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INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
CAUSA DE PEDIR
FACTOS ESSENCIAIS
LEGITIMIDADE
PROVA POR DOCUMENTOS
Sumário
I – Para que a petição inicial seja considerada apta, basta que nela sejam alegados, de forma substanciada, os factos essenciais, que são aqueles que permitem fundamentar o pedido à luz do enquadramento jurídico feito pelo autor – “as razões de direito que servem de fundamento à ação”, no dizer do art. 552/1, d), do CPC – e, assim, individualizar a ação. II – Não sendo esses factos enquadráveis na previsão das normas jurídicas em que o autor estriba o pedido, nem na de quaisquer outras suscetíveis de conduzirem ao mesmo resultado, a petição inicial será inconcludente, o que terá como consequência a improcedência da ação. III - Para aferir da legitimidade direta não relevam elementos externos ao objeto formal do processo, mas apenas a posição das partes em relação a esse objeto, tal como ele é gizado pelo autor na petição inicial. IV – É de admitir a junção aos autos de documentos apresentados até vinte dias antes da data em que se realize a audiência final e que não sejam impertinentes para a prova dos factos que integram os temas da prova. V – Sem prejuízo, deve ser condenada em multa a parte que apresenta documentos que, não obstante terem sido produzidos depois do articulado em que foram alegados os factos que se destinam a provar, são do seu conhecimento e estão no seu poder há mais de três anos.
Texto Integral
I.
§ 1.º EMP01..., SGPS,
intentou, no dia 21 de dezembro de 2018, a presente ação declarativa, sob a forma comum, contra AA, EMP01..., SA, EMP02..., Lda., BB, CC, DD e EE,
pedindo que:
A) Seja “declarado nulo e de nenhum efeito o negócio de transmissão de quota da Autora a favor da Ré EMP02..., Lda. operada por efeito da escritura celebrado no cartório Notarial do Notário FF, sito em ..., em 24/08/2018, assim como declarada a nulidade dos antecedentes negócios e atos de reconhecimento de dívida da Autora em relação a esta Ré, bem como quanto ao pretenso aval prestado pelo 1º Réu na qualidade de gerente da Autora em letra pretensamente sacada pela mesma Ré no valor de 23.000,00€, condenando-se esta Ré a reconhecer tais nulidades;”
B) Sejam “declarados nulos e de nenhum efeito – condenando-se os RR a reconhecer tais nulidades – os subsequentes atos praticados em relação à Ré EMP01..., SA[1], relativos: i. ao aumento de capital social subsequente; ii. à transformação da Ré EMP01..., SA, de sociedade por quotas em sociedade anónima; iii. à Administração da sociedade Ré EMP01..., SA, designação dos administradores e designação dos demais órgãos, assim como quanto à forma de a vincular;”
C) Seja “ordenado o cancelamento dos registos, inscrições e/ou averbamentos na Conservatória do Registo Comercial referente à matrícula da 2ª Ré e relativos aos atos indicados na alínea antecedente;”
D) Sejam “os RR., como corolário das mencionadas nulidades, solidariamente condenados a restituírem à Autora a quota social, livre de ónus e/ou encargos, de que esta era titular na 2ª Ré antes da transmissão dessa quota pelo 1º Réu, pelo mesmo valor nominal de 4.750,00€, devendo a sociedade regressar ao tipo de sociedade que era antes – sociedade por quotas e com o capital social de 5.000,00€, assim como deverá a gerência ficar em nome de GG, em consequência da destituição válida dessa qualidade do 1º Réu, com todas as demais consequências;”
E) Sejam “cancelados os registos de transmissão da quota, assim como aumento do capital social e de transformação da 2ª Ré em sociedade anónima;”
F)Sejam “cancelados os títulos nominativos e ordenada a sua destruição”;
G) Sejam “os RR solidariamente condenados ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de valor nunca inferior a 2.500,00€ diários por cada dia de atraso na restituição da quota social à Autora nos termos consignados na alínea D) do pedido, após condenação dos RR à referida restituição, livre de ónus e/ou encargos, como meio de os dissuadir no incumprimento da obrigação a que assim fiquem sujeitos por sentença que a tal os condene, bem como quanto à condenação nos cancelamentos dos títulos nominativos (ações) e destruição das mesmas;”
H) Sejam “os RR solidariamente condenados ao pagamento da indemnização pelos prejuízos causados à Autora ou que esta venha a sofrer, em montante a fixar em liquidação de execução de sentença, provenientes dos atos praticados pelos RR, mormente os ocasionados com o afastamento da Autora no capital social da 2ª Ré e relacionados com a impossibilidade de assim quinhoar nos lucros desta última e à sua exclusão no direito aos dividendos na proporção de 95% do capital social daquela Ré.”
§ 2.º Alegou, em síntese, que: a Autora é uma sociedade comercial cujo capital social está atualmente dividido em duas quotas, uma no valor nominal de € 20 000,00, titulada por EMP03..., Lda., e outra, no valor nominal de € 10 000,00, titulada por EMP04..., Lda.; a sua gerência cabe, em regime disjuntivo, ao Réu AA e a GG; enquanto sociedade gestora de participações sociais, a Autora detinha uma quota, com o valor nominal de € 4 750,00, correspondente a 95% do capital social da EMP01..., Lda.; o restante capital social desta integrava uma quota com o valor nominal de € 250,00, titulada pelo Réu AA; a gerência desta EMP01..., Lda., cabia ao Réu AA e a GG, bastando a assinatura de um deles para vincular a sociedade; a EMP01..., Lda., é a responsável pela prospeção de lítio na região de ..., tendo a expetativa de vir a obter a licença para a exploração desse minério; percebendo os lucros que tal poderá gerar, o Réu EE, advogado de profissão, e o Réu AA, engendraram um plano destinado a apropriarem-se do capital social da EMP01..., Lda., que era titulado pela Autora, no que contaram com a colaboração do Réu BB, gerente da Ré EMP02...; em execução desse plano, o Réu AA, na qualidade de gerente da Autora, avalizou uma letra de câmbio, no valor de € 20 000,00, destinada ao pagamento de uma alegada dívida de uma outra sociedade – EMP01..., Lda. –, da qual também é gerente, para com a Ré EMP02...; depois, por escritura de 24 de agosto de 2018, em que interveio na qualidade de gerente da Autora e da EMP01..., Lda., reconheceu a dívida desta e, para pagamento dela, declarou, em representação da Autora, dar à Ré EMP02..., que através do Réu BB, seu gerente, declarou aceitar, a quota social da Autora no capital social da EMP01..., Lda.; subsequentemente, ocorreu o aumento do capital social desta em € 45 000,00 e sua transformação em sociedade anónima, da qual ficaram a ser acionistas, titulares de ações nominativas, os Réus AA, BB, CC e DD; por esta forma, os Réus conseguiram apropriar-se da quota da Autora e, assim, afastá-la da possibilidade de quinhoar nos lucros de uma sociedade – a EMP01..., Lda., agora EMP01..., SA, também Ré – que tem um potencial económico e lucrativo elevado; já depois, o Réu AA, na qualidade de administrador da Ré EMP01..., SA, mandatou o Réu EE para proceder ao registo da titularidade, a favor da sua representada, da marca nacional EMP01..., bem como da respetiva marca gráfica, o que foi conseguido junto do INPI, impedindo, assim, a Autora de a usar.
§ 3.º Citados, todos os Réus contestaram, sendo que, com relevo para o conhecimento dos presentes recursos, os Réus EMP05..., SA, invocaram, nessa sede, a exceção dilatória da nulidade de todo o processo decorrente da ineptidão da petição inicial e a exceção dilatória da ilegitimidade passiva da 2.ª Ré.
§ 4.º Depois da resposta da Autora às exceções dilatórias invocadas nas contestações, no sentido da respetiva improcedência, foi dispensada a realização da audiência prévia e proferido despacho saneador, datado de 2 de maio de 2023, com o seguinte teor (transcrição): “O estado dos autos permite conhecer, desde já, da exceção dilatória nulidade do processo decorrente da ineptidão da petição inicial relativamente aos pedidos deduzidos em B) e C) (cf. arts. 186.º, n.º 2, al. a), 577.º e 578º, todos do Cód. de Proc. Civil): Eram eles, inicialmente: B) Ser declarado nulos e de nenhum efeito, condenando-se os Réus a reconhecer tais nulidades, os subsequentes atos praticados em relação à Autora relativos a: i. ao aumento de capital social subsequente; ii. à transformação da Autora na sociedade por quotas em sociedade anónima; iii. À administração da sociedade Autora, designação os administradores e designação dos demais órgãos, assim como quanto à forma de a vincular. C) Ser ordenado o cancelamento dos registos/inscrições e/ou averbamentos na Conservatória do Registo Comercial referente à matrícula da 2.ª Ré e relativos os atos indicados na alínea antecedente”. Argumentaram os Réus que: a) quanto ao pedido de B), não existiria causa de pedir que sustentasse tal pedido; b) quanto ao pedido de C), o mesmo seria incompatível com o pedido de B) porquanto dizia respeito à 2.ª Ré e não à Autora. Respondeu a Autora, pugnando pela inexistência de qualquer ineptidão, dada a existência de um manifesto lapso de escrita. Foi determinada, por despacho de 7/10/2020, a correção da referência à Autora, substituindo-a para uma referência à 2.ª Ré no pedido indicado em B). Vejamos: A ineptidão da petição inicial verifica-se, nos termos do artigo 186.º, n.º 2 do CPC: “a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir; b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir; c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis”. Na verdade, é sabido que, quando o autor propõe uma ação em juízo, não pode limitar-se a enunciar o direito que pretende fazer reconhecer, ou seja, a formular o pedido. Impõe-se que especifique a causa de pedir, tal como decorre, aliás, do art. 552.º, n.º 1: o autor deve expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação (d). Não basta “a invocação de um determinado direito subjetivo e a formulação da vontade de obter do tribunal determinada forma de tutela jurisdicional. Tão importante quanto isso é a alegação da relação material de onde o autor faz derivar o correspondente direito, e, dentro dessa relação, a alegação dos factos constitutivos”. Donde, “é sobre o Autor, que invoca a titularidade de um direito, que cabe fazer a alegação dos factos de cuja prova seja possível concluir pela existência desse direito”. Ou seja: urge que “qualquer das partes, a começar pelo autor que impulsiona o início da instância, saiba traduzir, em alegações de factos, essa realidade, contornando ou resolvendo as dificuldades inerentes à transposição” (cf. Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil – Fase Inicial do Processo Declarativo”, Almedina, 1999, pág. 188/189; Alberto dos Reis, in “Comentário, Vol. III, pág. 370). A causa de pedir vem a ser, assim, a fonte do direito invocado, o ato ou facto jurídico em que o autor se baseia para formular o seu pedido e de que, no seu entender, o direito procede. Sinteticamente, pode, então, dizer-se que a causa de pedir é o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido: o ato ou facto jurídico (simples ou complexo, mas sempre concreto – contrato, testamento, etc.), donde o autor pretende ter derivado o direito a tutelar (cf. Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, 1963, págs. 107 e 297; e Antunes Varela, S. Nora e M. Bezerra, in “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., pág. 245). Como lapidarmente escreveu Alberto dos Reis, “a causa de pedir, em qualquer ação, não é o facto jurídico abstrato, mas o facto jurídico concreto de que emerge o direito de que o autor se propõe declarar. O facto jurídico abstrato não pode gerar o direito, pela razão simples de que é uma pura e mera abstração sem existência real”. Tal como tem sido insistentemente proclamado pela jurisprudência, a causa de pedir não é a norma invocada pelo Autor, a mera categoria real, o facto jurídico abstrato configurado na lei. É, antes, o facto real que concretamente se alega para justificar o pedido, o acontecimento natural ou a ação humana de que promanam, por disposição legal, os efeitos jurídicos. Logo, deve entender-se por causa de pedir o facto produtor de efeitos jurídicos (e não o facto juridicamente qualificado) ou o facto sob o ponto de vista material (e não da sua qualificação jurídica), sendo certo que o juiz, conquanto veja limitado o seu poder de apreciação pelos factos materiais articulados, é inteiramente livre na qualificação jurídica destes (cf., entre outros, os Acs. do STJ, de 24/05/83, in BMJ, 327º, pág. 653 e de 06/11/84, in BMJ, 341º, pág. 385). Em face do que se deixou dito, a causa de pedir deve reunir, entre outras, características de existência, inteligibilidade, facticidade (através da invocação de factos da vida real em vez de puros conceitos), concretização (por contraposição à mera afirmação conclusiva ou carregada de um sentido puramente técnico-jurídico), probidade (assentando em factos verdadeiros) compatibilidade com o pedido, juridicidade e licitude (cf. Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 194/195). “A ineptidão da petição inicial supõe que o A. não haja definido factualmente o núcleo essencial da causa de pedir invocada como base da pretensão que formula, obstando tal deficiência a que a ação tenha um objeto inteligível” – cf. o ac. do STJ de 26/3/2015, in www.dgsi.pt. Em suma: “A causa de pedir tem de ser concretizada ou determinada, consistindo em factos ou circunstâncias concretas e individualizadas (…). É sobre o autor, que invoca a titularidade de um direito, que cabe fazer a alegação dos factos de cuja prova seja possível concluir pela existência do direito – art.º 264º, nº1 do CPC”. Se não forem alegados factos “concretos que possam integrar a causa de pedir, verifica-se a falta desta e, consequentemente, a ineptidão da petição inicial, o que acarreta a nulidade de todo o processo. A nulidade de todo o processo constitui exceção dilatória que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância, sendo de conhecimento oficioso do tribunal (artº 495º). Quando falta a causa de pedir, não há lugar a convite à parte para suprir a nulidade, (…) pois ela não é sanável” – Ac. do TRG de 31/1/2013, in www.dgsi.pt. Já a contradição entre o pedido e a causa de pedir ocorre quando existe uma ausência de nexo lógico entre a causa de pedir e o pedido formulado. E o que dizer quanto à existência de pedidos incompatíveis? Estabelece o art. 467º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil (são deste Diploma todas as disposições legais referidas sem expressa indicação da sua proveniência), que, na petição inicial o autor deve formular o pedido, norma que, no âmbito da ação declarativa, dá concretização aos arts. 3º, n.º 1, e 264º, n.º 1. Ora, em termos gerais, o pedido corresponde “ao efeito jurídico que o autor pretende retirar da ação interposta, traduzindo-se na providência que o autor solicita ao tribunal” (cf. António Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, 2ª ed., Almedina, pág. 119). Por outras palavras, e no dizer de Miguel Teixeira de Sousa, “o pedido consiste na forma de tutela jurisdicional que é requerida para determinada situação subjetiva. A parte alega um direito subjetivo ou um interesse legalmente protegido e requer para ele uma das formas de tutela jurisdicional correspondente a uma das ações judiciais previstas no art. 4º”. (cf. “Introdução ao Processo Civil”, Lex, Lisboa, 1993, pág. 23). Ora, a lei processual previu a possibilidade de, na mesma ação, se cumularem pedidos diferentes, logo na petição inicial – cumulação inicial –, ou na pendência da ação declarativa – cumulação sucessiva. Por outro lado, a par da cumulação real de pedidos, que se encontra prevista no art. 470º, a lei permitiu, ainda, a cumulação alternativa (art. 468º) e a cumulação subsidiária de pedidos (art. 469º). Existe cumulação de pedidos quando “há unidade de autor e de réu, mas dualidade ou multiplicidade de pedidos”, exigindo-se, para o efeito, que os pedidos sejam compatíveis e se não verifiquem as circunstâncias que impedem a coligação (cf. art. 470º) Esta “modalidade de cumulação de pedidos difere substancialmente da modalidade de pedidos alternativos e da dos pedidos subsidiários”. No entanto, “há um ponto comum: pluralidade de pedidos; mas ao passo que nos pedidos alternativos e nos subsidiários só se pretende fazer valer uma das pretensões, no caso de cumulação o autor quer fazer valer todas as pretensões que deduz” (cf. Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, ob. cit., pág. 375). Ou seja, aqui, o autor quer conseguir, ao mesmo tempo, a procedência de todas as pretensões formuladas e para isso pede que todas elas sejam apreciadas pelo Tribunal (cf., neste sentido, Lebre de Freitas, ob. cit., Vol. II, 2001, pág. 235). Em síntese, se na cumulação subsidiária e na alternativa, há uma espécie de acumulação de pedidos, mas “uma acumulação meramente formal”, na hipótese de cumulação real de pedidos há uma “acumulação real” (Alberto dos Reis, loc. cit). Importa também frisar que, dentro da cumulação real de pedidos, é ainda possível distinguir a existência de pedidos autónomos – quando a cumulação respeita a relações jurídicas distintas – e de pedidos principais e acessórios – quando a cumulação diz respeito à mesma relação jurídica. Esclarecidos que estão os conceitos, urge volver ao caso vertente: Ficou demonstrado e assumido que a petição inicial padecia de lapso de escrita, dado que, onde se escreveu Autora na alínea B) do petitório, se pretendia escrever 2.ª Ré. Quanto à invocada incompatibilidade entre os dois pedidos (B e C), consideramos que essa inicial incompatibilidade ficou ultrapassada, dado que agora o pedido de cancelamento de registos se reporta aos atos relativos à 2.ª Ré e cuja nulidade fora pedida na alínea B). Feita a correção que se impunha, parece-nos, no entanto, que não ficam ultrapassadas as dúvidas que se prendem com a ausência de causa de pedir quanto ao pedido de B) (e, consequentemente, quanto ao pedido C), parte final, E) e F e G) parte final). Na verdade, a Autora limita-se a pedir que sejam declarados nulos os atos de aumento de capital, transformação da sociedade e designação de órgãos. Perguntamos: que “atos”? Na verdade, quanto ao aumento de capital, sabe-se que segue o regime do artigo 87.º do CSC e seguintes e que tem pressupostos diferentes conforme a modalidade que assume. Já quanto à transformação da sociedade 2.ª Ré em sociedade anónima, importa que nos detenhamos um pouco mais. Como é consabido, o artigo 130.º, n.º 1 do CSC estatui que “as sociedades constituídas segundo um dos tipos enumerados no artigo 1.º, n.º 2, podem adotar posteriormente um outro desses tipos, salvo proibição da lei ou do contrato”. Genericamente, podemos afirmar que, em regra, a transformação não importa dissolução, salvo se assim for deliberado, e que a sociedade derivada da transformação sucede automática e globalmente à anterior. Ou seja: “A transformação de sociedades opera tão-somente uma alteração da forma jurídica da estrutura societária, mantendo-se os seus elementos pessoal e patrimonial”. Donde, regra geral, não há uma extinção da sociedade, não há constituição de uma nova sociedade e não há transmissão de bens (cf. Raúl Ventura, Fusão, Cisão, Transformação de Sociedades – Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Almedina, 1990, pág. 417, chamando-lhe transformação formal por oposição à transformação extintiva). “A transformação de sociedades opera-se então com manutenção da personalidade jurídica do ente transformado e, por isso, com manutenção dos direitos e obrigações que estavam na sua titularidade no momento anterior à transformação” (cf. Francisco Mendes Correia, Transformação de Sociedades Comerciais, Delimitação do Âmbito de Aplicação no Direito Privado Português, Almedina, 2009, pág. 138). Avançando: “Os motivos da transformação podem ser diversos e não visarem unicamente a modificação do regime de responsabilidade dos sócios e a adequação do modelo organizativo da sociedade à dimensão da empresa e dispersão do seu capital”. Podem estar subjacentes razões fiscais, de moda ou mesmo uma imposição legal. (cf. Elda Marques, anotação ao artigo 130.º do CSC, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol. II, Almedina, pág. 546). Na verdade, “nada obriga uma sociedade a manter o tipo inicial, pois a lei faculta a transformação, e nada impede que novo tipo e seu regime jurídico sejam considerados, num ponto ou noutro, mais vantajosos.” É certo que, como refere Raúl Ventura, não se pretende com isto “dizer que o uso que os interessados façam do instituto da transformação é sempre isento de mácula; os intuitos maliciosos, abusivos e fraudulentos terão no caso concreto a condenação que a ordem jurídica lhes reservar. Mas mudar o tipo de sociedade para esta ficar sujeita a regime jurídico mais conveniente não é, em si mesmo, facto reprovável” (Raúl Ventura, op. cit., pág. 418). Tudo visto, temos para nós que “a transformação de sociedades constitui um ponto alto da sua adaptabilidade à mutação das circunstâncias” (cf., neste sentido, António Meneses Cordeiro, Manual de Direito das Sociedades, I Das Sociedades em Geral, 2004, Almedina, pág. 795). Por outro lado, defendemos que a transformação tem um carácter autónomo que não pode ser reconduzido a uma mera alteração do contrato, tendo um cunho e um carácter identitário, sendo a sua regulamentação marcada pelo princípio da identidade, “notada substancialmente na continuidade económica da entidade, permanecendo antes e após a transformação a mesma empresa”, mas tendo como limite a regulamentação aplicável à nova forma jurídica, uma vez que “a transformação tem por consequência a descontinuidade de regime jurídico” e a submissão das relações jurídicas entre sócios e entre terceiro a novas regras (cf., neste sentido, Elda Marques, op. cit., pág. 547; e, em sentido contrário, defendendo que a transformação se reconduz a uma específica modificação contratual, Jorge Henrique Pinto Furtado, Curso de Direito das Sociedades, 5.ª edição, Almedina, pág. 535). Esta descontinuidade jurídica implica a previsão de disposições que acautelem a proteção dos sócios, dos credores e de terceiros. Acresce que, a par da aprovação da transformação, pode “aproveitar-se para alterar outras cláusulas do pacto social originário, (…) mas tais alterações adicionais, ainda que previamente necessárias, são autónomas da mudança da forma jurídica operada pela transformação, estando sujeitas ao seu próprio regime”. “Tais alterações são aprovadas segundo os requisitos previstos na lei ou nos estatutos para a tomada da deliberação pela sociedade a transformar, mas, em si mesmas, tais modificações regulam-se pelo regime substantivo prescrito na lei para o novo tipo social, dado que se destinam a vigorar no quadro dessa nova forma de organização” (cf. Elda Marques, op. cit., págs. 552/553). Na verdade, a mudança de tipo importa a sujeição da sociedade a um diferente regime jurídico, composto de normas imperativas, normas disponíveis e estipulações contratuais, impostas por lei, ou apenas da vontade dos sócios que implicam a modificação do contrato, por forma a adaptá-lo ao novo regime (cf. Raúl Ventura, op. cit., pág. 465). Com relevância, o artigo 131.º do CSC, com a epígrafe de “Impedimentos à transformação”, estatui: 1. “Uma sociedade não pode transformar-se: a) se o capital não estiver integralmente liberado ou se não estiverem totalmente realizadas as entradas convencionadas no contrato; b) se o balanço da sociedade a transformar mostrar que o valor do seu património é inferior à soma do capital e reserva legal; c) se a ela se opuserem sócios titulares de direitos especiais que não possam ser mantidos depois da transformação; d) se, tratando-se de uma sociedade anónima, esta tiver emitido obrigações convertíveis em ações ainda não totalmente reembolsadas ou convertidas. 2. A oposição prevista na alínea c) do número anterior deve ser deduzida por escrito, no prazo fixado no artigo 137.º, n.º 1, pelos sócios titulares de direitos especiais (…)”. Daqui resulta que a transformação de uma sociedade está condicionada a requisitos que atendem ao interesse dos sócios e dos credores potencialmente afetados. Os impedimentos supra previstos têm naturezas diversas e, consequentemente, um efeito jurídico diferente. Com efeito, as alíneas a), b), e d) do n.º 1 do artigo 131.º constituem requisitos de validade das deliberações de transformação, pelo que o seu desrespeito importa a nulidade dessas deliberações à nulidade cominada nos termos do artigo 56º, n.º d) do CSC. Já o impedimento previsto na alínea c) do artigo 131.º está relacionado com a falta de consentimento, pelo que implica a ineficácia das deliberações de transformação (artigo 55.º do CSC). Logo, “as deliberações de transformação, ainda que válidas, serão ineficazes (absoluta e totalmente) se for deduzida oposição por escrito” (cf. Elda Marques, op. cit., pág. 560/561). Concomitantemente, estatui o artigo 134.º do CSC que devem ser deliberadas separadamente: a) A aprovação do balanço ou da situação patrimonial, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 132.º; b) A aprovação da transformação; c) A aprovação do contrato pelo qual a sociedade passará a reger-se. A aprovação da transformação resulta, então, de uma tríplice deliberação e não de uma deliberação unitária. Cada uma das três deliberações deve ser autonomizada e têm uma sequência lógica. Permite-se assim uma tomada de decisão conscienciosa e mais esclarecida e impedir transformações precipitadas e ineficientes. Ademais, permite-se a invocação separada de vícios próprios que afetem cada uma delas. Assim, por exemplo, sendo a deliberação que aprovou o balanço nula ou anulável, as outras duas serão nulas – não anuláveis – porque, embora não viciadas quanto à sua forma ou conteúdo, não poderiam ter sido tomadas sem o balanço ter sido aprovado (cf. Raúl Ventura, op. cit., pág. 504; e António Meneses Cordeiro, op. cit., página 796 e Acs. do STJ de 26/5/1995, CJ Supremo III (1995) 2, 49-54 ali citado, defendendo a nulidade das deliberações). Em suma: “Resultando a aprovação da transformação da tomada das três deliberações, a declaração de nulidade ou de anulação de uma das deliberações torna a transformação inválida. No pedido de declaração de nulidade ou de anulação de qualquer uma das deliberações, pode também ser requerida a declaração de invalidade da transformação”. Caso já tenha sido efetuado o registo da transformação, padecendo as deliberações de vícios, o registo deve ser cancelado em execução de decisão judicial que declare essa invalidade, retomando a sociedade o seu tipo anterior (cf. Elda Marques, op. cit., pág. 585 e pág. 629). Por último, a designação de administradores segue o regime do artigo 391.º do CSC. Ora, percorrida a petição inicial, vislumbramos, apenas, que, no artigo 35.º, se refere que a 2.ª Ré “veria o seu capital aumentado para €45000,00, tendo logo sido transformada em sociedade anónima, dela fazendo parte como acionistas titulares de ações nominativas AA, BB, CC e DD, alegadamente, com relações familiares e de amizade entre si. Nada mais se diz quanto aos “atos” cuja nulidade se peticiona. Na verdade, bem vistas as coisas, os referidos atos, consubstanciarão, em bom rigor, deliberações sociais que terão ocorrido em sede de assembleia geral. Ademais, a Autora nada diz de concreto quanto a todas e a cada uma dessas alterações à realidade social da 2.ª Ré: quando, como e quem deliberou o aumento de capital? Sobre que forma ou modalidade? Foram respeitados os requisitos legais? Quem, como e quando deliberou a transformação? Como desapareceu a EMP02... de sócia e apareceram três novos acionistas, para além do sócio que se manterá acionista? Quando e quem deliberou a designação dos administradores ou tal consta do novo pacto societário da sociedade anónima e de onde resulta a forma de vinculação? Nada disto foi alegado. Parece-nos que assiste razão aos Réus quando defendem que a petição inicial é inepta por falta de causa de pedir quanto a estes aspetos. Na verdade, o que nos parece aceitável é defender que um eventual futuro pedido de declaração de invalidade das deliberações sociais relativas à 2.ª Ré depende do desfecho do pedido deduzido em A), para o que a Autora teria que ter alegado factos concretos e circunstanciados que permitissem aferir da nulidade /invalidade dessas deliberações. O que não fez. Por outras palavras: se e quando a Autora voltar a fazer parte do grémio social, poderia, agora enquanto novamente titular de participações sociais – obtendo, assim, legitimidade -, atacar as deliberações tomadas subsequentemente à sua saída do capital social. Nestes termos e pelos fundamentos expostos, urge julgar procedente a exceção dilatória da nulidade do processo, decorrente da ineptidão da petição inicial quanto ao pedido deduzido em B) e C), absolvendo-se as Rés dos aludidos pedidos e, consequentemente, dos pedidos deduzidos em D) (regresso ao tipo de sociedade por quotas e com o capital de €5000,00), E) (quanto ao cancelamento do aumento de capital e de transformação da sociedade 2.ª Ré em sociedade anónima), F) e G (quanto à condenação no cancelamento dos títulos nominativos e destruição das ações e destruição das mesmas).
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Não existem outras nulidades de que caiba conhecer.
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As partes estão dotadas de capacidade e de personalidade e estão devidamente representadas por mandatário. A Autora é parte legítima. O 1.º Réu (este, o único quanto ao pedido deduzido em D), parte final) e a 3.ª Ré são partes legítimas. Sê-lo-á a 2.ª Ré? Nos termos do art. 26º, n.º 1, in fine, do Código de Processo Civil, “o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer”, exprimindo-se tal interesse pelo prejuízo que advenha da procedência da ação (cf. n.º 2 do citado preceito legal). No direito processual português, a legitimidade das partes afere-se pela titularidade dos interesses em jogo, sendo que o interesse direto do Réu em contradizer se exprime “pela desvantagem jurídica que resultará para o réu da sua perda (ou considerando o caso julgado material formado pela absolvição do pedido, pela vantagem jurídica que dela resultará para o réu)” (cf. Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil Anotado”, Coimbra Editora, 1999, pág. 51). Ora, a titularidade do interesse em contradizer apura-se, sempre que o pedido afirme uma relação jurídica, pela titularidade das situações jurídicas que a integram: “legitimados são então os sujeitos da relação jurídica controvertida como estatui o n.º 3” (cf. Lebre de Freitas, loc. cit.) do art. 26º do Código de Processo Civil, isto é, tal como aquela aparece configurada pelo Autor. No mesmo sentido, refere Miguel Teixeira de Sousa, defendendo que a legitimidade “tem de ser apreciada e determinada pela utilidade (ou prejuízo) que da procedência (ou improcedência) da ação possa advir para as partes, face aos termos em que o autor configura o direito invocado e a posição que as partes, perante o pedido formulado e a causa de pedir, têm na relação jurídica material controvertida, tal como a apresenta o autor” (cf. “A Legitimidade Singular em Processo Declarativo”, in BMJ, 292º, pág. 105). Volvendo ao caso vertente, importa relembrar que subsistiram para conhecimento os pedidos deduzidos em A), D) (1.ª parte e 3.º parte), E) (1.ª parte), G) (1.ª parte) e H). Quanto ao primeiro pedido deduzido em A) parece-nos que parte legítima será, apenas e só, a 3.ª Ré e o 1.º Réu, ou seja, os intervenientes no negócio e o 4.º Réu e o 7.º Réu EE, dado que estes alegadamente conceberam também o plano, dado que a 2.ª Ré é objeto do negócio e não interveniente. Os 5.º, e 6.º Réus também não são partes legítimas quanto a este pedido. Quanto ao pedido de restituição da quota (D)) e condenação na sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso nessa restituição (G)) também apenas a podem restituir os intervenientes no negócio de cessão, podendo também a 2.ª Ré ser condenada na eventual condenação no cancelamento do registo de transmissão. Mas já não os 5.º, 6.º e 7.º Réus. Por fim, tendo em conta que se julgou inepta a petição inicial quanto aos supra referidos pedidos que diziam concretamente respeito aos 5.º e 6.º Réus, tão-pouco, estes são parte legítima na presente ação, porquanto nenhum interesse têm em contradizer factos em que nenhuma intervenção tiveram. Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julgo parcialmente procedente, por provada, a exceção da ilegitimidade passiva da 2.ª Ré, por esta invocada, ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 288º, al. d), 289º, 494º, alínea e) e 495º, do Código de Processo Civil quanto aos pedidos deduzidos em A), D) (1.ª parte e 3.ª parte) e G) e H). Notifique. Julgo, igualmente, verificada a exceção da ilegitimidade passiva dos 5.º e 6.º Réus, porquanto nenhuns interesses têm em contradizer os pedidos sobrantes, absolvendo-os da instância.”
§ 5.º Na sequência, foi proferido despacho a delimitar o objeto do litígio e enunciar os temas da prova nos seguintes termos: “Objeto do litígio: Saber se deve ser declarado nulo o negócio de transmissão de quota da Autora a favor da 3.ª Ré operada por efeito da escritura pública celebrada em 24/8/2018 e dos negócios antecedentes e atos de reconhecimento de dívida da Autora em relação à 3.ª Ré, bem como quanto ao aval prestado pelo 1.º Réu na qualidade de gerente da Autora em letra sacada pela mesma Ré no valor de € 23000,00. Apurar da possibilidade de destituição e da responsabilidade civil do 1.º Réu enquanto gerente, para com a sociedade Autora., relativamente a danos causados a esta por factos próprios e violadores de deveres legais e/ou contratuais.
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Temas da prova. Conhecer dos antecedentes e do negócio de transmissão da quota da Autora a favor da 3.ª Ré e averiguar se todas as declarações o foram com o fito de prejudicar a Autora, afastando-a do grémio social da 2.ª Ré e os termos e intervenientes do plano concebido para o efeito. Conhecer: da inexecução das obrigações de gerente diligente e leal por parte do 1.º Réu (ato ilícito) da culpa (presumida) – maxime, se o 1.º Réu atuou com o propósito de prejudicar os interesses da sociedade, em benefício próprio; do prejuízo – conhecer quais os danos emergentes e lucros cessantes; e da causalidade – apurar se os danos identificados decorreram da conduta do 1.º Réu.”
§ 6.º Inconformada com o despacho saneador, a Autora interpôs recurso, concluindo as respetivas alegações nos seguintes termos (transcrição): “1) Vem o presente recurso do despacho saneador proferido no âmbito do qual julgou as exceções dilatórias procedentes, conduzindo à nulidade parcial do processo por ineptidão de parte da petição, quer por ilegitimidade de alguns Réus em relação a alguns dos pedidos, com a consequente absolvição de instância dos 5º e 6º Réus em relação à integralidade instância. 2) É NULO o despacho recorrido, nos termos do disposto no artº 613º do CPC, ex vi do consignado na alínea c) do artº 615º, ambos do Código de Processo Civil, pelas razões que constam do título IV das presentes alegações para que se remete, seja por oposição entre os fundamentos e a decisão de absolvição da instância dos 5º e 6º Réus, seja por ambiguidade, visto que de acordo com a formulação, o que nele se decidiu (integrando o dispositivo) foi a absolvição da instância dos 5º e 6º Réus por ilegitimidade passiva decorrente da falta de interesse em contradizer, em relação aos pedidos sobrantes parecendo não respeitar aos pedidos deduzidos em A), D (1ª e 3ª parte) e G) e H) [e sem que saiba o que lhes aconteceu, a tais Réus, em relação ao pedido em F)] 3) Ao invés do que entendeu o tribunal recorrido encontram-se devidamente concretizados na petição, como resulta da materialidade invocada nos artºs 1º a 56º, os factos suscetíveis, de acordo com uma solução plausível de aplicação do Direito aplicável, de conduzirem à procedência dos pedidos deduzidos em B) e C), sendo erróneo concluir-se pela ausência de causa de pedir com referência a tais pedidos, com fundamento na qual, no despacho recorrido, se decidiu pela ineptidão parcial da petição. 4) Ao nível do Direito, ante a factualidade alegada, a chamada à situação em apreço da figura da colusão, assim como a nulidade dos atos praticados nos termos do artº 280º do C Civil por ofensa do interesse público e dos bons costumes, justificam só por si a dedução dos pedidos deduzidos em B) e C) da petição: B) Ser declarados nulos e de nenhum efeito – condenando-se os RR a reconhecer tais nulidades – os subsequentes atos praticados em relação à 2ª Ré (EMP01..., SA), relativos: vii. ao aumento de capital social subsequente; viii. à transformação da Autora de sociedade por quotas em sociedade anónima; ix. à Administração da sociedade Autora, designação dos administradores e designação dos demais órgãos, assim como quanto à forma de a vincular. C) Ser ordenado o cancelamento dos registos, inscrições e/ou averbamentos na Conservatória do Registo Comercial referente à matrícula da 2ª Ré e relativos aos atos indicados na alínea antecedente 5) Outro tanto resultaria em relação a tais pedidos em caso da eventual [quanto esperada em sede de julgamento] procedência do pedido deduzido em A) já que a mesma obrigaria à reposição do status quo ante da situação da 2ª Ré (retroação dos efeitos como previsto no artº 289º, nº 1 do CCivil), reportada à situação que se verificava à data da nulidade aí invocada e, por consequência, a nulidade dos atos subsequentes (identificados no pedido deduzido em B)) como, e ainda, o cancelamento da nulidade de tais registos, conforme resulta dos pedidos deduzido em C), E), F) e G). 6) Ao contrário do defendido no despacho recorrido, com referência às deliberações de aumento de capital e transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima, não está em causa o eventual vício intrínseco de tais deliberações sociais da 2ª Ré para daí se retirar a conclusão de a petição se encontra ferida de causa de pedir e do vício da nulidade parcial por ausência da concretização de factos alusivos às exigências previstas no Código das Sociedades Comerciais. 7) A certidão do registo comercial junta relativa à matrícula da 2ª Ré demonstra: a transmissão da quota à EMP02..., o aumento de capital; o aumento de capital e a transformação da sociedade (tendo aquele ocorrido mediante a admissão de novos sócios); o valor do aumento e do novo capital; a identificação de todos os acionistas e a participação de cada um deles no capital social da 2ª Ré, etc., - tudo conforme resulta concretizado na factualidade da petição que justifica e sustenta os pedidos formulados em B), C), D), E) e F). 8) De resto, em bom rigor, a Autora, depois de excluída da sociedade, debaixo do plano delineado por alguns Réus e com o conhecimento dos intentos pelos 5º e 6º RR, também eles interessados e conhecedores do prejuízo que causariam à Autora, carecia de legitimidade para impugnar as deliberações, caso fosse essa a causa das nulidades, como bem se reconhece no despacho sob censura, tornando, desta feita, e com o devido respeito, paradoxal a conclusão retirada pelo tribunal recorrido. 9) As pessoas coletivas manifestam a sua capacidade de gozo, enquanto carecidas pela sua natureza de vontade própria, através das pessoas singulares que integram os seus órgãos competentes. 10) No que tange à julgada ilegitimidade passiva da 2ª Ré (ainda que se mantendo na ação por efeito do pedido deduzido em E), 1ª parte – cancelamento do registo da transmissão) e ao contrário do argumento que consta do despacho recorrido que justificou a procedência da exceção de tal exceção, o que foi objeto do negócio de transmissão foi a quota social que a Autora detinha na 2ª Ré e não esta sociedade. 11) A 2ª Ré, através da pessoa do 1º Réu, seu sócio gerente: (i) sabia da estratégia que este havia montado quanto à transmissão da quota de que era detentora a Autora, que também representava; sabia que tal era feito sem o consentimento da Autora e contra a vontade desta; e (iii) Sabia igualmente do prejuízo que tal causava na esfera patrimonial da Autora, quer direta quer indiretamente, impedindo-a desse modo e por via do seu afastamento do grémio social, de poder obter lucros avultados do contrato de concessão da exploração de lítio em ... que segundo o curso normal das coisas levava a considerar que pudesse vir com ela a ser celebrado, ou impedindo-a de a Autora ceder a sua participação, bem mais elevada com o contrato de concessão de exploração com quem era expectável que assim acontecesse, tanto mais ainda que nem o Ministério do Ambiente tinha motivos para recusar a sua celebração. 12) A 2ª Ré aceitou, por intermédio do 1º e dos 3º e 4º Réus, inserir a nova sócia no seio da sua composição societária; levou a registo a transmissão da quota antes pertencente à Autora na 2ª Ré; participou nas operações materiais de alteração do contrato de sociedade através das necessárias deliberações que veio a tomar no seio do órgão com competência para o efeito como é a assembleia geral e sem as quais não teria sido admitido o registo da transformação. 13) As deliberações sociais são atos jurídicos praticados pela assembleia geral em relação a matérias da sua competência, sendo que são da competência de tal órgão da sociedade – e por inerência, atos da própria sociedade – as deliberações que determinaram a modificação do tipo de sociedade, a alteração do capital, modo de transformação da sociedade, número de ações a emitir [e] valor das ações, modalidade do aumento e da transformação, estrutura, forma de obrigar, etc., incluindo as deliberações que implicam aquela transformação. 14) A 2ª Ré agiu ilicitamente, não tendo a sua atuação sido indiferente ao afastamento da Autora no seu capital social e no desiderato final de a arredar da possibilidade de celebrar o contrato de concessão de exploração de lítio com o Ministério do Ambiente – bem pelo contrário. 15) O nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano, exigido nos termos do artº 563º do C Civil admite – como vem sendo entendimento consensual na doutrina e na jurisprudencial – consagra a vertente mis ampla da causalidade por via da sua formulação negativa, nos termos da qual esta não pressupõe a exclusividade do facto condicionante do dano, nem exige que a causalidade tenha de ser direta e imediata, pelo que admite não só a ocorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não, como ainda a causalidade indireta, bastando que o facto condicionante desencadeie outro que diretamente suscite o dano – cf. acórdão citado. 16) E sendo assim, a 2ª Ré agiu de molde a potenciar o prejuízo causado na Autora em termos bastantes para, solidariamente poder vir a ser condenada solidariamente, conforme o disposto nos artºs 497º do C Civil nos prejuízos que venham a ser apurados em sede de liquidação de execução de sentença conforme peticionado na alínea H). 17) Os factos descritos em 49º, 55º e 56º da petição são bem, elucidativos da atuação ilícita e de má fé dos 5º e 6º Réus, quando neles se afirma: 49.º: Em face das circunstâncias descritas e decorrente das relações familiares e de amizade, sabiam e estavam bem cientes os RR. que a entrada dos RR. sujeitos singulares para o grémio social da 2ª Ré: x. lhes potenciaria um lucro pela exploração avultadíssimo ou em sua substituição um lucro significativo, na ordem de centenas de milhões de euros, pela concessão de tal exploração e no período de duração da mesma; xi. Que um tal benefício seria, como foi conseguido à custa e com o prejuízo da Autora, que assim, através do indicado expediente formal e aparentemente legal (de assunção, por esta, da dívida de uma sua participada através da cedência da quota que esta detinha na 2ª Ré, representativa de 95% do seu capital pela via da dação em pagamento), ficaria arredada de quaisquer direitos sobre esta última com o potencial de lucro avultado que esta seria e é capaz de gerar. 55.º: Estavam conscientes todos os RR. que o benefício que assim obtinham havia sido conseguido com o prejuízo manifesto da Autora bem como da forma como este foi possível, 56º Assim como tiveram conhecimento, porque disso informados, do interesse e do objetivo na transformação da 2ª Ré de sociedade por quotas em sociedade anónima ficando a nela participar enquanto acionistas, interesse, esse, que consistiu em dificultar à Autora a invocação de qualquer invalidade do negócio de transmissão da sua quota na 2ª Ré. 18) Tal atuação materializa a adesão deste Réus ao plano traçado pelos outros RR (1º, 3º 4º e 7º) sem o qual não teriam sido praticados os atos de aumento de capital e de transformação da sociedade 2ª Ré em que participaram, pelo que contrariamente ao decidido, são os 5º e 6º Réus partes legítimas, tendo interesse em contradizer em relação aos pedidos contra eles formulados. 19) Atos, aqueles, geradores das nulidades conforme pedido deduzido em B) e dos cancelamentos dos registos na matrícula da 2ª Ré, conforme pedidos deduzidos em D), E), F) e G), por referência ao pedido em B) em cujos atos, cuja nulidade se pede, intervieram igualmente. 20) Pelo que, na reafirmação dos ensinamentos dos insígnes professores Lebre de Freitas e Miguel Teixeira de Sousa, citados no despacho recorrido, certo é que, tal como a Autora configura o direito invocado e a posição que estes Réus têm na relação jurídica controvertida, manifesto se torna que possuem interesse em contradizer os pedidos que contra eles vêm formulados, face à utilidade ou prejuízo que a procedência de tais pedidos se torna suscetível de lhes causar, contrariamente ao que foi entendido pelo tribunal recorrido. 21) O despacho sob censura, além da nulidade invocada (nos termos do disposto no artº 613º) incorreu em erro de julgamento na apreciação das exceções, em violação, maxime, do disposto nos artºs 186º, nº 1 al. a), 30º, 278º, nº 1 alíneas b) e d), 577º alíneas b) e e) - todos do Código de Processo Civil.”
§ 7.º A Autora juntou, com o requerimento de recurso, cópia da minuta da petição inicial de ação administrativa que disse ter intentado contra o Ministério do Ambiente e a Direção-Geral de Energia e Geologia.
§ 8.º Os Réus EMP01..., SA, e AA responderam, pugnando pela improcedência do recurso, nos termos das seguintes conclusões (transcrição): “A) O recurso apresentado versa sobre a decisão proferida do tribunal a quo, a qual julgou procedente a exceção dilatória da nulidade do processo decorrente da ineptidão da petição inicial quanto ao pedido deduzido em B) e C), absolvendo-se as Rés dos aludidos pedidos e, consequentemente, dos pedidos deduzidos em D) (regresso ao tipo de sociedade por quotas e com o capital de €5000,00), E) (quanto ao cancelamento do aumento de capital e de transformação da sociedade 2.ª Ré em sociedade anónima), F) e G) (quanto à condenação no cancelamento dos títulos nominativos e destruição das ações e destruição das mesmas); parcialmente procedente, por provada, a exceção da ilegitimidade passiva da 2.ª Ré, ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 288º, al. d), 289º, 494º, alínea e) e 495º, do Código de Processo Civil quanto aos pedidos deduzidos em A), D) (1.ª parte e 3.ª parte) e G) e H). e ainda verificada a exceção da ilegitimidade passiva dos 5.º e 6.º Réus, porquanto nenhum interesse têm em contradizer os pedidos, absolvendo-os da instância. B) Como fundamento para a apresentação do recurso, refere a Recorrente que o despacho é parcialmente nulo por se verificar uma alegada oposição entre os fundamentos e a decisão de absolvição dos 5º e 6º Réus ou por ambiguidade na formulação do tribunal a quo; é desprovida de razão a procedência da exceção da ineptidão inicial, com base na falta de causa de pedir; a sentença (mal) julgou as ilegitimidades passivas da 2ª Ré, 5º e 6º Réus por erro de julgamento na apreciação das exceções, em violação, maxime, do disposto nos artigos n.º 186º, nº 1 al. a), 30º, 278º, nº 1 alíneas b) e d), 577º alíneas b) e e), todos do CPC. C) Não se pode concordar com tal entendimento, nem com o pedido apresentado, porquanto não representa uma boa aplicação dos normativos em causa. D) O despacho saneador não merece reparo quanto às alegadas ilegalidades invocadas pela Autora, apresentando um raciocínio lógico e segmentando os pedidos e sub-pedidos e as partes relativamente a cada um dos pedidos apresentados. E) Quanto à alegada nulidade parcial do despacho por contradição ou ambiguidade, a Autora olvida-se que a primeira decisão do Tribunal a quo foi a de julgar procedente a exceção dilatória da nulidade do processo, decorrente da ineptidão da petição inicial quanto ao pedido deduzido em B) e C), absolvendo-se as Rés dos aludidos pedidos e, consequentemente, dos pedidos deduzidos em D) (regresso ao tipo de sociedade por quotas e com o capital de €5000,00), E) (quanto ao cancelamento do aumento de capital e de transformação da sociedade 2.ª Ré em sociedade anónima), F) e G) (quanto à condenação no cancelamento dos títulos nominativos e destruição das ações e destruição das mesmas). F) Ora, não tendo sido incluídos na decisão acima referidas todos os pedidos apresentados pela Autora (na medida em que alguns pedidos se dividem em vários sub-pedidos), restaram outros pedidos para o tribunal se pronunciar. G) E muito bem andou o Tribunal a quo prosseguindo com a decisão devidamente sustentada: “Quanto ao primeiro pedido deduzido em A) parece-nos que parte legítima será, apenas e só, a 3.ª Ré e o 1.º Réu, ou seja, os intervenientes no negócio e o 4.º Réu e o 7.º Réu EE, dado que estes alegadamente conceberam também o plano, dado que a 2.ª Ré é objeto do negócio e não interveniente. Os 5.º, e 6.º Réus também não são partes legítimas quanto a este pedido. Quanto ao pedido de restituição da quota (D)) e condenação na sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso nessa restituição (G)) também apenas a podem restituir os intervenientes no negócio de cessão, podendo também a 2.ª Ré ser condenada na eventual condenação no cancelamento do registo de transmissão. Mas já não os 5.º 6.º e 7.º Réus. Por fim, tendo em conta que se julgou inepta a petição inicial quanto aos supra referidos pedidos que diziam concretamente respeito aos 5.º e 6.º Réus, tão-pouco, estes são parte legítima na presente ação, porquanto nenhum interesse têm em contradizer factos em que nenhuma intervenção tiveram." H) Ou seja, não se verifica qualquer contradição ou ambiguidade. Dúvidas não restam que os 5º e 6º Réus foram absolvidos de todos os pedidos e, consequentemente, da instância, não se verificando qualquer nulidade. I) Quanto à ineptidão da ação, em relação aos pedidos deduzidos em B) e C) e consequentemente, ausência de causa de pedir em relação aos pedidos deduzidos em C), parte final, E), F) e G), parte final, a Autora, ora Recorrente, labora manifestamente em erro. J) Isto porque considera que a consequência de uma eventual declaração de nulidade do ato de transmissão da quota da Autora na 2ª Ré inquina todos os atos societários seguintes. K) A este respeito, não podemos deixar de acompanhar o argumentário do Tribunal a quo quando refere: "Na verdade, bem vistas as coisas, os referidos atos, consubstanciarão, em bom rigor, deliberações sociais que terão ocorrido em sede de assembleia geral. Ademais, a Autora nada diz de concreto quanto a todas e a cada uma dessas alterações à realidade social da 2.a Ré: quando, como e quem deliberou o aumento de capital? sobre que forma ou modalidade? Foram respeitados os requisitos legais? Quem, como e quando deliberou a transformação? Como desapareceu a EMP02... de sócia e apareceram três novos acionistas, para além do sócio que se manterá acionista? Quando e quem deliberou a designação dos administradores ou tal consta do novo pacto societário da sociedade anónima e de onde resulta a forma de vinculação? Nada disto foi alegado. Parece-nos que assiste razão aos Réus quando defendem que a petição inicial é inepta por falta de causa de pedir quanto a estes aspetos. (…) a Autora teria que ter alegado factos concretos e circunstanciados que permitissem aferir da nulidade /invalidade dessas deliberações. O que não fez.” L) Ou seja, a Recorrente ataca indiscriminadamente a validade de uma série de deliberações sociais tomadas pelos sócios da 2.ª Ré, não concretizando o motivo pelo qual cada uma delas poderia estar ferida de um vício gerador de invalidade. M) A Autora não indicou o núcleo essencial do direito invocado, vindo agora, em sede de recurso, alegar que houve violação dos deveres de boa-fé, da moral e da ordem jurídica no âmbito das deliberações tomadas, no entanto, sem, contudo, ainda concretizar. N) Por sua vez, não se conforma a Autora com a decisão do Tribunal a quo, quanto à verificação da ilegitimidade passiva da 2ª Ré porquanto entende que a mesma tinha conhecimento dos atos que se encontravam a ser praticados. O) Ora, salvo o devido respeito, não se alcança como pode a Autora defender que a 2ª Ré deve ser considerada parte legítima quanto a um pedido de declaração de nulidade de diversos negócios e atos jurídicos (e consequente responsabilidade indemnizatória) nos quais não teve intervenção. P) A 2ª Ré não praticou, nem teve intervenção nos atos relacionados com a prestação de aval e reconhecimento de dívida por parte da Autora a favor da 3ª Ré, nem sequer participou no negócio de transmissão de quota a favor desta que a Autora alega ter-lhe causado prejuízo. Q) Para além de não ter praticado nenhum dos acima referidos atos cuja nulidade a Autora requer, mesmo que a transmissão de uma quota representativa do capital social da 2ª R viesse a ser declarada nula, essa nulidade apenas poderia ser reconhecida pelas partes intervenientes no negócio, ou seja, Autora e 3ª Ré, nada tendo (nem podendo aliás) a 2ª Ré que fazer ou reconhecer. R) Neste conspecto veja-se o vertido no saneador-sentença: “Quanto ao primeiro pedido deduzido em A) parece-nos que parte legítima será, apenas e só, a 3.ª Ré e o 1.º Réu, ou seja, os intervenientes no negócio e o 4.º Réu e o 7.º Réu EE, dado que estes alegadamente conceberam também o plano, dado que a 2.ª Ré é objeto do negócio e não interveniente. Os 5.º, e 6.º Réus também não são partes legítimas quanto a este pedido. Quanto ao pedido de restituição da quota (D)) e condenação na sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso nessa restituição (G)) também apenas a podem restituir os intervenientes no negócio de cessão, podendo também a 2.ª Ré ser condenada na eventual condenação no cancelamento do registo de transmissão. Mas já não os 5.º, 6.º e 7.º Réus.” S) Dúvidas não restam que a 2ª Ré é parte ilegítima, pois, na verdade, não tem interesse direto em contradizer, conforme se prevê no artigo 30º do CPC. T) Constituindo a ilegitimidade de uma das partes exceção dilatória nos termos previstos do n.º 1 e 2 do artigo 576º e alínea e) do artigo 577º do CPC, muito bem decidiu o Tribunal a quo ao conhecer da invocada ilegitimidade passiva. U) Por último, quanto à alegada mal julgada ilegitimidade passiva dos 5º e 6º Réus pelos mesmos motivos expostos em relação à 2ª Ré, os mesmos não têm interesse em contradizer porquanto não tiveram sequer intervenção nos atos. V) Defende a Autora que os factos descritos na PI são elucidativos da atuação ilícita e de má-fé dos 5º e 6º Réu: “Em face das circunstâncias descritas e decorrente das relações familiares e de amizade". W) Não nos parece, porém, que a referida tese possa proceder, na medida em que não são alegados quaisquer outros factos ou circunstâncias que pudessem contribuir para uma avaliação diferente da realizada pelo Tribunal.
§ 9.º Também o Réu DD respondeu, pugnando pela improcedência do recurso, com base nas seguintes conclusões (transcrição): “CONCLUSÃO ÚNICA SOBRE A QUESTÃO PRÉVIA: Não pode ser admitida a junção pela Recorrente do documento com as suas alegações de recurso, uma vez que não se verifica, nem a Recorrente sequer alega verificar-se, algum dos condicionalismos previstos no artigo 651.º e no artigo 425.º do CPC, porquanto se trata de documento que a Recorrente tem na sua posse há mais de um ano e cuja junção não se tornou necessária por força da douta decisão recorrida, motivos pelos quais o Documento ... junto pela Recorrente com as suas alegações - que, ademais é irrelevante à boa decisão da presente causa - deve ser imediatamente desentranhado e/ou tido como não escrito, por extemporâneo, o que desde já se requer. I. A própria Recorrente, logo no capítulo II das suas Alegações, demonstra ter compreendido cabalmente o sentido e alcance do douto despacho saneador-sentença recorrido, bem como a conformidade da decisão com os seus fundamentos. II. Tendo o Tribunal a quo começado por "julgar procedente a exceção dilatória da nulidade do processo, decorrente da ineptidão da petição inicial quanto ao pedido deduzido em B) e C), absolvendo-se as Rés dos aludidos pedidos e, consequentemente, dos pedidos deduzidos em D) (regresso ao tipo de sociedade por quotas e com o capital de €5000,00), E) (quanto ao cancelamento do aumento de capital e de transformação da sociedade 2.a Ré em sociedade anónima), F) e G (quanto à condenação no cancelamento dos títulos nominativos e destruição das ações e destruição das mesmas)", forçosa e logicamente concluiu que, "subsistiram para conhecimento os pedidos deduzidos em A), D) (1.a parte e 3.o parte), E) (1.a parte), G) (1.a parte) e H)." III. Pelo que, no seguimento lógico de um raciocínio estruturado e sólido, decidiu o douto Tribunal a quo, de forma cristalina e perfeitamente fundamentada que "Quanto ao primeiro pedido deduzido em A) parece-nos que parte legítima será, apenas e só, a 3.a Ré e o 1.o Réu, ou seja, os intervenientes no negócio e o 4.o Réu e o 7.o Réu EE, dado que estes alegadamente conceberam também o plano, dado que a 2.a Ré é objeto do negócio e não interveniente. Os 5.o, e 6.o Réus também não são partes legítimas quanto a este pedido. Quanto ao pedido de restituição da quota (D)) e condenação na sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso nessa restituição (G)) também apenas a podem restituir os intervenientes no negócio de cessão, podendo também a 2.a Ré ser condenada na eventual condenação no cancelamento do registo de transmissão. Mas já não os 5.o, 6.o e 7.o Réus. Por fim, tendo em conta que se julgou inepta a petição inicial quanto aos supra referidos pedidos que diziam concretamente respeito aos 5.o e 6.o Réus, tão-pouco, estes são parte legítima na presente ação, porquanto nenhum interesse têm em contradizer factos em que nenhuma intervenção tiveram.", pelo que, atento este excerto que a Recorrente deliberadamente ocultou da transcrição feita nas suas alegações, a douta decisão recorrida não só é clara e inteligível, como é perfeitamente consentânea com os seus fundamentos, sendo de lamentar que a Recorrente tenha truncado um segmento essencial da douta decisão recorrida para tentar alegar a sua nulidade, pelo que esta pretensão da Recorrente deve ser rejeitada. IV. Atento o disposto nos artigos 7.º, n.º 3, 285.º e 289.º do Código Civil, bem como a circunstância de os diversos "atos" cuja declaração de nulidade a Recorrente pede indiscriminadamente serem atos societários - designadamente, deliberações sociais - e ainda o regime próprio, especial, da invalidade das deliberações sociais , conforme previsto nos artigos 56.º a 58.º do Código das Sociedades Comerciais, a eventual declaração de nulidade pedida pelo Recorrente em A) não implica, sem mais, e muito menos de forma automática, a nulidade das deliberações sociais ulteriores nem a obrigação de proceder ao cancelamento de uma série de registos referentes a estas mesmas deliberações, nas quais a própria Recorrente admite não haver qualquer vício intrínseco (vide pág. 20 das alegações) pelo que competia à Recorrente ter alegado vícios concretos dessas deliberações ou das manifestações de vontade dos 5.ª e 6.º RR que a elas conduziram, o que não fez, pelo que a petição inicial é inepta quanto a estes pedidos, por ausência de causa de pedir. V. Contrariamente ao que devia ter feito, a Recorrente não alegou, nem na p.i., nem durante a instrução do processo, que atos padeciam de que vícios (pelo contrário, até alegou que os atos não têm vícios, pelo menos vício intrínsecos, i.e., próprios), nem os factos que fundamentariam tais presumidas pretensões, tendo deixado o Tribunal a quo na ingrata posição de não conseguir determinar por que razão ou razões a Recorrente pretendia - e até mesmo se, em concreto, pretendia - a nulidade da deliberação de aumento de capital, e/ou da deliberação de transformação em S.A. (e, tratando-se esta última, como bem sublinha a douta sentença, de uma tríplice deliberação, quais das deliberações que a compõem deveriam ser afetadas por que vícios e, relativamente a cada uma delas, porquê) e/ou a deliberação de nomeação de administração plural, decorrente da transformação em sociedade anónima e/ou apensa a concreta designação dos novos administradores, ficando o Tribunal impedido, por falta de causa de pedir, de avaliar o mérito do pedido. VI. Sempre com o intuito de defender o pretendido efeito de "pesca de arrastão" que, supostamente (na pretensão da Recorrente), tornaria automaticamente nulas as deliberações sociais da 2.ª Ré por mera decorrência da alegada nulidade de um negócio anterior (do qual a 2.º Ré nem sequer foi parte, tal como o Recorrido), a Recorrente parece confundir deliberações dos sócios e/ou gerentes da A. com deliberações dos sócios e/ou gerentes da 2.ª Ré, trazendo à colação figuras como a da colusão ou a do negócio ou ato ofensivo da ordem pública e dos bons costumes, sem que, no entanto, tivesse alegado o que quer que fosse para sustentar essa sua pretensão, em concreto, quanto às deliberações sociais da 2.ª Ré e, também, parecendo esquecer que nenhum dos RR. era gerente da A. aquando das deliberações tomadas pela 2.ª Ré, pelo que a ineptidão da petição inicial conforme decidida no douto despacho saneador-sentença, é apenas a consequência lógica e necessária da inobservância pela Recorrente do seu dever fundamental de sustentar os referidos pedidos em factos, relativamente a cada concreta deliberação cuja "nulidade" a Recorrente pretendia ver declarada. VII. A eventual avaliação pelo Tribunal sobre a verificação in casu de factos suscetíveis de integrar figuras jurídicas como a colusão, ou a ofensa da ordem pública e dos bons costumes ou até mesmo o abuso de direito relativamente às deliberações sociais da 2.ª Ré que a Recorrente pretendia ver declaradas nulas (note-se que, aqui, não se trata a avaliação quanto ao negócio jurídico que é objeto principal dos presentes autos), tem de ter, obrigatoriamente, por fundamento (e, em todo caso, jamais dispensa) a alegação dos factos que suportem tais alegações e os correspondente pedidos. VIII. Ainda que a verificação de um eventual abuso de direito possa ser objeto de conhecimento oficioso e, por conseguinte, o seu conhecimento não esteja vedado ao Tribunal, esse conhecimento oficioso do abuso de direito não é ilimitado, na medida em que a oficiosidade não pode ir para além dos factos que foram alegados e controvertidos e que constituem o objeto do processo, sendo, pois, dentro dos limites traçados pelos articulados que se desenvolve a atividade cognitiva e decisória do Tribunal, o que traduz uma “vinculação temática” decorrente da autonomia e auto responsabilidade das partes, pelo que, até mesmo para que o Tribunal a quo pudesse ter verificado se houve ou não abuso de direito relativamente a cada uma das deliberações tomadas, o A. teria sempre de ter alegado, relativamente a cada uma delas, onde é que entendia estarem, quer o suposto direito, quer o suposto abuso, isto é, tudo o que a Recorrente, manifestamente, não fez. IX. Pelo que se acompanha, em suma e na íntegra, a conclusão lógica e necessária a que o Tribunal a quo chegou na douta decisão recorrida, ao concluir que "Na verdade, bem vistas as coisas, os referidos atos, consubstanciarão, em bom rigor, deliberações sociais que terão ocorrido em sede de assembleia geral. Ademais, a Autora nada diz de concreto quanto a todas e a cada uma dessas alterações à realidade social da 2.a Ré: quando, como e quem deliberou o aumento de capital? Sobre que forma ou modalidade? Foram respeitados os requisitos legais? [...] Nada disto foi alegado. Parece-nos que assiste razão aos Réus quando defendem que a petição inicial é inepta por falta de causa de pedir quanto a estes aspetos.", X. Não obsta à ineptidão a alegação feita, já em desespero de causa, pela Recorrente, segundo a qual estarão nas certidões do registo comercial por si juntas os factos que ela não alegou e que seriam, eventualmente, a causa de pedir quanto aos pedidos que pereceram por verificação da exceção de nulidade do processo, porquanto, como a própria Recorrente enumera nas suas alegações, não decorre do registo comercial nenhum facto suscetível de sustentar a causa de pedir da pretendida nulidade de qualquer das deliberações em causa. XI. Também contrariamente ao que alega a Recorrente, andou bem o Tribunal a quo ao ter decidido pela falta de causa de pedir em relação aos pedidos deduzidos em C), parte final, E), F) e G), parte final, desde logo porque a eventual procedência da nulidade invocada no pedido deduzido em A) não constitui automaticamente fundamento do cancelamento dos registos tal como assim pedidos em C), E) e F), como decorre da conjugação dos artigos 289.º, n.º 1, 2 e 3 e 1269.º e ss., todos do Código Civil, com o disposto no art.º 20.º do Código de Registo Comercial. XII. Não tem, por isso, qualquer fundamento a conclusão da Recorrente de que a mera declaração de nulidade, por sentença transitada em julgado, de um negócio jurídico sujeito a registo comercial, tenha por efeito automático, imediato e/ou necessário o cancelamento de quaisquer registos ulteriores, solução que, aliás, seria incomportável para o sistema jurídico como um todo, porquanto validaria uma insustentável insegurança jurídica durante todo o processo judicial de declaração de nulidade, em termos incompatíveis com a vida normal das sociedades e do comércio jurídico. XIII. Conforme - e bem - decidiu o Tribunal a quo, a 2.ª Ré não foi sujeito, mas sim objeto (mediato) da relação jurídica material controvertida nos autos, não tendo a Recorrente alegado, até ao presente recurso (e mesmo nele), qualquer facto lesivo praticado pela 2.ª Ré. e sendo ainda certo que, mesmo nas alegações do presente recurso, a Recorrente apenas imputa à 2.ª Ré factos idóneos e irrelevantes, como o sejam (i) a circunstância de ter levado a registo atos e factos que, segundo a própria Recorrente reconhece, tinha obrigação legal de apresentar, (ii) ter executado deliberações sociais dos seus próprios sócios/acionistas e (iii) a circunstância de o seu gerente - o qual era também gerente da Recorrente "saber do golpe" (o que implicaria, por absurdo, tivéssemos de considerar que a própria A. também "sabia do golpe"). XIV. Com base nesta parca e irrelevante factualidade, conclui a Recorrente, apenas em sede de alegações de recurso "Agiu, a 2.ª Ré, com má fé e consciente da ilicitude do facto cometido em prejuízo da Autora", sem no entanto concretizar em que medida "agiu" ou que "atos" em concreto praticou imbuída de suposta "má-fé", sendo certo que a 2.ª R. não "agiu" ou, pelo menos, nada fez - nem a Recorrente lhe apontou nada em concreto que tivesse feito - a não ser cumprir a lei e executar deliberações dos seus sócios tomadas em Assembleia-Geral, promovendo os registos legalmente obrigatórios, não lhe tendo sido imputado, nem mesmo em sede de recurso, nenhum ato ilícito em concreto que possa ser tido como lesivo da Recorrente, pelo que andou bem o douto despacho saneador-sentença na sua decisão. XV. O Tribunal a quo foi fiel ao percurso lógico decorrente da ineptidão da petição inicial quanto aos pedidos que, em concreto, diziam respeito aos únicos atos e factos nos quais a Recorrente imputa alguma intervenção, ainda que residual e não especificada, aos 5.º e 6.º RR., tendo, em consequência, concluído e decidido - s.m.o., muitíssimo bem - que "tendo em conta que se julgou inepta a petição inicial quanto aos supra referidos pedidos que diziam concretamente respeito aos 5.o e 6.o Réus, tão-pouco, estes são parte legítima na presente ação, porquanto nenhum interesse têm em contradizer factos em que nenhuma intervenção tiveram." XVI. Não constitui causa de pedir contra o Recorrido e a 5.ª Ré, no que concerne aos pedidos sobreviventes, a mera alegação genérica feita pela A., aqui Recorrente, nos artigos 49.º, 55.º e 56.º da p.i., de que os RR. (ali genericamente incluindo a 5.ª e o 6.º) "sabiam" ou "foram informados" "em face das circunstâncias descritas e decorrente das relações familiares e de amizade", sem esclarecer minimamente, em termos que tornem inteligíveis as "razões" aduzidas pela Recorrente, quais sejam essas "circunstâncias descritas", o que é que os 5.º e 6.º Réus em concreto "sabiam", como "souberam", até que ponto "sabiam", quando "souberam", onde, com que extensão, em que termos, se e em que medida se tornaram alegadamente conscientes de qualquer ato ilícito precedente, não tendo a Recorrente sequer esclarecido se a "informação" a que se refere é a que consta dos documentos ou a que é contada nos autos pela Recorrente, nem tendo alegado em que medida a transformação da sociedade e a entrada dos 5.º e 6.º Réus como acionistas "dificulta à Autora a invocação da invalidade do negócio de transmissão da sua quota", em que medida a suposta "informação" foi compreendida pelos Réus, ou em que medida motivou as suas ações, ou ainda em que medida foi a A. prejudicada por isso, em concreto (por contraposição aos supostos prejuízos causados pelo negócio colocado em crise pelo pedido A), carecendo os articulados de alegações essenciais relativamente a factos, danos, ilicitude, nexo de imputação do facto ao lesante, nexo de causalidade entre facto e dano, que seja suscetível sustentar ou sequer tornar inteligíveis as razões da Recorrente para sustentar os pedidos remanescentes contra os RR. XVII. A Recorrente não imputou ao Recorrido nem à 5.ª Ré qualquer participação no negócio em crise nos presentes autos, estando assente que estas apenas entraram no capital da sociedade 2.ª Ré aquando das deliberações de aumento de capital e transformação e não lhes tendo sido, sequer, imputada pela Recorrente a participação nessas deliberações sociais, pelo que se torna evidente que bem andou o Tribunal a quo ao absolver da instância o Recorrido e a 5.ª Ré. XVIII. A causa de pedir é o conjunto de factos concretos dos quais emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer, pelo que deve conter todos os factos essenciais que, por indicação do art. 5 nº 1 do CPC, são os que constituem a causa de pedir e relativamente aos quais, sendo essenciais, a falta de um deles implica a incompletude da causa de pedir e por isso mesmo a ineptidão da mesma, comprometendo o conhecimento do mérito da causa. XIX. Certo é que à 5.ª Ré e ao 6.º R., aqui Recorrido, não foi imputada qualquer participação no negócio cuja nulidade se pretende em A) nem a prática de qualquer ato lesivo relacionado com os pedidos não sobrantes, pelo que se torna evidente que bem andou o Tribunal a quo ao absolver da instância o Recorrido e a 5.ª Ré. XX. Nesta conformidade, forçoso é concluir que o despacho sob censura, além de não enfermar da nulidade invocada pela Recorrente, não incorreu em qualquer em erro de julgamento na apreciação das exceções, nem em violação do disposto nos artigos 186.º, n.º 1 al. a), 30.º, 278.º, n.º 1 alíneas b) e d), 577.º alíneas b) e e) - todos do Código de Processo Civil, contrariamente ao que conclui a Recorrente.”
§ 10.º Entretanto, no dia 16 de maio de 2023, a Autora requereu a junção aos autos de cinco documentos, nos seguintes termos: “1º A informação prestada no âmbito do procedimento administrativo destinado à celebração de contrato de concessão de exploração de lítio em ..., ..., na sequência do anterior contrato de concessão de prospeção de lítio celebrado com a DGEG, nos termos do qual permitiria, uma vez cumprido tal contrato, como foi, que o ulterior contrato – o da concessão de exploração - viesse a ser consigo celebrado ou com entidade que esta indicasse, contanto que, devidamente analisados os requisitos deste entidade privada assegurasse o interesse público em causa. Com efeito, 2º Por indicação de AA, no decurso daquele procedimento administrativo, a entidade escolhida (e veja-se em que data) para ficar como beneficiária da concessão da exploração do lítio foi a sociedade EMP06..., S.A. 3º Junta-se cópia dessa informação constante do procedimento administrativo que correu termos na DGEG – doc. ...1 4º Contrariando os termos em que aquele e GG haviam acertado, comunicando à DGEG, quanto à nova sociedade e sua constituição (com a correspondente e bem diferente distribuição de capital) daquela escolhida pelo dito AA já depois do plano de retirada do maior sócio da 2ª Ré. 5º Junta-se cópia do projeto de sociedade assim comunicado por ambos e que integra o Procedimento Administrativo. – doc. ...2. 6º Foi com esta última sociedade, já posteriormente ao “golpe palaciano” que consistiu, pela via descrita na ação, em remover a Autora do grémio social da sociedade EMP01..., LDA (depois transformada em anónima) e, bem assim, o seu sócio maioritário, transformando o tipo de sociedade e procedendo ao aumento de capital por via de novas entradas com pessoas ligadas familiarmente ou por via dos negócios que vinham já prosseguindo, que veio a ser celebrado com o ESTADO PORTUGUÊS, através do Ministério do Ambiente e da DGEG, o contrato de concessão de exploração do lítio. - Junta-se cópia desse contrato de concessão de exploração, de resto, público – doc. ...3. 7º Esta sociedade, com o capital social de 50.000€, foi fundada tendo como acionistas: AA com o capital de 2.500€; BB, com o capital de 7.000€; BB, em representação da EMP02..., Lda., com o capital de 18.750€; DD, com o capital de 1.750€; HH, com o capital de 6.750€. 8º Sendo os dois administradores os dois primeiros e vinculando-se a sociedade com a assinatura de ambos. 9º Junta-se cópia dessa escritura assim do da respetiva certidão permanente – docs. ...4 e ...5. 10º Os documentos antecedentemente mencionados relevam para a discussão da causa em matéria de responsabilidade civil e seus pressupostos, mais especialmente, para efeitos – nos termos de um dos pedidos formulados – da indemnização em que venham os RR a ser condenados ainda que a liquidar em execução de sentença. 11º O contrato de concessão de exploração de lítio, decorrido todo este tempo não logrou ainda iniciar a sua execução. 12º Sem embargo de outros mais prejuízos apenas contabilizáveis em face da situação que houver de ser apurada da 2ª Ré, é facto que sob contornos que evidenciam o propósito de todos os intervenientes na lide, o que se visou foi, como já dito, arredá-la de poder quinhoar nos lucros que adviessem da exploração do lítio ou de uma eventual transmissão da sua oposição em tal contrato de concessão de exploração e, bem assim de arredar a sócia maioritária da 2ª Ré. 13º Em relação ao contrato de concessão de exploração e por causa dele, foi intentada, estando em curso, ação administrativa para impugnação de atos, a qual se encontra a correr termos – como é do conhecimento deste tribunal – no TAF ..., sendo a ação aquela que se junta para melhor compreensão deste tribunal – doc. ...5. Requer, assim, pela pertinência e relevância para a discussão e boa decisão da causa, a admissão de tais documentos. Uma vez que estamos ainda na fase da audiência prévia, requer igualmente a dispensa do pagamento da multa, ainda mais que não foi possível obtê-los aquando da entrada da petição.
§ 11.º Os documentos apresentados com aquele requerimento foram os seguintes: “Contrato para atribuição da concessão de exploração de depósitos minerais de lítio e minerais associados, com o n.º de cadastro ... e com a denominação ..., numa área situada no concelho ..., à EMP06..., SA”, datado de 28 de março de 2019; escritura de constituição da sociedade EMP06..., SA, lavrada a 28 de fevereiro de 2019, em que intervieram como outorgantes AA, BB, por si e na qualidade de gerente de EMP02..., Lda., DD e HH; certidão permanente da matrícula da sociedade EMP06..., SA; email enviado por GG para o endereço ..., datado de 26 de março de 2019, a comunicar a propositura da presente ação; email’s enviados pelo Réu AA a II, datados de 19 e 22 de novembro de 2018, a identificar a EMP06..., SA, como sendo a sociedade que “outorgará o contato de concessão”; “Projeto de contrato de sociedade” (EMP01..., Lda.).
§ 12.º Os Réus AA, EMP01..., SA, BB e EMP02..., Lda., opuseram-se à junção dos referidos documentos.
§ 13.º Por despacho de 12 de junho de 2023, foi indeferida a junção dos documentos em questão, com os seguintes fundamentos (transcrição): “A junção dos documentos, sem ser aquando da apresentação dos articulados, só é admitida para prova da factualidade relevante para a decisão do objeto da causa e não para prova de qualquer outra posteriormente alegada ou que respeite a articulados que não foram admitidos. Os documentos cuja junção a Autora requer já foram objeto de apreciação em despacho anterior – que os não admitiu – e o documento n.º ... (projeto de pacto social de sociedade a constituir) não se nos afigura relevante para a discussão da causa.”
§ 14.º Inconformada, a Autora interpôs recurso do despacho acabado de transcrever, o qual culminou com as seguintes conclusões (transcrição): “1) Vem o recurso interposto da decisão que não admitiu os documentos juntos pela Autora no seu requerimento entrado em 16/05/2023. 2) A Autora/recorrente interpôs, também já, recurso autónomo do saneador sentença nos termos da qual circunscreveu a discussão dos autos a parte dos RR e a limitou à discussão de algumas relações jurídicas de entre as invocadas na petição, julgando procedente exceções de ilegitimidade e de ineptidão por falta de causa de pedir. 3) Contrariamente ao vertido na decisão recorrida não obsta à admissão de documentos juntos por uma das partes, no caso a Autora, o facto de os documentos agora não admitidos tivessem, com exceção do doc. ..., sido juntos com articulado superveniente que veio a ser julgado não admitido. 4) Tal é assim desde logo porque não foram agora juntos para prova dos factos daquele articulado, que é como se não existisse nos autos, mas para prova de factualidade controvertida na ação e alegada pela Autora na sua petição. 5) Na petição inicial alegou-se, nos artºs 32º a 56º (com referência a relações negociais e transmissões de participações e transformações da sociedade EMP01..., Lda.) e 78º a 80º, factualidade relacionada com a “Diabólica Aliança dos RR.”, materializada na atuação mancomunada e conciliada entre os demandados, visando arredar a Autora da sociedade EMP01..., Lda., (seguidamente transformada em anónima) na qual deteve uma participação no capital social equivalente a 95% do capital, sociedade, esta, que tinha sido concessionária do contrato de prospeção de lítio em ..., ..., e que pelo facto de ter cumprido com os deveres de tal contrato lhe foi atribuído (tal como advinha dos termos da lei) o direito de ser a concessionária no contrato de exploração de lítio naquele local. 6) Naqueles artigos da petição é expressamente referido esse concreto propósito da atuação de todos os RR, com especial e primeiríssima intervenção do então gerente AA para que definitivamente a Autora deixasse, não somente de participar no capital de tal sociedade e de gerir os seus destinos, como – e sobretudo – com a finalidade de a afastar dos benefícios que a sua participada iria retirar da circunstância de ser a entidade com quem o Estado Português, através do Ministério do Ambiente, iria celebrar o contrato de concessão da exploração de lítio, em ..., .... 7) Os documentos que foram juntos com o requerimento apresentado em 16/05/2023, são idóneos a cristalizar (reforçando) a prova acerca de tal finalidade dos demandados e do plano traçado desde o início, indo ao ponto, para mais decisivamente lograrem conseguir os seus intentos, de constituírem uma nova sociedade, a EMP06..., S.A., que o dito AA indicou à DGEG como sendo a sociedade com quem deveria ser celebrado o contrato de concessão de exploração, tal como veio a acontecer. 8) Tais documentos interessam para melhor compreender o plano gizado pelos demandados e, sobretudo, o propósito que estes tiveram em se apropriarem – ainda que através de uma nova sociedade que vieram a constituir – do principal ativo que constituía para a Ré EMP01..., SA (anteriormente sociedade por quotas) a exploração do lítio por meio do contrato de concessão de tal exploração a celebrar com o Estado Português, começando pelo afastamento da Autora do grémio social daquela sociedade, tal como descrito na petição.
E ASSIM 9) Ao não admitir a junção de tais documentos a decisão recorrida violou o disposto no artº 410º do CPC, devendo, uma vez assim, ser a mesma revogada e substituído por douto acórdão que ordene a admissão deles nos autos.”
§ 15.º A este recurso, respondeu a Ré EMP02..., Lda., pugnando pela respetiva improcedência, nos termos das seguintes conclusões (transcrição): “I. Andou bem a douta decisão recorrida ao rejeitar a junção aos autos dos documentos constantes do "Requerimento probatório" da Recorrente. II. O requerimento probatório da Recorrente que deu origem ao douto despacho recorrido apenas o é de nome, pois se trata, na essência, de um expediente para a reintrodução em juízo de alegações que não constam do objeto do processo, mas apenas de anterior articulado superveniente da A. /Recorrente que, atempadamente, foi rejeitado pelo tribunal a quo, sendo que os referidos documentos apenas visam - e até para isso são inaptos - suportar a prova de tal nova alegada factualidade. III. Acresce que os documentos cuja junção a A./Recorrente pretendia apenas são aptos a provar factos - a criação de uma sociedade veículo a criar especificamente para a concessão, tal como sempre tinha sido previsto - que nem sequer são objeto do litígio, não se relacionando com qualquer pedido nem com a causa de pedir. IV. Os documentos cuja junção foi rejeitada não se destinavam, por isso (e com resulta claro do próprio requerimento probatório), à prova de quaisquer factos da ação, mas apenas para suposta prova de supostas alegações novas feitas no próprio requerimento probatório - em tudo idênticas às que já constavam de articulado superveniente anteriormente rejeitado. V. A contrário do que alega a Recorrente, nem nos artigos 32.º a 56.º, nem nos artigo 78.º a 80.º da p.i., nem na restante p.i., foi alegada qualquer matéria para cuja prova seja relevante a junção dos documentos, dizendo estes apenas respeito a matéria do articulado superveniente rejeitado que a Recorrente quis repristinar nos presentes autos pela via do intitulado "Requerimento probatório", que mais não é do que a reedição do articulado superveniente em formato "light". VI. Os documentos são inidóneos e descabidos para provar, "cristalizar" ou "reforçar" qualquer prova acerca da suposta finalidade dos demandados e do alegado plano que a Recorrente imagina ter sido "traçado desde o início", porquanto nem se reportam ao momento da concretização do imaginado "plano", nem deles resulta ou se indicia qualquer "plano", nem se denota qualquer desvio face ao previamente traçado, nem, aliás, a mera criação de uma sociedade veículo para fins de receber uma concessão de exploração pode ser interpretada, por si só e sem mais elementos, como fazendo parte de qualquer "plano". VII. A pretensão da Recorrente ao apresentar este "articulado superveniente" - uma espécie de versão requentada do anteriormente rejeitado, a que chamou, impropriamente, "requerimento probatório" - foi, apenas e só, a de contornar a não admissão do seu articulado superveniente inicial e, usando da faculdade de juntar novos documentos, vir aos autos apresentar um articulado superveniente encapotado, usando de estratagema semelhante a um "cavalo de Tróia" para tentar reintroduzir nos autos, já após a audiência prévia, a matéria anteriormente rejeitada. VIII. Tal como sucede quanto aos documentos, os alegados factos constantes do auto-intitulado "Requerimento probatório" - que é, na verdade, um "neoarticulado superveniente" ou, mais rigorosamente, um "articulado neosuperveniente" - em nada relevam quanto aos supostos intentos dos RR. aquando da celebração do negócio que é causa de pedir nos autos, na medida em que se reportam, apenas, ao ulterior decurso normal de uma relação jurídica administrativa a que a. é alheia. IX. Conforme resulta claro do próprio "requerimento probatório", mas também da p.i., os alegados factos para cuja prova se requereu a junção dos documentos em causa não são objeto do processo, mas simplesmente alegações (novas) do requerimento probatório, que não se encontram em mais nenhum local no processo, que extravasam o instituto da ampliação do pedido ou da causa de pedir, que imporiam a intervenção de terceiros e sobre as quais, ademais, os RR. não se puderam pronunciar.”
§ 16.º Os dois recursos (§ 6.º e § 14.º) foram admitidos como de apelação, com subida em separado e efeito meramente devolutivo, o que não foi alterado por este Tribunal ad quem.
§ 17.º Concomitantemente com o despacho de admissão dos recursos, o Tribunal de 1.ª instância consignou, em termos tabulares, que o despacho saneador não enferma da nulidade invocada pela Recorrente.
***
II.
§ 18.º 1).1. As conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo da ampliação deste a requerimento do recorrido (arts. 635/4, 636 e 639/1 e 2 do CPC). Não é, assim, possível conhecer de questões nelas não contidas, salvo se forem do conhecimento oficioso (art. 608/2, parte final,ex vi do art. 663/2, parte final, ambos do CPC).
§ 19.º Também não é possível conhecer de questões novas – isto é, de questões que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida –, uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação.
§ 20.º Tendo isto presente, as questões que se colocam podem ser enunciadas da seguinte forma:
A) Recurso que recai sobre o despacho saneador:
1.ª questão: saber se é de admitir a junção aos autos do documento apresentado com o requerimento de interposição do recurso;
2.ª questão: saber se o despacho recorrido é nulo, ut art. 615/1, c), do CPC, por oposição entre os fundamentos e a decisão ou ambiguidade que o torne ininteligível, na parte em que absolveu os Réus CC e DD da instância com fundamento na exceção dilatória da ilegitimidade passiva;
3.ª questão: saber se o despacho recorrido enferma de erro sobre a matéria de direito na parte em que concluiu pela verificação da exceção dilatória da nulidade de todo o processo decorrente da ineptidão da petição inicial no que tange aos pedidos formulados na petição inicial sob as alíneas B) e C), com as consequências que daí resultam, em termos lógicos, para os pedidos formulados nas alíneas D), E), F) e G), na parte em que daqueles dependem;
4.ª questão: saber se o despacho recorrido enferma de erro sobre a matéria de direito na parte em que concluiu pela verificação da exceção dilatória da ilegitimidade passiva da Ré EMP01..., SA, quanto aos pedidos formulados na petição inicial sob as alíneas A), D), 1.ª parte, G) e H);
5.ª questão: saber se o despacho recorrido enferma de erro sobre a matéria de direito na parte em que concluiu pela verificação da exceção dilatória da ilegitimidade passiva dos Réus CC e DD quanto aos pedidos “sobrantes” (sic).
Excluído do objeto do recurso está o segmento do despacho saneador em que se decidiu que a Ré EMP01..., SA, e os Réus CC e DD carecem de legitimidade para o pedido formulado na petição inicial sob a alínea D), 3.ª parte (“… assim como deverá a gerência ficar em nome de GG, em consequência da destituição válida dessa qualidade do 1º Réu, com todas as demais consequências”).
B) Recurso que recai sobre o despacho de 12 de junho de 2023:
Questão única: saber se, ao rejeitar a junção aos autos dos documentos apresentados pela Autora no seu requerimento de 16 de maio de 2023, o despacho recorrido incorreu em erro de direito.
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III.
§ 21.º 1). Os factos a considerar na resposta às questões enunciadas são os que foram descritos no relatório que constitui a Parte I. deste Acórdão.
§ 22.º Há ainda que considerar, no conhecimento do recurso que tem como objeto o despacho de 12 de junho de 2023, os seguintes factos, decorrentes do iter processual:
1. Por requerimento apresentado no dia 19 de junho de 2019, que denominou de articulado superveniente, a Autora requereu a intervenção principal provocada de “EMP06..., S.A.” e HH, alegando para o efeito, em síntese, que: aquela sociedade foi constituída apenas com o intuito de neutralizar os efeitos da eventual procedência da presente ação; para ela foi transmitido o direito de exploração do lítio em ... que anteriormente era titulado pela 2.ª Ré.
2. Concluiu formulando, ainda, os seguintes novos pedidos, também dirigidos contra a sociedade cuja intervenção requereu: “- deve ser declarado nulo, por simulado, o contrato de constituição da sociedade EMP06..., SA, com as legais consequências; Quando assim não seja julgado: - deve ser proferida sentença que declare que a sociedade EMP06..., SA, foi constituída com abuso da personalidade jurídica, determinando a desconsideração de tal personalidade e autonomia jurídicas, condenando-a a reconhecer tal situação com efeitos em relação ao contrato de concessão celebrado com o Estado Português em 28/03/2019; Subsidiariamente: - ser a EMP06..., SA, condenada, solidariamente com os RR. a indemnizar a Autora pelos prejuízos sofridos e ainda pelos que esta venha a sofrer, em montante a fixar em liquidação de execução de sentença, mormente os ocasionados com a constituição de tal sociedade e ulterior celebração em 28/03/2019 entre esta e o Estado Português tendo por objeto o contrato de concessão de exploração de lítio em ... e relacionados com a impossibilidade de assim quinhoar nos lucros de exploração que esta última teria, caso não viesse a ser celebrado o contrato de concessão de exploração com a ora chamada, ou de obter, na proporção da sua anterior participação na 2ª Ré, o valor pela cedência do direito de exploração a terceiro.”
3. Esse requerimento foi acompanhado dos seguintes documentos: “Contrato para atribuição da concessão de exploração de depósitos minerais de lítio e minerais associados, com o n.º de cadastro ... e com a denominação ..., numa área situada no concelho ..., à EMP06..., SA”, datado de 28 de março de 2019; escritura de constituição da sociedade EMP06..., SA, lavrada a 28 de fevereiro de 2019, em que intervieram como outorgantes AA, BB, por si e na qualidade de gerente de EMP02..., Lda., DD e HH; certidão permanente da matrícula da sociedade EMP06..., SA; email enviado por GG para o endereço ..., datado de 26 de março de 2019, a comunicar a propositura da presente ação; email’s enviados pelo Réu AA a II, datados de 19 e 22 de novembro de 2018, a identificar a EMP06..., SA, como sendo a sociedade que “outorgará o contato de concessão.”
4. O referido requerimento foi indeferido por despacho de 6 de fevereiro de 2020, com a ref. ...50, do qual não foi interposto recurso.
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§ 23.º 2).1. Na sequência, vejamos a resposta a dar à 1.ª questão colocada no recurso que tem como objeto o despacho saneador, a qual nos remete para o disposto no art. 651/1 do CPC, do seguinte teor: “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o art. 425 ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância.”
§ 24.º Da articulação entre os dois preceitos – art. 425 e art. 651/1 – resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excecional, depende da alegação e da prova pelo interessado de uma de duas situações: (i) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; (ii) ter o julgamento de primeira instância introduzido na ação um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional.
§ 25.º A primeira situação está relacionada com a superveniência do documento, referida ao momento do julgamento em primeira instância, e pode ser caracterizada como superveniência objetiva ou superveniência subjetiva. A segunda pressupõe a novidade ou a imprevisibilidade da decisão recorrida relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo (STJ 30.04.2019, 22946/11.0T2SNT-A.L1.S2[2]).
§ 26.º Sobre esta última hipótese deve, no entanto, colocar-se uma ressalva, para a qual chamam a atenção Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, I, Parte Geral e Processo de Declaração – Artigos 1.º a 702.º, Coimbra: Almedina, 2018, p. 786): para a junção às alegações de recurso de um documento potencialmente útil à causa, mas relacionado com factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não pode servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado. Explicam os autores que a junção de documentos às alegações de recurso só pode ter lugar se a decisão da 1.ª instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento, quer quando a decisão se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam.
§ 27.º Resulta daqui que não é admissível a junção de documentos quando tal junção se revele pertinente ab initio, por tais documentos se relacionarem de forma direta e ostensiva com a questão ou as questões suscitadas.
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§ 28.º 2).2. Isto assente, no caso vertente, é em vão que se procura, no requerimento recursivo, uma justificação para a apresentação, nesta fase processual, do documento em causa. Vale isto por dizer, desde logo, que a Recorrente não cumpriu o ónus de alegar a superveniência do documento.
§ 29.º Por outro lado, tendo em conta o objeto do recurso, não se vislumbra a utilidade do documento: o que está em causa é a sindicância da decisão que recaiu sobre a verificação de pressupostos processuais; para este efeito há que atender aos elementos objetivos e subjetivos da ação tal como delineados pelo Autor na petição inicial, não relevando aspetos externos, designadamente os que se prendem com os fundamentos de facto da ação e a respetiva prova.
§ 30.º Por outro lado, o escrito em causa não é, em rigor, documento, tal como definido no art. 362 do Código Civil, mas uma mera minuta que não está sequer assinada, donde resulta a impossibilidade de identificar o respetivo autor. Não é, por isso, idóneo para provar o que quer que seja, designadamente a propositura e pendência de uma ação administrativa especial com vista à anulabilidade do contrato de concessão de 28 de março de 2019.
§ 31.º Pelo exposto, sem necessidade de outras considerações, a resposta à primeira questão é negativa.
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§ 32.º 3).1 Com isto passamos para a segunda questão que se prende com a nulidade do despacho saneador na parte em que julgou verificada a ilegitimidade passiva dos Réus CC e DD, absolvendo-os da instância.
§ 33.º Se bem percebemos, a Recorrente entende que aquele segmento está em contradição com os respetivos fundamentos e é ininteligível, por deixar dúvidas quanto aos pedidos que foram abrangidos por essa decisão de absolvição da instância – se os deduzidos na petição inicial sob as “alíneas A), D (1.ª e 3.ª parte), G) e H)”, se os “sobrantes” em relação àqueles.
Quid inde?
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§ 34.º 3).2. Diz o art. 615/1, c), do CPC que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. A norma é aplicável aos despachos, com as necessárias adaptações: art. 613/3 do CPC.
§ 35.º Sobre a primeira previsão da norma (oposição entre os fundamentos e a decisão), a jurisprudência vem assinalando que o vício ocorre quando os fundamentos de facto e/ou de direito invocados pelo julgador deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao expresso na decisão. Trata-se, pois, de um vício estrutural da sentença, por contradição entre as suas premissas, de facto e de direito, e a conclusão, de tal modo que esta deveria seguir um resultado diverso. A propósito, inter alia STJ 8.10.2020 (361/14.4T8VLG.P1.G1), STJ 20.05.2021 (69/11.2TBPPS.C1.S1) e STJ 15.11.2021 (2534/17.9T8STR.E2.S1).
§ 36.º Não se trata de um simples erro material (em que o julgador, por lapso, escreveu coisa diversa da que pretendia – contradição ou oposição meramente aparente), mas de um erro lógico-discursivo, em que os fundamentos invocados pelo julgador conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto ou, pelo menos, direção diferente (contradição ou oposição real).
§ 37.º Por outro lado, o vício em apreço também não se confunde com o denominado erro de julgamento – isto é, com “a errada subsunção dos factos concretos à correspondente hipótese legal, nem, tão pouco, a uma errada interpretação da norma aplicada, vícios estes apenas sindicáveis em sede de recurso jurisdicional”, cf. STJ 17.11.2020 (6471/17.9T8BRG.G1.S1).
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§ 38.º 3).3. Na segunda previsão (ininteligibilidade), estão em causa as situações em que o sentido da decisão não é percetível (obscuridade) ou em que se presta a interpretações diferentes (ambiguidade). No dizer de Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, V, reimpressão, Coimbra: Coimbra Editora, 1984, p. 152), “[n]um caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que, em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é suscetível de duas interpretações diversas, não se sabe, ao certo, qual o pensamento do juiz.” No mesmo sentido, na jurisprudência, STJ 11.10.2022 (77/18.2T8CLD-C.C1.S2), STJ 31.01.2023 (2759/17.7T8VNG.P2.S1), STJ 1.06.2023 (1203/19.0T8MTS.P1.S2) RE 3.11.2016 (1774/13.4TBLLE.E1) e RG 4.04.2019 (2030/17.4T8VRL.G).
§ 39.º A ambiguidade ou obscuridade relevante não é apenas aquela que afeta o dispositivo; é também a que se verifica quanto aos fundamentos. Não é, porém, qualquer ambiguidade ou obscuridade que provoca a nulidade da sentença, mas apenas aquela que torna a decisão ininteligível. Ou seja, quando a decisão e o raciocínio que lhe está subjacente (o silogismo judiciário) não se logra entender, por surgir como enigmático, impenetrável, inacessível.
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§ 40.º 3).4. Isto dito, no caso vertente, a exegese do despacho saneador, na parte que aqui está em causa, pressupõe que, previamente, se proceda ao seu enquadramento sistemático. Assim, o conhecimento da exceção dilatória da ilegitimidade passiva dos Réus CC e DD foi precedido da decisão de absolvição da instância de todos os Réus relativamente aos pedidos que se entendeu não estarem suportados numa causa de pedir, a saber, na expressão ipsis litteris do Tribunal a quo, os das alíneas “B) e C), D (regresso ao tipo de sociedade por quotas e com o capital de € 5 000,00), E) (quanto ao cancelamento do aumento de capital e de transformação da sociedade 2.ª Ré em sociedade anónima), F) e G) (quanto à condenação no cancelamento dos títulos nominativos e destruição das ações e destruição das mesmas).”
§ 41.º Enquadrando deste modo o segmento decisório em causa, conseguimos perceber que o adjetivo sobrantes foi utilizado, no despacho saneador recorrido, com referência aos pedidos em relação aos quais os referidos Réus CC e DD não tinham sido antes absolvidos da instância por verificação da exceção dilatória da nulidade de todo o processo – ou seja, a contrario,os pedidos das alíneas A), D), parte restante (“restituírem à Autora a quota social”; “destituição válida dessa qualidade do 1º Réu”), E, parte restante (cancelamento do registo do ato de transmissão da quota que era titulada pela Autora no capital social da Ré EMP01..., SA); F) e G), parte restante (pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de valor nunca inferior a € 2 500,00 por cada dia de atraso na restituição da quota social à Autora).
§ 42.º Deste modo, o sentido da decisão é perfeitamente compreensível – o que, acrescentamos, é mesmo evidenciado pelas restantes conclusões em que foi cristalizada a pretensão recursiva.
§ 43.º Improcede, portanto, a arguida nulidade do despacho saneador recorrido.
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§ 44.º 4).1. Passamos para a terceira questão colocada no recurso que tem como objeto o despacho saneador. Está nela em causa a ineptidão da petição inicial, por falta de causa de pedir, quanto aos pedidos formulados nas alíneas “B) e C), D (regresso ao tipo de sociedade por quotas e com o capital de € 5 000,00), E) (quanto ao cancelamento do aumento de capital e de transformação da sociedade 2.ª Ré em sociedade anónima), F) e G) (quanto à condenação no cancelamento dos títulos nominativos e destruição das ações e destruição das mesmas).”
§ 45.º Como é sabido, o pedido, na sua dimensão funcional, enquanto “forma da tutela jurisdicional requerida para uma situação jurídica material” (Miguel Teixeira de Sousa, As Partes, o Objeto e a Prova, Lisboa: Lex, 1995, p. 121), tem de ser fundamentado. Neste sentido, resulta do art. 552/1, d), do CPC que, na petição inicial, o autor deve expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir – a qual estabelece, nos processos pautados pelo princípio do dispositivo (art. 2.º/1), os limites dos poderes de cognição do tribunal (art. 615/1, d), do CPC) – e as razões de direito que servem de fundamento à ação. O art. 5.º/1 do mesmo diploma acrescenta que “[à]s partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.”
§ 46.º Estamos aqui, indiscutivelmente, perante um ónus, cuja inobservância, redundando numa situação de falta de causa de pedir, tem como consequência uma desvantagem para o autor: a ineptidão da petição inicial, nos termos previstos no art. 186/2, a), do CPC.
§ 47.º A citada norma do art. 552/1, d), permite afirmar que a causa de pedir desempenha uma função individualizadora da pretensão material ou do direito potestativo alegado pelo autor, pelo que o critério a seguir para a enunciar é necessariamente jurídico: no dizer de João de Castro Mendes / Miguel Teixeira de Sousa (Manual de Processo Civil, I, Lisboa: AAFDL, 2020, p. 411), “é a previsão de uma regra jurídica que fornece os elementos para a construção de uma causa de pedir. Portanto, a causa de pedir é um conceito processual que é construído com base na previsão de regras de direito substantivo.”
§ 48.º Por outro lado, quando se atente na referência que as normas citadas fazem a factos essenciais e se comparem as mesmas com a do n.º 2 do art. 5.º do CPC, tem se concluir-se que a causa de pedir não é constituída por todos os factos de que pode depender a procedência da ação, mas apenas por aqueles de que “procede a pretensão deduzida” (art. 581/4 do CPC) e que, por isso, são necessários para a individualizar. Estão, assim, excluídos da causa de pedir os factos complementares, que são os que concretizam ou complementam os factos essenciais (art. 5.º/2, b)), e os factos probatórios ou instrumentais, que são os que indiciam, através de presunções legais ou judiciais (arts. 349 e 351 do Código Civil), quer os factos essenciais, quer os factos complementares.
§ 49.º A exclusão dos factos complementares do conceito de causa de pedir tem uma consequência: a omissão da sua alegação não implica a ineptidão da petição inicial com fundamento na falta de causa de pedir. Neste sentido, na doutrina, António Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II, 2.ª ed., Coimbra: Almedina, 1998, pp. 188-206; Miguel Teixeira de Sousa, “Algumas questões sobre o ónus de alegação e de impugnação em processo civil”, Scientia Iuridica, LXII, n.º 332, 2013 (pp. 395-412);João de Castro Mendes / Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil cit., p. 412; Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2.ª ed., Coimbra: Almedina, 2017, pp. 21 e 155; António Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, I, Coimbra: 2018, pp. 605-606. Na jurisprudência, RC 7.11.2017 (1335/13.8TBCBR.C1), RL 24.11.2020 (393/12.7TBAGH-B.L1-1) e RP 8.03.2022 (3281/20.0T8PNF.P1).
§ 50.º No último aresto citado, relatado pelo Desembargador João Ramos Lopes, escreve-se, com apoio na doutrina de Miguel Teixeira de Sousa, que “[a] causa de pedir é constituída apenas pelos factos essenciais – e por isso ainda que se conceba ser o nosso sistema processual civil marcado pela teoria da substanciação, exigindo a indicação específica ou concreta dos factos constitutivos do direito feito valer (só pela demonstração de tais factos em juízo alcançará o autor a tutela jurisdicional desejada), não bastando a mera alegação do direito em causa ou a reprodução da norma ou normas de que aquele emana, não pode deixar de reconhecer-se que a orientação atualmente consagrada no direito português impõe uma conceção deflacionista da causa de pedir, correspondente à chamada teoria da individualização aperfeiçoada, segundo a qual a causa de pedir é constituída apenas pelos factos necessários à individualização do pedido do autor.”
§ 51.º No mesmo sentido, aponta o recente Acórdão desta 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães de 9.11.2023 (872/20.2T8VNF-H.G1), relatado pela Desembargadora Alexandra Viana Lopes, do qual respigamos a seguinte passagem:
“Deste modo, na petição inicial, sob pena de ineptidão por falta de alegação de causa de pedir, o autor apenas tem de alegar os factos essenciais, ou seja, a facticidade que integra o núcleo essencial constitutivo do direito ou da situação jurídica concreta que invoca de onde emerge o direito a que se arroga titular, no qual onde faz assentar o pedido, isto é, os factos que individualizam o concreto contrato ou a concreta situação jurídica que constitui a fonte do direito que invoca e onde faz assentar o pedido, mas já não os factos complementares nem os instrumentais, o mesmo se dizendo quanto às exceções invocadas pelas partes, em relação às quais, quem as invoca apenas tem de alegar os factos essenciais integrativos dessa exceção e que a individualizam.
Não obstante, apesar de não terem de ser alegados pelas partes, o juiz, na sentença deve julgar provados os factos complementares que resultem da instrução da causa e em relação aos quais tenha observado o princípio do contraditório (art. 5º, n.º 2, al. b)) e, bem assim, em sede de fundamentação do julgamento da matéria de facto, os factos instrumentais que se provaram na sequência da instrução da causa (arts. 5º, n.º 2, al. a) e 607º, n.º 4).”
§ 52.º A satisfação do ónus de indicação da causa de pedir apenas com a alegação dos factos essenciais é uma decorrência da função que o legislador adjetivo atribui à causa de pedir em sede de petição inicial: a de delimitar o objeto da ação para assim assegurar a sua admissibilidade. É por isso que a falta de causa de pedir torna a petição inicial inepta e constitui motivo para o seu indeferimento liminar (art. 590/1) ou para a absolvição do réu da instância (arts. 278/1, b), e 577, b), do CPC). Os factos complementares, embora necessários para a procedência da ação, não têm essa função, mas a de garantir que a ação está em condições de ser julgada procedente, com a consequente afirmação da pretensão deduzida pelo autor.
§ 53.º Resulta daqui que, apesar de tais factos – os complementares – não integrarem a causa de pedir, o autor tem sempre o ónus de os alegar para que a ação esteja em condições de ser julgada procedente. O que sucede é que, na lição de João de Castro Mendes / Miguel Teixeira de Sousa (Manual de Processo Civil cit., pp. 412-413), “a omissão da sua alegação na petição inicial não tem nenhum efeito preclusivo, não só porque incumbe ao juiz convidar o autor a alegar esses factos (art. 590/2, b) e 4), mas também porque aqueles factos podem ser adquiridos durante a instrução e discussão da causa (art. 5.º/2, b)), sem que tal importe uma alteração da causa de pedir. É neste sentido que deve ser interpretado o disposto nos arts. 5.º/1 e 552/1, d): o autor cumpre o ónus imposto neste preceito com a alegação dos factos que constituem a causa de pedir, pois que a omissão da alegação de quaisquer factos complementares não implica nenhuma preclusão quanto à sua posterior invocação pela parte (na sequência do convite previsto no art. 590/2, b), e 4), nem obsta à sua aquisição em juízo através da instrução da causa (art. 5.º/2, b)).” Defende-se mesmo que, na última hipótese – a aquisição por via da instrução da causa –, a consideração dos factos complementares tem natureza oficiosa, havendo apenas que assegurar o cumprimento do contraditório. Assim, Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo cit., pp. 21 e 255; António Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta, Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado cit., p. 606; Miguel Teixeira de Sousa, Código de Processo Civil Online, p. 10, nota 11. Na jurisprudência, RP 15.09.2014 (3596/12.0TJVNF.P1), RE 3.11.2016 (232/10.3T2GDL.E1), RC 16.02.2016 (12/14.7TBAGN.C1) e RL 17.05.2018 (495/16.0T8SCR.L1-6).
§ 54.º Esta definição do conceito de causa de pedir leva João de Castro Mendes / Miguel Teixeira de Sousa (Manual de Processo Civil cit., p. 414), a concluírem que “já não vigora no direito processual civil português a teoria da substanciação, isto é, a teoria, própria da época do processo comum, segundo a qual a causa de pedir é constituída por todos os factos necessários (mesmo aqueles que constituem a causa agendi remota) para obter a procedência da ação: a orientação atualmente consagrada no direito português corresponde à chamada teoria da individualização aperfeiçoada, segundo a qual a causa de pedir é constituída apenas pelos factos necessários à individualização do pedido do autor.”
§ 55.º Por outro lado, como escrevemos, os factos essenciais que constituem a causa de pedir são, necessariamente, factos jurídicos, no sentido de que são enquadráveis na previsão de uma regra jurídica. Neste particular, afigura-se que aquilo que releva, para que a petição inicial preencha o requisito da aptidão, é, precisamente, o enquadramento jurídico feito pelo autor (as “razões de direito” a que alude o art. 552/1, d), do CPC). Se, de acordo com a lógica interna dessa qualificação, estiverem alegados os factos essenciais, a petição será apta. Daí que, conforme escreve Mariana França Gouveia (A Causa de Pedir na Ação Declarativa, Coimbra: Almedina. 2004. P. 152), “se a lógica jurídica do autor, se o seu juízo causa-efeito é entendível, ainda que lhe falte muito a nível de argumentos, nomeadamente de facto, para ver a sua ação proceder, a petição inicial será apta.”
§ 56.º Passado o crivo da aptidão, segue-se o da concludência. Neste, cabe ao juiz apurar se a ação, tal como definida pelo autor nos seus elementos objetivos, tem condições para ser julgada procedente. Nessa tarefa, o juiz não está vinculado à qualificação jurídica dos factos essenciais feita pelo autor, o que é consequência do princípio iura novit curia, consagrado no art. 5.º/3, que estabelece, além da liberdade de aplicação do direito em concordância com a qualificação fornecida pelas partes, também a liberdade de qualificação dos factos alegados pelas partes.
§ 57.º Se, na sequência, concluir que os factos essenciais alegados não são enquadráveis na previsão da norma jurídica em que o autor estriba a pretensão, nem na de qualquer outra suscetível de conduzir ao mesmo resultado (vigora aqui o princípio da exaustão, nos termos do qual o tribunal tem o dever de esgotar todas as possíveis qualificações jurídicas dos factos alegados pelas partes), estará perante uma situação de inconcludência (e não de ineptidão da petição inicial). A consequência já não será a nulidade de todo o processo, mas a improcedência da ação.
§ 58.º De dizer, finalmente, que a observância do ónus da alegação dos factos essenciais pressupõe que estes sejam devidamente substanciados, não bastando, por isso, afirmações de natureza genérica ou conclusiva nem a simples enunciação de conceitos técnico-jurídicos. A título de exemplo, estando em causa o cumprimento de obrigações pecuniárias derivadas de contrato, o autor não pode limitar-se a alegar que é titular de um crédito ou que celebrou com o réu um contrato de determinado tipo; tem de descrever o conteúdo das declarações negociais que, conjugadas, formam o mútuo consenso que está na base do contrato de que aquele crédito emerge. Se não o fizer, a petição será inepta; se o fizer de forma insuficiente ou imprecisa, a petição será deficiente, devendo ser corrigida (art. 590/4). Neste sentido, escreve-se em RG 27.10.2022 (86/21.4T8GMR.G1), relatado pela Desembargadora Maria Cristina Cerdeira, que “A petição inicial apenas é inepta, quando o autor não indica o núcleo essencial do direito invocado, tornando ininteligível e insindicável a sua pretensão; a insuficiência ou incompletude do concreto factualismo consubstanciador da causa petendi, não determina, em termos apriorísticos e desde logo formais, de inepta a petição, apenas podendo contender, em termos substanciais, com a atendibilidade do pedido. Só a falta total (e já não a escassez) ou ininteligibilidade da causa de pedir é que gera a ineptidão da petição inicial.”
§ 59.º A este propósito, importa ainda frisar que, como ensinam João de Castro Mendes / Miguel Teixeira de Sousa (Manual de Processo Civil cit., p. 418), o ónus de substanciação não é igual para todos os factos. Há que considerar as assimetrias na informação das partes e, por isso, há que distinguir entre os factos que o autor não pode desconhecer e os factos que o autor não tem o dever de conhecer. Estes, de que são exemplo os factos respeitantes ao réu, não estão submetidos ao mesmo grau de substanciação que os factos que o autor não pode desconhecer. Quando a eles, o autor “só pode ter, quando muito, um ónus de alegação da sua verosimilhança. Além disso, a falta da substanciação quanto a esses factos pode ser suprida quer, na sequência da obrigação de informação (art. 573 do Código Civil), pelo dever de esclarecimento que recai sobre o réu (art. 7.º/2), quer pelo depoimento da parte (que pode recair sobre qualquer facto de que a parte deva ter conhecimento: cf. art. 454/1). Dito de outra forma: perante a impossibilidade do cumprimento do ónus de substanciação pelo autor relativamente a um facto que não tem a obrigação de conhecer, pode recorrer-se a institutos que impõem à contraparte o esclarecimento ou o depoimento sobre o facto.”
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§ 60.º 3).5. Assente o que antecede, vejamos então a situação dos autos, começando por lembrar que está em causa, grosso modo, o pedido de declaração de nulidade dos atos praticados pelos sócios da Ré EMP01..., SA, de que resultaram, na expressão da Autora, as seguintes consequências: “aumento de capital social”, “transformação de sociedade por quotas em sociedade anónima” e “designação dos administradores e designação dos demais órgãos, assim como quanto à forma de a vincular.”
§ 61.º No despacho saneador considerou-se que este pedido carece de causa de pedir com base em dois argumentos: a Autora não identificou as correspondentes deliberações sociais cuja declaração de nulidade pretende, nem as descreveu; especificamente em relação à “transformação” da Ré EMP01..., SA, de sociedade por quotas em sociedade anónima, a Autora não alegou factos enquadráveis na previsão de qualquer uma das alíneas do art. 131 do Código das Sociedades Comerciais.
§ 62.º A Recorrente entende que esta leitura da petição inicial não é correta; segundo ela, na causa de pedir gizada na petição inicial não está em causa um “vício intrínseco” dos referidos atos, mas a sua desconformidade com o “interesse público” e os “bons costumes” (sic), na medida em que integraram a execução do plano gizado pelos Réus AA e EE, a que aderiram os demais, com o objetivo de, através de artifícios, se apropriarem da quota de que era titular no capital social da Ré EMP01..., SA.
Quid inde?
§ 63.º Notando que a petição inicial mais não é que uma declaração de vontade dirigida ao tribunal e à parte contrária (cf. Paula Costa e Silva, Ato e Processo, Coimbra: Coimbra Editora, 2003, pp. 450-451; e E. Santos Júnior, “Ónus de impugnação e admissão por acordo de factos não impugnados (art. 490 do Código de Processo Civil”, Cadernos de Direito Privado, n.º 12, Outubro / Dezembro de 2005, pp. 54 e ss., maxime pp. 63-64), e começando pelo segundo argumento do Tribunal a quo, importa notar que, na narrativa construída na petição inicial, os referidos atos – conceito este que, por facilidade de exposição, neste momento utilizamos num sentido amplo, sem preocupações com o seu rigor técnico-jurídico – foram praticados com o objetivo de, em caso de declaração de nulidade do contrato de dação em pagamento, obstar à condenação da Ré EMP02... na obrigação de restituir à Autora a quota de que esta era titular no capital social da Ré EMP01..., SA.
§ 64.º Esta alegação, colocada no plano abstrato em que nos situamos, faz sentido. Com efeito, diz o art. 289/1 do Código Civil que a declaração de nulidade tem efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente. Resulta daqui que, declarada a nulidade de um negócio jurídico, nem sempre é possível o regresso ao status quo ante. A tal pode opor-se a realidade, seja a jurídica, seja a prática, como sucede, por exemplo, nos contratos de execução duradoura ou nos contratos em que a prestação de uma das partes já está exaurida. É o que sucede, também, se entre a celebração do contrato e o momento da declaração de nulidade a coisa objeto do direito que por ele foi transmitido se perder ou ficar destruída. Há então lugar a um sucedâneo da obrigação derestituição – a liquidação do contrato inválido, sendo que nesta se atende, em regra, ao valor que as partes atribuíram à prestação que não pode ser restituída. A propósito, Maria Clara Sottomayor, “art. 289.º”, AAVV, Comentário ao Código Civil – Parte Geral, 2.ª ed., Lisboa: UCE, 2023, p. 870.
§ 65.º Ora, se o ato de transformação da Ré EMP01..., SA, de sociedade por quotas em sociedade anónima, permanecer na ordem jurídica, em caso de procedência do pedido da alínea A), não será possível a restituição da quota de que a Autora era titular no capital social daquela. É que, conforme escrevem Elda Marques / Hugo Duarte Fonseca, “art. 136.º”, AAVV, Jorge Manuel Coutinho de Abreu (coord.), Código das Sociedades Comerciais em Comentário, II, 3.ª ed., Coimbra: Almedina, 2021, p. 651, “a transformação envolve, em regra, uma substituição da espécie de participação social correspondente ao novo tipo societário adotado. As participações antigas são extintas e são atribuídas novas participações em sua substituição.”
§ 66.º É isto, se bem percebemos, o que explica que o pedido da alínea B) surja na sequência do pedido de declaração de nulidade do contrato de dação em pagamento (alínea A)) e antes do pedido de condenação na restituição da participação social que foi seu objeto mediato (alínea D)). Este segundo só será juridicamente possível se a situação societária anterior à transformação for reposta, o que pressupõe a procedência do pedido da alínea B). Caso contrário, a restituição da quota, com o seu valor relativo, será uma impossibilidade.
§ 67.º Nesta perspetiva – que, percute-se, é a correspondente à narração feita na petição inicial –, os atos em causa integram-se na execução de um plano, elaborado pelos Réus AA e EE e executados com a colaboração dos Réus BB, CC e DD, de apropriação da quota da Autora no capital social da Ré EMP01..., SA.
§ 68.º Se assim é, então temos de concluir que, ao contrário do que aparenta, a presente ação não é baseada na invalidade dos negócios jurídicos identificados nos pedidos, mas no instituto da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos. Aqueles pedidos reconduzem-se, afinal, à reconstituição da situação que existiria se não fosse a lesão, sendo assim enquadráveis no disposto no art. 562 do Código Civil. Dito de outra forma, na lógica da Autora, a reconstituição natural a que a norma dá preferência implica que os efeitos das deliberações de que resultou a transformação da sociedade e o aumento do seu capital social sejam eliminados da ordem jurídica, sendo este o sentido a dar ao termo nulidade. Trata-se de uma questão – a de saber se a reconstituição natural pode conduzir à eliminação dos efeitos de negócios jurídicos celebrados em execução do ato ilícito, em que termos e no quadro de que institutos jurídicos – que reveste natureza substantiva e que, por assim ser, contende com o mérito da ação. Sem entrar na discussão, o que seria aqui despropositado, sempre adiantamos que podem encontrar-se subsídios para o enquadramento de tal questão na doutrina que, a propósito da culpa in contrahendo e das situações de violação de deveres de informação que redundam na celebração de um contrato indesejado, discorre sobre se a indemnização pode redundar, através da reconstituição natural do dano, na revogação do contrato celebrado, quando não se verifiquem os pressupostos da sua anulabilidade fundada em erro ou esta já não seja possível por ter decorrido o prazo de caducidade para a propositura da ação. Assim, Paulo Mota Pinto, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, II, Coimbra: Coimbra Editora, 2008, pp. 1395 e ss. e 1412 e ss.; Fernando Oliveira e Sá, “art. 227.º”, AAVV, Comentário ao Código Civil – Parte Geral, 2.ª ed., Lisboa: UCE, 2023, p. 615.
§ 69.º Nesta medida, o pedido da alínea B), tem uma causa de pedir. A consistência jurídica desta é questão situada a jusante e que extravasa o objeto deste recurso.
§ 70.º Vejamos agora o primeiro argumento do Tribunal a quo, começando por dizer que são corretas as considerações feitas no sentido de que os efeitos que a Autora pretende eliminar decorrem de deliberações sociais e que estas não foram descritas nem circunstanciadas.
§ 71.º Afigura-se, no entanto, que daqui não deriva uma omissão do aludido ónus de alegar factos essenciais, por duas razões.
§ 72.º Em primeiro lugar, porque a Autora utiliza dois critérios – um finalístico e outro temporal – que permitem determinar quais são as deliberações que pretende sejam declaradas nulas e, assim, delimitar a causa de pedir. De acordo com o primeiro, estão em causa todas as deliberações que levaram ao aumento do capital social da Ré EMP01..., SA, à transformação do tipo societário, à entrada de novos sócios e à alteração da forma de a vincular. De acordo com o segundo, estão em causa, as deliberações que conduziram àqueles resultados que foram tomadas depois da celebração do contrato de dação em pagamento por via do qual a titularidade da quota foi transmitida da esfera jurídica da Autora para a esfera jurídica da Ré EMP02....
§ 73.º Em segundo lugar, subsistindo, ainda assim, a indefinição, que redunda numa deficiente observância do ónus de substanciar, há forma de a ultrapassar: a prestação de esclarecimentos pela Ré EMP01..., SA, ou pelos Réus que participaram no processo de tomada das deliberações em questão. Com efeito, estão em causa factos do foro interno da Ré EMP01..., SA, não sendo, por isso, exigível que a Autora, excluída que está do universo societário, tenha conhecimento deles. Estamos, assim, parente uma situação em que se impõe uma menor exigência no cumprimento do ónus de substanciar, nos termos indicados no § 58.º.
§ 74.º Concluímos, assim, que a petição inicial não padece do vício da ineptidão que lhe foi apontado no despacho saneador recorrido quanto ao pedido da alínea B) e, por decorrência, quanto aos pedidos das alíneas C), D (regresso ao tipo de sociedade por quotas e com o capital de € 5 000,00), E) (quanto ao cancelamento do aumento de capital e de transformação da sociedade 2.ª Ré em sociedade anónima), F) e G) (quanto à condenação no cancelamento dos títulos nominativos e destruição das ações), que são mero desenvolvimento daquele.
§ 75.º A terceira questão colocada no recurso que tem por objeto o despacho saneador merece, portanto, uma resposta positiva.
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§ 76.º 4).1. Passamos para a quarta questão, em que está em causa a ilegitimidade da Ré EMP01..., SA, quanto aos pedidos formulados na petição inicial sob as alíneas A), D), 1.ª parte, G) e H).
§ 77.º Nos termos do art. 30/1 do CPC, “[o] autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer.”
§ 78.º O n.º 2 do mesmo artigo define o alcance do interesse de que resulta a legitimidade: a legitimidade do autor afere-se pela utilidade derivada da procedência da ação e a legitimidade do réu pelo prejuízo que dessa procedência advenha. Quer isto dizer que o autor é parte legítima sempre que a procedência da ação lhe confira (para si e não para outrem) uma vantagem ou utilidade, e o réu é parte legítima sempre que se vislumbre que tal procedência lhe venha a causar (para si e não para outrem, também) uma desvantagem. Como escreve Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, I, 3.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 1948, p. 84) exige-se que o interesse seja direto. “Não basta, pois, um interesse indireto ou reflexo; não basta que a decisão da causa seja suscetível de afetar, por via de repercussão ou por via reflexa, uma relação jurídica de que a pessoa seja titular.”
§ 79.º Ao contrário da personalidade e da capacidade judiciária – que são requisitos abstratamente exigidos para que qualquer pessoa possa ser autor ou réu em qualquer ação –, a legitimidade consiste numa posição da parte perante determinada ação – posição que lhe permite dirigir a pretensão formulada ou a defesa que contra esta possa ser oposta (Antunes Varela / J. Miguel Bezerra / Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra, 1985, p. 131).
§ 80.º Perante isto, a questão que se coloca é a de saber se a eventual procedência dos pedidos em causa é suscetível de trazer à referida Ré um prejuízo direto e concreto.
§ 81.º Sem prejuízo de disposição legal em contrário, a legitimidade apura-se pela relação controvertida tal como ela é configurada pelo autor na petição inicial (art. 30/3).
§ 82.º Esta norma reproduz a do art. 26/3 do CPC anterior, na redação emergente da reforma levada a cabo pelo DL n.º 329-A/95, de 12.12. Com a sua parte final, ficou resolvida, no sentido propugnado por Barbosa de Magalhães (Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil, I, p. 16), a questão que, no âmbito do primitivo art. 26, o opunha a Alberto dos Reis (Legitimidade das Partes, Boletim da Faculdade de Direito, VIII, pp. 64 e ss.). Entendia este processualista que a relação material controvertida atributiva da legitimidade não devia ser a configurada pelo autor na petição inicial, mas a que no decurso da causa se viesse a apurar como verdadeiramente existente.
§ 83.º A questão não era inócua: a solução de Barbosa de Magalhães, também sufragada por Palma Carlos (Projeto de Alteração de Algumas Disposições dos Livros I e II do Código de Processo Civil, Lisboa, 1961, pp. 57 e ss.) e por Castro Mendes (Direito Processual Civil, I, Lisboa, 1980, p. 170), tinha como consequência a absolvição do pedido nos casos em que se apurasse que os sujeitos da relação material controvertida real e verdadeira não coincidiam com os anunciados pelo autor. Pelo contrário, a tese de Alberto dos Reis, também defendida por Antunes Varela et. al. (ob. cit., pp. 140 e ss.), considerava que, em tais hipóteses, o réu era parte ilegítima e, em consequência, devia ser absolvido da instância.
§ 84.º Deste modo, podemos concluir que, como escreve Miguel Teixeira de Sousa (Sobre a Legitimidade Processual, BMJ, n.º 331, p. 46), “a legitimidade da parte pressupõe (...) uma relação formal, independente da apreciação do mérito da causa, da parte processual com o objeto adjetivo: a legitimidade processual é aferida pela posição, naturalmente decorrente ou legalmente configurada, da parte adjetiva perante a situação subjetiva constante do objeto processual. Como o objeto do processo é a função processual requerida para uma individualizada pretensão processual e como o réu está tematicamente vinculado ao objeto adjetivo definido pelo autor, a legitimidade adjetiva implica uma conexão das partes com o objeto adjetivo configurado pelo autor. Para aferir a legitimidade processual nada mais é preciso – não é nomeadamente necessário pressupor que o direito invocado pelo autor e o correlativo dever imputado ao réu existem, porque tal pressuposição só é infirmatória da legitimidade processual se as partes não forem os titulares do objeto adjetivo, isto é, se não existir uma coincidência entre as partes processuais e os alegados titulares do objeto do processo, e só é atributiva da legitimidade adjetiva se as partes forem os titulares do objeto processual, isto é, se existir uma coincidência entre as partes adjetivas e os invocados titulares do objeto da causa.”
§ 85.º Do exposto decorre uma consequência importante: não relevam, nesta sede, elementos externos ao objeto formal do processo, mas apenas a posição das partes em relação a esse objeto, tal como ele é gizado pelo autor na petição inicial.
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§ 86.º 4).2. Isto dito, relembrando que o objeto processual consiste, grosso modo, na obrigação dos Réus indemnizarem a Autora pela perda da quota de que esta era titular no capital social da Ré EMP01..., SA, a resposta à questão enunciada passa por saber se da narrativa factual feita na petição inicial resulta que a Ré EMP01..., SA, praticou atos de execução do plano de que resultou aquele dano.
§ 87.º O primeiro núcleo de atos em que podemos decompor o referido plano é constituído por negócios jurídicos em que a Ré EMP01..., SA, então EMP01..., Lda., não teve qualquer intervenção. Referimo-nos ao reconhecimento de dívida e ao aval, que são negócios jurídicos unilaterais praticados pelo Réu AA, o primeiro em representação da EMP01..., Lda., o segundo em representação da Autora, bem como à dação em pagamento, que foi celebrada pela Autora e pela Ré EMP02.... Para substanciar esses negócios, foram alegadas declarações de vontade dos gerentes das sociedades que em cada um deles interveio, nessa qualidade, assim dando expressão física à vontade adrede formada pela pessoa jurídica.
§ 88.º O segundo núcleo é composto pelas deliberações, tomadas pelos sócios da Ré EMP01..., SA, de que resultou o aumento do capital social, a transformação do tipo societário, a designação de administradores e a forma de vinculação da sociedade.
§ 89.º Tais deliberações são a expressão da vontade da sociedade, previamente formada através do voto dos sócios. A sua execução e concretização prática, necessariamente através das pessoas físicas que são titulares dos órgãos representativos, representam, em última instância, a atuação da vontade da pessoa coletiva.
§ 90.º Se assim é, então tem de concluir-se que, na tese da Autora, a que releva para este efeito, contribuíram para o dano – consubstanciado na destruição da quota social e do seu valor relativo no capital social da Ré EMP01..., SA –, não apenas as declarações de vontade dos sócios expressas através do voto, mas também a vontade da sociedade que, por essa via, foi formada.[3]
§ 91.º Vale isto por dizer que a narrativa factual constante da petição inicial coloca a Ré EMP01..., SA, como agente de parte dos concretos atos em que se decompõe o ato ilícito causador do dano, assim surgindo justificada a sua demanda, com arrimo no disposto nos arts. 490 e 497 do Código Civil.
§ 92.º Saber se assim ocorreu em termos factuais é algo externo ao objeto processual, não relevando, face ao critério enunciado, para aferir da legitimidade processual, mas da eventual improcedência da ação no que tange à Ré EMP01..., SA.
§ 93.º A resposta à quarta questão é, portanto, afirmativa.
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§ 94.º 5) O que antecede dá o mote para a 5.ª questão. Está em causa saber se os Réus CC e DD são titulares da relação material controvertida, tal como esta foi configurada pela Autora na petição inicial, no que tange aos pedidos sobrantes – ou seja, os pedidos das alíneas A), D), parte restante (“restituírem à Autora a quota social”; “destituição válida dessa qualidade do 1º Réu”), E, parte restante (cancelamento do registo do ato de transmissão da quota que era titulada pela Autora no capital social da Ré EMP01..., SA); F) e G), parte restante (pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de valor nunca inferior a € 2 500,00 por cada dia de atraso na restituição da quota social à Autora).
§ 95. ºPois bem, tendo em conta, por um lado, que a causa de pedir assenta, como vimos, na responsabilidade civil e, por outro, que, segundo a narrativa, o dano sofrido pela Autora – consubstanciado na perda da sua participação no capital socia da Ré EMP01..., SA – foi o resultado de uma atuação concertada entre os Réus AA e EE, com a colaboração de todos os demais Réus, temos que a estes é imputada a coautoria do ato ilícito e a consequente obrigação de indemnização, em regime de solidariedade passiva, nos termos previstos nos arts. 490 e 497 do CC.
§ 96.º Isto permite afirmar a legitimidade passiva dos Réus CC e DD em relação aos pedidos em questão, com a consequente resposta afirmativa à 5.ª questão.
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§ 97.º 6.1. Antes de respondermos à questão colocada no recurso que recai sobre o despacho de 12 de junho de 2023, abrimos um parêntesis para notar que apenas está nela em causa o relevo dos documentos cuja junção aos autos foi rejeitada para prova dos factos alegados na petição inicial que permanecem controvertidos, aspeto que não foi apreciado no despacho proferido no dia 6 de fevereiro de 2020. Este apenas se pronunciou sobre a admissibilidade do articulado superveniente apresentado pela Autora no dia 19 de junho de 2019 e da alteração que por este se pretendeu introduzir nos elementos objetivos e subjetivos da instância, negando-a. Não obsta, portanto, ao conhecimento da questão enunciada: como se sabe, o caso julgado formal (art. 620 do CPC), com o inerente efeito preclusivo, apenas se constitui relativamente às questões que tenham sido concretamente apreciadas em decisão anterior. A propósito, STJ 14.05.2019 (241-09.5TYVNG-A.P2.S1), RP 30.01.2017 (881-13.8TYVNG-A.P1), RG 1.07.2021 (1478-16.6T8AMT.G2), RG 6.10.2022 (1216-22.4T8VRL-A.G1) e RG 30.03.2023 (3584-20.3T8VCT-A.G1)
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§ 98.º 6).2. Isto dito, importa começar por dizer que, de entre as normas que a Constituição da República dedica ao direito processual civil, em relação ao qual se confirma, também, a máxima segundo a qual o “direito processual é direito constitucional aplicado” (Miguel Teixeira de Sousa, Introdução ao Processo Civil, 2.ª ed., Lisboa: Lex, 2000, pp. 24 e ss), conta-se a do art. 20/4, saída da Revisão de 1997, que prevê o direito a um processo equitativo. Este direito está também consagrado no art. 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, no art. 14/1 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e no art. 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. De acordo com Adrian Zuckerman (“L’influenza della Convenzione europea dei diritti dell’uomo sul processo civile inglese”, AAVV, Michele Taruffo e Vincenzo Varano (coord.), Diritti Fondamentali e Giustizia Civile in Europa, Torino, 2002, pp. 123-124), o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem considerado implícitos no direito a um processo equitativo (i) o direito de acesso aos tribunais, (ii) o direito ao contraditório, (iii) o direito à igualdade de armas, (iii) o direito a uma correta apresentação das provas, (iv) o direito ao contrainterrogatório das testemunhas e (v) o direito a uma sentença fundamentada. Entre nós, o direito à prova, foi reconhecido enquanto corolário do direito a um processo equitativo no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 359/2011, de 12.07.2011, relatado pelo Conselheiro Cura Mariano. Gomes Canotilho (“O ónus da prova na jurisdição das liberdades”, Estudos sobre Direitos Fundamentais, 2.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2008, p. 169), propõe mesmo a deslocação do direito à prova do estrito campo jusprocessualístico para o localizar no terreno constitucional. Desdobra o direito constitucional à prova em “direito à prova em sentido lato (poder de demonstrar em juízo o fundamento da própria pretensão) e o direito à prova em sentido restrito (alegando matéria de facto e procedendo à demonstração da sua existência).”
§ 99.º Em matéria civil, o direito à prova permite a cada uma das partes submeter ao tribunal as provas de que dispõe, bem como solicitar medidas de instrução destinadas à obtenção das provas de que ainda não dispõe. Sobre aquela primeira dimensão, Michele Taruffo (“Il diritto alla prova nel processo civile”, Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile XXXIX, n.º 1, pp. 74 e ss.), refere que o direito de apresentar provas seria inútil e ilusório se a ele não se ligasse o direito à aquisição das mesmas, uma vez consideradas admissíveis e relevantes.
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§ 100.º 6).2. A prova tem como referência a verdade de um facto. Neste sentido, o art. 2404 do Código Civil de 1867 definia prova como “a demonstração da verdade dos factos alegados em juízo”, fórmula que não difere substancialmente da que consta do art. 341 do Código Civil atual: “As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos.”
§ 101.º Habitualmente, está em causa um facto real, sendo que “factos são não só os acontecimentos externos, mas também os estados emocionais e os eventos do foro interno, psíquico” (STJ de 17.12.2019, 756/13.0TVPRT.P2.S1), como o conhecimento e a intenção. O que sucede é que a apreensão destes não pode ser feita de forma direta, como explica Michele Taruffo, La Prueva des los Hechos, 2.ª ed., Madrid: Trotta, 2005, p. 166, quando escreve que “[q]uando o facto juridicamente relevante é verdadeiramente um facto psíquico (não redutível ou reconduzível a uma declaração), quase nunca é determinado diretamente. O verdadeiro objeto do conhecimento do juiz, pelo contrário, são indícios que tendem a ser recolhidos em esquemas tipificados, sob a premissa de que esses indícios típicos produzem com razoável segurança a determinação do facto psíquico em questão, ao qual a norma atribui consequências normativas. No entanto, é muito discutível a ideia de que, realmente, nestas situações, o juiz determina a verdade ou a existência de um facto psíquico interno da mesma forma que determina presuntivamente um facto material do qual não tem prova direta. Em vez disso, o que acontece é que o juiz conhece apenas indícios que se encaixam num esquema típico e, com base nesse conhecimento, considera subjacente o pressuposto de facto que se está a tentar determinar. Dizer que, neste caso, estamos perante uma determinação indireta, mas tipificada do facto psíquico é talvez uma complicação formal inútil. É provavelmente mais realista pensar que esse facto psíquico não é realmente determinado; é antes substituído por uma constelação de indícios que são tipicamente considerados equivalentes a ele e que representam o verdadeiro objeto da determinação probatória. Em resumo, o facto psíquico interno não existe como objeto de prova e a sua definição normativa é apenas uma formulação elíptica cujo significado se reduz às circunstâncias específicas do caso concreto.”
§ 102.º A prova pode, no entanto, ter também como objeto uma realidade conjetural. Assim, escrevem João de Castro Mendes / Miguel Teixeira de Sousa (Manual de Processo Civil, I, Lisboa: AAFDL, 2022, p. 468) que “a prova pode ter como referência quer a prognose (como sucede, por exemplo, quando se trata de fixar o montante da pensão de alimentos devida ao alimentando), quer a hipótese (como acontece, por exemplo, quando se procura determinar o que teria sucedido se algo não tivesse sido omitido).”
§ 103.º Mais concretamente, o objeto da prova são os factos pertinentes para a decisão do pleito que permanecem controvertidos e, por isso, necessitados de prova (art. 410 do CPC). Seguindo a sistematização de João de Castro Mendes / Miguel Teixeira de Sousa (Manual cit., p. 471), são necessitados de prova os factos alegados por uma parte e impugnados pela outra (art. 574/2 do CPC); os factos que, não tendo sido impugnados, não possam ser confessados ou que só possam ser provados por documento escrito (art. 574/2), os factos não impugnados pelo Ministério Público ou por advogado oficioso que represente incapazes, ausentes e incertos (art. 574/4) e ainda os factos que não foram impugnados numa situação de revelia inoperante (arts. 567/1 e 568, b) e d) do CPC). Deste modo, a contrario, não carecem de prova os factos admitidos por acordo por falta de impugnação (art. 574/2) e os que tenham sido confessados por uma das partes (art. 352 do Código Civil). De entre os factos articulados pertinentes, os que falta provar são incluídos nos temas da prova (arts. 591/1, f), e 596/1 do CPC), o que vale por dizer que “o objeto da prova são os factos que constam dos temas da prova (art. 410 do CPC)” (João de Castro Mendes / Miguel Teixeira de Sousa, idem). Neste particular importa realçar que, como escreve Lebre de Freitas (A ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2013, p. 207), o art. 410 do CPC padece de uma incorreção terminológica ao dizer que “a instrução tem por objeto os temas da prova enunciados e, pleonasticamente, que, só na falta dessa enunciação o seu objeto são os factos necessitados de prova.” E prossegue: “Provam-se factos; não se provam temas.” Os temas da prova constituem apenas quadros de referência, dentro dos quais há que recorrer (…) aos factos alegados pelas partes. Estes factos são, em primeira linha, os factos principais da causa. Mas, com os factos instrumentais se constituindo a via a seguir, de acordo com as regras da experiência para atingir a prova dos factos principais, também eles são objeto de prova (…) Ponto é que os factos instrumentais se situem na cadeia dos factos probatórios que permitem chegar aos factos principais que as partes tenham alegado, ou constituam factos acessórios relativamente a esses.” No mesmo sentido, Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, I, Coimbra: Almedina, 2018, p. 622. Na jurisprudência, RG 17.12.2014 (2777/12.1TBBRG.G1).
§ 104.º Neste âmbito, diz o art. 342 do Código Civil que àquele “que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”, acrescentando que “a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.” Estas regras são sintetizadas no brocardo judex debet judicare secundum allegata et probata, nom secundum constientiam suam, encontrando as seguintes exceções, também de acordo com a síntese de João de Castro Mendes / Miguel Teixeira de Sousa (Manual cit., p. 472): factos complementares ou concretizadores que decorram da instrução da causa (art. 5.º/2, b), do CPC); factos probatórios (ou instrumentais) que resultem da instrução da causa (art. 5.º/2, a), do CPC), factos notórios (art. 5.º/2, c), do CPC) e factos de que o tribunal tenha conhecimento em virtude do exercício das suas funções (idem).
§ 105.º Por outro lado, não são objeto de prova razões, argumentos, pontos ou questões de direito. Não se provam, designadamente, regras jurídicas, em relação às quais vale o princípio irua novit curia, que apenas é ressalvado nas situações de invocação de direito consuetudinário, local ao estrangeiro, que a parte que o invocar tem o ónus de provar, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal (art. 348/1 do Código Civil).
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§ 106.º 6).3. É, porém, precipitado afirmar-se, sem mais, que a recusa de um meio de prova constitui uma violação do direito à prova. Por um lado, o procedimento probatório requer um certo formalismo, designadamente a observância de prazos; por outro, o direito é necessariamente limitado pelo respetivo objeto: a prova de factos relevantes que permanecem controvertidos. Neste sentido, são de recusar os requerimentos probatórios que se apresentem como meramente dilatórios, versem sobre factos irrelevantes para a decisão da causa ou que estejam já provados. A propósito, Michele Taruffo (“Il diritto alla prova cit., p. 73) escreve que “a relevância da prova define e circunscreve exatamente o objeto do direito à prova, que se configura assim como um direito à prova relevante. No mesmo sentido, Isabel Alexandre (Prova Ilícitas em Processo Civil, Coimbra: Almedina, 1998, p. 73) refere que é de “aceitar a existência de elementos intrínsecos do direito à prova que, como qualquer direito, não pode ser concebido como absoluto.”
§ 107.º Para além dos apontados limites intrínsecos, reconhecem-se outros, impostos pela necessidade de tutelar outros direitos, especialmente direitos fundamentais. Estes têm, portanto, de apresentar-se como justificados à luz do princípio da proporcionalidade, consagrado no art. 18/2 da Constituição da República, o que sucederá quando se mostrem preenchidos os seguintes requisitos (Isabel Alexandre, Provas Ilícitas cit., p. 75): “a) a necessidade de salvaguardar um interesse público preponderante; b) o respeito pelo princípio da proporcionalidade; c) a manutenção do núcleo intangível do direito à prova.” A propósito, vide TC n.º 681/2006, de 12.12.2006, relatado pelo Conselheiro Paulo Mota Pinto.
§ 108.º Perante isto, compreende-se que se afirme, como em STJ 17.12.2009, 159/07.6TVPRT-D.P1.S1, que, sendo o direito à prova um direito necessariamente instrumentalda realização de um outro, substantivo, “uma restrição incomportável da faculdade de apresentação de prova em juízo pode impossibilitar a parte de fazer valer o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva.” Deste modo, no dizer de Jorge Miranda / Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, p.190, “os regimes adjetivos devem revelar-se funcionalmente adequados aos fins do processo e conformar-se com o princípio da proporcionalidade, não estando, portanto, o legislador autorizado, nos termos dos artigos 13.º e 18.º, n.ºs 2 e 3, a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva.”
§ 109.º Em razão deste imperativo constitucional, “a própria interpretação das normas legais infraconstitucionais deverá ser feita por forma a salvaguardar a máxima e efetiva atividade probatória”, conforme se enfatiza no Acórdão desta Relação de 12.10.2023 (100/22.6T8MDR-C.G1), relatado pela Desembargadora Maria João Matos.
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§ 110.º 6).4. Centrando agora a atenção nos referidos limites intrínsecos, conclui-se, como no Acórdão desta Secção de 14.09.2023 (52/20.7T8PVL-A.G1), relatado pelo Desembargador Pedro Maurício, que os meios de prova apresentados ou requeridos pelas partes têm de assumir relevância, ou potencial relevância, para a prova (ou contraprova) dos factos necessitados de prova (art. 410 do CPC) e “só podem e devem ser admitidos os meios de prova que se apresentem como podendo ter relevância/pertinência para o apuramento da verdade material e justa composição do litígio” (art. 411 do CPC).
§ 111.º No dizer de António Santos Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, I, Coimbra: Almedina, 2018, p. 482), “pode afirmar-se que um meio de prova será pertinente desde que se pretenda provar com o mesmo um facto relevante para a resolução do litígio, seja de um modo direto, seja por se tratar de um facto constitutivo, impeditivo, modificativo ou extintivo, seja de um modo indireto, por se tratar de um facto que permite acionar ou impugnar presunções das quais se extraem factos essenciais.”
§ 112.º Deste modo, como se conclui no citado RG 14.09.2023, “a relevância jurídica dos meios de prova constitui uma condição da sua própria pertinência e deve ser verificada em função dos interesses concretos em causa na respetiva ação.
§ 113.º Já não serão admissíveis todos os meios de prova que se apresentem como irrelevantes (impertinentes) para a concreta causa a decidir, ou seja, todos aqueles que, atento o objeto do litígio em causa, se assumem como desnecessários ao apuramento da verdade material porque são insuscetíveis de acrescentar qualquer elemento probatório que se repercuta no desfecho da lide (não tem um mínimo de influência na decisão), seja porque dizem respeito a factos que já se mostram devidamente comprovados, seja porque respeitam a factos que não constam do elenco a apurar na causa (não integram os factos necessitados de prova).”
§ 114.º Como ali se relembra, também no âmbito da admissibilidade das provas, vigora o princípio da limitação dos atos consagrado no art. 130 do CPC, do qual decorre que não é lícito realizar no processo atos inúteis. Acrescentamos que este preceito deve ser conjugado com o do art. 6.º/1, do qual resulta que o dever de direção do processo também implica um dever de controlo sobre os pedidos formulados pelas partes, cabendo ao juiz recusar o que for impertinente (por ser irrelevante para a decisão da causa) ou dilatório (por ter apenas uma finalidade protelatória da decisão do processo).
§ 115.º Estas considerações valem para todos os meios de prova, inclusive a feita através de documentos: RE 17.01.2019 (2238/15.7T8STR-A.E1RP) 27.06.2022 (4549/21.3T8VNG-A.P1) e RG 12.01.2023 (318/22.1T8PTL.G1).
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§ 116. º 6).5. Analisando a situação dos autos à luz das precedentes considerações, importa começar por dizer que permanecem controvertidos e integram os temas da prova os factos que substanciam a execução do plano de apropriação da participação da Autora no capital social da Ré EMP01..., SA. Permanecem também controvertidos os factos que substanciam o móbil de toda a atuação dos Réus – alegadamente, a obtenção dos lucros provenientes da exploração do lítio na região de ... a que a titularidade daquela quota permitirá aceder, por via indireta, através do direito de quinhoar no lucros da sociedade beneficiária da concessão.
§ 117.º Os documentos em causa, na medida em que demonstram a celebração do contrato de exploração do lítio e, bem assim, o papel que os Réus AA, BB, por si e na qualidade de gerente da Ré EMP02..., e JJ, alguns dos alegados coautores do ato ilícito, tiveram nesse processo, são idóneos, a partir do plano abstrato em que, neste momento, nos situamos, a contribuir para a formação de um juízo probatório sobre os factos referidos no § anterior, o que permite refutar a tese da sua impertinência e, assim, justificar a sua junção aos autos.
§ 118.º A questão que se coloca a seguir prende-se com o momento em que tais documentos foram apresentados – depois da petição inicial, articulado em que, como vimos, foram alegados os factos para os quais podem ter relevo.
§ 119.º É sabido que o CPC vigente introduziu significativas alterações em sede de apresentação de prova documental, concretizadas no respetivo art. 423, com as quais se pretendeu disciplinar a tramitação processual e, no dizer de António Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Pires de Sousa (Código de Processo Civil cit., p. 499), “contrariar uma certa tendência, que se constituíra em verdadeira estratégia processual, traduzida em protelar a junção de documentos para o decurso da audiência final.”
§ 120.º Assim, no preceito em causa começa por se definir o regime-regra, de acordo com o qual “[o]s documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes” (n.º 1). De seguida, prevê situações de exceção: - no n.º 2, permite que “[s]e não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado”; - no n.º 3, acrescenta que “[a]pós o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.”
§ 121.º O regime assim definido funciona até ao encerramento da discussão, como decorre do art. 425 (“Apresentação em momento posterior”), onde se admite que, depois “do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”.
§ 122.º No caso, não tendo ainda sido indicada data para a realização da audiência final, situamo-nos no âmbito de aplicação da exceção do n.º 2, pelo que não há obstáculo temporal à junção dos documentos.
§ 123.º Afigura-se, no entanto, que deve haver lugar a multa: é que, não obstante estarem em causa documentos ulteriores à petição inicial, o que torna evidente a impossibilidade da sua apresentação com este articulado, certo é que a Autora os tem em seu poder, pelo menos, desde 19 de junho de 2019, conforme demonstra o facto de nessa data os ter para prova dos factos alegados no articulado superveniente que veio a ser rejeitado pelo despacho de 6 de fevereiro de 2020. Devia, por isso, tê-los apresentado imediatamente, com o escopo que agora tem em vista (a prova de factos alegados na petição inicial), em lugar de esperar três longos anos para o fazer, com a consequente perturbação da tramitação da causa.
§ 124.º Não ignoramos que a Autora apresentou os documentos nos dez dias subsequentes à notificação do despacho de enunciação dos temas da prova.
§ 125.º De acordo com Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, II, 4.ª ed., Coimbra: Almedina, 2019, p. 676), não havendo ou tendo sido dispensada a audiência prévia, as partes podem alterar os respetivos requerimentos probatórios no prazo geral de dez dias contado da notificação do despacho previsto no art. 596/1 do CPC. Trata-se de uma solução, obtida por analogia com a prevista no art. 598/2, que visa garantir às partes o exercício do mesmo direito que teriam se houvesse lugar ou não tivesse sido dispensada a audiência prévia.
§ 126.º Entendemos, porém, que, como salientam os mesmos Autores (ob. cit., p. 676), o art. 598 não se aplica à prova documental, uma vez que esta está sujeita a um regime próprio de apresentação (arts. 423 a 425). No mesmo sentido, Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil cit, p. 705
§ 127.º Em resumo, o despacho recorrido deve ser revogado no sentido do deferimento da junção dos documentos apresentados pela Autora com a condenação desta no pagamento de multa, situada entre 0,5 UC e 5 UC’s (art. 27 do RCP), sendo que, no caso, tendo em conta o número de documentos apresentados e, bem assim, o hiato temporal entre o momento em que a Recorrente devia ter feito a apresentação e aquele em que a fez, temos como adequado fixar a multa em duas unidades de conta.
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§ 128.º 7) Na procedência dos recursos, as custas devem ser suportadas pelos Recorridos que a eles apresentaram resposta e que, assim, ficaram vencidos: art. 527/1 e 2 do CPC.
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V.
§ 129.º Nestes termos, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o presente coletivo da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em:
1. Não admitir a junção aos autos do documento apresentado com o requerimento de interposição do recurso que recaiu sobre o despacho saneador, determinando o seu desentranhamento e entrega à Recorrente;
2. Julgar procedente o recurso que recaiu sobre o despacho saneador (Parte I., § 6.º, e, em consequência, revogar a decisão recorrida, substituindo-a nos seguintes termos: (i) julgam não verificada a exceção dilatória da nulidade de todo o processo decorrente da petição inicial no que tange aos pedidos formulados nas alíneas B), C) e F) da petição inicial e, bem assim, aos pedidos formulados nas alíneas D), E), e G), na parte em que daqueles dois primeiros dependem; (ii) julgam não verificada a exceção dilatória da ilegitimidade passiva da Ré EMP01..., SA, no que tange aos pedidos formulados nas alíneas A), D, 1.ª parte, G) e H), da petição inicial; (iii) julgam não verificada a exceção dilatória da ilegitimidade passiva dos Réus CC e DD no que tange aos pedidos formulados nas alíneas A), D), 1.ª parte, E, parte restante (cancelamento do registo do ato de transmissão da quota que era titulada pela Autora no capital social da Ré EMP01..., SA); F) e G), parte restante (pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de valor nunca inferior a € 2 500,00 por cada dia de atraso na restituição da quota social à Autora) da petição inicial;
3. Julgar procedente o recurso que recaiu sobre o despacho proferido no dia 12 de junho de 2013 e, em consequência, revogando a decisão recorrida, admitem a junção aos autos dos documentos apresentados pela Autora através do requerimento de 16 de maio de 2023, condenando a apresentante em multa cujo quantitativo fixam em duas unidades de conta;
4. Condenar os recorridos EMP01..., SA, AA e DD no pagamento das custas devidas pelo recurso que recaiu sobre o despacho saneador (§ 6.º deste Acórdão);
5. Condenar a recorrida EMP02..., Lda., no pagamento das custas devidas pelo recurso que recaiu sobre o despacho de 12 de junho de 2023 (§ 14.º deste Acórdão).
Notifique.
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Guimarães, 19 de dezembro de 2023
Os Juízes Desembargadores, Gonçalo Oliveira Magalhães (Relator) Rosália Cunha (1.ª Adjunta) Maria João Marques Pinto Matos (2.ª Adjunta)
[1] Cf. retificação da petição inicial requerida a 6.07.2020, sob a ref. ...92, e deferida pelo despacho de 7.10.2020, ref. .... [2] Disponível, como os demais indicados no texto, em www.dgsi.pt. [3] O Código das Sociedades Comerciais não define a natureza jurídica das deliberações sociais. Na doutrina nacional prevalece o entendimento de que a deliberação é um negócio jurídico da sociedade, formado mediante as declarações de vontade dos sócios que são expressas através dos respetivos votos. Assim, Jorge Manuel Coutinho de Abreu, AAVV, Jorge Manuel Coutinho de Abreu (coord.), Código das Sociedades Comerciais em Comentário, I, Coimbra: almedina, 2013, p. 638.