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ACÇÃO ESPECIAL DE ACOMPANHAMENTO DE MAIOR
LEGITIMIDADE PARA RECORRER
Sumário
Em acção especial de acompanhamento de maior, o filho do maior tem legitimidade para interpôr recurso da decisão que decretou o acompanhamento e nomeou outra pessoa para acompanhante do maior, com poderes gerais de representação do mesmo.
Texto Integral
I – RELATÓRIO 1.1. O Ministério Público, junto Juízo de Competência Genérica de Sesimbra - Juiz 1, veio, ao abrigo do disposto no art.º 141.º, n.º 1, do Código Civil, bem como nos artigos 80.º e 891.º, e seguintes do Código de Processo Civil, propor ação especial de acompanhamento, de AA, por padecer de doença que causa a sua dependência de terceiros para a gestão da respetiva saúde e do seu património.
Foi ordenada a citação pessoal do requerido, a qual não foi possível de concretizar por falta de compreensão do conteúdo da mesma.
Procedeu-se à citação da sua Advogada/Patrona para contestar.
Proferido despacho previsto no art.º 897.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, procedeu-se à realização da audição pessoal do requerido e tomaram-se esclarecimentos à pessoa indicada para acompanhante, o seu único filho.
Foi realizado exame médico-legal às faculdades mentais do requerido.
Foi, afinal, decidido:
“- Declarar o acompanhamento do maior, AA, pela Diretora Técnica do ..., BB (ou quem a venha a substituir na mesma instituição), com domicílio em ..., 2970 Sesimbra; - Atribuir à acompanhante poderes de representação geral do acompanhado; - Atribuir poderes de representação especial de administração dos bens da Acompanhada, poderes para receber pensão e/ou subsídio auferido pela mesma, para abrir e encerrar contas bancárias em nome da Acompanhada e ser contitular de todas as contas bancárias da mesma, por forma a custear as despesas necessárias ao bem-estar e qualidade da vivência do acompanhado.”
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1.2. Não se conformando com a decisão, dela veio interpor recurso CC, filho do acompanhado.
Por despacho de 19 de setembro de 2023, com fundamento em inadmissibilidade legal, o recurso foi liminarmente indeferido.
É do seguinte teor o referido despacho: “O recorrente, CC, não tem legitimidade para recorrer tendo em consideração o disposto no artigo 901.º ex vi art. 641.º n.º 2 a) ambos do CPC e art. 141.º do Código Civil, pelo que vai o recurso liminarmente indeferido. Notifique.”
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1.3. Notificado do transcrito despacho, CC dele veio reclamar, nos termos do art.º 643.º, do Código de Processo Civil.
Alegou para tanto, em síntese:
- Foi o recorrente quem tomou a iniciativa de por em marcha o processo de maior acompanhado do seu pai, para o que se dirigiu ao Tribunal e preencheu um formulário para instauração do processo;
- Não estão verificadas as condições de indeferimento do recurso;
- É chocante uma interpretação redutora do art.º 901.º, do Código de Processo Civil;
- À luz do art.º 20.º, da Constituição da República Portuguesa, o art.º 901.º, do Código de Processo Civil, deve ser interpretado no sentido de que o parente sucessível que toma a iniciativa e requer a instauração da ação de um processo de acompanhamento de maior, mesmo que o requerimento inicial seja subscrito pelo Ministério Público, tem legitimidade para interpor recurso da sentença que fixar a medida cautelar, sendo chocante uma interpretação redutora do art.º 901.º, do Código de Processo Civil.
Termina pedindo que seja revogado o despacho que não admitiu o recurso e substituí-lo por outro que admita o recurso interposto.
O requerido respondeu à reclamação pugnando que seja proferida decisão que mantenha o despacho reclamado e que indeferiu liminarmente o recurso interposto pelo reclamante.
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II – FUNDAMENTAÇÃO 2.1. Proferiu-se decisão singular nos seguintes termos: Dispõe o art.º 643.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que «[d]o despacho que não admitir ou que retiver o recurso, o recorrente pode reclamar para o presidente do tribunal a que o recurso se dirige». Assim, a reclamação para o presidente do tribunal a que o recurso se dirige versa apenas sobre o despacho que não admite o recurso ou que o retenha. No caso em apreço não foi admitido o recurso, pelo que a questão a decidir consiste apenas em saber se deve o mesmo ser admitido. Como resulta do relatório supra, apesar de indigitado acompanhante, o reclamante não veio a ser nomeado para o exercício do referido cargo, porquanto, o tribunal a quo, proferiu decisão em que determinou o acompanhamento do maior, AA, pela Diretora Técnica do ..., BB (ou quem a venha a substituir na mesma instituição), O reclamante entende que deveria ter sido declarado acompanhante e interpôs recurso da decisão proferida. Vejamos. No que concerne à legitimidade para recorrer, o art.º 631.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, estabelece a regra geral: os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido. Os n.ºs 2 e 3, do mesmo artigo atribuem, a título excecional, legitimidade para recorrer a quem não seja parte principal. O n.º 2 estabelece que as pessoas direta e efetivamente prejudicadas pela decisão podem recorrer dela, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias. O n.º 3 dispõe que o recurso previsto na al. g) do art.º 696.º pode ser interposto por qualquer terceiro que tenha sido prejudicado com a sentença, considerando-se como terceiro o incapaz que interveio no processo como parte, mas por intermédio de representante legal. Por seu turno, estatui o art.º 901.º, n.º 1, do Código de Processo Civil: “Da decisão relativa à medida de acompanhamento cabe recurso de apelação, tendo legitimidade o requerente, o acompanhado e, como assistente, o acompanhante.” Tal preceito não pode, contudo, ser desligado da norma geral do art.º 631.º, n.º 2, do Código de Processo Civil de acordo com qual qualquer pessoa diretamente prejudicada tem legitimidade para interpor recurso da decisão. O recorrente é interveniente acidental nos presentes autos e foi inicialmente indicada pelo MP para exercer as funções de acompanhante. Ora, como decorre dos autos, o recorrente CC não era, aquando da interposição do recurso, assistente do beneficiário. Só nessa qualidade, como parte acessória no processo, na qualidade de assistente do acompanhado (incidente a deduzir nos termos dos art.ºs 326.º e seguintes, do Código de Processo Civil), poderia o apelante, em princípio, recorrer, auxiliando aquele, nos termos do art.º 901.º, citado [Miguel Teixeira de Sousa, O regime do acompanhamento de maiores: alguns aspetos processuais, e-book do CEJ: O novo Regime Jurídico do Maior Acompanhado, 1.ª edição de 14.02.2019. atualizada a 18.02.2019]. No mesmo sentido se pronunciou Vânia Filipe Magalhães [Questões processuais da medida de acompanhamento, Lex Familiae, ano 19, n.º 37, 2022, p. 64]. O recurso a interpor seria, no entanto, nos precisos termos do art.º 901.º, do Código de Processo Civil, ou seja, “da decisão relativa à medida de acompanhamento”, o que afastaria desde logo a admissibilidade do recurso ora interposto à luz daquele preceito, por não serem nele postas em causa as medidas de acompanhamento decretadas. Ou seja, o art.º 901.º, do Código de Processo Civil, confere legitimidade ao acompanhante, na qualidade de assistente, para efeitos de recurso da decisão relativa a medida de acompanhamento, reconhecendo-lhe a lei o direito de intervir no recurso, como auxiliar das partes principais (requerente ou acompanhado), se tiver interesse jurídico em que a decisão do pleito seja favorável à parte a quem presta auxílio (art.ºs 326.º e 328.º, do Código de Processo Civil). Se o assistido não tiver recorrido da decisão, esgotando-se o respetivo prazo para o efeito – e ficando precludido o seu direito de recorrer –, o assistente, em princípio, também não poderia recorrer, à luz do n.º 2, do art.º 328.º, do Código de Processo Civil. Ora, à luz dos preceitos legais citados, não tendo sido interposto recurso da decisão final proferida, nomeadamente das medidas de acompanhamento decretadas, o recorrente não tinha, em princípio, direito de recorrer, mesmo que tivesse uma intervenção acessória nos autos, e viesse interpor recurso da decisão proferida quanto às medidas de acompanhamento decretadas. Ainda assim, é caso para questionar se não assiste ao recorrente, mero interveniente acidental nos autos, o direito de recorrer, da parte da decisão final proferida, que não o nomeou acompanhante do beneficiário AA. Como se disse, não estão em causa, no recurso interposto pelo recorrente, as medidas de acompanhamento decretadas – nem poderia o recorrente delas recorrer, como se esclareceu –, pelo que não tem aplicação aos autos o disposto no art.º 901.º, do Código de Processo Civil. Pode, no entanto, o ora reclamante – na qualidade de terceiro –, ter interesses próprios a defender, conferindo-lhe o art.º 631.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, o direito de recorrer, nos termos gerais do direito ao recurso. Nesse caso, o reclamante recorre autonomamente, em nome próprio, em defesa de interesses seus, e não como auxiliar de alguma das partes no processo, nomeadamente do assistido (nos termos previstos no art.º 901.º, citado). Efetivamente, a norma do art.º 631.º, n.º 2, (inserida na parte geral dos recursos, intitulada “Quem pode recorrer”), destina-se aos terceiros que sejam direta e efetivamente prejudicados com alguma decisão proferida, ainda que não sejam partes na causa, ou sejam apenas partes acessórias (mas em defesa de direito seus, afetados pela decisão), não sendo impeditivo desse raciocínio a redação do art.º 901.º, porque, como se disse, o recurso que nele é mencionado, é literalmente apenas o da “decisão relativa à medida de acompanhamento”, do qual se podem distinguir outras situações, nomeadamente o recurso da decisão de nomeação do acompanhante, como é o caso dos autos. Com efeito, se tem sentido limitar ao acompanhado (e ao acompanhante, como seu assistente), a legitimidade para recorrer da decisão que lhe aplica medidas de acompanhamento – impondo-lhe uma limitação ao exercício dos seus direitos, e a condicionar a sua liberdade de exercício –, já não parece fazer sentido impedir as pessoas diretamente visadas por outras obrigações que lhe são impostas (ou negadas) na decisão, de recorrer especificamente da decisão que regule tais obrigações, e não genericamente da aplicação de medidas de acompanhamento (acórdão do TRP, de 24.10.2019, disponível em www.dgsi.pt). Aderimos nesta matéria à corrente jurisprudencial (acórdão do STJ, de 14.01.2021, processo n.º 4285/18.8T8MTS.P1.S1), que defende que o Processo Especial de Acompanhamento de Maiores não prevê regras especiais para recorrer, salvo a regra prevista no art.º 901.º, do Código de Processo Civil, a respeito do recurso da decisão relativa à medida de acompanhamento, o que significa que lhe são aplicáveis as regras previstas para os recursos em geral, não sendo defensável que as demais decisões proferidas nestes processos (para além das previstas no art.º 901.º) sejam irrecorríveis; às mesmas é aplicável o regime geral previsto nos art.ºs 627.º e seguintes do Código de Processo Civil (ex vi do art.º 549.º, n.º 1, do mesmo diploma legal), nomeadamente o disposto no n.º 2, do art.º 631.º, no qual se estipula que “As pessoas direta e efetivamente prejudicadas pela decisão podem recorrer dela, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias”. Igualmente, neste sentido, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, vol. II, p. 357, na anotação 3. ao art.º 901.º, onde referem “[a] legitimidade é conferida, simultaneamente, ao acompanhado e ao requerente, tendo o acompanhante designado a possibilidade de intervir como assistente (cf. nota 3 ao art. 328º). Tal preceito não pode, contudo, ser desligado da norma geral do art.º 631º, nº 2, de acordo com o qual qualquer pessoa diretamente prejudicada tem legitimidade para interpor recurso da decisão (…). Assim, em RP 24-10-19, 887/18, considerou-se que a instituição onde o maior acompanhado se encontrava internado tinha legitimidade para recorrer da decisão que designou como acompanhante o respetivo diretor.” Uma vez que está em causa apenas um pressuposto processual recursório, basta a constatação da possibilidade do prejuízo para os terceiros recorrentes, para se dar como verificada a legitimidade para recorrer, independentemente do juízo que vier a ser feito acerca do mérito do recurso (acórdão do STJ citado). Nessa medida, por se reconhecer legitimidade ao recorrente para impugnar especificamente o segmento da decisão recorrida visado pelo recurso, decide-se julgar procedente a reclamação e admitir o recurso interposto.
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2.2. AA veio reclamar para a Conferência, nos termos do art.º 652.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, alegando, em suma que:
- Assenta a decisão singular numa interpretação extensiva do artigo 901.º, do Código de Processo Civil, no sentido de permitir ao reclamante, na qualidade de filho do acompanhado, que tenha legitimidade para recorrer de sentença proferida, porquanto se trata de “pessoas directa e efectivamente prejudicadas pela decisão, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias”.
- O reclamante, querendo, poderia ter acautelado a sua posição de requerente no Processo de Maior Acompanhado, assegurando assim a sua legitimidade para recorrer da decisão do Tribunal a quo; não o tendo feito, assumindo o Ministério Público tal posição, é tal entidade quem é requerente e não o reclamante.
- Em lado algum o reclamante em sede de recurso se apresenta na qualidade de pessoa direta e efetivamente prejudicada pela decisão.
- Em nosso entendimento, seria sim aplicável o n.º 2, do artigo 631.º, do Código de Processo Civil, em clara extensão do artigo 901.º, do Código de Processo Civil, a extensão à legitimidade para recurso, permitindo-se consequentemente a quem não foi parte na ação o direito de recorrer por, sobre a decisão proferida, ter ficado direta e efetivamente prejudicado.
- No entanto, o reclamante não alega, por inexistir, qualquer prejuízo direto e efetivo na sua pessoa com base na decisão proferida pelo Tribunal a quo.
- A decisão em causa não coloca em crise a relação que deverá existir entre pai e filho no que toca aos deveres de auxílio e assistência que este deverá ter para com o acompanhado, sem prejuízo de não ser o seu acompanhante.
Conclui que, à luz do artigo 901.º, do Código de Processo Civil, que define com clareza o regime deste tipo de processos especiais, no que toca à previsão inequívoca de quem tem legitimidade para recorrer e afastado que está o regime geral do artigo 631.º n.º 2 do Código de Processo Civil, a decisão de não admissão do recurso interposto pelo reclamante não merece qualquer censura, devendo ser mantida.
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2.3. Cumpre apreciar e decidir
O reclamante veio defender na reclamação para a conferência que está afastado no presente caso o regime geral do art.º 631.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, porquanto o reclamante não alega, por inexistir, qualquer prejuízo direto e efetivo na sua pessoa com base na decisão proferida pelo Tribunal a quo.
Vejamos se lhe assiste razão.
No caso, este tribunal tem de decidir se deve ser mantido o despacho que admitiu o recurso interposto pelo filho do acompanhado, CC -, adiantando desde já, conforme posição expressa na decisão singular proferida, que, em nosso entender, o despacho reclamado não deve ser mantido, reiterando-se aqui todos os argumentos já expendidos na decisão singular.
Ao que acresce um outro para infirmar o que o reclamante refere relativamente à questão que suscita de o recorrente não ter alegado, quando reclamou do despacho que não admitiu o recurso, qualquer prejuízo direto e efetivo na sua pessoa com base na decisão.
De facto, quanto a nós não suscita dúvidas que a pessoa que inicia um processo e se auto indica para acompanhante (sendo que o Ministério Público na petição inicial indica para ser nomeado acompanhante o reclamante CC e que, a final vem a ser nomeada para acompanhante a Diretora Técnica do ..., BB ou quem a venha a substituir na mesma instituição), tendo em conta o cargo com as responsabilidades e as implicações inerentes de acompanhante de maior acompanhado, é direta e efetivamente prejudicada por essa decisão, se previamente se mostrou disponível para o exercer. Ainda para mais sendo filho do maior acompanhado.
A redação do art.º 901.º, não parece impedir esse raciocínio porque em rigor o recurso que nele é mencionado é apenas o da «decisão relativa à medida de acompanhamento», do qual se podem distinguir, por exemplo, o recurso da «sentença do processo de acompanhamento de maior» ou da «decisão de nomeação do acompanhante».
Se tem sentido limitar ao acompanhado (e ao acompanhante, como mero assistente daquele) a legitimidade para recorrer da decisão que aplica ou recusa a aplicação de medidas de acompanhamento, impondo-lhe uma limitação no exercício dos direitos que condiciona a sua liberdade de exercício, já não parece fazer sentido impedir as pessoas direta e efetivamente prejudicadas pela decisão de dela recorrer, como é o caso.
Nessa medida, por se reconhecer legitimidade ao recorrente – na veste e no contexto assinalados – para impugnar especificamente o segmento da decisão recorrida visado pelo recurso, decide-se manter a decisão singular que admitiu o recurso interposto por CC e indeferir a reclamação de AA.
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III – DECISÃO
Pelo exposto,acordam os Juízes que integram a 1.ª secção cível deste Tribunal da Relação de Évora em indeferir a reclamação, confirmando a decisão que admitiu o recurso.
Custas a cargo do reclamante.
Notifique.
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Évora, 18 de dezembro de 2023
(o presente acórdão foi elaborado pela relatora e integralmente revisto pelos seus signatários)
Maria José Cortes (Relatora)
Maria João Sousa e Faro (1.ª Adjunta)
Manuel Bargado (2.º Adjunto)