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CRIME DE RESISTÊNCIA E COAÇÃO SOBRE FUNCIONÁRIO
Sumário
I - Uma ameaça de morte proferida por pessoa visivelmente embriagada, exalando forte odor a álcool e de postura bamboleante, a par de verborreica, não terá o mesmo impacte no visado que teria essa mesma ameaça proferida por pessoa sóbria; nesta última hipótese, uma tal ameaça assumiria foros de seriedade de que se não revestirá a ameaça proferida pelo arguido dirigida a membros das forças de segurança, considerando as capacidades físicas e psíquicas e instrumentos de defesa destes relativamente ao cidadão comum. II – No caso em apreço, a descrita atuação do arguido nas circunstâncias de visível intoxicação pelo álcool em que se encontrava e perante dois membros das forças de segurança não constitui violência adequada a coagir, para efeitos de preenchimento do crime de resistência e coação sobre funcionário, p. e p. pelo artigo. 347.º, n.º 1, do Código Penal.
Texto Integral
Processo nº 567/20.7GBVFR.P1
Comarca de Aveiro
Juízo Central Criminal de Santa Maria da Feira – Juiz 1
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO
No processo nº 567/20.7GBVFR.P1 que corre termos pelo Juízo Central Criminal de Santa Maria da Feira – Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, por acórdão proferido em 02/06/2023, depositado no mesmo dia, foi decidido:
“Pelo exposto, julga-se a acusação pública procedente, por provada e consequentemente, decide-se:
a) condenar o arguido pela prática de um crime de condução perigosa do artigo 291º, nº1, a) e b) do Código Penal e ainda do artigo 69º, nº1 do Código Penal na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão;
b) condenar o arguido pela prática de um crime de resistência e coação sobre funcionário do art. 347°, nº1 do Código Penal na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
c) condenar em cúmulo jurídico das penas aplicadas em a) e b), a pena única de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão;
d) suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido pelo período de 2 (dois) anos meses nos termos do artigo 50º, nºs 1 e 5 do Código Penal, subordinada, nos termos dos artigos 51º, nº1, a), 52º, nº3 do Código Penal, à: a. obrigação de pagar no prazo da suspensão as indemnizações fixadas aos ofendidos; b. regra de conduta de sujeitar-se a tratamento médico para desabituação de consumo de bebidas alcoólicas, caso nisso consinta e se mostre necessário após consulta médica de avaliação;
e) condenar o arguido pela prática de dois crimes de injúria agravada dos artigos 181º, 184º por referência ao artigo 132º, nº2, l) do Código Penal nas penas, por cada um, de 55 (dias) de multa à taxa diária de 7,00€ (sete euros);
f) condenar em cúmulo jurídico das penas aplicadas em e), a pena única de 73 dias de multa à taxa diária já fixada de 7,00€, no montante total de 511,00€ (quinhentos e onze euros);
g) condenar o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 8 (oito) meses, nos termos do disposto no artigo 69º, nº1, a), do Código Penal;
h) condenar o arguido no pagamento das custas e encargos do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs, nos termos dos artigos 513º, nºs 1 e 3 e 514º, nº1 do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº9 e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais.
* Responsabilidade cível
Pelo exposto, julgam-se parcialmente procedente, por provados, os pedidos de indemnização civil e, em consequência, condena-se o arguido / demandado:
1) a pagar ao demandante AA a quantia de 600,00€ (seiscentos euros), acrescida de juros de mora a contar da notificação da dedução do pedido de indemnização civil até integral e efetivo pagamento;
2) a pagar ao demandante BB[1] a quantia de 600,00€ (seiscentos euros), acrescida de juros de mora a contar da notificação da dedução do pedido de indemnização civil até integral e efetivo pagamento;
3) sem custas no pedido civil, por delas estarem isentos demandantes e demandado atenta a qualidade dos demandantes e o valor dos pedidos, nos termos dos artigos 523º do Código de Processo Penal e 1º, nº1, m) e n) do Regulamento das Custas Processuais.
(…)”.
*
Não se conformando, o arguido CC em 03/07/2023,interpôs recurso da referida decisão, extraindo da motivação as seguintes conclusões (transcrição):
“1º. Relativamente ao ponto 15 dos factos provados, entende o Recorrente que o Tribunal a quo errou na valoração da prova produzida na parte em que dá como provado que o Arguido refere que “vai para casa a pé” e ainda que “empurrou o militar DD com o intuito de se colocar em fuga apeada”.
2º. O Tribunal a quo assentou a sua convicção no depoimento da testemunha DD, (Militar da GNR) que depôs a 02/02/2023 com início às 10:47:06h e término às 11:04:56h (depoimento gravado em ficheiro 20230202104705_4203773_2870288).
3º. Sucede que, da audição do depoimento desta Testemunha, bem como das restantes testemunhas nunca houve qualquer referência de que o “empurrão” tivesse como intuito uma fuga apeada.
4º. Dos depoimentos de DD, EE e FF, apenas resulta que o Recorrente apenas recusa o tratamento médico.
5º. Não existe nos autos qualquer indício sequer de que o Arguido pretendesse encetar uma FUGA apeada, nem que vai a pé para casa apenas refere que não quer tratamento médico, o que são circunstâncias extremamente distintas.
6º. Pelo que, atendendo a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, o Tribunal a quo ao decidir como decidiu fez uma errada valoração da mesma, pelo que o ponto 15 dos factos provados terá de ter a seguinte redação:
15. Nesse momento o arguido começou a ficar ainda mais exasperado e agressivo, dirigindo-se novamente para os militares, dizendo em tom de voz elevado “eu já disse caralho, deixai-me ir embora” e “eu fodo-vos se me tocarem” e levantou-se da cadeira de rodas e empurrou o militar DD.
7º. Relativamente ao ponto 18 dos factos entendeu o Tribunal a quo dar como provado que durante a detenção do Arguido o mesmo empurrou ambos os militares e proferiu as expressões “deixai-me seus filhos da puta, eu vou dar cabo da vossa vida, vocês não me conhecem, não sabem com quem se estão a meter, eu vou-vos matar seus filhos da puta”
8º. De igual modo, da única testemunha que depôs relativamente a este momento DD, resulta que no momento da detenção o arguido apenas cingiu-se a uma conduta física, e esbracejou e tentou dar pontapés contra os mesmos, não tendo proferido insultos e ameaças.
9º. Pelo que o facto provado deve espelhar aquilo que foi a prova produzida em sede de audiência de julgamento, limitando-se ao que foi efetivamente provado, pelo que, o ponto 18. deverá passar a ter a seguinte redação:
18. Neste momento foi dada voz de detenção ao arguido pelos militares e 45 assim que se apercebeu que ia ser detido, começou a esbracejar e tentar dar pontapés contra os mesmos.
10º. Relativamente ao ponto 20 dos factos provados em audiência de julgamento e do depoimento da única testemunha possível depor sobre tais factos o militar DD, não resultou qualquer prova, já que não foi sequer abordado tal momento.
11º. Pelo que, relativamente a este momento temos apenas o indicado no auto de notícia elaborado pela Testemunha que refere“(…) em todo o trajeto desde o local da ocorrência até este posto policial, o Sr. CC continuou sempre com uma atitude desrespeitosa, estendo constantemente a proferir palavrões, dirigindo por diversas vezes os insultos a estes militares” – SIC Participação criminal com a ref.ª Citius 10600813
12º. Assim sendo o ponto 20 dos factos provados deve apenas cingir-se ao auto de noticia já que nenhuma outra prova existe sobre tal momento, deverendo o ponto 20. dos factos provados passar a ter a seguinte redação:
20. Após a recolha sanguínea, foi o Arguido transportado às instalações da GNR ... e durante o percurso o arguido dirigiu por diversas vezes os insultos a estes militares.
13º. Contudo, entende o recorrente que não há preenchimento dos pressupostos do crime de resistência e coação sobre funcionário previstos no artigo 347º, n.º1 do código penal em face dos factos dados como provados e do circunstancialismo que rodeia o caso concreto, quer por não existir o impedimento da prática de acto relativo ao exercício de funções nem o emprego de violência ou ameaça grave.
14º. Ora, da factualidade em causa temos, como assente que numa primeira fase: o Arguido afirmou pretender médico, mas quando efetivamente chegam os Bombeiros para prestar esse auxílio e transportar o Arguido ao hospital, e mesmo altera a sua vontade e já não pretende auxilio médico nem ser levado ao hospital
15º. A partir deste momento, desencadeiam-se todos os factos seguintes, que se desenrolam numa insistência inexplicável por parte de Bombeiros e GNR em transportar o Arguido ao hospital para auxílio médico, mesmo a após a sua rejeição dos mesmos, vezes e vezes sem conta.
16º. Referindo inclusive a Testemunha EE que o Arguido se recusou a sentar-se na cadeira de rodas, mas que ainda assim contra a sua vontade o fizeram sentar-se na cadeira de rodas (minuto 07:16)
17º. Ora se é verdade, que o Arguido se não pretendia receber cuidados médicos bastava que não os solicitasse, também é verdade, que o Arguido tem direito a arrepender-se da sua decisão, ou mudar de decisão se assim o entender, já que o auxílio médico diz lhe respeito a si, e só a si.
18º. Se a sua atitude é moralmente reprovável, poderia até o ser - ainda que tendo em conta a taxa de alcoolemia do Arguido a sua percepção do que diz e faz seja parca – ainda assim, NEGAR O SEU TRATAMENTO MÉDICO, é um direito que se encontra na esfera disponível do Arguido.
19º. A verdade é que desde a primeira vez que o Arguido expressa que não quer tratamento médico – e ainda que insultuosamente (e por isso foi condenado) – a verdade é que nunca foi ouvido na sua vontade, quer pelos Militares, quer pelos Bombeiros, que insistiram em manter o Arguido sentado na cadeira de rodas para ser transportado.
20º. Tanto Bombeiros como GNR no momento em que o Recorrente se nega a receber tratamento médico, apresentam o termo de responsabilidade ao Recorrente para que o mesmo o assinasse, e que seria o procedimento a seguir.
21º. O Recorrente assinou a sua constituição de arguido e o termo de identidade e residência nesse mesmo dia pelas 23h pelo que, sendo que a deslocação ao local por parte da GNR foi cerca das 21:30h, por maioria de razão estaria em condições de assinar um termo de responsabilidade.
22º. É certo que o Arguido recusou o auxílio médico, utilizando expressões insultuosas, impropérios e ameaças, mas por mais de quatro vezes o Recorrente recusou o auxilio medico e os militares insistiam nesse mesmo auxílio médico e manter o Arguido na cadeira de rodas.
23º. Analisada esta factualidade, verificamos que o arguido com a sua actuação procurou apenas recusar o seu tratamento médico, e ser levado ao hospital para esse efeito.
24º. Nesse contexto, o arguido, ainda que tenha esbracejado, tentado pontapear e proferiu as expressões que se provaram (Facto Provado 18), fê-lo perante dois militares da GNR que têm capacidades e competências especiais para não se deixarem abalar por meras tentativas de obstar ao exercício das suas funções, e que levaram a cabo o acto a que se propunham que era a detenção do arguido.
25º. E embora a fundamentação jurídica não chame o facto à colação, julga-se pertinente lembrar que ressuma do acervo fáctico comprovado a dependência de álcool de que sofre o arguido, e a taxa de alcoolemia com que o mesmo estava naquele preciso momento.
26º. Entende o Recorrente que tendo em conta a factualidade dada como provada, dos autos ficou por se apurar qual era o acto relativo ao exercício de funções dos dois militares que estaria em causa e que o Recorrente não acatou, já que a recusa no auxilio medico era um direito seu.
27º. Ora, de tudo o exposto, parece claro que toda a situação descrita dos autos teria sido evitada, se tivessem seguido os procedimentos previstos o Arguido recusa o auxilio medico, poderá até ser questionado segunda vez sobre a assistência, recusa – então temos o primeiro momento chave: termo de responsabilidade para saber, concretamente se o Arguido assinaria ou não.
28º. Há que dar a OPORTUNIDADE ao Arguido de assinar o termo de responsabilidade.
29º. Em face disso e do facto de as acusações de coação – que pressupõem, sublinhe-se uso de violência ou ameaça grave – e resistência à autoridade dependem em primeira mão de se considerar legítima a atuação policial.
30º. Pelo que, podiam os agentes obrigar o arguido naquelas circunstâncias a ir ao hospital? Não. Não podiam. Não basta que tinha tido ou sido vítima de um acidente.
Está na esfera dos direitos do cidadão recusar o tratamento médico.
31º. Em lado algum ficou provado, ou sequer ressuou dos autos que o Arguido tivesse negado a sua identificação, que o Arguido tivesse negado que a culpa do acidente era sua, negado a realização do teste de alcoolemia antes de ser detido (nem mesmo posteriormente).
32º. É de concluir alertando que o art.º 21 da CRP refere que “Todos têm o direito a resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias, e de repelir pela força qualquer agressão quando não é passível recorrer à autoridade pública”.
33º. Contra o ato ilegítimo dos agentes e desconformes às suas funções teria o arguido direito a resistir não só com recurso à força física como as expressões injuriosas proferidas como forma de protesto e resistência às várias tentativas de transportar o Arguido para o hospital
34º. Por outro lado, e relativamente aos atos de “coação” sempre se dirá que, não foi necessário qualquer tipo de força “extra” por parte dos dois militares, não necessitaram qualquer técnica adicional de imobilização, não provocou quaisquer ferimentos de nenhum dos Agentes, não existiu nenhum “debatimento” entre Agentes e Arguido, que procederam à sua detenção de forma limpa, rápida e eficaz, como não poderia ter deixado de ser tendo em conta a taxa de alcoolemia do Arguido, e estando dois agentes de autoridade presentes
35º. Pelo que, entende-se que também neste requisito, que a conduta do arguido não foi idónea para obstaculizar de forma relevante a ação interventiva.
36º. Assim sendo, e por tudo o exposto entende o Recorrente que em face dos factos provados e das circunstâncias do caso concreto, não se encontram preenchidos os pressupostos do crime de resistência e coação sobre funcionário p.p. pelo art. 347º do CP, devendo o Recorrente ser absolvido do mesmo, em ultima ratio, pela aplicação do instituto in dúbio pro reu.
37º. Relativamente ao crime de condução perigosa do artigo 291º, n.º1, a) e b) do código penal na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão Entende o Recorrente que no caso concreto, atentas as exigências de prevenção geral e especial cujo atendimento é necessário, deveria ter sido aplicado pena de multa ao invés de pena de prisão, ainda que suspensa na sua execução.
38º. Ao contrário do referido pelo Tribunal a quo na sua fundamentação, o Arguido não conduziu sob efeito de produtos estupefacientes, mas sim sob influencia de álcool.
Que o próprio aliás admitiu (artigo 34 dos factos provados).
39º. Por outro lado, não existiu qualquer dano verificado em pessoa, mas apenas num veículo, ainda que tenha sido de alguma monta conforme ficou provado.
40º. O Tribunal a quo deu ainda como provado os pontos 48., 50. e 51., e ainda que o Recorrente não tem qualquer antecedente criminal.
41º. Contudo, também do cadastro rodoviário do Arguido solicitado por este Tribunal e que se encontra registado no sistema Citius em 08/04/2021 através da ref.ª 11321957 não tem qualquer contraordenação.
42º. Ao enveredar pela escolha, neste ilícito criminal, de uma pena de prisão, ainda que suspensa, entende o Recorrente que o Tribunal a quo excedeu as exigências necessárias e previstas no art. 70º do Código Penal, não podendo olvidar, que a opção pela pena de prisão é uma solução de ultima ratio, conforme estatui tal artigo.
43º. Apesar de as exigências de prevenção geral serem elevadas, a verdade é que a pena aplicada ao Recorrente não pode ultrapassar nunca a medida da sua culpa, pelo que, entende o Recorrente que o Tribunal a quo fez um errado juízo critico e valorativo na escolha da pena.
44º. Pelo que, deverá nesta parte revogar-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo e optar-se pela aplicabilidade da pena de multa ao crime em questão.
45º. entende ainda o recorrente ter existido do erro na apreciação da prova produzida relativamente ao pedido indemnizatório dos demandantes.
46º. Os demandantes DD e AA deduziram pedido de indemnização civil peticionando o pagamento da quantia de 1.200,00€ (mil e duzentos euros), cada, a título de danos não patrimoniais.
47º. Relativamente aos pedidos de indemnização civil apresentados por AA e DD, deu como provado os pontos 27. e 28. e procedeu parcialmente os mesmos arbitrando o valor de 600,00€ para cada a titulo de danos morais.
48º. Sucede que, não existiu uma única testemunha que tenha deposto acerca de tais factos, nem mesmo o Militar da GNR DD – os factos constantes dos pedidos de indemnização civil não foram sequer abordados.
49º. Ora, ainda que existam crimes cuja adequabilidade seja suficiente para o preenchimento dos seus pressupostos, o mesmo não sucede com os factos alegados em pedidos de indemnização civil, cuja alegação carece de prova, em sede de audiência de discussão e julgamento.
50º. O Tribunal a quo não pode dar como provados tais factos relativamente ao mesmo com base “nas regras da experiência e da normalidade devidamente conjugadas com as participações e pedidos apresentados pelos Ofendidos dado que as expressões proferidas têm significado ofensivo e intimidatório e que tais manifestações de vontade traduzem os sentimentos experimentados”
51º. Os pedidos de indemnização civil apresentados, e os factos aí constantes não fazem fé publica como por exemplo os autos de notícia.
52º. Pelo que, inexistindo qualquer prova produzida relativamente a tais factos dados como provados 27. e 28 o Tribunal a quo ao dar os mesmos como provados incorreu em erro sobre a valoração da prova.
53º. Pelo que, deverão tais pontos 27. e 28. serem dados como não provados, integrando o respetivo elenco, e consequentemente deverão tais pedidos de indemnização civil apresentados por AA e DD serem julgados improcedentes por não provados, e consequentemente revogar-se o arbitramento das indemnizações por danos morais efetuada pelo Tribunal a quo.
54º. Por último, e caso assim não se entenda o Recorrente discorda da data a partir da qual se devem contar os juros moratórios a incidir sobre os pedidos cíveis fixados pelo tribunal a quo, que entendeu fixar juros de mora a contar da data de notificação do pedido de indemnização civil.
55º. O pedido indemnizatório nesse momento não era certo nem líquido e o valor arbitrado na data da prolação da acordão já está atualizado como resulta da doutrina e jurisprudência fixada.
56º. Pelo que, ao fixar o momento dos juros de mora a partir da data de notificação do PIC incorreu o Tribunal a quo numa errada aplicação dos preceitos legais e jurisprudência fixada, devendo por isso também nesta parte ser revogado o Acórdão e fixar os juros moratórios a contar da data da prolação do acórdão.
Assim, ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou, entre outros, os artigos 2º, 18º, 21º e 32º da Constituição da República Portuguesa, art. 14º, n.º3, 40º, n.º1 e 2, 70º , 71º, n.º1 e 2 , 45º, 77º, n.º2, 129º, 291º, n.º1, al. a) e b) e 347º, 153º, n.º1 e 155º, n.º1, al. a) e c) do CP, art. 40º, n.º1 e 2, 70º e 71º, 127º, 358º, 359º, 374º, n.º2, 377º do Código Processo Penal, artigo 804º, 805º, n.º1 e 3 (2ª Parte) e 806º e 559 do Código Civil, art. 607º, nº 4, 608º, nº 2 do Código Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 3º do Código Processo Penal, art. 70º, n.º1, 483º, 562º, 563º, 566º, n.º3 do Código Civil”.
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O recurso foi admitido em 10/07/2023.
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A este recurso respondeu o MºPº em 11/09/2023, sem formular conclusões, pronunciando-se pela sua improcedência.
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Nesta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta, em 20/09/2023, emitiu parecer no qual aderiu à resposta do Ministério Público pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção do decidido no acórdão recorrido acrescentando apenas o seguinte: “… quanto à pretendida substituição da pena de prisão pela de multa, no caso da condenação pela prática do crime de condução perigosa de veículo rodoviário, que a mesma deve improceder, atenta a gravidade dos factos dados como provados.
De facto, e apesar do disposto no artigo 70º do Código Penal quanto à escolha da espécie da pena e de o tipo de crime em causa ser punível com pena de prisão de 1 mês a 3 anos ou com pena de multa de 10 a 360 dias (cf. artigo 291º, nº1, a) e b) do Código Penal, é por demais evidente que uma pena multa não será adequada e suficiente para fazer face às necessidades de prevenção geral, que no caso são elevadas, atendendo às consequências concretas decorrentes do desrespeito pelas regras rodoviárias e à elevada taxa de alcoolemia detetada - de, pelo menos, 2,37g/l -, assim como para fazer face às necessidades de prevenção especial, são medianas considerando que o arguido não tem antecedentes criminais, por um lado, e, por outro, não demonstrou ter integrado o mal da sua conduta e que não se encontra plenamente inserido em sociedade em virtude dos seus comportamentos anteriores, tal como se refere no acórdão recorrido.
Ora, o arguido foi condenado pela pratica de um crime de condução perigosa na pena de 1(um) ano e 4 (quatro) meses de prisão e pela pratica de um crime de resistência e coação sobre funcionário na pena de 1(um) ano e 6 (seis) meses de prisão, tendo, em cúmulo jurídico destas duas penas, sido o arguido condenado na pena única de 1(um) anos e 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos, bem ainda, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período de 8 (oito) meses.
Assim, a pena única fixada, tendo em conta a moldura penal abstrata do cúmulo jurídico e os critérios estabelecidos no artigo 77º do Código Penal, não é excessiva e mostra-se adequada e proporcional, quer à personalidade do agente, quer às circunstâncias fácticas dadas como provadas nos autos, assim como o é a pena acessória de proibição de conduzir.
Por fim, e quanto ao invocado erro na apreciação da prova produzida relativamente aos pedidos de indemnização civil deduzido pelos demandantes, parece-me não existir, atento o teor da motivação do acórdão quanto à matéria de facto dada como provada e o disposto no artigo 127º do CPP, pelo que, também nesta parte, me parece não dever proceder o recurso do arguido”.
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Cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do CPP, não foi apresentada resposta.
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Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos a conferência.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
É pacífico na doutrina[2] e na jurisprudência[3], que o âmbito do recurso se delimita pelas conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respetiva motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (deteção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no artigo 410º nº 2 ou os vícios da sentença previstos no art. 379º, ambos do CPP) – cfr. art. 412º nº 1 do CPP e Ac. do STJ nº 7/95 de 19/10/95, publicado no D.R., I - Série-A, de 28/12/95 – podendo o recurso igualmente ter como fundamento a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada ( cfr. art. 410º nº 3 do CPP )[4].
Da leitura das conclusões do recorrente, retiram-se as seguintes questões a submeter à apreciação deste Tribunal:
1ª erro de julgamento quanto aos nºs 15, 18, 20, 27 e 28 da matéria de facto provada;
2ª o não preenchimento do crime de resistência e coação sobre funcionário p. e p. pelo art. 347º nº 1 do Código Penal;
3ª a escolha da natureza da pena principal quanto ao crime de condução perigosa de veículo rodoviário p. e p. pelo da art. 291º nº 1 a) e b) do Cód. Penal considerada excessiva;
4ª subsidiariamente, a errada fixação da data de contagem dos juros moratórios relativos à condenação no pagamento dos pedidos indemnizatórios fixados (a contar da data de notificação do pedido de indemnização cível).
*
O acórdão recorrido tem o seguinte teor (transcrição parcial):
“Factos provados
Da prova produzida, resultaram provados os seguintes os factos, com relevância para a causa:
1. No dia 03/10/2020, pelas 21h30m, o arguido CC, conduzia um veículo ligeiro de passageiros, com o número de matrícula ..-..-RJ, de marca Opel, modelo ... (adiante Opel), de sua propriedade no sentido de ..., para ..., na Rua ... para a Rotunda/... e de seguida para a Av. ..., em ..., ..., ou seja, no sentido Norte-Sul.
2. Nesse momento também circulava na referida rotunda, no seu ciclomotor, BB, que devido à velocidade não concretamente apurada, mas excessiva para o local imprimida pelo arguido, teve de imobilizar repentinamente o seu ciclomotor para não ser colhido e embatido pelo automóvel conduzido pelo arguido, que não lhe cedeu passagem, como devia.
3. O arguido ao sair da referida rotunda e ao entrar na referida Avenida, imprimia ao seu veículo Opel, velocidade superior à que se adequava ao local, galgando parte do passeio lá existente.
4. No sentido inverso, ou seja, Sul-Norte, seguia na respetiva hemi-faixa de rodagem o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, com o n.º de matrícula ..-LF-.., de marca Alfa Romeo (adiante Alfa), modelo ..., conduzido por GG e propriedade deste.
5. O local é uma reta, tendo a via uma largura total de 8,80 metros, com duas faixas de rodagem (com sentidos de marcha distintos), com marcas rodoviárias de M1, ou seja, de linha contínua e estava bom tempo, embora com ligeiros chuviscos.
6. O arguido conduzia com uma taxa de álcool no sangue (TAS) de, pelo menos, 2,37g/l, a que corresponde a taxa de álcool medida no sangue pelo INML de 2,72g/l, após o desconto da margem de erro legalmente imposto e com velocidade excessiva.
7. Pelo que perdeu o controlo do Opel, abandonando a sua hemi-faixa de rodagem e invadindo a hemi-faixa de rodagem de sentido contrário, transpondo a linha M1 existente no local, vindo a embater com violência no Alfa, atingindo com a frente do Opel a porta lateral e o eixo traseiro do Alfa, no lado esquerdo do mesmo (lado do condutor) partindo inclusivamente o referido eixo e causando prejuízos de, pelo menos, €6.000,00 em tal automóvel.
8. Após o embate, o arguido apresentava-se exaltado e agressivo, exalando forte odor a álcool e postura bamboleante, equilibrando-se em pé por se encontrar encostado ao automóvel.
9. Questionado pelos militares da GNR que foram ao local, DD e AA, devidamente uniformizados, sobre a necessidade de tratamento hospitalar, o arguido disse que pretendia ir ao Hospital porque lhe doía a cabeça, pelo que foram chamados os bombeiros ao local.
10. Os bombeiros colocaram o arguido em cadeira de rodas e quando estava a ser colocado no interior da ambulância, o arguido começou a dizer que não queria tratamento hospitalar e que já estava bem e a maltratar os bombeiros e a querer sair da cadeira de rodas, exercendo força física contra os bombeiros para o efeito, chegando a apertar o braço da bombeira EE.
11. Quando os militares da GNR se aproximaram do arguido para apurar o que se passava, o arguido ao aperceber-se da presença dos mesmos, ficou mais exaltado.
12. Nesse momento, os militares da GNR pediram ao arguido para se acalmar, para permitir o transporte, tendo o arguido olhado para os militares e disse aos mesmos em tom de voz elevado: “vocês o que é que querem caralho... se pensam que vem aqui mandar em mim estão enganados”.
13. Foi novamente instado pelos militares para se acalmar e colaborar com os bombeiros para ser transportado ao Hospital como tinha pedido, tendo o arguido respondido novamente em tom de voz elevado: “eu já disse que não vou a lado nenhum caralho, quem manda aqui sou eu e vocês querem o que seus filhos da puta, pensam que mandam, mas em mim não mandam vocês, vão para a puta que vos pariu”.
14. Foi mais uma vez foi pedida calma ao arguido pelos militares sendo advertido que os insultos que por ele estavam a ser proferidos o fariam incorrer num ilícito criminal, sendo reforçado o pedido de calma e colaboração para que fosse possível o transporte até ao hospital.
15. Nesse momento o arguido começou a ficar ainda mais exasperado e agressivo, dirigindo-se novamente para aos militares, dizendo em tom de voz elevado: “eu já disse caralho, deixai-me ir embora, eu vou embora a pé e vocês não me vão impedir disso” e “eu fodo-vos se me tocarem” e levantou-se da cadeira de rodas e empurrou o militar DD com intuito de se colocar em fuga apeada.
16. Não obstante, uma vez mais, foi pedido pelos militares da GNR ao arguido calma e colaboração para que pudesse ser assistido e transportado ao Hospital, sendo novamente advertido que as expressões que dizia o fariam incorrer em ilícito criminal, bem como a força física que estava a exercer sobre os elementos da GNR, e que caso assim continuasse lhe iria ser dada voz de detenção.
17. Com isto, o arguido ficou ainda mais exaltado e agressivo e dirigindo-se novamente para aos militares, dizendo em tom de voz elevado: “já disse caralho, deixai-me sair daqui seus filhos da puta, vocês vão prender, mas é o caralho é que vão... eu fodo-vos se me tocarem, já decorei as vossas caras e vocês estão fodidos comigo”.
18. Neste momento foi dada voz de detenção ao arguido pelos militares e assim que se apercebeu que ia ser detido, começou empurrar ambos os militares, esbracejando e tentando dar pontapés contra os mesmos, dizendo: “deixai-me seus filhos da puta, eu vou dar cabo da vossa vida, vocês não me conhecem, não sabem com quem se estão a meter, eu vou-vos matar seus filhos da puta”, vindo o arguido, com uso da força estritamente necessária, algemado e imobilizado.
19. O arguido foi então transportado até ao veículo policial e já no interior deste, foi solicitado que fosse feito o teste de álcool no aparelho qualitativo, no entanto o arguido não exalou ar suficiente, pelo que foi transportado ao Centro Hospitalar ..., para recolha sanguínea, o que foi realizado com o KIT GNR 63025.
20. Após a recolha sanguínea, foi o arguido transportado às instalações da GNR ... e durante o percurso o arguido manteve-se a proferir os mesmos insultos e ameaças contra os militares da GNR.
21. O arguido CC bem sabia que não podia fazer uma circulação com velocidade excessiva para o local e seguramente acima da máxima permitida, violando a obrigatoriedade ceder passagem a veículo que se apresentava a circular em rotunda e violando a sinalização vertical lá existente, galgando depois o passeio lá existente e transpondo a marca horizontal de linha contínua M1 existente no local, vindo a embater no automóvel que seguia na sua hemi-faixa de rodagem contrária e desse modo colocando em perigo a vida e integridade física dos outros utentes da via.
22. O arguido agiu bem sabendo que poderia por em risco a vida, integridade física e bens patrimoniais alheios de valor elevado, resultado que previu e com o qual se conformou e que veio a suceder, quando embateu no veículo que circulava na faixa de rodagem contrária à que seguia.
23. Assim, o embate e as suas consequências ficaram-se a dever à circunstância de o arguido, na ocasião, conduzir em desrespeito das referidas regras de circulação rodoviária, as quais podia e devia ter adotado, de modo a evitar aquela colisão e bem sabendo que não lhe era permitido conduzir um automóvel na via pública, como fez, com uma taxa de álcool no sangue superior à legalmente permitida e com as capacidades físicas e psíquicas afetadas por aquela substância, e que tal conduta era proibida e punida por lei.
24. O arguido sabia que os ofendidos DD e AA eram militares da GNR e se encontravam no exercício das respetivas funções, mais sabendo que contra os mesmos usava de violência física e verbal, o que quis e fez com intuito de se opor a que os mesmos praticassem ato compreendido nas suas funções de agentes policiais, procurando inicialmente interferir e impedir que os militares mantivesse a ordem e segurança no momento em que se insurgiu contra os bombeiros que procuravam prestar-lhe tratamento médico que solicitou e num segundo momento, impedir que os mesmos atuassem contra o próprio arguido, quando lhe deram voz de detenção.
25. O arguido sabia que com tais comportamentos e palavras que dizia ofendia os agentes policiais na sua honra e consideração, bem como tentava demover os mesmos da prática de atos intrínsecos à sua profissão de polícia, mesmo depois de ser detido e enquanto era transportado às instalações da GNR.
26. O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal vigente. (dos pedidos de indemnização civil):
27. As expressões utilizadas pelo arguido vieram causar um mal-estar interior e esmorecimento nos demandantes, por terem sido desrespeitados diversas vezes, quer a nível pessoal, quer a nível profissional.
28. Os demandantes desconhecem a índole do demandado e, por isso, consideram as ameaças concebidas pelo mesmo. (da contestação):
29. O arguido viveu e trabalhou, de forma contínua e ininterruptamente, na Suíça onde, entre a clandestinidade e a regularidade esteve 42 anos emigrado.
30. O arguido na Suíça, em 2005 sofreu um acidente de trabalho, que o incapacitou totalmente para o trabalho durante mais de 12 anos.
31. Em consequência do acidente esteve várias vezes hospitalizado, foi submetido a várias intervenções cirúrgicas, tendo em 2018 conseguido recuperar a mobilidade dos membros inferiores.
32. Em 2019, os serviços médicos Suíços consideraram o arguido totalmente incapacitado para o trabalho, dando-lhe consequentemente uma pensão de invalidez em 2020.
33. O arguido, em data não concretamente situada entre maio/junho de 2020, regressou a ....
34. O arguido não se lembra do que aconteceu no dia referido supra, por ter estado num convívio com outras pessoas e nele ingeriu bebidas alcoólicas. (Condições sócio-económicas e pessoais do arguido)
35. O arguido, tal como à data dos factos constantes nos presentes autos, integra o agregado familiar constituído por si e pelo cônjuge, HH, de 64 anos de idade, doméstica.
36. O casal tem um filho, de 37 anos de idade, nascido na Suíça e onde permanece, de forma autónoma, com agregado familiar próprio, e com o qual o arguido contacta regularmente por via telefónica.
37. Residem numa moradia unifamiliar própria, com espaço exterior, que o arguido construiu com recurso às economias que amealhou ao longo dos quarenta anos em que esteve emigrado na Suíça (de 1980 a 2020).
38. A moradia está equipada com as infraestruturas básicas, localiza-se em meio rural, sem problemáticas sociais de relevo.
39. O arguido encontra-se reformado por invalidez (segurança social Suíça) desde o ano de 2018, tendo esta situação precipitado o regresso definitivo a Portugal por não reunir condições financeiras para a manutenção da sua vida naquele País, como era seu desejo.
40. A subsistência económica do casal é assegurada com recurso à pensão de invalidez do próprio, no montante de 1.150€, fazendo face a despesas decorrentes essencialmente dos gastos com os consumos domésticos (cerca de 150€), com medicação (cerca de 100€) e com o pagamento do crédito habitacional (fixado entre 250 e 300€ mensais).
41. Na data dos factos, quotidiano do arguido era passado essencialmente em cafés da sua localidade de residência, em convívio com demais residentes, registando nesses espaços um consumo excessivo de bebidas alcoólicas, com desajustamento comportamental e relacional que então o caracterizava.
42. Assumia comportamentos de hostilidade e agressividade verbal e desrespeito pela autoridade, reagindo impulsivamente a confrontos e adversidades.
43. Em casa, a cônjuge era incapaz de controlar/contrariar o seu estilo de vida.
44. Em outubro de 2021 o arguido foi preso preventivamente à ordem do processo nº4315/21.6JAPRT – Juízo Central Criminal de Stª Mª da Feira – Juiz 3, indiciado pelos crimes de ofensas à integridade física qualificada e detenção de arma proibida.
45. A prisão preventiva foi alterada para medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, que cumpriu entre 23/04/2022 e 22/07/2022 junto do agregado familiar dos cunhados (Rua ..., ...), embora com visitas diárias do cônjuge.
46. O arguido foi condenado na pena de três anos e nove meses prisão, suspensa na sua execução por quatro anos, com deveres, tendo recorrido da decisão (recurso a aguardar decisão).
47. Após a desativação dos mecanismos de vigilância eletrónica retornou a sua casa, à companhia do cônjuge, passando a ter convívios sociais mais restritos e a diminuir o consumo de bebidas alcoólicas.
48. Na data do julgamento, o quotidiano do arguido era passado em convívio familiar, com o cônjuge e com os familiares de ambos, que residem próximo, dedicando-se à realização de trabalhos de manutenção da habitação.
49. O arguido deixou de provocar sentimentos de hostilidade e animosidade no meio comunitário, os quais decorreram dos factos que estiveram na origem do processo nº4315/21.6JAPRT, tendo agora uma melhor imagem social.
50. O arguido verbaliza uma atitude crítica relativamente ao estilo de vida e comportamento que vinha adotando desde que regressou a Portugal.
51. O arguido não tem averbadas ao seu registo criminal quaisquer condenações.
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Factos não provados
a. Na ocasião referida em 10 dos factos provados, o arguido foi colocado numa cadeira de rodas por não se conseguir deslocar sozinho para a ambulância.
b. O arguido, devido ao estado notoriamente embriagado em que se encontrava, não conseguiu exalar ar suficiente para efetuar o teste de álcool no aparelho qualitativo.
c. Por força do acidente que sofreu, o arguido esteve impedido de vir a Portugal desde 2008 até 2020, tendo ficado durante estes últimos 12 anos de forma ininterrupta na Suíça.
d. A adaptação do arguido a sua nova etapa da vida e a Portugal foi muitíssimo difícil, o que levou a consumo de álcool em contextos sociais, tal como aconteceu no dia dos autos.
e. O arguido não tem hábitos alcoólicos, tem uma trajetória de vida dedicado a família, aos amigos e ao trabalho, dispondo ainda hoje de uma retaguarda familiar, seu maior suporte, é pessoa muito doente, dependendo de medicação diária, apenas quer viver no seu “canto” em paz e sossego.
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O Tribunal não se pronuncia quanto à demais matéria alegada por ser conclusiva, de direito, por corresponder à enunciação de meios de prova e/ou por ser repetida ou irrelevante para a decisão da causa ou meramente impugnativa, nomeadamente a factualidade descrita na contestação.
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Motivação:
O Tribunal fundamentou a sua convicção quanto aos factos provados com base nas declarações do arguido e do demandante, na prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento em conjugação com a prova documental e a prova pericial junta aos autos, tudo devidamente analisado à luz das regras da experiência e normalidade.
Concretamente:
No que se refere à prova por declarações, o arguido, que as quis prestar, disse não se lembrar do sucedido, admitindo que tal se deveu à circunstância de ter ingerido bebidas alcoólicas, que utiliza frequentemente a palavra “caralho”, querendo dizer que o faz sem intenção ofensiva e apresentou as suas desculpas.
Ainda que não tivesse sido crível que não se lembrasse do sucedido, pois que não estava inconsciente, nem ficou em tal estado nos momentos seguintes, gozando do direito de prestar ou não declarações e sobre todos ou apenas parte dos factos, as declarações do arguido serviram para confirmar que o seu estado de embriaguez e que, pelo menos, parte das expressões utilizadas.
Por seu turno, DD, demandante, Guarda-principal da GNR, confirmou ter acorrido ao local na sequência da participação do acidente, descreveu o estado em que o arguido se encontrava, explicou a necessidade de terem chamado uma ambulância e relatou o comportamento posterior do arguido, nomeadamente o comportamento agressivo que adotou, exercendo violência contra os agentes, as ameaças que proferiu e os impropérios que utilizou, em termos idênticos aos constantes da acusação.
Confirmou também a existência de vestígios do acidente, tendo-os descrito e localizado no espaço, bem como, a elaboração da participação do acidente de fls. 3 a 6 e de fls. 19 a 23.
Atenta a forma isenta, objetiva, coincidente com a demais prova testemunhal e prova documental e segura, as suas declarações não suscitaram dúvidas, merecendo, por isso, o crédito do Tribunal.
No que se refere à prova testemunhal, teve-se em consideração o depoimento de BB, condutor do ciclomotor mencionado nos factos provados, testemunha que descreveu de forma lógica, coerente e com precisão o desenrolar dos acontecimentos, explicando como quase foi embatido pelo veículo conduzido pelo arguido, a velocidade e trajetória deste e como teve de travar para evitar que tivesse sido embatido pelo veículo do arguido. Relatou ainda o acidente que ocorreu imediatamente a seguir, a confusão que se gerou no local com a chegada de populares, a chegada dos militares e posteriormente da ambulância, o comportamento do arguido, manifestando agressividade e dirigindo insultos, confirmando pelo menos parte destes em termos coincidentes com a acusação e com os depoimentos do demandante e das restantes testemunhas.
Por ter prestado o seu testemunho de forma precisa, pormenorizada, coerente e bastante segura, tal testemunha mereceu o crédito do Tribunal.
Por seu turno, a testemunha FF, bombeiro, que acorreu ao local para socorrer o arguido, confirmou a abordagem deste, o seu estado e o seu comportamento posterior, em termos idênticos aos constantes da acusação e de forma coincidente com as demais testemunhas, ainda que relativamente aos insultos proferidos somente se conseguiu lembrar de parte, o que se afigurou natural face ao tempo decorrido, acrescentando ainda que o arguido chegou a agarrar o braço da colega, com força.
Face à coincidência do seu relato com os demais e por ter revelado isenção, calma e objetividade, o seu depoimento afigurou-se credível.
A testemunha EE, bombeira, que igualmente se deslocou ao local para socorro do arguido, prestou um depoimento idêntico ao colega, esclarecendo que o arguido agarrou com força o seu braço, provocando-lhe dor, e porque o arguido não a largava, o seu colega solicitou a intervenção dos militares da GNR. Explicou ainda os procedimentos e as regras pelas quais não podiam, sem mais, deixar de observar o arguido, nomeadamente porque era necessário verificar se necessitava de tratamento médico e depois assinar um termo de responsabilidade de recusa do mesmo.
Atestou que o arguido manifestava agressividade, por via das palavras que proferia e dos gestos, mas admitiu não ter percebido muito bem o que se passou depois da intervenção da GNR.
O depoimento desta testemunha por se ter demonstrado objetivo, escorreito e coincidente com a demais prova produzida mereceu o crédito do Tribunal.
GG, condutor do veículo que foi embatido pelo arguido, descreveu a forma como aconteceu o acidente em termos idênticos aos mencionados na acusação, manifestando alívio por ter acionado um modo de condução (de chuva) que impediu que o acidente não tivesse consequências ainda mais graves, descreveu os danos sofridos, indicou o respetivo valor e referiu que já tinha sido indemnizado pela seguradora.
Disse ainda que o arguido se encontrava visivelmente embriagado e explicou tiveram de esperar cerca de uma hora até chegarem as autoridades e que teve de pedir a familiares para acorreram ao local porque nesse ínterim alguns populares ofereceram ajuda para o arguido fugir do local, conforme já havia sido mencionada pela primeira testemunha.
Confirmou ainda que, após a chegada dos bombeiros, o arguido começou a proferir as expressões injuriosas e ameaças descritas na acusação dirigidas (v. g. “filho da puta”, “vou-te foder”, ”a mim ninguém me leva”), pelo menos, a um dos militares da GNR, a dizer que ninguém o levava dali e que quem tinha batido nele tinha sido a testemunha, ao mesmo tempo que mexia os braços para afastar as pessoas. Mais explicou que se gerou muita confusão e que depois só viu o arguido a ser algemado.
Considerando que o relato foi coincidente com os das demais testemunhas e com a prova documental, nomeadamente com o auto do acidente, e que revelou isenção, calma e objetividade, o depoimento desta testemunha afigurou-se credível.
II, testemunha indicada pela defesa, confirmou o passado de emigração do arguido, o acidente que determinou que fosse atribuída uma pensão de invalidez e disse ainda que o arguido deixou de beber bebidas alcoólicas e de conduzir, na sequência do acidente e em virtude de não ter outro veículo, por aquele que esteve envolvido no sinistro ter ido para abate.
Pese embora ter revelado sentimentos de amizade e de alguma parcialidade, o seu relato, por a testemunha ter demonstrado ter conhecimento dos factos, afigurou-se coerente.
Complementarmente, tiveram-se em consideração os seguintes documentos:
- auto de notícia de fls. 3 a 6 e aditamento de fls. 39 para melhor precisão do circunstancialismo de tempo, lugar e modo em que os factos ocorreram;
- participação de acidente de viação de fls. 19 a 24, em particular o croquis de fls. 23 do qual resultou uma melhor perceção da sua dinâmica.
Para a formação da convicção do Tribunal, teve-se ainda em consideração a prova pericial, nomeadamente o relatório toxicológico de fls. 51, do qual resultou o tipo e a quantidade de álcool existente no sangue do arguido imediatamente após o acidente.
O contexto em que os factos ocorreram, nomeadamente a forma da condução do veículo, a trajetória deste, o sinistro e respetivas consequências, bem como, as declarações do arguido na parte em que admitiu ter ingerido em medida excessiva bebidas alcoólicas, permitiu concluir que o arguido agiu com conhecimento e vontade de praticar os factos relativos à condução e consumo prévio de álcool.
Por outro lado, no que se refere ao conhecimento e vontade de obstar à atuação dos militares da GNR, considerando que as expressões proferidas nesse sentido e o teor das ameaças proferidas, nelas se incluindo ameaças de morte, devidamente conjugado com o comportamento agressivo que patenteava, empurrando e tentado desferir pontapés aos militares, não podia deixar de se concluir que o arguido queria impedir a atuação das autoridades. Com efeito, decorre da forma como os factos se desenrolaram – desde o chamamento abusivo de meios de socorro, tentativa de obstar à prestação de cuidados médicos e tentativa de impedir a atuação de manutenção da ordem e da segurança pelos militares – que o arguido tinha como único fito abandonar o local de forma a eximir-se às suas responsabilidades e obstar à atuação policial.
É que se não pretendia receber cuidados médicos não só bastaria que não os tivesse pedido (podendo aliás tal configurar a prática de um crime de abuso e simulação de sinais de perigo do artigo 306º do Código Penal), como bastaria que seguisse os procedimentos que lhe estavam a ser indicados pelos bombeiros para depois recusar tal tratamento sem necessidade de recorrer a agressões físicas, a insultos ou ameaças.
Aliás, como mencionou a bombeira EE, houve a necessidade explicar ao arguido que se não fosse levado ao Hospital não poderia abandonar o local, devendo acompanhar os militares, precisamente porque a vontade do arguido era abandonar o local do acidente.
Os factos provados relativos à atitude contrária às regras e conhecimento do carácter proibido da sua conduta, resultaram do facto do arguido ter tentado eximir-se à respetiva responsabilidade, tentando fugir, revelando que sabia das consequências jurídicas da sua conduta, o que basta para se concluir que sabia estar a atuar contra o Direito, ou seja, com culpa.
Não se tendo colocado em causa que o arguido não tenha agido de forma livre ou que padeça de alguma anomalia, por tal não ter sido patente ou notório, não podia deixar de considerar-se que atuou livremente, de forma voluntária e consciente e que é imputável.
Os factos relativos aos pedidos de indemnização civil resultaram além do depoimento do demandado DD, das regras da experiência e da normalidade devidamente conjugadas com as participações e pedidos apresentados pelos ofendidos dado que as expressões proferidas têm um significado ofensivo e intimidatório e que tais manifestações de vontade traduzem os sentimentos experimentados.
As condições pessoais e sociais do arguido resultaram do relatório social junto aos autos, que se mostrou coerente, lógico e fundamentado por indicar as fontes que estiveram na base da sua elaboração, não resultando da mesmo qualquer circunstância que indicie a parcialidade do Técnico que o elaborou, cujo teor foi confirmado pelo próprio, em conjugação com os documentos – relatórios médicos – juntos com a contestação e com o depoimento de II, cunhado do arguido, que atestou do seu bom comportamento após os factos por dele ter conhecimento direto dado que residiu consigo durante um certo período de tempo.
A ausência de pretérito criminal do arguido decorreu do seu Certificado de Registo Criminal juntos aos autos.
Os factos não provados deveram-se à circunstância, além do que supra se disse a propósito dos factos provados, de não sido feita prova bastante quanto aos mesmos.
No que se refere aos factos relativos à (im)possibilidade do arguido se deslocar sem o auxílio de uma cadeira de rodas, tal foi expressamente afastado pela testemunha EE, bombeira, que explicou que tal faz parte do protocolo mas que o arguido se podia deslocar sem a mesma.
Relativamente ao motivo da impossibilidade do arguido exalar ar suficiente para ser feito o teste de alcoolemia, o militar AA não o confirmou, dizendo que também se podia ter devido ao facto do arguido não querer fazê-lo.
No tocante aos demais factos dados como não provados, verificou-se que nenhum dos meios de prova apresentados e produzidos em sede de audiência de julgamento pela defesa se pronunciou sequer sobre tal factualidade, não podendo, por isso, a mesma ser considerada como assente.
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De Direito
Sendo esta a matéria de facto, façamos o seu enquadramento jurídico-penal.
Vejamos cada um dos crimes imputados ao arguido de per se. Do crime de condução perigosa
Vem o arguido acusado da prática de um crime de condução perigosa do artigo 291º, nº1, alíneas a) e b) do Código Penal e ainda do artigo 69º, nº1 do Código Penal.
Dispõe-se no referido artigo 291º do Código Penal, sob a epígrafe de “crime de condução perigosa de veículo rodoviário”, que: “1 - Quem conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada:
a) não estando em condições de o fazer com segurança, por se encontrar em estado de embriaguez ou sob influência de álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo, ou por deficiência física ou psíquica ou fadiga excessiva; ou b) violando grosseiramente as regras da circulação rodoviária relativas à prioridade, à obrigação de parar, à ultrapassagem, à mudança de direção, à passagem de peões, à inversão do sentido de marcha em auto-estradas ou em estradas fora de povoações, à marcha atrás em auto-estradas ou em estradas fora de povoações, ao limite de velocidade ou à obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita; e criar deste modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.”
O crime de condução perigosa de veículo rodoviário é um crime de perigo concreto, na medida em que da conduta do agente terá de resultar um perigo real e efetivo para a integridade física de outras pessoas, não sendo, todavia, necessário que se verifique efetivamente a lesão.
A propósito do bem jurídico protegido por este tipo legal de crime refere-se no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-02-2003 (proc. 0210769, in www.dgsi.pt), que: “com a introdução deste tipo de crime no sistema penal pretendeu-se evitar ou, pelo menos, manter dentro de certos limites a sinistralidade rodoviária, de assustadoras consequências no nosso país, punindo todas aquelas condutas que se mostrem suscetíveis de lesar a segurança deste tipo de circulação e que, ao mesmo tempo, coloquem em perigo a vida, integridade física ou bens patrimoniais alheios de elevado valor.”
A conduta ofensiva do bem jurídico tutelado deverá consubstanciar uma das formas previstas nas alíneas do nº1 do artigo 291º do Código Penal, i. e., a falta de cuidado para a condução, nos termos descritos na alínea a) e/ou a violação grosseira das regras de segurança enunciadas na alínea b).
No que se refere à alínea a) cumpre referir que não é estabelecido qualquer limite para o consumo das substâncias ali referidas.
Relativamente à alínea b), refira-se que a expressão “violar grosseiramente as regras de circulação rodoviária” deve ser entendida como “a violação de elementares deveres de condução no âmbito da circulação rodoviária” (cfr. Paula Ribeiro de Faria, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra, 199, Tomo II, p. 1082).
O crime em causa é ainda punido com pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados prevista no artigo 69º, nº1, a) do Código Penal, dentro da moldura de três meses a três anos.
Assim, com relevância para o caso dos presentes autos, no que se refere à alínea a) que ficou provado que, no dia em causa nos autos, previamente à condução, o arguido havia consumido bebidas alcoólicas, apresentando no sangue uma taxa de alcoolemia de, pelo menos, 2,37g/l, e que tal o impedia de conduzir em condições de segurança (cfr. factos provados sob os nºs 6 e 7), como se verificou face aos perigos e danos criados a seguir mencionados.
No que se refere à alínea b), com relevância para o caso dos presentes autos, apurou-se que o arguido imprimia uma velocidade excessiva para o local onde circulava e que não cedeu a passagem como estava obrigado, pois que, como ficou provado (factos provados nº2) o ciclomotor que circulava no mesmo local teve de recorrer a uma travagem repentina para não embater com o veículo do arguido em consequência da violação de tais regras (cfr. factos provados nº2).
Acresce que o arguido continuou com a sua conduta, circulando a uma velocidade excessiva e não circulando, como obrigado, na faixa de rodagem da direita visto que ficou provado que manteve a velocidade a que seguia, invadiu o passeio e acabou por perder o controlo do veículo, invadindo a faixa de rodagem de sentido contrário e colidindo com a viatura que circulava nesta (cfr. factos provados sob os nºs 3, 4, 5 e 7).
Decorre ainda da análise da matéria de facto dada como provada que a conduta do arguido traduzida no consumo prévio de bebidas alcoólicas em quantidade tal que o impedia de conduzir em condições de segurança por alteração das suas capacidades para tanto, sendo disso demonstrativas as inúmeras infrações rodoviárias cometidas, bem como, decorre que, com tal conduta, criou perigo para a vida e integridade física dos peões e condutores e respetivos veículos que circulavam próximo do veículo tripulado pelo arguido, tendo um de se afastar para evitar embater com aquele e outro sofrido um violento embate que provocou danos elevados (cfr. factos provados nºs 2 e 7).
Verifica-se, por isso, o preenchimento dos elementos objetivos do tipo legal de crime em apreço previstos no artigo 291º, nº1, a) e b) do Código Penal.
Mais se tendo provado que o arguido sabia que violava regras de condução, o que quis e com isso criava, como criou, perigo para a circulação rodoviária, nomeadamente para a vida e integridade física dos utentes e dos demais veículos, tem igualmente de se concluir que se encontram verificados os elementos subjetivos do tipo legal em crise.
Provou-se ainda que atuou com culpa por saber que a sua conduta é proibida e punida por lei.
Não se verificando quaisquer causas de exclusão de ilicitude ou da culpa, conclui-se que se encontram verificados todos os pressupostos de que depende a imputação ao arguido do crime de condução perigosa de veículo rodoviário de que vinha acusado.
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Do crime de resistência e coação a funcionário
Estipula-se no art. 347º, nº1 do Código Penal sob a epígrafe de “crime de resistência e coação sobre funcionário” que:
“Quem empregar violência, incluindo ameaça grave ou ofensa à integridade física, contra funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança, para se opor a que ele pratique ato relativo ao exercício das suas funções, ou para o constranger a que pratique ato relativo ao exercício das suas funções, mas contrário aos seus deveres, é punido com pena de prisão até cinco anos.”.
O bem jurídico protegido pelos crimes contra a autoridade previstos no Capítulo II do Título V, da Parte II do Código Penal é a ordem democrática constitucional.
O próprio legislador refere, no ponto 36 do Preâmbulo do Código Penal, a propósito dos crimes contra o Estado e concretamente contra a segurança interna, que “o bem jurídico não se dilui na própria noção de Estado, antes se concretiza no valor que este, para a sua prossecução, visa salvaguardar”.
Como ensina Cristina Líbano Monteiro (In CCCP, Coimbra, 2001, Tomo III, Nótula antes do art. 347º, p. 337, §5) “o Estado de direito democrático é lugar de uma autoridade entendida como serviço público, garantia de um bom funcionamento (coerente e ordenado) de todos e de cada um dos serviços públicos.” (sublinhado da Autora)
Especialmente, no crime de resistência e coação sobre funcionário do artigo 347º, protege-se a autonomia intencional do Estado e reflexa ou funcionalmente, a própria pessoa do funcionário.
Trata-se de um crime de perigo abstrato, ou seja, a sua verificação não requer que, em consequência da ação praticada, resulte para a autoridade pública um impedimento real ou um dano efetivo, bastando o emprego da violência ou ameaça grave sobre funcionário com o fim de obstar ou obrigar à prática de um ato relativo ao exercício das funções do funcionário.
Com base naquela atuação, o legislador presume iures et de iure a existência de um perigo qualificado, a qual pune independentemente de qualquer alteração objetiva da conduta do funcionário.
Do ponto de vista da atuação do agente, bastando-se o crime em análise com aquela particular direção de vontade, é classificado como um crime de intenção.
O sujeito passivo, ou a vítima destes crimes, é o funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança, conforme decorre do preceito legal, aqui cabendo, em atenção à matéria dos autos, os militares da GNR.
Exige este normativo, quanto aos meios de execução, que seja utilizada violência ou ameaça grave.
Deve, no entanto, ter-se em atenção que, em alguns casos, nomeadamente nas hipóteses de se tratar de membros das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança, os destinatários da ameaça grave ou violência, “não são, para efeitos de atemorização, homens médios” (cfr. Cristina Líbano Monteiro, in CCCP, Tomo III, Coimbra, 2001, pp. 341 e ss., §9 e ss.).
Assim, o grau de violência ou ameaça necessários tem de ser avaliados de acordo com um critério objetivo-individual tendo em conta as capacidades do funcionário.
Relativamente à violência deve entender-se que a expressão integra não só a forma clássica da intervenção física sobre a própria pessoa, mas ainda a violência física ou moral, adotando hoje a doutrina e a jurisprudência um conceito de violência mais amplo.
Menciona Maia Gonçalves (in Código Penal Português, Anotado e Comentado, Almedina, 2005, p.557.) que “não se exige que a força física ou a intimidação sejam irresistíveis; basta que tenham potencialidade causal para compelir a pessoa contra quem se empregam à prática de um ato ou à omissão ou a suportar uma atividade”.
Aplicando a doutrina sobre o crime de coação e sobre o crime de ameaça, a ameaça grave há-de entender-se como a ação do agente que afeta a segurança e a tranquilidade da pessoa a quem se dirige e que tenha a virtualidade suficiente de poder intimidar o visado e/ou limitá-lo na sua atuação.
Todavia, diferentemente do crime de coação, o crime de resistência e coação sobre funcionário não exige que seguidamente à violência ou à ameaça grave, a vítima adote o comportamento pretendido pelo agente. No entanto, como crime material que é, exige-se para a sua consumação um resultado intermédio, a ação deve atingir, de facto, o seu destinatário.
Diga-se ainda, que a distinção “entre o conceito de violência e o conceito de ameaça reside na atualidade ou futuridade do mal”, como alude Américo Taipa de Carvalho (In CCCP, Tomo I, pp.355 e ss., §13.).
Conforme ensina Paulo Pinto de Albuquerque (in Comentário do Código Penal, UCE, 2008, p. 909, n. 4), o tipo objetivo do nº1 do preceito em apreço consiste nas seguintes ações: (1) oposição a que funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança pratique ato relativo ao exercício das suas funções; (2) constrangimento a que pratique ato relativo ao exercício das suas funções, mas contrário aos seus deveres.
Sobre o conceito de violência existem na jurisprudência dos Tribunais Superiores entendimentos divergentes.
Assim, entendem uns que para o preenchimento dos elementos do tipo objetivo basta que a atuação seja idónea a coagir, impedir ou dificultar a atuação legítima das autoridades, enquanto outros consideram que o mero desrespeito da ordem, ainda que o agente interaja fisicamente com o funcionário, desde que conforme uma reação natural de qualquer cidadão ao ser fisicamente privado da liberdade e ainda que, em abstrato, tal conduta se pudesse reputar como violenta se a mesma corresponder a um comportamento para o qual as autoridades estejam especialmente preparadas para lidar.
No primeiro sentido referido vejam-se a título ilustrativo:
- no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26.11.2008, p. 0815669, in www.dgsi.pt, decidiu-se que:
“Integra o conceito de violência para o efeito previsto no art. 347º do Código Penal a ato de empurrar e desferir palmadas no peito dos agentes policiais com a finalidade de os impedir, ainda que sem êxito, de concretizarem a ação policial.”
- no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 18.02.2014, p. 183/11.4PFSTB.E1, in www.dgsi.pt, conclui-se que:
“I – A violência a que alude o n.º1 do art. 347.º do Código Penal não tem de ser grave e nem sequer tem de consistir em agressão física, bastando que exista uma simples hostilidade, idónea a coagir, impedir ou dificultar a atuação legítima das autoridades. II - É suficiente para preencher a disposição normativa do art. 347.º, n.º1, do Código Penal, o simples esbracejamento de alguém que se encontra algemado e que assim quer resistir à atuação dos agentes policiais, vindo até a provocar uma lesão no corpo de um deles, pois, esse comportamento, constitui uma ofensa sobre o corpo de quem o está a agarrar e, nessa medida, é um ato violento para efeitos da incriminação penal.”
- no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27.06.2007, p. 1177/05.4PBFIG.C1, in www.dgsi.pt, decidiu-se que:
“Um empurrão deliberado e agressivo contra membro de força militar (GNR) integra o conceito penal de violência, com idoneidade para concretizar a oposição do autor à prática do ato devido (detenção), sendo por isso bastante para se ter como verificada a prática pelo arguido do crime de resistência, previsto e punido pelo artigo 347º do C. P., independentemente de essa oposição ter ou não êxito.”
- no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 16.02.2016, p. 67/14.4GCSTB.E1, in www.dgsi.pt, entendeu-se que: “(…) 4. São elementos constitutivos do crime de resistência e coação sobre funcionário, p. e p. pelo art. 347.º, n.º 1, do CP, (i) o impedimento da prática de ato relativo ao exercício de funções, (ii) o constrangimento à prática de ato relativo ao exercício de funções, mas contrários aos deveres do cargo e (iii) o emprego de violência ou ameaça grave; 5. Porém, este último elemento não tem que ser agressão física, bastando a simples hostilidade idónea a coagir ou impedir a atuação legítima do funcionário.”
- no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21.12.2022, p. 678/19.1PPPRT.P1, in www.dgsi.pt, entendeu-se que:
“Em suma, quer as expressões parto-te a cara e parto-te todo, quer a agressão física consistente no ato de empurrar o peito do agente da PSP visado, integram os elementos objetivos que compõem o tipo de crime de resistência e coação sobre funcionário, perdendo autonomia enquanto elementos objetivos constitutivos dos crimes de ameaça e ofensa à integridade física que se mostram consumidos pela previsão e proteção do art. 347.º do CPenal.”
Em sentido divergente, decidiu-se:
- no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17.04.2013, p. 597/12.2GCOVR.P1, in www.dgsi.pt, entendeu-se que:
“I - Elemento objetivo do crime de resistência e coação sobre funcionário, p. e p. pelo artigo 347º, n.º 1 do Código Penal, é o emprego de violência. II - A violência inclui as formas de violência psíquica e de ofensa à integridade física, uma vez que, como flui do normativo, a ameaça grave (vis compulsiva) e a ofensa à integridade física (vis phisica) são mencionadas como modalidades da violência. III - Para a consumação do crime necessário se torna que a ação violenta ou ameaçadora seja idónea a atingir de facto o seu destinatário ou destinatários, isto é, que essa ação possa impedir o funcionário de concretizar a atividade por este prosseguida. IV - Não comete o crime de resistência e coação sobre funcionário o agente que, ao ser-lhe dada voz de detenção, empurra dois agentes da GNR, começando a debater-se, a empurrar e a esbracejar para evitar a detenção, ao mesmo tempo que grita: “seus filhos da puta, eu vou-vos foder, eu mato-vos, vocês vão pagar por isto, estão fodidos” já que tal conduta não é dotada de idoneidade suficiente para inviabilizar os actos funcionais dos agentes da GNR.”
- no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09.05.201, p. 17/16.3PTHRT.L1-5, in www.dgsi.pt, entendeu-se:
“I.– Elemento objetivo do crime de resistência e coação sobre funcionário, p. e p. pelo artigo 347.º, n.º 1, do Código Penal, é o emprego de violência, incluindo ameaça grave ou ofensa à integridade física. II.– Provando-se que o agente, depois de ser-lhe dada voz de detenção, enquanto era manietado e algemado, “lutou” e “esbracejou”, sem se concretizar o que efetivamente fez, haverá que entender que a factualidade provada não foi descrita em termos que permitam a integração do tipo objetivo do crime de resistência e coação sobre funcionário, não estando concretizada qualquer conduta que seja idónea a intimidar, dificultar ou impedir de forma significativa a capacidade de atuação dos agentes policiais na situação em causa. III.– Não integra o crime de ameaça agravada dizer-se ao ofendido “Vou-te tirar a farda. Isso não vai ficar assim. Tem cuidado comigo”.
- no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 20.03.2018, p. 26/14.7GTEVR.E1, in www.dgsi.pt:
“I - Para o preenchimento do tipo legal de Resistência e coação sobre funcionário previsto no art. 347.º do C. Penal, relevam as caraterísticas do funcionário na situação concreta em que se encontra, incluindo as especiais capacidades e aptidões que são inerentes à sua função, como sejam as decorrentes da formação, treino ou adestramento ministrados com vista a poder resistir a níveis de oposição e constrangimento que sejam normalmente de esperar no exercício das suas funções. II - Nas hipóteses de resistência do cidadão à sua própria detenção, como se verifica no caso presente, importa ter em conta que a liberdade é um bem eminentemente pessoal, cuja autolimitação não só não pode ser jurídico criminalmente imposta, salvo casos excecionais e com todas as limitações, como não constitui atitude que se espere de quem é fisicamente detido, dada a pulsão ou instinto de reagir contra a vis corporalis ou vis física, mesmo legítima, que se encontra na generalidade dos cidadãos. III - A concreta atuação do arguido recorrente, ao esbracejar, soltando-se e afastando-se daqueles militares por uns metros e ao fazer força no seu braço, soltando-se e empurrando o militar da GNR, afastando-se uns metros, não constitui meio idóneo de impedir os militares da GNR de procederem à detenção do arguido, pois é inerente ao exercício das suas funções que aqueles militares se encontrem habilitados para assegurar a detenção de cidadãos que, perante a iminência ou a execução de detenção, tenham manifestações moderadas de resistência e hostilidade, tal como verificado no caso presente.”
- no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 20.12.2018, p. 1155/16.8PBSTB.E1, in www.dgsi.pt, entendeu-se que:
“Nem toda a oposição perpetrada ao exercício de funções do órgão de polícia criminal assume relevância típica à luz do tipo “resistência e coação sobre funcionário”, não cometendo este crime o arguido que esbraceja e empurra militar da GNR.”
No caso dos presentes autos atenta a matéria de facto provada e tendo presentes os entendimentos supra expostos, concluiu-se que a atuação do arguido consubstanciada no empurrão que deu a um militar da GNR com o intuito de se colocar em fuga e nas tentativas de dará pontapés (correspondentes a ofensas à integridade física do artigo 1443º do Código Penal), nas ameaças que foi proferindo repetidamente e que foram assumindo cada vez mais gravidade (v. g. “ vocês o que é que querem caralho... se pensam que vem aqui mandar em mim estão enganados”, “eu já disse que não vou a lado nenhum caralho, quem manda aqui sou eu e vocês querem o que seus filhos da puta, pensam que mandam, mas em mim não mandam vocês, vão para a puta que vos pariu”, “eu já disse caralho, deixai-me ir embora, eu vou embora a pé e vocês não me vão impedir disso”, “eu fodo-vos se me tocarem”, “já disse caralho, deixai-me sair daqui seus filhos da puta, vocês vão prender mas é o caralho é que vão... eu fodo-vos se me tocarem, já decorei as vossas caras e vocês estão fodidos comigo” e “deixai-me seus filhos da puta, eu vou dar cabo da vossa vida, vocês não me conhecem, não sabem com quem se estão a meter, eu vou-vos matar seus filhos da puta”), que culminaram numa ameaça de morte (correspondente ao crime de ameaça agravada dos artigos 153º e 155º, nº1, a), do Código Penal na medida em que o mal anunciado corresponde à prática de um crime punível com pena de prisão superior a 3 anos de prisão); preenche a factualidade típica objetiva do crime em apreço.
Ainda que o empurrão e as tentativas de dar pontapés por si só pudessem consubstanciar uma ação reflexa e natural de um ser humano quando está a ser detido, certo é que, no caso concreto os mesmos verificaram-se antes de qualquer detenção e como meio para encetar a fuga e tal violência física foi acompanhada de ameaças reiteradas, as quais, como expectável, atingiram o seu grau máximo no momento da detenção e que continuaram depois desta. Tudo isto, num contexto de exaltação e agressividade prévios, nomeadamente com os bombeiros que lhe prestavam auxílio médico.
E foi precisamente devido ao estado de agressividade do arguido e para evitar que abandonasse o local do acidente e que fossem agredidos por aquele que os militares da GNR tiveram de deter o arguido.
Verifica-se, pois, a idoneidade dos meios usados pelo arguido, de violência física e de ameaça grave, para perturbar a liberdade de ação dos agentes policiais.
É que, como se refere no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09.03.2016, p. 27/07.1PACSC.L1-3, in www.dgsi.pt , “se é correta esta distinção tendo em conta a sensibilidade do coagido, não pode, no entanto, tratando-se de agentes da autoridade policial exigir-se para o preenchimento do tipo legal formas extremas de violência ou de ameaça contando com a especial preparação dos agentes, o que seria contraproducente tendo em conta os fins em vista.” (sublinhado e negrito nosso).
Ora, no caso concreto, o arguido não se limitou simplesmente a gesticular, a tentar afastar-se, a esbracejar ou a dizer para o largarem ou para não lhe darem ordens, antes fez proferiu ameaças, incluindo da prática de um crime de homicídio, e utilizou a força física contra os agentes.
Assim, atento o conjunto dos factos dados como provados não permite senão a conclusão de que o comportamento do arguido preenche os elementos objetivos do tipo do crime de resistência e coação.
O arguido queria, ao agir deste modo, impedir que os militares cumprissem as suas funções, nomeadamente de manutenção da segurança e ordem pública e que procedessem à sua detenção, como era seu propósito, sendo o dolo do arguido sempre o mesmo: de oposição ao cumprimento dos deveres dos militares da GNR.
Resultou ainda que apesar de saber que eram agentes da autoridade, não se coibiu de levar a cabo a descrita conduta.
Verifica-se, também nesta medida, o preenchimento dos elementos subjetivos do tipo.
Por outro lado, ficou demonstrado que o arguido atuou com culpa por saber estar a agir contra o Direito.
Deve, em consequência, ser condenado pela sua prática por não se verificarem quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, considerando que resultou provado que atuou de forma, livre, voluntária e consciente.
*
Do(s) crime(s) de injúria agravado
(…).
*
III – Escolha e determinação da(s) pena(s)
A aplicação das penas tem como finalidade a proteção de bens jurídicos, como prevenção geral e a reintegração do agente na sociedade, como prevenção especial, conforme prescreve o artigo 40º do Código Penal.
São os bens jurídicos que dão sentido e servem de referência aos diversos tipos legais de crime e a sua proteção resulta do efeito da prevenção geral, ao nível da sua aplicação, como estabilizador da confiança no sistema jurídico.
A pena não pode em caso algum ultrapassar a medida da culpa, ainda de acordo com o nº2 do artigo 40º do Código Penal. O princípio da culpa, donde emana este limite, vai buscar o seu fundamento axiológico ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal, essencial à ideia de Estado Direito democrático e encontra acolhimento nos artigos 1º, 13º e 25º da Constituição da República Portuguesa (cfr. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Ed. Notícias, p. 73, Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “CRP Anotada”, Almedina, 2007, p. 199 e Catarina Veiga e Cristina Máximo dos Santos in “Constituição Penal Anotada”, Coimbra, 2006, pp. 36 e ss., inter alia, Ac. TC. nº124/04, DR I-A, de 31-03-2004).
A determinação definitiva da pena no caso concreto obedece a três fases distintas: a investigação e determinação da moldura penal aplicável ao(s) crime(s) praticado(s), a determinação da medida concreta e a escolha da espécie de pena que deve efetivamente ser cumprida.
Da(s) moldura(s)
O crime de condução perigosa é punido com pena de prisão de 1 mês a 3 anos ou com pena de multa de 10 a 360 dias (cfr. artigo 291º, nº1, a) e b) do Código Penal).
O crime de injúria agravado é punido com pena de prisão de 45 dias até 4 meses e meio ou com pena de multa de 15 dias até 180 dias (cfr. artigos 41º, 47º, nº1, 146º, nº 1 e 143º, nº 1 do Código Penal).
O crime de resistência e coação sobre funcionário é punido com prisão de 1 a 5 anos (cfr. artigos 41º e 347º do Código Penal). Da espécie da(s) pena(s) a aplicar
Estipula-se no artigo 70º do Código Penal, quanto à escolha da espécie da pena, que se ao crime forem aplicáveis, alternativamente, pena de prisão e pena não privativa da liberdade, o Tribunal dá preferência à esta última sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
A pena de prisão apresenta-se como ultima ratio dentro do leque das penas previstas no Código Penal, que se impõe apenas quando as restantes medidas se revelem inadequadas, face às necessidades de prevenção geral e especial.
No caso dos autos, as necessidades de prevenção geral são elevadas atendendo às consequências concretas decorrentes do desrespeito pelas regras rodoviárias face aos índices de sinistralidade das estradas reveladores da perigosidade aliada às infrações estradais, como as verificadas de forma intensa no caso dos autos atentas as regras violadas e a elevada taxa de alcoolemia detetada e baixas no que se refere aos crimes de resistência e coação e injúrias agravadas face ao baixo número de crimes deste tipo participados no nosso país (cfr. relatório de segurança interna de 2022 in https://www.portugal.gov.pt/download-ficheiros/ficheiro.aspx?v=%3d%3dBQAAAB%2bLCAAAAAAABAAzNDazMAQAhxRa3gUAAAA%3d).
Por seu turno, as necessidades de prevenção especial são medianas considerando que o arguido não tem antecedentes criminais, por um lado, e, por outro, que o arguido não demonstrou ter integrado o mal da sua conduta e que não se encontra plenamente inserido em sociedade em virtude dos seus comportamentos anteriores.
Considerando as exigências supra referidas demandam, no que se refere:
- ao crime de condução perigosa uma pena de prisão;
- aos crimes de injúria agravada de penas de multa.
*
Da(s) medida(s) concreta(s)
A determinação da pena concreta importa a consideração das exigências de prevenção e dos fatores a que aludem os nºs 1 e 2 do artigo 71º do Código Penal, no caso concreto, que influenciam a medida da pena, quer por via da culpa, quer por via da ilicitude.
Considerando os fatores a que aludem os nºs 1 e 2 do artigo 71º do Código Penal, no caso concreto, temos que:
- o grau de ilicitude é elevado, tendo em conta as inúmeras infrações rodoviárias cometidas, o preenchimento do crime quer pela condução sob efeito de produtos estupefacientes, quer pela violação de regras rodoviárias e os inúmeros perigos criados para a segurança rodoviária e danos provocados (pessoas e bens de valor patrimonial elevado),
- a conduta do arguido revelada na intensidade do dolo que é direto no que se refere à condução naquelas condições, à resistência e coação e às injúrias e eventual no que refere aos perigos e dano;
- as consequências da sua conduta que se traduziram na probabilidade de um embate com um ciclomotor e no embate de uma viatura cuja reparação importou valores elevados (superiores a 6.000,00€);
como circunstâncias que depõem contra o arguido;
- a ausência de antecedentes criminais;
- a sua inserção familiar, gozando de algum apoio da família;
são circunstâncias que depõem a favor do arguido.
Ponderando todo o descrito circunstancialismo, às circunstâncias de prevenção referidas, entende-se por ser proporcional, adequada e necessária, aplicar penas próximas do primeiro terço das respetivas molduras, sendo a medida da pena do crime de condução perigosa superior considerando a elevada ilicitude dos factos.
Assim, tem-se por proporcional, adequada e suficiente aplicar ao arguido:
- pela prática de um crime de condução perigosa a pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão;
- pela prática de um crime de resistência e coação a pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
- pela prática de, cada um dos crimes de injúrias, a pena de 55 (cinquenta e cinco) dias de multa.
Relativamente ao quantitativo da multa, atendendo ao disposto no nº2 do artigo 45º do Código Penal, que deve ser fixado entre €5,00 e €500,00, considerando a situação económica e financeira do arguido, nomeadamente que aufere uma reforma pouco superior à RMMG e que as suas principais despesas correspondem a 1/2 do seu rendimento, entende-se que ser proporcional fixar-se o montante diário em medida correspondente ao valor de €7,00.
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- Cúmulo jurídico das penas aplicadas
Cumpre agora proceder ao respetivo cúmulo jurídico das penas aplicadas e fixar ao arguido uma pena única, graduada de acordo com o disposto no artigo 77º, nº1 do Código Penal, cuja redação é a seguinte: “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de ter transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.”
Como refere Figueiredo Dias (ob. cit. pp. 291 e 292) “Tudo deve passar-se (…) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente revelará, entretanto, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente.”
De acordo com o disposto no nº2 do artigo 77º do Código Penal, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
Assim, no caso concreto a moldura do concurso fixa-se:
- no que se refere às penas de prisão entre 1 ano e 6 meses e 2 anos e 10 meses de prisão;
- no que se refere às penas de multa entre 55 dias e 110 dias de multa.
Atendendo à intensidade do dolo, à falta de interiorização do mal praticado e ao número de crimes em causa nos presentes autos, por um lado, e à ausência de antecedentes criminais, por outro, entende-se da avaliação global dos factos resulta uma certa tendência da personalidade do arguido para a prática de crimes.
Tudo isto visto, entende o Tribunal que as penas devem corresponder a medida próxima do termo médio das molduras do concurso, nomeadamente:
- à pena de 1 ano e 10 meses de prisão (no que se refere aos crimes de condução perigosa e resistência e coação);
- à pena de 73 dias de multa (no que se refere aos crimes de injúria agravada) à taxa diária já fixada de 7,00€, o que perfaz a multa global de 511,00€.
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- Da possibilidade de substituição da pena de prisão aplicada por medidas não detentivas
A pena de prisão determinada, é suscetível de ser substituída por pena não detentiva, de entre o leque previsto no Código Penal, desde que verificados os requisitos legais.
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- Da possibilidade de substituição da pena de prisão aplicada por medidas não detentivas
(…).
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Dos pedidos de indemnização civil
Nos termos do artigo 129º do Código Penal, a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil, o que determina a aplicação das regras emergentes do artigo 483º do Código Civil, o qual dispõe que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Atendendo ao exposto, verifica-se que a responsabilidade extracontratual por factos ilícitos radica em quatro pressupostos essenciais:
a) o facto ilícito;
b) o nexo de imputação subjetiva;
c) o dano;
d) o nexo de causalidade.
Assim, é necessário que haja um facto voluntário do agente; é preciso que o facto do agente seja ilícito e que haja um nexo de imputação do facto ao lesante. É ainda indispensável que à violação do direito subjetivo ou da lei sobrevenha um dano e que haja um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima (cfr. Pires de Lima / Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, Vol. I, 4ª Ed., Coimbra Editora, 1987, pp. 470 e ss. e Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 6ª Ed., Almedina, 1994, pp. 465 e ss.).
Por outro lado, o artigo 70º, nº 1, do Código Civil, estabelecendo genericamente a tutela dos direitos de personalidade, “protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral”.
De entre essas ofensas, conta-se um vasto elenco de lesões a direitos inerentes à pessoa humana, de entre os quais emergem os direitos à vida, à saúde física, à integridade física, à honra, à consideração e ao bom nome.
Estes são direitos subjetivos absolutos, que a todos impõem o dever de respeito e de abstenção de atos ofensivos. São, além disso, direitos extra-patrimoniais, pois que insuscetíveis de quantificação pecuniária e gerais, porque inerentes a todas as pessoas.
Quanto aos danos refira-se que o artigo 562º do Código Civil estipula que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação. Existindo a obrigação de indemnizar, esta deve abranger os danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (cfr. artigo 563º do Código Civil), devendo a indemnização ser fixada em dinheiro quando a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.
Por outro lado, se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (cfr. artigo 566º, n.º 3, do Código Civil).
Analisemos, pois, à luz destes pressupostos e critérios os pedidos de indemnização deduzidos.
Os demandantes pedem a condenação do arguido no pagamento de uma quantia pecuniária – 1.200,00€ cada um – a título de danos não patrimoniais sofridos em consequência da sua atuação.
Resulta dos factos dados como provados que o arguido dirigiu palavras ameaçadoras e injuriosas aos demandantes e que estes sentiram medo perante as ameaças e tristeza perante os insultos que lhes foram dirigidos.
Considerando os danos não patrimoniais descritos, pode afirmar-se que os pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual se encontram verificados e ainda que são dignos de tutela jurídica, sendo, pois, indemnizáveis.
Tudo ponderado, atenta a média gravidade do medo experimentado e teor pouco intenso das expressões proferidas, entende-se adequado fixar a indemnização devida a título de danos não patrimoniais pelas ameaças e injúrias na quantia 600,00€ a cada um, assim se reduzindo a indemnização peticionada.
Ao montante em causa acrescerão, juros de mora, à taxa legal, contados desde a notificação até pagamento, de acordo com o disposto nos artigos 804º, 805º, nºs 1 e 3, 2ª parte, 806º e 559º do Código Civil.
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Custas
(…)”.
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Análise do mérito do recurso 1ª questão: erro de julgamento quanto aos nºs 15, 18, 20 e 27 e 28 da matéria de facto provada.
O recorrente alega que o tribunal a quo errou ao julgar como provados os factos vertidos nos nºs 15 (na parte em que dá como provado que o arguido refere que “vai para casa a pé” e ainda que “empurrou o militar DD com o intuito de se colocar em fuga apeada”), 18 (na parte “começou a empurrar ambos os militares”) e 20 (“Após a recolha sanguínea, foi o arguido transportado às instalações da GNR ... e durante o percurso o arguido manteve-se a proferir os mesmos insultos e ameaças contra os militares da GNR “).
Como provas que impõem decisão diversa da recorrida indica:
- depoimento de DD, militar da GNR, com início às 10:47:06h e término às 11:04:56 horas (ficheiro áudio 20230202104705_4203773_2870288), aos minutos 03:40, 04:24, 05:00, 01:10, 02:10, 02:30, 05:32, 07:25 e 16:50;
- (quanto ao pedido de indemnização civil), toda a prova testemunhal apresentada (para além do depoimento de DD aos minutos 03:40).
Quanto ao facto provado nº 15, alega que desta prova não consta qualquer referência a um “empurrão”, nem há indício nos autos de que o arguido pretendesse encetar uma fuga apeada, nem que vai a pé para casa. Apenas refere que não quer tratamento médico.
Em seu entender, o facto nº 15 deverá passar a ter a seguinte redação:
“15. Nesse momento o arguido começou a ficar ainda mais exasperado e agressivo, dirigindo-se novamente para os militares, dizendo em tom de voz elevado “eu já disse caralho, deixai-me ir embora” e “eu fodo-vos se me tocarem” e levantou-se da cadeira de rodas e empurrou o militar DD “.
Quanto ao facto provado nº 18 na parte “começou a empurrar ambos os militares”, não resultou do depoimento da testemunha DD, única testemunha que depôs relativamente a este momento em sede de julgamento, mas apenas que o arguido esbracejou e esperneou e fez tentativas de pontapés, limitando a sua conduta a uma reação física e já não verbal.
Pelo que em seu entender, o facto nº 18 deverá passar a ter a seguinte redação:
“18. Neste momento foi dada voz de detenção ao arguido pelos militares e assim que se apercebeu que ia ser detido, começou a esbracejar e tentar dar pontapés contra os mesmos “.
Relativamente ao facto provado nº 20, não foi produzida em julgamento qualquer prova (depoimento do DD) quanto à existência ou não de ameaças e insultos durante o transporte do arguido seja para onde for, nem tal resulta da participação criminal.
Em seu entender, o ponto nº 20 dos factos provados deverá passar a ter a seguinte redação:
“20. Após a recolha sanguínea, foi o Arguido transportado às instalações da GNR ... e durante o percurso o arguido dirigiu por diversas vezes os insultos a estes militares”.
No que respeita aos factos provados nºs 27 e 28 (respeitantes ao pedido indemnizatório formulado nos autos) alega que não existiu uma única testemunha que tenha deposto acerca de tais factos, nem mesmo o militar da GNR DD (o cabo AA não depôs nos presentes autos), o qual nada referiu acerca de danos morais por si sofridos ou pelo cabo da GNR AA.
Em seu entender, tais factos devem ser julgados como não provados.
Cumpre decidir.
O recorrente para impugnar a matéria de facto em sede de erro de julgamento tem de especificar os concretos pontos de facto que considera deficientemente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e, no caso de ser requerida a audiência, as provas que devem ser renovadas, nos termos do art. 412º nºs 1 e 3 alíneas a) a c) do CPP devendo, em simultâneo, esclarecer o porquê da discordância, como e qual a razão por que é os meios probatórios por si especificadoscontrariam/infirmam a conclusão factual do Tribunal de 1ª instância, fazendo uso de um raciocínio lógico e de exame crítico com o mesmo grau de exigência que se impõe ao tribunal na fundamentação das suas decisões[5] e, no caso de as provas terem sido gravadas, as especificações no caso das alíneas b) e c) do preceito, fazem-se por referência ao consignado na ata, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação, nos termos do nº 4 do preceito e enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Além disso, o legislador não exige apenas que o recorrente indique as provas que permitam uma diversa apreciação da matéria de facto. O legislador exige que o recorrente indique as provas que impõem uma diversa apreciação da matéria de facto.
Não basta, pois, que o recorrente pretenda fazer uma “revisão” da convicção obtida pelo tribunal recorrido por via de argumentos que permitam concluir que uma outra convicção “era possível”. Impõe-se-lhe que “imponha” uma outra convicção[6].
Na verdade, havendo versões diversas sobre o modo como os factos ocorreram – que é vulgar acontecer -, nada impede que a convicção do juiz se forme com base num único meio de prova, seja as declarações do arguido ou do assistente, ou o depoimento de uma testemunha, ainda que em sentido contrário[7].
A valoração da prova – produzida com oralidade e imediação - compete ao julgador e só a ele (e não ao recorrente) e obedece ao regime previsto no art. 127º do CPP, que estatui que “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente “ (salvo quanto à prova pericial ou vinculada com valor probatório resultante da lei), sendo prévia à fixação da matéria de facto.
Cumpre ainda esclarecer que recurso amplo em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, sendo antes um remédio para corrigir erros de julgamento efetuados por outro tribunal; e tanto assim é que se salienta no Ac. da R.E. de 07/12/2012[8] que “…o objeto do recurso não coincide com o objeto da decisão do tribunal de julgamento – este decide sobre uma acusação, aquele decide sobre a (correção da) sentença de facto. Assim, à Relação só pode pedir-se que efetue um controlo do julgamento, e não que repita ou reproduza o julgamento. Os seus poderes de decisão de facto estão direcionados para a (sindicância da) sentença de facto, e sempre de acordo com a impugnação do recorrente. E também não o é porque a segunda instância não se encontra na mesma posição do juiz de julgamento perante as provas – não dispõe de imediação total (embora tenha uma imediação parcial, relativamente a provas reais e à componente “voz” da prova pessoal) e está impedida de interagir com a prova (ou seja, de questionar)”.
Outra razão demonstrativa de que o recurso amplo em matéria de facto não constitui um segundo julgamento, resulta do dever imposto ao recorrente previsto no art. 412º nº 3 b) do CPP de especificar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida.
Como se escreveu no Ac. da R.P. de 22/02/2023[9], “A exigência da lei ao estabelecer os requisitos da impugnação da matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido deve-se à circunstância de o recurso sobre matéria de facto, apesar de incidir sobre a prova produzida e o seu reflexo na matéria assente, não configurar um novo julgamento. Se estivéssemos perante um novo julgamento as especificações/requisitos seriam, obviamente, destituídos de fundamento. Mas, sendo o recurso um remédio, então o que se pretende é corrigir concretos erros de julgamento respeitantes à matéria de facto. Por isso a lei impõe que os erros que o recorrente entende existirem estejam especificados e que as provas que demonstrem tais erros estejam também elas concretizadas e localizadas, tanto mais que segundo estabelece ainda o nº 6 de tal artigo 412º que “No caso previsto no nº 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa”, uma vez que, conforme se exarou no Ac. do STJ de 1/7/2010, publicado na CJ, Acs. do STJ, Ano XVIII, tomo II, pág. 219, “Se o recorrente tem o ónus de indicar as concretas passagens das gravações, o tribunal tem o dever de atender a outras que considere relevantes para a descoberta da verdade, sob pena do recorrente escolher a passagem que mais lhe convém e omitir tudo o mais que não lhe interessa, assim se defraudando a verdade material” – destacado e sublinhado nossos.
Em suma, a finalidade do recurso não é proferir um novo julgamento da causa, mas julgar a própria decisão recorrida[10].
No caso concreto dos autos, o recorrente indica quais são os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os meios de prova que na sua perspetiva impõem uma convicção diversa da do tribunal recorrido e a decisão que, em seu entender, deveria ter sido proferida quanto a cada um dos pontos de facto impugnados.
Vejamos se lhe assiste razão.
Da audição integral do depoimento da testemunha DD constamos que no que respeita ao nº 15 dos factos provados, não assiste razão ao recorrente.
Pese embora a testemunha tivesse sido clara em explicar que o arguido o empurrou para trás, o que fez colocando-lhe uma mão no peito, com o intuito de não ser conduzido ao hospital para receber tratamento (quando inicialmente o havia pedido por, alegadamente, lhe doer a cabeça) e fazer a recolha sanguínea (a fim de detetar a presença de álcool no sangue) dizendo “não preciso de nada disso” (quanto a receber tratamento -, afirmando, entre outras coisas e impropérios dirigidos indiscriminadamente aos militares da GNR e aos bombeiros, “já estou bem”, “deixai-me em paz, deixai-me ir embora, que eu não preciso de vocês!”), a testemunha também explicou que o arguido foi impedido de se ausentar do local dos factos, ou seja, do embate, por existir um protocolo que os bombeiros entendem ser necessário cumprir e inclusive “fazeralgum tipo de intervenção, descartando a possibilidade de mais tarde vir a acontecer alguma coisa” (sic), que incluía o dever de o
arguido assinar um termo de responsabilidade e tal não seria possível acontecer se o arguido não tivesse sido impedido de se ausentar do local (aos minutos 16:58 a 17:32 da gravação).
Também no que respeita aos factos provados nºs 18 e 20 não lhe assiste razão. A testemunha DD foi perentória em afirmar que o arguido “continuava sempre com o mesmo discurso e insistia neste tipo de discurso dele” enquanto era algemado,
especificando concretamente, ao ser interpelado, que expressões injuriosas e ameaça (de morte) eram proferidas pelo arguido, as quais correspondem ao que a Sra. Juiz a quo fez constar da redação desses factos.
Por último, no que se refere aos factos provados nºs 27 e 28, que respeitam ao pedido de indemnização cível deduzido nos autos o recurso não é admissível.
Em matéria de recurso da decisão cível proferida dispõe o nº 2 do art. 400º do CPP que, “Sem prejuízo do disposto nos artigos 427º e 432º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada”.
Sendo a alçada do Tribunal recorrido de € 5000 conforme estabelece o artº 44º nº1 da Lei nº 62/13 de 28/8 (L.O.S.J.) em vigor à data da dedução do recurso[11] e uma vez que cada um dos pedidos cíveis deduzidos tem o valor de € 1.200,00 torna-se claro não estarem verificados no caso em apreço a cumulação dos requisitos pressupostos por lei para a admissibilidade do recurso relativo aos pedidos cíveis.
Como tal e adiantado já a última questão do recurso (a errada fixação da data de contagem dos juros moratórios relativos à condenação no pagamento dos pedidos indemnizatórios fixados, a partir da data de notificação do pedido de indemnização cível formulado autonomamente por cada um dos demandantes DD e AA), não se conhece do mesmo quanto aos pedidos cíveis, o que implica não se conhecer de nenhuma questão relacionada com tais pedidos, designadamente impugnação da matéria de facto nos termos do art. 412º nº 3 do CPP.
Concluindo e quanto ao mais, os elementos de prova indicados pelo recorrente no que respeita aos factos nºs 15, 18 e 20 não impõem convicção diversa daquela que foi extraída pelo Tribunal a quo, pelo que são insuscetíveis de conduzir à modificação de tal factualidade no sentido por ele pretendido.
Pelo exposto, improcede este primeiro fundamento do recurso, considerando-se, em consequência, definitivamente fixada a matéria de facto tida como provada na decisão impugnada.
*
2ª questão: o não preenchimento do crime de resistência e coação sobre funcionário p. e p. pelo art. 347º nº 1 do Código Penal.
O recorrente alega que o seu comportamento descrito nos nºs 9 a 20 da matéria de facto assente, relevante para a descrição do crime p. e p. pelo art. 347º nº 1 do Cód. Penal, não assumiu contornos de «violência« ou de «ameaça grave» que preencham o elemento objetivo do tipo, não apresentando, por isso, idoneidade suficiente para inviabilizar os atos funcionais dos militares da GNR.
Decidindo.
Vejamos a matéria de facto provada relevante para a consumação deste tipo de crime:
“11. Quando os militares da GNR se aproximaram do arguido para apurar o que se passava, o arguido ao aperceber-se da presença dos mesmos, ficou mais exaltado.
12. Nesse momento, os militares da GNR pediram ao arguido para se acalmar, para permitir o transporte, tendo o arguido olhado para os militares e disse aos mesmos em tom de voz elevado: “vocês o que é que querem caralho... se pensam que vem aqui mandar em mim estão enganados”.
13. Foi novamente instado pelos militares para se acalmar e colaborar com os bombeiros para ser transportado ao Hospital como tinha pedido, tendo o arguido respondido novamente em tom de voz elevado: “eu já disse que não vou a lado nenhum caralho, quem manda aqui sou eu e vocês querem o que seus filhos da puta, pensam que mandam, mas em mim não mandam vocês, vão para a puta que vos pariu”.
(14. Foi mais uma vez foi pedida calma ao arguido pelos militares sendo advertido que os insultos que por ele estavam a ser proferidos o fariam incorrer num ilícito criminal, sendo reforçado o pedido de calma e colaboração para que fosse possível o transporte até ao hospital).
15. Nesse momento o arguido começou a ficar ainda mais exasperado e agressivo, dirigindo-se novamente para aos militares, dizendo em tom de voz elevado: “eu já disse caralho, deixai-me ir embora, eu vou embora a pé evocês não me vão impedir disso” e “eu fodo-vos se me tocarem” e levantou-se da cadeira de rodas e empurrou o militar DD com intuito de se colocar em fuga apeada.
16. Não obstante, uma vez mais, foi pedido pelos militares da GNR ao arguido calma e colaboração para que pudesse ser assistido e transportado ao Hospital, sendo novamente advertido que as expressões que dizia o fariam incorrer em ilícito criminal, bem como a força física que estava a exercer sobre os elementos da GNR, e que caso assim continuasse lhe iria ser dada voz de detenção.
17. Com isto, o arguido ficou ainda mais exaltado e agressivo e dirigindo-se novamente para aos militares, dizendo em tom de voz elevado: “já disse caralho, deixai-me sair daqui seus filhos da puta, vocês vão prender, mas é o caralho é que vão... eu fodo-vos se me tocarem, já decorei as vossas caras e vocês estão fodidos comigo”.
18. Neste momento foi dada voz de detenção ao arguido pelos militares e assim que se apercebeu que ia ser detido, começou empurrar ambos os militares, esbracejando e tentando dar pontapés contra os mesmos, dizendo: “deixai-me seus filhos da puta, eu vou dar cabo da vossa vida, vocês não me conhecem, não sabem com quem se estão a meter, eu vou-vos matar seus filhos da puta”, vindo o arguido, com uso da força estritamente necessária, algemado e imobilizado.
19. O arguido foi então transportado até ao veículo policial e já no interior deste, foi solicitado que fosse feito o teste de álcool no aparelho qualitativo, no entanto o arguido não exalou ar suficiente, pelo que foi transportado ao Centro Hospitalar ..., para recolha sanguínea, o que foi realizado com o KIT GNR 63025.
20. Após a recolha sanguínea, foi o arguido transportado às instalações da GNR ... e durante o percurso o arguido manteve-se a proferiros mesmos insultos e ameaças contra os militares da GNR”.
De acordo com o disposto no art. 347º do Cód. Penal, comete o crime de resistência e coação sobre funcionário, “Quem empregar violência, incluindoameaça grave ou ofensa à integridade física, contra funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança, para se opor a que ele pratique ato relativo ao exercício das suas funções (…)”.
São elementos objetivos do tipo:
- a oposição, por não-funcionário, a que a autoridade pública pratique ato compreendido nas suas funções;
- o emprego de violência (que pode incluir a ameaça grave ou a ofensa à integridade física).
O bem jurídico protegido pelo tipo é a autonomia intencional do Estado (o interesse do Estado em fazer respeitar a sua autoridade manifestada na liberdade funcional de atuação do seu funcionário ou membro das forças armadas, militarizadas ou de segurança, punindo os não-funcionários que coloquem entraves à livre execução das “intenções” estaduais, tornando-as ineficazes) e reflexamente, «a pessoa do funcionário, incumbido de desempenhar determinada tarefa», isto é, protege-se reflexamente a sua «liberdade na medida em que representa a liberdade do Estado (...), por outras palavras: acautela-se a liberdade de ação pública do funcionário e não a sua liberdade de acção privada»[12].
Como se diz no Ac. da R.P. de 21/09/2005, o que importa é o resultado, a exclusão da liberdade de atuaçãoque sofre o funcionário ou membro daquelas forças, não sendo necessário que hajam sido afetados diretamente na sua integridade corporal.
O crime em questão é um crime de perigo, porque se consuma com a ação de resistência (ou constrangimento) adequada a anular ou comprimir a capacidade de atuação do funcionário ou afim, não sendo necessária a prática do (crime de resultado cortado) ato coagido[13], ou a abstenção, coagida, de praticar o ato pelo funcionário.
Violência, é todo o ato de força ou hostilidade que seja idóneo a coagir o funcionário ou membro das forças armadas, militarizadas ou de segurança.
Há ameaça grave sempre que a ação afete a segurança e tranquilidade da pessoa a quem se dirige e seja suficientemente séria para produzir o resultado pretendido.
Se não há emprego de violência (nas modalidades de violência física ou psíquica ou de nível que altere o funcionamento perfeito (saúde) de uma pessoa ou ameaça grave, em sentido coincidente com a prevista no art. 155º nº 1 a) do Cód. Penal) não há crime.
Por último, a idoneidade da violência afere-se pelas especiais capacidades do sujeito passivo do crime para suportar pressões, melhor dizendo, considerando as suas «sobre-capacidades» na comparação com o homem médio, de modo que o critério a utilizar para aferir da afetação da liberdade individual é o do funcionário com as características do concreto funcionário destinatário da infração (no caso concreto, das forças de segurança, os dois militares da GNR).
No caso dos autos, cremos que os atos levados a cabo pelo arguido, ou seja, a violência empregue pelo mesmo não reveste a idoneidade adequada para coagir os militares da GNR a abster-se de praticar atos compreendidos no exercício das respetivas funções para que se mostre preenchido o tipo legal do art. 347º do Cód. Penal.
Vejamos.
Os membros das forças de segurança presentes no dia, hora e local dos factos, eram militares da GNR, em número de 2 (dois).
Na altura, o arguido encontrava-se notoriamente embriagado embora ainda se desconhecesse a concreta taxa de alcoolémia, o mesmo exibia sinais exteriores de influenciado pelo álcool conforme consta do facto provado nº 8 onde se verteu que “(…) o arguido apresentava-se exaltado e agressivo, exalando forte odor a álcool e postura bamboleante, equilibrando-se em pé por se encontrar encostado ao automóvel”.
O arguido, para impedir que os referidos militares mantivessem a ordem e segurança no momento em que se insurgiu contra os bombeiros (agarrando com força o braço de EE, bombeira), estando sentado numa cadeira de rodas (pertencente aos bombeiros), apenas atuou fisicamente sobre 1 (um) deles, levantando-se da cadeira de rodas e empurrando-o para trás para o desviar, colocando-lhe a mão no peito (14. Foi mais uma vez foi pedida calma ao arguido pelos militares sendo advertido que os insultos que por ele estavam a ser proferidos o fariam incorrer num ilícito criminal, sendo reforçado o pedido de calma e colaboração para que fosse possível o transporte até ao hospital. 15. Nesse momento o arguido começou a ficar ainda mais exasperado e agressivo, dirigindo-se novamente para aos militares, dizendo em tom de voz elevado: “eu já disse caralho, deixai-me ir embora, eu vou embora a pé e vocês não me vão impedir disso” e “eu fodo-vos se me tocarem” e levantou-se da cadeira de rodas e empurrou o militar DD com intuito de se colocar em fuga apeada”).
Em termos objetivos, um simples empurrão desferido pelo arguido, notoriamente embriagado, com a mão colocada sobre o peito de 1 (um) dos militares da GNR ali presentes, sendo estes em número de 02 (dois) e pessoas treinadas e munidos de instrumentos de defesa para conter condutas desordeiras do cidadão comum não se mostra adequada a anular ou comprimir a capacidade de atuação dos referidos militares da GNR no exercício das suas funções de segurança, ordem e salvaguarda da paz pública.
Prosseguindo.
16. Não obstante, uma vez mais, foi pedido pelos militares da GNR ao arguido calma e colaboração para que pudesse ser assistido e transportado ao Hospital, sendo novamente advertido que as expressões que dizia o fariam incorrer em ilícito criminal, bem como a força física que estava a exercer sobre os elementos da GNR, e que caso assim continuasse lhe iria ser dada voz de detenção.
17. Com isto, o arguido ficou ainda mais exaltado e agressivo e dirigindo-se novamente para aos militares, dizendo em tom de voz elevado: “já disse caralho, deixai-me sair daqui seus filhos da puta, vocês vão prender, mas é o caralho é que vão... eu fodo-vos se me tocarem, já decorei as vossas caras e vocês estão fodidos comigo”.
Como o arguido - novamente sentado na cadeira de rodas – se mantinha exaltado proferindo impropérios indiscriminadamente contra os bombeiros e contra os militares da GNR, não acatou a ordem do militar DD para se acalmar, foi-lhe dito que se não alterasse o seu comportamento lhe seria dada ordem de detenção.
Diz-se no ponto nº 18 da matéria de facto provada, “Neste momento foi dada voz de detenção ao arguido pelos militares e assim que se apercebeu que ia ser detido, começou empurrar ambos os militares, esbracejando e tentando dar pontapés contra os mesmos, dizendo: “deixai-me seus filhos da puta, eu vou dar cabo da vossa vida, vocês não me conhecem, não sabem com quem se estão a meter, eu vou-vos matar seus filhos da puta”, vindo o arguido, com uso da força estritamente necessária, algemado e imobilizado”.
Poderia aqui questionar-se se o arguido efetivamente “empurrou” o corpo dos militares da GNR exercendo força física diretamente sobre os mesmos e, portanto pressionando o corpo destes para os afastar de si, ou se apenas se quis dizer que os afastou, gesticulando, traduzido num esbracejar e tentar dar pontapés, mas sem que tivesse logrado tocar em qualquer parte do corpo daqueles militares.
Da audição dos depoimentos das testemunhas de acusação (já que foi impugnada a matéria de facto nos termos previstos no art. 412º nº 3 do CPP) resulta que no momento em questão o arguido se encontrava novamente sentado na cadeira de rodas e, ao ter ouvido que iria ser detido, para evitar que se aproximassem dele, a fim de consumar o ato físico da detenção com a colocação de algemas, começou a esbracejar e a tentar dar pontapés, sem que tivesse atingido o corpo de qualquer dos militares da GNR ali presentes, pelo que melhor teria sido escrito, «começou a afastar ambos os militares, esbracejando e tentando dar pontapés contra os mesmos, dizendo: “deixai-me seus filhos da puta, eu vou dar cabo da vossa vida, vocês não me conhecem, não sabem com quem se estão a meter, eu vou-vos matar seus filhos da puta”, vindo o arguido, com uso da força estritamente necessária, algemado e imobilizado”.
Atente-se agora na última vertente da conduta do arguido.
O arguido antes e após ter sido detido e algemado pelos militares da GNR proferiu contra os mesmos, várias vezes, ameaças de morte (“eu mato-vos”), dizendo-lhes ainda que “decorou as caras deles”.
Diz-se na decisão recorrida que “Ora, no caso concreto, o arguido não se limitou simplesmente a gesticular, a tentar afastar-se, a esbracejarou a dizer para o largarem ou para não lhe darem ordens, antes fez proferiu ameaças, incluindo da prática de um crime de homicídio, (…).
O arguido queria, ao agir deste modo, impedir que os militares cumprissem as suas funções, nomeadamente de manutenção da segurança e ordem pública e que procedessem à sua detenção, como era seu propósito, sendo o dolo do arguido sempre o mesmo: de oposição ao cumprimento dos deveres dos militares da GNR”.
Com o termo «ameaça grave» pretende aludir-se à ameaça agravada tal como vem tipificada no art. 155º do Código Penal.
Conforme ensinam Leal-Henriques e Simas Santos[14], a oposição à ação da autoridade pública inclui não só a oposição inicial como a oposição em qualquer dos momentos subsequentes, pelo que a ação típica não se restringe ao momento inicial, podendo abranger a continuação da ação do funcionário.
No caso destes autos, provou-se que o arguido continuou a proferir os mesmos insultos e a dirigir ameaças de morte aos dois militares da GNR após a recolha sanguínea, enquanto era transportado às instalações da GNR ... (cfr. facto provado nº 20).
O arguido na altura apresentava uma TAS de 2,37g/l a que corresponde a taxa de álcool medida no sangue pelo IMNL de 2,72 g/l após o desconto da margem de erro legalmente imposto (cfr. facto provado nº 6).
A ameaça jurídico-penalmente relevante não tem que causar no visado efetivo receio de que o agente possa vir a cumprir no futuro, próximo ou longínquo, o mal anunciado, não sendo um crime de resultado e de dano, mas apenas que a ameaça prometida seja suscetível de ser tomada a sério pelo ameaçado, independentemente de o seu destinatário ficar, ou não, intimidado.
Cremos que uma ameaça de morte proferida por pessoa visivelmente embriagada, exalando forte odor a álcool e de postura bamboleante, a par de verborreica (como afirmaram as testemunhas de acusação, “o arguido não parava de falar”; já o Prof. Pinto da Costa in “Problemas ligados ao álcool”, pág. 8, no âmbito do Curso Intensivo de Medicina Legal, ensinava que “ entre os 05,e 1,4g/l é evidente a depressão dos centros nervosos, traduzida em verborreia, mais fácil comunicação ou agressividade, congestão da pele da face e olhos, dilatação pupilar e tendência para o nistagmo”), não terá o mesmo impacto no visado que teria essa mesma ameaça proferida por pessoa sóbria. Ou seja, como acima se deixou dito, nesta última hipótese uma tal ameaça assumiria foros de seriedade de que se não revestirá a ameaça proferida pelo arguido dirigida a membros das forças de segurança, considerando as capacidades físicas e psíquicas e instrumentos de defesa destes relativamente ao cidadão comum, mesmo não tendo que ser heróis.
Neste sentido, assinala P. Pinto de Albuquerque[15] em comentário ao art. 154º do Cód. Penal, nota 18, que, “A ação de violência ou ameaça deve ser adequada ao resultado do constrangimento (isto é, à ação, omissão ou tolerância de uma atividade). Neste juízo de adequação devem ser ponderadas, por um lado, as características físicas e psíquicas da pessoa vítima do constrangimento e do agente do crime e, por outro lado, as competências técnicas da vítima para resistir à violência, como é o caso de agentes de autoridade”.
Conforme se escreveu no Ac. da R.P. de 17/04/2013[16], “«o critério da importância do mal reconduz-se ao critério da sua adequação a constranger, e este, tal como aquele, é um critério objetivo-individual: objetivo, na medida em que se apela ao juízo do homem comum; individual, uma vez que se tem de ter em conta as circunstâncias concretas em que é proferida a ameaça, nomeadamente as sub-capacidades (…) do ameaçado (….)» Em termos simples, dir-se-ia que a violência supõe uma coação, em que, mais do que a própria ação, é o efeito coercitivo que assume caráter mais decisivo. Importante é que o meio coercivo utilizado seja adequado/eficaz, tendo em vista o resultado pretendido. (…). para a consumação do crime “necessário se torna que a acção violenta ou ameaçadora seja idónea a atingir de facto o seu destinatário ou destinatários, isto é, que essas acções os possam impedir de concretizar a actividade por estes prosseguida”.Esta valoração do grau de idoneidade não prescinde, como parece óbvio, das circunstâncias concretas concorrentes no caso”.
O caso destes autos é em quase tudo semelhante.
De modo que tal como se decidiu no citado aresto, que seguimos, consideramos que também no caso presente, a atuação do arguido, visivelmente embriagado, exalando forte odor a álcool, de postura bamboleante (que apenas se equilibrava em pé por se encontrar encostado ao automóvel) e mostrando-se verborreico, que se traduz apenas numa relativa violência verbal (que incluía injúrias: “deixai-me seus filhos da puta, eu vou dar cabo da vossa vida, vocês não me conhecem, não sabem com quem se estão a meter, eu vou-vos matar seus filhos da puta” ), ainda que repetida (iniciada antes da sua detenção), ou seja, já depois de algemado e dentro do carro patrulha enquanto era transportado para a esquadra policial, mais do que qualquer ameaça séria com representação de perigo para a vida dos dois militares da GNR, de par com um inócuo empurrão desferido no peito de um deles e um gesticular consubstanciado em esbracejar e tentar dar pontapés para evitar a aproximação dos militares e a consumação da sua detenção enquanto estava sentado numa cadeira de rodas, não é dotada de idoneidade suficiente para inviabilizar os atos funcionais concretizados nos nºs 18 a 20 da matéria de facto provada, como não o foi minimamente, porque não se mostra tal comportamento adequado a anular ou a dificultar de forma significativa a capacidade de atuação dos dois Militares na ocasião em causa, tanto mais que estes, como já se referiu, possuem especiais qualidades no que diz respeito à capacidade de suportar pressões e estão munidos de instrumentos de defesa que não assistem ao cidadão comum.
Em suma, a descrita atuação do arguido nas circunstâncias de visível intoxicação pelo álcool em que se encontrava e perante dois membros das forças de segurança não constitui violência adequada a coagir, para efeitos de preenchimento do crime de resistência e coação sobre funcionário, p. e p. pelo art. 347º nº 1 do Cód. Penal.
Procede, pois, este fundamento do recurso.
A procedência desta questão conduz à necessária reformulação da matéria de facto fixada na decisão impugnada, devendo eliminar-se o nº 28 da matéria de facto assente, que verá integrar o elenco dos factos não provados e conduz ainda à reformulação da pena de prisão em que foi o recorrente condenado, deixando de subsistir a pena de 1 (um) ano e 06 (seis) meses de prisão correspondente ao crime p. e p. pelo art. 347º nº 1 do Cód. Penal e, consequentemente, o cúmulo jurídico das penas parcelares de prisão e a pena única de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão.
Ou seja, apenas se mantêm as penas de 1 ano e 4 meses de prisão pela prática do crime de condução perigosa de veículo rodoviário p. e p. pelos arts. 291º nº 1 a) e b) e 69º nº 1 do Cód. Penal (a qual continuará suspensa na sua execução pelo período já fixado e subordinada ao cumprimento das obrigações determinadas no acórdão condenatório) e de 55 dias de multa à taxa diária de € 7,00 por cada um dos dois crimes de injúria agravada p. e p. pelos arts. 181º e 184º por referência ao art. 132º nº 2 l) todos do mesmo Código e, em cúmulo jurídico destas penas de multa, a pena única de 73 dias de multa à mesma taxa (bem como a pena acessória de proibição de conduzir).
*
3ª questão: a escolha da natureza da pena principal quanto ao crime de condução perigosa de veículo rodoviário p. e p. pelo da art. 291º nº 1 a) e b) do Cód. Penal considerada excessiva.
O recorrente entende que no caso concreto, atentas as exigências de prevenção geral e especial, deveria ter sido aplicada ao arguido apenas uma pena de multa pela autoria do crime de condução perigosa de veículo rodoviário p. e p. pelo art. 291º nº 1 a) e b) do Cód. Penal, uma vez que conduziu sob a influência do álcool (e não sob o efeito de estupefacientes), facto que admitiu, não existiu qualquer dano verificado em pessoa, mas apenas num veículo ainda que tenha sido de alguma monta, não tem registados quaisquer antecedentes criminais, deve atender-se ao seu cadastro rodoviário registado no sistema Citius em 08/04/2021 através da referência 11321957 e ao teor dos factos provados nºs 48, 50 e 51 que o Tribunal a quo fundamentou do seguinte modo: “II, testemunha indicada pela defesa, confirmou o passado de emigração do arguido, o acidente que determinou que fosse atribuída uma pensão de invalidez e disse ainda que o arguido deixou de beber bebidas alcoólicas e de conduzir, na sequência do acidente e em virtude de não ter outro veículo, por aquele que esteve envolvido no sinistro ter ido para abate.
Pese embora ter revelado sentimentos de amizade e de alguma parcialidade, o seu relato, por a testemunha ter demonstrado ter conhecimento dos factos, afigurou-se coerente”.
Conclui que o Tribunal a quo violou o disposto no art. 70º do Cód. Penal.
Adiantamos que improcede também mais este fundamento do recurso.
Começamos por lembrar que a intervenção dos tribunais de 2ª instância na apreciação das penas fixadas pela 1ª instância deve ser parcimoniosa e cingir-se à correção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos fatores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de fatores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de atuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não deve sindicar a determinação, dentro daqueles parâmetros da medida concreta da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, a desproporção da quantificação efetuada[17], ou o afastamento relevante das medidas das penas que vêm sendo fixadas pelos tribunais de recurso para casos similares[18].
Para a escolha da pena de prisão como pena principal a aplicar ao crime de condução perigosa de veículo rodoviário, que doseou em 1 (um) ano e 04 (quatro) meses de prisão (suspensa na sua execução) o Tribunal a quo ponderou os seguintes factos provados e fatores de acordo com o disposto no art. 71º nºs 1 e 2 do Cód. Penal:
“1. No dia 03/10/2020, pelas 21h30m, o arguido CC, conduzia um veículo ligeiro de passageiros, com o número de matrícula ..-..-RJ, de marca Opel, modelo ... (adiante Opel), de sua propriedade no sentido de ..., para ..., na Rua ... para a Rotunda/... e de seguida para a Av. ..., em ..., ..., ou seja, no sentido Norte-Sul.
2. Nesse momento também circulava na referida rotunda, no seu ciclomotor, BB, que devido à velocidade não concretamente apurada, mas excessiva para o local imprimida pelo arguido, teve de imobilizar repentinamente o seu ciclomotor para não ser colhido e embatido pelo automóvel conduzido pelo arguido, que não lhe cedeu passagem, como devia.
3. O arguido ao sair da referida rotunda e ao entrar na referida Avenida, imprimia ao seu veículo Opel, velocidade superior à que se adequava ao local, galgando parte do passeio lá existente.
4. No sentido inverso, ou seja, Sul-Norte, seguia na respetiva hemi-faixa de rodagem o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, com o n.º de matrícula ..-LF-.., de marca Alfa Romeo (adiante Alfa), modelo ..., conduzido por GG e propriedade deste.
5. O local é uma reta, tendo a via uma largura total de 8,80 metros, com duas faixas de rodagem (com sentidos de marcha distintos), com marcas rodoviárias de M1, ou seja, de linha contínua e estava bom tempo, embora com ligeiros chuviscos.
6. O arguido conduzia com uma taxa de álcool no sangue (TAS) de, pelo menos, 2,37g/l, a que corresponde a taxa de álcool medida no sangue pelo INML de 2,72g/l, após o desconto da margem de erro legalmente imposto e com velocidade excessiva.
7. Pelo que perdeu o controlo do Opel, abandonando a sua hemi-faixa de rodagem e invadindo a hemi-faixa de rodagem de sentido contrário, transpondo a linha M1 existente no local, vindo a embater com violência no Alfa, atingindo com a frente do Opel a porta lateral e o eixo traseiro do Alfa, no lado esquerdo do mesmo (lado do condutor) partindo inclusivamente o referido eixo e causando prejuízos de, pelo menos, €6.000,00 em tal automóvel.
8. Após o embate, o arguido apresentava-se exaltado e agressivo, exalando forte odor a álcool e postura bamboleante, equilibrando-se em pé por se encontrar encostado ao automóvel.
41. Na data dos factos, quotidiano do arguido era passado essencialmente em cafés da sua localidade de residência, em convívio com demais residentes, registando nesses espaços um consumo excessivo de bebidas alcoólicas, com desajustamento comportamental e relacional que então o caracterizava.
42. Assumia comportamentos de hostilidade e agressividade verbal e desrespeito pela autoridade, reagindo impulsivamente a confrontos e adversidades.
43. Em casa, a cônjuge era incapaz de controlar/contrariar o seu estilo de vida.
44. Em outubro de 2021 o arguido foi preso preventivamente à ordem do processo nº4315/21.6JAPRT – Juízo Central Criminal de Stª Mª da Feira – Juiz 3, indiciado pelos crimes de ofensas à integridade física qualificada e detenção de arma proibida.
45. A prisão preventiva foi alterada para medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, que cumpriu entre 23/04/2022 e 22/07/2022 junto do agregado familiar dos cunhados (Rua ..., ...), embora com visitas diárias do cônjuge.
46. O arguido foi condenado na pena de três anos e nove meses prisão, suspensa na sua execução por quatro anos, com deveres, tendo recorrido da decisão (recurso a aguardar decisão).
47. Após a desativação dos mecanismos de vigilância eletrónica retornou a sua casa, à companhia do cônjuge, passando a ter convívios sociais mais restritos e a diminuir o consumo de bebidas alcoólicas.
48. Na data do julgamento, o quotidiano do arguido era passado em convívio familiar, com o cônjuge e com os familiares de ambos, que residem próximo, dedicando-se à realização de trabalhos de manutenção da habitação.
49. O arguido deixou de provocar sentimentos de hostilidade e animosidade no meio comunitário, os quais decorreram dos factos que estiveram na origem do processo nº4315/21.6JAPRT, tendo agora uma melhor imagem social.
50. O arguido verbaliza uma atitude crítica relativamente ao estilo de vida e comportamento que vinha adotando desde que regressou a Portugal.
51. O arguido não tem averbadas ao seu registo criminal quaisquer condenações “.
(…).
Considerando os fatores a que aludem os nºs 1 e 2 do artigo 71º do Código Penal, no caso concreto, temos que:
- o grau de ilicitude é elevado, tendo em conta as inúmeras infrações rodoviárias cometidas, o preenchimento do crime quer pela condução sob efeito de produtos estupefacientes[19], quer pela violação de regras rodoviárias e os inúmeros perigos criados para a segurança rodoviária e danos provocados (pessoas e bens de valor patrimonial elevado),
- a conduta do arguido revelada na intensidade do dolo que é direto no que se refere à condução naquelas condições, à resistência e coação e às injúrias e eventual no que refere aos perigos e dano;
- as consequências da sua conduta que se traduziram na probabilidade de um embate com um ciclomotor e no embate de uma viatura cuja reparação importou valores elevados (superiores a 6.000,00€);
como circunstâncias que depõem contra o arguido;
- a ausência de antecedentes criminais;
- a sua inserção familiar, gozando de algum apoio da família;
são circunstâncias que depõem a favor do arguido.
Ponderando todo o descrito circunstancialismo, às circunstâncias de prevenção referidas, entende-se por ser proporcional, adequada e necessária, aplicar penas próximas do primeiro terço das respetivas molduras, sendo a medida da pena do crime de condução perigosa superior considerando a elevada ilicitude dos factos.
No caso dos autos, as necessidades de prevenção geral são elevadas atendendo às consequências concretas decorrentes do desrespeito pelas regras rodoviárias face aos índices de sinistralidade das estradas reveladores da perigosidade aliada às infrações estradais, como as verificadas de forma intensa no caso dos autos atentas as regras violadas e a elevada taxa de alcoolemia detetada (…).
Por seu turno, as necessidades de prevenção especial são medianas considerando que o arguido não tem antecedentes criminais, por um lado, e, por outro, que o arguido não demonstrou ter integrado o mal da sua conduta e que não se encontra plenamente inserido em sociedade em virtude dos seus comportamentos anteriores.
Considerando as exigências supra referidas demandam, no que se refere:
- ao crime de condução perigosa uma pena de prisão;”.
O tipo de crime em causa é punível com prisão de 30 dias até 3 anos ou com pena de multa (de 10 até 360 dias) – cfr. proémio do nº 1 do art. 291º e arts. 41º nº 1 e 47º nº 1, todos do Cód. Penal.
Assim, na opção imposta pelo art. 70º do Cód. Penal, entre a pena privativa e não privativa da liberdade está em causa a consideração sobre qual delas assegura de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
É certo que o arguido na data em que praticou os factos em apreço era ainda delinquente primário.
Todavia não pode perder-se de vista que está em causa um crime de condução perigosa de veículo rodoviário praticado em estado de embriaguez (apresentando elevada TAS) e com violação grosseira de regras de circulação rodoviária pelo menos relativas à prioridade e à obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita atento o sentido de marcha do arguido.
Trata-se de uma conduta praticada com elevado grau de violação dos bens jurídicos protegidos pela norma incriminadora atenta a natureza dos factos, não se evidenciando quaisquer circunstâncias suscetíveis de temperar esse juízo de censurabilidade de que se evidencia merecedor.
Não pode também deixar-se de atender à frequência da prática de crimes como o dos autos (conforme noticiou recentemente a comunicação social, segundo relatório da GNR só no ano de 2022, a prática de crimes de condução em estado de embriaguez teve um aumento de 43%) e aos elevados índices de sinistralidade rodoviária associados à violação de regras estradais fundamentais, cabendo aos Tribunais um papel de primacial importância na salvaguarda de atuações de desprezo pela segurança rodoviária e de outros importantes bens jurídicos de natureza eminentemente pessoal e patrimonial de todos quantos utilizam as vias de circulação públicas colocados em perigo pela conduta do arguido.
As circunstâncias em que o crime em causa foi praticado revela por parte do arguido um total desprezo pelos demais utentes das vias de circulação rodoviária.
A culpa com que atuou mostra-se elevada por força do dolo direto com que agiu, representando, querendo e logrando o feito criminoso.
A opção pela aplicação da pena de multa só deve ter lugar quando represente uma censura suficiente do facto e, simultaneamente, uma garantia para a comunidade da validade e da vigência da norma violada, o que não é de todo o que se verifica no caso destes autos.
Cremos pois que a opção por uma pena de multa, apesar das declarações parcialmente confessórias do arguido quanto à ingestão de bebidas alcoólicas antes de exercer a condução e a alegada ausência no seu cadastro rodoviário de registo de contraordenações (sendo irrelevante que da sua conduta não tenha resultado qualquer dano verificado em pessoa, por estar em causa um crime de perigo), não obstante o disposto no art. 70º do Cód. Penal, não se mostra suficiente para a proteção dos bens jurídicos e para a reintegração social do condenado, finalidades mencionadas no nº 1 do art. 40º do Cód. Penal.
Antes pelo contrário, emitiria um sinal de sentido negativo à sociedade (e ao próprio arguido), de menoscabo pelos bens jurídicos postos em causa pela atuação do arguido, contribuindo para um sentimento de intranquilidade para todos os utentes das vias de circulação rodoviária.
De modo que sob pena de resultarem frustrados os fundados sentimentos comunitários de reprovação social dos crimes e de confiança na administração da justiça, não reúne a pena de multa na situação presente as virtualidades necessárias ao nível das finalidades das penas, mostrando-se correta a opção do Tribunal a quo pela aplicação ao arguido de uma pena de prisão.
Improcede, em consequência, este terceiro fundamento do recurso.
*
4ª questão: a errada fixação da data de contagem dos juros moratórios relativos à condenação no pagamento dos pedidos indemnizatórios fixados (a partir da data de notificação do pedido de indemnização cível).
Cada um dos pedidos indemnizatórios tem o valor de € 1.200,00, tendo o recorrente sido condenado no pagamento do valor pecuniário de € 600,00 (a título de danos não patrimoniais) a cada um dos demandantes.
Como acima se adiantou, nesta parte é inadmissível o recurso por não estarem verificados os requisitos cumulativos impostos pelo nº 2 do art. 400º do CPP.
De qualquer modo e como consequência da procedência da 2ª questão suscitada pelo recorrente, sempre se dirá que embora se tivesse considerado que a ameaça de morte formulada pelo arguido não fosse adequada a causar medo, intranquilidade ou a perturbar a paz interior dos demandantes em face do elevado grau de intoxicação pelo álcool que apresentava o arguido e as capacidades físicas e psíquicas que se presume serem dotados os demandantes enquanto elementos da força de segurança, nem por isso essa circunstância deve ter reflexo no valor fixado pelo Tribunal a quo, que não se altera.
*
III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência:
A) nos termos do art. 380º nºs 1 b) e 2 do CPP, corrigir o lapso de escrita contido no segmento dispositivo do acórdão impugnado intitulado “Responsabilidade cível”, ponto 2) onde se escreveu “a pagar ao demandante BB a quantia de 600,00€ (seiscentos euros), acrescida de juros de mora a contar da notificação da dedução do pedido de indemnização civil até integral e efetivo pagamento”, devendo passar a ler-se “a pagar ao demandante DD a quantia de 600,00€ (seiscentos euros), acrescida de juros de mora a contar da notificação da dedução do pedido de indemnização civil até integral e efetivo pagamento”;
B) absolver o arguido da prática, em autoria material, de um crime de resistência e coação sobre funcionário p. e p. pelo art. 347º nº 1 do Cód. Penal;
C) eliminar o nº 28 da matéria de facto assente, o qual passará a integrar o elenco dos factos não provados;
D) revogar a pena aplicada ao predito crime e o cúmulo jurídico efetuado das penas parcelares de prisão e respetiva pena única de prisão;
E) manter a condenação o arguido pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário p. e p. pelo art. 291º nº1, alíneas a) e b) do Código Penal e ainda no artigo 69º, nº1 do mesmo Código, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão;
F) manter a suspensão da execução desta pena pelo período e subordinada ao cumprimento das obrigações fixados em 1ª Instância;
G) manter a condenação do arguido quanto aos crimes de injúria agravada nos precisos termos fixados pelo Tribunal a quo;
H) quanto ao mais, manter o acórdão recorrido em tudo quanto não contrariar o ora decidido.
Não é devida tributação – cfr. art. 513º nº 1, última parte, do CPP.
Notifique – cfr. art. 425º nº 6 do CPP.
Porto, 06/12/2023
Lígia Trovão
José Quaresma
Raúl Esteves
________________ [1] Cremos que há lapso de escrita da Sra. Juiz a quo (suscetível de correção nos termos do art. 380º nºs 1 b) e 2 do CPP) que quereria referir-se ao demandante DD. [2] Cfr. G. Marques da Silva, “Direito Processual Penal Português”, Vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335. [3] Cfr. Ac. do STJ de 20/09/2006, no proc. nº 06P2267, disponível in www.dgsi.pt [4] Cfr. Ac. da R.P. de 22/06/2022, no proc. 710/21.9GBVFR.P1, relatado por Pedro Afonso Lucas, disponível in www.dgsi.pt [5] Cfr. Acs. da R.P. de 13/09/2023 no proc. nº 1138/21.6T9AVR.P1, relatado por Pedro Afonso Lucas, não publicado e da R.C. de 12/07/2023 no proc. nº 982/20.6PBFIG.C1, relatado por Luís Teixeira, acedido in www.dgsi.pt [6] Cfr. Ac. da R.E. de 21/10/2010, no proc. nº 341/09.1JAFAR.E1, relatado por João Gomes de Sousa, acedido in www.dgsi.pt [7] Cfr. Ac. da R.C. de 18/01/2017, no proc. 112/15.6GAPNC.C1, relatado por Vasques Osório, acedido in www.dgsi.pt [8] Cfr. proc. nº 197/10.1TAMRA.E1, relatado por Ana Barata Brito, acedido in www.dgsi.pt [9] Cfr. proc. nº 981/17.5PBMTS.P2, relatado por Raúl Esteves, não publicado. [10] Ac. do STJ de 22/10/2015, no proc. nº 212/06.3TBSBG.C2.S1, relatado por Tomé Gomes e Ac. da R.P. de 14/09/2022, no proc. nº 202/22.9GBVFR.P1, relatado por José Carreto, não publicado. [11] Cfr. artº 44º nº1 da Lei de Organização do Sistema Judiciário (nº 62/13 de 26/8) que dispõe «em matéria cível a alçada dos tribunais da relação é de € 30.000 e a dos tribunais de primeira instância é de 5.000», sendo que nos termos do nº 3 do preceito «A admissibilidade dos recursos por efeito das alçadas é regulada pela lei em vigor ao tempo em que foi instaurada a ação». [12] Cfr. Acs. da R.P. de 26/11/2008 no proc. nº 0815669, relatado por Maria do Carmo Silva Dias e de 21/09/2005 no proc. nº 0540048, relatado por Coelho Vieira, ambos acedidos in www.dgsi.pt [13] Cfr. P. Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, à luz da CRP e da CEDH, 3ª edição, pág. 1101. [14] Cfr. Código Penal Anotado, 3ª edição, pág. 1494. [15] Cfr. ob. cit. pág. [16] Cfr. proc. nº 597/12.2GCOVR.P1, relatado por Melo Lima, acedido in www.dgsi.pt [17] Cfr. Acs. do STJ de 27/05/2009 no proc. nº 09P0484 relatado por Raúl Borges, de 29/01/2004 no proc. nº 03P1874 relatado por Pereira Madeira e da R.P. de 02/10/2013 no proc. nº 180/11.0GAVLP.P1, relatado por Joaquim Gomes, todos disponíveis in www.dgsi.pt e ainda da R.L. de 02/06/2022, no proc. nº 593/18.6PBAGH.L2, relatado por João Abrunhosa, não publicado. [18] Relevantes nos termos do art. 8º nº 3 do Cód. Civil, com o seguinte teor: “Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”. [19] Trata-se de lapso manifesto por parte do Tribunal a quo, suscetível de correção nos termos do art. 380º nºs 1 b) e 2 do CPP.