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CONTRATO DE SEGURO AUTOMÓVEL
COBERTURA FACULTATIVA
DEVER ACESSÓRIO DE CONDUTA
REPARAÇÃO CÉLERE DO VEÍCULO
PRIVAÇÃO DE USO DE VEÍCULO
Sumário
I. Perante a celebração entre Autora e ré de um contrato de seguro do ramo automóvel, quer na sua vertente obrigatória, quer facultativa, para se poder concluir pela obrigação de indemnização assacada à ré seguradora, não há apenas que discutir a natureza do dano e em que se concretiza, pois há que cuidar que a obrigação de indemnização tem como pressposto quem “estiver obrigado a reparar um dano” – cf. Art.º 562º do CC, devendo classificar-se a génese de tal obrigação. II. No regime do contrato de seguro facultativo a possibilidade de indemnizar o tomador do seguro pela privação do uso de veículo, ou está previsto nas cláusulas do contrato como cobertura facultativa, ou resulta da interpretação deste, quando prevê assunção pela seguradora de veículo de substituição, ou, por último, resulta da violação dos deveres acessórios do contrato. III. Com efeito, ocorre o dever de indemnizar o dano da privação de uso de coisa segura fundada no retardamento pela seguradora da realização da prestação indemnizatória a que se vinculou, por força do contrato de seguro de danos, ainda que tal cobertura não tenha sido expressamente convencionada. IV. No caso verifica-se um cumprimento defeituoso da obrigação de prestar que a seguradora assumiu no contrato, o qual é gerador de responsabilidade civil por violação do dever acessório de conduta, pois a seguradora não deu ordem de reparação com a prontidão que devia, causando assim prejuízos ao segurado com tal comportamento, consubstanciado num período mais longo de privação do uso do veículo. V. O recurso à equidade na aferição do quantum dos danos apenas ocorre no caso de estes não estarem devidamente comprovados, tendo o segurado necessidade de alugar um veículo com as mesmas características que o sinistrado e tendo comunicado o contrato de aluguer celebrado para o efeito à seguradora, o dano é o correspondente ao valor efectivamente pago. (Sumário elaborado pela relatora)
Texto Integral
Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório:
E… - AGÊNCIA FUNERARIA LDA, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra … actualmente com a denominação A…– COMPANHIA DE SEGUROS, SA, peticionando a condenação da Ré, a título de indeminização, no pagamento da quantia de €25.338,00 (vinte e cinco mil trezentos e trinta e oito euros), acrescida dos juros de mora à taxa legal de juro comercial, calculados desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Alega, em suma, que no dia 27.04.2019, cerca das 17h00, na Rua dos Bombeiros Voluntários (rua de sentido único), em Barcarena, durante o exercício da sua actividade profissional e enquanto seguia a marcha, sem que nada o fizesse prever, o vidro da lateral esquerda do veículo especial funerário da sua propriedade, de matrícula …, abriu inadvertidamente, acabando por embater num poste de madeira existente do lado esquerdo na via. Atentas as circunstâncias, à condutora do veículo da Autora não era exigível outra conduta, em nada tendo contribuído para a ocorrência do sinistro.
Consequentemente, devido ao embate o vidro traseiro da lateral esquerda partiu e a estrutura do mesmo ficou completamente danificada. A Ré, no âmbito do seguro celebrado, assumiu a reparação do veículo a qual se computou em €7.316,32. Como consequência directa e necessária do acidente supra descrito, o veículo da Autora ficou imobilizado, tendo sofrido múltiplos danos materiais, principalmente no vidro da lateral esquerda traseira e respectiva estrutura que dá acesso ao interior da viatura. Uma vez que o veículo … deixou de circular em virtude do acidente, a Autora teve de solicitar imediatamente um veículo de substituição, não só para terminar o serviço fúnebre que estava em curso, como para assegurar que tinha um veículo disponível caso surgisse algum serviço durante o tempo em que o veículo estivesse parado para ser reparado, o que poderia suceder 24h00 por dia, a qualquer hora do dia. Ainda no mesmo dia do acidente o legal representante da Autora, contratou o aluguer de um veículo especial funerário equivalente ao seu …, pelo preço diário de €200,00 acrescidos de IVA. Na sequência da participação do sinistro à Ré, formalizou o pedido de veículo de substituição. Apesar de tal solicitação, a verdade é que a Ré nunca providenciou outro veículo de substituição à Autora, nem recusou que a Autora alugasse o veículo …, cujas condições de aluguer eram do conhecimento da Ré. Acabando a Autora por alugar o veículo … durante todo o período em que o seu veículo … esteve imobilizado por causa do acidente (de 27/04/2019 a 07/08/2019).
Mais alegou que o tempo de imobilização se verificou por exclusiva culpa da Ré que não só não assumiu imediatamente a sua responsabilidade, como ainda enquadrou o sinistro numa cobertura errada, tendo havido inclusivamente necessidade de marcação de duas peritagens, tendo dado ordem de reparação apenas em 18/07/2019. Durante todo esse período de 103 dias a Autora teve de usufruir do veículo de substituição, que determinou o pagamento de €20.600,00 (103 dias x €200,00/por dia), acrescido de IVA.
Fundamentou o seu pedido no facto de à data do sinistro o veículo … se encontrava seguro pelo contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil da companhia de seguros aqui Ré, com cobertura de danos próprios.
Citada a Ré a mesma impugnou os factos, dizendo que a cobertura em causa se reporta a um contrato de seguro por danos próprios sendo a indemnização pela privação do uso ou veículo de substituição limitada nos termos do contrato. Pugnou pela improcedência do pedido.
Foi proferido despacho a dispensar a audiência prévia, tendo sido elaborado despacho saneador, com identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas de prova.
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento e de seguida foi proferida sentença que julgou a acção procedente por provada e, em consequência, condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de 20.400,00€ (vinte mil e quatrocentos Euros), acrescida de IVA à taxa em vigor à data de 07.08.2019, acrescida de juros de mora à taxa legal supletiva civil desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Inconformada veio a ré recorrer, formulando as seguintes conclusões:
«1. O presente recurso vem interposto, pondo em crise apenas a matéria de direito constante da decisão proferida, uma vez que, salvo o devido respeito (que é muito), a aqui Recorrente insurge-se contra o período de paralisação fixado pelo Tribunal a quo e correspondente indemnização arbitrada à A., assente numa interpretação manifestamente errónea e em arrepio ao contrato celebrado entre as partes, encontrando-se, nessa medida, incorrectamente interpretadas e/ou aplicadas as normas legais previstas nos artigos 762.º, n.º 1 e 2 do Código Civil e os artigos 1.º, 51.º, 52.º, 102.º, 128.º, 130.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, bem como o n.º 1 da Condição Especial 110 das Condições Gerais da Apólice.
2. Entendeu, o douto Tribunal a quo condenar a ora Recorrente, “(…) pagar à Autora a quantia de 20.400,00€ (vinte mil e quatrocentos Euros), acrescida de IVA à taxa em vigor à data de 07.08.2019, acrescida de juros de mora à taxa legal supletiva civil desde a citação até efectivo e integral pagamento.”.
3. Tal condenação teve por base o período de paralisação decorrente entre a data do acidente (27.04.2019) e a data de entrega à A. do veículo reparado (07.08.2019), num total de 102 dias, tendo a A. procedido ao aluguer de uma viatura à razão diária de € 200,00 (acrescido de IVA).
4. Como é bom de ver, através de toda a documentação junta aos autos pelas partes, bem como da factualidade dada como provada (designadamente os factos 20, 21 e 22) a relação entre a A. e a Recorrente, trata-se uma relação exclusivamente contratual, isto porque, foi celebrado um contrato de seguro do ramo automóvel sobre o veículo de matrícula ..., de que a A. é proprietária.
5. A A. havia contratado junto da Recorrente, um contrato de seguro do ramo automóvel que cobria não só os riscos inerentes à circulação do veículo perante terceiros, como também previa a cobertura facultativa de “veículo de substituição”.
6. Nos termos do n.º 1 da Condição Especial 110, denominada “veículo de substituição”, a referida cobertura “garante ao Segurado, em caso de privação forçada do uso do veículo seguro em consequência de sinistro cujos danos sejam garantidos pelas coberturas efectivamente contratadas, de responsabilidade civil ou de danos próprios do veículo seguro, a utilização de um veículo de aluguer ligeiro de passageiros, de classe equivalente à do veículo seguro e até ao limite de 2000 c.c. de cilindrada, por um período máximo de 30 dias por sinistro e por anuidade.”
7. Termos em que, resulta manifesto que a decisão recorrida, ao ter condenado a aqui Recorrente ao montante indemnizatório pelo período de 102 dias, extravasou o clausulado pelas partes à luz do contrato de seguro celebrado que define um período máximo de 30 dias, o que não se poderá, de todo, conceder.
8. Acresce que, a A. não contratou qualquer cobertura passível de a ressarcir de danos alegadamente verificados na sua esfera jurídica a decorrentes da paralisação do veículo, junto da Recorrente, para tal não contratou qualquer cobertura de privação do uso!
9. Motivo pelo qual, a obrigação da aqui Recorrente resume-se apenas à cedência de veículo de substituição pelo período contratualizado (30 dias).
10. Neste sentido, não poderá a Recorrente absolutamente concordar com o teor da decisão proferida pelo Tribunal a quo, porquanto, salvo o devido respeito que lhe é muito, extravasa as condições acordadas entre as partes, condenando a Recorrente numa quantia que simplesmente não se encontra garantida pelo contrato de seguro em apreço.
11. As partes devem pautar a sua conduta pelo princípio da boa-fé, o qual deve estar presente, no decorrer de todas as fases negociais – ou seja, na fase pré-contratual, durante a vigência do contrato e mesmo depois do termo desse vínculo -, como resulta da leitura conjugada dos artigos 227.º e 762.º do Código Civil.
12. Dentro da liberdade contratual das partes e dos limites que a lei prescreve, Tomadora de Seguro e Seguradora podem, livremente, contratar a existência de coberturas facultativas, como a que está em causa nos presentes autos (veículo de substituição).
13. No caso em concreto, estamos perante uma cobertura facultativa, pelo que, todas as vicissitudes contratuais que nasçam entre a Autora e a Recorrente terão de ser supridas à luz do princípio da liberdade contratual, maxime pela interpretação das cláusulas do presente contrato de seguro.
14. Com efeito, não estando em discussão nos presentes autos, um direito emergente da responsabilidade civil extracontratual, o qual, admite-se, poderia eventualmente comportar o ressarcimento do dano decorrente da paralisação do veículo, haverá sempre que se atender ao conteúdo do contrato celebrado entre as partes, e bem assim aos correspondentes direitos e deveres emergentes desse contrato.
15. Ressalvando naturalmente o devido respeito por melhor opinião, existindo no contrato celebrado entre as partes, uma específica cobertura de “privação de uso”, a qual visa precisamente garantir ao tomador, os prejuízos decorrentes da paralisação do veículo seguro, no âmbito das coberturas facultativas de danos próprios, e não tendo a A., por mero acto de sua vontade, contratado tal cobertura, nunca poderá a agora Recorrente ser condenada a pagar à A. os alegados prejuízos decorrentes daquela privação, para além do que decorre expressamente convencionado na cobertura de veículo de substituição, ou seja, para além do período de 30 dias.
16. Assim, estando em causa, nos presentes autos, o apuramento da responsabilidade da Ré pelo ressarcimento dos danos ocorridos no veículo da A., única e estritamente no âmbito contratual, não poderá ser a mesma obrigada a suportar alegados prejuízos que não se encontram, absolutamente, previstos e garantidos pelo contrato de seguro em apreço.
17. Nestes termos, e pelas razões expostas, não pode a ora Recorrente aceitar, salvo o devido respeito, o teor da douta sentença proferida, na medida em que a interpreta e aplica de forma incorreta e/ou imprecisa, as normas legais constantes dos artigos 762.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil e os artigos 1.º, 51.º, 52.º, 102.º, 128.º, 130.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, introduzindo um manifesto desequilíbrio das posições contratuais, devendo a mesma ser revogada nesta parte,
18. Substituindo-se por uma que assente o montante indemnizatório no clausulado pelas partes ao abrigo do contrato de seguro, ou seja, (30 dias x €200,00) a título de privação de uso do veículo, limitando-se a responsabilidade da Recorrente ao referido período temporal.
19. Devendo, assim, a douta sentença recorrida ser revogada e alterada pelos motivos supra expostos.».
A Autora em resposta contra alegou, concluindo que:
«I. Uma coisa é o direito da Autora a um veículo de substituição, cobertura esta contratada no contrato de seguro em causa, outra coisa é o direito à indemnização pela privação do uso do seu veículo enquanto esteve parado para reparação (cujo período de 102 se deveu a única e exclusiva responsabilidade da Ré), direito este não abrangido pelo contrato de seguro em causa, pelo que, dúvidas não restam que terá de ser enquadrado nas regras da responsabilidade civil extracontratual como muito bem fez o Tribunal a quo.
II. No caso dos autos a privação do uso do veículo não foi contratada, e mesmo que se considere que a cláusula referente à cobertura contratada do veículo de substituição tem o mesmo efeito prático-jurídico do pedido de compensação pela privação do uso do veículo, a verdade é que a Ré não facultou à Autora qualquer veículo de substituição, nem tão pouco se pronunciou sobre as condições de aluguer do veículo (que eram do seu conhecimento) que a Autora providenciou para conseguir trabalhar.
III. Como muito bem diz o Tribunal a quo na douta sentença recorrida, a verdade é que se a reparação tantos dias demorou, tal facto se deveu unicamente à Ré que, sendo responsável pela reparação da viatura demorou não só com a realização das duas peritagens (em 08 de maio e 07 de junho de 2019), como ainda demorou a dar a ordem de reparação que apenas ocorreu em 18 de julho daquele ano de 2019.
IV. Mesmo que se aceitasse que a Ré seria responsável pela substituição do veículo ou privação do seu uso apenas por 30 dias, não é sensato, revelando até má fé por parte da Ré que, sendo a mesma responsável pela reparação, demorasse a mesma mais de 30 dias na reparação e não providenciasse por um veículo de substituição pelo tempo em que o veículo esteve parado por sua única e exclusiva culpa.
V. Se a Ré demorou mais do que os 30 dias, apenas tem de aceitar o seu erro, assumir a sua responsabilidade e indemnizar a Autora pela privação do uso do veículo a que esteve sujeita durante os 102 dias em que não pode usufruir do mesmo.
VI. Até se poderia aceitar a tese da Ré caso fosse a Autora responsável por providenciar a reparação, o que não foi o caso. Aliás, conforme ficou demonstrado nos autos o legal representante da Autora por várias vezes interpelou a Ré para saber do seu veículo.
VII. Conforme resulta provado, a Ré sabia que a Autora tinha alugado um veículo de substituição, ao preço contratado de €200,00/dia, e nem por isso se esforçou por proceder à reparação com maior rapidez apesar do legal representante da Autora por diversas vezes ter questionado a seguradora sobre a reparação.
VIII. Se o veículo sinistrado esteve imobilizado 102 dias após o acidente, tal facto apenas se deveu à inércia da Seguradora, não podendo a Autora ser prejudicada por tal comportamento da Seguradora, devendo ser ressarcida por todos os prejuízos causados na sequência do acidente, entre os quais o pagamento do veículo de substituição, pelo período que teve de ser por si alugado – 102 dias.
IX. A não se entender assim e balizar o período de indemnização nos 30 dias contratados para veículo de substituição nos termos do n.º 1 da Condição Especial 110, sendo que no caso a reparação extrapolou tal período por única responsabilidade da Ré, estaríamos até perante um evidente abuso de direito (Art.º 334.º do Código Civil) por parte da Ré, o que não se aceita.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão deve a mui douta Sentença ser mantida na íntegra.»
Admitido o recurso neste tribunal e colhidos os vistos, cumpre decidir.
* Questão a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Importa assim, saber se:
- A indemnização compensatória pela privação do uso do veículo neste caso é apenas devida pelo período de 30 dias estipulado no contrato de seguro por danos próprios celebrado entre A. e ré, estando em causa a responsabilidade contratual, e não pelo período que mediou entre o acidente e a reparação do veículo.
*
II. Fundamentação:
No Tribunal recorrido foram considerados provados os seguintes Factos:
1. A Autora celebrou com a Ré um contrato de seguro para cobertura da responsabilidade civil automóvel obrigatória com coberturas facultativas, referente ao veículo com a matrícula …, titulado pela apólice n.º …, com data de início em 08.08.2018 - conforme documento nº 4 junto com a PI e documentos nº 1 e nº 2 juntos com a Contestação cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
2. O veículo matrícula … é propriedade da Autora - conforme documento nº 3 junto com a PI cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
3. No dia 27/04/2019 cerca das 17h00, na Rua dos Bombeiros Voluntários (rua de sentido único), em Barcarena, durante o exercício da sua actividade profissional e enquanto seguia a marcha, sem que nada o fizesse prever, o vidro da lateral esquerda do veículo especial funerário de matrícula … (conduzido por E…) abriu inadvertidamente, embatendo num poste de madeira existente do lado esquerdo na via - conforme documento nº 2 junto com a PI cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
4. O acidente ocorreu logo no início da Rua dos Bombeiros Voluntários, a qual é de sentido único, tendo uma configuração estreita, sendo delineada com uma curva à esquerda - conforme documento nº 3 junto com a PI cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
5. Estava bom tempo,
6. Apresentando o piso betuminoso algumas irregularidades - conforme documento nº 3 junto com a PI cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
7. A condutora do veículo … seguia a sua marcha quando, sem o esperar, o vidro traseiro esquerdo abriu-se sozinho, sentindo a estrutura lateral do vidro traseiro do lado esquerdo da viatura embater contra um poste que se encontrava implantado no lado esquerdo da via.
8. Em consequência do embate, o vidro traseiro da lateral esquerda partiu e a estrutura do mesmo ficou completamente danificada - conforme documento nº 1 junto com a PI cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
9. A Ré, após a realização de duas peritagens (8.05.2019 e 7.06.2019) ao veículo sinistrado, assumiu a reparação do veículo a qual se computou em 7.316,32€ - conforme documentos nºs 5, 6 e 7 juntos com a PI cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
10. Após e devido ao embate, o veículo ficou imobilizado.
11. Uma vez que o veículo … deixou de circular em virtude do acidente, a Autora teve de solicitar imediatamente um veículo de substituição.
12. Por forma a assegurar que tinha um veículo disponível caso surgisse algum serviço durante o tempo em que o veículo estivesse parado para ser reparado, o que poderia suceder 24h00 por dia, a qualquer hora do dia.
13. Para o efeito, o legal representante da Autora contratou o aluguer de um veículo especial funerário equivalente ao seu …, pelo preço diário de €200,00 acrescidos de IVA, junto da sociedade L…, LDA, - conforme documento nº 12 junto com a PI cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
14. A Autora solicitou à Ré um veículo de substituição a 3 de Maio de 2019 - conforme documento nº 13 junto com a PI cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
15. A Ré não providenciou nenhum veículo de substituição.
16. A Autora deu conhecimento à Ré do contrato identificado em 9. (será 13. existindo um lapso de escrita) - conforme documento nº 10 junto com a PI cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
17. A viatura … foi entregue à Autora a 7.08.2019 - conforme documento nº 14 junto com a PI cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
18. A Ré não procedeu ao pagamento à Autora de qualquer montante.
19. A Ré deu ordem de reparação da viatura a 18.07.2019 - conforme documentos nº 14 e 7 juntos com a PI cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
Contestação:
20. Por força do contrato identificado em 1., encontra-se garantida a cobertura facultativa de choque, colisão e capotamento (vulgo danos próprios), até ao capital seguro máximo de €60.000,00, com uma franquia de 2% do capital seguro - conforme documento nº 4 junto com a PI e documentos nº 1 e nº 2 juntos com a Contestação cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
21. Nos termos do n.º 1 da Condição Especial 110, denominada “veículo de substituição”, a referida cobertura “garante ao Segurado, em caso de privação forçada do uso do veículo seguro em consequência de sinistro cujos danos sejam garantidos pelas coberturas efetivamente contratadas, de responsabilidade civil ou de danos próprios do veículo seguro, a utilização de um veículo de aluguer ligeiro de passageiros, de classe equivalente à do veículo seguro e até ao limite de 2000 c.c. de cilindrada, por um período máximo de 30 dias por sinistro e por anuidade.” - conforme documento nº 4 junto com a PI e documentos nº 1 e nº 2 juntos com a Contestação cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
22. Nos termos do n.º 3 da referida Condição Especial, a privação do uso conta-se: “a) em caso de danos que não determinem impossibilidade de circulação do veículo seguro, a partir do dia do início da reparação e termina com a conclusão da reparação efetiva; b) em caso de danos que determinem impossibilidade imediata de circulação, a partir do dia da participação do sinistro e termina na data da conclusão da reparação efetiva ou no terceiro dia útil posterior ao da comunicação ao Segurado da verificação da perda total; c) em caso de desaparecimento do veículo seguro por furto ou roubo, a partir do dia da participação do sinistro, efetuada após a participação da ocorrência à autoridade policial competente e ao Segurador, e termina com a localização do veículo seguro ou quando atingido o limite máximo de 30 dias previsto no n.º 1.”- conforme documento nº 4 junto com a PI e documentos nº 1 e nº 2 juntos com a Contestação cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
23. O relatório de peritagem prevê que a reparação ocorra em seis dias - conforme documento nº 4 junto com a Contestação cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
*
Foi ainda considerado que:
“Não resultaram provados outros factos, com relevância para a presente decisão, que extravasem, sejam diversos ou incompatíveis com os que foram dados como provados, não cabendo elencar alegações de direito, opinativas ou manifestamente conclusivas. Não resultaram provados, nomeadamente, os seguintes factos:
- A Ré só teve conhecimento do ocorrido com a participação de 09.05.2019.
*
III. O Direito:
A questão essencial a decidir prende-se com a indemnização a ter em conta pelo período de privação do uso do veículo na sequência do sinistro participado à ré pela autora, nomeadamente aferir da responsabilidade tendo por base o contrato, a actuação das partes, bem como qual o período a considerar para efeito de eventual pagamento da indemnização.
Com efeito, insurge-se a recorrente contra o período de paralisação fixado pelo Tribunal a quo e correspondente indemnização arbitrada à A., sustentando que assenta tal fixação numa interpretação errónea e em arrepio ao contrato celebrado entre as partes, encontrando-se, nessa medida, incorrectamente interpretadas e/ou aplicadas as normas legais previstas nos artigos 762.º, n.º 1 e 2 do Código Civil e os artigos 1.º, 51.º, 52.º, 102.º, 128.º, 130.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, bem como o n.º 1 da Condição Especial 110 das Condições Gerais da Apólice.
Nas suas conclusões alude que a relação entre a A. e a Recorrente é exclusivamente contratual, no qual se previa a cobertura facultativa de “veículo de substituição”, mas tal por um período máximo de 30 dias por sinistro e por anuidade. Pelo que entende que não pode ser condenado no montante indemnizatório pelo período de 102 dias fixado na sentença.
Na defesa ainda do seu recurso entende que a cobertura em causa não é de privação do uso, pois resume-se apenas à cedência de veículo de substituição pelo período contratualizado (30 dias). Assaca à sentença recorrida a violação das condições acordadas entre as partes, em nome dos princípios da autonomia privada e da boa-fé, obrigando a apelante a suportar prejuízos não previstos no contrato e que não têm sustentação na responsabilidade contratual, única em causa nos autos, existindo na sentença um erro ao indicar a indemnização como se estivéssemos perante a responsabilidade extracontratual. Conclui pela revogação da sentença devendo a mesma ser substituída por outra que considere o montante indemnizatório no clausulado pelas partes ao abrigo do contrato de seguro, ou seja, (30 dias x €200,00) a título de privação de uso do veículo, limitando-se a responsabilidade da Recorrente ao referido período temporal.
A apelada na defesa da sentença proferida na 1ª instância, defende que tal dano ou prejuízo deve ser enquadrado nas regras da responsabilidade civil extracontratual. Defendendo, porém, que a cobertura contratada do veículo de substituição tem o mesmo efeito prático-jurídico do pedido de compensação pela privação do uso do veículo, a verdade é que a Ré não facultou à Autora qualquer veículo de substituição, nem tão pouco se pronunciou sobre as condições de aluguer do veículo (que eram do seu conhecimento) que a Autora providenciou para conseguir trabalhar. Entende ainda que mesmo que se entendesse tal limite temporal, era manifesta a má fé da apelante, pois foi o comportamento da própria que originou, quer a ausência de veículo de substituição, quer ainda que a reparação não tivesse sido feita nesses 30 dias, mas sim nos 102 dias em causa, reparação de que a ré apelante era responsável e cuja demora lhe é imputável. Acaba por finalizar dizendo que “a não se entender assim e balizar o período de indemnização nos 30 dias contratados para veículo de substituição nos termos do n.º 1 da Condição Especial 110, sendo que no caso a reparação extrapolou tal período por única responsabilidade da Ré, estaríamos até perante um evidente abuso de direito (Art.º 334.º do Código Civil) por parte da Ré, o que não se aceita”.
Analisando.
Não nos merece qualquer reparo a classificação do contrato celebrado entre as partes como sendo de seguro, regulado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008 de 16 de Abril (Regime Jurídico do Contrato de Seguro - RJCS), sem necessidade de reproduzir a abordagem levada a cabo pela 1ª Instância.
Logo, constituindo tal um negócio formal, tem o mesmo de ser reduzido a escrito, consubstanciado na apólice, da qual devem constar todas as condições estipuladas entre as partes, sendo que a apólice deverá conter “os riscos contra que se faz o seguro”, bem como, “em geral, todas as circunstâncias cujo conhecimento possa interessar o segurador, bem como, todas as condições estipuladas entre as partes”.
A apólice é, pois, o documento que titula o contrato celebrado entre o tomador do seguro e a seguradora, de onde constam as respectivas condições gerais, especiais, se as houver, e particulares acordadas, sendo que o âmbito do contrato, consiste na definição das garantias, riscos cobertos e riscos excluídos. Como sabemos, na fixação do conteúdo de qualquer negócio jurídico interessa, antes do mais, analisar os termos do acordo que os respectivos outorgantes firmaram ao abrigo da liberdade contratual, termos esses que, no contrato de seguro, reiteramos, terão de constar da respectiva apólice que constitui elemento essencial do contrato.
A concretização dos riscos cobertos resultará de os mesmos serem indicados na apólice, integrada por condições gerais, especiais e particulares, ou de, pelo contrário, se evidenciarem na apólice os riscos excluídos, caso em que se considerarão cobertos todos os restantes.
Como se alude na decisão sob recurso “o contrato de seguro tem como elemento essencial o risco, ou seja, “a possibilidade de ocorrência do evento danoso”, normalmente caracterizado como “o evento danoso, lícito, futuro e incerto” (Lei do Contrato de Seguro Anotada, Pedro Romano Martinez, Leonor Cunha Torres e outros, 2016, 3.ª edição, Almedina, página 240). Por sua vez, o sinistro implica a verificação do evento coberto pelo risco. Dispõe o artigo 99.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro que o sinistro corresponde à verificação, total ou parcial, do evento que desencadeia o accionamento da cobertura do risco prevista no contrato. Trata-se de norma supletiva, pelo que a noção de sinistro pode ser concretizada no âmbito da liberdade contratual. (…) Encontra-se provado que Autora e Ré celebraram um contrato de seguro para cobertura da responsabilidade civil automóvel obrigatória com coberturas facultativas, referente ao veículo com a matrícula ..., titulado pela apólice n.º AU81870190, com data de início em 08.08.2018.».
Donde, na definição e concretização do sinistro discorre-se na sentença que “o contrato de seguro em apreço inclui nomeadamente e para o que ora releva cobertura facultativa de Choque, Colisão ou Capotamento. O veículo em questão foi interveniente em sinistro que consistiu no vidro traseiro esquerdo abrir-se sozinho, embatendo a estrutura lateral do vidro traseiro do lado esquerdo da viatura contra um poste que se encontrava implantado no lado esquerdo da via e, em consequência, o vidro traseiro da lateral esquerda partiu-se e a estrutura do mesmo ficou completamente danificada, a 27.04.2019, o que foi participado à seguradora, para efeito de accionar as garantias previstas no contrato de seguro.”.
Daqui parte desde logo a decisão para a apreciação da temática que denomina “privação do uso”, na sua vertente de dano autónomo e indemnizável, enunciando as várias posições doutrinais e jurisprudenciais, mas sem contudo cuidar ou abordar qual a fonte de tal indemnização.
Porquanto, em momento algum se discorre sobre o que determina a possibilidade ou não de a ré seguradora indemnizar a Autora pelo período que decorreu desde a colisão ( que ocorreu unicamente com o próprio veículo da A., sem intervenção de um veículo terceiro e, logo, afastando-se do regime do seguro obrigatório) até à reparação do veículo. Com efeito, apenas se enuncia a discussão que ocorre em particular nos acidentes de viação, sem sequer classificar que responsabilidade entende que neste caso possa ser assacada à ré seguradora, discutindo-se a natureza de tal dano e em que se concretiza, sem cuidar que a obrigação de indemnização tem como pressuposto quem “estiver obrigado a reparar um dano” – cf. Artº 562º do CC, devendo classificar-se a génese de tal obrigação. É certo que, tal como evidencia a apelante, nas decisões a que se faz menção na sentença o juiz a quo parece aludir à responsabilidade extracontratual, mas sem sequer aludir aos seus pressupostos específicos e de que molde se verificam, ou seja, a actuação do agente com culpa ou negligência, no que constitui a violação ilícita do direito de outrem, com os consequentes danos e nexo de causalidade entre tal conduta e estes.
Deste modo, limita-se a decisão sob recurso a considerar que “relativamente à vertente patrimonial, dúvidas não há face à actual jurisprudência e doutrina, já citados, quanto à sua reparação (privação do uso), independentemente da prova de prejuízo efectivo”, apreciando de seguida em que se concretiza a obrigação por aplicação do regime previsto no art.º 566º, nº. 3, do C.C., no que constitui um salto de raciocínio, por ausência total de indicação da fonte da obrigação.
Todavia, tal não significa que se afaste neste caso a obrigação de indemnizar, como defende a apelante.
Senão vejamos.
Como deixámos referido supra, ao contrato de seguro celebrado aplicam-se as normas próprias do RJCS, tendo por base as especificações contidas na apólice que constitui o instrumento que consubstancia tal negócio, sendo que face ao sinistro, que apenas ocorreu com o veículo da Autora, não estaremos perante o DL n.º 291/2007, de 21 de Agosto, que regula o regime de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel.
Com efeito, entre a Autora e a Ré foi celebrado um contrato de seguro para cobertura da responsabilidade civil automóvel obrigatória, mas este previu coberturas facultativas, tudo referente ao veículo com a matrícula …-...-..., e são estas que relevam nestes autos.
Ora, por força do contrato encontra-se garantida a cobertura facultativa de choque, colisão e capotamento (os designados danos próprios), até ao capital seguro máximo de €60.000,00, com uma franquia de 2% do capital seguro. Por outro lado, nos termos do n.º 1 da Condição Especial 110, denominada “veículo de substituição”, a referida cobertura “garante ao Segurado, em caso de privação forçada do uso do veículo seguro em consequência de sinistro cujos danos sejam garantidos pelas coberturas efectivamente contratadas, de responsabilidade civil ou de danos próprios do veículo seguro, a utilização de um veículo de aluguer ligeiro de passageiros, de classe equivalente à do veículo seguro e até ao limite de 2000 c.c. de cilindrada, por um período máximo de 30 dias por sinistro e por anuidade.”.
Acresce que nos termos do n.º 3 da referida Condição Especial, a privação do uso conta-se:
“a) em caso de danos que não determinem impossibilidade de circulação do veículo seguro, a partir do dia do início da reparação e termina com a conclusão da reparação efectiva;
b) em caso de danos que determinem impossibilidade imediata de circulação, a partir do dia da participação do sinistro e termina na data da conclusão da reparação efectiva ou no terceiro dia útil posterior ao da comunicação ao Segurado da verificação da perda total; c) em caso de desaparecimento do veículo seguro por furto ou roubo, a partir do dia da participação do sinistro, efectuada após a participação da ocorrência à autoridade policial competente e ao Segurador, e termina com a localização do veículo seguro ou quando atingido o limite máximo de 30 dias previsto no n.º 1”.
Quanto ao sinistro verificado o que resultou provado foi que o veículo matricula -..., no dia 27/04/2019 cerca das 17h00, na Rua dos Bombeiros Voluntários (rua de sentido único), em Barcarena, durante o exercício da sua actividade profissional e enquanto seguia a marcha, sem que nada o fizesse prever, o vidro da lateral esquerda do veículo especial funerário de matrícula ... (conduzido por E…) abriu inadvertidamente, embatendo num poste de madeira existente do lado esquerdo na via. A condutora do veículo ... seguia a sua marcha quando, sem o esperar, o vidro traseiro esquerdo abriu-se sozinho, sentindo a estrutura lateral do vidro traseiro do lado esquerdo da viatura embater contra um poste que se encontrava implantado no lado esquerdo da via. Em consequência do embate, o vidro traseiro da lateral esquerda partiu e a estrutura do mesmo ficou completamente danificada.
Logo, o sinistro apenas pode ser enquadrado no âmbito do contrato de seguro de danos próprios celebrado, ou nas cláusulas especificamente contratadas entre A. e ré para o efeito, por inexistirem factos relativos à responsabilidade extracontratual da ré, dado que esta apenas responde na qualidade de seguradora perante a A. pelos danos próprios especificamente contratados com esta, o que caracteriza tal como uma relação contratual e consequentemente, a obrigação, a existir, é manifestamente contratual. Pois o sinistro integra a cobertura facultativa de choque, colisão e capotamento contratada entre as partes.
Dispõe o art.º 102º do RJCS, sob a epígrafe realização da prestação do segurador, que: “1 - O segurador obriga-se a satisfazer a prestação contratual a quem for devida, após a confirmação da ocorrência do sinistro e das suas causas, circunstâncias e consequências.
2 - Para efeito do disposto no número anterior, dependendo das circunstâncias, pode ser necessária a prévia quantificação das consequências do sinistro.
3 - A prestação devida pelo segurador pode ser pecuniária ou não pecuniária.
Por sua vez o artigo 104.º sob a epígrafe "Vencimento" prescreve que “a obrigação do segurador vence-se decorridos 30 dias sobre o apuramento dos factos a que se refere o artigo 102.º”. Acrescenta o artº. 130º, do mesmo diploma, que: “1 - No seguro de coisas, o dano a atender para determinar a prestação devida pelo segurador é o do valor do interesse seguro ao tempo do sinistro.
2 - No seguro de coisas, o segurador apenas responde pelos lucros cessantes resultantes do sinistro se assim for convencionado.
3 - O disposto no número anterior aplica-se igualmente quanto ao valor de privação de uso do bem”.
Temos, assim, que o regime supletivo é o supra previsto, sendo que a seguradora só responde pela privação do uso se tal tiver sido convencionado.
Considerando as cláusulas aludidas parece resultar que no contrato de seguro celebrado entre Autora e Ré seguradora não se previu a assunção de responsabilidade da seguradora pela obrigação de indemnização da privação do uso do veículo seguro.
Porém, na abordagem de tal questão haverá, por um lado, aferir da eventual existência do dever de indemnizar o dano da privação de uso de coisa segura fundada no retardamento pela seguradora da realização da prestação indemnizatória a que se vinculou, por força do contrato de seguro de danos, ainda que tal cobertura não tenha sido expressamente convencionada. Por outro lado, interpretar o contrato e a verificação ou não da possibilidade de tal ressarcibilidade existir face à assunção pela ré da obrigação de substituição do veículo.
Principiemos por esta última.
Na fixação do conteúdo de qualquer negócio jurídico interessa, antes do mais, analisar os termos do acordo que os respectivos outorgantes firmaram ao abrigo da liberdade contratual ditada pelo art.º 405º do Código Civil, termos esses que, no contrato de seguro, reiteramos, terão de constar da respectiva apólice, posto que, esta exigência legal de documento, sublinhamos, constitui elemento do contrato, isto é, formalidade ad substantiam (art.º 364º n.º 1 do Código Civil)(cf. Moitinho de Almeida, in, O Contrato de Seguro no Direito Português e Comparado, página 37, bem como, Menezes Cordeiro, in Manual de Direito Comercial, volume, I, páginas 585 e seguintes).
Assim, da apólice deverão constar o objecto do seguro, os riscos cobertos, a vigência do contrato, a quantia segura e o prémio ajustado, importando, pois, para aferição do conteúdo do contrato, atender ao objecto do seguro e aos riscos cobertos na apólice, havendo igualmente que ter em conta as estipulações negociais que visam delimitar ou excluir certo tipo de riscos, donde, o âmbito deste tipo contratual passa pela definição das garantias, dos riscos cobertos e dos riscos excluídos.
Nos autos não foi convencionada a responsabilidade pela indemnização decorrente da privação do uso, porém, já assumiu a seguradora a obrigação de substituição do veículo, pelo que seguindo de perto o defendido no Acórdão do STJ de 13/07/2017 ( Proc. nº 188/14.3T8PBL.C1.S, in www.dgsi.pt) «I- O problema da privação do uso de veículo tanto se pode colocar na responsabilidade contratual como na responsabilidade extracontratual; a solução, contudo, pode não ser coincidente quanto a questões como a existência do direito, a prova dos danos ou a fixação da indemnização. II - Perante um contrato de seguro do ramo automóvel, na modalidade de danos próprios/seguro facultativo, situando-se as questões suscitadas no domínio da responsabilidade contratual, é essencial determinar se as pretensões do tomador de seguro correspondem ou não a obrigações assumidas pela seguradora, e, em caso afirmativo, qual o seu conteúdo. III - Num caso de responsabilidade contratual como o dos autos, a indemnização pelo não pagamento da quantia correspondente à perda total reconduz-se tão só ao pagamento de juros moratórios sem que haja lugar ao pagamento de uma indemnização suplementar por danos superiores ao montante dos juros, uma vez que a previsão do nº 3, do art.º 806º, do CC, é aplicável apenas à responsabilidade civil extracontratual. V - Do trânsito em julgado a condenação da ré seguradora a indemnizar o autor pela perda total do veículo com juros à taxa de 4% desde a data da citação, de acordo com o regime legal aplicável ao incumprimento da obrigação de compensar o autor pela perda total do veículo sinistrado, não deriva a obrigação de o ressarcir também pela privação de uso do mesmo veículo. VI - No entanto, resultando provado que a ré seguradora se obrigou contratualmente a, em caso de sinistro que inviabilize a utilização do veículo seguro, entregar um veículo de substituição ao autor, o efeito prático-jurídico do pedido de compensação pela privação de uso de veículo é compatível com o entendimento de que a privação resulta do incumprimento desta obrigação contratual, prevista tanto para a hipótese de reparação do veículo automóvel como de perda total.» ( sublinhado nosso ).
Haverá no mesmo sentido que trazer à colação o decidido neste Tribunal e secção, no Acórdão de 4/11/2021, (proc. nº 4261/19.3T8LRS.L1-6, in endereço da net a que vemos fazendo referência), no qual se conclui igualmente que: «(…)III. A convenção de obrigação da seguradora a substituir o veículo sinistrado, constitui fundamento contratual para indemnização pela privação do uso. IV- Estando a Ré obrigada a entregar uma viatura de substituição ao Autor e é em relação à privação do uso dessa viatura de substituição que se deve ter por convencionada a cobertura de privação de uso de veículo cuja perda total foi declarada.».
Verificando-se assumido pela ré a obrigação de substituição do veículo, no âmbito do regime de danos próprios, tal como foi entendido nos arestos referidos para que o seguro dos autos cubra a privação de uso de veículo não é necessário que esta privação se reporte directamente ao veículo sinistrado, referindo-se antes à privação de uso do veículo que devia ter sido entregue em sua substituição. O que se afigura inteiramente compatível com a previsão do art.º 130º, nº 3, do RJCS, no qual se prevê que, no seguro de coisas, o segurador apenas responda pelo dano de privação de uso do bem se assim for convencionado, e o ter sido convencionado resulta da assunção de obrigação de facultar ao tomador de seguro um veículo de substituição, pelo que não cumprindo com tal obrigação de indemnizar a privação do uso do mesmo a que a substituição visava obstar, uma vez que o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor – artigo 798.º do Código Civil – presumindo-se a culpa do devedor – artigo 799.º, n.º 1, do mesmo Código.
Donde, tal obrigação já se encontraria assumida por esta via. No entanto, neste caso, haveria que considerar o limite temporal previsto na própria cobertura, pois como defende a apelante, nos termos do n.º 1 da Condição Especial 110, denominada “veículo de substituição”, a referida cobertura garante ao Segurado a utilização de um veículo de aluguer ligeiro de passageiros, de classe equivalente à do veículo seguro, por um período máximo de 30 dias, por sinistro e por anuidade. Porém, também por esta banda a interpretação levada a cabo quanto a este limite temporal esbarra com um argumento contido na mesma condição, no seu nº3, pois neste prevê-se sob a alínea b), aplicável ao caso, que a privação do uso conta-se, em caso de danos que determinem impossibilidade imediata de circulação, a partir do dia da participação do sinistro e termina na data da conclusão da reparação efectiva ou no terceiro dia útil posterior ao da comunicação ao Segurado da verificação da perda total.
Ora, dos autos resulta que competia por força do seguro que se discute à seguradora proceder à ordem de reparação do veículo, pois para tal foi accionado o contrato de seguro de danos pela Autora. O acidente ocorreu no dia 24/04/2019, a Autora participou a colisão do veículo e a sua consequente imobilização à ré, tendo solicitado veículo de substituição no dia 3/05/2019. A ré seguradora não providenciou pelo veículo de substituição nos termos solicitados. Acresce que apenas realizou a primeira peritagem a 8/05/2019, tendo realizado uma segunda a 7/06/2019, ou seja, quase um mês depois, e já quando se encontravam decorridos os 30 dias. Não obstante e ainda que tenha assumido a reparação do veículo sinistrado só veio efectivamente dar ordem quanto à mesma a 18/07/2019 e apenas procedeu à entrega do veículo à Autora a 7/08/2019. Manifestamente os 30 dias que ora pretende invocar foram excedidos pelo comportamento da mesma, pelo que, socorrendo-nos do previsto na alínea b) do nº 3 da Condição especial em discussão, entendemos que a seguradora actua de manifesta má fé ao convocar tal prazo. Acresce que a Autora comunicou à seguradora a necessidade de alugar um veículo com características semelhantes ao sinistrado, por ser essencial ao desenvolvimento da sua actividade, comunicando-lhe inclusive os termos do contrato de aluguer, porém, a ré nada fez.
Daqui resulta que logo com tal argumentário já resultaria a confirmação da obrigação por parte da seguradora indemnizar a Autora na sequência da privação do uso do veículo, não apenas pelos dias previstos como limite nos termos defendidos pela apelante, mas sim desde o sinistro e até à reparação.
Donde, já seria de confirmar o juízo levado a cabo pelo Tribunal a quo no que concerne ao período a considerar, ao aludir que «Já ficou demonstrado que o acidente ocorreu a 27.04.2019. Foram realizadas duas peritagens: a 8.05.2019 e a 7.06.2019, tendo a Ré dado ordem de reparação a 18.07.2019, tendo esta a previsibilidade de seis dias. Temos já fruto de calculo aritmético 90 dias de paralisação (considerando que no decurso do prazo para reparação ocorreu um fim de semana no qual as oficinas encerram). Terminando o prazo da reparação a 26.07.2018 e tendo ficado demonstrado que a Autora só recebeu o veículo a 7.08.2019, não resulta prejudicado que tal prazo de seis dias foi sujeito a prorrogação atentas as já aludidas especiais características destes veículos e à dificuldade de disponibilização do material (cf. alias relatado pelas testemunhas, mormente por P… e H…). Pelo que acrescem os 12 dias aos 90 já fixados. Num total de 102 dias.».
No entanto, também face aos factos que resultam demonstrados, ainda que se considere o elemento literal preponderante na consideração apenas dos 30 dias, ocorreria a obrigação de indemnizar por banda da ré no período aludido face ao atraso na resolução do sinistro.
Com efeito, é vasta a jurisprudência que preconiza que o atraso injustificado da seguradora na gestão célere e eficiente do processo de sinistro, impondo-lhe que aja com a possível prontidão e diligência nas averiguações e peritagens necessárias ao reconhecimento do sinistro e à avaliação dos danos, poderá responsabilizá-la ao pagamento de ajustada indemnização pela privação do uso do veículo, ao abrigo do disposto nos art.ºs 562º e seguintes do Código Civil ( neste sentido, entre outros, Ac. do STJ de 8/11/2018- Proc. nº 1069/16.1T8PVZ.P1.S1, com o endereço a que se faz referência, como todos os doravante invocados ).
Numa situação em que também estamos perante um contrato de seguro facultativo e no qual, inclusive, não se prevê a cobertura facultativa do dano da privação do uso do veículo por parte da Autora proprietária, entendeu-se no Acórdão desta Relação, datado de 25/02/2012 ( proc. nº 12543/16.0T8LSB.L1-2) que: I - Atenta a natureza do contrato de seguro facultativo celebrado entre a Autora e a Ré seguradora, resulta claro, e é incontroverso, que aquele não prevê a cobertura facultativa do dano da privação do uso do veículo por parte da Autora proprietária ;
II – pelo que, as partes não contrataram a assunção de responsabilidade da Ré seguradora pelo dano/prejuízo da privação do uso do veículo seguro, em caso de sinistro objecto da cobertura, sendo que esta cobertura também não está coberta pelo seguro obrigatório ;
III - todavia, no cumprimento da obrigação contratual, pode a Ré seguradora vir a adoptar um comportamento violador daquele, nomeadamente através de um cumprimento defeituoso, que tenha causado danos à Autora segurada e, como tal, determinante de responsabilidade civil, por violação de deveres acessórios de conduta (ou da prestação) ;
IV - a fonte da responsabilidade civilística é, nesta situação, a não observância do princípio da boa fé contratual inscrito no nº. 2, do art.º 762º, do Cód. Civil, pois existe um dever de mitigação, ou de não ampliação dos danos/perdas ocorridos ;
V – pelo que, caso a factualidade apurada traduza ter ocorrido um atraso injustificado da Ré seguradora na gestão, que se reivindica de célere e eficiente, do processo de sinistro, pode a mesma ser responsabilizada no pagamento de indemnização pela privação do uso do veículo acidentado.».
Em tal decisão não ocorriam factos que tivessem determinado retardamento pela seguradora, o que in casu se verifica.
Importa ainda trazer à colação o decidido no Acórdão do STJ de 23/11/2017, no qual se alude que “neste tipo de seguros, para além da cobertura obrigatória de determinados prejuízos, poderá estar-lhe ligada uma cobertura facultativa nos termos do artigo 130º do regime jurídico do contrato de seguro aprovado pelo DL 72/2008 de 16 de Abril. Tal contrato é permitido na base do princípio da liberdade contratual, tendo carácter supletivo as regras constantes do presente regime (…). Cfr. artigo 11º da LCS e 405º do Código Civil.
A obrigação de indemnização pelos prejuízos resultantes da privação da viatura, enquanto o mesmo não for reparado, não estão acautelados ao nível do contrato de seguro que analisamos, não estando também a indemnização pela privação do uso acautelada por uma cobertura contratual facultativa, reconhecidamente inexistente; consequentemente tal impediria, também, à partida, o ressarcimento do Autor por via do contrato de seguro celebrado com a Ré.
No entanto o cumprimento de um contrato pode não se bastar com o mero alcance do seu escopo fundamental. Nomeadamente pode suceder que se verifique um cumprimento defeituoso da obrigação que seja causador de danos ao credor e como tal, gerador de responsabilidade civil por violação de dever acessório de conduta; é desde logo o caso da seguradora, que, devendo pagar as indemnizações a que estava obrigado perante o beneficiário do seguro, não o fez e com a prontidão que devia, causando assim prejuízos a este último com tal comportamento, de que são exemplo os danos emergentes da “privação do uso”, uma figura que tem de considerar-se um dado adquirido como fonte de responsabilidade civil como postulado do estatuído no artigo 762.º do Código Civil (…)”.
De relevante haverá ainda que considerar o exposto no Acórdão do STJ 23/11/2017, quando aprecia questão similar e na qual há quer demora por parte da seguradora, mas também uma injustificada recusa no pagamento da indemnização contratualmente devida, expôs-se, na parte relevante, que «a lei faculta à seguradora o apuramento dos factos relacionados com o sinistro participado e com a prévia quantificação das consequências do sinistro; não fixa a lei período de tempo máximo para este efeito, pois o artigo 104.º do RJCS limita-se a dispor que a obrigação do segurador se vence " decorridos 30 dias sobre o apuramento dos factos a que se refere o artigo 102º”.
Todavia, ressalva-se, tal omissão “não implica que a seguradora, sem fundada justificação, possa protrair indefinidamente as diligências necessárias porque então, sendo imputável ao devedor a falta de liquidez, a mora há de considerar-se verificada decorridos 30 dias a partir do momento em que se considere ultrapassado o período de tempo razoável para o apuramento dos factos respeitantes ao sinistro e respetivas consequências (artigos 102.º e 104.º do RJCS)”.
Porém, “se a seguradora não se considerar responsável pelo sinistro porque, por exemplo, o sinistro foi provocado intencionalmente pelo segurado ou se entender que não se justifica o pagamento porque se mostra preferível a reparação do veículo ou que se justifica um pagamento diminuto porque se verifica situação de sobresseguro - pressupõe-se que a posição foi assumida de boa fé por ser razoável e compreensível à luz da averiguação realizada e devidamente justificada perante o sinistrado - parece sustentável, ainda que se venha a decidir que a seguradora não tinha razão, que a condenação implica tão somente o pagamento de juros moratórios vencidos desde o respetivo vencimento fixado pela lei no 30 dias decorridos desde o apuramento dos factos, não importando qualquer outro sancionamento para a seguradora decorrente do não pagamento atempado da indemnização devida pelo sinistro.
No entanto, se não existe motivo nenhum para a não liquidação, mas a seguradora recusa o pagamento sem fundamento razoável, não se vê que a seguradora não responda pelos danos que advêm de um tal comportamento, pois isso significaria que ela afinal dispunha do direito a protrair a seu bel prazer a liquidação do sinistro, recusando-se sem qualquer justificação a pagar e sem que o lesado pudesse ser ressarcido dos danos daí decorrentes salvo o pagamento de juros moratórios”.
Efectivamente, “as aludidas disposições do RJCS não se podem dissociar do princípio geral da boa fé consagrado no artigo 762.º do Código Civil que, no seu n.º2, prescreve que " no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé". A boa fé no cumprimento pressupõe tanto os atos destinados à realização da prestação devida como o ato de cumprimento em si mesmo». No mesmo Acórdão, alude-se ainda que a “lei impõe, assim, ao segurador uma obrigação de liquidação atempada da indemnização, não lhe confere o direito a uma injustificada e inexplicável recusa de pagamento da indemnização devida que se traduziria num manifesto e intolerável abuso do direito que a lei confere à seguradora de proceder a averiguações tendo em vista apurar o sinistro e suas consequências.”
Muito particularmente no âmbito de um contrato de seguro, a boa fé supõe que o segurado conte com o cumprimento do contrato, pois é isso que se espera de uma contraparte séria, honesta e leal, não se afigurando admissível que uma seguradora se recuse inexplicavelmente a pagar ao segurado as quantias que lhe são devidas.
A ré incorre, assim, em responsabilidade pela não liquidação dos danos cobertos pelo contrato de seguro por violação de uma obrigação que dimana das aludidas regras do RJCS conjugadas com o disposto no artigo 762.º/2 do Código Civil que tutelam os interesses tanto de terceiros como do próprio segurado.
Não estamos, pois, perante a ressarcibilidade de um dano que resulta da mora, mas da violação de deveres legais que a seguradora não observou, não podendo falar-se aqui de sobreposição de indemnizações.».
Igualmente se observou no Ac. do STJ, de 14/12/2016, que: “Em suma, a seguradora, para além da obrigação de pagamento da indemnização dos danos provocados pelo sinistro coberto pelo seguro, nas condições contratadas, se demora injustificadamente na resolução do caso, resultando dessa mora danos para o segurado, responde por esse inadimplemento. Esta solução não conflitua com as disposições consagradas no regime do contrato de seguro, porque não impõe à seguradora a cobertura de riscos além do que foi segurado, antes a responsabiliza pela reparação de um dano que decorre não do sinistro mas da inobservância da obrigação contratual de pagar pontual e atempadamente”.( sobre tal questão importa referir o Acórdão da Relação de Coimbra de 25/01/2022, proc. nº 168/18.0T8FVN.C2, no qual se alude à jursprudência mais relevante relativamente a esta questão).
Tendo por base tal entendimento plasmado a nível jurisprudencial, entendemos que no caso estão verificados os fundamentos que nos levam a considerar a violação por parte da seguradora dos deveres acessórios de conduta (ou de prestação) relativos ao contrato de seguro, por não ter respondido atempadamente à pretensão indemnizatória/ressarcitória da Autora.
Da factualidade apurada resulta que em consequência do embate, o vidro traseiro da lateral esquerda partiu e a estrutura do mesmo ficou completamente danificada, pelo que após e devido ao embate, o veiculo ficou imobilizado .
O acidente ocorreu a 27/04/2019, porém, a ré só após a realização de duas peritagens, a 8.05.2019 e a 7.06.2019, veio a assumir a reparação do veículo, a qual se computou em 7.316,32€.
Ora, uma vez que o veículo ... deixou de circular em virtude do acidente, a Autora teve de solicitar imediatamente um veículo de substituição, por forma a assegurar que tinha um veículo disponível caso surgisse algum serviço durante o tempo em que o veículo estivesse parado para ser reparado, o que poderia suceder 24h00 por dia, a qualquer hora do dia. Tendo a 3/05/2019, solicitado junto a ré um veículo de substituição, sem que a ré, não obstando o contrato de seguro em causa, tenha acedido ao pretendido.
A A. face à necessidade aludida veio a celebrar um contrato de aluguer de um veículo especial funerário equivalente ao seu ..., pelo preço diário de €200,00 acrescidos de IVA, tendo dado conhecimento à Ré desse contrato.
Não obstante a última peritagem ao veículo ter ocorrido a 7/06/2019, a ré apenas deu ordem de reparação da viatura a 18/07/2019, quase três meses decorridos desde o acidente, sendo que a viatura ... apenas foi entregue à Autora a 7/08/2019.
Donde, existe um atraso injustificado da Ré seguradora na gestão, que se quer célere e eficiente, do processo de sinistro, pelo que deve a mesma ser responsabilizada no pagamento de indemnização pela privação do uso do veículo acidentado, sendo a fonte da responsabilidade civilísticia, nesta situação, a não observância do princípio da boa fé contratual inscrito no nº. 2, do art.º 762º, do Cód. Civil, dado que ocorre um dever de mitigação, ou de não ampliação dos danos/perdas ocorridos.
Logo, ainda que se considere que o risco de privação do uso do veículo não se encontre adicionalmente coberto pelo contrato de seguro, há por parte da apelante a violação de deveres acessórios de conduta, com a boa-fé conexionados na execução do contrato.
A actuação procedimental da Ré, em vista da realização da prestação a que ficara vinculada, estava sujeita a exigentes critérios, em termos de diligência e de boa-fé. Exigia-se-lhe, designadamente, que, com diligência, probidade, lealdade, consideração e respeito pelos interesses do segurado, procedesse à confirmação da ocorrência do sinistro e das suas causas, circunstâncias e consequências. Sendo certo que no âmbito de um contrato de seguro facultativo, os deveres de informação e de celeridade assumem especial importância, pois visou o segurado a resolução célere no caso de sinistro de veículo próprio, fundamento essencial para tal contratação.
Efectivamente, para um correcto processamento da relação obrigacional em que a prestação se integra, além dos deveres primários e secundários de prestação, existem os deveres acessórios de conduta; que impõem a cada um dos contraentes o dever de tomar todas as providências necessárias (razoavelmente exigíveis) para que a obrigação a seu cargo satisfaça o interesse do credor na prestação.
Tais deveres acessórios de conduta, como faz referência Antunes Varela, ( in Obrigações em Geral, Vol. I, pág. 125) “estão hoje genericamente consagrados na vastíssima área das obrigações, através do princípio geral proclamado no art.º 762.º do C. Civil, segundo o qual, no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa-fé (…)”. E a violação destes não dá lugar a uma acção de cumprimento (art.º 817.º), mas tão só à obrigação de indemnizar os danos causados à outra parte.
Donde, se uma seguradora não é diligente no cumprimento da prestação devida/convencionada, não está a tomar – impõe-se reconhecer, em linha com os acórdãos citados – todas as providências necessárias (e razoavelmente exigíveis) para que a obrigação a seu cargo satisfaça o interesse do credor na sua (da seguradora) prestação.
Logo, quando o tomador de um seguro celebra um contrato de seguro facultativo cobrindo, o risco que advém da colisão do veículo, com a consequente reparação ou pagamento do seu valor, no caso de perda total, o seu interesse enquanto credor, interesse que a seguradora não ignora, é a reparação ou o pagamento do capital correspondente num prazo razoável. Inexistindo nos autos factos que nos levem a considerar justificada a demora da seguradora na resolução, nada lhe permite protrair a liquidação do sinistro, sob pena de responder pelos danos criados na esfera do tomador do seguro.
Assim, ainda que também com os fudamentos expedidos há que confirmar a condenação da ré ao pagamento da indemnização fixada pelo Tribunal a quo.
Importa ainda referir que considerando o contrato de aluguer de veículo, do qual resulta o valor concreto do prejuízo diário da Autora, não haveria que lançar mão do previsto no art.º 566º nº 3 do CC e logo, os eventuais critérios assentes na equidade para aferir do quantum indemnizatório, como se alude na decisão de que se recorre. Na verdade, no caso concreto a Autora logrou provar o prejuízo que adveio da privação do uso do veículo sinistrado, tendo dado conhecimento atempado da despesa correspondente à apelante, que nada fez para minorar o tempo de tal prejuízo ou gasto.
Face ao fundamentos expostos haverá que confirmar o juízo condenatório da sentença da 1ª Instância, improcedendo o recurso de apelação da ré seguradora.
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IV. Decisão:
Por todo o exposto, Acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo Réu e, consequentemente, ainda que com os fundamentos aludidos mantém-se a decisão de condenação nos seus precisos termos.
Custas pelo apelante.
Registe e notifique.
Lisboa, 21 de Dezembro de 2023
Gabriela de Fátima Marques
Teresa Soares
Adeodato Brotas