5. Os embargantes/executados apresentaram contra-alegações ao recurso, nas quais defenderam:
«As razões de divergência da Recorrente com a decisão impugnada assentam na insuficiência dos factos dados como provados e na omissão de pronuncia na decisão recorrida.
Como infra se demostrará, não merece qualquer censura a douta decisão objecto de recurso.
ASSIM,
DA INSUFICIÊNCIA DOS FACTOS DADOS COMO PROVADOS
Deu o tribunal como provado no ponto 3.1 que “A execução de que os presentes autos constituem apenso foi instaurada para pagamento da quantia exequenda no montante de 123.879,36 €, tendo como titulo executivo uma livrança emitida em 21/07/2008, apresentada nessa data a pagamento”, não concordando a Recorrente com a forma como tal facto foi dado como provado.
Aduz a Recorrente que o ponto 3.1 dos factos dados como provados, no que concerne ao titulo executivo, que o mesmo é um titulo complexo pelo que devia o tribunal a quo ter dado como provado que o mesmo era constituído por uma livrança e pela escritura de hipoteca, almejando com esta alteração que o regime jurídico aplicado à contenda em apreço não seja o que regula a relação jurídica cambiária.
Dessa forma, expõe que o tribunal a quo ao não ter dado como provado que o titulo era composto pela livrança e pela escritura de hipoteca não se pronunciou quanto à relação subjacente decorrente do contrato de mútuo. Caso o tivesse feito, no entendimento da Recorrente, o tribunal teria de considerar que o prazo de prescrição aplicável seria o prazo ordinário de 20 anos.
Ora, com tal alegação não podem os Recorridos concordar, quer porque o título de crédito é constituído pela livrança e está prescrito, quer porque se o título fosse complexo, também ele estaria e está prescrito como se verá.
Na realidade o título executivo é formado pela livrança. A livrança é assim um título à ordem, sujeito a certas formalidades, pelo qual uma pessoa se compromete, para com outra, a pagar-lhe determinada importância em certa data
A livrança dada à execução é um título de crédito em que face aos princípios da autonomia, literalidade e abstracção é independente do negócio subjacente, sendo a escritura de hipoteca a justificação para a emissão da livrança.
O título executivo não pode ser sucessivamente decomposto em função dos interesses circunstanciais das partes. Isto é, a Recorrente tem de ser coerente na sua análise, não podendo querer o melhor de dois mundos, recorrendo sucessiva e alternadamente a um título cambiário e a um instrumento contratual bancário em função do benefício que casuisticamente se poderá revelar mais favorável à respectiva pretensão.
Em suma, andou bem o tribunal a quo ao dar como provado que a execução em discussão nos presentes autos foi instaurada para pagamento da quantia exequenda no montante de 123.879,36€ tendo como titulo executivo uma livrança emitida em 21/07/2008.
DA OMISSÃO DE PRONUNCIA NA DECISÃO RECORRIDA
Com todo o respeito e salvo melhor opinião, o Recorrente confunde omissão de pronúncia com o não acolhimento da sua tese. Não tem é o tribunal de atender a factos que não sejam relevantes para a decisão da causa
Na realidade, o tribunal a quo na sua fundamentação faz referência à relação subjacente não olvidando, ao contrário do que menciona a Recorrente, a escritura de hipoteca.
Efectivamente, o titulo executivo dado à execução é uma livrança, tendo como relação subjacente o contrato de mútuo garantido pela hipoteca voluntária.
Estamos, assim, perante uma relação jurídica cambiária aplicando-se as normas que a regulam, não interessando para o litigio em apreço o regime jurídico da relação subjacente.
Como já supra referido não pode Recorrente desejar o melhor de dois mundos, recorrendo sucessiva e alternadamente a um título cambiário e a um instrumento contratual bancário em função do benefício que se poderá revelar mais favorável,
Assim,
A execução foi instaurada com base numa livrança avalizada pelos Executados. Ora, prevê o artigo 70º da LULL, que se aplica a livranças por força da norma remissiva do artigo 77º da LULL, que todas as ações contra o emitente relativas a livranças prescrevem em três anos a contar do seu vencimento.
A execução em discussão foi declarada extinta em 15/05/2013, como atestado pela Exma. Agente de Execução, pelo que a contagem do (novo) prazo de prescrição reiniciou-se logo que essa decisão transitou em julgado o que aconteceu a 15/06/2013. Na verdade, a 20/12/2022 foram os Recorridos notificados do pedido de renovação nos termos do 850, nº 5 do CPC, pelo que à data do pedido da renovação da execução, já se encontrava prescrita a obrigação cambiária.
Neste sentido veja-se Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 12-05-2022, processo nº 319/11.5T2ODM-A.E1, em que foi relatora Anabela Luna de Carvalho, que em situação idêntica decidiu pelo prescrição da obrigação cambiária, sumariando que: “- Se a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (art. 327º,1 CC).”
A contenda no acórdão mencionado – à semelhança da situação que ora se discute – respeitava ao (re)inicio da contagem do prazo de prescrição de uma livrança, quando a execução é extinta. Naquele caso, e bem, o tribunal entendeu que o novo prazo de prescrição reiniciou-se a partir do trânsito em julgado da decisão que declarou extinta a execução.
Tendo fundamentado que: “A execução a que respeitam os embargos foi extinta por sustação integral em 08/07/2015 e em 25/02/2021 foi objeto de decisão de renovação proferida pelo Solicitador de execução. A contagem deste (novo) prazo de prescrição reiniciou-se logo que transitado em julgado o despacho que julgou a sustação integral, a qual nos termos do art. 794º, 4 CPC determinara a extinção da execução. Tal despacho, proferido em 08/07/2015 transitou em julgado em 24/09/2015.
O prazo de prescrição de três anos inicia a sua contagem em 25/09/2015, terminando em 25/09/2018.
In casu, o prazo de prescrição de três anos iniciou a sua contagem a 15/06/2013, aquando do trânsito em jugado da decisão que determinou a extinção da execução pelo que, em consequência, deixou a Recorrente de ter título exequível que possa sustentar a execução, não podendo a mesma ser renovada.
ACRESCE QUE
Caso se entenda que o prazo de prescrição a aplicar é o da relação subjacente, o que não se concebe nem concede e que só por mero efeito de raciocínio se equaciona, a obrigação estaria de igual forma prescrita.
No caso vertente, invocando-se o prazo de prescrição da relação subjacente, o que não se aceita, o prazo de prescrição aplicável seria o do artigo 310º, al. e) do Código Civil que estabelece o prazo de prescrição de cinco anos em relação às quotas de amortização do capital pagáveis com os juros.
De facto, quanto a esta matéria, entende a jurisprudência que nas situações de contratos de mútuo com acordo de reembolso periódico de capital e juros remuneratórios, o prazo de prescrição aplicável às duas componentes (capital e juros), mesmo que ocorra resolução do contrato e vencimento antecipado ou exigibilidade antecipada da totalidade das prestações, é o de 5 anos.
Neste sentido, vejam-se os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 06.06.2021, Processo n.º 6261/19.4T8ALM-A.L1.S1; de 23.01.2020, Processo n.º 4518/17.8T8LOU-A.P1.S1, e ainda o de 18.10.2018, Processo n.º 2483/15.5T8ENT-A.E1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Assim, tanto a livrança como a relação subjacente encontravam-se prescritas na data em que foi solicitado à Sra. Agente de Execução a renovação da execução, uma vez que mesmo atendendo ao prazo de 5 anos a prescrição ocorreu em 2018.
SEM PRESCINDIR
A Recorrente refere ainda, que o entendimento perfilhado pelo tribunal a quo promove dotar devedores relapsos de mecanismos simples e conducentes à violação de expectativas de credores garantidos e que com a sua decisão viola o principio do aproveitamento dos actos, uma vez que a Recorrente terá de intentar uma nova ação.
Expõe a Recorrente que “Só quando se concretizou o cancelamento do referido ónus é que processualmente pôde a ora Recorrente prosseguir com a renovação/prossecução dos presentes autos.”
Ora, este argumento é incorrecto.
A Recorrente não explica o que quer dizer com “cancelamento do referido ónus”, nem sequer o demonstra. É que o direito da Recorrente sobre o referido imóvel dever ser exercido e satisfeito pela liquidação ocorrida naquele outro processo executivo, caso em que não há lugar à renovação desta execução.
A argumentação da recorrente “cai por terra” dado que o credor reclamante goza do direito de impulsionar a execução onde está penhorado o bem e que determinou a sustação da outra execução, o que não fez. (sublinhado nosso)
Desde já se esclareça que o crédito do Exequente sob os executados mantém-se, contudo, não pode o mesmo fazer-se valer da presente execução para reaver o montante em dívida, uma vez que o titulo executivo está prescrito, como já alegado, tendo assim de recorrer aos meios comuns.
Ora, dispõe o n.º 1 do art.º 323.º do CC que “a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”, ou seja, o prazo prescricional interrompeu-se a 22/09/2008, aquando da citação dos Recorrentes para a execução.
Por sua vez, segundo rege o n.º 1 do art.º 327º do referido diploma “se a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.”
Assim, o prazo de prescrição foi interrompido pela citação e a cessação da eficácia do facto interruptivo foi diferida para a data da decisão que colocou termo ao processo que, in casu, ocorreu com o trânsito em julgado da decisão de extinção da execução, a 05/06/2013.
Pelo que, explana a Recorrente uma interpretação deturpada das normas, da forma que mais lhe aproveita, quando a letra da lei é explícita. De facto, existiu uma citação – que interrompeu a prescrição – e posteriormente uma decisão que colocou termo ao processo – extinção da execução – (re)iniciando com o trânsito da decisão de extinção a contagem do novo prazo prescricional. Interpretação diferente redundaria numa dilação do (re)início do prazo da prescrição, claramente contrária ao propósito tido em vista pelo legislador.
Aliás, não há qualquer violação do principio do aproveitamento dos atos, pois não existe nada a aproveitar. Não pode o tribunal ignorar que a obrigação esteja prescrita, somente porque no entendimento da Recorrente a contenda em apreço poderia ficar resolvida na presente execução.
Pelo exposto, é de concluir que em nada é afectado o reclamado direito da Recorrente, não operando qualquer negação do direito de defesa ou direito à jurisdição da Recorrente/Exequente a uma tutela jurisdicional efectiva, pois esta está totalmente salvaguardada pelos meios comuns. Não pode, contudo, fazer- se valer da instância executiva uma vez que encontra-se extinta, não podendo agora ser renovada.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado improcedente e confirmada a douta Sentença recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA!». 6. A 15.05.2023 foi proferido despacho a admitir o recurso (de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo) e a apreciar a arguida nulidade de forma tabelar (rejeitando a mesma). 7. Subido o recurso a esta Relação, e comprovado o pagamento da taxa de justiça na modalidade de pagamento mensal faseado: a 21.11.2023 foi admitido o recurso de apelação, nos mesmos termos admitidos na 1ª instância; colheram-se os vistos; realizou-se a conferência.
II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objeto, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso não decididas por decisão transitada em julgado e da livre qualificação jurídica dos factos pelo Tribunal, conforme decorre das disposições conjugadas do art.608º/ 2, ex vi do art.663º/2, e dos arts. 635º/4, 639º/1 e 2, 641º/2- b) e 5º/ 3 do Código de Processo Civil, doravante CPC.
Definem-se como questões a decidir:
1. Quanto à matéria de facto:
Se deve ser reformulado o ponto 3.1. da matéria de facto da sentença recorrida para o seguinte, nos termos do 640º/1 e 662º/1 CPC:«A execução de que os presentes autos constituem apenso foi instaurada para pagamento da quantia exequenda no montante de 123.879,36€, tendo como título executivo uma livrança emitida em 21/07/2008, apresentada nessa data a pagamento, para além de uma escritura de constituição de hipoteca voluntária.» (conclusões 1 a 5).
2. Quanto à matéria de direito e decisão: 2.1. Se a decisão recorrida é nula, nos termos do art.615º/1-d) do CPC (conclusão 17, em referência às conclusões 6 a 16), por omissão de pronúncia de fundamentos da oposição, reiterados no recurso: da invocação que foi dado à execução um título complexo, que implica que a prescrição só ocorre em 20 anos, nos termos dos arts.309º e al. a) do art.730º do CC (conclusão 6); da defesa que apenas poderia ter promovido o regular andamento dos autos depois de cancelado o registo da penhora primeiramente registada noutro processo «em que a recorrente reclamou o seu crédito» sobre a fração autónoma sobre a qual a recorrente tinha a garantia de hipoteca, em respeito ao art.752º do CPC (conclusões 7 e 8); da sua consideração que o legislador não pretendeu dar cobertura a comportamentos relapsos, face ao exemplo que indica (equivalente no geral, ao alegado na oposição e referido em I-2-c) supra), por a mesma ser um convite ao abuso de direito, com depauperamento das expectativas dos credores (conclusões 9 a 13) e a interpretação do Tribunal a quo dos arts.323º do CC e arts.750º, 752º e 794º do CPC ser inconstitucional (conclusão 14); de a falta de admissão da renovação da instância, violar o princípio do aproveitamento dos atos (conclusões 15 e 16). 2.2. Se a decisão for nula, qual a apreciação do Tribunal ad quem, em substituição do Tribunal a quo, face aos fundamentos de direito referidos em 2.1. supra, nos termos do art.665º/2 do CPC. 2.3. Se a decisão não for nula, se incorreu em erro de direito, face aos fundamentos de direito referidos em 2.1. supra.
III. Fundamentação:
1. Matéria de facto: 1.1. Impugnação à matéria de facto da sentença recorrida:
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
«3.1. A execução de que os presentes autos constituem apenso foi instaurada para pagamento da quantia exequenda no montante de 123.879,36 €, tendo como titulo executivo uma livrança emitida em 21/07/2008, apresentada nessa data a pagamento.---
3.2. Nos referidos autos foi penhorada em 12/03/2010 a fração autónoma designada pela letra ..., ... andar, destinado a habitação com uma garagem na cave, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito no lugar ..., Rua ..., freguesia ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...55 de ... e inscrito na matriz urbana sob o artigo ...83....---
3.3. A penhora do imóvel foi sustada por despacho de 01.06.2010, na sequência de se ter apurado que sobre o aludido prédio estava registada penhora proveniente de outro processo executivo (Ap. ...5 de 2004/12/10, emergente dos autos com o n.º 1863/04...., do ... Juízo do Tribunal Judicial da Comarca ...).---
3.4. Não tendo sido encontrados outros bens susceptíveis de penhora, a execução foi extinta em 15.05.2013.
3.5. Em 20.12.2022 foi pela AE decidida a renovação da instância, na sequência do pedido efectuado nesse sentido pela Exequente.»
A recorrente, em relação a esta matéria de facto, pediu que o ponto 3.1. fosse alterado, nos termos do 640º/1 e 662º/1 CPC, paraa seguinte formulação«A execução de que os presentes autos constituem apenso foi instaurada para pagamento da quantia exequenda no montante de 123.879,36€, tendo como título executivo uma livrança emitida em 21/07/2008, apresentada nessa data a pagamento, para além de uma escritura de constituição de hipoteca voluntária.» (conclusões 1 a 5).
Tendo o facto 3.1. sido elaborado de forma narrativa sintetizada e permitindo o requerimento inicial executivo e os documentos juntos com o mesmo provar o conteúdo do facto com maior completude, reelaborar-se-á este facto provado em 3.1., mesmo oficiosamente, de forma objetiva e integral, com base na força probatória dos requerimento inicial e documentos do processo nº2240/08.5TBVCT, a que este processo de embargos está apenso (art.371º CC, ex vi do art.607º/4-2ª parte do CPC e este ex vi do art.663º/2 do CPC), nos termos a constar em 1.2. infra.
Desta forma, atende-se à alteração do facto 3.1., nos termos a constar de 1.2. infra. 1.2. Fixação da matéria de facto provada(factos aditados e reordenados oficiosamente por esta Relação, com base nos atos com força probatória plena constantes do processo executivo nº...8...): 1.2.1. Na ação executiva nº2240/08.5TBVCT, instaurada pelo Banco 2..., S.A. contra EMP03..., Lda., AA e BB: 1º) No requerimento inicial de 23.07.2008 a exequente:
a)Alegou, na parte respeitante ao «TRIBUNAL COMPETENTE, TÍTULO EXECUTIVO E FACTOS»:
«Tribunal Competente: ... - Tribunal Judicial
Finalidade da Execução: Pagamento de Quantia Certa - Letras, livranças e cheques
Título Executivo: Livrança
NIP: ...:
1º
Em virtude de operação de crédito bancário praticada no exercício da actividade bancária do Banco 2..., S.A., o Exequente é legítimo dono e portador de uma livrança, junta ao deante e que aqui se dá por integralmente reproduzida, subscrita por EMP03..., Lda. e avalizada por AA e BB, no valor de € 123.836,43, emitida em 30/08/2005 e com vencimento em 21/07/2008 - cfr. documento n.º ...
2º
Apresentada a pagamento na data do respectivo vencimento, a mesma livrança não foi paga, então, nem posteriormente.
3º
Deste modo, o Exequente tem o direito de haver dos Executados e estes tem a obrigação de pagar àquele, em regime de solidariedade, o capital titulado por aquela livrança e, bem assim, os respectivos juros moratórios à taxa legal anual sucessivamente em vigor, desde a data do vencimento até integral pagamento (artigos 78, 28 e 48 da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças).
4º
A livrança ora apresentada em Juízo é título executivo e exequível, sendo certa, líquida e exigível a quantia exequenda (artigos 45.1 e 46.c) do Código de Processo Civil).
II - DA GARANTIA REAL
5º
Por escritura pública outorgada em 24 de Março de 2006, os executados AA e BB, constituiram a favor do exequente hipoteca sobre o imóvel que se passa a identificar:
«Fracção autónoma designada pela letra ..., correspondente a uma habitação no ... andar, com uma varanda e uma garagem privativa na cave, do prédio urbano sito em ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...55..., afecto ao regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz com o artigo ...83º.» - conforme resulta da cópia certificada da escritura pública que ora se junta e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido - documento n.º....
6º
A referida escritura foi constituida para garantir:
a) o pagamento de todas as responsabilidades assumidas e/ou a assumir pela executada EMP03..., Lda., junto do exequente, por crédito concedido e/ou a conceder, por valores descontados e/ou adiantados e/ou por garantias bancárias prestadas e/ou a prestar, até ao limite global de € 99.759,58;
b) dos juros à taxa Lisbor a três meses, arredondada para meio ponto percentual superior, acrescida de um spread de 5 pontos percentuais, sendo a taxa inicialmente aplicável de 9,5%, acrescida de 4% em caso de mora, a título de cláusula penal;
c) das despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo honorários de advogado e solicitador, que o tenha de fazer para cobrança dos seus créditos, computadas para efeitos de registo em € 3.990,38, sendo, por isso, o montante máximo do crédito e acessórios de € 144.152,79.
A referida hipoteca encontra-se registada a favor do exequente na Conservatória do Registo Predial ....
8º
O montante máximo, quanto a capital, assegurado pela hipoteca constituida a favor do exequente é de € 144.152,79 - cfr. documento n.º ....
9º
O tipo de crédito que se executa cabe na previsão da Escritura de Hipoteca, estando dessa forma por ela abrangido.
10º
E o seu montante cabe nos limites que a mesma assegura
11º
Daí que o crédito exequendo goze da garantia real que lhe advém da constituição e registo da hipoteca referida (artigo 686º do Código Civil)
12º
O crédito encontra-se vencido e é exigível.».
b) Indicou, na parte respeitante à «LIQUIDAÇÃO DA OBRIGAÇÃO»
«Valor Líquido: 123.879,36 €
Valor NÃO dependente de simples cálculo aritmético: 0,00 €
Total: 123.879,36 €
Capital em divida titulado pela livrança dada à execução no montante de € 123.836,43, acrescido dos respectivos juros moratórios, calculados à taxa legal anual em vigor de 4%, desde a data de vencimento da livrança (21/07/2008) até 24/07/2008, no montante de € 41,28, a que acresce ainda a quantia referente a imposto de selo, no valor de € 1,65, perfazendo, assim, um total em divida de € 123.879,36.».
c) Indicou, na parte respeitante aos «BENS INDICADOS À PENHORA»
«Descrição do Bem:
Fracção autónoma designada pela letra ..., correspondente a uma habitação no ... andar, com uma varanda e uma garagem privativa na cave, do prédio urbano sito em ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...55... e inscrito na matriz sob o artigo ...83º.».
(requerimento inicial do processo nº2240/08.5TBVCT, cujo teor substitui a matéria conclusiva e insuficiente de 3.1. da sentença recorrida) 2º) Com o requerimento inicial referido em1º) supra, a exequente juntou:
a) A livrança identificada nos arts.1º ss, sob o documento nº..., subscrita na frente pela sociedade EMP03..., Lda. e com subscrições no verso, com menção de aval, de AA e BB.
b) A escritura de 24.06.2017, sob a epígrafe “Hipoteca”, sob o doc. nº..., na qual a procuradora de AA e de BB declarou:
«Que, em nome dos representados, AA e mulher BB e, para garantir:
a) do pagamento de todas as responsabilidades assumidas ou a assumir pela sociedade “EMP03..., Limitada" (NIPC ...), com sede na Rua ..., ..., ..., Guimarães, junto do ”Banco 2..., S.A.", por crédito concedido e/ou a conceder, valores descontados e/ou adiantados e garantias bancárias prestadas ou a prestar, até ao limite global de noventa e nove mil setecentos e cinquenta e oito cêntimos;
b) dos juros à taxa Lisbor a três meses, arredondada para o meio de ponto percentual superior, acrescida de um spread de cinco pontos percentuais, sendo a taxa inicialmente aplicável de nove vírgula cinco por cento, acrescida de quatro por cento em caso de mora, a título de cláusula penal;
c) das despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo honorários de advogado e solicitador, que o tenha de fazer para cobrança dos seus créditos, computadas para efeitos de registo em três mil novecentos e noventa euros e trinta e oito cêntimos, sendo, por isso, o montante máximo do crédito e acessórios de cento e quarenta e quatro mil cento edois eurose setenta e nove cêntimos, constitui, hipoteca voluntária sobre a fracção autónoma designada pela letra ..., correspondente a uma habitação no ... andar, com uma varanda e uma garagem privativa na cave, do prédio no sito em ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número natrezentos e cinquenta e cinco, com registo de aquisição G- apresentação oitenta e cinco de dois mil e um/onze/vinte e nove, afecto ao regime de propriedade horizontal pela inscrição F-apresentação vinte e seis de mil novecentos e novecentos e noventa, inscrito na matriz ...83.». (facto aditado oficiosamente por esta Relação, com base nos documentos juntos com o requerimento inicial do processo nº2240/08.5TBVCT) 3º) A 12/03/2010 foi penhorada a fração autónoma designada pela letra ..., ... andar, destinado a habitação com uma garagem na cave, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito no lugar ..., Rua ..., freguesia ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...55 de ... e inscrito na matriz urbana sob o artigo ...83.... (facto 3.2. da sentença recorrida) 4º) A penhora do imóvel foi sustada por despacho de 01.06.2010, na sequência de se ter apurado que sobre o aludido prédio estava registada penhora proveniente de outro processo executivo (Ap. ...5 de 2004/12/10, emergente dos autos com o n.º 1863/04...., do ... Juízo do Tribunal Judicial da Comarca ...). (facto provado em 3.3. da sentença recorrida) 5º) Não tendo sido encontrados outros bens suscetíveis de penhora, a execução foi extinta em 15.05.2013, tendo o agente de execução:
a) Declarado ter notificado a 15.05.2013 a exequente e os executados.
b) Juntado cópia das notificações dos avalistas e do Ministério Público, com o seguinte conteúdo:
«Nos termos do nº 6 do art. 833º-B do CPC com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei 226/2008, fica notificado de que a execução supra identificada se encontra extinta.
Realça-se que em conformidade com o nº 5 do art. 920º do CPC a execução poderá ser renovada se forem indicados bens penhoráveis.
Nos termos do nº 7 do art.º 833º - B do CPC, se após a extinção da execução esta se renovar e se verifique que o executado tinha bens penhoráveis, fica este sujeito a sanção pecuniária compulsória, no montante de 5% da divida ao mês, com o limite mínimo global de 1000 euros, desde a data da omissão até à descoberta dos bens, quando:
a) Não tenha feito qualquer declaração: ou
b) Haja feito declaração falsa de que tenha resultado o não apuramento de bens suficientes para satisfação da obrigação.»
(facto 3.4. da sentença recorrida, aditado oficiosamente por esta Relação, face ao teor dos atos comunicados ao processo) 6º) A 20.12.2022 o agente de execução, após 1.2.2. infra e a comunicação de 15.12.2022 realizada aos autos pela EMP01...,SA, remeteu carta de notificação aos avalistas da livrança nos seguintes termos:
«Exmo. Senhor:
Fica V.ª. Exa. notificado do pedido de renovação da execução, pelo exequente, ao abrigo do disposto do artigo 850º nº 5 do CPC.
Com os melhores cumprimentos.». (facto 3.5. da sentença recorrida, corrigido e aditado oficiosamente por esta Relação com base nos atos processuais de 15.12. e de 20.12.2022) 1.2.2. No incidente de habilitação de cessionárionº2240/08...., deduzido porapenso à ação executiva referida em 1.1. supra: 1º) A 14.10.2022 EMP01..., SA pediu a sua habilitação como cessionária da exequente Banco 2..., SA, tal como a renovação da instância, nos seguintes termos:
a) No seu requerimento alegou:
«1.º
Por Contrato de Cessão de Créditos outorgado em 23/12/2010 – cuja cópia ora se junta sob o Doc. n.º ..., e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos - o Banco 2..., S.A., exequente nos autos à margem referenciados, cedeu à ora requerente o crédito peticionado. 2.º
Em virtude da aludida Cessão de Créditos, foram transmitidos para a ora requerente EMP01..., S.A. os direitos de crédito existentes sobre os ora executados, 3.º
bem como todas as garantias e direitos acessórios do crédito cedido, que continuam a assegurar o cumprimento do crédito transmitido, agora em benefício da cessionária, ora requerente, 4.º
designadamente o direito de ocupar a posição processual assumida pela cedente Banco 2... – Banco 2..., S.A.. 5.º
Assim, a partir da data da celebração do Contrato de Cessão de Créditos, a interessada na satisfação da quantia reclamada passou a ser a cessionária EMP01..., S.A.. 6.º
Pela factualidade exposta deduz-se o presente Incidente de Habilitação da Cessionária EMP01..., S.A., à qual caberá e competirá prosseguir os termos da demanda no lugar da cedente, o que expressamente se requer. Nestes termos, e nos melhores de direito, requer a V.ª Ex.ª quese digne, autuado por apenso e cumpridas as formalidades previstas no art. 356.º do Cód. de Processo Civil, julgar o presente incidente procedente, por provado, declarando, consequentemente a sociedade EMP01..., S.A. devidamente habilitada a intervir nos presentes autos na qualidade de cessionária do crédito peticionado pelo Banco 2..., S.A. Sem prescindir, 7.º
Os autos principais foram extintos com fundamento na sustação integral em virtude de penhora com prioridade temporal registada sob a fracção autónoma designada pela letra ... do prédio urbano
descrito na CRPredial ... sob o n.º ...55, freguesia ..., inscrito na respectiva matriz ...83.
Sucede que, 8.º
A ora requerente conseguiu promover o cancelamento do aludido ónus que obstava à promoção da venda do bem em crise nos presentes autos – cfr. Doc. n.º ...que ora se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 9.º
Atenta a remessa dos autos para o arquivo geral está a requente impedida de requerer a renovação da instância directamente à Exma. Sra. Agente de Execução nomeada, pelo que respeitosamente se requer a V.ª Ex.ª que opere a competente distribuição, de molde a que possa impulsionar os autos em conformidade.».
b) Juntou certidão da escritura de cessão de créditos hipotecários, celebrada a 23.12.2010, com anexos complementares, nos quais consta um extrato com a seguinte identificação de um crédito e dos processos em que foi reclamado: 2º) A 14.11.2022 foi proferida sentença de habilitação de cessionária, que decidiu:
«Pelo exposto, não tendo sido objecto de impugnação a validade do acto, ao abrigo do disposto no art.º 356.º do CPC, impõe-se, na procedência do incidente suscitado, julgar habilitada EMP01..., S.A. como cessionária, na posição até então ocupada por Banco 2..., S.A..
Custas pela Requerente [art.º 539.º, n.º 1 do CPC].
Valor: o do(s) crédito(s) objecto da cessão.
Registe e notifique.».
2. Matéria de direito e decisão:
2.1. Apreciação da arguição de nulidade da sentença, nos termos do art.615º/1-d) do CPC:
A recorrente, no seu recurso, concluiu que a decisão recorrida «violou (…) o preceituado na al. d) do n.º1 do art.615.º do CPC» (conclusão 17), afirmação que realizou após ter invocado no ponto I-B) da «Motivação» prévia às conclusões, sob a epígrafe «B) DA OMISSÃO DE PRONÚNCIA NA DECISÃO RECORRIDA», a omissão de pronúncia de fundamentos da sua oposição, que veio depois a sintetizar nas conclusões 6 a 16.
Assim, considera-se invocada a nulidade da decisão, apesar da recorrente não ter pedido a declaração da nulidade da sentença e a substituição do Tribunal a quo pelo Tribunal ad quem (em coerência com a arguição realizada) e ter pedido a revogação da decisão (própria de um erro de julgamento de direito).
Desta forma, importa apreciar, conforme se identificou em III-2 supra: se a decisão recorrida é nula, nos termos do art.615º/1-d) do CPC (conclusão 17, em referência às conclusões 6 a 16); se a decisão for nula, qual a apreciação do Tribunal ad quem, em substituição do Tribunal a quo, face aos fundamentos de direito referidos em 2.1. supra, nos termos do art.665º/2 do CPC.
Realizar-se-á esta apreciação de acordo com o regime jurídico aplicável.
2.1.1. Enquadramento jurídico:
A sentença proferida é nula quando «O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;» (art.615º/1-d) CC), efeito este referido à inobservância da obrigação do art.608º/2 do CPC, que dispõe que «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.».
Estas questões previstas no nº2 do art.608º do CPC, conforme referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, reportam-se «aos pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição das partes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, pedido e exceções, não se reconduzindo à argumentação utilizada pelas partes em defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos, mas sim às controvérsias centrais a dirimir.» [i].
Estas questões, por sua vez, não se confundem:
a) Com os factos que preenchem os fundamentos dos pedidos, factos estes que, caso seja omitida a sua apreciação, esta omissão pode ser invocada como erro de direito. Neste sentido, veja-se, nomeadamente, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.03.2017, proferido no processo nº7095/10.7TBMTS.P1.S1, relatado por Tomé Gomes, que sumaria, de forma que se perfilha por inteiro: «I. O não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC. II. Tais situações reconduzem-se antes a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aplicável aos acórdãos dos tribunais superiores por via dos artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC.»[ii].
b) Com os documentos juntos para prova ou contraprova de factos que tenham sido alegados, documentos estes cuja omissão de apreciação apenas pode ser apreciada como erro de julgamento de facto, em impugnação a decisão de facto (art.640º do CPC) ou em invocação de deficiência ou falta de consideração de factos passíveis de prova documental (arts. 662º/3-c)- parte final e 663º/2 do CPC).
c) Com argumentos jurídicos tecidos para defender o sentido de decisão de uma determinada questão suscitada[iii]. 2.1.2. Situação em análise:
Impõe-se reexaminar os fundamentos de direito da sentença, transcritos em I-3.1. supra, em confronto com os fundamentos da arguição da nulidade, referenciados à oposição apresentada e referida em I-2 supra.
Por um lado, verifica-se que o Tribunal a quo, nos fundamentos da sentença recorrida referidos em I-3.1. supra, não omitiu a apreciação das seguintes questões, ainda que o tenha feito de forma breve ou passível de ser contestada por erro de direito:
a) A invocação que foi dado à execução um título executivo complexo, determinante da aplicação do prazo ordinário de prescrição de 20 anos, nos termos dos arts.309º e al. a) do art.730º do CC (conclusão 6), uma vez que na sentença recorrida se considerou claramente que na execução apenas se discutiu a relação cambiária e não a relação fundamental, relação cambiária essa sujeita ao prazo de curta duração de 3 anos (de onde se depreende que não aceitou a existência de um título complexo e a aplicação do prazo ordinário de prescrição, apesar de não ter tratado o tema expressamente):
«Como primeira questão, vejamos qual a natureza da relação jurídica em causa.
Considerando o requerimento executivo e o título (livrança) que o integra, dúvidas não haverá que o direito exercido contra os embargantes e, o contra direito destes à prescrição, se desenvolve no plano cambiário.---
Os executados foram acionados em virtude da declaração de aval prestado à livrança dada à execução. Por isso, a relação jurídica que subjaz ao litígio é a relação jurídica cambiária e não a relação fundamental. Desse modo a prescrição a ocorrer há-de ser a prescrição do direito cambiário, a qual segue o regime fixado no art. 70º LULL.
Dispõe, pois, o citado art.º 70.º, I que “todas as ações contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento”, o que, aplicando-se a livranças por força da norma remissiva do art.º 77.º da LULL, se deve ler “todas as ações contra o emitente relativas a livranças prescrevem em três anos a contar do seu vencimento”.---
Tratando-se de pretensão do credor contra o avalista do emitente da livrança aplica-se o prazo de prescrição que valer para o avalizado, ou seja, três anos a contar do vencimento, como cominado pelo art.º 70.º, I da LULL.».
b) A defesa que a exequente apenas poderia ter promovido o regular andamento dos autos depois de cancelado o registo da penhora primeiramente registada noutro processo «em que a recorrente reclamou o seu crédito» sobre a fração autónoma sobre a qual a recorrente tinha a garantia de hipoteca, em respeito ao art.752º do CPC (conclusões 7 e 8), tendo em conta que na sentença se afirmou concretamente o pretenso cancelamento da penhora não relevava para afastar a prescrição, quando o mesmo ocorreu depois de decorrido o prazo prescricional:
«Ora, a decisão que renovou a instância data de 20.12.2022. Em tal data já o prazo de prescrição se havia completado, não podendo relevar para a sua eventual (e nova) interrupção – como o defende a Exequente – o facto de só quando se concretizou o cancelamento do referido ónus é que poderia aquela prosseguir com a renovação/prossecução dos presentes autos.»
Por outro lado, verifica-se que nos fundamentos da sentença recorrida referidos em I-3.1. supra não foi apreciada:
a) A arguição de inconstitucionalidade da interpretação dos arts.323º do CC e arts.750º, 752º e 794º do CPC, se a mesma considerar que decorreu o prazo de prescrição (conclusão 14), antecedida das considerações referidas nas conclusões9 a 13.
b) A pretensão de decretamento da renovação da instância, para não violar o princípio do aproveitamento dos atos (conclusões 15 e 16).
Desta forma, reconhece-se a nulidade parcial da decisão, por omissão da apreciação destas questões concretas suscitadas na defesa da exequente em relação à oposição por embargos, nulidade esta que deve ser suprida pelo Tribunal ad quem, nos termos do art.665º/2 do CPC.
Esta substituição, todavia, far-se-á: quanto à arguição da inconstitucionalidade, quando se reapreciar a decisão de direito quanto aos fundamentos da decisão apreciados pelo Tribunal a quo, em III- 2.2. infra; quanto ao pedido autónomo de renovação da instância, em III- 2.3. infra. 2.2. Apreciação de erro de direito da sentença recorrida e substituição do Tribunal a quo pelo Tribunal ad quem no suprimento primeira nulidade parcial da sentença referida em III- 2.1.2. supra. 2.2.1. Sobre o(s) título(s) executivo(s) dado(s) à execução e ao prazo de prescrição:
A sentença recorrida, nos termos que referiu em I-3.1. supra, considerou que foi dada à execução um título cambiário (livrança), sujeito à prescrição de 3 anos, de acordo com o disposto no art.70º da LULL, ex vi do art.77º da LULL.
A recorrente contestou a aplicação deste prazo de 3 anos, defendendo que face ao título composto dado à execução (título de crédito e escritura de constituição de hipoteca) e à relação subjacente (decorrente do contrato de mútuo celebrado entre a exequente originária e a sociedade subscritora da livrança), deveria ter sido aplicado o prazo de prescrição ordinário de 20 anos (conclusão 6, ampliado no 1º parágrafo do ponto «B) Da Omissão de Pronúncia na Decisão Recorrida»).
Importa apreciar. 2.2.1.1. Enquadramento jurídico: A. Na data da instauração da ação executiva, a 23.07.2008, encontrava-se em vigor o Código de Processo Civil de 1961, aprovado pelo Decreto-Lei nº44129/ de 28.09.1961, alterados pelas revisões posteriores, Decreto-Lei este que foi revogado em 2013 pelo art.4º/a) da Lei nº41/2013, de 26.06. Os processos executivos pendentes na data da entrada em vigor desta nova lei, apesar de passarem no geral a ser regulados pela lei nova (art.6º/1 da referida Lei nº41/2013), nalgumas matérias mantêm-se regulados pela lei antiga, nomeadamente, quanto aos títulos executivos (art.6º/3 desta Lei, que prescreve que «O disposto neste Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, relativamente aos títulos executivos (…) só se aplica às execuções iniciadas após a entrada em vigor»).
Toda a execução deve ter por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva (art.45º/1 do CPC de 1961 vigente em julho de 2008, correspondente ao art.10º/5 do CPC de 2013). O título cumpre, assim, «uma função de certificação da aquisição do direito» ou uma «função de representação dos factos principais da causa de pedir» (sendo que «otítulo não é a causa de pedir; mas representa-a»[iv].
As espécies de títulos estavam tipificadas, na versão do art.46º do CPC de 1961 vigente em julho de 2008 (com as redações do DL nº 329-A/95, de 12/12, do DL n.º 38/2003, de 08/03, do DL n.º 303/2007, de 24/08, do DL nº 116/2008, de 04/07, entrado em vigor a 21.07.2008, nos termos do art.36º/1), nos seguintes termos: «1 - À execução apenas podem servir de base: a) As sentenças condenatórias; b) Os documentos elaborados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação; c) Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto; d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.
2 - Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante.».
Nas espécies de títulos referidos no art.46º/-b) e c) do CPC de 1961, previa-se que estes deveriam incorporam a constituição ou o reconhecimento de um crédito. Lopes do Rego, a este propósito, referia: «Quer quanto aos documentos autênticos ou autenticados (al.b)), quer quanto aos documentos particulares (al. c)) estabelece-se expressamente que a força executiva tanto é conferida aos que incorporem o acto ou o negócio constitutivo do débito exequendo, como aos de carácter puramente recognitivo, que envolvam mero reconhecimento pelo devedor de uma obrigação pré-existente.»[v] (sublinhado aposto nesta Relação).
Na espécie de título previsto no art.46º/1-b) do CPC («b) Os documentos elaborados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;»), se este convencionasse ou previsse a constituição de obrigação futuras, exigia-se, ainda, a verificação dos requisitos de exequibilidade previstos no art.50º do CPC, que definia que «Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, em que se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras podem servir de base à execução, desde que se prove, por documento passado em conformidade com as cláusulas deles constantes ou, sendo aqueles omissos, revestido de força executiva própria, que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes.».
Na espécie de título previsto no art.46º/1-c) do CPC («c) Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto;»), considerava-se que a previsão não deixou de integrar na referida espécie os títulos de crédito previstos expressamente na redação anterior à reforma de 1995 (e que passaram a estar expressamente previstos novamente na redação posterior à reforma de 2013 no art.703º/1-c) do CPC). Lopes do Rego, a este propósito, refere «A alínea c) deixa de autonomizar, dentro da categoria geral dos documentos particulares assinados pelo devedor, os títulos de crédito expressamente referidos no preceito, na redacção anterior à reforma- os quais continuam naturalmente a deter força executiva enquanto incorporem acto que implique a constituição ou reconhecimento do débito exequendo»[vi]. B. Os direitos de crédito, incorporados nos títulos dados à execução, podem beneficiar de distintos prazos de prescrição (arts.309º ss do CC), prazos nos quais a lei prevê, nomeadamente:
a) O prazo ordinário de prescrição de 20 anos (art.309º do CC), aplicável: não só aos casos cujos direitos não estão sujeitos a prazos curtos de prescrição; mas também àqueles casos em que, apesar de os direitos estarem sujeitos a prazos curtos de prescrição, entretanto foram reconhecidas obrigações já devidas por sentença transitada em julgado (art.311º do CC, que prevê que «1. O direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo. 2. Quando, porém, a sentença ou o outro título se referir a prestações ainda não devidas, a prescrição continua a ser, em relação a elas, a de curto prazo.»).
b) O prazo curto de prescrição de 5 anos, relativamente aos créditos de quotas de amortização do capital pagáveis com juros (art.310º/e) do CC), aplicável ao crédito decorrente de contrato de mútuo, reembolsável em prestações que integrem amortização de capital e remuneração de juros, disposição legal essa em relação à qual o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2022, de 22 de setembro, uniformizou jurisprudência nos seguintes termos: «I - No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação. II - Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo 'a quo' na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.».
c) O prazo curto de prescrição de 3 anos desde o vencimento, relativamente a créditos decorrentes de títulos de crédito literais e abstratos, nomeadamente livranças (art.70º LULL, ex vi do art.77º da LULL). C. Aprescrição dos direitos cambiários, nos termos referidos em B-c) supra, não impede que o titulo prescrito possa ser considerado como documento particular que reconheça uma dívida, nos termos e para os efeitos do art.46º/c) do CPC, desde que se verifiquem determinados requisitos (sobretudo no requerimento inicial e do negócio subjacente), de acordo com o que foi sendo entendido na Doutrina e Jurisprudência desde o regime anterior ao Código de Processo Civil de 2013: que o documento pudesse reconhecer unilateralmente uma dívida, nos termos da 1ª parte do nº1 do art.458º do CC («1. Se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respectiva causa,»); que o exequente alegasse a relação subjacente no requerimento inicial executivo (o art. 810º/1-e) do CPC vigente na data da instauração da ação em julho de 2008 previa que no requerimento inicial o exequente «Expõe sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do titulo executivo»); que não existisse obstáculo das exigências formais do negócio da relação subjacente. Neste sentido, pode ver-se Lopes do Rego:
«Tratando-se de título abstracto, do qual não conste menção da causa da obrigação subjacente, a extinção da obrigação cartular, literal e abstracta, nomeadamente por prescrição, não obsta a que o credor se sirva de titulo, considerado como simples documento particular, assinado pelo devedor, desde que:
_ o negócio subjacente não tenha natureza formal;
- o exequente invoque, no requerimento executivo, a relação subjacente em que se funda a execução;
- a assinatura do título possa valer, nos termos do art.458.º do C. Civil, como acto de reconhecimento de dívida- o que, a nosso ver, implicará o afastamento dos casos em que a subscrição e emissão do título não implica nem tem como função o reconhecimento de uma obrigação, radicando a responsabilidade legal do subscritor na garantia do interesse na respectiva circulação, enquanto título exclusivamente literal e abstracto.»[vii].
De facto, na impossibilidade de se atender, face à prescrição do direito cambiário, ao documento particular de reconhecimento de uma dívida com a abstração dos títulos de crédito, a falta de identificação nestes da relação subjacente exige que esta seja alegada no requerimento inicial (art.810º/1-e) do CPC de 1961, correspondente ao art.724º/1-e) do CPC de 2013), alegação de causa de pedir em relação à qual opera depois uma inversão do ónus da prova face ao disposto no art.458º do CC («1. Se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respectiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário. 2. A promessa ou reconhecimento deve, porém, constar de documento escrito, se outras formalidades não forem exigidas para a prova da relação fundamental.»).
Neste sentido, Rui Pinto refere: «não se está, em rigor, perante um negócio abstrato, mas perante uma inversão do ónus da prova, pois cabe ao devedor alegar e provar (na oposição à execução), a falta de causa da relação fundamental: “a inexistência, a nulidade ou a anulabilidade do negócio donde procede a dívida (…), bem como a própria exceção de contrato não cumprido, o direito de resolução.” (…) Mas o credor que beneficia de um reconhecimento de dívida, se tem a seu favor a inversão do ónus da prova da causa de pedir, não fica dispensado de a indicar, caso o título a não contenha, nos termos do artigo 724º nº1 al. e), já referido. Neste sentido CASTRO MENDES defendia, precisamente, que o credor que disponha de uma confissão de dívida não podia remeter apenas para o título, no requerimento executivo»[viii]. 2.2.1.2. Situação em análise:
Impõe-se, assim, examinar o requerimento inicial executivo provado em 1º) e 2º) de III- 1.2.1. supra (com o conteúdo e os títulos juntos com o mesmo), de acordo com o regime de direito referido em III- 2.1.1.1. supra.
Por um lado, verifica-se que a exequente, no seu requerimento inicial:
a) Identificou como título dado à execução uma “livrança”.
b) Alegou: a subscrição e o aval da livrança, respetivamente, pela 1ª executada e pelos 2º e 3º executados, «em virtude de operação de crédito bancário praticado no exercício da actividade bancária do Banco 2..., SA» (sem indicação de qualquer facto integrativo da operação); e a constituição pelos 2º e 3º executados de uma hipoteca sobre um imóvel, a 24.03.2006 para garantir responsabilidades assumidas e/ou a assumir pela 1ª executada, juros e despesas, até ao valor máximo de € 144 152, 79, declarando que o «tipo de crédito que se executa cabe na previsão da Escritura de Hipoteca, estando dessa forma, por ela abrangido».
Por outro lado, verifica-se que, com este requerimento inicial, a exequente apenas juntou:
a) A livrança subscrita pela 1ª executada e avalizada pelos 2º e 3º executados, sem menção de qualquer causa subjacente à promessa pura e simples de pagamento da divida, que integra a obrigação cartular literal e abstrata regulada nos arts.75º da LULL.
b) A escritura anterior de 26.03.2006 de constituição de hipoteca sobre um imóvel para garantia de dividas da 1ª executada, passadas ou futuras, acrescidas de juros e despesas, com o limite global indicado, sem indicação de qualquer facto gerador das dívidas passadas ou futuras (arts.686º ss do CC).
Ora, esta alegação e documentos juntos não nos permite reconhecer que foi dada à execução mais do que o título cambiário da livrança.
De facto, a constituição de hipoteca sobre o imóvel pelos 2º e 3º executados, para garantir dívidas da 1ª executada, juros sobre a mesma e despesas: apenas confere ao credor o direito de ser pago pelo valor do imóvel, com preferência sobre demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo; não constitui nem reconhece, por si só, qualquer dívida da 1ª executada, a que se refere a garantia de hipoteca dada pelos 2º e 3º executados até ao limite por si definido. Neste sentido, veja-se, nomeadamente, Ac. RP de 28.10.2021, proferido no processo nº872/20.2T8AGD-A.P1, relatado por Manuel Domingos Fernandes, que sumariou: «I - A escritura pública donde apenas constam declarações dos outorgantes no sentido de constituírem uma hipoteca para garantia do pagamento de quantias que possam vir a ser devidas por força de um outro contrato celebrado, não é título executivo nos termos do art. 703.º n.º 1 al. b) do C P Civil, porque essa escritura não importa na constituição ou reconhecimento duma obrigação pecuniária e, por assim ser, também não pode ser vir de base à reclamação de créditos (cfr. artigo 788.º nº 2 do C P Civil). II - O documento que constituiria ou reconheceria a existência da obrigação exequenda seria, no caso, o contrato de contrato de organização, montagem, registo e colocação de emissão de particular de papel comercial, porém, dado ter sido celebrado por documento particular e já depois das alterações ao Código de Processo Civil decorrentes da entrada em vigor da Lei n.º 41/2013 de 26/6, deixou de ter força de título executivo.»[ix].
Por sua vez, a exequente: em 2008, não deu à execução o título constitutivo ou o recognitivo da dívida da 1ª executada subjacente à livrança dada à execução, a que se referisse a declaração de garantia dos 2º e 3º executados, nem alegou no requerimento inicial quaisquer factos que integrassem a referida relação subjacente, que pretendesse aproveitar como quirógrafo no caso de se considerar que o direito cambiário estava prescrito; apenas em 2023, quando contestou os embargos supervenientes, afirmou que a relação subjacente à dívida foi o contrato de mútuo de 30.08.2005, juntando aos autos o documento que o formalizou, articulado este que não admite a ampliação da causa de pedir do requerimento executivo inicial de 2008 e dos títulos executivos dados nessa altura à execução.
Desta forma, não se pode deixar de entender que em 2008 apenas foi dada à execução uma livrança de 30.08.2005 (vencida posteriormente 21.07.2008), cuja obrigação cartular da 1ª executada como subscritora, avalizada pelos 2º e 3º executados, podia considerar-se garantida pela hipoteca constituída entretanto por estes 2º e 3º executados a 26.03.2006.
Neste sentido, o prazo de prescrição do único titulo executivo que se pode considerar dado à execução em 2008 é o prazo de 3 anos, nos termos do art.70º e 71º, ex vi do art.77º da LULL.
Pelo exposto, nada há a censurar à definição do prazo de prescrição realizada na sentença recorrida. 2.2.2. Sobre a contagem do prazo de prescrição e sobre a inconstitucionalidade:
A sentença recorrida considerou que o direito cambiário estava prescrito na data da renovação da instância em 2022: porque o prazo de prescrição de 3 anos contado desde o vencimento da livrança em 2008, nos termos do art.70º da LULL, interrompeu-se com a citação dos executados na ação executiva de julho de 2008 (art.323º/1 do CC), altura em que se inutilizou todo o prazo decorrido anteriormente (art.326º/1 do CC), passando apenas a correr novo prazo de prescrição após passar em julgado a decisão que pôs termo ao processo (art.326º/1-2ª parte do CC, art.327º/1 do CC); porque, no caso concreto, «A execução a que respeitam os embargos foi extinta por sustação integral em 15.05.2013 e, em 20.12.2022, foi objeto de decisão de renovação proferida pela AE. A contagem deste (novo) prazo de prescrição reiniciou-se logo que transitado em julgado o despacho que julgou a sustação integral, a qual nos termos do art.º 794.º, n.º 4 CPC determinara a extinção da execução. Tal despacho, proferido em 15.05.2013 transitou em julgado em 14.06.2013. Desta feita, o prazo de prescrição de três anos (re)inicia a sua contagem em 15.06.2013, terminando em 15.06.2016.».
A recorrente, na apelação desta sentença, defendeu que o seu crédito não estava prescrito: por apenas ter podido promover o regular andamento dos autos depois de cancelado o registo da penhora primeiramente registada noutro processo «em que a recorrente reclamou o seu crédito» sobre a fração autónoma sobre a qual a recorrente tinha a garantia de hipoteca, em respeito ao art.752º do CPC (conclusões 7 e 8); por ser inconstitucional a interpretação dos arts.323º do CC e arts.750º, 752º e 794º do CPC que determinasse a prescrição (conclusão 14), por aquela razão epor entender que o legislador não pretendeu dar cobertura de comportamentos relapsos, face ao exemplo abstrato que indica (em que coloca a hipótese de possíveis demora do processo executivo em que ocorra uma primeira penhora, que determine a sustação da execução de um segundo processo e a prescrição do direito deste segundo processo apesar da reclamação feita naquele) (conclusões 9 a 13).
Importa apreciar o recurso e a questão da inconstitucionalidade não apreciada pelo Tribunal a quo, de acordo com o quadro jurídico aplicável e os factos provados em III-1 supra. 2.2.2.1. Enquadramento jurídico: A. AConstituição da República Portuguesa prevê, como direito fundamental, o acesso ao direito e aos Tribunais, prescrevendo no art.20º da prevê«1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos. 2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade. 3. A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça. 4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo. 5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.» (bold aposto na Relação).
O direito constitucional à tutela jurisdicional efetiva não afasta a possibilidade do legislador ordinário definir regras para o exercício dos direitos, nomeadamente, de definir as repercussões do decurso do tempo nas relações jurídicas, nomeadamente através da prescrição (arts.296º ss do CC).
O regime de prescrição da legislação ordinária equilibra o interesse do credor no exercício dos seus direitos legítimos contra os devedores e o interesse dos devedores em não serem sujeitos à inércia do credor e à indeterminação temporal na definição jurídica das suas obrigações e na sua satisfação coerciva. B. Assim, estão sujeitos à prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição (art.298º/1 do CC).
O prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo prazo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição (art.306º/1 do CC). O prazo de prescrição de uma livrança, por sua vez, corre desde a data do seu vencimento (art.70º, ex vi do art.77º da LULL).
Interrompido o prazo prescricional com a citação para a ação judicial em que o credor pretenda exercer o seu direito, ou no prazo de 5 dias após a instauração da ação se nesse prazo não ocorreu a citação por causa não imputável ao requerente (art.323º/1 e 2 do CC), fica inutilizado para a prescrição todo o prazo anterior e reinicia-se a contagem de novo prazo desde o trânsito em julgado da ação que puser termo ao processo (arts.326º e 327º/1 do CC), desde que a instância não termine por desistência ou absolvição da instância (caso em que vigora o regime do art.327º/1 e 2 do CC).
Completada a prescrição, o beneficiário tem a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito (art.304º/1 do CC), embora a prestação realizada espontaneamente em cumprimento de uma obrigação prescrita, ainda que com ignorância quanto à mesma, não possa ser repetida (art.304º/2 do C. Civil).
Esta prescrição, quanto à sua eficácia: para uns corresponde a uma causa extintiva da obrigação, sem prejuízo do nº2 do art.304º do C. Civil (v.g, Brandão Proença[x] e Luís Carvalho Fernandes, referidos por Júlio Gomes, considerando-a este extintiva de direitos sem prejuízo de se dever o seu cumprimento como dever de justiça[xi];); para outros não é uma causa de extinção das obrigações rigorosa mas confere a faculdade de recusar o exercício do direito (v.g. Menezes Cordeiro considera que «A eficácia da prescrição não é extintiva. Ela transforma, quando invocada, a obrigação prescrita numa obrigação natural»[xii]; Júlio Gomes, com referência também a Jacinto Rodrigues Basto, a Heinrich Horster e Pedro Pais de Vasconcelos, consideram que é uma exceção que atribui apenas ao devedor que a invoque a “faculdade de se recusar a cumprir ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito”[xiii]).
Independentemente desta discussão, a prescrição é uma exceção perentória que, pelo menos, torna inexigível o cumprimento civil da obrigação, nos termos dos arts.576º/3 e 579º do C. P. Civil[xiv]. C. No regime da ação executiva para pagamento de quantia certa, o legislador define que quando existir mais do que uma penhora sobre o mesmo bem, em diferentes processos executivos, a ação executiva em que a penhora tiver sido posterior deve ser sustada quanto a esse bem (art.871º/1 do CPC de 1961 vigente nas datas das penhoras e sustação desta ação, em 2010; art.794º/1 do CPC de 2013).
Esta sustação pode desencadear efeitos distintos no primeiro processo onde ocorreu a penhora e nos subsequentes processos onde ocorreu a penhora.
Por um lado, o exequente do processo onde ocorreu a penhora posterior, que não tiver sido citado no processo onde ocorreu a sua execução, como titular de garantia real, para aí reclamar os seus créditos (art.864º do CPC de 1961; art.786º do CPC 2013), pode reclamar os seus créditos no prazo de 15 dias após a notificação da sustação (art.871º/2 do CPC de 1961 vigente nas datas das penhoras e sustação desta ação, em 2010; art.794º/2 do CPC de 2013).
Em qualquer um destes casos, quando o credor reclamar os seus créditos, no processo onde ocorreu a primeira penhora, passa a ser parte deste processo judicial de reclamação de créditos, a aguardar a prolação de sentença de verificação e graduação de créditos (arts.865º ss do CPC de 1961; arts.788º ss do CPC de 2013). Este credor reclamante com garantia real, se a ação executiva se extinguir sem a venda ou adjudicação do bem, pode mesmo pedir o prosseguimento da execução para a verificação da garantia, no prazo de 10 dias após a notificação da extinção da execução (art.920º do CPC de 1961 na versão vigente em 2013, antes da entrada em vigor do CPC de 2013; art.850º do CPC de 2013). Assim, este credor reclamante, beneficia das disposições gerais interruptivas da prescrição dos arts.323º, 326º e 327º do CC.
Por outro lado, o processo em que tenha ocorrido a segunda penhora, se ficar integralmente sustado (nomeadamente por o exequente não ter desistido da penhora do bem que gerou a sustação e não serem penhorados outros bens), extingue-se (regra geral do arts.833º-B/6 e 919º/1-c) do CPC vigente até 31.08.2013, aplicável nomeadamente aos casos da sustação; norma geral do art.750º/1 e 2 e norma especial para a sustação integral dos arts.794º/4 e 849º/1-e) do CPC de 2013 vigente depois de 01.09.2013), sem prejuízo da renovação da instância, quando o exequente indique concretos bens penhoráveis (art.920º/5 do CPC de 1961, na versão vigente até 31.08.2013; art.850º/5 do CPC de 2013, vigente depois de 01.09.2013). 2.2.2.2. Apreciação da situação em análise:
Importa apreciar os fundamentos de defesa da recorrente, face à decisão recorrida, tal como o regime jurídico aplicável face os factos provados
Por um lado, verifica-se que a recorrente configurou a sua defesa com a invocação de argumentos que não têm qualquer virtualidade para interromper o prazo de prescrição de 3 anos, face ao regime de direito aplicável, e não alegou os factos concretos que poderiam determinar a interrupção ou a falta de decurso do prazo prescricional mesmo após a extinção da instância executiva, por consolidação e definitividade da decisão do agente de execução, não impugnada junto do juiz (art.723º/1- c) ou d) do CPC)[xv].
De facto, o cancelamento da penhora sobre o imóvel, ocorrida no primeiro processo e que fundou a sustação da execução do segundo processo (cancelamento, aliás, não demonstrado pela exequente/recorrente nas certidões permanentes juntas de 2019, na oposição aos embargos, e de outubro de 2022, no incidente de habilitação de cessionário, consultados por esta Relação), ainda que corresponda a um pressuposto para a admissão pelo agente da execução da renovação da instância pedida em 2022 (uma vez que a penhora determinou a sustação da execução em 2010, ao abrigo de norma com igual correspondência no art.794º/1 do CPC de 2013), não corresponde a qualquer facto que permita interromper a prescrição, de acordo com as previsões legais que definem os fatores interruptivos (arts.323º a 326º do CC).
Por sua vez, a demora de um segundo processo executivo em que se realizou a primeira penhora de um bem, para além de ter sido invocada pela exequente/recorrente apenas em abstrato (sem qualquer invocação e de demonstração da situação concreta), não corresponde também a qualquer causa legal interruptiva da prescrição, sem que, todavia, este credor fique desprotegido juridicamente no regime vigente, enunciado em III- 2.2.2.2.-B e C supra.
De facto, o credor/exequente de um processo executivo, que beneficiou de interrupção de prazo prescricional do art.323º/1 e 2 do CC, se vir a sua execução sustada por ter penhorado bem sobre o qual já recaía penhora anterior num outro processo: pode reclamar o seu crédito na primeira ação executiva, após ter sido citado para o efeito nessa execução ou após ter sido notificado do despacho de sustação da segunda execução, caso em que essa reclamação implica também a interrupção de prazo de prescrição que esteja a correr (art.323º/1 e 2 do CC), prazo que passa a não poder correr novamente antes do trânsito em julgado da sentença de reclamação e graduação de créditos; a prolação de uma sentença sobre um crédito vencido é apta a conferir ao credor um posterior prazo de prescrição ordinário de 20 anos (arts.311º/1, 326º/2 e 327º/ 1 do CC).
Ora, a recorrente/exequente, na sua contestação aos embargos, limitou-se a esgrimir argumentos abstratos e impertinentes para a contagem do prazo de prescrição arguida e não alegou aquilo que lhe caberia ter alegado e provado para impedir o reconhecimento da exceção de prescrição arguida pelos executados/recorridos, v.g.: se e quando reclamou créditos no processo executivo nº...4..., onde ocorreu a primeira penhora; se foi proferida e quando sentença de reclamação de graduação de créditos; se, no caso de não ter sido proferida e ter-se extinto a ação executiva sem a venda, se pediu o prosseguimento da referida ação executiva para a graduação de créditos.
Por sua vez, apesar da recorrente ter afirmado conclusivamente na 8ª conclusão deste recurso que reclamara o seu crédito no primeiro processo onde ocorreu a penhora (afirmação genérica essa contestada pelos executados/recorridos nas suas contra-alegações do recurso), fê-lo pela primeira vez (uma vez que não alegou o facto na contestação dos embargos nos quais deveria ter concentrado a sua defesa, nos termos dos arts.573º e 555º/1 do CPC). Assim, ainda que a recorrente tivesse alegado neste recurso de apelação os factos concretos que integram a referida reclamação de créditos e os tivesse documentado, o que não fez, esta reclamação de créditos seria uma questão nova, impassível de apreciação pelo Tribunal ad quem, uma vez queos recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais, pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação e não um meio para suscitar pela primeira vez questões que deveriam ter sido invocadas perante o Tribunal a quo e pelo mesmo decididas. Vide, neste sentido, entre outros, Ac. STJ de 07.04.2005, proferido no processo nº05B175, relatado por Ferreira Girão, e Ac. STJ de 07.07.2016, proferido no processo nº 156/12.0TTCSC.L1.S1, relatado por Gonçalves Rocha.
Não tendo a exequente alegado e demonstrado os factos de que depende a interrupção da prescrição, não pode deixar de se entender que o prazo prescricional de 3 anos para a execução do título cambiário prescreveu 3 anos depois da estabilização da decisão do agente de execução, por falta de impugnação judicial da mesma em 2013.
A aplicação deste regime prescricional não enferma de qualquer inconstitucionalidade, por violação do direito à tutela efetiva do art.20º do CRP, uma vez que o referido regime legal da prescrição tutela efetivamente os credores com garantias reais e cujas execuções foram sustadas por penhora anterior, desde que estes cumpram o ónus que lhe cabem (quer o referido ónus de reclamação de crédito no primeiro processo onde foi realizada a penhora; quer o ónus de alegação dos factos concretos interruptivos da prescrição prova na contestação aos embargos e da correspondente, para afastar a prescrição arguida pelos executados nos embargos), sendo que a omissão de cumprimento destes ónus pelos credores, nomeadamente a aqui recorrente/embargada, apenas é imputável aos mesmos.
Desta forma, improcede totalmente a arguição de erro de direito do reconhecimento da prescrição cambiária, tal como a invocação de inconstitucionalidade do regime prescricional na situação em análise (feita pela embargada/recorrente em relação aos arts.323º/1 do CC e arts.750º, 752º e 794º do CC, sem qualquer explicação concreta que pudesse ser apreciada pelo Tribunal; conhecida por esta Relação em relação ao sentido presumido da arguição, nos termos referidos no parágrafo supra). 2.2.3. Sobre a renovação da instância por aproveitamento dos atos processuais, a apreciar nos termos do art.665º/2 do CPC:
A recorrente defendeu que deveria ser admitida a renovação da instância, por observância do princípio do aproveitamento dos atos processuais, questão esta omissa na apreciação do Tribunal a quo (conclusões 15 a 17).
Tendo-se reconhecido em III-2.1.- 2.1.2. supra que o Tribunal a quo não apreciou este pedido realizado na contestação aos embargos, importa apreciá-lo, em substituição daquele Tribunal a quo, nos termos do art.665º/2 do CPC. 2.2.3.1.Enquadramento jurídico:
A exequente/embargada, na contestação dos embargos de executado, iniciais ou supervenientes, pode exercer o contraditório quanto aos fundamentos dos embargos (art.732º/2 do CPC de 2013). Este exercício do direito de contraditório sobre os fundamentos da oposição por embargos (arts.731º e 729º de CPC 2013) não se confunde, porém, com o direito processual de ampliação dos fundamentos da instauração da ação executiva (quer quanto à causa de pedir, quer quanto ao título executivo, em referência aos arts.724º e 703º do CPC de 2013), que não se encontra previsto no referido regime da contestação por embargos.
O direito processual de renovação da instância executiva, previsto no art.850º/5 do CPC de 2013, refere-se à instância configurada pela alegação e pelo titulo executivo dados à execução quando foi instaurada a ação executiva (arts.46º e 810º do CPC de 1961, correspondente aos arts.703º e 724º do CPC de 2013), que veio a ser declarada extinta (art.919º do CPC de 1961; art.849º do CPC de 2013).
O princípio da proibição de prática de atos inúteis no processo (art.130º do CPC), exige que o processo a que se refere o princípio tenha sido instaurado ou renovado em observância dos pressupostos processuais ou que não se tenha extinto por falta de observância dos mesmos ou por improcedência. 2.2.3.2. Apreciação da situação em análise:
A pretensão da exequente de admissão da renovação da instância ao abrigo do princípio do aproveitamento de atos processuais (por, no seu entender, poder vir a instaurar ação executiva na qual dê à execução a escritura pública de mútuo, passível de ser atendida na renovação da instância), apresentada na oposição dos embargos do executado em que havia sido deduzida a exceção perentória da prescrição, é manifestamente inadmissível, face ao regime de direito referido em III-2.2.3.1. supra.
De facto, a exequente, na contestação aos embargos supervenientes (na qual os executados arguiram a exceção de prescrição do título cambiário) não pode formular pedidos de ampliação dos fundamentos do requerimento inicial da execução instaurada em 2008 e do pedido de renovação da instância apresentado em 2022 (reportado, por sua vez, aos fundamentos de 2008), uma vez que este articulado não contempla esta faculdade processual. Por sua vez, o princípio de proibição de prática de atos inúteis em processo pendente não permite suprir a falta de pressupostos processuais ou a verificação de exceções perentórias (como a de prescrição, reconhecida na sentença recorrida, e confirmada em III-2.2.2. supra).
Desta forma, esta pretensão da contestação dos embargos, é manifestamente inadmissível.
IV. Decisão:
Pelo exposto, os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:
1. Julgam parcialmente nula a decisão recorrida, por omissão de pronúncia sobre a arguição de inconstitucionalidade das normas da prescrição e sobre o pedido de renovação da instância por aproveitamento de atos processuais. 2. Julgam improcedentes os fundamentos da defesareferidos em IV-1 supra, apreciados por esta Relação em substituição do Tribunal a quo, e julgam improcedentes os demais fundamentos do recurso da sentença recorrida.
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Custas pela recorrente (art.527º/1 do CPC).
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Guimarães, 19.12.2023
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores Relator e Adjuntos
Alexandra M. Viana P. Lopes (Juiz Des. Relatora)
José Alberto Moreira Dias (Juiz Des. 1º Adjunto)
Fernando Barroso Cabanelas (Juiz Des. 2º Adjunto)
Sumário da Relatora: 1. Numa ação executiva em que foi dado à execução uma livrança, acompanhada de uma escritura de constituição de hipoteca (dos avalistas da referida livrança em relação a dívida constituída ou a constituir da subscritora da livrança), sem alegação no requerimento inicial dos factos integrativos da relação subjacente e sem junção do contrato subjacente, não permite concluir que foi dada à execução um título executivo que reconheça ou constitua uma obrigação pecuniária distinta da obrigação cambiária literal e abstrata. 2. Na ação executiva sustada, por precedência de penhora prévia, o exequente pode reclamar os seus créditos no processo executivo onde tiver sido realizada a primeira penhora (arts.871º do CPC de 1961 e 794º do CPC de 2013), altura em que beneficia do regime de interrupção do prazo prescricional (arts.323º, 326º e 327º do CC). 3. Na ação executiva, com instância renovada depois da extinção (art.850º/5 do CPC), na qual os executados deduziram embargos de executado supervenientes com arguição da exceção de prescrição do direito cambiário exequendo, cabe ao exequente/embargado, na contestação aos embargos, alegar e provar os factos concretos que integrem fatores interruptivos da prescrição, nomeadamente os de 2 supra. 4. O decurso do prazo de prescrição do direito cambiário do art.70º, ex vi do art.77º da LULL, contado depois da estabilização da decisão de extinção da instância executiva da primeira ação, por falta de cumprimento pelo exequente dos ónus referidos em 2 e 3, não corresponde a uma violação do direito constitucional de tutela efetiva do art.20º da CRP. 5. Não é admissível formular na contestação de embargos um pedido de ampliação da causa de pedir do requerimento executivo inicial e de aditamento de título executivo, impossibilidade esta que não é ultrapassada pelo princípio de proibição de prática de atos inúteis (art.130º do CPC), que não se destina a sanar a falta de pressupostos processuais ou a verificação de exceções perentórias relativas àquele requerimento inicial.
[i] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in obra citada, nota 7 ao art.608º, pág.753. [ii] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.03.2017, proferido no processo nº7095/10.7TBMTS.P1.S1, disponível in dgsi.pt [iii] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in obra citada, nota 7 ao art.608º, pág.753. [iv] Rui Pinto, in A ação executiva, AAFDL Editora, 2019, Reimpressão, págs.137 e 138. [v] Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, Almedina, Dezembro de 1999, anotação II ao art.46º, pág.69. [vi] Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego, in obra citada, anotação III ao art.46º, pág.69. [vii] Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego, in obra citada, anotação IV ao art.46º, pág.69. [viii] Rui Pinto, in obra citada, pág.139. [ix] O Ac. RP de 28.10.2021, proferido no processo nº872/20.2T8AGD-A.P1, encontra-se disponível inhttp://www.gde.mj.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/1198d315e63b769880258797003f89a4?OpenDocument [x] José Carlos Brandão Proença, in Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações, Universidade Católica Editora Porto, 3ª edição Atualizada, 2019, págs.65 ss. [xi] Júlio Gomes, in Comentário ao Código Civil- Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, anotação 4 ao art.304º, pág.748. [xii] António Menezes Cordeiro, in Código Civil Comentado, I- Parte Geral, CIDP e Almedina, 2020, pág.884. [xiii] Júlio Gomes, in obra citada, anotação 4 ao art.304º, pág.748. [xiv] António Menezes Cordeiro, in obra citada, nota 2, pág.884, refere que «A prescrição funciona como contra-direito: permite, ao beneficiário, bloquear a pretensão do credor, designadamente por exceção. Trata-se de uma exceção perentória, que conduz à absolvição do pedido (art.576.º/3, do CPC), mas que depende da invocação do beneficiário (579.º, do CPC)».
Rita Canas da Silva, in Código Civil Anotado, coordenado por Ana Prata, Almedina, 2ª edição revista e atualizada, nota 1 ao art.304º, pág.411, refere, em relação ao art.304º- «Por conseguinte, o único efeito decorrente desta norma é que, decorrido o prazo prescricional, o cumprimento da obrigação deixa de ser exigível, podendo o devedor opor-se legitimamente ao cumprimento (n.º1), não se admitindo, porém, a repetição do que tenha sido prestado (n.º2). [xv] J. H. Delgado de Carvalho, in “O caso estabilizado dos atos e das decisões do agente de execução”, Blog IPCC, inhttps://drive.google.com/file/d/1azWbepPvvEbHO9e3xA2xgzNh0QI21d9d/view