SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
REVOGAÇÃO
PRESSUPOSTOS
Sumário


I – A revogação da suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do disposto no Artº 56º do Código Penal, só deve ter lugar como ultima ratio, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as restantes providências previstas no Artº 55º do mesmo diploma legal.
II - Qualquer alteração à suspensão da execução da pena, por violação dos deveres e das regras de conduta ou do plano de reinserção impostos na sentença, pressupõe a culpa por banda do condenado no não cumprimento da obrigação, e que a hipótese de revogação apenas pode colocar-se nas situações em que a culpa se revele grosseira.
III – A violação grosseira ou repetida dos deveres ou regras de conduta impostos, a que se alude no citado Artº 56º, há-de constituir uma indesculpável actuação, em que o comum dos cidadãos não incorra e que não mereça ser tolerada nem desculpada; só a inconciliabilidade do incumprimento com a teleologia da suspensão da pena é que deve conduzir à respectiva revogação.

Texto Integral


Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

1. No âmbito do Processo Comum Colectivo nº 2799/15...., do Juízo Central Criminal ..., Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., a Mmª Juíza a quo proferiu nos autos, em 16/05/2023, o despacho que consta de fls. 1205/1214, que ora se transcreve [1]:

“O Ministério Público veio por despacho de refª ...41 promover ao abrigo do estatuído no artigo 56º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do Código Penal, que seja revogada a suspensão da execução da pena de prisão a que AA foi condenado nos presentes autos e, em consequência, que se determine o cumprimento efectivo da pena de cinco anos de prisão fixada no acórdão.
Notificado o arguido, veio o mesmo por requerimento de refª ...67, pugnar pela improcedência do ora promovido pelo Digno Procurador, alegando em síntese “(…) o arguido entregou o montante imposto como condição paras a suspensão da pena de prisão. Quanto ao Plano de Reinserção social a que estava sujeito o arguido se não o cumpriu na totalidade foi apenas e só porque se ausentou para o Estrangeiro, há procura de trabalho e melhores condições de vida. Já que desde 28 de Março de 2017 até Abril de 2019 o arguido compareceu na DGRSP e cumpriu com as orientações aí definidas. Sendo que em 2019 o arguido, porque não conseguia arranjar trabalho foi para ... trabalhar, onde já havia trabalhado. Bem como para se afastar das companhias que o envolveram no processo. Já que o arguido no período pós sentença deixou-se dos consumos. Arranjou trabalho e pautou a sua conduta conforme as boas regras de convivência em sociedade. Aceita-se para não mais ser discutido que efectivamente não comunicou à DGRSP a sua ausência por motivos de trabalho. Mas, com a devida vénia, entendemos que a suspensão da pena de prisão não deve ser revogada porque o arguido se ausentou do país sem comunicar tal facto. Senão vejamos, após o Douto Acórdão o arguido não mais foi condenado, nem pende contra o mesmo nenhum processo nem condenação. O arguido esteve desde 2019 até 2022 a trabalhar em .... Afastou-se dos meandros da delinquência, bem como das suas más companhias (…)”.
Face à posição do Ministério Público e do arguido, o Tribunal solicitou à DGRSP para elaborar um relatório que, tendo em conta o acórdão condenatório dos presentes autos, em concreto as condições a que subordinou a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado AA, e esclareça a actual situação de vida deste arguido, seja do ponto de vista pessoal, seja familiar, profissional, económico e social, designadamente se deixou de frequentar lugar conotados com o consumo de produtos estupefacientes e de relacionar-se com toxicodependentes. 
A DGRSP a refª ...53 veio apresentar o relatório social solicitado pelo Tribunal.
Notificados o Ministério Público e o arguido do mesmo, ambos vieram aos autos manter a sua posição já manifestada nos mesmos (refªas ...67 e ...85, respectivamente).

Cumpre apreciar e decidir.

Por acórdão proferido nestes autos em 09 de Dezembro de 2015, parcialmente alterado por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10 de Outubro de 2016, foi AA condenado:
- como autor material, na forma consumada, em concurso efectivo, real e heterogéneo, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelos artigos 13º, 1.ª parte, 14.º, n.º 1, e 26º, 1.ª proposição, todos do Código Penal, e artigo 21º, n.º 1, este do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência às tabelas I-C e II-A, anexas ao referido diploma legal e de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 13º, 1.ª parte, 14º, n.º 1, 26º, 1.ª proposição, do Código Penal, e artigos 1º, 2º, n.º 1, alíneas p) e x), e n.º 3, alínea p), 3º, n.º 1 e n.º 2, alínea l), 4º, n.º 1, 72º e 86º, n.º 1, alínea c), estes do RJAM, nas penas parcelares de quatro anos e seis meses de prisão e de um ano e três meses de prisão, respectivamente.
- em cúmulo jurídico, ao abrigo do vertido no artigo 77º, do Código Penal, na pena única de cinco anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período cinco anos, ficando essa suspensão condicionada, nos termos do disposto no artigo 50º, n.º 1 a 4 e 51º, n.º 1, alínea c) e n.º 2, este a contrario, ambos do Código Penal, a regime de prova e ao dever de entregar no prazo de um ano, contado do trânsito em julgado do acórdão condenatório, do valor de 2.500,00 € à “Cruz Vermelha ... – Delegação ...”.
Tal decisão transitou em julgado no dia 24 de Outubro de 2016.
O período da suspensão da execução da pena de prisão aplicada teve, assim, o seu início no dia 25 de Outubro de 2016 e o seu termo final no dia 25 de Outubro de 2021. 
Em 28 de Março de 2017 foi elaborado o competente plano de reinserção social (cfr. fls. 1045 a 1048), devidamente homologado a 02 de Maio de 2017 (cfr. fls. 1055).
Em 20 de Outubro de 2017 o condenado entregou à “Cruz Vermelha ... – Delegação ...” o montante de 2.500,00 € a que estava obrigado (cfr. fls. 1076).
Em 02 de Julho de 2019, no relatório periódico de execução, veio a DGRSP dar conta que o condenado se encontrava a incumprir com as obrigações decorrentes do plano de reinserção social a que estava sujeito, sendo que desconhecia o seu paradeiro desde Abril/Maio de 2019 (cfr. fls. 1105 a 1107).
Foram realizadas diversas diligências no sentido de apurar o paradeiro do condenado, todas infrutíferas.
Foi designado o dia 25 de Maio de 2022 para audição do condenado, tendo o mesmo faltado (cfr. fls. 1140).
Foi designada nova data para a realização de tal diligência, aprazada para 22 de Junho de 2022, tendo o condenado comparecido (cfr. fls. 1143).

Em sede de audição, AA declarou que:
- esteve em ... nos últimos “dois anos e tal, dois anos e meio, mais ou menos”;
- esteve a trabalhar “nas obras”;
- não deu conhecimento desse facto à DGRSP;
- na altura “andava com medo da situação toda dos Tribunais”;
- acha que não tem outros processos de natureza criminal;
- voltou a Portugal porque o seu cartão de cidadão estava caducado e precisava de regularizar essa situação;
- se regressar para ... arranja novo emprego com facilidade;
- vive com a sua namorada há 6 meses e não têm filhos;
- em ... vivia com a namorada, sendo que a mesma se encontrava desempregada;
- regressaram a Portugal há dois meses (em Abril de 2022);
- vivem em ... com a avó da sua namorada em casa daquela;
- estão ambos desempregados, vivendo das suas poupanças;
- mantém contacto regular com a sua mãe e irmão, que vivem no Porto, mas não com o pai, que vive em ...;
- também regressou a Portugal para resolver “esta situação” (dos presentes autos) porque “sabia mais ou menos quando acabava a suspensão”;
- entrou em contacto com o seu advogado e ele disse-lhe “para vir o mais cedo possível para resolver a situação”;
- não sabe explicar o motivo pelo qual não informou a DGRSP da sua ida para ...;
- para entrar em ... precisa de ter o Cartão de Cidadão valido;
- foi por não ter o Cartão de Cidadão valido que regressou a Portugal;
- não consome produtos estupefacientes há três anos “ou mais”.
Pela técnica que acompanha o plano de reinserção social foi dito que:
- reitera a informação prestada nos relatórios;
- efectuou diversas diligências, mesmo junto de órgãos policiais, no sentido de apurar o paradeiro do condenado, sempre sem sucesso.

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Do C.R.C. e da pesquisa de processos pendentes resulta que não são conhecidos novas condenações ou pendência de outros processos de natureza criminal contra o condenado.
Apurou-se, no entanto, que no inquérito n.º 16/22.... foi apresentada queixa contra AA pela alegada prática do crime de ofensa à integridade física e ameaça, por factos alegadamente cometidos em ..., ..., em 12 de Janeiro de 2022.
Nesse inquérito foi proferido despacho de arquivamento em virtude do queixoso ter apresentado desistência de queixa.
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Do relatório social elaborado pela DGRSP a refª ...53 consta o seguinte:

“I Condições pessoais e sociais
O condenado estabeleceu ligação a grupo de pares associados ao consumo de substancias aditivas, aos 20 anos, designadamente canábis, assumindo hábitos de adição, condição que determinou a adoção de uma conduta de elevado risco pessoal e contacto com o sistema judicial penal.
A partir de 2013 o condenado afastou-se do grupo de pares, bem como dos hábitos de adição, e passou a desenvolver atividade essencialmente fora do país, designadamente em ... e em ..., onde permaneceu 2 anos. Seguidamente emigrou para ... – ..., onde manteve atividade na área da construção na área da construção civil, até Dezembro de 2017. Quando se deslocava a Portugal foi mantendo contactos com os serviços de reinserção social.
A atividade enquanto emigrante permitiu-lhe cumprir com o pagamento da quantia de 2.500€ à Cruz Vermelha – Delegação ..., no prazo determinado, como condição da suspensão da pena.
Em 2017 o condenado vivia com uma companheira, relação que manteve durante cerca de 3 anos, tendo o casal residido em .... AA vivenciou um período de dificuldades de inserção laboral, pelo que passou a desempenhar atividades indiferenciadas, sem vínculo laboral na construção civil, subsistindo com dificuldades económicas, mas contava na altura com o apoio da então companheira e do pai desta.
Em meados de 2019 o condenado deixou de estabelecer contactos com estes serviços, por ter emigrado para ..., não nos tendo dado conhecimento da situação, tendo regressado definitivamente a Portugal em Maio de 2022.
Durante este período, desenvolveu atividade na construção civil e recebia ao vencimento de 2.000 €, rendimento que lhe permitiu apoiar os estudos do irmão mais novo, que se licenciou em engenharia industrial na Universidade ... e que terminou o curso há um ano, exercendo este presentemente atividade laboral na .... O condenado encetou novo relacionamento afetivo com BB, há 18 meses, também emigrante, mas em ..., encontrando-se o casal a viver presentemente junto da avó da companheira.
O condenado tem subsistido com as economias amealhadas durante o período em que esteve emigrado e não conseguiu ainda trabalho regular, apesar de diligenciar nesse sentido, tendo por isso como objetivo voltar a emigrar, alegando que poderá beneficiar de melhores condições remuneratórias, mas também pelo desagrado de viver em .... A companheira tem trabalho assegurado na empresa EMP01..., empresa de fruta e outros produtos, localizada em ..., ...00 ..., .... Do contacto com a companheira verificamos que o contrato de trabalho é entregue quando se inicia a atividade. Esta referiu que tem familiares que já aí trabalham há 10 anos e a própria também já desenvolveu atividade na referida empresa, que se dedica à colheita e armazenamento de fruta.
AA pretende emigrar, juntamente com a companheira trabalhar também na referida empresa, mas o contrato de trabalho só lhe será passado quando em ....
AA continua atualmente inativo, passa a maior parte do tempo em casa e não existem indícios de consumo de estupefacientes, assim como não há referencias locais a convívio com grupo de pares associais

II Conclusão
AA associou-se a grupo de pares com hábitos de adição (canábis), hábito que AA assumiu durante um determinado período de tempo, e que determinou o envolvimento com o sistema de justiça penal e condenação.
O percurso profissional de AA foi na maior parte do tempo exercido fora do país designadamente em ..., ... e ..., condição que lhe permitiu assegurar as suas despesas pessoais e apoiar o irmão na sua formação superior.
O condenado cumpriu algumas das obrigações subjacentes à presente suspensão da execução da pena, como a condição económica fixada, contudo ausentou-se em meados de 2019 para o estrangeiro e manteve ausência de notícias por um considerável período de tempo sem colaborar com a DGRSP ..., inviabilizando o acompanhamento a partir de então.
AA beneficia de um enquadramento familiar estável e gratificante junto da companheira e avó desta.
O condenado tem manifestado dificuldades de inserção laboral, e pretendendo emigrar para ... a curto prazo, juntamente com a companheira, onde terá trabalho assegurado numa empresa de colheita e armazenamento de fruta, condição que contribuirá reorganizar a sua situação socioprofissional e pessoal.”
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Enquadramento jurídico-penal
Estatui o artigo 40º, nº1, do CP, que a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Deste modo, as penas devem ser executadas com um sentido pedagógico e ressocializador.
De acordo com o artigo 70º, do mesmo diploma legal, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
O preceituado neste último normativo implica que o legislador penal tenha erigido, sem equívoco, o princípio de que, quando, no caso concreto, o juiz tenha à sua disposição uma pena de prisão e uma pena não detentiva, deve preferir a aplicação desta à aplicação daquela sempre que seja fundado supor que a primeira realizará, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição (vide Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p.328).
No caso de condenação em pena de prisão, a sua execução, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes (cfr. artigo 42º, nº1, do CP).
No entanto, estabelece-se no artigo 50º, nº1, do diploma em referência, que o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Daqui resulta que o julgador dispõe, atento o quantum concreto da pena de prisão (não superior a cinco anos) – pressuposto de natureza formal –, de um poder-dever de substituir a pena de prisão por outra de carácter não detentivo.
A referida suspensão da execução da pena de prisão funciona como uma pena de substituição que passa de modo prevalente por considerações de prevenção especial de socialização.
Daí que se exija, como seu pressuposto de natureza material, que o tribunal (…) conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (vide o Acórdão da Relação de Coimbra, de 29 de Novembro de 2017, acessível em www.dgsi.pt/jtrc, Processo nº202/16.8PBCVL.C1, relator Orlando Gonçalves).
Como se explicita neste aresto, na formulação desse juízo de prognose deverá atender-se, no momento da elaboração da sentença, à personalidade do agente (designadamente ao seu carácter e inteligência), às condições da sua vida (inserção social, profissional e familiar, por exemplo), à sua conduta anterior e posterior ao crime (ausência ou não de antecedentes criminais e, no caso de os ter já, se são ou não da mesma natureza e tipo de penas aplicadas), bem como, no que respeita à conduta posterior ao crime, designadamente, à confissão aberta e relevante, ao seu arrependimento, à reparação do dano ou à prática de atos que obstem ao cometimento futuro do crime em causa) e às circunstâncias do crime (como as motivações e fins que levam o arguido a agir) – acessível em www.dgsi.pt/jtrc, Processo nº202/16.8PBCVL.C1, relator Orlando Gonçalves.
Decidindo-se pela aplicação desta pena de substituição, pode impor-se ao arguido/condenado o cumprimento de deveres (cfr. artigo 51º, do CP) e/ou de regras de conduta (cfr. artigo 52º, do mesmo diploma legal) – cfr. artigo 50º, nº3, desse mesmo diploma – ou sujeitá-lo ao regime de prova (cfr. artigos 53ºe 54º, do CP).
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No caso do acórdão condenatório dos presentes autos verifica-se que o referido juízo de prognose foi efectuado e por ser positivo determinou que se decidisse pela suspensão da execução da pena única de 5 (cinco) anos de prisão aplicada ao arguido/condenado AA.
No entanto, considerou-se que essa suspensão deveria ser acompanhada de regime de prova – mediante plano de reinserção social a elaborar pela DGRSP (cfr. artigo 54º, do mesmo diploma legal) – e à obrigação de o arguido/condenado entregar no prazo de um ano, contado do trânsito em julgado do acórdão condenatório, do valor de 2.500,00 € à “Cruz Vermelha ... – Delegação ...”.
Tal decisão transitou em julgado no dia 24 de Outubro de 2016.
O período da suspensão da execução da pena de prisão aplicada teve, assim, o seu início no dia 25 de Outubro de 2016 e o seu termo final no dia 25 de Outubro de 2021.
Em 28 de Março de 2017 foi elaborado o competente plano de reinserção social (cfr. fls. 1045 a 1048), devidamente homologado a 02 de Maio de 2017 (cfr. fls. 1055).
Em 20 de Outubro de 2017 o condenado entregou à “Cruz Vermelha ... – Delegação ...” o montante de 2.500,00 € a que estava obrigado (cfr. fls. 1076).
Em 02 de Julho de 2019, no relatório periódico de execução, veio a DGRSP dar conta que o condenado se encontrava a incumprir com as obrigações decorrentes do plano de reinserção social a que estava sujeito, sendo que desconhecia o seu paradeiro desde Abril/Maio de 2019 (cfr. fls. 1105 a 1107).
Foram realizadas diversas diligências no sentido de apurar o paradeiro do condenado, todas infrutíferas.
Foi designada para audição do condenado, o dia 22 de Junho de 2022, tendo o condenado comparecido (cfr. fls. 1143), e explicitado os motivos da sua ausência, como supra se expôs. 
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No que respeita ao incumprimento das condições da suspensão, prevêem-se 2 (duas) situações distintas na lei:
[i] se durante a suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, o tribunal pode optar por aplicar uma das medidas previstas no artigo 55º, do CP (fazer uma solene advertência – alínea a) –, exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão – alínea b) –, impor novos deveres ou regras de conduta ou introduzir exigências acrescidas no plano de readaptação – alínea c) – ou prorrogar o período de suspensão – alínea d));
[ii] se durante a suspensão, o condenado infringir, de forma grosseira ou repetidamente, os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social, ou cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estivam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas, o tribunal, nos termos do artigo 56º, nº1, do mesmo diploma legal, revoga a suspensão, o que implica o cumprimento da pena de prisão fixada na decisão condenatória (cfr. artigo 56º, nº2, do CP).
Como se explica no Acórdão da Relação de Guimarães, de 22 de Janeiro de 2018, [a]s causas determinativas da revogação desta pena de substituição, estabelecidas no n.º 1 do art. 56º do Código Penal, reportam-se, pois, a anomalias graves, imputáveis ao condenado, que se venham a registar no decurso do período da suspensão – sublinhado e destacado nossos (acessível em www.dgsi.pt/jtrg, Processo nº97/10.5GCVRL-B.G1, relator Jorge Bispo).
Daqui se infere que o não cumprimento das obrigações impostas não deve desencadear necessariamente a revogação da condenação condicional.
Com efeito, essa revogação só deve ocorrer quando estiverem esgotadas ou se revelarem ineficazes as restantes providências legalmente previstas.
No caso da alínea a), do nº1, do artigo 56º, do CP, esclarece Paulo Pinto de Albuquerque que, como daí resulta, (…) não basta o incumprimento da regra de conduta/deveres impostos, para levar à revogação da suspensão da pena, exigindo-se ainda que essa violação ocorra de modo grosseiro ou repetido, ou seja, que estejamos perante uma conduta dolosa (violação conscientemente querida) ou perante uma actuação temerária, que se traduz no fundo numa acção indesculpável, ou numa “... atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade (...) A colocação intencional do condenado em situação de incapacidade de cumprir as condições da suspensão constitui violação grosseira dessas condições (vide Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, Outubro, 2010, p.201-202).
Assim, a decisão de revogar ou não revogar a suspensão decorrerá do que se inferir da apreciação das circunstâncias em que ocorreu o incumprimento, tendo sempre presente 2 (dois) aspectos: [i] as finalidades consagradas no artigo 40º, do CP, ou seja, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade; e [ii] que a pena de prisão constitui sempre a última ratio.
Como se afirma no Acórdão da Relação do Porto, de 10 de Março de 2004, (…) a infracção dos deveres impostos não opera automaticamente como causa de revogação da suspensão da execução da pena, como medida extrema que é, não devendo o tribunal atender ao aspecto meramente formal daquela violação, mas, prevalentemente, ao desejo firme e incontroverso de cumprimento das obrigações. Só a inconciliabilidade do incumprimento com a teleologia da suspensão da pena deve conduzir à revogação – sublinhado e destacado nossos (acessível em www.dgsi.pt/jtrp, Processo nº0345918, relatora Brízida Martins).
Na verdade, salienta Paulo Pinto de Albuquerque que (…) o critério material para decidir sobre a revogação da suspensão é exclusivamente preventivo (vide Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2008, p.202), e não de compensação da culpa ou de retribuição do mal causado (vide, também, Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p.331 e Fernanda Palma, “As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva” em “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, AAFDL, 1998, p.25-51).
Como se expôs supra, constitui factor de ponderação da revogação: [i] o cometimento de um crime durante o período da suspensão, uma vez que o juízo de prognose favorável assenta na confiança que o arguido/condenado não cometerá crimes no futuro (cfr. alínea b), do nº1, do artigo 56º, do CP); ou [ii] a violação grave ou reiterada das obrigações a que se condicionou a suspensão (cfr. alínea a), do nº1, do artigo 56º, do mesmo diploma legal), já que é um dos mais importantes deveres que acompanham esta pena de substituição.
Em qualquer dos casos, o que está em causa é a formulação de (…) um juízo de prognose sustentado em factos ocorridos no passado, que permitem um juízo de previsibilidade de uma acção ou de um comportamento futuro. Nesse sentido, o juízo de prognose a efectuar pelo tribunal deve permitir-lhe concluir favorável ou desfavoravelmente do passado e do presente para o futuro relativamente à conduta de quem está em causa (vide o mesmo Acórdão da Relação de Coimbra, de 11 de Setembro de 2013, acessível em www.dgsi.pt/jtrc, Processo nº20/10.7GCALD-B.C1, relatora Brízida Martins).
Como tal, a revogação não é automática, havendo que ponderar sempre, e previamente, a viabilidade da manutenção da ressocialização em liberdade (vide o Acórdão da Relação de Évora, de 08 de Março de 2018, acessível em www.dgsi.pt/jtre, Processo nº2207/13.1GBABF-A.E1, relatora Ana Barata Brito).
De tal forma que (…) a revogação da suspensão da execução da pena (…) só deve ter lugar quando se concluir que tal juízo é inalcançável, estando assim irremediavelmente comprometidas as esperanças de reintegração social que estiveram na base da aplicação da uma pena de prisão suspensa (assim o Acórdão da Relação de Évora, de 22 de Abril de 2014, acessível em www.dgsi.pt/jtre, Processo nº90/10.8PBBJA-A.E1, relator Renato Barroso), isto é, depende (…) da constatação de que as finalidades punitivas que estiveram na base da aplicação da suspensão já não podem ser alcançadas através dela, infirmando-se definitivamente o juízo de prognose sobre o seu comportamento futuro – sublinhado e destacado nossos (vide o Acórdão da Relação de Coimbra, de 06 de Fevereiro de 2019, acessível em www.dgsi.pt/jtrc, Processo nº221/14.9SBGRD-A.C1, relatora Helena Bolieiro).
Neste contexto, (…) as causas de revogação não devem ser entendidas com um critério formalista, mas antes como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período da suspensão. O réu deve ter demonstrado com o seu comportamento que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da pena” e que a revogação “só deverá ter lugar como última ratio, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as providências que este preceito (o actual art. 55º do Código Penal) contém (assim Simas Santos/Leal Henriques, Código Penal Anotado, 1º Volume, 1995, p.481).
É que a revogação (só) terá lugar quando se reconheça – por referência ao momento presente – que se frustrou a prognose sobre a adequação e suficiência da pena de substituição para garantir as finalidades da punição.
Do que vem de mencionar-se resulta que o tribunal beneficia de uma ampla faculdade de prescindir da revogação, mesmo em situações em que esteja demonstrada a existência de mau comportamento durante o período da suspensão da execução da pena de prisão aplicada.
Com efeito, em lugar de revogar a suspensão, o tribunal pode fazer uso das “providências” descritas no já referido artigo 55º, do CP, isto é: fazer uma solene advertência ou exigir garantias de cumprimento dos deveres que condicionam a suspensão ou impor novos deveres ou regras de conduta ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção ou prorrogar o período de suspensão.
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Tecidas estas considerações, no caso vertente, como se apurou, o arguido AA foi condenado numa pena de 5 (cinco) anos de prisão, que se decidiu suspender também por 5 (cinco) anos, acompanhada de regime de prova e ao dever de entregar no prazo de um ano, contado do trânsito em julgado do acórdão condenatório, do valor de 2.500,00 € à “Cruz Vermelha ... – Delegação ...”.
O arguido/condenado ficou consciente que para evitar o cumprimento efectivo dessa pena detentiva teria de observar devidamente tal regime de prova.
No entanto, em 02 de Julho de 2019, no relatório periódico de execução, veio a DGRSP dar conta que o condenado se encontrava a incumprir com as obrigações decorrentes do plano de reinserção social a que estava sujeito, sendo que desconhecia o seu paradeiro desde Abril/Maio de 2019. Só se voltou a ter conhecimento do paradeiro do arguido em 22 de Junho de 2022, quando o mesmo compareceu em Tribunal de forma a ser ouvido na diligência de audição de condenado.
Neste âmbito, importa, aqui, não esquecer que o arguido/condenado encontra-se obrigada a residir em morada certa indicada ao tribunal e que dela não pode ausentar-se por período superior a 5 (cinco) dias sem comunicar nova residência ou lugar onde possa ser encontrada, pois que se trata de obrigação decorrente do Termo de Identidade e Residência (doravante, abreviadamente, TIR) que prestou (cfr. artigos 214º, nº1, alínea e) e 196º, nº3, alínea b), ambos do Código de Processo Penal.).
Sem prejuízo deste seu comportamento omisso – que é censurável, atentas as consequências processuais daí advenientes –, resulta do relatório elaborado pela DGRS que:
- A partir de 2013 o condenado afastou-se do grupo de pares, bem como dos hábitos de adição, e passou a desenvolver atividade essencialmente fora do país, designadamente em ... e em ..., onde permaneceu 2 anos. Seguidamente emigrou para ... – ..., onde manteve atividade na área da construção na área da construção civil, até Dezembro de 2017. Quando se deslocava a Portugal foi mantendo contactos com os serviços de reinserção social.
- A atividade enquanto emigrante permitiu-lhe cumprir com o pagamento da quantia de 2.500€ à Cruz Vermelha – Delegação ..., no prazo determinado, como condição da suspensão da pena.
- Em 2017 o condenado vivia com uma companheira, relação que manteve durante cerca de 3 anos, tendo o casal residido em .... AA vivenciou um período de dificuldades de inserção laboral, pelo que passou a desempenhar atividades indiferenciadas, sem vínculo laboral na construção civil, subsistindo com dificuldades económicas, mas contava na altura com o apoio da então companheira e do pai desta.
- Em meados de 2019 o condenado deixou de estabelecer contactos com estes serviços, por ter emigrado para ..., não nos tendo dado conhecimento da situação, tendo regressado definitivamente a Portugal em Maio de 2022.
- Durante este período, desenvolveu atividade na construção civil e recebia ao vencimento de 2.000 €, rendimento que lhe permitiu apoiar os estudos do irmão mais novo, que se licenciou em engenharia industrial na Universidade ... e que terminou o curso há um ano, exercendo este presentemente atividade laboral na ....
- O condenado encetou novo relacionamento afetivo com BB, há 18 meses, também emigrante, mas em ..., encontrando-se o casal a viver presentemente junto da avó da companheira.
- O condenado tem subsistido com as economias amealhadas durante o período em que esteve emigrado e não conseguiu ainda trabalho regular, apesar de diligenciar nesse sentido, tendo por isso como objetivo voltar a emigrar, alegando que poderá beneficiar de melhores condições remuneratórias, mas também pelo desagrado de viver em ....
- A companheira tem trabalho assegurado na empresa EMP01..., empresa de fruta e outros produtos, localizada em ..., ...00 ..., .... Do contacto com a companheira verificamos que o contrato de trabalho é entregue quando se inicia a atividade. Esta referiu que tem familiares que já aí trabalham há 10 anos e a própria também já desenvolveu atividade na referida empresa, que se dedica à colheita e armazenamento de fruta.
- AA pretende emigrar, juntamente com a companheira trabalhar também na referida empresa, mas o contrato de trabalho só lhe será passado quando em ....
- AA continua atualmente inativo, passa a maior parte do tempo em casa e não existem indícios de consumo de estupefacientes, assim como não há referencias locais a convívio com grupo de pares associais
- AA beneficia de um enquadramento familiar estável e gratificante junto da companheira e avó desta.
Considerando que, como se expressou supra, a aplicação de uma pena visa fins preventivos, cumpre averiguar se o arguido/condenado, ao deixar de estabelecer contactos com a DGRSP, por ter emigrado para ..., sem disso dar conhecimento aos respectivos serviços entre meados de 2019 e meados de 2022, violou, de forma grosseira, as condições da suspensão da execução da pena de 5 (cinco) anos de prisão que lhe foi aplicada, colocando-se intencionalmente em situação de incapacidade de cumprimento ao ausentar-se para paradeiro incerto da residência conhecida nos autos e constante do TIR prestado.
Para essa ponderação é necessário apreciar-se conjugadamente as circunstâncias que inviabilizaram que o referido plano fosse organizado e a personalidade e condições de vida do aludido AA à luz dos fins das penas e, ainda, dos critérios consagrados no artigo 50º, nº1, do CP.
Na sequência dessa apreciação: [i] se for concluído que, em concreto, a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, com o que se mostram frustradas as expectativas que motivaram a concessão daquela suspensão, decide-se pela revogação dessa suspensão; [ii] se, ao invés, for concluído que subsistem ainda fundadas expectativas de ressocialização do arguido/condenado em liberdade, decide-se pela não revogação dessa suspensão.
No caso decidendo verificou-se que o arguido/condenado afastou-se da habitação onde residia, emigrando para ... uma vez que me Portugal estava com dificuldades em se inserir laboralmente, tendo desenvolvido a atividade na construção civil e recebia ao vencimento de 2.000 €, rendimento que lhe permitiu apoiar os estudos do irmão mais novo, que se licenciou em engenharia industrial na Universidade ... e que terminou o curso há um ano, exercendo este presentemente atividade laboral na ....
A atividade enquanto emigrante permitiu-lhe ainda cumprir com o pagamento da quantia de 2.500€ à Cruz Vermelha – Delegação ..., no prazo determinado, como condição da suspensão da pena.
Mais resulta que o arguido alterou o seu percurso de vida, deixando de estar na companhia de pessoas conotadas com a toxicodependência e que prejudicavam o seu bem-estar e segurança.
Ao agir dessa maneira, abandonou o consumo de produtos estupefacientes, encontrou uma companheira, integrou-se profissional e socialmente.
Como se deixou anteriormente consignado, a revogação (só) terá lugar quando se reconheça – por referência ao momento presente – que se frustrou a prognose sobre a adequação e suficiência da pena de substituição para garantir as finalidades da punição.
Salvaguardando o devido respeito por outro entendimento, na situação dos presentes autos consideramos que do comportamento do mencionado AA não resulta ter pretendido eximir-se ao cumprimento da pena de substituição aqui em discussão.
Pelo contrário, ao que tudo indica, o arguido/condenado implementou mudanças sérias na sua vida, revelando com essa decisão pretender inflectir, com seriedade, aquele que era o seu percurso de vida, investindo na sua recuperação, deixando de consumir substâncias estupefacientes e procurando integrar-se pessoal, profissional e socialmente, no que terá sido bem sucedido.
Demonstrou, pois, ter interiorizado a censura criminal que lhe foi dirigida e ter consciência da ilicitude dos comportamentos ilícitos que adoptou, sabendo que lhes estava subjacente a sua adição a substâncias estupefacientes.
Deste modo, encontra-se abstinente e dá sinais de que pretende assim manter-se, pois que estruturou devidamente o seu quotidiano.
Ocorreu, portanto uma positiva evolução do arguido/condenado ao nível da atitude criminal, bem como da existência de condições favoráveis de enquadramento sociofamiliar e profissional.
Ora, no acórdão condenatório, por via da suspensão da execução da pena de 5 (cinco) anos prisão aplicada ao identificado AA, com a sujeição a regime de prova e ao dever de entregar no prazo de um ano, contado do trânsito em julgado do acórdão condenatório, do valor de 2.500,00 € à “Cruz Vermelha ... – Delegação ...”, pretendeu alcançar-se aquele que será o seu actual contexto.
Dito por outras palavras, não tendo sido cumprido integralmente o competente plano de reinserção social, o arguido/condenado atingiu os objectivos que foram delineados no mesmo.
Assim, o seu comportamento não demonstra falta de vontade na execução da pena de substituição, nem fraca susceptibilidade em deixar-se influenciar por essa pena.
Por outro lado as exigências de prevenção geral encontram-se devidamente salvaguardadas.
Como tal, sem prejuízo de o comportamento omisso do arguido/condenado ser reprovável, não podemos descurar que terá logrado inflectir aquele que era o seu percurso de vida desviante, o que nos permite concluir, com alguma segurança, face aos indicadores de que dispomos neste momento, que não voltará a ser repetido, atento o actual enquadramento pessoal, profissional e social que apresenta.
Tudo ponderado, cremos que ainda podem ser atingidas as finalidades subjacentes à aplicação da suspensão da execução da pena de prisão de que ora se cuida.
Em face do sobredito, uma vez que as finalidades que estiveram na base da suspensão da execução da pena de prisão aqui aplicada ao arguido/condenado AA não se mostram definitivamente postergadas, decidimos manter a suspensão da execução dessa pena.
*
Nos termos do art. 55, nº1, d), do Código Penal não é possível proceder à prorrogação do período da suspensão uma vez que o período inicialmente estabelecido constitui o máximo previsto no artigo 50º, n.º 5, do Código Penal.
O período da suspensão da execução da pena de prisão aplicada teve o seu início no dia 25 de Outubro de 2016 e o seu termo final no dia 25 de Outubro de 2021.
Do C.R.C. e da pesquisa de processos pendentes resulta que não são conhecidos novas condenações ou pendência de outros processos de natureza criminal contra o condenado.
Atento o disposto no art. 57º, nº1, do Código Penal a pena é declarada extinta se, decorrido o período da sua suspensão, não houver motivos que possam conduzir à sua revogação.
Face ao exposto, nos termos do disposto no artigo 57.º, n.º 1 do C. Penal, declaro extinta a pena aplicada ao condenado AA nos presentes autos.
*
Notifique.
Remeta boletim à Direção dos Serviços de Identificação Criminal, nos termos do artigo 5.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto.
(...)”.
*
2. Inconformado com tal decisão, dela veio o Ministério Público interpor o presente recurso, nos termos da peça processual que consta de fls. 1215/1225, cuja motivação o Exmo. Procurador da República subscritor remata com as seguintes conclusões e petitório (transcrição):

a) Por acórdão proferido nestes autos em 09 de Dezembro de 2015, parcialmente alterado por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10 de Outubro de 2016, foi AA condenado:
- como autor material, na forma consumada, em concurso efectivo, real e heterogéneo, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelos artigos 13º, 1.ª parte, 14.º, n.º 1, e 26º, 1.ª proposição, todos do Código Penal, e artigo 21º, n.º 1, este do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência às tabelas I-C e II-A, anexas ao referido diploma legal e de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 13º, 1.ª parte, 14º, n.º 1, 26º, 1.ª proposição, do Código Penal, e artigos 1º, 2º, n.º 1, alíneas p) e x), e n.º 3, alínea p), 3º, n.º 1 e n.º 2, alínea l), 4º, n.º 1, 72º e 86º, n.º 1, alínea c), estes do RJAM, nas penas parcelares de quatro anos e seis meses de prisão e de um ano e três meses de prisão, respectivamente.
- em cúmulo jurídico, ao abrigo do vertido no artigo 77º, do Código Penal, na pena única de cinco anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período cinco anos, ficando essa suspensão condicionada, nos termos do disposto no artigo 50º, n.º 1 a 4 e 51º, n.º 1, alínea c) e n.º 2, este a contrario, ambos do Código Penal, a regime de prova e ao dever de entregar no prazo de um ano, contado do trânsito em julgado do acórdão condenatório, do valor de 2.500,00 € à “Cruz Vermelha ... – Delegação ...”.
b) Tal decisão transitou em julgado no dia 24 de Outubro de 2016.
c) O período da suspensão da execução da pena de prisão aplicada teve, assim, o seu início no dia 25 de Outubro de 2016 e o seu termo final no dia 25 de Outubro de 2021.
d) Dos elementos constantes dos autos resulta que:
- Em 28 de Março de 2017 foi elaborado o competente plano de reinserção social (cfr. fls. 1045 a 1048), devidamente homologado a 02 de Maio de 2017 (cfr. fls. 1055).
- Em 20 de Outubro de 2017 o condenado entregou à “Cruz Vermelha ... – Delegação ...” o montante de 2.500,00 € a que estava obrigado (cfr. fls. 1076).
- Em 02 de Julho de 2019, no relatório periódico de execução, veio a DGRSP dar conta que o condenado se encontrava a incumprir com as obrigações decorrentes do plano de reinserção social a que estava sujeito, sendo que desconhecia o seu paradeiro desde Abril/Maio de 2019 (cfr. fls. 1105 a 1107).
- Foram realizadas diversas diligências no sentido de apurar o paradeiro do condenado, todas infrutíferas.
- Foi designado o dia 25 de Maio de 2022 para audição do condenado, tendo o mesmo faltado (cfr. fls. 1140).
- Foi designada nova data para a realização de tal diligência, aprazada para 22 de Junho de 2022, tendo o condenado comparecido (cfr. fls. 1143).
e) Em sede de audição, AA declarou que:
- esteve em ... nos últimos “dois anos e tal, dois anos e meio, mais ou menos”;
- esteve a trabalhar “nas obras”;
- não deu conhecimento desse facto à DGRSP;
- na altura “andava com medo da situação toda dos Tribunais”;
- acha que não tem outros processos de natureza criminal;
- voltou a Portugal porque o seu cartão de cidadão estava caducado e precisava de regularizar essa situação;
- se regressar para ... arranja novo emprego com facilidade;
- vive com a sua namorada há 6 meses e não têm filhos;
- em ... vivia com a namorada, sendo que a mesma se encontrava desempregada;
- regressaram a Portugal há dois meses (em Abril de 2022);
- vivem em ... com a avó da sua namorada em casa daquela;
- estão ambos desempregados, vivendo das suas poupanças;
- mantém contacto regular com a sua mãe e irmão, que vivem no Porto, mas não com o pai, que vive em ...;
- também regressou a Portugal para resolver “esta situação” (dos presentes autos) porque “sabia mais ou menos quando acabava a suspensão”;
- entrou em contacto com o seu advogado e ele disse-lhe “para vir o mais cedo possível para resolver a situação”;
- não sabe explicar o motivo pelo qual não informou a DGRSP da sua ida para ...;
- para entrar em ... precisa de ter o Cartão de Cidadão valido;
- foi por não ter o Cartão de Cidadão valido que regressou a Portugal;
- não consome produtos estupefacientes há três anos “ou mais”.
f) Pela técnica que acompanha o plano de reinserção social foi dito que:
- reitera a informação prestada nos relatórios apresentados nos autos;
- efectuou diversas diligências, mesmo junto de órgãos policiais, no sentido de apurar o paradeiro do condenado, sempre sem sucesso.
g) No caso em apreço o condenado AA incumpriu grosseira e reiteradamente os deveres a que estava vinculado no plano de reinserção social. Veja-se que de um período estabelecido de 5 anos de acompanhamento o condenado apenas cumpriu dois anos - desde Maio de 2017 (após o referido plano ser homologado) até Abril/Maio de 2019, altura em que os serviços da DGRSP deixaram de ter qualquer contacto com o mesmo.
h) Na verdade, resulta demonstrado nos autos que o condenado quis livrar-se do acompanhamento de que era alvo, daí que não tenha informado a DGRSP ou o Tribunal da sua deslocação para o estrangeiro, não pretendendo que se soubesse o seu paradeiro para não ser importunado com as obrigações decorrentes do plano de reinserção social.
i) Demonstrativo do seu absoluto desprezo pela pena aqui aplicada é ainda a circunstância do condenado se encontrar em território nacional, pelo menos, desde Janeiro de 2022 e não exibir qualquer preocupação em contactar a DGRSP ou este processo a informar tal facto, tendo mesmo faltado à audição designada para 25 de Maio de 2022, apresentando-se apenas no dia 22 de Junho de 2022.
j) Assim, pelo menos desde Maio de 2019, AA não se coibiu de manter uma atitude de total alheamento e falta de colaboração com a técnica que o deveria acompanhar, apesar de saber que nos presentes autos se encontra condenado numa pena de prisão suspensa na sua execução, subordinada ao cumprimento de um plano de reinserção social.
k) No acórdão condenatório proferido nos autos deixou-se explícito que «No que respeita às exigências de prevenção especial positiva ou de ressocialização, assume primordial importância que o arguido AA compreenda o desvalor do seu comportamento nos acontecimentos que, aqui, se apreciam, de forma a prevenir a prática de futuros actos delinquentes. Estas exigências revelam-se particularmente prementes na medida em que o arguido apresenta antecedentes criminais».
l) E também já aí se entendeu que apenas «depõe a favor do arguido a sua condição profissional, apresentando-se devidamente integrado, exercendo uma actividade laboral por via da qual assegura a sua subsistência (cfr. artigo 71º, n.º 2, alínea d), do Código Penal)».
m) Ou seja, a integração profissional já se verificava aquando da condenação, não constituindo um facto novo que surja durante a execução da pena e que possa ser valorado em seu favor como um dos objectivos alcançados no sentido da ressocialização.
n) Na verdade, conforme dá conta o acórdão proferido nos autos, as elevadas exigências de prevenção especial demonstradas pelo arguido resultam sobretudo da circunstância das condenações sofridas anteriormente não terem surtido o pretendido efeito dissuasor, não servindo de suficiente advertência contra o crime, sendo, por isso, acrescidas as necessidades de ressocialização e menor a sua sensibilidade à pena criminal que lhe venha a ser aplicada.
o) Daí a absoluta indispensabilidade de sujeição do arguido a regime de prova, assentado num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social.
p) Como bem refere o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 01 de Julho de 2021, «I - O regime de prova, previsto nos artigos 53º e 54º do Código Penal tem um sentido marcadamente educativo e correctivo e, para além dos casos de aplicação obrigatória (delinquente com idade do inferior a 21 anos ou que seja condenado pela prática de crime previsto nos artigos 163º a 176º-A do Código Penal, cuja vítima seja menor – artigo 53º/3/4 do Código Penal), deve ser imposto quando a execução da prisão ainda se não mostra necessária, mas a sua mera suspensão já não é suficiente, porque o delinquente mostra especiais dificuldades em interiorizar a ilegalidade da sua conduta ou apresenta forte tendência para a prática de determinados crimes, necessitando de ajuda profissional para ultrapassar aquelas dificuldades ou combater estas tendências; II – Ignorar o comportamento relapso do Arguido perante a solene advertência que constitui a condenação numa pena suspensa, especialmente quando acompanhada do regime de prova, é premiar este comportamento, desvalorizar a decisão condenatória de um tribunal e desperdiçar o trabalho dos Serviços de Reinserção Social, na elaboração do plano de reinserção, o que consideramos inaceitável, porque envia à comunidade o sinal de que se podem desrespeitar impunemente as decisões dos tribunais; III – Se não se for exigente com o cumprimento do regime de prova, não se deve sujeitar o condenado a este regime, porque é preferível não o aplicar do que ignorar o seu incumprimento» (proferido no processo 797/15.3T9VFX-AB.L1-9, disponível para consulta in www.dgsi.pt).
q) Também no mesmo sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 12 de Outubro de 2021, defendendo que «1 - Para efeitos da al. a) do nº 1 do artº 56º do CP, para que possa ser qualificada como grosseira, a violação dos deveres ou regras de conduta, tem de constituir uma atuação indesculpável, em que o comum dos cidadãos não incorra e que não mereça ser tolerada nem desculpada e que não pressupõe, necessariamente, um comportamento doloso por parte do condenado, bastando que atue com culpa, ou seja, que a infração seja resultado de um comportamento censurável, de descuido ou leviandade. 2 - Se o condenado aceitou o plano de inserção social elaborado pela DGRSP, e que foi homologado pelo tribunal em 24/06/2015, veio, logo após a elaboração do PIR, a ausentar-se da residência conhecida nos autos, para outro local, sem que comunicasse ao processo a nova residência, não mais contatando os serviços de reinserção social, em total incumprimento dos deveres que lhe foram impostos no PIR e que bem conhecia, sendo desconhecido o seu paradeiro, só vindo a ser localizado, quando foi detido, em 06/03/2018, para cumprimento de uma pena de 8 anos e 6 meses prisão, à ordem de outro processo, há que concluir que o condenado ignorou e desprezou, por completo, o regime de prova a que ficou sujeito e o Plano de Inserção Social em que tal regime assentou e inviabilizou, dessa forma, a execução do regime de prova. 3 - Neste quadro, está afastada a manutenção do juízo de prognose positivo que é pressuposto da não revogação da suspensão da execução da pena de prisão» (proferido no processo n.º 332/13.8GDABF-A.E1, disponível para consulta in www.dgsi.pt).
r) No caso em apreço, AA mostrou-se absolutamente indiferente ao juízo de censura que lhe foi dirigido no acórdão condenatório aqui proferido e à pena que lhe competia cumprir.
s) A conduta omissiva AA supra descrita põe, quanto a nós, irremediavelmente em causa o juízo de prognose favorável de ressocialização efectuado aquando da condenação nestes autos, sendo que, neste momento, entendemos que a mera ameaça da prisão não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
t) O seu comportamento defrauda as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da pena, cujo fim último, relembra-se, é possibilitar a reintegração do agente na sociedade, a qual, neste caso, não foi possível alcançar.
u) Por outro lado, a gravidade dos factos em causa não se compadece com a aplicação dos mecanismos previstos no artigo 55º do Código Penal.
v) Por último, conforme já reconhecido pelo Tribunal a quo, no que concerne à alínea d), não é possível proceder à prorrogação do período da suspensão uma vez que o período inicialmente estabelecido constitui o máximo previsto no artigo 50º, n.º 5, do Código Penal.
w) A factualidade apurada nos autos impunha, assim, que se revogasse a suspensão da execução da pena de prisão a que de AA foi condenado nos presentes autos e, em consequência, se determinasse o cumprimento efectivo da pena de cinco anos de prisão fixada no acórdão.
x) Ao decidir como decidiu o despacho recorrido violou as normas dos artigos 40º, n.º 1, 50º, 53º, 56º, n.º 1, alínea a) e 70º do Código Penal.

Termos em que, dando provimento ao presente recurso, deve determinar-se a revogação da decisão ora posta em crise e a sua substituição por outra que revogue a suspensão da execução da pena de prisão a que AA foi condenado nos presentes autos e, em consequência, determine o cumprimento efectivo da pena de cinco anos de prisão fixada no acórdão.
Este, o entendimento que perfilhámos.
Vossas Excelências, porém, farão a acostumada justiça.”.
*
3. Notificado, nos termos e para efeitos do disposto nos Artºs. 411º, nº 6, e 413º, do C.P.Penal, o arguido não se apresentou a responder.
*
4. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal da Relação emitiu douto parecer, nos termos que constam de fls. 1230/1232, opinando no sentido de o recurso não merecer provimento, em virtude de, na sua perspectiva, e em síntese “(...) pese embora a violação culposa dos deveres inerentes ao condenado (...) terem sido atingidas as finalidades subjacentes à suspensão da execução da pena de prisão.”.
*
5. Cumprido o disposto no Artº 417º, nº 2, do C.P.Penal, não foi apresentada qualquer resposta.
*
6. Efectuado exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois, conhecer e decidir.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO

1. É hoje pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no Artº 410º, nº 2, do C.P.Penal  [2].

Ora, no caso vertente, a única questão que o Recorrente coloca a este tribunal, e que importa decidir, é a de saber se se verificam ou não os pressupostos da revogação da suspensão da execução da pena de prisão que ao arguido AA foi aplicada.
*
2. Porém, antes de mais, para a uma correcta apreciação do recurso, há que atentar nas principais incidências processuais que os autos revelam:

a) Por acórdão de 09/12/2015, constante de fls. 853/899, foi o arguido AA condenado pela prática, em autoria material, e na forma consumada, em concurso efectivo, real e heterogéneo, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos Artºs. 13º, 1ª parte, 14º, nº 1, e 26º, 1ª proposição, todos do Código Penal, e Artº 21º, nº 1, este do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, por referência às tabelas I-C e II-A, anexas ao referido diploma legal, e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelas disposições conjugadas dos Artºs. 13º, 1ª parte, 14º, nº 1, 26º, 1ª proposição, do Código Penal, e Artºs. 1º, 2º, nº 1, alíneas p) e x), e nº 3, alínea p), 3º, nº 1 e nº 2, alínea l), 4º, n.º 1, 72º e 86º, n.º 1, alínea c), estes do RJAM, nas penas parcelares de quatro anos e seis meses de prisão e de um ano e três meses de prisão, respectivamente e, em cúmulo jurídico, ao abrigo do vertido no Artº 77º, do Código Penal, na pena única de cinco anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período cinco anos, ficando essa suspensão condicionada, nos termos do disposto no Artº 50º, n.º 1 a 4 e 51º, n.º 1, alínea c) e n.º 2, ambos do Código Penal, a regime de prova e ao dever de entregar no prazo de um ano, contado do trânsito em julgado do acórdão condenatório, do valor de € 600,00 à “Cruz Vermelha ... – Delegação ...”.
b) Inconformado com tal acórdão do tribunal colectivo, dele interpôs o Ministério Público o pertinente recurso para este tribunal da Relação, recurso esse que foi julgado  parcialmente procedente pelo acórdão 10/10/2016, constante de fls. 957/972, o qual revogou o acórdão recorrido na parte em que fixou em € 600,00 (seiscentos euros) a quantia a entregar pelo arguido à Cruz Vermelha como condição da suspensão da execução da pena, substituindo esse montante pela importância de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), mantendo o prazo de um ano, a contar do trânsito em julgado, para o arguido proceder a essa entrega.
c) Em 24/10/2016 ocorreu o trânsito em julgado do acórdão condenatório em causa (cfr. fls. 984).
d) Pelo ofício de 16/11/2026, constante de fls. 994, foi solicitado à DGRSP a elaboração do relatório social do arguido, nos termos e para efeitos do disposto no Artº 53º do Código Penal.
e) Nessa sequência, em 29/03/2017, a DGRSP remeteu ao tribunal o Plano de Reinserção Social que consta de fls. 1045/1048, o qual foi homologado pelo despacho de 02/05/2017, exarado a fls. 1055,  e devidamente notificado ao arguido.
f) Em 20/10/2017 o arguido entregou à “Cruz Vermelha ... – Delegação ...” o montante de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos Euros), cumprindo a injunção estabelecida no acórdão condenatório (cfr. fls. 1075/1076).
g) Pelo ofício de 15/01/2018, constante de fls. 1083, a DGRSP remeteu ao tribunal o relatório periódico de execução, que se mostra junto a fls. 1084/1086, dando conta que o arguido se encontrava a cumprir com as obrigações decorrentes do plano de reinserção social a que estava sujeito.
h) Outrossim, pelo ofício de 01/10/2018, constante de fls. 1094, a DGRSP remeteu ao tribunal o relatório periódico de execução junto a fls. 1095/1097, dando conta que o arguido, mau grado não exercer uma actividade laboral regular e vinculativa, continuava a manter uma postura de investimento na manutenção de um modo de vida normativo e, concomitantemente, continuava a cumprir com os objectivos e actividades inerentes ao plano de reinserção social, bem como com as obrigações contidas no acórdão.
i) Porém, no relatório subsequente, datado de 02/07/2019, constante de fls. 1106/1107, a DGRSP deu conta que o condenado se encontrava a incumprir com as obrigações decorrentes do plano de reinserção social a que estava sujeito, sendo que desconhecia o seu paradeiro desde Abril/Maio de 2019.
j) Nessa sequência, foram realizadas diversas diligências no sentido de apurar o paradeiro do arguido, as quais se revelaram infrutíferas (cfr. fls. 1108/1129).
k) Pelo despacho de 22/03/2022, exarado a fls. 1131, foi designado o dia 25/05/2022, pelas 15H00 [depois alterado para o dia 20/05/2022, pelas 13H45, conforme despacho de 26/04/2022, constante de fls. 1136, e novamente alterado para 25/05/2022, pelas 9H30, nos termos da cota de 24/05/2022, exarada a fls. 1137], para a audição do arguido e da técnica que acompanha a pena aplicada, nos termos do disposto no Artº 495º, nº 2, do C.P.Penal, à qual aquele não compareceu, como se consignou no respectivo auto, a fls. 1140 / 1140 Vº.
l) Tendo sido designada nova data para a realização de tal diligência, aprazada para o dia 22/06/2022, o arguido acabou por comparecer, prestando declarações [as ouvimos integralmente], das quais, em síntese, se extrai que:
- Esteve fora, em ..., nos últimos “dois anos e tal, dois anos e meio, mais ou menos”;
- Esteve a trabalhar nas obras;
- Não deu conhecimento desse facto à DGRSP;
- Na altura “andava com medo da situação toda dos tribunais”;
- Sabe que esteve mal;
- Que saiba não tem outros processos de natureza criminal;
- Voltou a Portugal temporariamente porque o seu cartão de cidadão estava caducado e precisava de regularizar a sua situação processual;
- O objectivo dele é ir para fora, para ganhar dinheiro, sendo certo que se regressar para ... arranja trabalho com facilidade;
- Vive com a sua namorada em união de facto há 6 meses, e não têm filhos;
- Em ... vivia com a namorada, sendo que a mesma se encontrava desempregada;
- Regressaram a Portugal há dois meses (em Abril de 2022);
- Vivem em ..., com a avó da sua namorada, em casa daquela;
- Estão ambos desempregados, subsistindo das poupanças de ambos, e com a ajuda da avó;
- Mantém contacto regular com a sua mãe e irmão, que vivem no Porto, mas não com o pai, que residente em ...;
- Também regressou a Portugal para resolver “esta situação” (dos presentes autos) porque “sabia mais ou menos quando acabava a pena suspensa”;
- Entrou em contacto com o seu advogado e este disse-lhe “para vir o mais cedo possível para resolver a situação”;
- Não sabe explicar o motivo pelo qual não informou a DGRSP da sua ida para ..., mas agora arrepende-se de ter agido assim;
- Para entrar em ... precisa de ter o cartão de cidadão válido;
- Foi por não ter o cartão de cidadão válido que regressou a Portugal;
- Não consome produtos estupefacientes há três anos, “ou mais”, sendo um “capítulo encerrado”.
Pela técnica que acompanha o plano de reinserção social foi dito que:
- Reitera a informação prestada nos relatórios;
- Efectuou diversas diligências, mesmo junto da polícia, no sentido de apurar o paradeiro do arguido, sempre sem sucesso.
m) Aberta vista ao Ministério Pública, em 18/01/2023 o Exmo. Procurador da República promoveu a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, pois que, na sua perspectiva, o comportamento do arguido “(...) defrauda as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da pena, cujo fim último (...) é possibilitar a reintegração do agente na sociedade, a qual, neste caso, não foi possível alcançar”, sendo certo “(...) que a gravidade dos afectos em causa não se compadece com a aplicação dos mecanismos previstos no artigo 55º do Código Penal.” (cfr. fls. 1173 / 1176 Vº).
n) Notificado de tal parecer do Ministério Público, o arguido pronunciou-se através do requerimento que consta de fls. 1178/1182, sustentando, em síntese, que a situação em causa não configura um incumprimento grosseiro da condição imposta pela suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada, não havendo, pois, razões, para a pugnada revogação, como pretende o Ministério Público.
o) Por despacho de 15/02/2023, exarado a fls. 1185, a Mmº Juiz a quo determinou se solicitasse “(...) à DGRS para elaborar um relatório que, tendo em contra o acórdão condenatório dos presentes autos, em concreto as condições a que subordinou a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado AA, esclareça a actual situação de vida deste arguido, seja do ponto de vista pessoal, seja familiar, profissional, económico e social, designadamente se deixou de frequentar lugares conotados com o consumo de produtos estupeficantes e de relacionar-se com toxicodependentes.”.
p) Em cumprimento desse despacho, a DGRSP elaborou o relatório que se mostra junto a fls. 1188/1190, datado de 22/03/2023, do qual consta o seguinte (transcrição):
“(...)
“I Condições pessoais e sociais
O condenado estabeleceu ligação a grupo de pares associados ao consumo de substâncias aditivas, aos 20 anos, designadamente canábis, assumindo hábitos de adição, condição que determinou a adoção de uma conduta de elevado risco pessoal e contacto com o sistema judicial penal.
A partir de 2013 o condenado afastou-se do grupo de pares, bem como dos hábitos de adição, e passou a desenvolver atividade essencialmente fora do país, designadamente em ... e em ..., onde permaneceu 2 anos. Seguidamente emigrou para ... – ..., onde manteve atividade na área da construção na área da construção civil, até Dezembro de 2017. Quando se deslocava a Portugal foi mantendo contactos com os serviços de reinserção social.
A atividade enquanto emigrante permitiu-lhe cumprir com o pagamento da quantia de 2.500€ à Cruz Vermelha – Delegação ..., no prazo determinado, como condição da suspensão da pena.
Em 2017 o condenado vivia com uma companheira, relação que manteve durante cerca de 3 anos, tendo o casal residido em .... AA vivenciou um período de dificuldades de inserção laboral, pelo que passou a desempenhar atividades indiferenciadas, sem vínculo laboral na construção civil, subsistindo com dificuldades económicas, mas contava na altura com o apoio da então companheira e do pai desta.
Em meados de 2019 o condenado deixou de estabelecer contactos com estes serviços, por ter emigrado para ..., não nos tendo dado conhecimento da situação, tendo regressado definitivamente a Portugal em Maio de 2022.
Durante este período, desenvolveu atividade na construção civil e recebia ao vencimento de 2.000 €, rendimento que lhe permitiu apoiar os estudos do irmão mais novo, que se licenciou em engenharia industrial na Universidade ... e que terminou o curso há um ano, exercendo este presentemente atividade laboral na .... O condenado encetou novo relacionamento afetivo com BB, há 18 meses, também emigrante, mas em ..., encontrando-se o casal a viver presentemente junto da avó da companheira.
O condenado tem subsistido com as economias amealhadas durante o período em que esteve emigrado e não conseguiu ainda trabalho regular, apesar de diligenciar nesse sentido, tendo por isso como objetivo voltar a emigrar, alegando que poderá beneficiar de melhores condições remuneratórias, mas também pelo desagrado de viver em .... A companheira tem trabalho assegurado na empresa EMP01..., empresa de fruta e outros produtos, localizada em ..., ...00 ..., .... Do contacto com a companheira verificamos que o contrato de trabalho é entregue quando se inicia a atividade. Esta referiu que tem familiares que já aí trabalham há 10 anos e a própria também já desenvolveu atividade na referida empresa, que se dedica à colheita e armazenamento de fruta.
AA pretende emigrar, juntamente com a companheira trabalhar também na referida empresa, mas o contrato de trabalho só lhe será passado quando em ....
AA continua atualmente inativo, passa a maior parte do tempo em casa e não existem indícios de consumo de estupefacientes, assim como não há referencias locais a convívio com grupo de pares associais

II Conclusão
AA associou-se a grupo de pares com hábitos de adição (canábis), hábito que AA assumiu durante um determinado período de tempo, e que determinou o envolvimento com o sistema de justiça penal e condenação.
O percurso profissional de AA foi na maior parte do tempo exercido fora do país designadamente em ..., ... e ..., condição que lhe permitiu assegurar as suas despesas pessoais e apoiar o irmão na sua formação superior.
O condenado cumpriu algumas das obrigações subjacentes à presente suspensão da execução da pena, como a condição económica fixada, contudo ausentou-se em meados de 2019 para o estrangeiro e manteve ausência de notícias por um considerável período de tempo sem colaborar com a DGRSP ..., inviabilizando o acompanhamento a partir de então.
AA beneficia de um enquadramento familiar estável e gratificante junto da companheira e avó desta.
O condenado tem manifestado dificuldades de inserção laboral, e pretendendo emigrar para ... a curto prazo, juntamente com a companheira, onde terá trabalho assegurado numa empresa de colheita e armazenamento de fruta, condição que contribuirá reorganizar a sua situação socioprofissional e pessoal.”
q) Nessa sequência, em 16/05/2023 foi proferido o despacho que consta de fls. 1205/1214, alvo do presente recurso por banda do Ministério Público.
*
3. Isto posto
Tendo em conta este enquadramento fáctico/processual, há que perscrutar, então, se, contrariamente ao decidido pelo tribunal a quo, estão verificados os pressupostos para a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, como pretende o recorrente Ministério Público.
E adiantando a nossa posição, cremos que se impõe uma resposta negativa.
Vejamos.
Como se viu, pelo acórdão proferido nos presentes autos no dia 09/12/2015, parcialmente alterado pelo acórdão deste tribunal da Relação, de 10/10/2016, e transitado em julgado em 24/10/2016, foi o arguido AA condenado na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos Artºs. 13º, 1ª parte, 14º, nº 1, e 26º, 1ª proposição, todos do Código Penal, e Artº 21º, nº 1, este do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, por referência às tabelas I-C e II-A, anexas ao referido diploma legal, e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelas disposições conjugadas dos Artºs. 13º, 1ª parte, 14º, nº 1, 26º, 1ª proposição, do Código Penal, e Artºs. 1º, 2º, nº 1, alíneas p) e x), e nº 3, alínea p), 3º, nº 1 e nº 2, alínea l), 4º, nº 1, 72º e 86º, n.º 1, alínea c), estes do RJAM, pena essa suspensa na sua execução pelo período cinco anos, ficando tal suspensão condicionada, nos termos do disposto no Artº 50º, nºs. 1 a 4 e 51º, nº 1, alínea c) e nº 2, ambos do Código Penal, a regime de prova, e ao dever de entregar no prazo de um ano, contado do trânsito em julgado do acórdão condenatório, do valor de 2.500,00 € à “Cruz Vermelha ... – Delegação ...”.
É comumente aceite na doutrina e na jurisprudência que a suspensão da execução da pena de prisão não representa um simples incidente, ou mesmo só uma modificação, da execução da pena, mas uma pena autónoma e portanto, na sua acepção mais estrita e exigente, uma pena de substituição, com conteúdo político-criminal e campo de aplicação próprios.
Na verdade, esta pena constitui uma das opções, vinculativa para o julgador quando se verifiquem os necessários pressupostos, que permite evitar a aplicação de uma pena de prisão, efectiva, sendo certo que esta constitui, no nosso ordenamento jurídico-penal, a ultima ratio, reservada para os casos extremos em que a nenhuma das penas alternativas ou de substituição aplicáveis se reconheça aptidão para realizar as finalidades da punição. Finalidades estas que vêm indicadas no Artº 40º, nº 1, do Código Penal, a saber, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, e que são exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa - cfr. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, 3ª Reimpressão, Coimbra Editora, 2011, pág. 331 e sgts., e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25/06/2009, in CJ, Ac. STJ, XVII-II-247.
No que tange às consequências jurídicas do incumprimento das condições da suspensão há que atentar no que prescrevem os Artºs. 55º e 56º do mesmo diploma legal.
Na verdade, sob a epígrafe “Falta de cumprimento das condições da suspensão”, prescreve o Artº 55º do Código Penal:
“Se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, pode o tribunal:
a) Fazer uma solene advertência;
b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão;
c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção;
d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no nº 5 do artigo 50º”.
Estatuindo, por seu turno, o Artº 56º, sob a epígrafe “Revogação da suspensão”:
“1 - A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
2 - A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado.”.
Da simples análise do transcrito Artº 56º, do Código Penal, extrai-se claramente serem dois os fundamentos da revogação: o incumprimento grosseiro ou repetido dos deveres ou regras impostos ou do plano de reinserção social ou; o cometimento de crime e respectiva condenação.
Como elucidam os Exmos. Conselheiros Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, in “Código Penal Anotado”, Vol. I, 4ª Edição, Rei dos Livros, 2014, pág. 823, “As causas de revogação não devem ser entendidas com um critério formalista, mas antes como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período da suspensão. O arguido deve ter demonstrado com o seu comportamento que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da pena” e que a revogação “só deverá ter lugar como ultima ratio, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as providências que este preceito [o actual Artº 55º] contém”.
Também o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, 4ª edição actualizada, Universidade Católica, 2021, pág. 345, assevera que “O critério material para decidir sobre a revogação da suspensão é exclusivamente preventivo, isto é, o tribunal deve ponderar se as finalidades preventivas que sustentaram a decisão de suspensão ainda podem ser alcançadas com a manutenção da mesma ou estão irremediavelmente prejudicadas em virtude da conduta posterior do condenado. Com efeito, a condição prevista na parte final da al.ª b) do n.º 1 («e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas») refere-se a ambas as causas de revogação da suspensão previstas nas duas alíneas”.
Na esteira deste entendimento facilmente se conclui que a revogação da suspensão da pena só deve ter lugar como ultima ratio, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as restantes providências previstas no Artº 55º do Código Penal.
Sendo também seguro que qualquer alteração à suspensão da execução da pena, por violação dos deveres e das regras de conduta ou do plano de reinserção impostos na sentença, pressupõe a culpa por banda do condenado no não cumprimento da obrigação, e que a hipótese de revogação apenas pode colocar-se nas situações em que a culpa se revele grosseira.
E a violação grosseira ou repetida dos deveres ou regras de conduta impostos, a que se alude no citado Artº 56º “há-de constituir uma indesculpável actuação, em que o comum dos cidadãos não incorra e que não mereça ser tolerada nem desculpada; só a inconciliabilidade do incumprimento com a teleologia da suspensão da pena é que deve conduzir à respectiva revogação.
Importando “no entanto salientar que a infracção grosseira dos deveres que são impostos ao arguido não exige nem pressupõe necessariamente um comportamento doloso, bastando a infracção que seja o resultado de um comportamento censurável de descuido ou leviandade” - cfr., neste sentido, o Acórdão da Relação de Coimbra, de 17/10/2012, proferido no âmbito do Proc. nº 91/07.3IDCBR.C1, in www.dgsi.pt.
Ora, no caso vertente, como emerge das incidências processuais supra sumariamente descritas, e como bem sublinha o Recorrente, torna-se manifesto e evidente que o arguido violou culposamente os deveres que para si advinham do plano de reinserção social deviamente homologado pelo tribunal a quo, e ao qual estava obrigado: quer porque era do seu conhecimento que a suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi  aplicada estava condicionada ao regime de prova; quer porque tinha perfeita noção de que, quando prestou o termo de identidade e residência, foi-lhe dado conhecimento que, em caso de condenação, esta medida de coação só se extinguiria com a extinção da pena decretada e que, portanto, se mantinha a obrigação prevista no Artº 196º, nº 3, al. b), do C.P.Penal, de comunicar a nova residência ao tribunal, no caso de ausência por mais de cinco dias da primitivamente indicada.
Por conseguinte, o arguido, ao afastar-se da residência onde morava, e ao emigrar para ..., sem comunicar esse facto ao tribunal e aos técnicos de reinserção social, não observou a obrigação para si decorrente do TIR de comunicar ao tribunal expressamente face a uma deslocação para o estrangeiro, superior a cinco dias, a sua nova morada ou o local onde podia ser contactado. E esta omissão foi, como é evidente, culposa.
Todavia, e salvo o devido respeito pela posição do Digno Recorrente, afigura-se-nos que conduta culposa do arguido, traduzida na violação das suas obrigações processuais decorrentes do TIR e na sua falta de colaboração para a execução do plano de reinserção, na sua globalidade, não poderá assumir, no descrito circunstancialismo, uma intensidade tal que permita concluir estar irremediavelmente comprometido o juízo de prognose favorável e da aposta na reinserção em liberdade, que estão na base do decretamento da pena de substituição.
Efectivamente, como supra se referiu, apenas uma falta grosseira determina a revogação da suspensão da execução da pena, devendo constituir, pois, essa violação grosseira, uma atuação indesculpável, em que o comum dos cidadãos não incorre, não merecendo, assim, ser tolerada.
Sucede que, na situação em apreço, e na esteira da decisão recorrida, não se nos afigura que a actuação do arguido configure uma infração grosseira dos deveres a que estava sujeito, não se mostrando, pois, verificado o pressuposto da revogação da suspensão da execução da pena de prisão previsto no Artº 56º, nº 1, al. a), do Código Penal, como pretende o Recorrente.
Com efeito, antes de mais, como assertivamente sublinha o Exmo. PGA no seu douto parecer, “(...) não está demonstrado nos autos que a ausência do condenado para o estrangeiro tenha sido determinada pela fuga das suas responsabilidades e muito menos que tal ausência, sem dar conhecimento, manifeste desprezo pela condenação dos autos”, pois que o “(...) que aparentemente terá motivado o agente com a deslocação para ... terá sido a procura de uma ocupação laboral que não lograva encontrar em Portugal.”.
E se é certo que, ao atuar dessa forma, o arguido inviabilizou uma das condições impostas no respetivo plano de reinserção social, qual seja a de “comparecer e colaborar em entrevistas com o técnico de reinserção social”, também é verdade que não deixou de viabilizar outra, qual seja a de “diligenciar proactivamente no sentido da obtenção de uma ocupação laboral”.
Ademais, também concordamos com o Exmo. PGA quando a este propósito afirma que “(...) o Tribunal não impôs ao condenado o dever de obter previamente autorização para se ausentar para o estrangeiro. Aliás, aquando da elaboração do plano de reinserção social, o Sr. técnico terá mesmo equacionado a possibilidade de o condenado ir viver para o estrangeiro, tanto assim que previa expressamente que as entrevistas conjuntas seriam executadas “nos períodos de permanência (do condenado) em Portugal”.”.
Por outro lado, não pode desconsiderar-se, de modo algum, que o arguido cumpriu a outra condição imposta no acórdão, tendo procedido ao pagamento à “Cruz Vermelha ... – Delegação ...” da quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos Euros) fixada, o que evidentemente aponta no sentido de que as expectativas em si depositadas e que motivaram a opção pela suspensão da execução da pena de prisão, não se mostram ainda frustradas.
Ademais, tudo indica que o arguido terá adoptado “(...) mudanças sérias na sua vida, deixando de consumir substâncias estupefacientes e procurando integrar-se pessoal, profissional e socialmente”, sendo certo, também, que “(...) não há notícia de que tenha praticado qualquer crime no decurso do período de suspensão de execução da pena.”.
Nessas circunstâncias, não podendo a conduta omissiva do arguido, ainda que culposa, ser qualificada como uma infração grosseira dos deveres a que estava sujeito, impõe-se concluir, na esteira da decisão recorrida, que não se mostra verificado o pressuposto da revogação da suspensão da execução da pena de prisão, previsto no Artº 56º, nº 1, al. a), do Código Penal, como defende o Recorrente.
É que convém não olvidar que, tal como, de harmonia com o disposto no Artº 40º, nº 1, do Código Penal, a aplicação das penas visa, a par da proteção de bens jurídicos, a reintegração do agente na sociedade, também a revogação da pena de substituição terá de passar por aferir sobre se a personalidade e condições de vida do condenado e o circunstancialismo que envolveu a sua conduta culposa posterior ao crime, revela, em concreto, à luz dos fins das penas, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, devendo concluir-se, por isso, que se frustraram as expectativas que motivaram a concessão daquela medida, ou se, pelo contrário, apesar do incumprimento, subsistem ainda fundadas expetativas de ressocialização em liberdade, como sucede no caso sub-judice.
*
Assim, sem necessidade de outras considerações, por despiciendas, não tendo sido violada nenhuma das normas legais invocada pelo Recorrente, nem qualquer outra, nenhuma censura nos merece o despacho recorrido, que se confirma, improcedendo o presente recurso.

III. DISPOSITIVO

Por tudo o exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, confirmando-se, consequentemente, o despacho recorrido.

Sem custas, por delas estar isento o recorrente (Artº 522º, do C.P.Penal).

(Acórdão elaborado pelo relator, e por ele integralmente revisto, com recurso a meios informáticos, contendo na primeira página as assinaturas electrónicas certificadas dos signatários – Artºs. 94º, nº 2, do C.P.Penal, e 19º, da Portaria nº 280/2013, de 26 de Agosto).
*
Guimarães, 19 de Dezembro de 2023

António Teixeira (Juiz Desembargador Relator)
Cristina Xavier da Fonseca (Juíza Desembargadora Adjunta)
Isilda Maria Correia de Pinho (Juíza Desembargadora Adjunta)


[1] Todas as transcrições a seguir efectuadas estão em conformidade com o texto original, ressalvando-se a correcção de erros ou lapsos de escrita manifestos, da formatação do texto e da ortografia utilizada, da responsabilidade do relator.
[2] Cfr., neste sentido, Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal Português - Do Procedimento (Marcha do Processo) ”, Vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 334 e sgts., e o Acórdão de fixação de jurisprudência do S.T.J. nº 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995, em interpretação que ainda hoje mantém actualidade.