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DIREITO AO SILÊNCIO DO ARGUIDO
PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA DO ARGUIDO
PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO
Sumário
I. A nossa lei processual penal consagra, de forma expressa e clara, o direito do arguido a não prestar declarações ou, prestando-as, de se recusar a responder a alguma ou todas as perguntas, e ainda a proibição de se se extrair dessa opção processual alguma consequência contrária ao interesse do arguido [artigos 343.º, n.º 1 e 345.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal].
II. Esta proibição impede que o juiz interprete o silêncio do arguido e lhe atribua qualquer significado probatório para estabelecer na sentença a prova dos factos que lhe são desfavoráveis, não se aceitando, de todo, que o silêncio do arguido possa ser tido como um indício de prova ou que funcione como uma presunção de facto sobre a culpabilidade.
III. Porém, se é verdade que o exercício do direito ao silêncio não pode prejudicar o arguido, também não lhe pode trazer benefício, não podendo o arguido esperar que o seu silêncio reforce a presunção de inocência, anulando o valor das provas produzidas demonstrativas da sua culpabilidade, como o são no caso dos autos.
IV. O arguido pode manter-se em silêncio, sem que tal atitude o desfavoreça, mas não pode pretender que daí surja um agravamento do ónus da prova imposto ao Ministério Público ou um especial direito à absolvição com base no princípio in dubio pro reo.
Texto Integral
Acordaram, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:
I- RELATÓRIO
I.1 No âmbito do processo comum coletivo n.º 27/19.... que corre termos pelo Juízo Central Cível e Criminal ... – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., em 26 de agosto de 2023, foi proferido acórdão condenatório, no que aqui releva, com o seguinte dispositivo [transcrição]: “IV. Decisão Pelo exposto, acorda o Coletivo de Juízes que compõe este tribunal em julgar a acusação pública, parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência: (…) c) Absolver o arguido AA da prática em autoria material de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 2.º, n.º 1, als. m) e an), n.º 5, al. p), 3.º, n.º 2, al. i), 3.º, n.º 2, al. ab) e 86.º, n.º 1, al. d) do Regime Jurídico das Armas e Munições (RJAM) aprovado pela Lei n.º 5/2006 de 23 de fevereiro; d) Absolver o arguido AA da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência às tabelas I-B e I-C anexas àquele diploma legal; (…) l) Condenar o arguido AA pela pratica em autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. nos artigos 21.º n.º 1 e 25.º, alínea a) do Dec. Lei n. o 15/93, de 22 de janeiro, com referência à tabela I-C, anexa ao mesmo diploma legal conjugado com o artigo 9.º e mapa anexo da Portaria n.º 94/96, de 26 de março, na pena de 2 anos de prisão; m) Suspender a pena aplicada ao arguido AA pelo mesmo período de tempo; (…) t) Declarar perdidas a favor do Estado as quantias em dinheiro apreendidas nos presentes autos (arts. 36.º, n.º 2, do D.L. 15/93, e 111.º, n.º 2, do Código Penal; u) Declarar perdidas a favor do Estado as armas e munições apreendidas nos autos, nos termos dos artigos 109.º/1 do Código Penal (cfr. também o artigo 94.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro) e determinar a sua entrega à PSP, que promoverá o seu destino (artigo 78.º/1 da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro). (…) ”. [sublinhado e negrito nossos].
I.2 Recurso da decisão
Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o arguido AA, para este Tribunal da Relação, com os fundamentos expressos na respetiva motivação, da qual extraiu as seguintes conclusões [transcrição]: “ (…) 1. O arguido não cometeu o crime de que foi condenado no acórdão agora impugnado; 2. A convicção/motivação do Tribunal “a quo” atropela gritante e gravemente os Princípios Constitucionalmente consagrados e os direitos dos arguidos, que, por todos, especialmente pelos órgãos decisores, tem que ser obrigatoriamente respeitados. 3. O acórdão proferido Tribunal “a quo”, desrespeita os princípios fundamentais e basilares do nosso ordenamento penal português e da Constituição da República Portuguesa. 4. Embora seja referido no acórdão que o silêncio do arguido nunca o poderá prejudicar, o certo é que depois o Tribunal “a quo”, mais não faz que condenar o silêncio do arguido afirmando que: “…o arguido pode prestar declarações e não o fez…”, “…o arguido pode esclarecer…”, “…E assim na falta de uma explicação válida para os factos ocorridos, desde logo porque não prestou declarações nas quais até poderia ter declarado que tal se destinava ao seu consumo bem como as quantidades consumidas diariamente…” 5. Aliás, o Tribunal “a quo”, salvo melhor opinião ainda vai mais longe na sua errática interpretação em relação ao silêncio do arguido, pois ao afirmar no acórdão que: “…Contudo, se o silêncio não o pode prejudicar, cremos nós que também não o deverá beneficiar…”, o Tribunal “a quo” está a defender que o arguido não poderá ser beneficiado pelo seu silêncio. 6. No entanto, salvo melhor opinião, não é isso que decorre da lei, nem dos princípios fundamentais do direito penal e consagrados na Constituição da República Portuguesa. 7. Sendo certo que, nos presentes autos, segundo o entendimento do arguido, o busílis da questão, salvo melhor opinião, nem sequer se coloca em se saber se o silêncio do arguido o deve beneficiar, mas sim coloca-se em se saber de o seu silêncio o pode prejudicar. 8. Ora, entendendo o arguido que não é a ele que compete esclarecer, prestar declarações, apresentar justificações, entendendo que essa incumbência compete a quem acusa, que tem o ónus de fazer prova dos factos que imputa aos arguidos, e tendo o arguido o direito ao silêncio, não pode ser o arguido prejudicado por única e simplesmente lançar de um direito que lhe assiste. 9. Ou seja, o Tribunal “a quo” coloca no arguido o ónus de justificar, esclarecer, de prestar declarações, quando sobre o arguido não existe esse ónus e, salvo melhor opinião, não compete ao arguido justifica-se, nem esclarecer. 10. Assim o Tribunal “a quo”, lamentavelmente, inverte o espírito dos Princípios Constitucionalmente consagrados, colocando o ónus da prova no arguido e não na acusação. 11. Facto pelo qual o acórdão proferido está gravemente impregnado de violações ao Princípio da Presunção de Inocência e do princípio do “In Dubio Pro Reo”, atropelando o direito ao silêncio que assiste ao arguido, para justificar a sua condenação, motivo pelo qual não se concorda com o acórdão proferido. 12. O Tribunal “a quo” fundamenta também a condenação do arguido tendo em consideração a quantidade do produto estupefaciente apreendido e o local onde se encontrava acondicionado. 13. Relativamente a quantidade do produto estupefaciente apreendido e ao local onde se encontrava acondicionado, reitera-se tudo o quanto já se alegou, entendendo o arguido, também a este propósito que o Tribunal “ a quo”, ignorou, entre outros o princípio da presunção de inocência. 14. Para o Tribunal “a quo” estupefaciente armazenado em frasco de vidro, num congelador o em sacos abertos, é para tráfico e não para consumo. 15. Para o Tribunal “ a quo” o estupefaciente que está guardado no congelador é para venda. Tal entendimento até seria aceitável se o arguido tivesse, por exemplo uma plantação ou uma planta de cannabis em casa ou no seu poder e, por forma a preservar o produto estupefaciente, o guardasse no congelador para posteriormente vender. 16. Sucede que o arguido não tem nenhuma plantação, nem sequer uma planta, ou seja, a pergunta que se coloca é para que congelar se ele não produz? 17. A resposta para a produto estupefaciente estar acondicionado no congelador está na prática normal de qualquer cidadão que faz compras para a sua residência e, chega a casa, para conservar durante mais tempo, congela os produtos que adquiriu. 18. A tudo isto acresce ainda que nem todo o produto estupefaciente era do arguido, pois para além de o mesmo estar acondicionado em bolsas de senhora da ex. companheira do arguido, BB, a esta, no processo com o NUIPC 6/23...., foi aplicada uma suspensão provisória do processo pela detenção de toda a cannabis que se encontrava na sua casa, prova A1, A3 e B1 dos autos, tendo cumprido com as injunções que lhe foram propostas. 19. Ou seja e em conclusão, a quantidade de estupefaciente apreendido ao arguido, o modo de acomodação, num frasco, por baixo de um tampo da mesa, num saco num congelador, em bolsas de jóias, sem mais prova, salvo melhor opinião, devia, no máximo ser considerado como estupefaciente para consumo próprio do arguido e da sua ex. companheira. 20. Relativamente ao dinheiro apreendido ao arguido, 320,00€ em notas de 20€ e de 10€, a convicção do Tribunal “a quo” ainda é mais curiosa, afirmando que tal dinheiro, em notas de 20€ e de 10€ servia para facilitar as transacções, esquecendo-se, por exemplo que nos terminais de multibanco, ao se levantar dinheiro, no máximo 400,00€ por dia, esse dinheiro, é dado em notas de 20€ e de 10€. 21. Ou seja, dizer que alguém é traficante porque tem 320,00€ em notas de 20€ e de 10€ na sua posse, é apelidar quase todos os cidadãos como traficantes. 22. Em relação aos telemóveis apreendidos ao arguido, um deles não funcionava e o outro, o que funcionava, o arguido pediu um segunda via do cartão e continuou, como continua a usar o mesmo número. 23. Sendo falso que o telemóvel do arguido era utilizado como ferramenta para a venda de estupefaciente, desde logo porque o arguido não vendeu, nem vem produto estupefaciente. 24. Aliás, é o próprio Tribunal “ a quo” que o afirma ao dizer: “…Aqui chegados, e é verdade que ninguém viu o arguido vender, ou ninguém confirmou a existência dessas transacções…”. 25. Ora afirmando o Tribunal “a quo” o que afirmou, como pode dizer que alguém cometeu o crime de tráfico de menor gravidade, se ninguém, absolutamente ninguém, nem os elementos da investigação (OPC), nem a prova testemunhal, viram o arguido vender/ceder/fornecer/entregar ou ninguém, absolutamente ninguém confirmou ter comprado ao arguido produto estupefaciente, baseando-se apenas em prova indirecta, em prova indiciária muito frágil, desprovida de substância, criticável, questionável e duvidosa. 26. Como pode alguém ser condenado com case nesta prova?. 27. Como pode ser alguém condenado com base em presunções, ilações e deduções?. 28. Onde estão as provas convincentes, inabaláveis que deviam permitir ao colectivo do Tribunal “ a quo”, condenar o arguido?. 29. Essas provas não estão nos autos porque não existem, logo o arguido nunca podia nem devia ser condenado. 30. Relativamente ao dinheiro apreendido, 320,00€, à arma de ar comprimido, à catana e ao bastão, uma vez que o arguido foi absolvido pela sua detenção, uma vez que as armas não foram utilizadas no cometimento de nenhum crime e uma vez que não são produto do cometimento de nenhum crime, devem ser entregues ao arguido. 31. Em suma, porque o arguido não cometeu nenhum crime, porque não existe, nem podia existir, nos autos qualquer prova do arguido ter cometido o crime de tráfico de menor gravidade, porque a valoração da prova conduzida feita pelo Tribunal “ a quo” atropela os Princípios Constitucionalmente consagrados e vigentes no ordenamento penal português, como Princípio da Presunção da Inocência, Princípio do “In Dubio Pro Reo” e o direito ao silêncio, deve o arguido ser absolvido nestes autos.
Termos em que, contando com o douto suprimento de V. Exas., o arguido pede que o presente recurso seja atendido e em consequência seja o acórdão impugnado revogado e substituído por douto acórdão que faça justiça e absolva o arguido.”.
I.3 Resposta ao recurso
Efetuada a legal notificação, o Ex.mº Sr.º Procurador da República junto da 1.ª instância respondeu ao recurso interposto pelo arguido, no sentido da sua parcial procedência, apresentando as seguintes conclusões [transcrição]: “(…) 1.º Pretende o recorrente a impugnação do douto Acórdão de 25.08.2023 com a referência ...61 (de fls. 4900 a 4980verso, depositado a 29.08.2023) por via da qual se decidiu condenar o arguido/recorrente AA pela prática, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. nos artigos 21.º n. o 1 e 25.º, alínea a) do Dec. Lei n. o 15/93, de 22 de janeiro, com referência à tabela I-C, anexa ao mesmo diploma legal conjugado com o artigo 9.º e mapa anexo da Portaria n.º 94/96, de 26 de março, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo. 2.º De harmonia com as conclusões apresentadas, são as seguintes as questões invocadas pelo arguido recorrente: i. saber se o Tribunal a quo violou o princípio in dubio pro reo pro reo e o direito ao silêncio do arguido valorando tal silêncio de forma desfavorável; ii. saber se os bens apreendidos ao arguido devem ser devolvidos (a saber, a quantia monetária de 320,00Eur, assim como os telemóveis, a arma de ar comprimido, catana e bastão); 3.º Sucede que o recorrente não impugnou a matéria de facto nos termos e para os efeitos processualmente relevantes (artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Penal), pelo que, toda a matéria de facto constante do douto Acórdão recorrido deve ter-se por estabilizada. 4.º Assim, foi, entre tudo o mais, julgado provado que: 188. Os arguidos destinavam as substâncias apreendidas a serem vendidas junto dos revendedores e consumidores que os contactassem para o efeito, mediante a entrega de quantia monetária ou outra contrapartida de natureza patrimonial. 189. Os telemóveis e computadores portáteis apreendidos e os veículos eram utilizados pelos arguidos para estabelecer contactos com terceiros (fornecedores, revendedores e consumidores), na atividade de tráfico que desenvolviam. 5.º Donde, dúvidas inexistem, porquanto não foi, sequer, impugnado, que o destino concedido ao produto estupefaciente era a venda a consumidores. Vejamos as questões suscitadas pelo recorrente: i. saber se o Tribunal a quo violou o princípio in dubio pro reo pro reo e o direito ao silêncio do arguido valorando tal silêncio de forma desfavorável; 6.º Para a conclusão a que chegou o Tribunal a quo quanto à matéria de facto, o mesmo socorreu-se da denominada prova indireta, devidamente sustentada nos diversos elementos que deixou vertidos na correspondente fundamentação – a saber, o tipo de produto estupefaciente, a sua quantidade, o número de doses que o mesmo permitia fossem divididas, a forma e o local onde se mostrava armazenado (no interior do congelador, de forma a ser mais facilmente dissimulado), bem como a quantia monetária de 320,00Eur em notas de 10,00Eur e 20,00Eur vulgarmente utilizados para transações de estupefaciente, aliando, ainda, ao facto de em sede de elaboração de relatório social o arguido haver referido ser consumidor esporádico de cannabis. 7.º Com o que concluiu, e bem, o Tribunal a quo pela circunstância de que aquele produto se destinava, também, à sua venda ou cedência a terceiros. 8.º A prova indiciária é senão de forma unânime, pelo menos na esmagadora maioria da jurisprudência aceite, conforme decorre, entre muitos outros, do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11.05.2005, Rel. Des. OLIVEIRA MENDES, no processo n.º 1056/05, e do douto e mais recente Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24.09.2019, Rel. Des. ARTUR VARGUES, no processo n.º 294/17.2JGLSB.L1-5, no qual se escreveu que “– Sabido é que o tribunal a quo pode prevalecer-se da prova indirecta ou indiciária para chegar à convicção que formou, pois esta prova (que se distingue da prova directa) é admissível pelo nosso ordenamento jurídico.” 9.º No entanto, ainda que assim não fosse, isto é, ainda que não se concluísse pela venda ou cedência a terceiros do produto estupefaciente do tipo cannabis, são elementos bastantes para o cometimento do tipo de crime de tráfico (de estupefacientes) e outras atividades ilícitas, previsto no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro ou, naquilo que é relevante, no mesmo tipo, mas privilegiado de tráfico (de estupefacientes) e outras atividades ilícitas, de menor gravidade, previsto no artigo 25.º daquele Diploma, qualquer atividade de entre as seguintes: “cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver”. 10.º Indiscutivelmente está firmado na jurisprudência o entendimento de que a mera detenção ilegítima e injustificada consubstancia a prática de, pelo menos, um crime de tráfico (de estupefacientes) e outras atividades ilícitas, de menor gravidade, previsto no artigo 25.º do referido Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro. A tal propósito, veja-se, designadamente o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 10.03.2022, Rel. Des. LÍGIA TROVÃO no processo n.º 41/21.4PDAMD.L1-9, de cujo sumário resulta que “A consumação do crime de tráfico de estupefacientes ocorre com a mera detenção das substâncias ilícitas que não se destinem na totalidade ao consumo pessoal do agente e ainda que não se demonstre a intenção de venda, nomeadamente quando se prove que o arguido detinha substância proibida para o seu consumo (cannabis) e para o consumo de outrém, preenchendo tal conduta ( posse e cedência gratuita a terceiro) o crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo art. 25º a) do D.L. nº 15/93 de 22/01, por referência à Tabela I-C, anexa ao referido diploma legal”. 11.º Só assim não será quando a detenção se destinar ao consumo único e exclusivo do agente, nos termos consagrados no artigo 40.º do referido Diploma Legal, sendo que tal prova incumbe, pois, ao arguido, enquanto causa excludente da verificação dos elementos típicos objetivos do crime de tráfico de estupefacientes, seja na forma simples (artigo 21.º) seja na forma privilegiada (artigo 25.º). 12.º Não tendo o arguido prestado declarações, na estratégia que o mesmo delineou para a sua defesa, não o beneficiando tal facto, também não o prejudica, é certo. Porém, ao assim ter optado o arguido, o Tribunal a quo limitou-se, e bem, a apreciar toda a demais prova recolhida nos autos e produzida perante o mesmo, tendo então, em consequência, de julgar não existir qualquer causa justificativa para a posse do produto estupefaciente que ao recorrente foi apreendido (cannabis). 13.º O que em nada colide com o princípio da presunção de inocência nem tampouco com o direito ao silêncio que o arguido tem. 14.º Donde se impõe, pois, seja o recurso interposto pelo recorrente AA julgado, nesta parte, improcedente, mantendo-se incólume o douto Acórdão proferido pelo Tribunal a quo. No mais: ii. saber se os bens apreendidos ao arguido devem ser devolvidos (a saber, a quantia monetária de 320,00Eur, assim como os telemóveis, a arma de ar comprimido, catana e bastão); 15.º A quantia monetária apreendida nos autos, quanto resultante da atividade ilícita subsumível a um crime de tráfico (de estupefacientes) e outras atividades ilícitas, de menor gravidade, impõe-se ser declarada perdida a favor do Estado, nos termos do artigo 36.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, pelo que, nesta parte, não merece censura o douto Acórdão recorrido, devendo ser julgado improcedente o recurso. 16.º No mais, quanto à catana e à arma de ar comprimido, resultando dos autos que tais bens não foram julgados ilícitos e a sua posse não é proibida (vide, fls. 3078 e 3075, respetivamente), impõe-se, de facto, a sua restituição ao recorrente, devendo, nesta parte, ser julgado procedente o recurso interposto. 17.º Por fim, quanto ao bastão extensível, a sua posse e mera detenção é ilícita (vide, fls. 3077 e verso), facto que o Tribunal a quo deixou patente, sendo que o arguido foi absolvido por falta de verificação dos elementos típicos subjetivos, isto é, por falta de dolo, de consciência da ilicitude da sua posse. 18.º Assim, sendo tal posse ilícita, há, pois, que ser julgado improcedente, nesta parte, o recurso interposto, mantendo-se a declaração de perdimento a favor do Estado de tal objeto. (…)”.
I.4 Parecer do Ministério Público
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, nesta instância o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência parcial do recurso, concretamente quanto à requerida devolução da arma de ar comprimido e da catana.
I.5. Resposta
Dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, veio o arguido/recorrente reiterar a sua posição vertida na peça recursiva, exceto quanto à entrega do bastão apreendido.
I.6. Concluído o exame preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento do recurso em conferência, nos termos do artigo 419.º do Código de Processo Penal.
Cumpre, agora, apreciar e decidir:
II- FUNDAMENTAÇÃO
II.1- Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objeto do recurso:
Conforme decorre do disposto no n.º 1 do art.º 412.º do Código de Processo Penal, bem como da jurisprudência pacífica e constante [designadamente, do STJ[1]], são as conclusões apresentadas pelo recorrente que definem e delimitam o âmbito do recurso e, consequentemente, os poderes de cognição do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º do Código de Processo Penal[2].
Assim, face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do recurso interposto nestes autos, as questões a apreciar e decidir são as seguintes:
- saber se o Tribunal a quo violou o direito ao silêncio do arguido e o princípio constitucional de presunção de inocência do arguido/in dubio proreo;
- saber se os seguintes bens, apreendidos ao arguido e declarados perdidos a favor do Estado, lhe deverão ser devolvidos:
- a quantia monetária;
- a arma de ar comprimido;
- a catana; e
- o bastão extensível.
II.2- Da decisão recorrida [transcrição dos segmentos relevantes para apreciar as questões objeto de recurso]:
“I. Relatório Em processo comum e com intervenção do Tribunal Coletivo, o Ministério Público deduziu acusação contra (…) AA (…) Imputando a prática (…) de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência às tabelas I-B e I-C anexas àquele diploma legal e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigos 2.º, n.º 1, als. m) e an), n.º 5, al. p), 3.º, n.º 2, al. i), 3.º, n.º 2, al. ab) e 86.º, n.º 1, al. d) do Regime Jurídico das Armas e Munições (RJAM) aprovado pela Lei n.º 5/2006 de 23 de fevereiro. (…)
II. Fundamentação de Facto Com interesse para o mérito dos autos, apuraram-se os seguintes factos: a. Factos Provados (…)
QUANTO AO ARGUIDO AA 104. O arguido AA era titular do contacto ...01 105. Tinha a sua residência situada na localidade de .... 106. O arguido AA utilizava preferencialmente dois veículos, um jipe todo o terreno de matrícula ..-..-IV (que pertenceu ao arguido CC) e um BMW 635, cor preta de matrícula ..-FD-... 107. Devido à relação que os arguidos CC e DD tinham com o arguido AA, os mesmos encontraram-se por diversas vezes, sendo que após estes encontros os arguidos CC e DD deslocavam-se ao local situado nas coordenadas ... e onde tinham escondido os pacotes mais pequenos de cocaína para venderem aos demais consumidores. 108. Naquele local, os arguidos CC e DD depositaram, em várias ocasiões, pequenos invólucros de cocaína, que não foram apreendidos pela GNR. 109. No dia 31 de março de 2022, o arguido CC conduzindo o veículo pesado ... de matrícula ..-..-FO deslocou-se à residência do arguido AA, em ..., onde permaneceu cerca de 6 minutos. 110. No dia 25 de abril de 2022, o arguido CC fazendo-se transportar no veículo de marca ... ..-..-UA, deslocou-se à localidade de ... – ... e parou junto à residência do arguido AA e depois à noite deslocou-se mais uma vez ao local sito nas coordenadas ...42, entrada do terreno agrícola no lugar de ... onde guardou dois embrulhos contendo cocaína 111. No dia 11 de maio, pelas 21:10 horas os arguidos CC e DD, depois do arguido CC se encontrar com o arguido AA, deslocaram-se à entrada do terreno agrícola, sito nas coordenadas ... no lugar de ... onde esconderam dois embrulhos com cocaína. 112. No dia 31 de maio pela manhã, o arguido CC dirigiu-se à residência do arguido AA onde permaneceu durante algum tempo. 113. Depois o arguido CC regressou a ..., mais propriamente à localidade de ... para a residência dos pais. Nas rés do chão da residência cortou, repartiu e acondicionou a cocaína que adquiriu e de seguida escondeu um “embrulho” com 26,961 gramas de cocaína que depois foi apreendido. 114. Já pela noite e na companhia da arguida DD deslocaram-se até à entrada de um terreno agrícola situado no lugar de ... em ..., nas coordenadas ... onde escondem 2 embrulhos maiores e estes embrulhos maiores continham 9 embrulhos mais pequenos envolvidos em fita cola castanha. 115. Estes embrulhos maiores continham 9 embrulhos mais pequenos envolvidos em fita cola castanha. Cada um destes embrulhos continha 3 pacotes de cocaína. Procedeu-se depois á sua pesagem apresentando, 2.82g; 2,82, 2,79g, 2,79g, 2,92g, 2,89g, 2,84g, 2,87g, 2,94g perfazendo um total de 18,645 gramas (peso líquido). 116. No dia 01/06/2022 pelas 06:30 horas, no interior da residência situada na Rua ..., ..., ... ..., o arguido AA mantinha os seguintes bens: No quarto do visado: Prova A1 – 2 telemóveis, que se encontravam em cima da mesa de cabeceira; Prova A2 – 80€, em notas de 10€, que se encontravam em cima da estante ao lado da cama; Prova A3 – 200€, em notas de 20€, que se encontravam dentro de 1 guarda jóias, que estava em cima da estante ao lado da cama. Prova A4 – 1 (uma) navalha com vestígios de cocaína, que se encontrava na estante ao lado da cama; Prova A5 – 1 (uma) catana com cabo preto, com comprimento total de 70cm e lâmina de 44cm, que se encontrava em um suporte suspensa na parede por cima da estante ao lado da cama. Como se encontrava fora dos locais do seu normal emprego e o arguido não justificou a sua posse, trata-se de arma da classe A. Prova A6 – 1 telemóvel, que se encontrava na estante ao lado da cama Na Cozinha: Prova B1 – 1 saco contendo 39,397g de cannabis (peso líquido), que se encontrava dentro de uma gaveta inferior do congelador; No Anexo (fonte): Prova C1 – 1 frasco de vidro, contendo cannabis em “cabeças” com o peso líquido de 21,577g, que se encontrava debaixo de um banco em madeira; Prova C2 – 1 saco de plástico, contendo cannabis com o peso líquido de 2,031g, que se encontrava debaixo do tampo da mesa. Prova C3 – 1 arma de ar comprimido, que encontrava encostada à parede; 117. No dia 01/06/2022, pelas 12:00 horas no veículo de marca ..., modelo ..., cor preta de matrícula ..-FD-.. do arguido AA este mantinha no seu interior: Prova A1 – 1 Bastão metálico extensível rígido sem marca, modelo e número, com 53,5 cm de comprimento total quando distendido e 20 cm de comprimento quando recolhido, tratando-se de arma da classe A porque de uso exclusivo das Forças Armadas e Forças e Serviços de Segurança, que se encontrava na bagageira. 118. No dia 01/06/2022 pelas 06:20 horas na residência... ...03... nas coordenadas ...94 foram encontrados os seguintes objetos: No quarto onde o arguido AA estava a dormir com BB: Prova A1 – 1 saco contendo no seu interior canábis folhas, com o peso líquido de 5,128 gramas, apreendido no interior de uma gaveta da mesa de cabeceira, que daria para 11 doses diárias individuais; Prova A3 – 1 pedaço de folhas canábis, com o peso de 0,074 gramas, apreendido no interior de uma bolsa. Num outro quarto da residência foi apreendido: Prova B1 – 3 pequenos sacos, contendo no seu interior folhas canábis, com o peso líquido de 0,721 gramas, apreendidos no interior de uma bolsa. (…) 188. Os arguidos destinavam as substâncias apreendidas a serem vendidas junto dos revendedores e consumidores que os contactassem para o efeito, mediante a entrega de quantia monetária ou outra contrapartida de natureza patrimonial. 189. Os telemóveis e computadores portáteis apreendidos e os veículos eram utilizados pelos arguidos para estabelecer contactos com terceiros (fornecedores, revendedores e consumidores), na atividade de tráfico que desenvolviam. 190. As quantias monetárias constituem o lucro adveniente das vendas de estupefaciente. 191. Os demais objetos apreendidos eram usados no cultivo, corte, pesagem e acondicionamento do estupefaciente. (…) 194. Sendo que a posse dos bastões está reservada às Forças Armadas ou Forças e Serviços de Segurança. 195. A catana pertencente ao arguido AA encontrava-se fora do local do seu normal emprego e não justificou a sua posse. (…) 197. Os arguidos agiram com o objetivo, concretizado, de adquirir, deter, transportar, entregar vender estupefaciente a todos os consumidores que os contactassem para o efeito recebendo a respetiva contrapartida monetária ou outra de natureza patrimonial. (…) 199. Os arguidos conheciam as características psicotrópicas e estupefacientes dos mencionados produtos e substâncias, e sabiam que com as suas condutas descritas causavam efeitos nefastos na saúde pública e estavam a contribuir em larga escala para a degradação de gerações vindouras da sociedade em que se encontram inseridos, limitando assim consequentemente o bom desenvolvimento físico e cognitivo destes jovens que consomem drogas. 200. Os arguidos conheciam a natureza e as características das substâncias estupefacientes/psicotrópicas que cultivavam, adquiriam, transportavam, possuíam, cediam, entregavam e vendiam e não ignoravam que o respetivo cultivo, aquisição, detenção, transporte, cedência, entrega e venda lhes estavam legalmente vedados, e apesar disso, lograram possuí-las e entregá-las a troco de dinheiro e outros valores a todos os indivíduos que os pretendessem adquirir. (…) 202. Os arguidos EE, FF e AA agiram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as respetivas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal (…) Quanto ao arguido AA: 209. (…) Com cerca de 18 anos de idade refere ter-se iniciado no consumo de estupefacientes, situação que considera ultrapassada, mantendo, atualmente o consumo de canábis de modo esporádico. 210. (…) o arguido instalou-se em ..., ..., adquiriu casa própria e exerceu atividade profissional, como mecânico. Em 2007 decidiu criar ao seu próprio negocio com a abertura de uma oficina de automóveis, na área adjacente à sua habitação. Posteriormente (há cerca de 12/13 anos), conheceu BB, com quem iniciou uma relação em união de facto, a qual terminou aquando do inicio do presente processo. 211. À data dos factos (2018/2022), o casal residia, inicialmente, em apartamento arrendado, na cidade ..., contudo e após terem decidido explorar o Restaurante, “...”, em ..., passaram a residir na parte adjacente ao restaurante. De referir que em virtude da sua profissão de mecânico, o arguido, permanecia durante o dia na oficina de automóveis junto á casa, da qual é proprietário, a que lhe permitia, o convívio diário com a sua progenitora a quem prestava cuidados, regressando ao final do dia ao restaurante que explorava juntamente com a companheira. A relação afetiva com BB terminou, assim como a colaboração do arguido no restaurante, motivada pelo presente processo. É do conhecimento daquela o consumo de estupefacientes por parte do arguido, durante o relacionamento, comportamento aditivo que AA refere manter até ao presente de uma forma esporádica. (…) (…)
c. Motivação A convicção do tribunal assentou na análise crítica e conjugada da prova produzida em audiência de julgamento, atendendo-se designadamente à prova pessoal, pericial e documental produzida, tudo sob o crivo das mais elementares regras da experiência comum. Assim, e concretamente, ponderou o tribunal todos os documentos juntos aos autos, como sejam, Dos autos principais: - Auto de notícia a fls.4/7. - Autos de apreensão a fls.8, 536, 858, 906, 1165, 1625, 1645, 1649, 1653, 2086, 3623 - Folhas de suporte a fls.11 a 15, 537/540, 1441, 1628/1630. - Registo de veículos a fls. 28 a 31, fls.53/54, 586. - Relatórios técnicos de inspeção judiciária a fls. 40 a 42, 574/576. - Relatórios de diligência de fls. 46 e 47, 629/631, 778/779, 1149/1151. - Folhas de suporte fotográficas a fls. 48e 49, 924/925, 928/929, 1044, 1168/1174. - Relatos de diligência externa de fls. 46 a 47, 629, 778 a 779, 1149 a 1151; - Nota discriminativa do dinheiro apreendido de fls. 1650, 1785, 1866, 1897 - Autos de exame direto de fls. 1651, 1652, 1654, 1661 a 1662, 1673 a 1677, 1702 a 1715, 1775, 1776, 1781, 1782, 1828 a 1831, 1858 a 1863, - Termo de consentimento de fls. 1879; - Registos de pesquisa nas bases de dados da Segurança Social de fls… - Relatórios de vigilância a fls. 51/52, 163/164, 165/166, 188/189/190, 335/336, 337/338, 383/384, 385/386, 387/388, 497/498, 546/547, 548/551, 584/585, 616/617, 657/659, 661, 663, 721/722, 772/774, 775/777, 782/783, 805/807, 810/812, 840/842, 868/872, 875/877, 879/880, 914/916, 920/923, 926/927, 954/956, 958/960, 962/964, 984/985, 997/999, 1000/1001, 1021/1022, 1040/1041, 1109/1110, 1143/1145, 1147/1148, 1162/1163, 1235, 1237/1239, 1240/1241, 1300/1301, 1324/1325, 1326/1327, 1328/1330, 1378/1380, 1381/1383, 1384/1385, 1386/1387, 1389/1391, 1426/1430, 1436/1437, 1438/1440, 1486/1490, 1496/1497, 1498/1500, 1501/1502, 1503/1504, 1615/1618, 1620/1621. - Autos de interceção telefónica a fls. 98, 116/117, 145/146, 180/181, 245/246, 264/265, 284/285, 298/299, 309/310, 341/342, 377/378, 417/418, 435/436, 459/460, 475/476, 492/493, 553/554, 577/579, 608/610, 632/634, 648/650, 676/678, 695/697, 715/717, 737/-739, 784/786, 816/818, 834/836, 882/884, 935/937, 968/969, 1005/1006, 1025/1026, 1113/1114, 1192/1193, 1244/1245, 1334/1335, 1396/1398, 1508/1510, 1604/1606, 2160/2162, 2231/2232, 2960/2961, 2987, 3050, 3088, 3132, 3313, 3359, 3430, 3461, 3496, 3569. - Relatórios (n.1 do art.º 188 do CPP) a fls.100/101, 118/119, 147/148, 182/183, 247/248, 266, 286, 311, 343/344, 379/381, 419/420, 437/439, 461/462, 477, 494/495, 555/557, 580/581, 611/612, 635, 651/652, 679/680, 698/699, 718/720, 740/741, 787/788, 819/820, 837/838, 885/887, 938/940, 970/971, 1007/1008, 1027/1028, 1115/1116, 1194/1195, 1246/1247, 1336/1337, 1399/1401, 1511/1513, 1607/1609, 2163/2164, 2233, 2988, 3133, 3314, 3360, 3462, 3497. - Relatório de recolha de imagens a fls.167/168, 184/185/186, 339/340, 389/390, 499/500, 558/559, 582/583, 613/614, 653/655, 723/724, 814/815, 888/890, 1002/1004,1023/1024, 1111/1112, 1189/1191, 1242/1243, 1331/1333, 1505/1507, 1610/1613. - Auto de apreensão de imagens a fls.448, 789/791, 843/844, 932/934, 965/967, 1392/1394. - Auto de ocorrência para a CDT a fls.860, 905, 986, 2087. Autos de busca e apreensão de fls.1657, fls.1665/1667, fls. 1694/1696, fls.1717/1718, fls.1727/1729, fls.1736/1737, fls.1741/1742, fls.1749/1750, fls.1752, fls.1768/1770, fls.1779/1780, fls.1792/1794, fls.1813/1814 e 1818/1819, fls.1836/1838, fls.1889/1890, fls.3671/3672, fls.3675/3676. Relatório fotográficos das buscas de fls.1659, fls.1668/1670, fls. 1697/1701, fls.1719, fls.1730/1731, fls.1738, fls.1743/1744, fls.1751, fls.1753/1754, fls.1771/1773, fls.1774, fls.1795/1800, fls.1815/1817 e 1820, fls.1891/1892. Do apenso com o NUIPC 29/20....: - auto de notícia de fls. 4 a 5; - Auto de apreensão de fls. 6 a 8; - Relatório fotográfico de fls. 10 a 14. Apenso I - Transcrições das interceções telefónicas do arguido CC. Apenso II - Transcrições das interceções telefónicas da arguida DD. Apenso III - Transcrições das interceções telefónicas do arguido EE. Apenso IV - Transcrições das interceções telefónicas do arguido FF. Apenso V - Autos de impressão e folhas de suporte fotográficas. Apenso VI - Transcrições das interceções telefónicas do arguido GG. Apenso VII - Transcrições das interceções telefónicas do arguido AA. Apenso VIII - Lista telefónica de alvos. Apenso X - Extrato da análise de telemóveis. Estes documentos não foram colocados em crise, quer quanto à sua existência, quer quanto ao respetivo conteúdo, por qualquer dos sujeitos processuais donde não coloca o Tribunal dúvidas quanto àquilo que objetivamente resulta demonstrado pelos mesmos. De igual forma, valorou o Tribunal toda a prova pericial constante dos autos, designadamente, - Fls. 85 - Relatório de exame pericial n.º ...80-NTX; - Fls. 95 - Relatório de exame pericial n.º ...89-NTX - Fls.713 - Relatório de exame pericial n.º ...45-NTX; - Fls.1248 - Relatório de exame pericial n.º ...58-NTX; - Fls.1251 - Relatório de exame pericial n.º ...77-NTX: - Fls.1544 - Relatório de exame pericial n.º ...06-NTX; - Fls.2082 - Relatório de exame pericial n.º ...43-NTX; - Fls.2175 - Relatório de exame pericial n.º ...93-NTX; - Fls.3486 - Relatório de exame pericial n.º ...42-NTX: - Fls.3532 - Relatório de exame pericial n.º ...19-NTX; - Fls.3534 - Relatório de exame pericial n.º ...22-NTX; - Fls.3536 - Relatório de exame pericial n.º ...41-NTX; - Fls.3538 - Relatório de exame pericial n.º ...46-NTX; - Fls.3540 - Relatório de exame pericial n.º ...44-NTX; - Fls.3543 - Relatório de exame pericial n.º ...54-NTX; - Fls.3545 - Relatório de exame pericial n.º ...40-NTX; - Fls.3758 - Relatório de exame pericial n.º ...49-NTX - Fls.3760 - Relatório de exame pericial n.º ...50-NTX; - Fls.3792 - Relatório de exame pericial n.º ...59-NTX; - Fls.3793 - Relatório de exame pericial n.º ...47-NTX; - Fls.3797 - Relatório de exame pericial n.º ...52-NTX; - Fls. 3951 – Relatório de exame pericial n.º ...23-NTX. - Exames da Polícia de Segurança Publica - Núcleo de armas e explosivos de fls.3065/3087: - Relatório de exame pericial n.º ...53 - NAT da GNR de ... de fls.3100. - Relatório de exame pericial n.º ...84 – NDF – GNR de ... (fls.3134/3149). - Relatório de exame pericial n.º ...22 - NAT da GNR de ... (fls.3600/3601.) Este meio de prova (pericial) não foi colocado em causa por nenhum outro, sendo que, não tendo o Tribunal conhecimentos técnicos iguais aos dos Peritos do Laboratório de Polícia Científica, não poderá, sem mais, desconsiderar o resultado obtido pela perícia, tal como, de resto, resulta dos artigos 151.º e 163.º do Código de Processo Penal, não colocando, de igual forma, o Tribunal dúvidas quanto àquilo que objetivamente resulta demonstrado pelos mesmos. O mesmo se diga quanto aos exames referentes às armas apreendidas, nos autos. (…) Por fim, o arguido AA não prestou declarações, abdicando de apresentar a sua versão dos factos. Nesse contexto, e para formação da convicção do Tribunal, quanto aos factos 104 e 107 a 115, ponderou-se, por um lado, os depoimentos dos militares GNR e os relatórios de vigilância e, por outro, os autos de apreensão juntos, de cuja apreciação conjugada, se retirou que o arguido destinava o produto estupefaciente apreendido, não ao seu consumo exclusivo, mas, também, à venda a terceiros. É certo, e este Tribunal não o ignora, que este arguido não prestou declarações em audiência, sendo igualmente certo que o direito ao silêncio não pode, em caso algum, prejudica-lo. Contudo, se o silêncio não o pode prejudicar, cremos nós que também não o deverá beneficiar. E assim na falta de uma explicação válida para os factos ocorridos, sobretudo quando esses factos causam estranheza - como seja a quantidade de droga apreendida, o local onde foi apreendida, o dinheiro apreendido distribuído em notas pequenas, bem como os objetos e os vestígios nos mesmos detetados - deve o Tribunal socorrer-se da análise critica da prova produzida para daí retirar conclusões, balizadas pelas regras da experiência comum e da normalidade do acontecer, quanto à ocorrência dos factos e forma como ocorreram. E, neste particular, inexiste, quanto a nós, qualquer justificação válida ou plausível para tudo quanto se apreendeu em casa do arguido AA, sobretudo por se tratar produto estupefaciente profundamente disseminado na sociedade e os referidos bens objetos, comummente identificados com o tráfico de estupefacientes. Acresce, nesta linha de raciocínio, que, atentos os elementos probatórios constantes dos autos, nada permite concluir pela afetação do produto apreendido ao arguido AA ao seu consumo exclusivo. Desde logo porque não prestou declarações, nas quais poderia até poderia ter declarado que tal se destinava ao seu consumo bem como as quantidades consumidas diariamente. Todavia, tendo optado por não prestar declarações em sede de julgamento, restam-nos as suas declarações perante a Direção Geral de Reinserção Social que se mostram incongruentes com a detenção da droga para consumo exclusivo do arguido, uma vez que ali referiu ser um consumidor esporádico de cannabis. Ora, sendo um consumidor esporádico de cannabis, fica por explicar as quantidades de estupefaciente apreendidas, as quais se compreendem já numa situação de trafico. Acresce que, foi igualmente apreendida a quantia de € 320,00, dividida em notas de €20 e €10, montantes esses compatíveis com os montantes utilizados para compra da dose de cannabis ou para a facilitação da mesma, no troco. Aqui chegados, e é verdade que ninguém viu o arguido vender, ou ninguém confirmou a existência dessas transações, o Tribunal facilmente chega a esse facto através de prova indireta, ou seja, conjugando todos estes factos indiciários, acima elencados, e analisando-os de acordo com as normais regras de vida, para poder concluir pela prova do facto relativo à venda ou cedência de estupefacientes por parte do arguido AA, suportando a convicção do Tribunal nos termos que ora se deixam consignados. – factos 104 e 107 a 115 e 189. Note-se, a respeito, que o valor probatório da prova indiciária é comummente aceite pela jurisprudência há largos anos – veja-se a título de exemplo o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 12-09-2007, disponível em www.dgsi.pt. Por outro lado, no que respeita à natureza da droga, quantidade e número de doses, atentou-se na prova pericial constantes dos autos, qual seja a relativa aos exames toxicológicos acima discriminados. Neste particular levou-se aos factos provados o que objetivamente resulta dos exames laboratoriais, e concretamente, quando dos mesmos assim resulta, o grau de pureza dos produtos estupefacientes que foram apreendidos e, igualmente, o seu peso líquido. Quanto ao produto estupefaciente, natureza e quantidade apreendidos aos arguidos, bem como os objetos, dinheiro e veículos utilizados pelos arguidos considerou-se o teor dos autos de busca e de apreensão acima mencionados, sendo que quanto a nós, não subsistem dúvidas que o dinheiro que os arguidos tinham consigo, no momento da apreensão era provento económico daquela concreta atividade de tráfico de produto estupefaciente, não só por serem quantidades pouco significativas, mas também por tais quantidades se encontrarem distribuídas em notas pequenas, sobretudo de €10,00 e € 20,00, usualmente conotadas com o trafico, com o preço e troco, comum das doses dos diferentes estupefacientes e, nessa medida, facilitadores da transação. – factos 97, 98, 116 a 118, 165 a 171, 188 O mesmo quanto aos telemóveis, e respetivos números de telefone, dos quais não restou dúvidas de que eram um meio de que os arguidos se serviam naquela concreta atividade de trafico, bem como os veículos por todos utilizados. – factos 189 a 191 Por fim, no que se refere ao juízo formulado acerca da factualidade atinente ao fim com que os arguidos agiram, ao conhecimento e vontade com que atuaram bem como à sua consciência quanto à ilicitude das condutas levada a cabo – factos 192 a 203 - foi aquele extraído dos factos objetivos, analisados à luz das regras da lógica e da experiência comum, atentas as circunstâncias do caso. É consabido que a factualidade em causa, que é de ordem psicológica – ainda que também normativa - se afigura de difícil objetivação em termos de racionalidade do processo de apreensão da realidade. Tal convicção resulta, assim, de uma análise global do comportamento dos agentes, tendo em conta as regras da normalidade do acontecer. E assim, dadas as características e natureza do produto estupefaciente e da quantidade em questão, apreendida a cada um dos arguidos, qualquer cidadão medianamente inteligente e sagaz, como se presume ser o caso dos arguidos, saberia que a sua detenção e cedência a terceiros não era legalmente admitida. Aliás, é conhecido do mais mediano dos cidadãos que deter produto estupefaciente nas quantidades que vêm referidas e/ou vende-lo é ilícito e punido por lei.
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Quanto à factualidade julgada como não provada assim resultou da ausência de prova concludente sobre a mesma, o que não permitiu ao Tribunal sustentar um juízo de certeza sobre os factos em causa. É certo que existem escutas telefónicas e relatórios de vigilância. No entanto, e valendo aqui o que acima já se referiu a respeito, neste particular há que atender que as interceções telefónicas, ou a transcrição do seu teor, não são, em muitos casos, suficientes para que se considere ter existido atos de tráfico de estupefacientes, pois que, sendo indubitável que os arguidos receberam contactos de telefones distintos, onde se combinavam encontros, desconhece-se se os mesmos efetivamente ocorreram ou sequer se nos mesmos o arguido vendeu estupefaciente ou sequer se possuía para vender, pois que nas conversas não se apurou quem eram os interlocutores de forma a possibilitar a sua inquirição e confirmar que assim ocorreu nem tampouco foram abordados pelos agentes que faziam as vigilâncias de modo a apurar o que tinham consigo, a natureza do produto e quantidade e até o preço pago. Também há que atentar que relativamente a muitas das pessoas que foram identificadas como sendo utilizadoras de vários dos números de telefone, que foram usados para contactar os arguidos, inexiste qualquer prova de quem eram, uma vez que processualmente essa identidade não está demonstrada por qualquer meio de prova, de tal sorte não foram inquiridas em audiência. De igual forma relativamente a muitas das pessoas que foram identificadas como sendo consumidores e adquirentes e inquiridas em audiência as mesmas não confirmaram o teor das conversas, os encontros ou a ocorrência das transações, não conseguindo, assim, o Tribunal determinar com o grau de certeza exigível e processualmente imposto que os factos ocorreram nos termos e com o encadeamento que vinha descrito na acusação. Acresce que as transações que vêm descritas, ora julgadas não provadas, e mesmo que identificando o consumidor, não passam de imputações genéricas, não concretizando o estupefaciente, ou quantidade transacionada ou o preço pago. Ora, se é certo que a imputação genérica de uma atividade de venda de quantidade não determinada de droga e a indefinição sequente nunca poderão ser valoradas num sentido não compreendido pelo objeto do processo, dentro dos limites da acusação, e em relação á matéria em relação á qual existiu a possibilidade de exercício do contraditório, também o é que a prova da venda em quantidade indeterminada por preço indeterminado a consumidores e durante vários meses, desacompanhado de outro elemento coadjuvante não poderá ser valorada na dimensão mais gravosa para o arguido. Na verdade, cremos nos que se a determinação da quantidade e qualidade da droga é essencial para a determinação do tipo legal a dúvida sobre tal quantidade, tem de ser equacionada de acordo com o princípio “in dubio pro reo”. E não basta dizer que as testemunhas não mereceram credibilidade, pois ainda que assim fosse, sempre faltaria substrato factual que permitisse dar tais transações por provadas, nos termos que vimos de dizer, ou seja, a demais prova que nos autos se produziu a este respeito não permitiu ao Tribunal ir além do que consignou em sede de factos provados (…) No mais, não se pode olvidar que não é aos arguidos que cabe provar que não praticaram determinados factos, cabendo, outrossim, à acusação o ónus de provar o contrário pelo que assim não acontecendo, a dúvida que a esse respeito se suscitou não pode prejudicar os arguidos, devendo, antes, beneficiá-los. Por sua vez, quanto aos factos que respeitam ao elemento subjetivo da imputação criminosa da detenção de arma proibida, os mesmos apenas poderiam ser inferidos através de prova indireta, isto é, por inferência dos factos objetivos julgados provados. Ora, assim não acontecendo, i. é, não se provando tais factos objetivos e/ou não se colhendo nos autos elementos que, com o grau de certeza exigível, e de forma credível, permitissem formar, de maneira inequívoca e segura, uma (outra) convicção probatória plena quanto aos factos em análise, mais não restou ao tribunal que considerar tal matéria como não provada. (…) E assim, à mingua de outra (ou melhor) prova, mais não restou ao Tribunal que levar tal factualidade à matéria julgada não provada.
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III. Fundamentação de Direito (…) Vejamos quanto aos demais arguidos: Aquando das buscas em casa do arguido AA foi-lhe apreendido 1 saco contendo 39,397g de cannabis (peso líquido), que se encontrava dentro de uma gaveta inferior do congelador; 1 frasco de vidro, contendo cannabis em “cabeças” com o peso líquido de 21,577g e 1 saco de plástico, contendo cannabis com o peso líquido de 2,031g. (…) A quantidade de produto que os arguidos detinham, se considerada apenas por si e pela sua natureza, assume um relevo que constituiria, de per si, índice de afastamento dos limites da detenção para consumo, sobretudo se atendermos à inexistência de explicação para tal detenção compaginável com o consumo exclusivo pelo mesmo. Ou seja, considerando a quantidade que o arguido AA detinha de canabis (…), e face ao que ficou provado, fácil é concluir que esta quantidade não era exclusivamente destinada ao seu consumo, nos termos em que dispõe o art.40º, ou seja: por exceder a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de dez dias (cfr. art. 2º, n.º 2) e não se ter provado que detinha aquele produto exclusivamente para seu consumo. Note-se que estes arguidos não indicaram qualquer elemento de prova que sustentasse que a quantidade de produto estupefaciente que detinham, se destinasse, toda ela (como se impunha que sucedesse para se estar perante um crime de consumo e não de tráfico), ao seu consumo. Acresce que, neste particular, competia aos arguidos a prova do elemento negativo de tipo de crime – consumo – ou seja, que o produto estupefaciente que detinham não se destinava senão ao seu consumo exclusivo – não apenas ao seu consumo, mas ao seu consumo exclusivo. – v. neste sentido Acórdão do STJ, de 21/06/1989, disponível em www.dgsi.pt. Desta forma, na ausência de qualquer prova sobre o destino do produto ao consumo exclusivo dos arguidos e não se pondo em causa a posse da substância e as demais circunstâncias em que os factos ocorreram, claro está que tais condutas se não subsumem à previsão do artigo 40º. (…) E só por si a mera detenção de drogas sem a demonstração da sua total afetação ao consumo do agente constitui um crime de tráfico de estupefacientes com a matriz moldada no art.º 21º do DL. n.º 15/93. (…) A nosso ver, a conduta provada cabe na previsão do art.º 21 do DL. n.º 15/93, de 22/1 -, a qual pune “quem (...) distribuir, comprar, ceder, ou por qualquer título (...) receber, proporcionar a outrem, transportar ou detiver fora dos casos previstos no art.º 40º(...).” (…) Quanto a nós é irrelevante que a droga pertença ou não ao arguido. A simples detenção precária desde que não destinada na sua totalidade ao consumo próprio, é punível porque não excluída pelo art.º 40º . Note-se que, como atrás referimos, trata-se dum crime de perigo abstrato, ou seja, em que o perigo não é elemento do tipo mas simples motivo da proibição. E é um crime de empreendimento, em que o crime fica consumado com a comissão de um único ato de execução. E desta natureza do tipo deriva que não é possível configurar a mera tentativa. A situação cai, pois, no âmbito do tráfico. Ultrapassada a questão do consumo, vejamos se se lhes aplica o disposto no art.26º nº2. Dissemos já que estabelece esta norma que se o traficante (entendido como tal nos termos do artigo 21º) for encontrado na posse de quantidade superior à necessária para o consumo médio individual pelo período de cinco dias não beneficia de “estatuto” de traficante consumidor. Face à matéria dada como provada, e as quantidades apreendidas a cada um, forçoso é igualmente concluir que não lhes é aplicável tal previsão legal. Resta analisar se, em face do quadro circunstancial de valoração da ilicitude do facto, a conduta dos arguidos AA e FF se inscreve na previsão ou do artigo 25.º ou do artigo 21.º da Lei da Droga. (…) No entanto, cumpre salientar que no que concerne à ilicitude do facto praticado pelos arguidos AA e FF, esta se verifica com a simples detenção de substâncias estupefacientes que, pelas suas quantidades, seja nociva para a saúde humana, pelo perigo que tal situação potencia. Como a propósito se escreveu no Acórdão do STJ, de 05/11/2009, de que se cita a seguinte parte: “… a mera detenção de produto considerado estupefaciente pelas tabelas I a III anexas ao DL 15/93, de 22.01, se não autorizada ou destinada a consumo próprio, é considerada crime de tráfico. (…), não é necessário que se prove a venda ou a cedência a outrem para haver crime de tráfico. É que consta dos elementos típicos previstos no artigo 21º do DL, de 22 de janeiro (crime base): (…)”. Donde analisando a quantidade apreendida quer a um quer a outro arguido teria que se considerar que a conduta dos mesmos se enquadraria nas hipóteses do artigo 21º. De todo o modo, retira-se também dos autos que os arguidos são/eram consumidores do produto estupefaciente que detinham, pelo que sempre destinariam parte daquele produto para seu consumo próprio, pese embora se não tenha demonstrado as circunstâncias em que ocorreria a eventual cedência a terceiros nem o tempo durante o qual tal atividade se desenvolveu. Também o produto apreendido não se encontrava acondicionado individualmente e não foram encontrados objetos (…) de pesagem na casa do arguido AA, que levem a considerar a existência de uma qualquer estrutura organizada tendente ao tráfico. Por fim, a qualidade da substância apreendida ao arguido AA (…) também contribui para que a ilicitude do ato se afigure consideravelmente diminuída. De outro passo, provou-se que os arguidos conheciam as características estupefacientes do produto (já que o consumiam), sabiam que não se encontravam autorizados a detê-lo e que a sua conduta era proibida por lei e que agiram deliberada, livre e conscientemente encontrando-se preenchido o elemento subjetivo, na modalidade de dolo direto. Ora, concatenando todas as circunstâncias vindas de relatar, entende-se que, se por um lado, a quantidade de produto assume um relevo que por si só afastaria os limites da diminuição da ilicitude, por outro, as restantes circunstâncias indicam que estamos perante uma diminuição da ilicitude. Em suma: o conjunto de todas as circunstâncias respeitantes ao arguido AA (…) apontam para uma situação em que a ilicitude se revela consideravelmente diminuída, pelo que, quanto a estes arguidos, estão preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do crime previsto no artigo 25º do DL n.º 15/93 de 22/01
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Do crime de Detenção de Arma Proibida (…) Também ao arguido AA foi apreendido um bastão extensível. (…) Já quanto ao arguido AA nada se apurou quanto às circunstancias de detenção de tal bastão. Todavia, não se apurou, quanto a qualquer dos arguidos, que ainda que conhecedores da sua detenção em casa, os arguidos o guardassem com vista à sua utilização como meio de agressão e, que assim sendo, soubessem da proibição legal de tal detenção. Ora, não sendo o crime em causa punível a título de negligência ( artigo 13.º do C. Penal ), importa situar-nos na análise do tipo subjetivo do crime doloso de ação e/ou de omissão, na classificação quadripartida de Figueiredo Dias ( Direito Penal, I, 2004, pág. 246 ), que se desdobra, muito sinteticamente, nas bem conhecidas componentes cognoscitiva ou intelectual e volitiva ou intencional, respetivamente correspondentes, ao conhecer ou saber e ao querer o desvalor do facto, sendo esta a estrutura do crime, especificamente no que ao dolo diz respeito, de todo o crime, por mais simples ou menos grave que seja. Não se tendo apurado que estes arguidos soubessem que a posse do bastão lhes era proibida por lei, tal implica que o supra referenciado elemento cognoscitivo ou intelectual do dolo, correspondente ao conhecimento do desvalor do facto, está ausente, não podendo, naturalmente, ser preenchido pela expressão « atuou livre, consciente e deliberadamente », sendo por isso insuficiente para cumprir as exigências de descrição do facto ( doloso e em qualquer uma das modalidades previstas no artigo 14 do C. Penal) passível de sanção penal. (…) E assim não acontecendo, mais não resta a este Tribunal que, e sem mais considerações, absolver (…) o arguido AA da pratica do crime de detenção de arma proibida que lhe vinha imputado, quanto à detenção de um bastão extensível.
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Vem também o arguido AA acusado da prática do crime de detenção de ama proibida, p. e p. pelo artigos 2.º, n.º 1, als. m) e an), n.º 5, al. p), 3.º, n.º 2, al. i), 3.º, n.º 2, al. ab) e 86.º, n.º 1, al. d) do Regime Jurídico das Armas e Munições (RJAM) aprovado pela Lei n.º 5/2006 de 23 de fevereiro, por referência a uma catana que lhe foi apreendida (…) Sendo inquestionado e inquestionável que, pelas suas características, a catana apreendida é uma arma branca, é também sabido que é um instrumento usado, por exemplo, na agricultura e na floresta, e que foi particularmente introduzida em Portugal com a vinda de pessoas das ex-colónias de África, onde era um instrumento de uso corrente nessas mesmas atividades. É aliás de venda livre. Assim a lei, na parte que nos interessa, diz que é proibida a detenção, uso e porte de armas brancas ou de fogo com disfarce ou ainda outros instrumentos sem aplicação definida, que possam ser usados como arma letal de agressão. Existem requisitos que o legislador impõe para que a detenção de "outras armas brancas" para alem das especificadas na alínea d) do n.º 1 do artigo 86.º constitua crime, que são: • a ausência de aplicação definida; • a capacidade para o uso como arma de agressão; e • falta de justificação para a sua posse. – v. Ac. TRE 04/03/2008 Ora, a catana não pode ser considerado uma arma proibida, desde logo porque não apresentava disfarce nem é um objeto sem aplicação definida. Pelo contrário, tem uma aplicação concretamente definida uma vez que é normalmente utilizada e destinada às atividades campestres, piscícolas, venatórias ou similares. – v. neste sentido Ac. TRP 17/10/1999 e TRC 11/10/2000, RC 09/01/2008 in DGSI E a ser tida a catana como arma proibida, que dizer das foices, gadanhas, etc, usadas na agricultura e, tal como as catanas, de venda livre? Depois, não se vê que se imponha a criminalização de condutas em que, como a dos autos, não se evidencia o uso de tais armas na prática de outros crimes. Tal interpretação traduzir-se-ia, na prática, num alargamento da punibilidade duma norma incriminatória, em contradição com a natureza fragmentária ou de intervenção mínima do direito penal, tal como decorre do disposto no artigo 18.º, n.º 2 da CRP. Assim, não obstante o arguido ter em seu poder, ou na sua esfera de disponibilidade, uma catana, com as características supra descritas, que pode hipoteticamente ser usada como arma de agressão, mesmo que não tenha justificado a sua posse, tal não configura crime pois falta-lhe a ausência de aplicação definida. E assim tanto basta para concluir pela inexistência de crime e em consequência pela absolvição do arguido AA desta imputação criminal. (…)
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f. Do destino do produto e dinheiro apreendidos (…) no que concerne às quantias monetárias apreendidas aos arguidos, sendo produto da atividade de tráfico, declaro a sua perda a favor do Estado, nos termos do artigo 110.º/b) CP. g. Das armas e munições (…) Nos presentes autos, encontram-se igualmente apreendidas as armas e munições elencados nos respetivos autos de apreensão, sendo as próprias elementos do crime de detenção de arma proibida pelo qual vai o arguido EE condenado nos presentes autos, sendo que serviram para a sua prática, pelo que se determina a sua perda a favor do Estado, nos termos dos artigos 109.º/1 do Código Penal (cfr. também o artigo 94.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro) e a sua entrega à PSP, que promoverá o seu destino (artigo 78.º/1 da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro). (…)”.
II.2- Apreciação do recurso
Da invocada violação do direito ao silêncio do arguido e do princípio de presunção de inocência do arguido/in dubio pro reo:
Insurge-se o arguido/recorrente contra o acórdão proferido pelo tribunal a quo que o condenou [na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo], pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. nos artigos 21.º n.º 1 e 25.º, alínea a) do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência à tabela I-C, anexa ao mesmo diploma legal conjugado com o artigo 9.º e mapa anexo da Portaria n.º 94/96, de 26 de março.
Invoca, para o efeito, que a convicção/motivação do Tribunal “a quo” viola gritante e gravemente os princípios constitucionalmente consagrados e direitos dos arguidos, concretamente os princípios da presunção da inocência e do in dubio proreo e o direito ao silêncio do arguido, o artigo 61.º do Código de Processo Penal e o artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.
Conclui, não ter cometido o crime pelo qual foi condenado e, consequentemente, pugna pela sua absolvição.
Vejamos:
Desde logo cumpre realçar que o arguido/recorrente diz não ter cometido o crime pelo qual foi condenado, mas não impugna a matéria de facto que foi considerada provada pelo tribunal a quo.
Ora, como é sabido, vem sendo unanimemente defendido na jurisprudência que a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: através do âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal ou mediante a impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, do referido diploma legal.
No primeiro caso estamos perante a arguição dos vícios formais, também designados de vícios decisórios, que se encontram previstos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, que, conforme decorre do referido precito legal, devem resultar do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, não se estendendo, pois, a outros elementos, nomeadamente que resultem do processo, mas que não façam parte daquela decisão, sendo, portanto, inadmissível o recurso a elementos àquela estranhos para o fundamentar, como por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento[3].
No segundo caso estamos perante um erro do julgamento [designadamente na apreciação da prova] cuja apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova produzida em audiência de julgamento, sempre tendo presente os limites fornecidos pelo recorrente em obediência ao ónus de especificação imposto pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal. In casu:
O arguido/recorrente pugna pela sua absolvição, argumentando não ter cometido o crime pelo qual foi condenado.
Todavia, o tribunal a quo considerou provada factualidade que preenche a tipologia criminal do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade pelo qual o arguido/recorrente foi condenado e este não impugna tal matéria de facto, nem por uma via, nem por outra, sendo de referir que, pese embora os vícios decisórios, previstos no artigo 410.º do Código de Processo Penal, sejam de conhecimento oficioso, não se verificam no caso dos autos.
Com efeito, da análise de tal preceito legal decorre que a decisão sobre a matéria de facto é suscetível de ser posta em causa por via da invocação dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mas conforme se referiu supra, tais vícios devem resultar do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum.
Atentando na fundamentação recursiva, o vício que aqui fazia sentido chamar à colação seria o do erro notório na apreciação da prova, vício previsto no artigo 410º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal, o qual se verifica quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efetuou uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis.
Trata-se de um erro de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido[4] . “Com a invocação do vício de erro notório questiona-se, não o conteúdo da prova em si, nomeadamente do que foi dito no depoimento ou nas declarações prestadas, cujo teor se aceita, mas a utilização que foi dada à referida prova, no sentido de a mesma suportar a demonstração de um determinado facto, na medida em que o tribunal valorizou a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados ou então quando da decisão se extrai de modo óbvio que optou por decidir, na dúvida, contra o arguido[5]” .
Resumindo, “o erro notório traduz-se, basicamente, em se dar como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido, ou quando determinado facto é incompatível ou contraditório com outro facto positivo ou negativo[6]”.
Tal erro já não se verifica se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não conduz ao referido vício[7] .
Ora, analisado o texto da decisão recorrida, não se verifica a existência do invocado vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal, pois do texto da decisão recorrida não resulta que o tribunal a quo tenha violado as regras da experiência ou que tenha efetuado uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios, e, muito menos, que tenha violado qualquer regra sobre prova vinculada ou da legis artis.
Na verdade, o que está verdadeira e unicamente em causa no recurso em apreço é que o recorrente não se conforma com a forma como o tribunal a quo apreciou a prova, com a leitura que fez da mesma.
Face à concreta argumentação expendida nas conclusões de recurso, complementadas com a respetiva motivação, é forçoso concluir que o recorrente limita-se a extrair as ilações que tem por pertinentes da prova produzida, que contrapõe à do julgador, sem que da análise da leitura do próprio texto do acórdão recorrido decorra a existência de qualquer ilogismo de percurso ou conclusão contrária à lógica das coisas, ao alcance, pela sua evidência, do homem comum.
Não existe, portanto, o referido vício a que alude o artigo 410.º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Penal, nem existe, diga-se, qualquer um dos outros vícios mencionados em tal preceito legal, que, por serem de conhecimento oficioso, aqui importaria declarar, caso se verificassem.
Na verdade, para que pudesse alcançar a sua absolvição teria o arguido/recorrente que ver considerada não provada a matéria de facto que levou à sua condenação e, para isso, deveria, desde logo, ter impugnado a decisão sobre a matéria de facto, em obediência ao determinado no artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Penal, o que não sucedeu, pois no domínio da impugnação ampla da matéria de facto visa-se uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente aos concretos «pontos de facto» que o recorrente considera incorretamente julgados, através da avaliação (ou reavaliação) das provas que, em seu entender, imponham decisão diversa da recorrida[8] .
Mas, porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objeto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir determinados erros in judicando ou in procedendo, sobre o recorrente impendia o ónus de proceder a uma tríplice especificação, em obediência ao disposto no artigo 412.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, que determina o seguinte: “3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas.”
Em suma, para dar cumprimento às exigências legais da impugnação ampla tem o recorrente de especificar, nas conclusões, quais os pontos de facto que considera terem sido incorretamente julgados, quais as provas [específicas] que impõem decisão diversa da recorrida, demonstrando-o, bem como referir as concretas passagens/excertos das declarações/depoimentos que, no seu entender, obrigam à alteração da matéria de facto, transcrevendo-as [se na acta da audiência de julgamento não se faz referência ao início e termo de cada declaração ou depoimento gravados] ou mediante a indicação do segmento ou segmentos da gravação áudio que suportam o seu entendimento divergente, com indicação do início e termo desses segmentos [quando na ata da audiência de julgamento se faz essa referência - o que não obsta a que, também nesta eventualidade, o recorrente, querendo, proceda à transcrição dessas passagens]. “Importa, portanto, não só proceder à individualização das passagens que alicerçam a impugnação, mas também relacionar o conteúdo específico de cada meio de prova susceptível de impor essa decisão diversa com o facto individualizado que se considera incorrectamente julgado, o que se mostra essencial, pois, julgando o tribunal de acordo com as regras da experiência e a livre convicção e só sendo admissível a alteração da matéria de facto quando as provas especificadas conduzam necessariamente a decisão diversa da recorrida – face à exigência da alínea b), do n.º 3, do artigo 412.º, do C.P.P., a saber: indicação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida -, a demonstração desta imposição compete também ao recorrente”[9]. In casu, analisadas as conclusões do recurso facilmente se constata que o arguido/recorrente em momento algum convoca a impugnação ampla e muito menos cumpriu o ónus de impugnação especificada, em obediência ao disposto nos n.ºs 3 e 4 do citado artigo 412.º do Código de Processo Penal, não satisfazendo as conclusões apresentadas, nem sequer num patamar mínimo, a exigência da tríplice especificação legalmente imposta, nos casos de impugnação ampla.
E, por outro lado, uma leitura atenta da motivação, torna evidente que também esta não consente tal especificação.
Tal circunstancialismo inviabiliza a reapreciação da matéria de facto pela via da impugnação ampla, e, como vimos, o recorrente nem sequer chama à colação o artigo 412.º do Código de Processo Penal.
Também não cumpria convidar o recorrente a aperfeiçoar as conclusões do recurso, pois dizendo-se que as conclusões resumem as razões do pedido, nada pode ser resumido que não se contenha no arrazoado da motivação, de que as conclusões constituem uma síntese essencial.
Neste sentido, vem sendo a tomada de posição constante do Supremo Tribunal de Justiça, ou seja, de que o não cumprimento do ónus de impugnação da matéria de facto, tanto na motivação como nas conclusões desta, não justifica o convite ao aperfeiçoamento, uma vez que só se pode corrigir o que está deficientemente cumprido e não o que se tem por incumprido[10].
Na verdade, não podemos deixar de recordar que o texto da motivação do recurso – reservado aos respetivos fundamentos – é imodificável e, como tal, insuscetível de ser aperfeiçoado, o que bem se compreende, pois, o contrário, equivaleria, no fundo, à concessão de um novo prazo para recorrer, pelo que não cabia a este Tribunal fazer qualquer convite ao aperfeiçoamento, pois estamos perante uma deficiência da estrutura da própria motivação, equivalente a uma falta de motivação na plenitude dos seus fundamentos, que coloca até em crise a delimitação do âmbito do recurso e esse procedimento equivaleria, na verdade, à concessão de novo prazo para recorrer, o que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso[11] .
Em suma, o artigo 417.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, impõe o dever de convite ao aperfeiçoamento tão só quando “a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 do artigo 412.º”. Se o recorrente não faz, como no presente caso, nem nas conclusões, nem no texto da motivação, as especificações ordenadas pelos números 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, nos seus precisos termos, não há lugar ao convite à correção das conclusões, uma vez que o conteúdo do texto da motivação constitui um limite absoluto que não pode ser extravasado através do referido convite.
Na verdade, ao negar a prática do crime pelo qual foi condenado, peticionando a sua absolvição, o arguido/recorrente mais não faz do que impugnar toda a matéria suscetível de o incriminar, a avaliação que o tribunal a quo fez da prova produzida, pretendendo, no fundo, valorizar o seu silêncio, que, na sua ótica, instala a dúvida da ocorrência dos factos, pois nenhuma testemunha, nenhuma vigilância, nenhuma escuta, nenhuma prova foi produzida, que permita ao tribunal a quo concluir que se dedicasse à venda do produto estupefaciente que lhe foi apreendido.
Porém, o recorrente esquece-se que a denominada prova indireta ou indiciária é admissível pelo nosso ordenamento jurídico, alcançável através da possibilidade de fazer operar presunções naturais, em que partindo-se de um facto conhecido (base da presunção), se concluiu presuntivamente pela existência de um facto desconhecido (facto presumido), servindo-se para o efeito dos conhecimentos e das regras da experiência da vida, dos juízos correntes de probabilidade e dos princípios da lógica, que, como, in casu, bem o decidiu o tribunal a quo, permite levar à conclusão da factualidade provada e não se mostra abalada por qualquer dúvida da sua ocorrência.
Ora, o Tribunal a quo deixou claro que analisou a prova testemunhal, pericial e documental produzida, tudo sob o crivo das mais elementares regras da experiência comum, da qual decorrem, entre outros, os autos de busca e apreensão e os relatórios de exame pericial, acrescentando-se que este meio de prova [pericial] não foi colocado em causa por nenhum outro.
O arguido/recorrente, não põe em causa os meios de prova de que o tribunal se socorreu para formar a sua convicção, focando o seu argumento recursivo no facto de o tribunal a quo ter afirmado que o silêncio do arguido de modo algum o pode prejudicar, para depois, segundo o seu entendimento, na sua motivação não fazer mais nada a não ser utilizar o silêncio do arguido para o condenar.
Porém, tal afirmação não tem qualquer sustento.
Com efeito, da motivação da matéria de facto plasmada no acórdão recorrido, resulta, no que aqui importa, o seguinte: “Por fim, o arguido AA não prestou declarações, abdicando de apresentar a sua versão dos factos. Nesse contexto, e para formação da convicção do Tribunal, quanto aos factos 104 e 107 a 115, ponderou-se, por um lado, os depoimentos dos militares GNR e os relatórios de vigilância e, por outro, os autos de apreensão juntos, de cuja apreciação conjugada, se retirou que o arguido destinava o produto estupefaciente apreendido, não ao seu consumo exclusivo, mas, também, à venda a terceiros. É certo, e este Tribunal não o ignora, que este arguido não prestou declarações em audiência, sendo igualmente certo que o direito ao silêncio não pode, em caso algum, prejudica-lo. Contudo, se o silêncio não o pode prejudicar, cremos nós que também não o deverá beneficiar. E assim na falta de uma explicação válida para os factos ocorridos, sobretudo quando esses factos causam estranheza - como seja a quantidade de droga apreendida, o local onde foi apreendida, o dinheiro apreendido distribuído em notas pequenas, bem como os objetos e os vestígios nos mesmos detetados - deve o Tribunal socorrer-se da análise critica da prova produzida para daí retirar conclusões, balizadas pelas regras da experiência comum e da normalidade do acontecer, quanto à ocorrência dos factos e forma como ocorreram. E, neste particular, inexiste, quanto a nós, qualquer justificação válida ou plausível para tudo quanto se apreendeu em casa do arguido AA, sobretudo por se tratar produto estupefaciente profundamente disseminado na sociedade e os referidos bens objetos, comummente identificados com o tráfico de estupefacientes. Acresce, nesta linha de raciocínio, que, atentos os elementos probatórios constantes dos autos, nada permite concluir pela afetação do produto apreendido ao arguido AA ao seu consumo exclusivo. Desde logo porque não prestou declarações, nas quais poderia até poderia ter declarado que tal se destinava ao seu consumo bem como as quantidades consumidas diariamente. Todavia, tendo optado por não prestar declarações em sede de julgamento, restam-nos as suas declarações perante a Direção Geral de Reinserção Social que se mostram incongruentes com a detenção da droga para consumo exclusivo do arguido, uma vez que ali referiu ser um consumidor esporádico de cannabis. Ora, sendo um consumidor esporádico de cannabis, fica por explicar as quantidades de estupefaciente apreendidas, as quais se compreendem já numa situação de trafico. Acresce que, foi igualmente apreendida a quantia de € 320,00, dividida em notas de €20 e €10, montantes esses compatíveis com os montantes utilizados para compra da dose de cannabis ou para a facilitação da mesma, no troco. Aqui chegados, e é verdade que ninguém viu o arguido vender, ou ninguém confirmou a existência dessas transações, o Tribunal facilmente chega a esse facto através de prova indireta, ou seja, conjugando todos estes factos indiciários, acima elencados, e analisando-os de acordo com as normais regras de vida, para poder concluir pela prova do facto relativo à venda ou cedência de estupefacientes por parte do arguido AA, suportando a convicção do Tribunal nos termos que ora se deixam consignados. – factos 104 e 107 a 115 e 189. Note-se, a respeito, que o valor probatório da prova indiciária é comummente aceite pela jurisprudência há largos anos – veja-se a título de exemplo o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 12-09-2007, disponível em www.dgsi.pt. Por outro lado, no que respeita à natureza da droga, quantidade e número de doses, atentou-se na prova pericial constantes dos autos, qual seja a relativa aos exames toxicológicos acima discriminados. Neste particular levou-se aos factos provados o que objetivamente resulta dos exames laboratoriais, e concretamente, quando dos mesmos assim resulta, o grau de pureza dos produtos estupefacientes que foram apreendidos e, igualmente, o seu peso líquido. Quanto ao produto estupefaciente, natureza e quantidade apreendidos aos arguidos, bem como os objetos, dinheiro e veículos utilizados pelos arguidos considerou-se o teor dos autos de busca e de apreensão acima mencionados, sendo que quanto a nós, não subsistem dúvidas que o dinheiro que os arguidos tinham consigo, no momento da apreensão era provento económico daquela concreta atividade de tráfico de produto estupefaciente, não só por serem quantidades pouco significativas, mas também por tais quantidades se encontrarem distribuídas em notas pequenas, sobretudo de €10,00 e € 20,00, usualmente conotadas com o trafico, com o preço e troco, comum das doses dos diferentes estupefacientes e, nessa medida, facilitadores da transação. – factos 97, 98, 116 a 118, 165 a 171, 188 O mesmo quanto aos telemóveis, e respetivos números de telefone, dos quais não restou dúvidas de que eram um meio de que os arguidos se serviam naquela concreta atividade de trafico, bem como os veículos por todos utilizados. – factos 189 a 191 Por fim, no que se refere ao juízo formulado acerca da factualidade atinente ao fim com que os arguidos agiram, ao conhecimento e vontade com que atuaram bem como à sua consciência quanto à ilicitude das condutas levada a cabo – factos 192 a 203 - foi aquele extraído dos factos objetivos, analisados à luz das regras da lógica e da experiência comum, atentas as circunstâncias do caso. É consabido que a factualidade em causa, que é de ordem psicológica – ainda que também normativa - se afigura de difícil objetivação em termos de racionalidade do processo de apreensão da realidade. Tal convicção resulta, assim, de uma análise global do comportamento dos agentes, tendo em conta as regras da normalidade do acontecer. E assim, dadas as características e natureza do produto estupefaciente e da quantidade em questão, apreendida a cada um dos arguidos, qualquer cidadão medianamente inteligente e sagaz, como se presume ser o caso dos arguidos, saberia que a sua detenção e cedência a terceiros não era legalmente admitida. Aliás, é conhecido do mais mediano dos cidadãos que deter produto estupefaciente nas quantidades que vêm referidas e/ou vende-lo é ilícito e punido por lei.”.
Ou seja, é verdade que, na motivação da factualidade provada respeitante ao arguido/recorrente, o tribunal a quo refere que se o silêncio não o pode prejudicar, também não o deverá beneficiar, porém, ao contrário do argumentado pelo arguido/recorrente, o tribunal a quo não fez uso do seu direito ao silêncio para o condenar, decorrendo, claramente, da supra transcrita motivação da factualidade quanto a si dada como provada, que para a formação da sua convicção o Tribunal ponderou, de forma conjugada os depoimentos dos militares GNR, os relatórios de vigilância e os autos de apreensão juntos, meios de prova esses que o arguido/recorrente não põe sequer em causa.
É verdade que a nossa lei processual penal consagra, de forma expressa e clara, o direito do arguido a não prestar declarações ou, prestando-as, de se recusar a responder a alguma ou todas as perguntas, e ainda a proibição de se se extrair dessa opção processual alguma consequência contrária ao interesse do arguido [artigos 343.º, n.º 1 e 345.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal].
Esta proibição impede que o juiz interprete o silêncio do arguido e lhe atribua qualquer significado probatório para estabelecer na sentença a prova dos factos que lhe são desfavoráveis, não se aceitando, de todo, que o silêncio do arguido possa ser tido como um indício de prova ou que funcione como uma presunção de facto sobre a culpabilidade.
Todavia, não foi isso o que fez o tribunal a quo.
Na verdade, o tribunal a quo não atribuiu qualquer significado probatório ao silêncio do arguido/recorrente para estabelecer a sua culpabilidade, o que fez foi não lhe atribuir qualquer relevância para o beneficiar, o que é bem diferente.
Note-se que o silêncio do arguido não abala os meios de prova que o tribunal a quo teve em atenção para considerar como provada a factualidade a si respeitante, não abala, designadamente, a prova pericial e documental produzida, meios de prova que o recorrente não impugna e destes decorre, de forma inequívoca, que, além do mais, ao arguido foi apreendido cannabis, no interior da sua residência, a saber:
- 1 saco contendo 39,397g de cannabis (peso líquido), que se encontrava dentro de uma gaveta inferior do congelador; - 1 frasco de vidro, contendo cannabis em “cabeças” com o peso líquido de 21,577g, que se encontrava debaixo de um banco em madeira e - 1 saco de plástico, contendo cannabis com o peso líquido de 2,031g, que se encontrava debaixo do tampo da mesa.
além da referida quantia em dinheiro, dividida em notas de €10,00 e €20,00 e uma navalha contendo vestígios de cocaína; e numa outra residência, no quarto onde o arguido AA estava a dormir com BB: - 1 saco contendo no seu interior canábis folhas, com o peso líquido de 5,128 gramas, apreendido no interior de uma gaveta da mesa de cabeceira, que daria para 11 doses diárias individuais; - 1 pedaço de folhas canábis, com o peso de 0,074 gramas, apreendido no interior de uma bolsa. Num outro quarto da residência foi apreendido: - 3 pequenos sacos, contendo no seu interior folhas canábis, com o peso líquido de 0,721 gramas, apreendidos no interior de uma bolsa.
E, como o tribunal a quo o refere, inexiste qualquer justificação válida ou plausível para tudo quanto se apreendeu em casa do arguido AA, sobretudo por se tratar produto estupefaciente profundamente disseminado na sociedade e os referidos bens objetos, comummente identificados com o tráfico de estupefacientes. Acresce, nesta linha de raciocínio, que, atentos os elementos probatórios constantes dos autos, nada permite concluir pela afetação do produto apreendido ao arguido AA ao seu consumo exclusivo. Desde logo porque não prestou declarações, nas quais poderia até poderia ter declarado que tal se destinava ao seu consumo bem como as quantidades consumidas diariamente. Todavia, tendo optado por não prestar declarações em sede de julgamento, restam-nos as suas declarações perante a Direção Geral de Reinserção Social que se mostram incongruentes com a detenção da droga para consumo exclusivo do arguido, uma vez que ali referiu ser um consumidor esporádico de cannabis. Ora, sendo um consumidor esporádico de cannabis, fica por explicar as quantidades de estupefaciente apreendidas, as quais se compreendem já numa situação de trafico.
Ou seja, o que o tribunal a quo refere é que, deparando-se com os referidos bens apreendidos ao arguido/recorrente, designadamente com a referida quantidade do produto estupefaciente, não poderia concluir que o arguido/recorrente o destinasse ao seu exclusivo consumo, e assim o beneficiar, atentando a que se remeteu ao silêncio.
O mesmo será dizer que o exercício do direito ao silêncio não pode prejudicar o arguido/recorrente, mas também não lhe pode trazer benefício, não podendo o arguido/recorrente esperar que o seu silêncio reforce a presunção de inocência, anulando o valor das provas produzidas demonstrativas da sua culpabilidade, como o são no caso dos autos.
O arguido/recorrente pode manter-se em silêncio, sem que tal atitude o desfavoreça, mas não pode pretender que daí surja um agravamento do ónus da prova imposto ao Ministério Público ou um especial direito à absolvição com base no princípio in dubio pro reo. O exercício do direito ao silêncio, quando dele resulte que o arguido renunciou a fornecer ao tribunal informação potencialmente favorável ao seu interesse e que só ele conhece, acabe por ter um efeito reflexo de desfavorecimento objectivo, impedindo o afastamento da culpabilidade. Não se trata de uma consequência probatória do silêncio, mas apenas do resultado inevitável de o tribunal não poder considerar circunstâncias que desconhece.[12]
Segundo o princípio nemo tenetur se ipsum accusare ninguém é obrigado a auto incriminar-se ou a contribuir para a sua própria condenação, o que, no essencial, corresponde ao direito de não produzir prova contra si mesmo ou de fornecer qualquer informação que o possa incriminar, apresentando elementos que provem a sua culpabilidade, mas não foi isso que ocorreu nos autos, pois a prova da sua culpabilidade existe, independentemente do direito ao silêncio do arguido/recorrente. Na verdade, o arguido/recorrente parece esquecer que o exercício do direito ao silêncio não pode ter uma amplitude tão grande que se confunda com um direito a contra ele não ser produzida prova.[13]
Ao arguido foi apreendido produto estupefaciente e, pese embora tal realidade, optou por fazer uso do seu direito ao silêncio, sem ter dado qualquer explicação para o facto de ter consigo a referida cannabis, designadamente, nas quantidades indicadas, pelo que não pode, agora, em sede de recurso, querer retirar consequências probatórias favoráveis desse silêncio, argumentando, designadamente, que parte desse produto não lhe pertencia e o encontrado na sua residência destinava-se ao seu consumo doméstico, designadamente para fazer “chá e temperos”, razão pela qual guardava parte desse produto numa gaveta do congelador e num frasco de vidro.
Aliás, o arguido/recorrente mostra-se mesmo incompreendido pelo facto de o tribunal a quo não ter entendido que o produto estupefaciente que foi apreendido na sua residência se destinava ao consumo doméstico, argumentando, a título de exemplo, que “aquela cannabis armazenada no congelador, fosse aí armazenada pelo arguido para seu próprio consumo, como por exemplo qualquer cidadão faz quando compra, carne, peixe, legumes, que, ao chegar a casa, guarda no congelador.” ou quanto ao produto estupefaciente armazenado dentro de um frasco, argumentando que “Também aqui, usando o critério do homem médio, é de todo evidente que as mesmas eram para consumo do arguido, pois o arguido mais não fez que as colocar dentro de um frasco, assim como se coloca o arroz, a massa o sal grosso”.
Ora, como facilmente se compreenderá, tal argumentação não tem qualquer sustento na realidade da vida e constitui uma total afronta aos ditames das regras da experiência e da normalidade do acontecer, pelo que mal andaria o tribunal a quo se colocasse sequer a possibilidade aventada pelo arguido na sua argumentação.
Quanto ao produto estupefaciente apreendido numa outra residência, designadamente no quarto onde o arguido dormia com BB e em duas bolsas, vem agora o arguido dizer que não lhe pertencia, mas sim à sua ex companheira.
Todavia, não impugnou a respetiva factualidade, nos termos sobreditos e, como tal, esta terá de manter-se intocada.
Quanto ao dinheiro apreendido, não se percebe a razão pela qual o arguido/recorrente classifica a respetiva fundamentação do tribunal a quo de “hilariante” e “inimaginável”, pois a forma como o dinheiro se encontrava dividido, em notas de €20 e €10, é precisamente uma decorrência típica do tráfico de estupefacientes, e, como tal, o tribunal a quo revelou acerto ao considerar que traduzia montantes compatíveis com os utilizados para compra da dose de cannabis ou para a facilitação da mesma, no troco, conclusão que, como é obvio, não foi alcançada desgarrada de todo o circunstancialismo envolvente, descrito na factualidade provada.
Além disso, as hipotéticas razões agora aventadas pelo arguido/recorrente para ter a referida quantia monetária na sua posse [a saber: de poder ter levantado tal dinheiro numa caixa multibanco ou de corresponder ao pagamento de um serviço por si prestado enquanto mecânico], não passam disso mesmo, de hipóteses, e, como o recorrente certamente saberá, o tribunal não pode formar a sua convicção com base em hipóteses, desgarradas da realidade e do contexto em que se inserem os factos em apreciação nos autos.
Relativamente ao telemóvel apreendido, não descortinamos a razão de ser da argumentação do recorrente, ao mostrar incompreensão pelo facto de servir para justificar a motivação a que o tribunal a quo chegou, não só porque este não fundamentou a sua convicção em qualquer interceção telefónica respeitante a este arguido, como também a conclusão a que chegou o recorrente com tal argumentação, a saber: “não corresponde à verdade que o arguido utilizasse o telemóvel para a prática do crime de tráfico de estupefaciente, desde logo porque o arguido não cometeu qualquer crime”, não passa de uma mera redundância.
De qualquer forma, não é neste momento, no do recurso, que o arguido deve explicações. O arguido esteve presente na audiência de julgamento e se entendia que tinha alguma explicação a dar, algum esclarecimento a fazer, deveria tê-lo feito nessa altura. Não o tendo feito, não pode agora queixar-se da sua própria omissão[14].
Como referem Simas Santos e Leal Henriques[15], não se deve confundir “desfavorecer” com o “não favorecer”.
A confissão, se espontânea, beneficia a posição do arguido. E se do silêncio do arguido resultar o desconhecimento de circunstâncias que o poderiam favorecer – e de que porventura, só ele tem conhecimento – então poderá esse silêncio nitidamente desfavorecê-lo.
A este propósito ensina Figueiredo Dias[16] que, se o arguido não pode ser juridicamente desfavorecido por exercer o direito ao silêncio já, naturalmente, o pode ser de um ponto de vista fáctico quando do silêncio derive definitivo desconhecimento ou desconsideração de circunstâncias que serviriam para justificar ou desculpar, total ou parcialmente, a infracção. Então, mas só então, representará o exercício um privilegium odiosum para o arguido.[17]
Em suma, se é verdade que o direito ao silêncio exercido pelo arguido durante a audiência de julgamento, quanto aos factos que lhe vêm imputados, não o pode prejudicar, não é menos verdade que, como vimos supra, também não o pode beneficiar e ainda que presente na audiência de julgamento, o arguido/recorrente, a quem é imputada a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, não deu qualquer explicação para a detenção do produto estupefaciente em questão, nas quantidades e nos locais encontrados na sua residência, sendo certo que tal estratégia processual privou o tribunal do conhecimento da sua versão dos factos, que, como é óbvio, não a pode presumir ou conjeturar.
O tribunal a quo ficou limitado aos meios probatórios já supra aduzidos e é incontornável que destes decorre que o arguido/recorrente, só na sua residência, detinhailicitamenteo total de 63,005 g de cannabis, detenção bastante para a sua punição pelo crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, cuja tipologia criminal para além da venda também se preenche, entre outras circunstâncias, com o merorecebimento, seja ele a que título for, do referido produto estupefaciente, ou com a sua detenção.
Diz o arguido/recorrente terem sido violados os artigos 61.º do Código de Processo Penal e os princípios constitucionalmente consagrados no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, que, no que aqui releva, dispõem, respetivamente, o seguinte:
Artigo 61.º Direitos e deveres processuais 1 - O arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e salvas as excepções da lei, dos direitos de: (…) d) Não responder a perguntas feitas, por qualquer entidade, sobre os factos que lhe forem imputados e sobre o conteúdo das declarações que acerca deles prestar; (…)”. Artigo 32.º (Garantias de processo criminal) (…) 2. Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, (…)”.
E analisada a motivação do acórdão recorrido na parte atinente à factualidade provada, desde logo se constata que não assiste qualquer razão ao arguido/recorrente ao invocar a violação dos mencionados preceitos legais/constitucionais.
Com efeito, como corolário do princípio da presunção de inocência que decorre do invocado artigo 32.º,n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, tal princípio obriga a que, instalando-se e permanecendo a dúvida acerca de factos referentes ao objeto do processo, essa dúvida seja sempre desfeita em benefício do arguido relativamente ao ponto ou pontos duvidosos, podendo mesmo conduzir à absolvição[18].
Na prática, traduz-se numa imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.
Porém, a dúvida relevante de que cuidamos, não é a dúvida que o recorrente entende que deveria ter permanecido no espírito do julgador após a produção da prova, mas antes e apenas a dúvida que este não logrou ultrapassar.[19]
E, lido o acórdão recorrido, constata-se que quanto à factualidade que considerou provada relativamente ao arguido/recorrente o tribunal a quo não teve qualquer dúvida em assim decidir e, como tal, não tinha a obrigação de chamar à colação o apontado princípio in dubio pro reo. Ao contrário, aliás, do que fez quanto aos factos que considerou não provados, designadamente quanto ao arguido/recorrente, que assim os considerou, convocando, para o efeito, o citado princípio in dubio pro reo.
Como se pode ler no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça[20] “«a prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade»: «no trabalho de verificação dos enunciados factuais, a posição do investigador - juiz pode, de algum modo, assimilar-se à do historiador: tanto um como o outro, irremediavelmente situados num qualquer presente, procuram reconstituir algo que se passou antes e que não é reprodutível». Donde que «não seja qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável ao arguido», mas apenas a chamada dúvida razoável (…). Pois que «nos actos humanos nunca se dá uma certeza contra a qual não militem alguns motivos de dúvida». «Pedir uma certeza absoluta para orientar a actuação seria, por conseguinte, o mesmo que exigir o impossível e, em termos práticos, paralisar as decisões morais». Enfim, «a dúvida que há-de levar o tribunal a decidir pro reo tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária, ou, por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal» (ibidem).” [sublinhado nosso].
Não foram, portanto, violadas as apontadas disposições legais, designadamente o direito ao silêncio do arguido e a consagração constitucional da sua presunção de inocência e do princípio in dubio pro reo, e, como tal, a pretendida absolvição terá de improceder.
Da pretendida restituição da quantia monetária/arma de ar comprimido/catana e bastão extensível:
Pugna o arguido/recorrente para que lhe seja devolvido:
- A quantia monetária;
- A catana;
- A arma de ar comprimido; e
- O bastão extensível que lhe haviam sido apreendidos e que, no acórdão recorrido, o tribunal a quo determinou a respetiva perda a favor do Estado.
Alega, para tanto, em síntese, que a quantia monetária deve ser-lhe devolvida, perante a sua absolvição do crime de tráfico de menor gravidade pelo qual foi condenado e a catana, a arma de ar comprimido e o bastão extensível deverão ser-lhe devolvidos uma vez que foi absolvido do crime de detenção de arma proibida que lhe vinha imputado e, além disso, esses objetos não foram nem estavam a ser por si utilizados no cometimento de qualquer crime, nem são produto deste.
Vejamos:
Analisada a decisão recorrida constata-se que, de facto, o arguido/recorrente foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. nos artigos 21.º n. o 1 e 25.º, alínea a) do Dec. Lei n. o 15/93, de 22 de janeiro, com referência à tabela I-C, anexa ao mesmo diploma legal conjugado com o artigo 9.º e mapa anexo da Portaria n.º 94/96, de 26 de março e, paralelamente, foi declarada perdida a favor do Estado a quantia em dinheiro apreendida ao arguido, nos termos do artigo 110.º, b) do Código Penal e 36.º, n.º 2, do D.L. 15/93 de 22 de janeiro.
Por outro lado, o arguido/recorrente foi absolvido da prática do crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 2.º, n.º 1, als. m) e an), n.º 5, al. p), 3.º, n.º 2, al. i), 3.º, n.º 2, al. ab) e 86.º, n.º 1, al. d) do Regime Jurídico das Armas e Munições (RJAM) aprovado pela Lei n.º 5/2006 de 23 de fevereiro, de que vinha acusado de ter praticado e foram declaradas perdidas a favor do Estado as armas e munições apreendidas nos autos, nos termos dos artigos 109.º, n.º 1, do Código Penal (cfr. também o artigo 94.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro) e determinou a sua entrega à PSP, com vista a promover o seu destino (artigo 78.º/1 da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro).
Os preceitos legais em que o tribunal a quo sustentou a perda dos referidos bens a favor do Estado dispõem o seguinte:
Artigo 109.º do Código Penal Perda de instrumentos “1 - São declarados perdidos a favor do Estado os instrumentos de factoilícito típico, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos, considerando-se instrumentos de facto ilícito típico todos os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a sua prática. 2 - O disposto no número anterior tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto, incluindo em caso de morte do agente ou quando o agente tenha sido declarado contumaz. (…)” [sublinhado e negrito nossos].
Artigo 110.º do Código Penal Perda de produtos e vantagens 1 - São declarados perdidos a favor do Estado: (…) b) As vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem.
(…)”. Artigo 36.º do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro
[LEGISLAÇÃO DE COMBATE À DROGA] Perda de coisas ou direitos relacionados com o facto “(…) 2 - São também perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos de terceiro de boa fé, os objectos, direitos e vantagens que, através da infracção, tiverem sido directamente adquiridos pelos agentes, para si ou para outrem. (…)”.
Assim sendo, tendo resultado provado que “As quantias monetárias constituem o lucro adveniente das vendas de estupefaciente” [artigo 190. da factualidade provada], bem andou o tribunal a quo ao declarar perdida a favor do Estado a quantia monetária apreendida ao arguido/recorrente, em obediência ao disposto nos artigos 110.º, n.º1, al. b), do Código Penal e 36.º, n.º 2, do D.L. 15/93 de 22 de janeiro.
Consequentemente, improcede, nesta parte, o recurso.
Quanto à requerida devolução do bastão extensível, o presente recurso também terá de improceder.
Com efeito, a este respeito, do acórdão recorrido decorre o seguinte: “Também ao arguido AA foi apreendido um bastão extensível. (…) nada se apurou quanto às circunstancias de detenção de tal bastão. Todavia, não se apurou, quanto a qualquer dos arguidos, que ainda que conhecedores da sua detenção em casa, os arguidos o guardassem com vista à sua utilização como meio de agressão e, que assim sendo, soubessem da proibição legal de tal detenção. Ora, não sendo o crime em causa punível a título de negligência ( artigo 13.º do C. Penal ), importa situar-nos na análise do tipo subjetivo do crime doloso de ação e/ou de omissão, na classificação quadripartida de Figueiredo Dias ( Direito Penal, I, 2004, pág. 246 ), que se desdobra, muito sinteticamente, nas bem conhecidas componentes cognoscitiva ou intelectual e volitiva ou intencional, respetivamente correspondentes, ao conhecer ou saber e ao querer o desvalor do facto, sendo esta a estrutura do crime, especificamente no que ao dolo diz respeito, de todo o crime, por mais simples ou menos grave que seja. Não se tendo apurado que estes arguidos soubessem que a posse do bastão lhes era proibida por lei, tal implica que o supra referenciado elemento cognoscitivo ou intelectual do dolo, correspondente ao conhecimento do desvalor do facto, está ausente, não podendo, naturalmente, ser preenchido pela expressão « atuou livre, consciente e deliberadamente », sendo por isso insuficiente para cumprir as exigências de descrição do facto ( doloso e em qualquer uma das modalidades previstas no artigo 14 do C. Penal) passível de sanção penal. (…) É que é também factualmente que tem de resultar que o agente quer e sabe que comete o crime pelo qual vem acusado, devendo por isso a base factual abranger esses domínios estruturantes do dolo – a intenção do cometimento do facto típico e ilícito e o conhecimento desse cometimento nesses moldes – sem os quais se torna impossível a consequente imposição do direito. E assim não acontecendo, mais não resta a este Tribunal que, e sem mais considerações, absolver (…) o arguido AA da pratica do crime de detenção de arma proibida que lhe vinha imputado, quanto à detenção de um bastão extensível.” [sublinhado e negrito nossos].
Ou seja, como bem o refere o Ex.mo Procurador da República junto da primeira instância na sua resposta ao recurso, “o Tribunal a quo não teve dúvidas em qualificar e integrar aquele objeto como arma e como arma cuja posse é proibida. Todavia, absolveu o arguido porquanto não logrou convencimento de que o arguido soubesse que a sua posse, naquelas condições, era proibida por lei e criminalmente relevante, isto é, absolveu o arguido por não verificação do elemento subjetivo. Assim, sendo aquele objeto uma arma cuja posse é proibida, nos termos da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, deve manter-se a declaração da sua perda a favor do Estado (…)”, em obediência ao disposto no artigo 109.º, n.º 2, do Código Penal, como corretamente defende o Exmo. Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer, parecer este que, notificado ao arguido/recorrente, quanto a esta parte, com o mesmo concordou.
Já quanto à requerida entrega ao arguido/recorrente da arma de ar comprimido e da catana o recurso terá de proceder.
Com efeito para a declaração da perda de bens a favor do Estado, o artigo 109.º, n.º 1, do Código Penal pressupõe a existência de dois pressupostos, cumulativos, a saber:
- um pressuposto formal de que os objetos tenham servido ou estivessem destinados a servir para a prática do facto ilícito, (instrumentos) (…) e
- um pressuposto material relacionado com a perigosidade dos próprios objectos que pela sua natureza intrínseca devem mostrar-se vocacionados para a actividade criminosa.[21] In casu:
A arma de ar comprimido é de aquisição livre, nos termos do artigo 3.º, n.º 9, al. d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, conforme decorre do relatório de exame junto aos autos a fls. 3075 a 3076.
Por sua vez, quanto à referida catana o próprio tribunal a quo reconhece que a sua detenção pelo arguido não pode ser considerada proibida.
Do acórdão recorrido não decorre que tenham servido ou estivessem destinados a servir para a prática do facto ilícito.
Além disso, como doutamente o assinala o Ex.mº Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, do acórdão recorrido também não resulta que tivessem entrado na esfera patrimonial do Recorrente em resultado da atividade de tráfico de estupefacientes, ou utilizada (no caso da catana) em tal atividade.
Consequentemente, por inobservância dos pressupostos legais para declarar a respetiva perda a favor do Estado, cumpre determinar a sua devolução ao arguido recorrente e no que se reporta a arma de ar comprimido caso reúna as demais condições legais para dela ser portador.
III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores da Secção Penal deste Tribunal da Relação de Guimarães em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência:
A. Revoga-se a decisão recorrida na parte em que declarou a perda a favor do Estado da arma de ar comprimido e da catana apreendidas ao arguido/recorrente, determinando-se que lhe sejam restituídas, desde que, no que se reporta à arma de ar comprimido, preencha as condições legais para dela ser portador.
B. No mais, confirma-se o acórdão recorrido.
Não é devida taxa de justiça [artigo 513º, n.º 1, a contrario, do Código de Processo Penal].
Notifique.
Guimarães, 19 de dezembro de 2023
[Elaborado e revisto pela relatora - artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal]
Os Juízes Desembargadores
Isilda Maria Correia de Pinho [Relatora]
José Júlio Pinto [1º Adjunto]
Anabela Varizo Martins [2.ª Adjunta]
[1] Indicam-se, a título de exemplo, os Acórdãos do STJ, de 15/04/2010 e 19/05/2010, in http://www.dgsi.pt. [2] Conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão do STJ n.º 7/95, de 28 de dezembro, do STJ, in DR, I Série-A, de 28/12/95. [3] Cfr. Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal Anotado, 10ª ed., pág. 279; Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed. Pág. 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª ed., págs. 77 e ss.. [4] Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6ª ed., pág. 74. [5] Acórdão do TRC de 24-04-2018, P. n.º 1086/17.4T9FIG.C1, in www.dgsi.pt. [6] Acórdão do STJ, de 98-07-09, Proc. 1509/97, citado por Simas Santos e Leal-Henriques, in Recursos em Processo Penal, Rei dos Livros, 77. [7] A propósito deste vício, veja-se, entre outros, os Acórdãos do TRP de 15.11.2018, do TRC de 24-04-2018 e do STJ de 18.05.2011, todos acessíveis in www.dgsi.pt. [8] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 31.05.2007, disponível para consulta no sítio da internet http://www.dgsi.pt. [9] Conforme acórdão do S.T.J, n.º 3/2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, N.º 77, de 18 de abril de 2012. [10] Cfr., entre outros, os Acórdãos do STJ, de 04-10-2006, Processo n.º 812/06-3.ª; de 08-03-2006, Processo n.º 185/06-3.ª; 04-01-2007, Processo n.º 4093-3.ª e de 10-01-2007, Processo n.º 3518/06-3.ª. [11] Neste sentido, entre outros, veja-se o Acórdão do STJ, de 07-10-2004, Proc. nº 3286/04, 5ª Secção; Além do acórdão já citado do TRL, ainda o Acórdão do TRL, datado de 05-04-2019, Processo n.º 349/17.3JDLSB.L1-9, ambos in www.dgsi.pt e Acórdãos do Tribunal Constitucional, nºs 259/2002, de 18-06-2002 e 140/2004, de 10-03-2004, ambos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos. [12] Entre outros, os Acórdãos do STJ de 20.10.2005, Processo n.º 05P2939; de 14.06.2006, Processo n.º 06P2175 e do TRP de 21-06-2017, Processo n.º 1559/15.3PBMTS.P1, todos acessíveis em www.dgsi.pt. [13] Neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 24-05-2011, Processo n.º 161/09.3PATVR.E1, in www.dgsi.pt [14] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 21-03-2012, Processo n.º 417/10.2JACBR.C1, in www.dgsi.pt. [15]In Código de Processo Penal Anotado, II volume, pág.359, em anotação ao artigo 343º. [16]In Direito Penal Português, “As Consequências Jurídicas do Crime”, pág.449. [17] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 15/10/2012, in www.dgsi.pt. [18] Neste sentido, Simas Santos e Leal Henriques, Noções de Processo Penal, Rei dos Livros, págs. 50 e 51. [19] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 10/12/2014, in www dgsi.pt. [20] Datado de 10-01-2008, Proc. n.º 07P4198, in www.dgsi.pt [21] Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 25-03-2019, Processo n.º 182/15.7GAMLG-B.G1, citado no recente Acórdão também deste Tribunal, datado 31-10-2023, Processo de 311/20.9GAVNF.G2., ambos disponíveis em www.dgsi.pt