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ACÇÃO DE ANULAÇÃO DE PARTILHA HOMOLOGADA POR CONSERVADOR DO REGISTO CIVIL
MEIO PROCESSUAL PRÓPRIO
ADMISSIBILIDADE DE PEDIDO RECONVENCIONAL
PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS
Sumário
I–O art.º 17.º n.º 4 do D.L. n.º 272/2001 de 13 de Outubro estipula que ““as decisões do conservador no âmbito dos processos previstos no capítulo anterior [nos quais se inclui o divórcio por mútuo consentimento], produzem os mesmos efeitos, nomeadamente em termos fiscais, que produziriam as sentenças judiciais sobre idêntica matéria.”
II–E nos termos do art.º252-A n.º 4 do Código de Registo Civil “O acordo de partilha, se necessário devidamente completado pelos serviços de registo, tem os mesmos efeitos previstos na lei para outras formas de partilha.”
III–Assim, são aplicáveis à partilha homologada pelo Conservador do Registo Civil, com as devidas adaptações, os mesmos preceitos que se aplicariam caso estivéssemos em presença de uma sentença judicial homologatória da partilha realizada em inventário judicial.
IV–Porém, a acção de anulação da partilha homologada por decisão proferida pelo Conservador do Registo Civil terá de ser proposta no Tribunal competente e não por apenso ao processo onde foi proferida a decisão, não sendo por isso, aplicável o disposto no art.º 1127.º n.º2 do CPC.
V–Não são admissíveis os pedidos reconvencionais de anulação do acordo sobre a regulação das responsabilidades parentais e o acordo de prestação de alimentos ao outro cônjuge, por não se integrarem em qualquer dos pressupostos legais da admissibilidade da reconvenção previstos no art.º 266.º do CPC.
Texto Integral
Acordam na 6.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I–RELATÓRIO
C, propôs acção declarativa sob a forma de processo comum contra:
J, ambos melhor identificados nos autos.
Alegou, em síntese, que Autora e Réu foram casados entre si, segundo o regime de comunhão de adquiridos. O casamento veio a ser dissolvido por divórcio por mútuo consentimento, decretado a 19 de Janeiro de 2018, no âmbito do processo que correu termos sob o n.º 53321/2017 da Conservatória do Registo Civil de Lisboa.
Conforme resulta da respectiva acta, foi convencionado ”proceder de imediato à partilha do património conjugal, em procedimento simplificado, a ter lugar nesta Conservatória, (…)”.
Mais alega que, à data da concretização do divórcio, a Autora apresentava grande debilidade física e psicológica, encontrando-se incapaz de resistir à pressão psicológica do Réu.
Por isso, a Autora pede, a final, que seja declarada a nulidade da partilha que foi realizada.
Devidamente citado, o Réu veio apresentar contestação na qual se defendeu por excepção e por impugnação.
Invocou a excepção dilatória da inadequação do meio processual utilizado. Deduziu reconvenção, formulando os seguintes pedidos: a)-Seja decretada a nulidade da adjudicação ao Réu da verba única do passivo; b)-Seja decretada a nulidade do acordo quanto à regulação das responsabilidades parentais e quanto ao acordo de alimentos a prestar pelo Réu à Autora; c)-Seja a Autora condenada a pagar ao Réu tudo o que tiver recebido deste, a título de alimentos, desde a data da sentença do divórcio, até à data do trânsito em julgado da sentença que julgar procedente a reconvenção e que, até 25 de novembro de 2022, é do montante de € 27 500,00 (vinte e sete mil e quinhentos euros). Foi proferido despacho, datado de 26-06-2023, que julgou improcedente a referida excepção, e não admitiu parcialmente o pedido reconvencional, com o seguinte teor:
“Uma vez que a exceção de inadequação do meio processual utilizado – a única exceção de natureza dilatória gizada com a apresentação da contestação – já foi suficientemente debatida nos articulados, nada obstando à sua apreciação face ao cabal exercício do contraditório, o Tribunal considera, ao abrigo do dever de gestão processual e da adequação formal (cfr. artigos 6.º, n.º 1, e 547.º, do Código de Processo Civil), que reúne todas as condições para conhecer da mesma exceção dilatória, de resolução linear – o que se fará de seguida, por se revelar como vantajoso à ulterior tramitação da presente lide.
Dainadequaçãodomeioprocessualutilizado
O Réu veio suscitar a exceção dilatória acima epigrafada, inominada, com vista à sua absolvição da instância (cfr. artigos 1.º a 23.º da contestação).
Alegou, em suma, que a pretensão da Autora não é legalmente admissível, por se tratar de uma partilha judicial confirmada por sentença homologatória, devidamente transitada em julgado, prevalecendo a aplicação do disposto nos artigos 1126.º e 1127.º do Código de Processo Civil (incidentes posteriores à sentença homologatória respetiva: emenda da partilha, anulação da partilha). A presente ação tem como alvo uma partilha judicial, confirmada por sentença homologatória e transitada em julgado. Tanto a lide destinada a obter a emenda da partilha (quando não haja acordo dos interessados), como a dirigida à anulação da partilha, correm por dependência do inventário correspondente, conforme decorre do n.º 2 de cada um dos citados preceitos legais. Não foi esse o caminho que a Autora seguiu, pelo que esta ação dará lugar à absolvição da instância do aqui Réu.
Em resposta (em sede de réplica), a Autora pugnou pela improcedência da exceção dilatória deduzida, referindo, em suma, que inexiste sentença judicial homologatória e que a partilha foi obtida através do disposto no artigo 272.º-A do Código do Registo Civil (relativamente ao património conjugal), pelo que o meio processual escolhido pela Autora se mostra devido.
Cumpre apreciar e decidir.
Assiste razão à Autora na sua resposta.
Com efeito, o que se pretende nesta ação é a declaração de nulidade da partilha por simulação, e que seja determinado, por efeito da declaração de nulidade da partilha ora impugnada, o cancelamento do respetivo registo de aquisição do imóvel identificado nos autos, registo esse que se encontra realizado a favor do Réu desde janeiro de 2018.
Ao invés do invocado pelo Réu, a presente lide não tem por objeto uma partilha judicial, posto que a partilha teve lugar simultaneamente com o divórcio, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 324/2007, de 28 de setembro, regulamentado pela Portaria n.º 1594/2007, de 17 de dezembro (com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 286/2012, de 20 de setembro), consistindo num procedimento simplificado de partilha do acervo conjugal.
O citado diploma (Decreto-Lei n.º 324/2007, de 28 de setembro) aditou o artigo 272.º- A ao Código do Registo Civil (partilha do património conjugal), permitindo, dessa feita, a partilha pelos cônjuges dos seus bens comuns no âmbito do processo de divórcio por mútuo consentimento.
Segundo o teor do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 324/2007, de 28 de setembro, “(…) simplificam-seasformalidadesassociadasaoprocessodeseparaçãodepessoasebensededivórciopor mútuoconsentimento,quesãotramitadosnasconservatóriasdoregistocivil.Noâmbitodesse processo,passaaserpossívelpartilharosbensimóveis,móveisouparticipaçõessociaissujeitosa registo,liquidarosimpostosquesemostremdevidoseefectuarosregistosepedidosderegistodosbenspartilhados.Todasessasformalidadesficamconcentradasnumúnicomomento,semnecessidadedemúltiplasdeslocações. ODecreto-Lein.º272/2001,de13deOutubro,jáhaviadeterminadoqueaseparaçãodepessoasebense odivórciopormútuoconsentimentofossemrequeridosnasconservatóriasdoregistocivil.Porém,ahabitualpartilhadosbensimóveisdocasalseparadooudivorciadocontinuouaterderealizar-seporescriturapública,nonotário.Poderiaaindahaverlugaràliquidaçãodeimpostoseeranecessárioregistarosbensimóveispartilhadosnaconservatóriadoregistopredialcompetenteparaoefeito.Emboraosbensmóveiseasparticipaçõessociaissujeitosaregistonãoestejamsujeitosaescriturapúblicadepartilha,continuavaasernecessárioregistá-losnaconservatóriacompetente. Conformereferido,opresentedecreto-leipermitequetodosestesactos,formalidadesediligênciassepossamfazernasconservatóriasdoregistocivil.Criam-se assimcondições paraqueo processodeseparaçãodepessoasebenseoprocessodedivórciopormútuoconsentimentose possam realizarmaisrapidamenteecommenoscustos,semdeixardecontarcomasgarantiasdesegurança proporcionadaspelosoficiaispúblicosdasconservatóriasdoregistocivil”.
Na situação em apreço, não tendo sido sobre a partilha proferida qualquer decisão judicial, não conhece fundamento a afirmação do Réu no sentido de se ter tratado de uma partilha judicial, confirmada por sentença homologatória devidamente transitada em julgado; sentença judicial que, pura e simplesmente, inexiste no ordenamento jurídico, porque não proferida.
Daí que não seja de se aplicar as disposições dos artigos 1126.º e 1127.º do Código de Processo Civil (incidentes posteriores à sentença homologatória: emenda da partilha, anulação da partilha), consequentemente, próprias do processo especial de inventário judicial.
Destarte, e sem necessidade de outros considerandos acrescidos, por despiciendos, o Tribunal julga improcedente a exceção dilatória em epígrafe, por ausência de base legal.
Daadmissibilidadelegaldareconvenção
O Réu veio formular reconvenção contra a Autora, peticionando o seguinte:
Seja decretada a nulidade da adjudicação ao Réu da verba única do passivo;
Seja decretada a nulidade do acordo quanto ao acordo de regulação das responsabilidades parentais e quanto ao acordo de alimentos a prestar pelo Réu à Autora;
Seja a Autora condenada a pagar ao Réu tudo o que tiver recebido deste, a título de alimentos, desde a data da sentença do divórcio, até à data do trânsito em julgado da sentença que julgar procedente a reconvenção e que, até 25 de novembro de 2022, é do montante de € 27 500,00 (vinte e sete mil e quinhentos euros).
A Autora replicou, reconhecendo apenas a viabilidade processual do pedido formulado sob a alínea a), já que se trata de efeitos diretos oriundos da partilha; o que não se verifica quanto ao peticionado (reconvencional) proveniente das alíneas b) e c)supra.
Cumpre apreciar liminarmente.
É pacífico que a reconvenção constitui uma espécie de contra-ação ou de ação cruzada, em que existe um pedido autónomo formulado pelo réu contra o autor.
Com efeito, ”Areconvençãotemlugarquandooréuformulacontraoautorqualquerpedido quenãosejaconsequênciadasuadefesa,nadaacrescentandoàmatériadestaúltima:umpedidoque nãosejacomoqueopuroreversodojáformuladopeloautor.(…)Nareconvenção,portanto,oréunão selimitaasustentaromalformadodapretensãodoautor,pedindoqueissomesmosejareconhecidona decisãofinal;elededuzcontraoautorumapretensãoautónoma(hoc sensu).Trata-sedeumaespécie decontra-acção,passandoahavernoprocessoumcruzamentodeacções”–cfr. Manuel de Andrade, NoçõesElementaresdeProcessoCivil, 1979, pág. 146.
O Prof. Antunes Varela (e outros autores; cfr. ManualdeProcessoCivil, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1985, pág. 323) adiciona que, “Nareconvenção,háumpedidoautónomo formuladopeloréucontraoautor.Háumacontra pretensão(…)doréu,háumverdadeirocontra-ataquedesferidopeloreconvintecontraoreconvindo.Passaahaverassim uma nova acção dentrodo mesmo processo.Opedidoreconvencionalé autónomo,namedidaemquetranscendeasimples improcedênciadapretensãodoautoreoscoroláriosdeladecorrentes”.
Tem-se entendido inclusive que, para deduzir reconvenção, o réu não necessita sequer de contestar a ação. Nessa medida, como ação enxertada que é, a reconvenção identifica-se, não apenas através do pedido formulado, como também pelo facto jurídico de que emerge essa pretensão cruzada. Todavia, o legislador condiciona a admissibilidade do pedido reconvencional aos pressupostos enunciados no artigo 266.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, o qual postula nos termos seguintes:
Adicionalmente, estatui o artigo 583.º do citado código, no que toca aos requisitos formais da reconvenção: ”1 –Areconvençãodeveserexpressamenteidentificadae deduzida separadamentedacontestação,expondo-seosfundamentoseconcluindo-sepelopedido,nostermosdas alíneasd)ee)don.º1doartigo552.º. 2 –Oreconvintedeveaindadeclararovalordareconvenção;seonãofizer,acontestaçãonãodeixadeserrecebida,masoreconvinteéconvidadoaindicarovalor,sobpenadeareconvençãonãoseratendida”.
Para além das situações típicas do citado artigo 266.º, n.º 2, urge, assim, ponderar se o recurso ao pedido reconvencional é verdadeiramente necessário aos interesses do réu ou se, ao invés, basta a alegação de cariz defensivo, resultante da contestação em si, para acautelar com suficiência um posicionamento relevante do demandado na lide.
Na situação concreta, entendemos que o pedido reconvencional deduzido, nos termos em que foi formulado na alínea a), tem pertinência para os interesses patrimoniais do Réu. Da nulidade da partilha decorrerá, diretamente, a nulidade da adjudicação ao Réu da verba do ativo e do passivo, como não poderia deixar de ser, já que se trata de efeitos diretos – e coerentes entre si – da partilha.
Quanto às restantes alíneas da reconvenção, falta a este Tribunal a necessária competência em razão da matéria, de acordo com o previsto nos artigos 122.º a 124.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário; ou seja, são situações próprias da competência material do Juízo de Família e Menores de Lisboa, não podendo ser sindicadas e/ou alteradas pelo Tribunal presente (cfr. artigo 93.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Ademais, conforme se sumariou no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de outubro de 2019 (relatado por Micaela Sousa e com texto disponível em www.dgsi.pt): “1 –Todosospedidosreconvencionaisdevemserconexoscomopedidodoautor,poisqueaoréunãoélícitoenxertarnaacçãopendenteumaoutraquecomelanãotenhaconexãoalguma. (…) 4 –Nãoédeadmitirareconvençãoquandoopedidoformuladonaacçãosefundanoincumprimentodeumdeterminadocontratoeopedidoreconvencionalsesustentaemfactostotalmentedistintos,cominvocaçãodedanosdenaturezanãopatrimonialresultantesdeimputação ao legalrepresentantedaautoradecondutaintencionallesivadaintegridadefísica,bom-nomeehonrada reconvinte”.
A ideia comum aos requisitos é a de que o pedido reconvencional deve ter com a ação ou com a defesa um certo nexo jurídico, consistindo, grossomodo, em se estribar ele no mesmo facto ou relação jurídica deduzida em juízo para algum desses efeitos.
Perante o cenário exposto, deve concluir-se que não se mostra preenchido o dispositivo do artigo 266.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Civil, essencialmente porque não há conexão objetiva entre as pretensões cruzadas, verificando-se um essencial desligamento entre o alegado para se materializar a reconvenção e o alegado para se estruturar a presente ação. Muito menos se convocam as restantes alíneas do citado n.º 2, que também não trazem qualquer valência à pretensão reconvencional do Réu, no tocante àqueles restantes pedidos deduzidos.
Nesse conspecto, a inadmissibilidade da reconvenção, por se desvelar ausência de conexão entre o pedido reconvencional e o pedido inicial, configura uma exceção dilatória inominada que leva à absolvição da Autora/reconvinda da instância reconvencional; assim se refere, entre o mais, no douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19 de outubro de 2004 (relatado por Henrique Araújo e com texto disponível em www.dgsi.pt), nos termos e de acordo com o preceituado nos artigos 266.º, n.º 2, al. a), acontrariosensu,278.º, n.º 1, al. e), 571.º, n.º 2, e 576.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil.
Quanto à referida consequência (absolvição da instância reconvencional, por falta de conexão entre o pedido do autor e o pedido reconvencional), cfr., ainda, José Lebre de Freitas, CódigodeProcessoCivilAnotado, volume 2.º, Coimbra Editora, págs. 310 e 328.
Nessa medida, considera o Tribunal que, tendo em conta o disposto no artigo 266.º, n.º 2, al. d), do Código de Processo Civil, na sua conjugação com o estatuído no artigo 583.º do mesmo código, a reconvenção subjudice deve ser liminarmente admitida, posto que dotada de fundamento adjetivo legal, mas apenas em relação à sua alínea a).
Quanto ao mais peticionado, há lugar à absolvição da instância da Autora, também por força do disposto no artigo 93.º, n.º 1, segmento final, do Código de Processo Civil.
Destarte, o Tribunal admite liminarmente a reconvenção deduzida pelo Réu, nos termos e ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 266.º, n.º 2, al. d), e 583.º, ambos do Código de Processo Civil, em relação à alínea a).
Já em relação às sobrantes alíneas b) e c), a Autora/reconvinda é absolvida da instância reconvencional – o que se determina.”
Inconformado com esta decisão vem o Réu interpor recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: 1.–O presente recurso versa sobre a nulidade do despacho que julgou improcedente uma invocada excepção dilatória de inadequação do meio processual e que absolveu a A/Reconvinda dos pedidos reconvencionais das alíneas b) e c) da reconvenção apresentada nos autos pelo Recorrente. 2.–Uma partilha pode ser emendada ou anulada nos termos dos artigos 1126º e 1127º do C.P. Civil. 3.–Segundo o artigo 1127.º, a partilha confirmada por sentença homologatória transitada em julgado, só pode ser anulada, quando tenha havido preterição ou falta de intervenção de algum dos co-herdeiros e se mostre que os outros interessados procederam com dolo ou má-fé, seja quanto à preterição, seja quanto ao modo como a partilha foi preparada. 4.–A acção dirigida à anulação da partilha corre por dependência do inventário respectivo, como decorre do n.º 2 do citado artigo. 5.–O meio processual utilizado pela Autora não é o adequado, pois que o meio que a lei prevê é o incidente processado por apenso. 6.–Há, pois, inidoneidade do meio processual que a A. lançou mão para obter o efeito jurídico pretendido, que constitui uma excepção inominada, resultante em absolvição de instância. 7.–Para além disso, a presente acção não se baseia em nenhuma das possibilidades que a lei prevê para a emenda ou anulação da partilha judicial, previstas no citado artigo 1127.º do CPC. 8.–Assim, a pretensão da Recorrida não é legalmente admissível por se tratar de uma partilha judicial confirmada por sentença homologatória, devidamente transitada em julgado, o que necessariamente terá de resultar na absolvição do pedido. 9.–Não foi dada razão ao Recorrente no douto despacho de que se recorre, porque, o Tribunal entendeu que sobre a partilha aqui em causa não foi proferida qualquer decisão judicial, por ter sido efectuada na Conservatória do Registo Civil. 10.–No entanto, a partilha efectuada em Conservatória tem os mesmos efeitos previstos na lei para outras formas de partilha – artigo 272º -A nº 4 do Código do Registo Civil. 11.–As decisões do Conservador produzem os mesmos efeitos que produzem as sentenças judiciais sobre a mesma matéria – artigo 17º nº 4 do DL 272/2001. 12.–A transferência de competências para os Conservadores do Registo Civil em matéria de partilhas implica que as suas decisões têm o mesmo valor jurídico das sentenças de Tribunais. 13.–Tanto assim é que as decisões de Conservadores, homologatórias de acordos, quanto a alimentos ou casa de morada de família podem ser dadas à execução – o que só é concebível se tiverem o valor de sentença judicial. 14.–Nem de outra forma poderia ser, sob pena de a Lei transferir competências dos Tribunais para as Conservatórias, mas em simultâneo desproteger as partes que ficariam, nomeadamente, sem a tutela do citado artigo 1127º do C. P. Civil e sem a tutela do caso julgado. 15.–Quanto aos pedidos reconvencionais, decidiu o Tribunal faltar-lhe competência em razão da matéria, de acordo com o previsto nos artigos 122.º a 124.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário; ou seja, decidiu tratarem tais pedidos situações próprias da competência material do Juízo de Família e Menores de Lisboa. 16.–Da análise das indicadas normas constantes da LOSJ, resulta que a presente acção intentada com vista à declaração de nulidade da partilha por simulação e ser determinado, por efeito da declaração de nulidade da partilha ora impugnada, o cancelamento do respectivo registo de aquisição do imóvel que a A. identifica, é da competência dos Tribunais Cíveis e não dos Tribunais de Família e Menores. 17.–Tais pedidos não integram nenhuma previsão do artigo 122º da LOS J e, muito menos, dos artigos 123º e 124º. 18.–E de igual modo, todos os pedidos reconvencionais deduzidos pelo Recorrente, também fundados na mesma simulação, não se integram em nenhuma previsãoda LOSJ, quanto à competência dos Juízos de Família e Menores. 19.–Pelo que dúvidas não podem subsistir quanto à competência do Tribunal recorrido. 20.–Sustenta ainda a recorrida decisão, para além da incompetência que “deve concluir-se que não se mostra preenchido o dispositivo do artigo 266.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Civil, essencialmente porque não há conexão objetiva entre as pretensões cruzadas, verificando-se um essencial desligamento entre o alegado para se materializar a reconvenção e o alegado para se estruturar a presente ação”. 21.–Considerou o Tribunal que, tendo em conta o disposto no artigo 266.º, n.º 2, al. d), do Código de Processo Civil, na sua conjugação com o estatuído no artigo 583.º do mesmo código, a reconvenção deve ser liminarmente admitida, posto que dotada de fundamento adjetivo legal, mas apenas em relação à sua alínea a), assim excluindo da admissão os pedidos reconvencionais restantes.
A partilha efectuada e que a /Recorrida pretende tornar nula com a acção, não surge isolada dum contexto onde se inserem vários acordos. 23.–A partilha foi efectuada simultaneamente, para além do divórcio, com um acordo de atribuição da casa de morada de família, com um acordo quanto ao pagamento de alimentos do R. à A., bem como um acordo quanto à regulação das responsabilidades dos filhos de Recorrente e Recorrida, em processo próprio, legalmente previsto para todos esses efeitos e em sede própria. 24.–A partilha foi negociada e acordada entre Recorrente e Recorrida e globalmente com todos os referidos acordos, que não se podem dissociar uns dos outros, por serem todos ponderados em sede de negociação entre as partes. 25.–Há uma única manifestação de vontade de Recorrente e Recorrida, consubstanciada nos documentos que entregaram na Conservatória para instruírem o procedimento de divórcio e partilha. 26.–E assim sendo, se uma parte dessa manifestação de vontade está ferida de nulidade, toda a manifestação de vontade estará ferida do mesmo vício. 27.–Se a partilha está ferida de nulidade, por simulação, todos os outros acordos também estão. 28.–Resulta assim que os pedidos do Recorrente emergem do mesmo facto jurídico que serve de fundamento à acção, fundando-se na mesma causa de pedir. 29.–Os pedidos concretos aqui em causa - ser decretada a nulidade do acordo quanto ao acordo de regulação das responsabilidades parentais e quanto ao acordo de alimentos a prestar pelo R. à A., com a consequente devolução do que a A/Recorrida tiver recebido a esse título (de alimentos) – fundam-se na mesma causa de pedir dos pedidos da A. 30.–Para além disso, os pedidos reconvencionais do Recorrente tendem a conseguir para si o mesmo efeito jurídico- a nulidade – que a Recorrida se propõe obter.
Pelo que os pedidos reconvencionais em causa preenchem as situações tipificadas nas alienas a) e d) do artigo 266º, nº 2 do C. P. Civil, sendo manifesta a sua admissibilidade. 32.–Ao decidir que sobre a partilha não foi proferida qualquer decisão judicial transitada em julgado, o Tribunal de que se recorre olvidou que a partilha efectuada em Conservatória tem os mesmos efeitos previstos na lei para outras formas de partilha, assim violando o disposto no artigo 272º -A nº 4 do Código do Registo Civil. 33.–De igual modo, olvidou que as decisões do Conservador produzem os mesmos efeitos que produzem as sentenças judiciais sobre a mesma matéria, assim se violando o disposto no artigo 17º nº 4 do DL 272/2001. 34.–Ao decidir que “falta a este Tribunal a necessária competência em razão da matéria”, violou-se o previsto nos artigos 122º a 124º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, que preveem as situações próprias da competência material do Juízo de Família e Menores de Lisboa, nas quais não se incluem as situações que se discutem nos presentes autos. 35.–Ao decidir que não há conexão objetiva entre as pretensões cruzadas de Autor e Réu/Reconvinte, o Tribunal de que se recorre violou o disposto nas alienas a) e d) do artigo 266º, nº 2 do C. P. Civil.
Nestes termos e nos mais de direito deverá ser concedido provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido e, por consequência:
- decretar-se a procedência da excepção invocada, com a consequente absolvição de instância do Recorrente.
- caso assim não se entenda, decretar-se que os pedidos da Recorrida são legalmente inadmissíveis, com a consequente absolvição do Recorrente dos pedidos.
- e, caso assim não se entenda, decretar-se a competência do Tribunal recorrido para julgar os pedidos reconvencionais,bem como a admissibilidade dos mesmos.
A Apelada apresentou contra alegações nas quais se pronunciou pela improcedência do recurso.
II–OS FACTOS
Os elementos relevantes para a decisão são os que constam do relatório sendo certo que as questões a apreciar são de natureza exclusivamente jurídica.
Contudo, para melhor esclarecimento destaca-se ainda o seguinte que dos autos consta: 1–Conforme certidão emitida pela Conservatória do Registo Civil de Lisboa, correu termos naquela Conservatória um processo de divórcio por mútuo consentimento, n.º53321 de 2017, em que foram requerentes J e C.
Conforme consta da acta de conferência datada de 19 de Janeiro de 2018, “as partes declararam à Senhora Notária que os cônjuges mantêm o firme propósito de se divorciarem, por mútuo consentimento, confirmando o conteúdo do requerimento inicial e demais documentos juntos e, designadamente: Que os requerentes, tendo tomado conhecimento sobre a existência e objectivos dos serviços de mediação familiar, a eles não recorreram; Que o casamento dos requerentes foi celebrado em 5 de Maio de 2007, sem convenção antenupcial; Que do casamento existem dois filhos menores-(…) em relação aos quais juntaram acordo das responsabilidades parentais; Que existe casa de morada da família, sobre cujo destino juntaram NOVO acordo, esclarecendo que a mesma se encontra instalada num imóvel integrado no acervo de bens comuns do casal, sito na Avenida …, n.º… quarto andar frente, na freguesia do Parque das Nações, concelho de Lisboa. Que os requerentes possuem bens comuns, que arrolaram e valoraram, tendo convencionado proceder de imediato à partilha do património conjugal, em procedimento simplificado, a ter lugar nesta Conservatória, tendo também juntado ao processo uma relação de bens da qual faz parte integrante o acordo sobre a partilha. (…) Que posteriormente à instauração do processo vieram juntar um acordo sobre a prestação de alimentos a favor do cônjuge-mulher, em virtude de se terem alterado os pressupostos que determinaram a declaração de renúncia recíproca a alimentos, constante da petição inicial. Seguidamente a Senhora Notária proferiu a seguinte
DECISÃO J e mulher C requereram, de comum acordo, a dissolução do seu casamento por divórcio por mútuo consentimento. O processo é o próprio e foi instruído com os documentos exigidos pelo art.º 272.º do Código de Registo Civil e 994.º do Código de Processo Civil. (…) Em face das descritas circunstâncias e atento o disposto nos artigos 1776.º e 1788.º do Código Civil, 272.º do Código de Registo Civil e 14.º n.º3 do Decreto-Lei n.º 272/2001 de 13 de Outubro, por considerar que se encontram acautelados os interesses dos cônjuges e dos filhos menores, homologo o NOVO acordo quanto ao destino da casa de morada de família, o acordo sobre a prestação de alimentos ao cônjuge-mulher, o acordo sobre a partilha do património conjugal e o acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais, ficando obrigados a cumpri-los, e decreto o divórcio por mútuo consentimento dos requerentes (…) declarando dissolvido o seu casamento.”
Vide documento 2 junto com a petição inicial cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
III–O DIREITO
Tendo em conta as conclusões de recurso que delimitam o respectivo âmbito de cognição deste Tribunal as questões a apreciar circunscrevem-se ao seguinte: 1–Excepção dilatória da inadequação do meio processual 2–Admissibilidade dos pedidos reconvencionais
1–A excepção dilatória a inadequação do meio processual utilizado, invocada pelo Réu, ora Apelante foi julgada improcedente na decisão ora em análise, com base no essencial, na seguinte argumentação:
“ (…) não tendo sido sobre a partilha proferida qualquer decisão judicial, não conhece fundamento a afirmação do Réu no sentido de se ter tratado de uma partilha judicial, confirmada por sentença homologatória devidamente transitada em julgado; sentença judicial que, pura e simplesmente, inexiste no ordenamento jurídico, porque não proferida.
Daí que não seja de se aplicar as disposições dos artigos 1126.º e 1127.º do Código de Processo Civil (incidentes posteriores à sentença homologatória: emenda da partilha, anulação da partilha), consequentemente, próprias do processo especial de inventário judicial.”
Será assim? Vejamos:
É certo que, no caso vertente, a acção instaurada não tem por objecto uma partilha judicial, uma vez que a partilha teve lugar simultaneamente com o divórcio, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 324/2007, de 28 de Setembro, regulamentado pela Portaria n.º 1594/2007, de 17 de Dezembro (com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 286/2012, de 20 de Setembro), consistindo num procedimento simplificado de partilha do acervo conjugal.
Contudo, também é certo o que dispõe o art.º 272-A do Código de Registo Civil e que foi introduzido pelo D.L. n.º 324/2007 de 28-09, sob a epígrafe “partilha do património conjugal”:
“4-O acordo de partilha, se necessário devidamente completado pelos serviços de registo, tem os mesmos efeitos previstos na lei para outras formas de partilha.”
Por sua vez, o D.L. n.º 272/2001 de 13 de Outubro determinou “a atribuição e transferência de competências relativas a um conjunto de processos especiais dos tribunais judiciais para o Ministério Público e as conservatórias do registo civil, regulando os correspondentes procedimentos”- art.º 1.º (“Objecto”)
Nos termos do art.º 12.º n.º1 b) do referido diploma legal, “são da exclusiva competência da conservatória do registo civil, “ a separação e divórcio por mútuo consentimento (…)”. Nos termos do disposto no art.º 14.º n.º2, o pedido de divórcio por mútuo consentimento é instruído com os documentos referidos no n.º1 do art.º 272.º do Código de registo Civil
E conforme estipula o art.º 17.º n.º 4 do D.L. n.º 272/2001, “ as decisões do conservador no âmbito dos processos previstos no capítulo anterior [nos quais se inclui o divórcio por mútuo consentimento], produzem os mesmos efeitos, nomeadamente em termos fiscais, que produziriam as sentenças judiciais sobre idêntica matéria.”
Não pode deixar de se concluir, que a esta partilha terão de ser aplicados os mesmos preceitos que se aplicariam caso estivéssemos em presença de uma sentença judicial homologatória da partilha realizada em inventário judicial.
A transferência de competências para as conservatórias do registo civil em matéria de partilhas dos bens comuns na sequência de divórcio por mútuo consentimento, implica, à luz dos preceitos legais supra citados, que as decisões dos conservadores do registo civil, nessa matéria, têm o mesmo valor jurídico das sentenças dos Tribunais.
Tanto assim que, nos termos do disposto no art.º 274.º n.º1 do Código do Registo Civil, ”a decisão proferida pelo Conservador é notificada aos requerentes e dela cabe recurso para o Tribunal da Relação”.
Ora, caso a decisão homologatória da partilha fosse uma sentença judicial, já transitada em julgado, como é o caso presente, aplicar-se-ia o artigo 1127.º do CPC nos termos do qual para além do recurso extraordinário de revisão, a anulação da partilha só poderia fundar-se em dolo ou má-fé dos interessados, quanto ao modo como a partilha foi preparada.
Estipula também o n.º2 do referido art.º 1127.º, “o pedido de anulação constitui incidente do processo de inventário, ao qual se aplicam as regras gerais dos incidentes da instância”.
Porém, estes preceitos não podem deixar de aplicar-se, com as devidas adaptações, pois que não pode ignorar-se que embora a decisão do conservador do registo civil produza os mesmos efeitos da sentença judicial, a verdade é que a partilha não foi realizada no âmbito de um processo judicial. Ora, aplicando o preceito à letra, nos termos pretendidos pelo Apelante, tal significaria que o presente pedido de anulação da partilha teria de ser deduzido, por apenso, aos autos de divórcio, no âmbito do qual a partilha foi efectuada e que correu termos na Conservatória do Registo Civil. Contudo, esse raciocínio conduz-nos, necessariamente, à questão da competência em razão da matéria para o processamento desse incidente. No fundo, a excepção da inadequação do meio processual invocada pelo Apelante não pode deixar de ser apreciado à luz dessa outra questão da competência para apreciar o pedido de anulação desta partilha, pois que, subjacente à invocação da excepção referida, está a ideia de que a anulação da partilha teria de correr por apenso ao processo onde a mesma foi homologada, por conseguinte na Conservatória do Registo Civil.
Ora, este raciocínio gera a seguinte dificuldade: terão os conservadores do registo civil competência para decidir sobre um pedido de anulação da partilha?
Afigura-se, claramente que não, pelos motivos que a seguir se expõem.
Por um lado, a transferência de competências decisórias relativas a um conjunto de processos especiais dos tribunais judiciais, para as conservatórias do registo civil, determinada por força do D. Lei n.º272.º/2001 de 13 de Outubro, é excepcional, com vista, a maior “celeridade decisional”, como se pode ler no preâmbulo do citado diploma, num esforço de libertação dos tribunais de processos que, pela sua natureza ou simplicidade, possam dispensar a intervenção dos mesmos. Por outro lado, subjacente às competências da conservatória do registo civil está sempre a ausência de litígio entre os interessados, “sendo efectuada a remessa para efeitos de decisão judicial sempre que se constate existir oposição de qualquer interessado”, como se pode ler igualmente no preâmbulo do referido D.L. n.º272/2001.
Como se vê, um litígio sobre uma pretensão de anular uma partilha que é o objecto do presente processo nunca seria possível correr termos na Conservatória do Registo Civil, pelo que não faria sentido apresentar tal pedido, “por apenso”, na mesma.
Por isso, improcedem as conclusões de recurso a este respeito, nenhum reparo merecendo a decisão que julgou improcedente a invocada excepção da inadequação do meio processual.
2–O Apelante recorre também da decisão sobre a inadmissibilidade dos pedidos reconvencionais formulados nas alíneas b) e c), relativas aos pedidos de anulação do acordo quanto à regulação das responsabilidades parentais e quanto ao acordo de alimentos a prestar pelo Réu à Autora e condenação da Autora a pagar ao Réu tudo o que tiver recebido deste, a título de alimentos, desde a data da sentença do divórcio, até à data do trânsito em julgado da sentença que julgar procedente a reconvenção e que, até 25 de novembro de 2022, é do montante de € 27 500,00.
Conclui a este propósito que “há uma única manifestação de vontade de recorrente e Recorrida, consubstanciada nos documentos que entregaram na Conservatória para instruírem o procedimento de divórcio e partilha. E, assim sendo, se uma parte dessa manifestação de vontade está ferida de nulidade, toda a manifestação de vontade estará ferida do mesmo vício. Se a partilha está ferida de nulidade, por simulação, todos os outros acordos também estão. Resulta, assim, que os pedidos do Recorrente emergem do mesmo facto jurídico que serve de fundamento à acção, fundando-se na mesma causa de pedir. Os pedidos concretos aqui em causa - ser decretada a nulidade do acordo quanto ao acordo de regulação das responsabilidades parentais e quanto ao acordo de alimentos a prestar pelo R. à A., com a consequente devolução do que a A/Recorrida tiver recebido a esse título (de alimentos) – fundam-se na mesma causa de pedir dos pedidos da A. Para além disso, os pedidos reconvencionais do Recorrente tendem a conseguir para si o mesmo efeito jurídico- a nulidade – que a Recorrida se propõe obter. Pelo que os pedidos reconvencionais em causa preenchem as situações tipificadas nas alienas a) e d) do artigo 266º, nº 2 do C.P. Civil, sendo manifesta a sua admissibilidade”. Vide conclusões 25.º a 30.ª.
Na verdade, o art.º266.º n.º2 do CPC estabelece os casos em que é admissível a reconvenção:
Será que tal como o Apelante defende, os pedidos do Réu emergem de facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa?
Vejamos:
O facto jurídico que serve de fundamento à acção é constituído pela alegada situação de incapacidade da Autora em resistir à pressão psicológica do Réu que a terá conduzido a aceitar uma partilha de bens que a prejudicou.
Ora, essa factualidade que é negada pelo Réu não pode ser, obviamente, o fundamento do pedido reconvencional. De resto, não se vislumbra qual o fundamento jurídico para tal pedido de nulidade. Não configura tal fundamento a mera alegação de que “háuma única manifestação de vontade de Recorrente e Recorrida, consubstanciada nos documentos que entregaram na Conservatória para instruírem o procedimento de divórcio e partilha. E, assim sendo, se uma parte dessa manifestação de vontade está ferida de nulidade, toda a manifestação de vontade estará ferida do mesmo vício.
Tal conclusão não está certa porque parte de uma premissa também errada. Um acordo de partilha de bens comuns nada tem a ver com o acordo de regulação das responsabilidades parentais, ou com um acordo de prestação de alimentos entre cônjuges. A natureza dos valores em causa e os objectivos prosseguidos por cada um deles, tornam evidente que não correspondem a “uma única manifestação de vontade”.
A autonomia de tais acordos resulta desde logo de não ser essencial à realização do divórcio por mútuo consentimento, o acordo sobre a partilha dos bens comuns, podendo esta ser feita posteriormente, como resulta do disposto no art.º 272.º n.º1 b) e art.º 272-A n.º1 do Código de Registo Civil.
Também não é possível configurar a formulação destes pedidos reconvencionais como abrangida pelo disposto na alínea c) do n.º 2 do art.º 266.º
Com efeito, a anulação dos acordos de regulação das responsabilidades parentais, mesmo que apenas se considere, necessariamente, a componente patrimonial, bem como a anulação do acordo de prestação de alimentos ao cônjuge, teria como efeito a devolução das prestações de alimentos, ao património próprio daquele que os prestou. Ora, este efeito é totalmente distinto do efeito pretendido com a anulação da partilha que é o regresso do imóvel partilhado ao acervo dos bens comuns. Impõe-se, pois concluir que dos pedidos do Réu não visa este obter em seu benefício o mesmo efeito pretendido pela Autora.
Por conseguinte, porque os pedidos reconvencionais ora em apreço não satisfazem nenhum dos requisitos dos quais a lei faz depender a sua admissibilidade, não podem os mesmos ser admitidos.
Improcedem, pois, também a este respeito as conclusões de recurso, devendo manter-se a decisão recorrida.
IV–DECISÃO
Em face do exposto, acordamos nesta 6.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente o recurso e, por consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo Apelante
Lisboa, 14 de Dezembro de 2023
Maria de Deus Correia Anabela Calafate Eduardo Petersen