PROCESSO CONTRAORDENACIONAL
DECISÃO ADMINISTRATIVA
ESTABELECIMENTO COMERCIAL
CÂMARAS DE VIDEOVIGILÂNCIA
Sumário

(Da responsabilidade da relatora)
I. A decisão administrativa em processo contraordenacional não está sujeita aos mesmos requisitos formais de uma decisão judicial, obedecendo ao regime especificamente previsto no art. 58º do Regime Geral das Contraordenações aprovado pelo D.L. 433/82, de 27/10;
II. Embora a decisão administrativa deva conter a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas, assim como a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão, não é exigível que esta fundamentação contemple um exame crítico das provas que serviram para formar a convicção da autoridade administrativa, ao contrário do que expressamente se consagra para a sentença no art. 374º/2 do Código de Processo Penal.
III. Por nos encontrarmos no domínio de uma fase administrativa, sujeita às características da celeridade e simplicidade processual, o dever de fundamentação deverá assumir uma dimensão qualitativamente menos intensa do que a requerida para a sentença penal; ponto é que resultem dessa decisão claras as razões de facto e de direito que levaram à condenação, possibilitando ao arguido atacar os seus fundamentos e dela se defender, nomeadamente, em sede de impugnação judicial, mas também permitir ao tribunal conhecer o processo lógico de formação da convicção.
IV. Desde junho de 2013, com a entrada em vigor da L. 34/2013, de 16/05, por via do seu art. 8º/3 e 4, impende sobre os estabelecimentos de abastecimento de combustíveis a obrigação legal de instalarem sistemas de videovigilância com gravação e preservação das imagens pelo período de 30 dias - art. 31º/2.
V. Como decorre do disposto no art. 8º/4, com remissão para o nº 3, ambos da L. 34/2013, de 16/05, essa obrigação impende não sobre as empresas contratadas pelos titulares desses postos de abastecimento de combustíveis para a instalação dos sistemas de videovigilância e assistência técnica, mas sobre quem titula e explora esses mesmos postos.
VI. Embora a operação técnica de instalação, manutenção e assistência técnica do sistema de videovigilância só possa ser efetuada por entidades com alvará ou licença para o exercício de segurança privada – arts. 3º/1, 2, c) e 14º/1,2,c) e 4, da L. 34/2013, de 16/05 -, o titular do posto de abastecimento onde se encontra instalado esse sistema não deixa de ter acesso ao mesmo, podendo nele intervir com recurso àquele apoio técnico em ordem a fazer cumprir as prescrições legais, nomeadamente as relativas à gravação de imagem e sua preservação.

Texto Integral

Acordam, em conferência, as Juízas que compõem a 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
1. Vem o presente recurso interposto pela arguida “..., ...” de decisão de recurso de impugnação que interpôs junto do Juízo de Competência Genérica de Velas, em relação a decisão administrativa proferida pela Secretaria Geral do Ministério da Administração Interna, que lhe aplicou uma coima no valor de 15.000€ pela prática, por negligência, de contraordenação muito grave prevista e punida pelo art. 31º/2 da L. 34/13, e 16/05; esse recurso de impugnação foi julgado apenas parcialmente procedente e condenada a arguida numa coima de 7.500€.
2. A arguida/recorrente peticiona que seja:
- declarada a nulidade do procedimento administrativo e da decisão recorrida; ou, caso assim não se entenda,
- revogada a decisão recorrida, com a consequente absolvição da prática da contraordenação que lhe é imputada e da coima aplicada.
3. O recurso veio a ser admitido a subir nos próprios autos, de imediato e com efeito suspensivo.
4. Em resposta, o Ministério Público pugnou pela manutenção da decisão recorrida.
5. Subidos os autos a esta Relação, a Exm.ª Senhora Procuradora-Geral Adjunta apôs visto.
6. Realizado exame preliminar, verificou-se que a recorrente não apresentou conclusões com o sentido propugnado legalmente, de resumo das razões do pedido, antes reproduzindo a motivação do recurso, em razão do que lhe foi formulado convite ao aperfeiçoamento das conclusões, nos termos do art. 412º/1 e 417º/3, do Código de Processo Penal.
Efetuado convite ao aperfeiçoamento dessas conclusões, vieram as mesmas reformuladas nos seguintes termos [transcrição]:
1. « ..., ..., Lda., interpôs recurso de impugnação da decisão administrativa proferida pela Secretaria Geral do Ministério da Administração Interna, que lhe aplicou uma coima no valor de € 15.000,00 (quinze mil euros), pela prática, na forma negligente, de uma contraordenação muito grave, p. e p. pelo artigo 31.°, n.° 2, REASP;
2. Recurso de impugnação em que a Recorrente arguiu a nulidade da decisão administrativa, porquanto (i) a mesma foi omissa quanto ao exame crítico das provas, designadamente da prova testemunhal; (ii) não indicou os factos considerados como não provados, o que é demonstrativo da falta de exame crítico da prova; (iii) foi omissa quanto à fundamentação factual da alegação de que a recorrente demonstrou um comportamento pouco zeloso e diligente, o que equivale a um juízo conclusivo, sendo manifesta a falta de fundamentação; (iv) foi omissa quanto aos dados relativos à situação económica da arguida, o que a impede de produzir qualquer tipo de defesa quanto a um dos elementos essenciais para a determinação da medida da coima; (v) e não se mostra justificada a condenação da arguida no pagamento de custas no processo, no montante de eur 51,00.
3. O Tribunal a quo julgou parcialmente procedente o recurso condenando a arguida pela prática, na forma negligente, de uma contraordenação muito grave, p. e p. nos termos conjugados dos artigos 31°, n.° 2 e 59°, n.° 1, al. p) e n.° 4, al. c), do REASP, numa coima no valor de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), sem custas, dado a decisão ser em parte favorável à ora Recorrente - cfr. artigo 93.°, n.° 3, do decreto-lei n.° 433/82, de 27/10.
4. A Recorrente não se conforme com a decisão proferida, seja na interpretação e subsunção jurídica efetuada relativamente à(s) suscitada(s) nulidade(s) da decisão administrativa, seja, circunscrevendo-se nos limites objetivos do presente recurso, aos vícios resultantes do texto da decisão recorrida, a que se refere a alínea b) do n.° 2 do artigo 410.° do Código de Processo Penal (doravante, CPP) e à fundamentação de direito da sentença proferida pelo Tribunal a quo, em particular, relativamente ao preenchimento do elemento subjetivo do tipo contraordenacional imputado à arguida, na subsunção da conduta da arguida ao conceito jurídico de culpa negligente.
5. A Recorrente não acompanha o Tribunal a quo, na interpretação que faz de decisão da entidade administrativa, nomeadamente ao considerar que a mesma é constituída por uma fundamentação sucinta que permitiu ao arguido exercer o seu direito de defesa, concluindo, em consequência:
- não estar aquela ferida de insuficiência de análise crítica da prova e em face da falta de indicação dos factos não provados, e;
- que não se verifica qualquer nulidade por falta de fundamentação da alegação de que a arguida demonstrou um comportamento pouco zeloso e diligente,
desfasado do comportamento expectável de um “explorador de estabelecimento médio e avisado”.
6. Porquanto o único documento que sustentou o auto e decisão de aplicação da coima foi um registo fotográfico de calendário existente no monitor do sistema de CCTV, constante do auto, não tendo os agentes tido o cuidado de efetuar pedido de acesso ou, mesmo, da gravação de imagens, e/ou qualquer pedido de informação ou esclarecimento adicional;
7. À data dos factos nem sequer a representante legal da arguida ou responsável do posto de abastecimento se encontravam no local, sendo o alegado “responsável do espaço” identificado no auto de notícia, um mero funcionário da arguida;
8. A alegada prova não foi analisada em confronto com demais prova, porquanto inexistente ou desconsiderada;
9. Os elementos fiscalizadores não foram ouvidos em declarações, contudo, consideraram-se suficientes os elementos constantes dos autos para o correto proferimento de decisão;
10. Foi ouvida a testemunha arrolada pela arguida, AA, responsável pela operação do sistema de CCTV, sócio gerente da empresa ..., mas não foram valoradas ou, sequer, analisadas criticamente as suas declarações;
11. A decisão recorrida não fez indicação dos factos considerados por si como não provados, limitando-se a indicar os factos provados, circunstância bem demonstrativa da falta de exame crítico da prova, o que impediu a Recorrente de, querendo, proceder a uma correta impugnação da decisão em crise, o que viola, de forma flagrante, o seu direito de defesa previsto no art.° 32.° da CRP, o que determina igualmente a nulidade da decisão recorrida.
12. A decisão condenatória proferida pela entidade administrativa em sede de processo contra-ordenacional, para poder considerar-se suficientemente fundamentada, sempre tem de proceder a uma apreciação de todos os elementos que, segundo o art.° 18.°, n.° 1 do RGCO, confluem para a determinação da medida da coima.
13. A decisão administrativa foi notificada à arguida após o decurso do prazo de preservação legal das imagens de CCTV, não tendo a arguida tida a oportunidade e possibilidade de fazer qualquer prova adicional.
14. Ao decidir no sentido da inexistência de nulidade da decisão administrativa, o Tribunal a quo procedeu a uma incorreta interpretação e aplicação dos artigos 29.°, 32.° e 205.° da crp, 18.°, 32.°, 41.°, 58.° do RGCO e 374.°/2 e 379.a do CPP, o que implica a nulidade do procedimento contraordenacional e, consequentemente, da decisão
15. Caso assim não se entenda, e com referência aos vícios resultantes do texto da decisão recorrida, nos termos da alínea b) do n.° 2 do artigo 410.° do CPP e, ainda, do ponto IV. da douta sentença - Fundamentação de Direito - 1. Enquadramento Jurídico -, importa referir que resulta uma contradição insanável da fundamentação, na medida em que, através de um raciocínio lógico, se pode concluir pela existência de oposição insanável entre os factos provados, entre estes e o facto não provado, ou entre a fundamentação probatória da matéria de facto;
16. O Tribunal a quo considerou ter resultado não provado com interesse para a boa decisão da causa que “a. Competia à ... assegurar o controlo e respeito efetivo sobre os sistemas de videovigilância”, fundamentando que a prova feita em audiência de julgamento sustenta, apenas, a existência de um contrato de assistência técnica entre a ... e a sociedade arguida.
17. O Tribunal a quo considerou terem resultados provados os factos indicados sob os números 4 e 5, respetivamente, (i) a arguida ter contratado a ... para proceder à instalação e manutenção do sistema de videovigilância, e, (ii) mediante acordo escrito celebrado entre a arguida e a ..., esta comprometeu-se a prestar àquela assistência técnica ao sistema de videovigilância, esta última, na qualidade de empresa de segurança, titular do competente alvará.
18. Existe igualmente uma contradição na fundamentação do Tribunal a quo, seja numa incorreta alusão à monitorização externa do sistema de videovigilância para efeito de controlo e respeito efetivo do sistema de videovigilância, seja na incorreta perceção e enquadramento do conceito técnico de credenciais e níveis de acesso ao software do sistema de videovigilância, com a consequente falta de perceção do depoimento da testemunha AA, deu origem ao que se vê plasmado na sentença.
19. Não é exigível monitorização externa para que exista e se cumpra a operação do sistema pela empresa de segurança, certificada e titular do alvará, como era e é a ...;
20. A monitorização da conformidade do sistema pela empresa de segurança é efetuada diretamente, por meio de credencial de ... de sistema operativo, que permite aceder às configurações do Sistema (software), em que se inclui o período de gravação do Sistema de videovigilância, gravações, cópias, entre outras configurações;
21. A arguida não intervém no sistema na qualidade de ..., não tendo, consequentemente, a respetiva credencial.
22. Este foi o esclarecimento técnico prestado, quer pelo representante legal da Recorrente, quer pela testemunha AA;
23. Tendo o Tribunal a quo incorrido em contradição insanável de fundamentação, quando na sentença, e quanto a esta matéria, com base no depoimento da testemunha AA, fundamenta que a arguida é a responsável pelo sistema (...) se deve certificar que o mesmo se encontra a gravar (...) e que tem na sua posse “senhas” (...);
24. E, em simultâneo: (i) dá como provado o contrato celebrado entre a arguida e a empresa de segurança, ..., relativo a sistema de videovigilância, em que a ... é identificada na respetiva sinalética como operadora do sistema; (ii) bem como admite diversos documentos correspondentes a relatórios de assistência, declaração de manutenção e declaração de conformidade do sistema emitidos pela ..., de onde decorre que a mesma, enquanto empresa de segurança, titular de alvará, e operadora do sistema de videovigilância é a entidade responsável pela certificação da conformidade do sistema.
25. Igualmente decorre contradição insanável na fundamentação do Tribunal a quo, quando, dando como provado o contrato celebrado entre a arguida e a ..., de manutenção e assistência técnica, bem como que a ... era a entidade que intervinha no sistema operativo de CCTV, mais aceitando nos autos toda a documentação constituída por certificados, relatórios, autorizações da ..., entre outros, apresenta uma fundamentação que se tem por contraditória relativamente aos relatórios de assistência técnica juntos aos autos pela ... - ref.a citius 5104768 de ........2023;
26. Relatórios de onde resulta, inequivocamente, que (i) em ........2019, sete dias antes da ação de fiscalização, o sistema estava em funcionamento regular, e que (ii) após a ação de fiscalização foi efetuada nova manutenção ao sistema;
27. Referindo apenas o Tribunal a quo que “(...) é de considerar que o legal representante da arguida, não referiu a existência dessa manutenção em ........2019, mas apenas outras duas que terão ocorrido a ........2018 e ........2019.
28. O que não reflete, sequer, a prova constante dos autos, pois desde o processo contraordenacional que a ..., pela pessoa do seu sócio gerente, testemunha AA, faz referência, quer às duas visitas técnicas, na semana anterior à ação de fiscalização e posterior à fiscalização, quer às questões relativas aos cortes de energia na ilha... (auto de declarações de ........2020);
29. A que acresce constituir uma grave violação às mais elementares garantias de defesa da Recorrente, numa clara violação do artigo 32.° da CRP, a não atribuição aos referidos documentos do respetivo efeito probatório;
30. Tanto mais, que da sentença resulta manifesta a dúvida em que se enredou o Tribunal a quo, por um lado ao admitir em audiência de julgamento a junção dos documentos, porquanto pertinentes e relevantes para o apuramento da verdade material, e ao verificar a confirmação da ocorrência da manutenção efetuada ao sistema em ........2019, por parte da testemunha AA, e, por outro lado, considerando a relação comercial existente entre a Recorrente e a ..., que, como decorre da sua fundamentação, compromete a isenção do depoimento da testemunha.
31. Fundamentação que não podemos deixar de censurar, na medida em que o Tribunal a quo tinha todos os meios para verificar a numeração de série e datas/ano dos relatórios de assistência em causa, inclusivamente por comparação aos relatórios com datas posteriores;
32. E porquanto, nos termos em que fundamentou e decidiu, violou o princípio do “in dubio pro reo", pois que num estado de dúvida quanto aos factos que devia dar por provados ou não provados, o Tribunal a quo devia ter valorado a favor da Recorrente, e não o contrário, como sucedeu! - Neste sentido, Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12-09-2018.
33. É evidente, a oposição insanável entre os apontados factos provados e o facto não provado, bem como uma clara contradição entre a matéria de facto que foi dada como provada e a respetiva fundamentação - alínea b), do n.° 2, do artigo 410.° do CPP;
34. No que respeita à sua fundamentação e no que se refere à prova relevante para a decisão, a sentença condenatória enferma de erro de Direito, por violação do artigo 374.°, n.° 2 do CPP, por faltar o “exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal”;
35. Do exposto, resulta, assim, que a sentença recorrida, viola os artigos 127.°, 374.° n.° 2, 379.°, n.° 1, alínea a), 410.°, n.° 2 alínea b), todos do CPP, e o artigo 32.° da CRP.
36. No ponto IV. - Fundamentação de Direito - resulta o entendimento do Tribunal a quo de não se ter apurado que a Recorrente tivesse encarregado uma empresa de segurança titular de alvará ou de licença para efeitos de monotorização externa do seu sistema, mas tão só que contratou a ... para proceder “instalação e manutenção do sistema de videovigilância”, onde se incluiu os serviços de assistência técnica ao mencionado sistema, daqui concluindo que a Recorrente agiu com negligência, em conformidade com o disposto nos arts. 15.°, al. a) do CP, considerando resultarem preenchidos os elementos objetivo e subjetivo do tipo contraordenacional imputado à Recorrente - contraordenação muito grave p. e p. pelos arts. 31.°, n. ° 2 e 59.°, n.° 1, al. p) do REASP.
37. Nos termos do art. 8.°, n.° 3 e 4 do REASP e art. 100.°, n.° 1, da portaria n.° 273/2013, de 20 de agosto, os postos de combustível são obrigados a adotar um sistema e medidas de segurança, que no mínimo inclua: a) a instalação de um sistema de videovigilância; b) a instalação de dispositivos de segurança e proteção.
38. Ora, do referido preceito legal (ou qualquer outro do respetivo diploma) não decorre a imposição àquelas entidades (em que se inclui a ora Recorrente), de encarregar uma empresa de segurança titular de alvará ou de licença para efeitos de monotorização externa (monitorização permanente à distância) do seu sistema de CCTV.
39. O que efetivamente resulta do diploma legal é que a operação dos sistemas só pode ser efetuado por entidades titulares de alvará ou de licenca para o Exercício de serviços de segurança privada;
40. Empresa que a Recorrente contratou, com vista à aquisição do sistema de CCTV, instalação, manutenção e assistência técnica e na qualidade de responsável pela operação do sistema, tal como consta da sinalética afixada no local, tudo em cumprimento da lei!
41. O n.° 5 do artigo 31.° do REASP, refere expressamente que nos locais objeto de vigilância com recurso a câmaras de vídeo é obrigatória a afixação, em local bem visível, de informação sobre as seguintes matérias:
- a entidade de segurança privada autorizada a operar o sistema, pela menção do nome e alvará ou licença;
- o responsável pelo tratamento dos dados recolhidos perante quem os direitos de acesso e retificação podem ser exercidos.
6- - Os avisos a que se refere o número anterior são acompanhados de simbologia adequada, nos termos definidos por portaria do membro do governo responsável pela área da administração interna.
7- - Os sistemas de videovigilância devem ter as seguintes caraterísticas:
a) capacidade de acesso direto às imagens em tempo real pelas forças e serviços de segurança, para efeitos de ações de prevenção ou de investigação criminal, lavrando auto fundamentado da ocorrência (...).
42. Resultou inequívoco para o Tribunal a quo (factos provados identificados sob os pontos 4. e 5.) que a Recorrente contratou empresa habilitada e com alvará para a instalação de um sistema de videovigilância, contratou os serviços de operação de segurança, manutenção e assistência técnica, tendo devidamente implementado o prazo legal de preservação de imagens durante 30 dias, como, aliás, resulta de demais documentos juntos aos autos e igualmente admitidos e considerados na douta sentença pelo Tribunal a quo (entre os quais a autorização emitida pela ... para o tratamento de dados por videovigilância).
43. Dos presentes autos igualmente resultou que todas as menções obrigatórias constavam da sinalética existente no estabelecimento da Recorrente, ou seja, estava devidamente identificada a entidade de segurança privada autorizada a operar o sistema, pela menção do nome e alvará ou licenca. bem como o responsável pelo tratamento dos dados pessoais recolhidos;
44. Por sua vez, o sistema cumpria a capacidade de acesso direto às imagens em tempo real pelas forças e serviços de segurança, para efeitos de ações de prevenção ou de investigação criminal;
45. O Tribunal a quo admitiu, por relevantes para o apuramento da verdade material, a junção de inúmeros documentos, como declarações de manutenção do sistema de CCTV, relatórios de assistência e declarações de conformidade de sistemas de segurança, bem como comunicações à PSP de instalação de equipamentos de alarme e, ainda, pedido de autorização à ... do tratamento de dados pessoais resultante de videovigilância, contrato de prestação de serviços com empresa habilitada à respetiva operação (...) e acordo de subcontratação de tratamento de dados pessoais com a empresa de segurança (...);
46. Dos quais resulta expressamente que o prazo indicado para a conservação de dados é de 30 dias.
47. No entendimento da Recorrente, foram apresentadas evidências, mais do que suficientes, da diligência e zelo da Recorrente, no cumprimento das obrigações impostas pela norma legal, em que se inclui, em concreto, a parametrização do sistema de videovigilância no sentido do cumprimento do prazo legal de preservação das imagens (30 dias).
48. Ora, face ao que antecede e em rigor, da própria sentença proferida pelo Tribunal a quo, seja da matéria de facto dada como provada, seja da respetiva fundamentação, e sem prejuízo do que que se refere supra, sobre os vícios resultantes do texto da decisão recorrida, resulta que a Recorrente implementou o sistema e medidas técnicas, endereçando as obrigações decorrentes da norma, conforme análise conjugada dos artigos 8.°, n.°s 3 e 4, 18.°, 31.°, n.° 2 do REASP e artigo 100.°, n.° 1 da Portaria n.° 273/2013, de 20 de Agosto;
49. De onde decorre que, mesmo o Tribunal julgando provado os factos constitutivos do elemento objetivo do tipo, forçosamente silogismo diverso se impunha quanto ao elemento subjetivo.
50. Ora, a fundamentação de direito da sentença recorrida, com vista à densificação do conceito de ”comportamento zeloso e diligente”, ou “(...) do tipo de atuação que um explorador/proprietário de um estabelecimento como o dos autos, normalmente avisado e cauteloso adotaria”, está ferida de erro interpretativo notório, porquanto assente no erro notório de apreciação da prova em que incorreu o Tribunal a quo;
51. Porquanto nada na lei obriga à monitorização externa do sistema de CCTV;
52. A que acresce a confusão, percetível na sentença, dos conceitos associados às figuras do responsável pelo tratamento de dados pessoais, no caso a Recorrente, e o responsável da operação do sistema de segurança eletrónica (CCTV), no caso a ....
53. E as funções e qualidades são o que são, estão definidas na lei, respetivos objetos, âmbitos e limites, com base nos quais, considerando um explorador/proprietário de posto de abastecimento médio, na situação concreta da Recorrente, em que se inclui, entre outras, estar localizada na ilha de S. Jorge, Açores, se densifica o conceito de culpa.
54. O que nos leva, desde logo, a referir criticamente, a interpretação efetuada pelo Tribunal a quo, e sem prejuízo do que já se referiu quanto aos vícios resultantes do texto da decisão recorrida, tendo ido mal na interpretação efetuada aos artigos 8.°, n.° 3 e 4 do REASP,
100. °, n.° 1, da Portaria n.° 273/2013, de 20 de agosto, 15.°, al. a) do Código Penal, ex vi art. 32.° do RGCO, ex vi art. 62.° do REASP, e artigo 59.°, n.° 8, do REASP, laborando em erro, quando infere que a Recorrente não agiu com o dever de cuidado e de zelo que sobre ela impendia.
55. Ora, à Recorrente, em cumprimento dos normativos legais supra mencionados, cabia, por um lado, adquirir e instalar o sistema de videovigilância e contratar empresa certificada, titular de alvará, para a instalação, operação dos sistema e manter ativo um contrato de manutenção e assistência técnica, preventiva e corretiva, o que, segundo o Tribunal a quo, resultou provado;
56. Igualmente, cabia à Recorrente (também em cumprimento da legislação sobre proteção de dados) impedir intromissões dos seus recursos humanos no equipamento em questão, nomeadamente não facilitando acessos ao sistema e gravador de CCTV ou não facultando credenciais de ..., o que, segundo o Tribunal a quo, resultou provado.
57. Questão diversa, é a eventualidade de um facto não previsível, imponderável, provocar um mau funcionamento do sistema (informático), sendo que desse facto não pode decorrer, per se, uma evidência de ausência de comportamento zeloso e diligente, desfasado do tipo de atuação que um explorador/proprietário de um estabelecimento como o dos autos, normalmente avisado e cauteloso adotaria.
58. Pois parece-nos claro estarmos perante uma obrigação de meios e se todos os meios que estavam ao seu alcance e lhe eram exigíveis foram empregues, de acordo com o preceituado na norma e tal como decorre do artigo 8.°, n.° 3 e 4 do REASP e art. 100.°, n.° 1, da Portaria n.° 273/2013, de 20 de agosto, dos n.°s 5, 6, 7 e 10 do artigo 18.° da lei n.° 34/2013, de 16 de maio;
59. Bem como não se apurando a violação de dever de cuidado, nem que fosse exigível à Recorrente adotar outras diligências técnicas para além das que já havia adotado, ou ainda, que mesmo que as adotasse, as mesmas iriam debelar qualquer possibilidade de ocorrer erro técnico no sistema informático que, como sabemos, é falível, mesmo sem intervenção humana;
60. Os meios empregues pela Recorrente têm forçosamente de se considerar suficientes, aptos e proporcionais, afastando-se, consequentemente, a responsabilidade da Recorrente, porquanto não se mostra integrado qualquer elemento subjetivo que o tipo admite, designadamente a negligência, à luz do plasmado no artigo 8.° do RGCO, artigo 15.°, al. a) do Código Penal, ex vi art. 32.° do RGCO, ex vi art. 62.° do REASP, e artigo 59.°, n.° 8, do REASP.
61. E não se pode punir alguém por algo que não está dentro do seu controlo. Como referem Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, “...) a responsabilidade contraordenacional, como a penal, não pode ir além da capacidade geral do homem de dirigir e dominar processos causais (...)”
62. Por relevante e no sentido que a Recorrente aqui preconiza, e enquanto precedente a considerar nos presentes autos, veja-se, a decisão proferida pelo Tribunal a quo, de ... de ... de 2022, no Processo n.° 85/22.9..., em que foi Recorrente ..., em recurso de impugnação de contraordenação por factos similares aos dos presentes autos, decorrentes exatamente da mesma ação de fiscalização que decorreu na ilha de S. Jorge, na mesma data, com referência ao mesmo prestador de serviços, operador de CCTV (...);
63. Face ao exposto, e na medida em que não foram apresentados fundamentos subjetivos da alegada negligência, entende a Recorrente que a interpretação do tribunal a quo relativamente à fundamentação de direito, em concreto relativamente ao preenchimento do pressuposto da culpa, viola os artigos artigos 15.°, al. a) do CP, art. 32.° do RGCO ex vi artigo 62.° do REASP, artigo 59.°, n.° 8, do REASP, artigos 31.°, n. ° 2 e 59.°, n.° 1, al. p) do REASP, pelo que deverá a decisão recorrida ser revogada, com a consequente absolvição da Recorrente da prática da contraordenação que lhe é imputada, e da coima que lhe foi aplicada.
59. Do exposto, resulta, assim, que a sentença recorrido violou os artigos 29.°, 32.° e 205.° da CRP, 18.°, 32.°, 41.°, 58.° do RGCO e 127.°, 374.° n.° 2, 374.°/2, 379.° e 410.°, n.° 2 alínea b) do CPP, artigos 15.°, al. a) do CP, art. 32.° do RGCO ex vi artigo 62.° do REASP, artigo 59°, n.° 8, do REASP, artigos 2.°, alínea h), 8.°, 18.°, 31.°, n. ° 2 e 59.°, n.° 1, al. p) do REASP.
(…)».
7. O processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art. 419º/3, b) do Código de Processo Penal.
II- FUNDAMENTAÇÃO
1. QUESTÕES A DECIDIR
Dispõe o art. 412º/1 do Código de Processo Penal que «A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.».
São as conclusões apresentadas pelo recorrente que definem e determinam o âmbito do recurso e os seus fundamentos, delimitando, assim, para o tribunal superior, as questões a decidir e as razões por que devem ser decididas em determinado sentido.1
Esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal Superior será sempre sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º do Código de Processo Penal, conforme jurisprudência fixada no acórdão do STJ 7/95, de 28 de dezembro, DR, I Série-A, de 28/12/95.
No caso vertente, atentas as conclusões formuladas pela recorrente, em associação com os fundamentos da decisão recorrida, são as seguintes as questões a decidir:
1ª – Aferir se ocorre a invocada nulidade da decisão administrativa impugnada;
2ª – Verificar se a decisão recorrida incorre em contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
3ª – Verificar se ocorre erro notório na apreciação da prova.
2. APRECIAÇÃO DO RECURSO
1. Decisão recorrida
É do seguinte teor a decisão sob recurso, na parte relevante para análise das questões a decidir [transcrição]:
«(…)
I. Relatório
... ..., ..., interpôs recurso de impugnação da decisão administrativa proferida pela SECRETARIA GERAL DO MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, que lhe aplicou uma coima no valor de € 15.000,00 (quinze mil euros), pela prática, na forma negligente, de uma contraordenação muito grave, p. e p. pelo art. 31.°, n.° 2, da Lei n.° 34/13, de 16 de maio.
*
A arguida, ora recorrente, inconformada, impugnou judicialmente tal decisão administrativa, formulando as seguintes conclusões recursivas:
“1. A presente impugnação judicial tem por objeto a decisão proferida pelo Ministério da Administração Interna (doravante “MAI”, no âmbito do processo de contraordenação à margem identificado, no âmbito do qual a Arguida ora Recorrente foi condenada ao pagamento de uma coima no valor de EUR 15.000,00 (quinze mil euros), e das custas processuais no valor de € 51,00 (cinquenta e um euros), a satisfazer no prazo de 10 (dez) dias após o termo do prazo do recurso, doravante designada “Decisão
2. A decisão recorrida é nula.
3. Estranha e injustificadamente, nos termos da decisão em crise, relativamente à prova testemunhal produzida nos autos, apenas foi referido que “3) os elementos fiscalizadores não foram ouvidos em declarações, contudo, consideram-se suficientes os elementos constantes dos autos para o correto proferimento de decisão. 4) Foi ouvida a testemunha arrolada pela arguida, AA, cfr. fls. 44, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais ”.
4. A falta de qualquer explicação sobre o seu conteúdo ou raciocínio lógico equivale a uma análise crítica do seu conteúdo, concretamente, no que respeita à testemunha AA, pelo que a decisão é nula por manifesta omissão de exame crítico das provas que serviram para fundamentar a convicção do decisor (Cfr. Arts. ° 58. °, n. ° 1, al. b), 374. °, n.° 2 e 379. °, todos do C.P.P., aplicável ex vi do Art. ° 41. ° do RGCO.
5. A Decisão recorrida não faz indicação dos factos considerados por si como não provados, limitando-se a indicar os factos provados, circunstância bem demonstrativa da falta de exame crítico da prova, o que impede a Recorrente de, querendo (e certamente queria, e quer...), proceder a uma correta impugnação da decisão em crise, o que viola, de forma flagrante, o seu direito de defesa previsto no Art. ° 32. ° da CRP, o que determina igualmente a nulidade da decisão recorrida.
6. Apesar de a Entidade Recorrida sustentar que a Recorrente demonstrou um comportamento pouco zeloso e diligente, alegadamente desfasado do comportamento expectável que seria, de facto, exigível à Recorrente, fundando a respetiva acusação na simples aplicação de um dever geral de cuidado assente no padrão de “explorador de estabelecimento comercial ajuizado ’’ sem que tal seja subsumido ou concretizado num dever de atuação concreto, ou seja, factual.
7. Esta afirmação equivale a um mero juízo conclusivo, sendo a Decisão omissa quanto ao especial dever de fundamentação factual do qual fosse possível extrair tal conclusão, o que determina igual nulidade da Decisão recorrida por manifesta falta de fundamentação.
8. A Decisão condenatória proferida pela entidade administrativa sancionatória em sede de processo contra-ordenacional, para poder considerar-se suficientemente fundamentada, sempre tem de proceder a uma apreciação de todos os elementos que, segundo o Art. ° 18. °, n.° 1 do RGCO, confluem para a determinação da medida da coima.
9. No caso em análise, ao omitir quaisquer dados relativos à situação económica da Arguida, a Decisão recorrida torna impossível àquela produzir qualquer tipo de defesa quanto a um dos elementos essenciais que confluem para a determinação da medida da coima, pelo que forçosamente, se conclui pela nulidade da decisão recorrida [designadamente por força do disposto na alínea a) do n.° 1 do Art.° 379.° do Código de Processo Penal, aplicável ex vi do Art. ° 32. ° do RGCO, por força do Art. 2. ° da Lein. ° 50/2006, de 29 de Agosto, e atento o disposto nos Arts. 18. °, n.° 1 e 58. °, n. ° 1, al. c) do RGCO], nulidade essa que, em nome dos mais elementares princípios da legalidade, da culpa e da proporcionalidade (Cfr. arts. ° 2.° e 8.° do Decreto-Lei n. ° 433/82, de 27 de Outubro, ex vi do Art. ° 2.° da Lei n. ° 50/2006, de 29 de Agosto mas também os Arts. 29. ° e 32.° da Constituição da República Portuguesa, que estabelecem as garantias dos processos criminal e contraordenacional), não pode deixar de se arguir.
10. Determina a Decisão Recorrida, a par da aplicação da já referida coima, a condenação da Arguida ao pagamento de custas no processo, no montante de EUR 51,00 (cinquenta e um euros), embora tal decisão não se encontra acompanhada de qualquer justificação, nem tão-pouco da indicação dos critérios que incidiram sobre a sua determinação, fazendo-se, ao invés, mera referência à disposição legal alegadamente aplicável, o que também gera a nulidade da Decisão recorrida.
11. Conforme resulta da relação contratual entre a Recorrente e a ..., esta última foi contratada para a prestação de serviços de segurança privada, concretamente para proceder à instalação e manutenção do sistema de videovigilância.
12. A Recorrente não dispõe sobre a ... de poderes de direção, seja porque contratualmente não o foi previsto seja, porque mesmo que assim não fosse, a Recorrente não pode exercer serviços próprios de segurança privada, como dispõe o n.° 2 do art.° da Lei 34/2013, de 16 de maio.
13. São as “entidades titulares de alvará ou de licença para o exercício dos serviços previstos nas alíneas a), c) e d) do n.° 1 do artigo 3.°” que têm a obrigação de conservação prevista no n.° 2 do referida art. 31.° da Lei 34/2013, de 16 de maio, pelo que só esta realidade legal seria tendente à demonstração da inexistência da prática de qualquer ilícito pela Recorrente, impondo-se a sua imediata absolvição, sob pena de violação do princípio da legalidade.
14. A Recorrente, ao proceder à contratação de um serviço de segurança privada e, ao assegurar tratar-se de uma entidade licenciada e certificada para o efeito, procedeu em conformidade com os parâmetros exigíveis para assegurar o cumprimento das obrigações legais que sobre si impendiam e no limite do comportamento que lhe seria exigível, pelo que é falso que a “instalação do sistema de segurança a cargo da empresa contratada não significa que esta fique isenta de responsabilidade (...) deve fazer por cumprir certos requisitos obrigatórios atinentes ao sistema”, sob pena de a própria Recorrente estar a exercer atividade para a qual não está licenciada, incorrendo — aí sim — em infração legal.
15. Desta forma, contrariamente ao decidido no juízo sob análise, a Recorrente envido os melhores esforços para assegurar o cumprimento das obrigações que sobre si impendiam, ao contratar uma entidade certificada e licenciada, contratualizando cautelosamente os termos da relação contratual mantida, bem como os serviços a prestar, não lhe sendo imputável qualquer violação da lei, impondo-se desta forma a sua absolvição ”.
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Concluiu, assim, que deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e em consequência, ser proferida douta sentença que determine a nulidade do procedimento e da decisão recorrida.
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Recebida a impugnação, a autoridade administrativa remeteu o processo ao Ministério Público que, por sua vez, o apresentou em Juízo, valendo a decisão administrativa como acusação, nos termos do art. 62.°, n.° 1, do RGCO.
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Foi proferido despacho de recebimento do recurso, tendo sido designada data para realização da audiência de discussão e julgamento.
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Procedeu-se a julgamento, com observância do formalismo legal, como da ata respetiva melhor consta.
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II. Saneamento
O Tribunal é competente e o processo é o próprio.
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Questão Prévia - Da Nulidade da Decisão Administrativa
Veio a arguida invocar a nulidade da decisão administrativa, porquanto (i) a mesma é omissa quanto ao exame crítico das provas, designadamente da prova testemunhal; (ii) não indica os factos considerados como não provados, o que é demonstrativo da falta de exame crítico da prova; (iii) é omissa quanto à fundamentação factual da alegação de que a Recorrente demonstrou um comportamento pouco zeloso e diligente, o que equivale a um juízo conclusivo, sendo manifesta a falta de fundamentação; (iv) é omissa quanto aos dados relativos à situação económica da arguida, o que a impede de produzir qualquer tipo de defesa quanto a um dos elementos essenciais para a determinação da medida da coima; (v) e não se mostra justificada a condenação da arguida no pagamento de custas no processo, no montante de EUR 51,00.
Cumpre apreciar e decidir.
No que diz respeito aos requisitos da decisão administrativa, estabelece o artigo 58.°, do RGCO o seguinte:
“1 - A decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter:
a. A identificação dos arguidos;
b. A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas;
c. A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da
decisão;
d. A coima e as sanções acessórias.
2. - Da decisão deve ainda constar a informação de que:
a. A condenação se torna definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada nos termos do artigo 59. °;
b. Em caso de impugnação judicial, o tribunal pode decidir mediante audiência ou, caso o arguido e o Ministério Público não se oponham, mediante simples despacho.
3. - A decisão conterá ainda:
a. A ordem de pagamento da coima no prazo máximo de 10 dias após o carácter definitivo ou o trânsito em julgado da decisão;
b. A indicação de que em caso de impossibilidade de pagamento tempestivo deve comunicar o facto por escrito à autoridade que aplicou a coima .”.
No âmbito do processo penal a consequência para a falta dos requisitos da sentença estabelecidos no artigo 374.° do C.P.P. é a nulidade prevista no artigo 379.° do mesmo diploma, a qual a recorrente aqui invoca.
No Direito Contraordenacional, à semelhança do Direito Penal, as decisões proferidas têm de ser fundamentadas, em cumprimento do artigo 205.°, n.° 1, da CRP - “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
Como referem Simas Santos e Lopes de Sousa in Contra-Ordenações, anotações ao Regime Geral, 2a. edição, pág. 334, em anotação ao artigo 58.° do RGCO, “os requisitos previstos neste artigo para a decisão condenatória do processo contra-ordenacional visam assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas aplicáveis em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão. Por isso, as exigências aqui feitas deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos’’.
A lei não define o nível de fundamentação que deve presidir à decisão administrativa de condenação. Contudo, é pacifico na jurisprudência que as necessidades de fundamentação das decisões penais e contraordenacionais não são iguais, não sendo exigível à entidade administrativa uma fundamentação tão profunda e exaustiva quanto uma sentença, desde logo porque ela não assume a qualidade de sentença condenatória.
Em conformidade, basta uma fundamentação sucinta que permita ao arguido exercer o seu direito de defesa.
Deste modo, conclui-se que necessário é que a decisão administrativa contenha os motivos de facto e de direito em que tal decisão se baseou e permitam a sua impugnação judicial — neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 09.01.2019, proc. n.° 257/18.0T8SRT.C1, acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 15.12.2016, proc. n.° 95/16.5T8GDL.E1, acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 21.06.2016, proc. n.° 170/15.3T8GDL.E1, acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 06.02.2013, 471/12.2TBACB.C1, entre outros.
Veja-se, ainda, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 24.09.2007, proc. n.° 1403/07-1, o qual mantém toda a sua atualidade, e onde se entendeu que “I – Na decisão administrativa em recurso, no que concerne à materialidade dos factos que são imputados à arguida, não foi feito o exame crítico da prova a que alude o n° 2 do artigo 374° do Código de Processo Penal. II — Simplesmente, não se vislumbra a necessidade de tal exame: - Primeiro porque o citado artigo 58° o não exige expressamente, limitando-se a exigir a indicação das provas (no sentido de que a fundamentação das decisões administrativas se basta com a indicação das provas, não sendo exigível o seu exame crítico, contrariamente ao que ocorre com as decisões judiciais, cfr. Ac. da Rel. de Guimarães de 107-2003, proc° n° 903/03, rel. Maria Augusta). - Depois, porque a decisão administrativa que aplica uma coima não é uma sentença nem se lhe pode equiparar pelo que não há que chamar à colação o artigo 374° do Código de Processo Penal (cfr. v.g. os Acs da Rel. de Coimbra de 13-1-1999, rec° n° 955/98, de 17-3-1999, rec° n° 11/99, ambos in www.trc.pt). - Finalmente, porque os requisitos consignados no citado artigo 58° visam claramente assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão. III — Por isso, sublinham os Cons° Simas Santos e Lopes de Sousa, as exigências feitas no citado artigo 58° “devem considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercido desses direitos "(Contra- Ordenações, Anotações ao Regime Geral, 3° ed., Lisboa, 2006, pág. 387) IV — Mesmo aqueles para quem o incumprimento do dever de fundamentação da decisão administrativa constitui nulidade nos termos do artigo 379° do Código de Processo Penal, são forçados a admitir que “uma vez que tal decisão é proferida no domínio de uma fase administrativa sujeita às características da celeridade e simplicidade aquele dever de fundamentação deve assumir uma dimensão menos intensa em relação a uma sentença. V — 0 que deverá ser patente para o arguido são as razões de facto e de direito que levaram à sua condenação, possibilitando-lhe um juízo de oportunidade sobre a conveniência da impugnação judicial e, simultaneamente, já em sede de impugnação judicial ao tribunal conhecer o processo lógico da formação da decisão administrativa” (Ac. da Rel. de Coimbra de 4-6-2003, CoI. De Jur. Ano XXVIII, tomo 3, pág 40; no mesmo sentido sublinhando que os preceitos do processo penal deverão ser devidamente adaptados cfr. Ac. da Rel. de Coimbra de 23-4-2000, proc° n° 1223/03, in www.trc.pt). VI — Acresce que, devendo a fundamentação ser tanto mais pormenorizada quanto mais complexa é a questão a decidir, no caso dos autos, a questão se reveste extrema simplicidade, não requerendo nenhuma fundamentação especial para que se tome clara para a arguida como de resto, para qualquer cidadão: foi-lhe imputado o facto de a mesma funcionar com o estabelecimento de restauração e bebidas há cerca de um ano, sem possuir a respectiva licença de utilização VII — No caso concreto, a fundamentação da decisão é mais do que suficiente, uma vez que a arguida, através da impugnação que deduziu nos autos, demonstrou conhecer perfeitamente os factos que lhe eram imputados e as razão por que tais factos lhe foram imputados, sendo certo, por outro lado que, é obvio, face ao seu teor, qual o processo lógico da formação daquela decisão Administrativa. VIII - Improcede, por conseguinte, a pretendida nulidade por falta de exame crítico da prova nos termos do art° 374°n°2 do Código de Processo Penal. ”.
In casu, conforme suprarreferido, a arguida invoca a nulidade da decisão administrativa com base na circunstância de esta ser omissa quanto ao exame crítico das provas, designadamente da prova testemunhal, de não indicar os factos considerados como não provados, o que é sinónimo de falta de exame crítico da prova, da falta de fundamentação da alegação de que demonstrou um comportamento pouco zeloso e diligente e falta de fundamentação no que respeita aos dados relativos à sua situação económica.
Analisada a decisão administrativa, verifica-se que a mesma contém a fundamentação de facto, com o elenco dos factos provados, a respetiva motivação de facto, referindo os elementos nos quais alicerçou a sua convicção e onde se inclui a explicitação para não se ter levado à factualidade provada a alegação da defesa, bem como o devido enquadramento jurídico.
Da leitura da fundamentação resulta, igualmente, a explicitação do preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do tipo contraordenacional, bem como os critérios orientadores da medida concreta da coima.
Concretamente, da decisão administrativa consta a seguinte descrição factual:
“No dia .../.../2019, pelas 16h11, procedeu-se a uma ação de fiscalização a medidas de autoproteção obrigatória em postos de abastecimento, no âmbito da segurança privada. — (cf. Auto de Notícia)
No local, os agentes fiscalizadores contactaram com o responsável do espaço, BB. — (cf. Auto de Notícia)
O sistema de gravação de videovigilância não estava a preservar a gravação pelo período de b30 dias, estando apenas a preservar as imagens por um período de 14 dias. - (Cf- Auto de Notícia, fotos 1 em fls. 03)
Assim, pelo facto das imagens do sistema de instalado no posto de abastecimento Levadas, serem conservadas em registo codificado pelo período de 14 dias e não pelo período de 30 dias como estipula o n.°2 do art. 31.°da Lei n.°34/2013, de 16/05, na redação conferida pela Lei n.° 46/2019, de ..., a empresa ... ..., na qualidade de exploradora daquele espaço, infringiu a lei. — (cfr. Auto de Notícia)
O comportamento pouco zeloso e diligente da arguida mostra-se desfasado do tipo de atuação que um explorador/proprietário de um estabelecimento como o dos autos, normalmente avisado e cauteloso adotaria, o que revela uma atitude interna específica da culpa negligente, punível a esse título, nos termos do artigo 8. °, n. ° 3, do RGCO, e do artigo 59.°, n.° 8, REASP, segunda o qual os ilícitos contraordenacionais aí tipificados são imputados a título de negligência. — (provado com base na análise crítica de toda a prova produzida e nas regras da experiência comum)
A negligência supõe o poder/dever de o responsável, embora não pretendendo cometer a infração, ter, no entanto, o poder ou a possibilidade de atuar de modo diferente por forma a impedir que ela se verificasse. Aliás, nem necessário é que aquele que tenha conhecimento de que a infração esteja ou possa ser cometida (em tal caso poder-se-ia até cair no dolo, na sua forma eventual), bastando que omita ou se demita do exercício dos seus deveres, e do cumprimento dos normativos legais e deveres especiais que a está obrigado, neste caso, o sistema de videovigilância que possuía não se encontrava a conservar imagens pelo período de 30 dias, findo o qual deveriam ser destruídas. — (provado com base na análise crítica de toda a prova produzida e nas regras da experiência comum)
A arguida agiu com negligência consciente, a qual se infere e decorre da materialidade fáctica em que se consubstancia a infração, por a culpa resultar da omissão de um dever geral de cuidado insisto à violação da norma em causa, já que seria exigível à Arguida o conhecimento e o acatamento das normas legais vigentes. — (provado com base na análise crítica de toda a prova produzida e nas regras da experiência comum)”.
Acresce que, no elenco da prova testemunhal produzida é referido que os elementos fiscalizadores não foram ouvidos em declarações, por se considerarem suficientes os elementos constantes dos autos para a correta decisão, mais constando que foi ouvida a testemunha arrolada pela arguida, AA.
Ademais, aquando da motivação da matéria de facto, a entidade administrativa ao expor os elementos de prova com base nos quais formou a sua convicção quanto à factualidade provada refere que “A prova dos factos supra elencados assentou na análise crítica de toda a prova produzida, á luz das regras da experiência comum, conforme referido em cada um dos pontos probatórios ”, concretizando, depois, que valorou o auto de notícia, as declarações da testemunha e demais elementos coligidos para os autos, conforme indicado nos factos provados.
Conforme resulta da transcrição da factualidade provada, em cada um dos factos provados, é mencionado o elemento com base no qual esse facto resultou assente, sendo que nos factos consubstanciadores do elemento objetivo do tipo contraordenacional é referido que os mesmos resultaram assentes com base no teor do auto de notícia e, no que concerne aos factos concretizadores do elemento subjetivo, os mesmos resultaram provados com base na análise crítica da prova e nas regras da experiência comum.
Ora, a análise crítica da prova não se confunde com a descrição exaustiva de todos os depoimentos e declarações, bastando que se consiga compreender as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte.
No caso concreto, a entidade administrativa expôs os motivos de facto em que alicerçou a sua convicção sobre a factualidade provada, tendo feito um exame crítico da prova, além do lhe é exigível. Concretamente, a entidade administrativa explicitou que a factualidade provada resultou da análise de todos os elementos de prova constantes dos autos, designadamente, do teor do auto de notícia, conjugado com as regras da experiência comum, sendo quanto basta para a arguida compreender o teor da decisão, permitindo-lhe o exercício do seu direito de defesa.
Por outro lado, conforme refere o aludido acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 24.09.2007, proc. n.° 1403/07-1, o art. 59.° do RGCO não exige à entidade administrativa que proceda a um exame crítico da prova, bastando a indicação das provas, o que, no caso concreto foi feito.
Julgamos, assim, que não se verifica qualquer nulidade por insuficiência da análise crítica da prova.
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No que concerne à omissão da indicação dos factos não provados, julgamos que não assiste razão à arguida, porquanto, em face do teor da decisão administrativa, é patente que a circunstância de não se ter levado a factualidade alegada pela defesa à factualidade provada ou não provada, se prendeu, tão só, com a sua irrelevância para a decisão a proferir,
Entre o mais, pode ler-se na decisão administrativa que “Ao contrário do que vem alegar a arguida, em sede de defesa, mesmo que o sistema de videovigilância esteja a cargo de uma empresa contratada pela arguida, isso não significa que esta fique isenta de responsabilidade, uma vez que a empresa arguida, enquanto proprietária/exploradora de um estabelecimento como o dos autos, deve fazer por cumprir certos requisitos obrigatórios atinentes ao sistema de videovigilância, e por isso deve ser proactiva no cumprimento da legislação em vigo. Até porque não é ao instalador do sistema de videovigilância , mas sim ao seu proprietário ou utilizador que a lei impõe essa obrigação, por isso cabia à arguida ter zelado pelo cumprimento da lei, o que não aconteceu no caso em apreço. ”.
Ou seja, decorre de modo evidente que, no entendimento da entidade administrativa, a circunstância de a arguida ter contratualizado serviços de videovigilância com a ... não se mostra relevante para a decisão a proferir, pois que “não é ao instalador do sistema de videovigilância, mas sim ao seu proprietário ou utilizador que a lei impõe essa obrigação, por isso cabia à arguida ter zelado pelo cumprimento da lei, o que não aconteceu no caso em apreço ”.
A irrelevância da alegação da defesa da arguida é explicitada em termos claros, concisos e suficientes para cabal compreensão da arguida.
Em face do exposto, verifica-se que não estamos perante factualidade relevante que deveria constar, ou dos factos provados, ou não provados, mas perante factualidade que a entidade administrativa considerou irrelevante.
Ademais, relembre-se que não se exige da entidade administrativa uma concretização factual modelar, com detalhe profundo, bastando-se com uma alegação de factos minimamente escorreita, passível de compreensão e alcance ao homem médio quanto às condutas adotadas ou omitidas, circunstanciadas e contextualizadas em tempo, lugar e espaço. Nesta medida, sempre esta poderia entender não levar tais considerações à factualidade, atenta a sua eventual irrelevância para a decisão sobre a específica contraordenação objeto do processo.
Por conseguinte, sem prejuízo de o Tribunal discordar da posição adotada pela decisão administrativa e entender ser de levar a alegação da defesa à factualidade provada, ou não provada, cremos que tal posição adotada pela entidade administrativa não fere a sua decisão de qualquer nulidade, ainda mais quando se verifica que a mesma explicitou a posição por si assumida.
Acresce que é perfeitamente percetível para a arguida, através da leitura da decisão administrativa, quais as razões que levaram a respetiva entidade a não integrar na decisão a factualidade aduzida na sua defesa, razão pela qual não cremos que o exercício do seu direito de defesa tenha sido, de alguma forma, limitado.
Em conformidade, julgamos que se mostra suficiente que a entidade administrativa na sua decisão, em algum momento se debruce sobre a factualidade alegada pela defesa, não lhe sendo exigível a tecnicidade inerente a uma sentença condenatória, com um elenco explicito da factualidade não provada, bastando que a arguida consiga perceber que a sua versão apresentada em sede de defesa não teve acolhimento, o que sucedeu, pelo que julgamos não se verificar qualquer nulidade da decisão administrativa com base na ausência de factos não provados e falta de exame crítico da prova.
Por outro lado, em face do teor da impugnação judicial deduzida é patente que a arguida alcançou com a acuidade necessária os factos que lhe foram imputados e respetiva motivação, tanto mais que se defendeu com densidade argumentativa, contrapondo factos e direito relativamente ao que lhe era imputado, ficando demonstrado que a fundamentação da decisão foi suficiente para permitir o exercício do direito de contraditório e de defesa pois que percebeu o que se decidiu e por que razão assim se decidiu - neste sentido, vd. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, 09.01.2019, proc. n.° 257/18.0T8SRT.C.
Em conformidade, julgamos que que não se verifica qualquer nulidade por insuficiência da análise crítica da prova em face da falta de indicação dos factos não provados.
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Mais sustenta a arguida a nulidade da decisão administrativa por falta de fundamentação da alegação de que demonstrou um comportamento pouco zeloso e diligente, desfasado do comportamento expectável de um “explorador de estabelecimento médio e avisado”, pois não se mostra subsumido a um dever de atuação concreto.
Conforme supra exposto, às decisões administrativas apenas é exigível uma fundamentação sucinta que permita ao arguido perceber o sentido da decisão e exercer o seu direito de defesa, bastando a exposição dos motivos de facto e de direito em que tal decisão se baseou.
No que concerne à atuação da arguida, a decisão administrativa imputa-lhe um comportamento pouco zeloso e diligente, desfasado do tipo de atuação que um explorador/proprietário de um estabelecimento como o dos autos, normalmente avisado e cauteloso, adotaria. Mais é referido que para a negligência basta que o agente “omita ou se demita do exercício dos seus deveres, e do cumprimento dos normativos legais e deveres especiais que a está obrigado, neste caso, o sistema de videovigilância que possuía não se encontrava a conservar as imagens captadas pelo período de 30 dias, findo o qual deveriam ser destruídas” e que “seria exigível à Arguida o conhecimento e o acatamento das regras legais vigentes”.
Resulta, assim, da própria descrição factual da decisão administrativa que o dever de atuação exigível à Arguida era a certificação de que o sistema de videovigilância que possuía não se encontrava a conservar as imagens captadas pelo período de 30 dias e que, no caso, não cumpriu.
Para sustentar a mencionada alegação factual, fez-se verter na motivação de facto que a arguida “enquanto proprietária/exploradora de um estabelecimento como o dos autos, deve fazer por cumprir certos requisitos obrigatórios atinentes ao sistema de videovigilância, e por isso deve ser proactiva no cumprimento da legislação em vigo. Até porque não é ao instalador do sistema de videovigilância , mas sim ao seu proprietário ou utilizador que a lei impõe essa obrigação, por isso cabia à arguida ter zelado pelo cumprimento da lei, o que não aconteceu no caso em apreço. ”.
Tal fundamentação mostra-se suficiente para permitir à arguida conhecer as razões que levaram a entidade administrativa a imputar-lhe o ilícito contraordenacional em causa, sendo evidente, em face do teor da impugnação, que compreendeu os factos que lhe foram imputados.
Em conformidade, julgamos que que não se verifica qualquer nulidade por falta de fundamentação da alegação de que a arguida demonstrou um comportamento pouco zeloso e diligente desfasado do comportamento expectável de um “explorador de estabelecimento médio e avisado”.
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No que concerne à falta de fundamentação da decisão no que respeita aos dados relativos à sua situação económica, cumpre referir que é expressamente mencionado na decisão administrativa que “A arguida não fez prova da sua situação económica”.
Mais se verifica que a coima aplicada se situa “no valor mínimo legal de € 15.000,00 (quinze mil euros).
Não obstante se reconhecer que seria desejável que a decisão administrativa, fosse concretizada e pormenorizada na indicação dos elementos reais da situação económica do agente, certo é que a omissão desses elementos não afetou as garantias de defesa, nem dificultou o exercício do direito de impugnação judicial.
Por outro lado, sem qualquer inversão do ónus da prova ou violação do direito ao contraditório, a arguida poderia, querendo, ter apresentado perante a entidade administrativa todos os elementos de facto e de direito suscetíveis de permitirem a apreciação da sua situação económica, sendo certo que, no caso concreto, a coima foi aplicada no mínimo legal, respeitando, deste modo, a circunstância de ser desconhecida a real situação económica da arguida.
Nesta medida, também aqui, não se verifica qualquer nulidade da decisão administrativa.
Por fim, a arguida sustenta a nulidade da decisão administrativa por não se mostrar fundamentada a condenação em custas.
Em face do teor da decisão administrativa verifica-se a arguida foi condenada no pagamento das custas do processo, nos termos do art. 92.°, do RGCO, no montante de € 51,00 (cinquenta e um euros).
Quanto a isto, sem necessidade de extensas considerações, é de referir que o art. 58.° do RGCO, conforme suprarreferido, não fere de nulidade a decisão administrativa por falta de fundamentação da condenação em custas.
De qualquer modo, a fundamentação não é totalmente omissiva, embora se reconheça que é escassa, pois que é feita a referência à norma legal ao abrigo da qual se sustenta a mencionada tributação.
Por outro lado, compulsados os autos, verifica-se que, aquando da prolação da decisão administrativa, a arguida estava representada por mandatário, sendo-lhe perfeitamente percetível o sentido da condenação em custas.
Por fim, uma vez mais, diga-se que tal circunstância não colocou em causa, de modo algum, a defesa da arguida, pelo que não se verifica qualquer nulidade.
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Aqui chegados, concluímos que a descrição factual da decisão administrativa e respetiva motivação de facto e de direito é suficiente para cumprir com os requisitos da fundamentação da decisão administrativa.
Da decisão administrativa constam os factos imputados à recorrente, a indicação das provas obtidas, apreciando criticamente a versão da arguida, a menção das normas ao abrigo das quais pune e a fundamentação da determinação da medida da coima, com alusão à circunstância de inexistirem elementos relativos à sua situação económica, nem se terem apurado quaisquer benefícios económicos, bem como a norma ao abrigo da qual a mesma é condenada nas custas do processo.
Em conformidade, julgamos que a arguida ficou na posse de todos os elementos necessários para compreender a decisão contra si proferida e para dela se defender.
Atendendo à celeridade e simplicidade que norteia a fase administrativa do procedimento contraordenacional, nada mais era exigível à Secretaria Geral do Ministério da Administração Interna.
Face ao exposto, julga-se improcedente a invocada nulidade por falta exame crítico da prova, quanto à prova testemunhal e à falta de indicação dos factos não provados, falta de fundamentação no que concerne à alegação de que a arguida demonstrou um comportamento pouco zeloso, ausência de dados relativos à situação económica da arguida e falta de justificação para a condenação em custas.
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Inexistem outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação da causa e de que cumpra conhecer.
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III. Fundamentação de Facto A. Factos Provados
Dos documentos juntos aos autos resultaram provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa:
Da decisão administrativa
1. No dia ........2019, pelas 16h 11, procedeu-se a uma ação de fiscalização a medidas de autoproteção obrigatória em postos de abastecimento, no âmbito da segurança privada, ao posto de abastecimento Levadas, explorado pela arguida ... ...;
2. Nesse circunstancialismo, o sistema de gravação de videovigilância não estava a preservar a gravação pelo período de 30 dias, estando apenas a preservar as imagens por um período de 14 dias;
3. O comportamento pouco zeloso e diligente da arguida, mostra-se desfasado do tipo de atuação que um explorador/proprietário de um estabelecimento como o dos autos, normalmente avisado e cauteloso adotaria, tendo omitido o exercício dos seus deveres e o cumprimento dos normativos legais e deveres especiais a que está obrigada, pois que o sistema de videovigilância que possuía não se encontrava a conservar as imagens pelo período de 30 dias, sendo exigível à arguida o conhecimento e o acatamento das regras legais vigentes;
Da impugnação judicial
4. A arguida contratou a ... para proceder à instalação e manutenção do sistema de videovigilância;
Mais se provou que:
5. Mediante acordo escrito celebrado entre a arguida e a ..., esta comprometeu-se a prestar àquela assistência técnica ao sistema de videovigilância;
6. A arguida é uma sociedade por quotas com capital social de € 4.098,800,00;
7. A arguida dedica-se ao comércio por grosso e a retalho de combustíveis líquidos, gasosos, e seus derivados de produtos químicos; de produtos alimentares; bebidas alcoólicas; de automóveis, suas peças e acessórios; de mobiliário, máquinas e material de escritório; e de equipamentos e produtos informáticos e de telecomunicações; reparação de computadores e material informático, execução de fotocópias, preparação de documentos e outras atividades especializadas de apoio administrativo; manutenção e reparação de veículos automóveis; aluguer de máquinas e equipamentos de escritório; comércio por grosso de artigos de papelaria; comércio a retalho de jornais, revistas e artigos de papelaria em estabelecimentos especializados; comércio por grosso de produtos de limpeza; comércio a retalho de outros produtos novos, em estabelecimentos especializados; comércio por grosso de materiais de construção (exceto madeira) e equipamento sanitário; comércio por grosso de outras máquinas e equipamentos; comércio a retalho em outros estabelecimentos não especializados, com predominância de produtos alimentares, bebidas ou tabaco; construção civil, montagem, revestimentos, pintura e colocação de vidros. Exercício de transporte por conta de outrem, em regime de aluguer, e a prestação de serviços administrativos de apoio à actividade de transportes, nomeadamente a venda de bilhetes. Cafés. Outras atividades auxiliares de serviços financeiros;
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B. Factos não provados
Da discussão da causa e produção da prova resultaram os seguintes factos não provados com interesse para a boa decisão da causa:
a. Competia à ... assegurar o controlo e respeito efetivo sobre os sistemas de videovigilância;
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Consigna-se que apenas se levou à factualidade, provada ou não provada, a matéria relevante à boa decisão da causa, dando-se como não escrita a demais matéria constante elencada na impugnação judicial, por a mesma ser conclusiva e/ou integrar matéria de direito.
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A. Motivação
A convicção do tribunal sobre a matéria de facto provada formou-se com base na valoração e conjugação de todos os meios de prova produzidos, nomeadamente nos documentos juntos aos autos conjugados com as declarações do representante legal da sociedade arguida e das testemunhas, os quais foram apreciados de acordo com as regras da experiência e da livre convicção do julgador, nos termos do artigo 127.°, do Código de Processo Penal, aplicável ex vi art.° 41° do Regime Geral das Contraordenações (DL n.° 433/82, de 27 de outubro).
Para prova dos factos 1 e 2 Tribunal atendeu ao teor do auto de noticia a fls. 2, e ao registo fotográfico de fls. 3, o qual se encontra igualmente sob ref.a citius 54947422 de ........2023 (aí constando a cores), elaborados pela autoridade autuante.
Do auto de notícia resulta que no circunstancialismo de tempo e lugar constante do ponto 1 da factualidade provada, o sistema de videovigilância da arguida apenas estava a preservar a gravação pelo período de 14 dias, em vez de 30 dias.
O mencionado auto de notícia ganha sustento nas declarações das testemunhas CC e DD, ambos agentes de PSP que efetuaram a fiscalização em causa nos autos, os quais de modo sincero, espontâneo, seguro, claro e coerente entre si corroboram a informação constante do auto.
Com efeito, as mencionadas testemunhas, explicaram de modo detalhado como chegaram à conclusão de quais os dias em concreto em que o sistema gravou e conservou as imagens, detalhando os procedimentos adotados, revelando ter conhecimento direto dos factos, porquanto os presenciaram.
Concretamente, os Srs. Agentes da PSP explicaram que, após desbloqueado o sistema com a palavra-passe pelo funcionário identificado no auto, acederam ao seu calendário, no qual é percetível, através de um sistema de cores, quais os dias que contêm gravações e quais não contêm. Mais explicaram que, para se certificarem da existência de gravações, selecionaram os dias do calendário, tendo constatado que aquelas apenas existia entre os dias 29 de agosto e ....
O registo fotográfico do mencionado calendário encontra-se junto a fls. 3 dos autos, onde consta a legenda “Pormenor da imagem do monitor, do computador onde está instalado o sistema de videovigilância, o qual efetua a gravação das imagens obtidas pelo sistema de videovigilância, conservando as mesmas pelo período de 14 (Catorze) dias, findos os quais as mesmas são apagadas/destruídas.
As imagens estavam gravadas entre os dias 29 de Agosto e ... de ... de 2019, conforme foto o monitor”.
Analisando a cópia a cores do mencionado registo fotográfico, junta sob ref.a citius 54947422 de ........2023, é possível observar, tal como descrito na legenda, que os dias 29 de agosto em diante aparecem sinalizados a amarelo, cor distinta dos demais dias.
Assim, considerando o mencionado registo fotográfico e em face da força probatória plena do auto de notícia — cfr. arts. 363.° n.° 2 do Código Civil, 99.° e 169.° do CPP, ex vi artigo 4° do CPP e 41° do RGCO -, bem como das declarações isentas, seguras, detalhadas e coerentes das testemunhas CC e DD, o Tribunal não tem quaisquer dúvidas de que o sistema de videovigilância da arguida estava a preservar as gravações apenas a 14 dias.
Sustentou o legal representante da sociedade arguida, bem como o legal representante da ..., que para aferir da efetiva gravação das imagens mostra-se necessário aceder ao disco, não bastando a análise do calendário. Ora, os Srs. Agentes da PSP revelaram ser testemunhas absolutamente isentas, sem qualquer tipo de interesse pessoal no processo, exercendo com habitualidade funções de fiscalização nos estabelecimentos legalmente obrigados a possuir sistemas de videovigilância.
Certamente que havendo a possibilidade das imagens estarem devidamente conservadas no disco, apesar de tal não se refletir no calendário, os Srs. Agentes estariam alertados para essa situação e disso se certificariam previamente ao levantamento do auto, pois que não têm qualquer interesse de prejudicar gratuitamente a arguida. Nessa medida, não se acolhem as declarações do legal representante da sociedade arguida e da testemunha EE, legal representante da ...
Em conformidade, acolhendo as declarações das testemunhas CC e DD, bem como em face do teor do auto de notícia e do mencionado registo fotográfico, o Tribunal fez constar da factualidade provada os pontos 1 e 2.
Em sede de declarações, sustentou o legal representante da arguida que contratou com a ..., aquando da aquisição do sistema de videovigilância, um serviço de assistência técnica, com manutenções anuais, entendendo que por força desse contrato é a ... que se certifica da conformidade do sistema.
Contudo, questionado sobre esta circunstância, o legal representante da ..., a testemunha EE foi perentório em afirmar que é o responsável pelo sistema que se deve certificar que o mesmo se encontra a gravar a 30 dias, sendo este, no caso concreto, a arguida. Mais referiu que a arguida tem na sua posse as senhas necessárias para o efeito.
Tais declarações mostram-se concordantes com o teor do contrato de prestação de serviços celebrado entre a arguida e a ..., junto pela própria em sede de audiência de julgamento, com ref.a citius 54942181 de ........2023, do qual resulta que a ... se compromete a prestar à arguida serviços de assistência técnica ao sistema de videovigilância. No mencionado acordo é referido, entre o mais, que “Sempre que se verifiquem quaisquer anomalias no funcionamento das instalações, deverá o 2.° contratante [... ...,] solicitar a assistência do 1.° Contratante, que se obriga a mandar proceder às necessárias reparações o que pressupõe, necessariamente, que a pessoa responsável por se certificar da conformidade do sistema é a arguida.
Com efeito, tratando-se de um contrato de assistência técnica, o qual prevê visitas de manutenção preventiva “1 ou 2 (uma ou duas) ou as que forem necessárias’'’ e manutenção corretiva sempre que necessário, tal implica que a arguida solicite à ... a reparação de qualquer anomalia que surja entre as visitas de manutenção preventiva, devendo, para tanto, certificar-se com habitualidade da conformidade do sistema.
A arguida juntou, ainda, um documento referente à autorização da Comissão Nacional de Proteção de Dados para o tratamento dos dados pessoais resultante da videovigilância, onde o responsável pelo referido tratamento é a arguida. Do mencionado documento consta a informação de que “Não há transmissão das imagens para o exterior do local da instalação do sistema”. Em conformidade, não havendo transmissão das imagens para o exterior do sistema, designadamente para efeitos de monotorização externa do próprio sistema, significa, necessariamente, que a verificação da conformidade do sistema deve ser aferida localmente. Por conseguinte, não pode a ... a certificar-se da conformidade do sistema sem que, previamente, seja alertada para isso pela própria arguida, proprietária do sistema, pois que aquela não consegue, à distância, comprovar o respeito pelo prazo de conservação das imagens.
Nessa conformidade, em face das declarações do legal representante da ..., EE, conjugadas com o teor dos aludidos documentos, o Tribunal convenceu-se de que o acordo celebrado entre a arguida e a ..., ao prever a instalação e posterior manutenção do sistema visa, a prestação de serviços de assistência técnico, não sendo a ..., por efeito desse acordo, a responsável pelo sistema de videovigilância, não se acolhendo as declarações do legal representante da arguida.
Ao invés, dúvidas não restam para o Tribunal de que é a arguida a responsável pelo sistema, na qualidade de sua proprietária e utilizadora, cabendo a esta a obrigação de se certificar da conformidade do mesmo com os normativos legais.
Mais juntou a arguida diversos documentos correspondentes a relatórios de assistência, declaração de manutenção e declaração de conformidade do sistema, não sendo nenhum de uma data próxima à fiscalização que deu origem a estes autos, pelo que não têm a virtualidade de convencer o Tribunal de que a arguida cumpriu com os seus deveres de cuidado, certificando-se da conformidade do sistema à data dos factos imputados.
Todavia, foi junto pela própria testemunha EE, legal representante da ..., um relatório de assistência técnica, datado de ........2019, sob ref.a citius 5104768 de ........2023.
Em face da data aposta no mencionado documento, verifica-se que o mesmo é da semana anterior à ação de fiscalização em causa nos autos. Contudo, é de considerar que o legal representa da arguida, não referiu a existência dessa manutenção em ........2019, mas apenas outras duas que terão ocorrido a ........2018 e ........2019.
Ora, considerando que a ocorrência de uma visita de manutenção na semana anterior à fiscalização que deu origem a estes autos poderia ser tida como um facto favorável à arguida, certamente, de acordo com as regras da experiência comum, da lógica e da razoabilidade, que o seu legal representante a teria referido ao prestar declarações, o que não fez.
Por outro lado, não podemos deixar de valorar em desfavor da arguida, a circunstância de este documento, alegadamente emitido uma semana antes da fiscalização, apenas ter surgido no decurso da audiência de julgamento, quando, atenta a data da sua emissão, podia ter sido junto em momento anterior, sendo desconhecido do próprio legal representante.
É certo que EE, legal representante da ... confirmou a ocorrência desta manutenção. Porém, não se pode deixar de relevar a relação comercial existente entre si e a arguida, comprometendo, necessariamente, a sua isenção nesta parte.
Ademais, a mencionada testemunha, não obstante não ter conhecimento direto dos factos, focou-se em tentar justificar o sucedido com as condições meteorológicas da Ilha, eventuais prolemas energéticos, anomalias no disco, pautando o seu discurso por afirmações vagas e genéricas e sem qualquer respaldo em elementos objetivos de prova, pelo que as suas declarações não mereceram acolhimento do Tribunal nesta parte.
No que concerne ao outro relatório de assistência técnica junto pelo legal representante da ..., este da semana posterior à fiscalização, atenta a data em causa, o mesmo não convence do cumprimento dos deveres de zelo por parte da arguida.
Na ausência de demais elementos probatórios, julgamos ser de afastar qualquer conduta intencional da arguida, no sentido de ter indevidamente instalado ou programado o sistema de videovigilância, sendo perfeitamente plausível que desconhecesse a desconformidade do mesmo.
Porém, o seu legal representante, de acordo com o padrão médio e habitual de um gestor, tem a obrigação de garantir que a arguida age em conformidade com todas as normas legais vigentes no seu setor de atividade, pelo que tinha a obrigação de, enquanto proprietária de um posto de combustível, certificar-se que o sistema de videovigilância instalado no seu estabelecimento se encontrava, em todo e cada momento, a preservar as imagens a 30 dias.
Ora, o legal representante da sociedade arguida informou, entre o mais, que: (i) só a ... é que intervém no sistema; (ii) o funcionário responsável pelo sistema encontra-se em ..., o qual acede ao mesmo como utilizador; (iii) e verifica a conformidade do sistema com a periodicidade que entende adequada que é de 1 ano.
Ora, não dispondo a arguida de nenhuma pessoa na sua estrutura capaz de, localmente, se certificar habitualmente da conformidade do sistema (seja o próprio legal representante ou um funcionário), pois como se referiu o mesmo não é monitorizado externamente, apenas procedendo à fiscalização do sistema 1 vez por ano, ou até duas conforme resulta do contrato de prestação de serviços, a arguida não agiu com o dever de cuidado e de zelo que sobre ela impendia enquanto proprietária de um posto de combustível.
O legal representante da arguida exerce funções de gerente desde ........2012, dedicando-se a arguida ao comércio de combustíveis desde ........1999, conforme resulta da sua certidão permanente junta com ref.a citius 55124246 de ........2023, pelo que tem, necessariamente, conhecimento de todas as obrigações que sobre si impendem no setor de atividade em que opera.
Acresce que ao longo do julgamento, designadamente em sede de declarações, o legal representante mostrou ser pessoa perfeitamente capaz e conhecedor das suas obrigações.
Em conformidade, de acordo com as regras da experiência comum, da lógica e da razoabilidade é de concluir que a arguida tinha a possibilidade de ter agido de modo diferente, designadamente cumprindo com o seu dever de cuidado, certificando-se que o sistema de videovigilância se encontrava a preservar as imagens a 30 dias, impedindo, desse modo, que a anomalia se verificasse ou diligenciando pela sua pronta resolução, o que não fez.
Nessa medida, em face do supra exposto, verificando-se que a arguida não agiu de acordo com o dever de cuidado que sobre si impendia e de que era capaz, o Tribunal fez constar o ponto 3 da factualidade provada.
Os pontos 4 e 5 resultaram provados em face do teor do referido contrato de prestação de serviços de assistência técnica, das declarações do legal represente da arguida e do legal representante da ..., porquanto, nesta parte, mostraram-se coerentes e credíveis.
Os pontos 6 e 7 da factualidade provada resultaram assentes em face do teor da certidão permanente junta com ref.a citius 55124246 de ........2023 .
No que concerne à factualidade não provada, em conformidade com o supra exposto, a prova feita em audiência de julgamento sustenta, apenas, a existência de um contrato de assistência técnica entre a ... e a sociedade arguida.
Com efeito, conforme suprarreferido, em face do teor do contrato de prestação de serviços junto aos autos e das declarações do legal representante da ..., bem como da circunstância de inexistir transmissão das imagens para o exterior, a fim de permitir a monotorização externa do sistema de videovigilância, o Tribunal não se convenceu que ... fosse responsável pelo controlo do sistema de videovigilância, tendo levado à factualidade não provada o ponto a).
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IV. Fundamentação de Direito
1. Enquadramento Jurídico
Constitui jurisprudência unânime que o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso -
cfr. artigos 119.°, n.° 1, 123.°, n.° 2, 403.°, 410.°, n.° 2 e 412.°, todos do Código de Processo Penal e artigo 59.°, n.° 2 do Decreto-Lei n.° 433/82, de 27 de outubro; vd., entre outros, o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.° 07/95, de 19.10.1995, Relator: Sá Nogueira, publicado em DR, I-S, a 28.12.1995 e o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, a 15.02.2012, Relator: Paulo Guerra, Processo n.° 216/11.4GAILH.C1, disponível em www.dgsi.pt.
Em conformidade, atentas as conclusões formuladas em sede de impugnação judicial importa aferir da verificação dos pressupostos do ilícito contraordenacional imputado por parte da sociedade arguida.
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Nos presentes autos e imputada à arguida a prática, na forma negligente, de uma contraordenação muito grave, p. e p. pelo art. 31.°, n.° 2, da Lei n.° 34/13, de 16 de maio.
Vejamos.
A Lei n.° 34/2013, de 16 de maio, consagra o Regime do Exercício da Atividade de Segurança Privada (doravante, REASP), o qual estabelece o regime do exercício da atividade de segurança privada e da organização de serviços de autoproteção, bem como medidas de segurança a adotar por entidades, públicas ou privadas, com vista à proteção de pessoas e bens e à prevenção da prática de crimes - cfr. art. 1°, nos 1 e 2, do REASP.
A atividade de formação profissional do pessoal de segurança privada e de consultoria de segurança são, igualmente, consideradas atividades de segurança privada. Contudo, são excluídas as atividades de (i) porteiro de hotelaria; (ii) de porteiro de prédio urbano destinado a habitação ou a escritórios e (iii) de gestão e monitorização de sistemas de segurança e a implementação de vigilância e controlo de acessos adotados em espaços para fins habitacionais - cfr. art. 1°, n.os 5 e 6 do REASP.
Para efeitos do REASP são considerados “Material e equipamento de segurança“quaisquer sistemas ou dispositivos de segurança e proteção, elétricos e ou eletrónicos, destinados a detetar e a sinalizar a presença, entrada ou tentativa de entrada de um intruso em edifícios ou instalações protegidas, a prevenir a entrada de armas, substâncias e artigos de uso e porte proibidos ou suscetíveis de provocar atos de violência no interior de edifícios ou locais de acesso vedado ou condicionado ao público, bem como a controlar o acesso de pessoas não autorizadas, a detetar a prática de furtos e a capturar, registar e visualizar imagens de espaço protegido” - cfr. art. 2 °, al.s h), do REASP.
Nos termos do art. 8.°, n.° 3 e 4 do REASP e art. 100.°, n.° 1, da Portaria n.° 273/2013, de 20 de agosto, os postos de combustível são obrigados a adotar um sistema e medidas de segurança, que no mínimo inclua: a) A instalação de um sistema de videovigilância; b) A instalação de dispositivos de segurança e proteção.
Nos termos do art. 31.°, n.0 2, do REASP “As gravações de imagem obtidas pelos sistemas videovigilância são conservadas, em registo codificado, pelo prazo de 30 dias contados desde a respetiva captação, findo o qual são destruídas, no prazo máximo de 48 horas”. Mais estatui o art. 59.0, n.0 1, al. p) do REASP que “constituem contraordenações muito graves: (...) O incumprimento do disposto nos n.os 1, 2 e 8 do artigo 31.° e no artigo 35.°;”.
Assim, consubstancia uma contraordenação que é qualificada como muito grave o incumprimento da obrigação de efetuar o registo codificado das gravações de imagem obtidas pelos sistemas videovigilância pelo prazo de 30 dias contados desde a respetiva captação que é imputável, tanto às entidades titulares de alvará ou de licença para o exercício dos serviços previstos nas alíneas a), c) e d) do n.° 1 do artigo 3.° autorizadas a utilizar sistemas de vigilância por câmaras de vídeo para captação e gravação de imagem, como às entidades obrigadas a adotar medidas de segurança, designadamente, a instalação de um sistema de videovigilância.
In casu, a arguida não é uma entidade titular de alvará ou de licença para o exercício de serviços de segurança privada, mas uma entidade obrigada a adotar medidas de segurança, pois que explora um posto de abastecimento de combustível no âmbito da sua atividade económica.
Nessa medida, possui, em conformidade com a lei, um sistema de videovigilância, o qual, em ........2019, não estava a preservar as imagens pelo período de 30 dias, mas apenas por um período de 14 dias.
Não se apurou que a arguida tivesse encarregado uma empresa de segurança titular de Alvará ou de licença para efeitos de monotorização externa do seu sistema, mas tão só que contratou a ... para proceder “instalação e manutenção do sistema de videovigilância”, onde se incluiu os serviços de assistência técnica ao mencionado sistema.
Nessa medida, sendo a arguida a responsável pelo sistema de videovigilância, era a esta que cabia garantir a respetiva conformidade do sistema com os normativos legais.
Não obstante, apurou-se que a arguida não agiu com o dever de cuidado a que estava obrigada e que era capaz, tendo adotado um comportamento pouco zeloso e diligente, desfasado do tipo de atuação que um explorador/proprietário de um estabelecimento como o dos autos, normalmente avisado e cauteloso adotaria, não se tendo certificado de que o sistema de videovigilância instalado no seu estabelecimento se encontrava a gravar/conservar imagens pelo período estipulado na lei que é de 30 dias.
Resulta, assim, que a arguida agiu com negligência, em conformidade com o disposto nos arts. 15.°, al. a) do CP - “Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz: a) Representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas actuar sem se conformar com essa realização;” - ex vi art. 32.° do RGCO ex vi art. 62.° do REASP.
O presente tipo contraordenacional é punido a título de negligência, nos termos do art. 59.°, n.° 8, do REASP.
Acresce que não se verificam quaisquer causas de exclusão da culpa e da ilicitude.
Face ao exposto, resultam preenchidos os elementos objetivo e subjetivo do tipo contraordenacional imputado à arguida, pelo que se conclui que a mesma praticou uma contraordenação muito grave p. e p. pelos arts. 31.°, n. ° 2 e 59.°, n.° 1, al. p) do REASP.
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2. Sanção
Nos termos do art. 59.°, n.° 4, al. c), do REASP “Quando cometidas por pessoas coletivas, as contraordenações previstas nos números anteriores são punidas com as seguintes coimas: (...) c) De 15 000 (euro) a 44 500 (euro), no caso das contraordenações muito graves ”.
Temos, assim, que a moldura do ilícito contraordenacional aqui em causa seria de 15.000,00 € a 44.500,00 €. Considerando a intensidade da culpa da arguida, reportada ao tipo de culpa negligente, a inexistência de beneficio económico e as exigências de prevenção do caso concreto, a entidade administrativa entendeu adequado e justo aplicar à arguida uma coima situada no mínimo legal, no valor de € 15.000,00.
Dispõe o art. 18.°, n.° 1 do RGCO, ex vi art. 62.° do REASP, que “A determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação.”
Mais estabelece o art. 59.°, n.° 9, do REASP que “Nos casos de cumplicidade e de tentativa, bem como nas demais situações em que houver lugar à atenuação especial da sanção, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos para metade”.
No que concerne à gravidade da contraordenação, há que atentar ao bem ou interesse jurídico que a mesma visa tutelar e, por outro lado, ao eventual benefício retirado pelo agente da prática daquela e do resultado ou prejuízo causado.
No que concerne à gravidade da culpa do agente, ela depende fundamentalmente da forma como o mesmo agiu, isto é, com dolo ou negligência, bem como do grau de dolo - direto, necessário e eventual - e da negligência - simples ou grosseira.
Assim, relativamente à gravidade da contraordenação, importa atender aos objetivos visados pela Lei n.° 34/2013, de 16 de maio, e pela Portaria n.° 273/2013, de 20 de agosto, através das quais o legislador pretendeu clarificar o objeto da segurança privada, tendo em conta as crescentes solicitações e necessidades de segurança dos cidadãos, a par da obrigação de adaptação do ordenamento jurídico nacional ao direito comunitário, mantendo os princípios enformadores do exercício da atividade de segurança privada, concretamente a prossecução do interesse público e a complementaridade e subsidiariedade face às competências desempenhadas pelas forças e serviços de segurança.
In casu, é certo que a arguida com na sua conduta incumpriu as obrigações legais que sobre ela impendiam, não se tendo certificado de que o sistema de videovigilância instalado no seu estabelecimento se encontrava a gravar/conservar imagens pelo período estipulado na lei que é de 30 dias. Todavia, não se apurou que com o seu comportamento se tenha concretizado a efetiva lesão de algum bem jurídico.
Acresce que a arguida agiu com culpa negligente, pelo que a mesma não é acentuada.
Relativamente à situação económica da arguida, apesar do seu elevado capital social, desconhecem-se as suas despesas e receitas.
Por outro lado, não se apurou que a arguida tenha retirado qualquer benefício económico da infração cometida.
Acresce que não há notícia de antecedentes contraordenacionais.
Em conformidade, sopesados todos os aludidos elementos, considerando a elevada gravidade da infração, a reduzida da culpa da arguida, que atuou a título negligente, a ausência de benefício económico e a ausência de antecedentes contraordenacionais, o Tribunal entende estarem verificados os pressupostos para a atenuação especial, sendo a moldura do ilícito contraordenacional de € 7.500,00 a € 22.250,00.
Em face dos mencionados elementos, o Tribunal entende ser justo e adequado fixar-se a coima no mínimo legal de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) - cfr. art. 72 ° - A, n.° 1 e 2, a contrario, do RGCO.
Em face da gravidade do ilícito contraordenacional, está excluída a possibilidade de substituição da coima aplicada pela admoestação - cfr. art. 51° do RGCO ex vi art. 62° da Lei n.° 34/2013.
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V. Decisão
Em face do exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso e, em consequência, decide-se:
1. Condenar a arguida J. H. ..., ... pela prática, na forma negligente, de uma contraordenação muito grave, p. e p. nos termos conjugados dos arts. 31°, n.° 2 e 59°, n.° 1, al. p) e n.° 4, al. c), do REASP, numa coima no valor de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros)
(…)» (negrito nosso nas transcrições e excertos da decisão administrativa).
1. Do recurso
1. Da nulidade da decisão administrativa
Veio a recorrente manifestar discordância da decisão recorrida na parte em que julgou improcedente a invocada nulidade da decisão administrativa por insuficiente análise crítica da prova e falta de indicação dos factos não provados; sustenta ainda essa nulidade na falta de fundamentação da alegação de que a arguida demonstrou um comportamento pouco zeloso e diligente e na omissão de quaisquer dados relativos à sua situação económica, o que se mostra essencial na fixação da coima.
Entende que ficou prejudicada no seu direito de defesa mercê do vício invocado.
Argui que ao decidir no sentido da inexistência de nulidade da decisão administrativa, o Tribunal a quo procedeu a uma incorreta interpretação e aplicação dos artigos 29°, 32° e 205° da Constituição da República Portuguesa, 18°, 32°, 41° e 58° do RGCO e 374°/2 e 379º do Código de Processo Penal, o que implica a nulidade do procedimento contraordenacional e, consequentemente, da decisão.
Pelo meio (conclusão 18.), sem daí extrair qualquer específica consequência, aduz que a decisão administrativa foi notificada à arguida após o decurso do prazo de preservação legal das imagens de CCTV, não tendo a arguida tido a oportunidade e possibilidade de fazer qualquer prova adicional.
Cumpre decidir.
Começando logo por aqui, cumpre referir que não vindo invocado a este propósito qualquer vício formal, nem se divisando vício de que cumpra conhecer oficiosamente nesta sede, nada há a decidir neste particular; de resto, os tribunais não se debruçam sobre “possibilidades” ou “hipóteses”, senão sobre factos concretos e normas jurídicas; a recorrente não se reporta à violação de um qualquer prazo para notificação da decisão administrativa, sequer é mencionada que prova adicional deixou de produzir mercê do facto que indica.
No concernente à invocada nulidade da decisão administrativa, a recorrente reitera na prática tudo quanto alegou no recurso de impugnação junto da primeira instância e que, diga-se, obteve na decisão recorrida uma resposta assertiva, exaustiva e a nosso ver acertada, pouco ou nada havendo a acrescentar.
Na verdade, afigura-se-nos incorrer a arguida em alguma confusão, procurando equiparar a decisão administrativa a uma verdadeira decisão judicial, sujeita aos mesmos requisitos materiais e de forma, quando, manifestamente não é o que resulta da lei.
Senão vejamos.
Dispõe a este propósito o art. 58º do Regime Geral das Contraordenações aprovado pelo D.L. 433/82, de 27/10, doravante referenciado pela sigla RGCO, o seguinte:
«1 - A decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter:
a. A identificação dos arguidos;
b. A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas;
c. A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão;
d. A coima e as sanções acessórias.
2. - Da decisão deve ainda constar a informação de que:
a. A condenação se torna definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada nos termos do artigo 59.º;
b. Em caso de impugnação judicial, o tribunal pode decidir mediante audiência ou, caso o arguido e o Ministério Público não se oponham, mediante simples despacho.
3. - A decisão conterá ainda:
a. A ordem de pagamento da coima no prazo máximo de 10 dias após o carácter definitivo ou o trânsito em julgado da decisão;
b. A indicação de que em caso de impossibilidade de pagamento tempestivo deve comunicar o facto por escrito à autoridade que aplicou a coima.» (negrito nosso).
Como decorre deste normativo, nenhuma exigência é feita quanto a um exame crítico das provas que serviram para formar a convicção da autoridade administrativa, conforme expressamente se consagra para a sentença no art. 374º/2 do Código de Processo Penal.
De resto, como se sublinha na sentença recorrida, com indicação de vários arestos superiores no mesmo sentido, não é exigível em sede de decisão administrativa o mesmo grau de fundamentação que se exige para uma sentença.
Isso mesmo resulta de comum às várias teses doutrinárias em confronto acerca do vício verificado quando não são cumpridos os requisitos do citado art. 58º do RGCO e/ou os requisitos típicos da sentença, com António Beça Pereira2 a defender estarmos diante mera irregularidade nos termos do art. 123º do Código de Processo Penal, não sendo aplicável o disposto no art. 379º do Código de Processo Penal; Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa3, Oliveira Mendes e Santos Cabral4, que entendem que a inobservância dos requisitos do nº 1 do art. 58º do RGCO determina a nulidade da decisão de harmonia com o preceituado nos artigos 374º/2 e 3 e 379º/1, a), ambos do Código de Processo Penal, aplicáveis ao processo contraordenacional ex vi do artigo 41º RGCO.5
Na verdade, os defensores da aplicação à decisão administrativa das regras relativas às formalidades da sentença e nulidade da mesma pela sua inobservância, salvaguardam, ainda assim, que por nos encontrarmos no domínio de uma fase administrativa, sujeita às características da celeridade e simplicidade processual, o dever de fundamentação deverá assumir uma dimensão qualitativamente menos intensa do que a requerida para a sentença penal.
Ponto é que resultem dessa decisão claras as razões de facto e de direito que levaram à condenação, possibilitando ao arguido atacar os seus fundamentos e dela se defender, nomeadamente, em sede de impugnação judicial, mas também permitir ao tribunal conhecer o processo lógico de formação da convicção.
Ora, como foi escalpelizado na decisão recorrida, que acima se transcreveu, a decisão administrativa foi clara na sua fundamentação de facto e de direito, contendo mesmo um breve exame crítico da prova, e a arguida recorrente compreendeu-a na sua plenitude, tendo em conformidade exercido o seu direito de defesa, impugnando-a quanto ao mérito (como voltou a fazer neste recurso) e obtido nessa sequência decisão judicial de confirmação daquela decisão.
Foram, pois, observados todos os normativos aplicáveis, mormente o disposto no art. 32º/10 e no art. 205º, da Constituição da República Portuguesa (não se divisando a pertinência da invocação do disposto no respetivo art. 29º, relativo à aplicação da lei criminal), tão pouco o disposto nos arts. 374º/2 e 379º, do Código de Processo Penal, pois que, mesmo admitindo que se apliquem às decisões administrativas em procedimento contraordenacional, ainda assim a fundamentação da decisão administrativa mostra-se, in casu, suficiente e compreensível, acautelando os direitos de defesa da arguida.
De resto, como salientado na decisão recorrida, tendo sido ouvida nessa sede administrativa uma testemunha indicada pela defesa, AA, houve o cuidado de fazer a análise do resultado probatório extraído desse depoimento, considerando-se irrelevante sob o ponto de vista do Direito o facto a cuja prova se destinava; ou seja: pretendia a recorrente sustentar (como sustenta ainda nesta sede recursiva) que o facto de ter contratado empresa para cuidar do sistema de videovigilância seria o suficiente para afastar a imputada negligência no cumprimento dos deveres que sobre si impendem nesta matéria, “passando” essa responsabilidade para a dita empresa por si contratada – cfr. 28. e seguintes da defesa escrita apresentada já na fase administrativa - o que, de forma fundamentada, foi rejeitado pela autoridade administrativa.
Sucede, apenas, que a recorrente não concorda com essa decisão e a aplicação do Direito que aí se efetuou, tão pouco com a decisão recorrida que a confirmou em sede de impugnação judicial; mas essa é uma questão de mérito, a tratar em sede própria.
Acompanhamos aqui, de resto, o expendido no acórdão da Relação de Coimbra de 06/02/20136, nos termos do qual, havendo recurso de impugnação, não faz muito sentido continuar a apelar a eventuais falhas da decisão administrativa, posto que a remessa do processo ao juiz inicia uma nova fase, cuja decisão como que substitui aquela que havia sido tomada na fase administrativa.
Com efeito, no âmbito da impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, o juiz julga o caso com amplos poderes de substituição, podendo ordenar o arquivamento do processo, absolver o arguido ou manter ou alterar a condenação, tudo como previsto no art. 64º do RGCO.
Neste caso, a decisão da impugnação judicial não apenas afastou a invocada nulidade da decisão administrativa, em termos que corroboramos, como proferiu nova decisão contendo todos os requisitos da sentença que a recorrente, num amplo exercício do seu direito de defesa, vem agora questionar em sede de recurso para esta Relação.
Não se divisa ademais qualquer outro vício que determine, como peticionado a declaração de nulidade do procedimento contraordenacional.
Cremos, pois, inultrapassável a conclusão de que, nem a decisão administrativa, nem a subsequente decisão sobre a sua impugnação judicial ora recorrida, enfermam de qualquer vício formal, mormente de nulidade, sendo que nenhuma delas pôs em causa os direitos de defesa da arguida recorrente.
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Dito isto, apenas três notas quanto ao conteúdo das conclusões do recurso neste particular.
Primeira: o alegado nas conclusões 6. e 7., diz respeito à produção da prova na fase administrativa e ao procedimento operacional adotado na fiscalização que deu origem ao auto de notícia, nada tendo que ver com o cumprimento das formalidades da decisão administrativa em que fundamenta a recorrente a arguição da sua nulidade; não são, de resto, extraídas quaisquer outras consequências jurídicas do que aí se alega; diga-se que, cabendo à autoridade administrativa investigar os factos, não se encontra vinculada à produção de qualquer meio de prova, ou sequer a produzir os que são requeridos pelos arguidos.7
Segunda: o alegado nas conclusões 8. a 12. foi já exaustivamente tratado na decisão recorrida, que subscrevemos, importando sublinhar que não corresponde à verdade o alegado na conclusão 10., conforme se refere e demonstra naquela decisão, na qual se transcrevem os trechos da decisão administrativa em que consta a apreciação do depoimento de AA, representante da ..., embora no sentido da irrelevância do facto a cuja prova se destinaria; de notar que desse depoimento decorre a assunção de que, efetivamente, o sistema de videovigilância estava a preservar imagens gravadas apenas relativamente aos últimos 14 dias (o que se imputou a razões técnicas de erro do sistema), contrariando o que se afirmara na defesa escrita.
Terceira: como referido, embora na conclusão 13. se queixe a recorrente de a decisão administrativa lhe ter sido notificada após o decurso do prazo de preservação legal das imagens de CCTV, não tendo tido oportunidade e possibilidade de fazer qualquer prova adicional, não extrai daí qualquer consequência, não invocando vício decorrente desse facto; também não indica que norma jurídica foi aí concretamente violada, nem desvenda que prova adicional faria se tivesse sido notificada anteriormente da decisão administrativa.
Improcede, pois, nesta parte o recurso.
1. Da contradição insanável da fundamentação da decisão recorrida e do erro notório da apreciação da prova
Conforme resulta das conclusões 15. e seguintes, a recorrente insurge-se contra a decisão proferida pela primeira instância sobre a matéria de facto.
Isto porque haveria contradição insanável entre a prova dos factos sob os pontos 4 e 5, e a não prova de que competia à ... assegurar o controlo e respeito efetivo sobre os sistemas de videovigilância, assim como em seu entender ocorre erro notório na apreciação da prova decorrente da assunção do pressuposto de que a recorrente poderia intervir no sistema de CCTV apesar de ter contratado para esse efeito a ..., e de que estaria obrigada a contratar a monitorização externa do sistema de CCTV.
Pois bem.
Importa então indagar se ocorrem os vícios identificados, não sem antes, de forma breve, explicitar em que consiste cada um deles com reporte às especificidades do recurso da matéria de facto em processos de contraordenação.
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2.2.2.1 O recurso da matéria de facto em processo de contraordenação
Dispõe o art. 75º/1 do RGCO que «Se o contrário não resultar deste diploma, a 2.ª instância apenas conhecerá da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões.».
Desta disposição decorre que, em matéria de recurso de decisões relativas a processos de contraordenação, o Tribunal da Relação funciona como tribunal de revista e como última instância, estando o seu poder de cognição limitado à matéria de direito, embora sem prejuízo do conhecimento oficioso8 de qualquer dos vícios indicados no nº 2 do art. 410º do Código de Processo Penal, subsidiariamente aplicável por força do disposto no art. 41º/1 do RGCO (revista ampliada).9
Ciente disso mesmo estará a própria recorrente que funda a impugnação da matéria de facto que deduz na invocação da existência de contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, com previsão na alínea b) do citado art. 410º/2, e erro notório na apreciação da prova, com previsão na respetiva alínea c).
No entanto, ainda assim, fá-lo em termos tais que mais parece pretender uma reavaliação da prova produzida por discordar da leitura que da mesma foi feita pelo Tribunal a quo, revelando, ademais, alguma confusão entre as duas formas que existem de reagir contra eventuais erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto: por um lado, a invocação dos vícios previstos no art. 410º/2, na revista alargada, e, por outro, a impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o art. 412º/3 e 4.
No primeiro caso, o recurso pode ter como fundamento qualquer dos seguintes vícios, previstos nas várias alíneas do nº 2 do art. 410º:
a. insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b. contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c. erro notório na apreciação da prova.
Conforme resulta expressis verbis deste preceito, os vícios aí referidos, constituindo um defeito estrutural da decisão, têm de resultar do respetivo texto, na sua globalidade, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, estando vedado o recurso a elementos a ela estranhos para os fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento10. Tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença e esta terá que ser autossuficiente quanto a eles, não se podendo recorrer à prova documentada.
Diversamente, na impugnação ampla, o erro de julgamento pressupõe que a prova produzida, analisada e valorada, não podia conduzir à fixação da matéria de facto provada e não provada nos termos em que o foi, ocorrendo quando o Tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tenha sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado, ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado; o recurso visa, então, a reapreciação da prova gravada em primeira instância, impondo-se a sua audição pelo Tribunal de recurso, cujos poderes de cognição não se restringem ao texto da decisão recorrida, como acontece com os vícios previstos no art. 410º/2, alargando-se à apreciação do que contém e se pode extrair da prova documentada e produzida em audiência, sempre delimitada pelo recorrente através do ónus de especificação previsto nos nºs 3 e 4 do art. 412º.
Em suma: no âmbito da revista alargada, aqui em causa, contrariamente ao que sucede com a impugnação ampla, o tribunal de recurso não conhece da matéria de facto no sentido da reapreciação da prova, limitando-se a detetar os vícios que a sentença em si mesmo evidencia e, não podendo saná-los, a determinar o reenvio do processo para novo julgamento tendo em vista essa sanação, nos termos do disposto no art. 426º/1.
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2.2.2.2. Da alegada contradição insanável da fundamentação
Especificamente quanto ao vício da contradição insanável a que alude art. 410º/2,b), refere-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/03/201511, que «(…) o vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão verifica-se quando no texto da decisão constem posições antagónicas ou inconciliáveis, que se excluam mutuamente ou não possam ser compreendidas simultaneamente dentro da perspetiva de lógica interna da decisão, tanto na coordenação possível dos factos e respetivas consequências, como nos pressupostos de uma solução de direito.».
Nas palavras de Simas Santos e Leal Henriques12, «por contradição, entende-se o facto de afirmar e de negar ao mesmo tempo uma coisa ou a emissão de duas proposições contraditórias que não possam ser simultaneamente verdadeiras e falsas, entendendo-se como proposições contraditórias as que tendo o mesmo sujeito e o mesmo atributo diferem na quantidade e qualidade.».
Tal vício consiste, assim, numa incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre a fundamentação ou entre esta e a decisão.
A contradição insanável da fundamentação respeita não só à contradição na própria matéria de facto (entre os factos provados ou entre estes e os não provados), mas também à contradição na fundamentação probatória da matéria factual.
Assim, pode afirmar-se que há contradição insanável da fundamentação quando, através de um raciocínio lógico, se conclua pela existência de oposição insanável entre os factos provados, entre estes e os não provados, ou até na fundamentação probatória da matéria de facto.
Com efeito, tal contradição da fundamentação pode consistir basicamente numa incompatibilidade entre a matéria de facto provada, quando, por exemplo, se dão como provados dois ou mais factos que estão, entre si, em oposição, sendo, por isso, logicamente incompatíveis, excluindo-se mutuamente; ou numa incompatibilidade entre a matéria de facto provada e a matéria de facto não provada, dando-se, por exemplo, como provado e como não provado o mesmo facto; ou ainda numa incoerência da fundamentação probatória da matéria de facto, como por exemplo quando se dá como provado um determinado facto e da motivação da convicção resulta, face à valoração probatória e ao raciocínio lógico-dedutivo exposto, que seria outra a decisão de facto correta.13
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Entende a recorrente que existe essa contradição insanável na fundamentação da decisão recorrida porquanto não podia o Tribunal a quo ter dado como provado que:
4. A arguida contratou a ... para proceder à instalação e manutenção do sistema de videovigilância.
5. Mediante acordo escrito celebrado entre a arguida e a ..., esta comprometeu-se a prestar àquela assistência técnica ao sistema de videovigilância.
E ao mesmo tempo, dar como não provado que:
a. Competia à ... assegurar o controlo e respeito efetivo sobre os sistemas de videovigilância.
Ora, do mero confronto destes factos se evidencia inexistir contradição insanável, tão pouco se divisa na fundamentação da decisão recorrida qualquer contradição.
Isto porque, na realidade, a recorrente confunde a oposição entre a sua própria convicção pessoal sobre a prova documental e testemunhal produzida em audiência e a convicção que o tribunal firmou sobre a mesma, questão do âmbito da livre apreciação da prova, sendo que na revista ampliada e conhecimento dos vícios do art. 410º/2, em que nos situamos, o que releva é a convicção formada pelo tribunal plasmada na sentença recorrida e a sua coerência interna, sendo, pois, irrelevante a convicção pessoalmente alcançada pelo recorrente.
Senão vejamos.
Olhando aos factos provados em 4 e 5 e ao facto não provado, não vemos onde possa residir a contradição, visto que são perfeitamente compagináveis, como se compaginaram, de resto, na fundamentação da decisão recorrida.
Assim, a contratação de uma empresa para instalar e fazer a manutenção de um sistema de videovigilância, prestando assistência técnica, não contraria o facto nem é incompatível com a não prova de que competisse a essa empresa assegurar o controlo e respeito efetivo sobre os sistemas de videovigilância.
O Tribunal a quo expendeu a seguinte fundamentação acerca desta matéria:
«(…)
Em sede de declarações, sustentou o legal representante da arguida que contratou com a ..., aquando da aquisição do sistema de videovigilância, um serviço de assistência técnica, com manutenções anuais, entendendo que por força desse contrato é a ... que se certifica da conformidade do sistema.
Contudo, questionado sobre esta circunstância, o legal representante da ..., a testemunha EE foi perentório em afirmar que é o responsável pelo sistema que se deve certificar que o mesmo se encontra a gravar a 30 dias, sendo este, no caso concreto, a arguida. Mais referiu que a arguida tem na sua posse as senhas necessárias para o efeito.
Tais declarações mostram-se concordantes com o teor do contrato de prestação de serviços celebrado entre a arguida e a ..., junto pela própria em sede de audiência de julgamento, com ref.a citius 54942181 de ........2023, do qual resulta que a ... se compromete a prestar à arguida serviços de assistência técnica ao sistema de videovigilância. No mencionado acordo é referido, entre o mais, que “Sempre que se verifiquem quaisquer anomalias no funcionamento das instalações, deverá o 2.° contratante [... ...,] solicitar a assistência do 1.° Contratante, que se obriga a mandar proceder às necessárias reparações o que pressupõe, necessariamente, que a pessoa responsável por se certificar da conformidade do sistema é a arguida.
Com efeito, tratando-se de um contrato de assistência técnica, o qual prevê visitas de manutenção preventiva “1 ou 2 (uma ou duas) ou as que forem necessárias’'’ e manutenção corretiva sempre que necessário, tal implica que a arguida solicite à ... a reparação de qualquer anomalia que surja entre as visitas de manutenção preventiva, devendo, para tanto, certificar-se com habitualidade da conformidade do sistema.
A arguida juntou, ainda, um documento referente à autorização da Comissão Nacional de Proteção de Dados para o tratamento dos dados pessoais resultante da videovigilância, onde o responsável pelo referido tratamento é a arguida. Do mencionado documento consta a informação de que “Não há transmissão das imagens para o exterior do local da instalação do sistema”. Em conformidade, não havendo transmissão das imagens para o exterior do sistema, designadamente para efeitos de monotorização externa do próprio sistema, significa, necessariamente, que a verificação da conformidade do sistema deve ser aferida localmente. Por conseguinte, não pode a ... a certificar-se da conformidade do sistema sem que, previamente, seja alertada para isso pela própria arguida, proprietária do sistema, pois que aquela não consegue, à distância, comprovar o respeito pelo prazo de conservação das imagens.
Nessa conformidade, em face das declarações do legal representante da ..., EE, conjugadas com o teor dos aludidos documentos, o Tribunal convenceu-se de que o acordo celebrado entre a arguida e a ..., ao prever a instalação e posterior manutenção do sistema visa, a prestação de serviços de assistência técnico, não sendo a ..., por efeito desse acordo, a responsável pelo sistema de videovigilância, não se acolhendo as declarações do legal representante da arguida.
Ao invés, dúvidas não restam para o Tribunal de que é a arguida a responsável pelo sistema, na qualidade de sua proprietária e utilizadora, cabendo a esta a obrigação de se certificar da conformidade do mesmo com os normativos legais.
Mais juntou a arguida diversos documentos correspondentes a relatórios de assistência, declaração de manutenção e declaração de conformidade do sistema, não sendo nenhum de uma data próxima à fiscalização que deu origem a estes autos, pelo que não têm a virtualidade de convencer o Tribunal de que a arguida cumpriu com os seus deveres de cuidado, certificando-se da conformidade do sistema à data dos factos imputados.
Todavia, foi junto pela própria testemunha EE, legal representante da ..., um relatório de assistência técnica, datado de ........2019, sob ref.a citius 5104768 de ........2023.
Em face da data aposta no mencionado documento, verifica-se que o mesmo é da semana anterior à ação de fiscalização em causa nos autos. Contudo, é de considerar que o legal representa da arguida, não referiu a existência dessa manutenção em ........2019, mas apenas outras duas que terão ocorrido a ........2018 e ........2019.
Ora, considerando que a ocorrência de uma visita de manutenção na semana anterior à fiscalização que deu origem a estes autos poderia ser tida como um facto favorável à arguida, certamente, de acordo com as regras da experiência comum, da lógica e da razoabilidade, que o seu legal representante a teria referido ao prestar declarações, o que não fez.
Por outro lado, não podemos deixar de valorar em desfavor da arguida, a circunstância de este documento, alegadamente emitido uma semana antes da fiscalização, apenas ter surgido no decurso da audiência de julgamento, quando, atenta a data da sua emissão, podia ter sido junto em momento anterior, sendo desconhecido do próprio legal representante.
É certo que EE, legal representante da ... confirmou a ocorrência desta manutenção. Porém, não se pode deixar de relevar a relação comercial existente entre si e a arguida, comprometendo, necessariamente, a sua isenção nesta parte.
Ademais, a mencionada testemunha, não obstante não ter conhecimento direto dos factos, focou-se em tentar justificar o sucedido com as condições meteorológicas da Ilha, eventuais prolemas energéticos, anomalias no disco, pautando o seu discurso por afirmações vagas e genéricas e sem qualquer respaldo em elementos objetivos de prova, pelo que as suas declarações não mereceram acolhimento do Tribunal nesta parte.
No que concerne ao outro relatório de assistência técnica junto pelo legal representante da ..., este da semana posterior à fiscalização, atenta a data em causa, o mesmo não convence do cumprimento dos deveres de zelo por parte da arguida.
(…)».
Explica, assim, o Tribunal recorrido, de forma consistente e coerente, diríamos até exaustivamente, o processo lógico que conduziu à conclusão de que o acordo celebrado entre a sociedade arguida e a ... visava apenas a instalação e posterior manutenção do sistema de videovigilância, com prestação de serviços de assistência técnica, não decorrendo daí que fosse essa empresa a responsável pela conformidade desse sistema com os normativos legais aplicáveis.
Isto porque, na qualidade de sua proprietária e utilizadora, cabia à sociedade arguida a obrigação de se certificar dessa conformidade.
Neste quadro, não vemos onde esteja a incorreta alusão à monitorização externa do sistema de videovigilância e incorreta perceção do conceito técnico de credenciais de acesso e níveis de acesso ao sistema de videovigilância, pretendendo agora a recorrente atribuir à ... uma titularidade (da qual se exclui) da credencial de ... do sistema operativo, que permite aceder às configurações do sistema, incluindo o período de gravação – conclusões 18. a 23..
É que o Tribunal deixou claro, sem qualquer espécie de contradição ou inconsistência, que:
«(…) o legal representante da ..., a testemunha EE foi perentório em afirmar que é o responsável pelo sistema que se deve certificar que o mesmo se encontra a gravar a 30 dias, sendo este, no caso concreto, a arguida. Mais referiu que a arguida tem na sua posse as senhas necessárias para o efeito.
Tais declarações mostram-se concordantes com o teor do contrato de prestação de serviços celebrado entre a arguida e a ..., junto pela própria em sede de audiência de julgamento, com ref.a citius 54942181 de ........2023, do qual resulta que a ... se compromete a prestar à arguida serviços de assistência técnica ao sistema de videovigilância. No mencionado acordo é referido, entre o mais, que “Sempre que se verifiquem quaisquer anomalias no funcionamento das instalações, deverá o 2.° contratante [... ...,] solicitar a assistência do 1.° Contratante, que se obriga a mandar proceder às necessárias reparações o que pressupõe, necessariamente, que a pessoa responsável por se certificar da conformidade do sistema é a arguida.».
Como daqui se vê, o Tribunal considerou assente com base em prova testemunhal e documental, livremente apreciada segundo regras de lógica e de experiência, que, ao contrário do afirmado no recurso, a arguida era detentora da credencial de acesso ao sistema operativo do sistema de videovigilância instalado no seu posto de abastecimento de combustíveis.
E isso não entra em contradição com qualquer outra afirmação feita nessa fundamentação ou qualquer facto considerado provado ou não provado na decisão recorrida.
Não pode, pois, a recorrente valer-se nesta sede, conforme acima se explicitou, da confrontação com o que não consta da decisão escrutinada, tão pouco com elementos de prova admitidos e analisados pelo Tribunal a quo, os quais simplesmente valora diversamente.
Mas é o que acaba por fazer a recorrente, entre outras, nas conclusões 24. a 30., ao chamar a atenção para detalhes dos documentos analisados na decisão recorrida que a seu ver imporiam uma diferente convicção quanto à valoração da prova produzida, procurando, à viva força, alterar a convicção livremente formada pelo Tribunal a quo, o que nesta sede recursiva, conforme se disse, se encontra vedado.
Chega a recorrente a contestar a não atribuição de efeito probatório a documentos juntos aos autos, como os relatórios de assistência técnica, mormente o datado de .../.../2019, sendo que o Tribunal recorrido explicita as razões pelas quais não o considera como prova credível da efetivação da assistência a que se reporta.
Pretende a recorrente que, por ter sido admitida a junção de tais documentos aos autos, hajam de ser valorados os mesmos no sentido que preconiza, e, na dúvida, em seu favor, como decorrência do princípio in dubio pro reo.
Todavia, como decorre da fundamentação de facto da decisão recorrida, o Tribunal a quo não teve dúvidas em não conferir credibilidade àquele concreto documento e explicitou-o de forma assertiva, racional e lógica, sem qualquer inconsistência ou contradição.
De resto, assoma como completamente desfasada e até injusta a censura dirigida à decisão recorrida por falta de exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção – conclusão 34..
Na verdade, a decisão recorrida contém uma laboriosa fundamentação em que se procura, de forma clara, articulada e coerente, explicitar o percurso lógico seguido até à decisão, num exame crítico exaustivo da prova, com reporte aos factos que a defesa pretendia fazer valer na impugnação judicial.
Não ocorre, pois, qualquer violação legal muito menos do disposto nos arts. 127º e 374º/2 do Código de Processo Penal, ou do art. 32º da Constituição da República Portuguesa.
Pelo que, nesta parte, não procede o recurso.
3. Do erro notório da apreciação da prova
O erro notório na apreciação da prova verifica-se quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis, mas também quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou efetuou uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.
Existe, pois, tal vício quando o tribunal valoriza a prova contra critérios legalmente fixados e/ou contra as regras da experiência comum, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente.14
Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido. O erro há de ser tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de particular exercício mental, as provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida extraiu ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica provada ou excluindo dela algum facto essencial.
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Ora, sustenta a recorrente que não pode ser condenada pela referida contraordenação, porquanto, na prática, teria tudo feito ao seu alcance para dar cumprimento às prescrições legais em matéria de videovigilância do seu posto de abastecimento de combustíveis, tendo inclusivamente endereçado a uma outra empresa, a ..., os serviços relativos à operação do sistema de videovigilância aí instalado.
Cumpriu, assim, com a sua obrigação de meios, mais lhe não sendo exigível.
Entende que, por isso, não lhe pode ser assacada uma conduta negligente pelo facto de o sistema não se encontrar programado para a conservação das imagens gravadas pelo período de 30 dias, mas apenas por 14 dias.
Deduz-se da sua alegação, embora tal não seja alegado de forma expressa, que em seu entender, caberia, portanto, àqueloutra empresa de alarmes verificar se o sistema estava a efetuar a gravação de acordo com o legalmente prescrito.
O Tribunal a quo teria errado na apreciação da prova, sumariamente, por ter considerado que a recorrente podia intervir no sistema de videovigilância, punindo-a por algo que não estava sob o seu controlo, pois que apenas a empresa por si contratada, a ..., estaria autorizada a operar o sistema; assim como teria errado ao considerar que a recorrente estava obrigada a contratar a monitorização externa do sistema de CCTV – conclusões 36. a 52..
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Diga-se, desde já, que não colhe o sentido dado à afirmação feita na conclusão 39. quanto à exigência de que a operação dos sistemas de videovigilância possa ser efetuada por entidades com alvará ou licença para o exercício de segurança privada, visando autoexcluir-se da possibilidade de aceder e intervir no sistema; isto porque, uma coisa é operar tecnicamente o sistema de videovigilância, o que, requerendo conhecimentos técnicos de que poderão não dispor as entidades obrigadas deve ser assegurado por entidade titular de alvará ou licença para o exercício de segurança privada; outra, será o acesso a esse sistema e até a intervenção no mesmo.
Neste quadro, não será certamente por acaso que a recorrente não afirma que não podia aceder ao sistema operativo do CCTV que tinha instalado no seu estabelecimento para aferir se estava em conformidade com as prescrições legais, se o fizesse entraria em colisão com a realidade em face do que consta do auto de notícia, com um seu funcionário, BB, ante a fiscalização, a aceder de imediato ao sistema, desse modo permitindo a constatação - sem necessidade de intervenção da ...- da desconformidade que deu origem a este processo.
Veja-se que a este propósito o Tribunal a quo fundamenta a decisão em declarações do representante legal da empresa de Alarmes contratada pela arguida segundo as quais esta teria as senhas que lhe permitiram aceder ao sistema para verificar se estava a preservar as imagens gravadas pelo período legal de 30 dias, o que podendo não contrariar o afirmado na conclusão 21. acerca de não ter a credencial de acesso ao sistema na qualidade de ... para intervir no mesmo (facto que não consta do rol de provados e não provados) não permite extrair daí a conclusão pretendida de que nada poderia fazer ante a desconformidade em questão; podia, sem dúvida, constatá-la e, não podendo ou não sabendo efetuar as alterações técnicas necessárias, solicitar à empresa de ... contratada que as efetuasse.
Nesta senda, todos os esforços da defesa no sentido de passar a responsabilidade integral de tudo quanto diga respeito a este sistema de videovigilância para a empresa de ... que contratou para o instalar e operar, prestando assistência técnica, são, pois, inglórios, porquanto esta contratação, diga-se, necessária e normal, não contende nem é impeditiva do acesso ao sistema pela titular do estabelecimento, sobre a qual impende a obrigação de instalação desse sistema e a sua manutenção em bom e correto funcionamento, independentemente das pessoas ou entidades de quem se socorre para dar cumprimento a essa obrigação e deveres à mesma associados.
E é isso que essencialmente aqui está em causa; não o facto de a empresa escolhida para a instalação e assistência técnica ter que ser detentora de alvará e licença para o exercício de serviços de segurança privada, encontrando-se, por isso, autorizada a operar o respetivo sistema, com indicação na sinalética aposta no mesmo; de resto, o facto de essa empresa se encontrar habilitada e autorizada a operar o sistema de videovigilância não exclui obviamente a possibilidade de acesso ao mesmo por parte da obrigada e titular do equipamento, aqui recorrente, como ficou patente no ato da fiscalização que deu origem ao presente processo.
Não está, pois, em causa a observância da sinalética aposta no sistema de videovigilância quanto à habilitação da empresa contratada pela sociedade arguida para instalar e operar o sistema de videovigilância instalado no seu estabelecimento comercial – conclusões 40. a 43..
Bem assim como não se trata de aferir se foram cumpridas todas as demais obrigações legais, mormente com a proteção de dados, decorrentes da instalação daquele sistema de videovigilância, e que nesse particular tivesse a recorrente atuado com zelo e diligência – conclusões 44., 45. a 50..
Está em causa uma obrigação legal imposta desde junho de 2013, com a entrada em vigor da L. 34/2013, de 16/05, por via do seu art. 8º/3 e 4, aos estabelecimentos de abastecimento de combustíveis (assim como às farmácias), de instalarem sistemas de videovigilância com gravação e preservação das imagens pelo período de 30 dias (art. 31º/2).
Como escrito na decisão recorrida, essa obrigação impende, evidentemente, não sobre as empresas contratadas pelos titulares desses postos de abastecimento de combustíveis para a instalação dos sistemas de videovigilância e assistência técnica, mas sobre quem titula e explora esses postos, como decorre expressamente do disposto no art. 8º/4, com remissão para o nº 3, da L. 34/2013, de 16/05.
No caso em apreço, como se provou sem contestação, o posto de abastecimento objeto da fiscalização pertence à recorrente sociedade comercial “... ..., ...” , que se serviu de entidade habilitada a prestar tais serviços de instalação e operacionalização do sistema de videovigilância, a “...”.
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Invoca a recorrente erro interpretativo notório assente em erro notório na apreciação da prova, porquanto a lei não obriga à monitorização externa do sistema de CCTV – conclusões 38., 50. a 54., atribuindo a verificação de uma confusão na sentença recorrida entre as figuras do responsável pela proteção dos dados pessoais e o responsável pela operação do sistema CCTV.
Ora, confusão existe, e muita, mas lançada pela forma como vêm apresentadas as alegações e conclusões do recurso sob apreciação, não na sentença que é, aliás, bastante clara e assertiva.
Na verdade, ao contrário do que se pretende fazer crer, criando uma falsa questão, em momento algum a decisão recorrida refere o que aí consta – a imposição legal de a recorrente encarregar uma empresa de segurança titular de licença ou alvará para efeitos de monitorização externa (permanente e à distância) do seu sistema de CCTV; na fundamentação de direito refere-se a este propósito: «Não se apurou que a arguida tivesse encarregado uma empresa de segurança titular de Alvará ou de licença para efeitos de monotorização externa do seu sistema», o que é muito diferente de se afirmar a existência dessa obrigação; aliás, a fundamentação de facto vai precisamente em sentido contrário: com base no documento junto pela defesa relativo à autorização de tratamento de dados pessoais, emitido pela ..., segundo o qual não poderia haver transmissão para o exterior das imagens colhidas localmente, conclui-se que só localmente poderia ser realizada a aferição da conformidade do sistema; o que inviabilizaria que a “...” detetasse à distância alguma desconformidade, carecendo, por isso, de sinalização do problema por parte da recorrente. E apenas isso.
É, aliás, uma outra falsa questão, como se viu no ato da fiscalização e levantamento do auto de notícia, a questão dos acessos ao CCTV pela sociedade requerente, ou algum dos seus funcionários em cumprimento da Lei de Proteção de Dados, não podendo, de resto, confundir-se o acesso às imagens gravadas com o acesso às definições do sistema – conclusão 56..
Como é óbvio, aceder às definições do sistema não contenderá com dados pessoais; e mesmo o acesso às gravações de imagem pode realizar-se, ainda que de forma registada e condicionada, conforme resulta do disposto no art. 31º/3 e 7 da L. 34/2013:
«(…)
3. Todas as pessoas que tenham acesso às gravações realizadas nos termos da presente lei, em razão das suas funções, devem sobre as mesmas guardar sigilo, sob pena de procedimento criminal.
(….)
7 - Os sistemas de videovigilância devem ter as seguintes caraterísticas:
a) Capacidade de acesso direto às imagens em tempo real pelas forças e serviços de segurança, para efeitos de ações de prevenção ou de investigação criminal, lavrando auto fundamentado da ocorrência;
b) Sistema de alarmística que permita alertar as forças e serviços de segurança territorialmente competentes em caso de iminente perturbação, risco ou ameaça à segurança de pessoas e bens que justifique a sua intervenção;
c) Registo dos acessos incluindo identificação de quem a eles acede e garantia de inviolabilidade dos dados relativos à data e hora da recolha.
(…)» (negrito nosso).
Ou seja: a recorrente e os seus funcionários não podem deixar de ter acesso ao sistema de CCTV instalado no seu estabelecimento, concretamente às respetivas definições, podendo percecionar como se encontra a funcionar, sendo que, a sua falta de conhecimentos técnicos para nele intervir determina tão somente o recurso à assistência técnica contratada para esse efeito a prestar por entidade devidamente licenciada para a atividade de segurança privada.
Inexiste, pois, qualquer erro de interpretação ou de apreciação da prova, sendo correta a interpretação feita dos normativos aplicáveis, concretamente os indicados na conclusão 54..
Também não cabe ao Tribunal cuidar de hipóteses ou eventualidades não confirmadas por factos concretos provados, como a eventualidade de um facto não previsível, imponderável provocar um mau funcionamento do sistema (informático) ou a alegação genérica da falibilidade dos sistemas informáticos – conclusões 57. e 59.
Assim como não vincula o Tribunal o que foi decidido noutro processo, diga-se, com base em factos e provas concretas necessariamente diversos, mesmo que em situação semelhante – conclusão 62..
Em suma: não pode a recorrente ater-se ao facto de ter contratado a “...” para se escusar aos deveres que apenas sobre si impendem, nomeadamente o dever de verificar se o sistema de videovigilância que tem instalado no seu estabelecimento se encontra em conformidade com as prescrições legais.
Assim, ao contrário do alegado no recurso, estava efetivamente sob o controlo da recorrente evitar a infração cometida, se tivesse agido com a diligência e o cuidado que lhe eram exigíveis, verificando da sua conformidade com a lei quanto ao período de preservação da gravação de imagens do CCTV instalado no estabelecimento por si explorado.
E assim sendo, não pode deixar de se concluir como se concluiu na primeira instância:
«(…)
Não obstante, apurou-se que a arguida não agiu com o dever de cuidado a que estava obrigada e que era capaz, tendo adotado um comportamento pouco zeloso e diligente, desfasado do tipo de atuação que um explorador/proprietário de um estabelecimento como o dos autos, normalmente avisado e cauteloso adotaria, não se tendo certificado de que o sistema de videovigilância instalado no seu estabelecimento se encontrava a gravar/conservar imagens pelo período estipulado na lei que é de 30 dias.
Resulta, assim, que a arguida agiu com negligência, em conformidade com o disposto nos arts. 15.°, al. a) do CP - “Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz: a) Representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas actuar sem se conformar com essa realização;” - ex vi art. 32.° do RGCO ex vi art. 62.° do REASP.».
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Significa isto que a matéria de facto que ficou assente na primeira instância se deve considerar fixada por não resultar do texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, a verificação de algum dos vícios a que alude o art. 410º/2, mormente o da contradição insanável da fundamentação ou erro notório na apreciação da prova, invocados pela recorrente.
Nada há, portanto, a censurar à decisão recorrida, sendo totalmente improcedente o recurso.
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III- DISPOSITIVO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam as juízas do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso e, em consequência confirmam a decisão recorrida.
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Custas pela arguida/recorrente, com taxa de justiça de 4 (quatro) unidades de conta, considerando a prolixidade e complexidade das alegações e conclusões do recurso, estas com necessidade de aperfeiçoamento, com dificuldade acrescida de análise daí resultante - arts. 515º/1, b) e 2, do Código de Processo Penal, e 8º/9, do Regulamento das Custas Processuais, com referência à Tabela III anexa a este último diploma.
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Notifique.
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Lisboa,
9 de janeiro de 2024
Ana Cláudia Nogueira
Sandra Oliveira Pinto
Mafalda Sequinho dos Santos
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1. Neste sentido a jurisprudência pacífica e constante, de que são exemplo os acórdãos do STJ de 15/04/2010 e 19/05/2010 acessíveis em www.dgsi.pt .
2. In Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas Anotado, 7.ª edição, Almedina, julho de 2007, pág. 115, nota 2↩︎
3. In Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, 2.ª edição, Dezembro de 2002, Vislis Editores, págs. 334 e 335, anotação 4.
4. In Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, 2ª Edição, Almedina, págs. 157 e 159.
5. Também neste sentido, os acórdãos da Relação de Coimbra de 06/02/2013, relatado por Jorge Dias no processo 471/12.2TBACB.C1., e de 30/03/2022, relatado por Elisa Sales no processo 173/21.9T8TND.C1.
6. Relatado por Jorge Dias no processo 471/12.2TBACB.C1, acessível em www.dgsi.pt.
7. Neste sentido, o acórdão desta Relação de Lisboa de 09/11/2021, proferido por Sandra Pinto, 1ª Adjunta neste acórdão, no processo 1428/19.8T8CSC.L2-5, acessível em www.dgsi.pt.
8. Vide o acórdão uniformizador de jurisprudência referido na nota 2.
9. Neste sentido, os acórdãos da Relação de Lisboa de 08/02/2012, relatado no processo n.º 272/11.5TTBRR.L1-4, e da Relação de Coimbra de 07/10/2015, relatado no processo n.º 1/14.1T8VLF.C1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
10. Vide Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., pág. 729; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., pág. 339; e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., pág. 77 e sgs..
11. No processo 418/11.3GAACB.C1.S1, 3.ª Secção, acessível em www.dgsi.pt .
12. In Código de Processo Penal anotado, II volume, 2ª Edição, 2000, editora Rei dos Livros, Lisboa, pág. 379.
13. Cfr. acórdãos do STJ de 13/03/1996, relatado no processo 48932, e de 11/05/1994, relatado no processo n.º 45987, citados por Simas Santos e Leal-Henriques, in Recursos em processo penal, 5ª ed., 2002, Rei dos Livros, pág. 65.
14. Neste sentido, entre muitos outros, o acórdão do STJ de 15/02/2007, relatado por Costa Mortágua no processo 3174/06 – 5ª Secção, acessível em www.pgdlisboa.pt .