RECONVENÇÃO
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
INEPTIDÃO DA RECONVENÇÃO
Sumário


A exceção perentória de compensação de créditos, deve, não estando já definido o direito, ser deduzida em via reconvencional, conforme artigo 266º, 2 do CPC.
Nada obsta a que, sendo possível processualmente e trazidos aos autos todos os elementos pertinentes, ou seja, desde que o seu conteúdo seja adequável ao meio concreto de que deveria ter-se socorrido, o julgador proceda à convolação da mera exceção em reconvenção.
Em processo laboral é admissível a dedução da exceção de compensação em reconvenção, dispensando-se neste caso a existência de relação de conexão com a ação, nos termos do al. o) do artigo 126º da L. 62/2013.

Texto Integral


AA, idf. nos autos, intentou ação com processo comum contra EMP01..., Ldª, idf. nos autos, pedindo:

I- No pagamento dos seguintes créditos laborais, vencidos e não pagos:
B.1) EUR 1.852,80, a título de trabalho suplementar prestado pelo Autor, em dia de descanso obrigatório, desde 01 de outubro de 2014 a 30 de novembro de 2016;
B.2) EUR 10.738,08, a título de trabalho suplementar prestado pelo Autor, em dias de descanso, desde 01 de dezembro de 2016 a 04 de junho de 2021 e EUR 5.369,04, a título de descanso compensatório não gozado;
B.3) EUR 3.135,15, a título da diferença do subsídio de alimentação, por aplicação do CCT celebrado entre a ANAREC - Associação Nacional de Revendedores de Combustíveis e a FEPCES - Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios e Serviços e outras
B.4) EUR 879,69, a título de formação profissional não conferida ao Autor;
II - No pagamento dos respetivos juros moratórios, vencidos e vincendos, até ao efetivo e integral pagamento das quantias ora peticionadas;
(…)
Invoca em síntese que foi admitido ao serviço da ré, em 2014, por contrato de trabalho a termo certo. Por carta datada de 5 de maio de 2021, o Autor denunciou o contrato trabalho celebrado com a Ré, cuja denúncia produziu efeitos a partir do dia 04 de julho de 2021. Não lhe foram pagas as quantias relativas aos direitos peticionados. Invoca trabalho em dias de descanso obrigatório, em dias de descanso. Refere diferenças no subsidio de alimentação, e formação não concedida.
Em contestação a ré impugno a versão do autor.
Refere que para o caso de o A. poder exceder as 40h (por força da rotatividade dos horários e do regime de adaptabilidade que estava convencionado entre o A. e a Ré), essas horas eram-lhe pagas com o crédito de 12 horas extra por mês; e, adicionalmente, com a quantia mensal de 100,00€ que lhe era processada como ajuda de custo, mas que, conforme acordado entre A. e R., se destinava a remunerar o A. por todos os serviços e horas extra que pudesse trabalhar.
Apresentou defesa por exceção de compensação.
Invoca o crédito decorrente de dois dias de pré-aviso em falta, decorrente da denúncia do contrato, com base na mesma causa, e o crédito decorrente da clausula 12º do contrato de trabalho, no montante de 5.000 euros, pré-fixado na cláusula. Refere que despendeu, ao longo dos anos em que durou o contrato de trabalho, vários milhares de euros com a formação profissional e prática do A., em valor não inferior a 5.000,00€.
Invoca ainda crédito decorrente de condutas ilícitas. O autor, diz, A. aproveitou várias campanhas de descontos do supermercado para utilizar em proveito próprio cupões de desconto que eram exclusivos para clientes e que estavam vedados a funcionários pelos regulamentos das campanhas, e com o que beneficiou indevida, ilícita e ilegitimamente de 475,30€, o que impôs à R. o inerente prejuízo com descontos indevidos no mesmo montante, e que aquele lhe deverá indemnizar e pagar. Logrou que os colegas lhe fornecessem refeições (pequenos almoços e lanches) na cafetaria/bar do supermercado da R., e que indevida e ilicitamente não pagou, no montante global de 1.573,00€.
Invoca os créditos decorrentes do crédito de 12 horas extra por mês, e também a quantia de 100,00€ mensal processada como ajuda de custo.
Invoca assim um crédito global de 9.631,10€ (61,44€ + 5.000,00€ + 475,30€ + 1.573,00€ + 2.521,36€), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, a compensar com os créditos do autor.
Apresentou ainda reconvenção.
Reafirma os mesmos créditos invocados em sede de exceção.
Terminas com o seguinte pedido:
“Julgar-se provado e procedente o pedido reconvencional, condenando-se, em consequência, o A/Reconvindo a reconhecer à Ré/Reconvinte o direito de operar a compensação do seu crédito no montante de 9.631,10€, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, com os alegados créditos do A/Reconvindo.”

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O autor respondeu ao articulado pronunciando-se quanto à exceção e quanto à reconvenção.
*
No despacho saneador decidiu-se:
“Pelo exposto, por processualmente inadmissível, julgo improcedente a exceção de compensação invocada na contestação sob os artigos 66.º a 92.º.”
E quanto ao pedido reconvencional:
“Pelos fundamentos expostos, admito a reconvenção deduzida pela ré-reconvinte “EMP02..., Lda.” no que diz respeito ao pedido reconvencional no valor de € 2 582,80 relativo aos factos dos artigos 66.º a 72.º e 86.º a 90.º do seu articulado.”
Refere-se no despacho:
“O autor estriba o seu pedido na denúncia do contrato de trabalho que celebrou com a ré, pedindo créditos laborais a título de trabalho suplementar, subsídios de alimentação e formação profissional não conferida.
A ré faz um pedido reconvencional para reconhecimento do direito a operar compensação com base nos seguintes factos:
a) falta de dois dias de pré-aviso na denúncia do contrato no total de € 61,44;
b) valor despendido com a formação profissional do autor, com base em cláusula penal contratual, no valor de € 5 000,00;
c) utilização indevida de cupões de desconto, no valor de € 475,30;
d) fornecimento indevido de refeições, pelos colegas, no valor de € 1 573,00;
e) as horas de trabalho prestadas, para além das 40 horas semanais, eram pagas com crédito de 12 horas extra mensais e com a quantia de € 100,00, devendo ser reembolsado o valor de € 2 521,36, caso se entenda que o autor tem direito a remuneração suplementar.
O pedido reconvencional da ré visa, exatamente, que o autor seja condenado a pagar-lhe quantias que entende serem devidas pelo mesmo.
Assim sendo, a reconvenção não é apenas a mera negação do pedido do autor, mas assume a forma de uma «contra ação» autónoma, o que é uma das caraterísticas essenciais da reconvenção, como referimos supra.
… o pedido da ré emerge, relativamente ao pagamento da indemnização pelo não cumprimento do prazo de aviso prévio, mesmo que apenas parcialmente, do facto jurídico que serve de fundamento à ação – a denúncia do contrato de trabalho celebrado entre autor e ré, tendo também, nesta parte, relações de conexão com a mesma ação por acessoriedade e complementaridade (art.º 126.º, n.º 1 al. o) da Lei n.º 62/2013, de 26-08).
Todavia, o mesmo já não sucede quanto a outros dos pedidos reconvencionais, aliás, quanto ao pedido de pagamento da quantia de € 1 573,99 por fornecimento de refeições pelos colegas, este é inepto, não sendo alegado qualquer facto concreto praticado pelo autor…  
A ré fundamenta tais pedidos no exercício do direito de fazer operar a compensação do crédito que alega ter sobre o autor, mas, concomitantemente nega dever qualquer quantia ao mesmo.
A questão que se coloca é a da admissibilidade do pedido reconvencional feito para o caso de proceder o pedido do autor, assentando a contestação na negação da existência de qualquer crédito.
A doutrina e a jurisprudência dividem-se, contudo, entende o Tribunal que, atendendo ao disposto nos artigos 847.º e 848.º n.º 2 do Código Civil não é admissível a declaração de compensação feita sob condição.
Relativamente ao pedido de reembolso dos valores processados a título de ajudas de custo, mas que a ré alega serem pagos a título de remuneração por horas extra de trabalho, entendemos que tal pedido é de enquadrar como emergente do facto jurídico que serve de fundamento ao pedido de pagamento de trabalho suplementar (artigo 30.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
No que respeita ao uso indevido de cupões de desconto ou ao fornecimento de refeições pelos colegas, é evidente que em nada se relaciona com o contrato de trabalho celebrado entre as partes.
Relativamente à cláusula penal contratual que a ré pretende agora acionar, também se entende que tal pedido não emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação, pois o autor pede uma indemnização pela falta de formação obrigatória por Lei.

Ora, o pedido de indemnização por falta de formação obrigatória não é o facto que serve de fundamento jurídico ao pedido de indemnização por quebra de cláusula penal, nem está com ele conexo por acessoriedade, complementaridade ou dependência. Inexistindo fundamento legal para a sua admissão como pedido reconvencional nestes autos.
Assim, a reconvenção é, quanto a parte do pedido, substancialmente admissível, dada a ligação próxima que mantém com a pretensão do autor…”
***
A ré interpôs recurso apresentando as seguintes conclusões:
1ª) É sabido que a compensação de créditos é uma exceção perentória (art. 576º-3 do Cód. Proc. Civil) e, enquanto tal, tem de ser, necessariamente, invocada como tal (como exceção) na contestação (art. 573º do citado Corpo de Leis). Contudo, desde a reforma do processo civil de 2013 (Lei 41/2013) a compensação (seja para obter a compensação, seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor) tem de ser processualmente adjetivada por via reconvencional nos termos do disposto no nº 2, do art. 266º do Código de Processo Civil (ex vi do art. 1º do Cód. Proc. Trabalho).
2ª) Dito de outro modo: a exceção de compensação (insiste-se) necessariamente invocada em
sede de contestação, tem de ser adicionalmente adjetivada processualmente em sede de reconvenção.
3ª) Ora, compulsada a decisão recorrida verifica-se que admitiu parcialmente a reconvenção para efeito de a R. operar a compensação dos créditos (cfr. artºs 66º a 92º, ex vi, do art. 98º da contestação), contudo, julgou improcedente a “exceção de compensação invocada na contestação sob os artigos 66º a 92º” da contestação, o que, “data venia”, importa contradição com a admissão da reconvenção para efeito de operar compensação dos créditos invocados nos mencionados artºs artigos 66º a 92º.
4ª) De facto, não pode em simultâneo admitir-se reconvenção e julgar-se, desde já, improcedente a exceção que a fundamenta e que é o lastro processual para a sua instrução e julgamento.
5ª) Assim, o conhecimento da exceção de compensação deveria ter sido relegado para conhecimento em sede de sentença final, conjuntamente com o conhecimento dos pedidos reconvencionais, o que em revogação da decisão recorrida, deverá ser decidido, e se requer.
6ª) Por outro lado, a decisão recorrida rejeitou os pedidos reconvencionais quanto aos créditos emergentes da cláusula penal (artºs 73º a 78º da contestação) e da violação de deveres laborais que impuseram prejuízo pecuniário (vales de desconto e refeições) - artºs 79º a 84º da contestação - decisão esta com a qual se discorda.
7ª) Nos termos do disposto no art. 30º, nº 1 do CPT, o Réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor, desde que “o pedido do réu emerge(a) do facto jurídico que serve de fundamento à ação”
8ª) Ora, a ação vem fundada pelo A. em supostos créditos laborais na sequência de ter denunciado o contrato em maio de 2021, ou seja, alegados créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação.
9ª) Assim, o pedido da recorrente quanto ao pagamento da indemnização da cláusula penal prevista na clausula 12ª do contrato de trabalho, emerge do mesmíssimo facto jurídico: a denúncia do contrato e a sua cessação - como, aliás, ocorre com o pedido de pagamento da indemnização por falta de pré-aviso (adjetivada em sede de compensação/reconvenção) que foi admitido (e bem) pela decisão recorrida.
10ª) Por outro lado ainda, o que vem peticionado em sede de exceção/reconvenção quanto aos créditos da Recorrente emergentes da violação dos deveres laborais pelo Recorrido (lealdade, cumprimento de ordens e zelo pelos bens da entidade empregadora - a utilização indevida de vales de desconto (não possível para funcionários) e o fornecimento de refeições sem pagar, no tempo e local de trabalho e aproveitando a relação com os colegas de trabalho, não só, emerge da mesma causa de pedir – a relação laboral – como, no caso da compensação, é dispensada a conexão.
11ª) Veja-se Raul Ventura: "b) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à exceção, o problema da competência por conexão pode surgir. Por exemplo …. o réu é titular de um crédito já vencido, proveniente da relação não de trabalho e de montante superior ao pedido da ação; exceciona com a compensação até ao montante do pedido e pede reconvencionalmente o pagamento da parte restante; c) Idêntica consideração haverá a fazer quanto aos casos em que a reconvenção tem em vista a compensação judicial" (in Curso de Direito Processual do Trabalho de 1964 (Lisboa, Suplemento da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 84).
12ª) A isto se aduz que, estes pedidos também não são ineptos (como foi entendimento da decisão sob censura), o que se verifica da articulação vertida nos artºs 79º a 84º da contestação, onde é claramente alegada a matéria em que se fundamentam os pedidos, e assim, inteiramente inteligível a inerente causa de pedir e pedidos.
13ª) Sem prescindir, ainda se entendesse diversamente (o que se alega sem conceder) haveria o Mmº Juiz a quo de ter convidado a parte a suprir a alegação, conforme estatuído no nº 4, do art. 590º do Cód. Proc. Civil (ex vi do art. 1º do CPT), o que agora, em revogação da decisão recorrida, se haverá de determinar, e se requer.
14ª) Em síntese: os pedidos reconvencionais referentes à cláusula penal e à violação de deveres laborais do Recorrido que impôs prejuízo pecuniário à Recorrente (vales de desconto e refeições), também deveriam ter sido admitidos, o que agora, em revogação da decisão recorrida, deverá decidir-se, e se requer.
15ª) Foi violado o disposto nos art. 226º-2, 573º, 576º e 590º-4 do Cód. Proc. Civil, e art. 30º do Cód. Proc. Trabalho.
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Em contra-alegações sustenta-se o julgado.
A Exª PGA deu parecer no sentido da improcedência.
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A factualidade com interesse é q que resulta do precedente relatório.

Resulta dos autos (prova documental)
- A. e ré celebraram contrato de trabalho a Termo certo e tempo parcial a 4/9/2014, pelo prazo de 12 meses, constando da cláusula 12ª
 “1 - A entidade patronal dará ao trabalhador toda a formação profissional necessária ao desenvolvimento do serviço, ma vez que o trabalhador não tem qualquer experiência na área
2 - Se o trabalhador fizer cessar o contrato para ir laborar noutra empresa, aquele é obrigado a indemnizar a primeira outorgante pelos gastos com a sua formação profissional, num valor de 5.000€, valor em que se computam os gastos com a formação profissional e prática do trabalhador.”
- Não obstante o Autor ter integrado a empresa com contrato a tempo parcial, foi o mesmo convertido a tempo completo, em outubro de 2014, tendo a primeira renovação ocorrido a 4 de setembro de 2015.

Acordo:
1. - A Ré é uma sociedade que se dedica ao comércio a retalho em supermercados e hipermercados, dispondo de estabelecimento comercial, que constitui um supermercado, denominado “...”.
3 - O A. denunciou o contrato de trabalho por carta que remeteu à Ré em 06.05.2021, cuja denúncia produziu efeitos a partir do dia 04 de julho de 2021 ***
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Questões colocadas:
- Contradição da decisão ao admitir parcialmente a reconvenção para efeitos de operar a compensação de créditos, e ao julgar improcedente a exceção ode compensação.
-  Admissibilidade dos pedidos reconvencionais rejeitados; créditos emergentes da cláusula penal; violação de deveres laborais que impuseram prejuízo pecuniário (vales de desconto e refeições).
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- Contradição da decisão ao admitir parcialmente a reconvenção para efeitos de operar a compensação de créditos, e ao julgar improcedente a exceção ode compensação.
Sustenta a recorrente que a compensação de créditos é uma exceção perentória (que tem que ser invocada como tal. A mesma desde a reforma do processo civil de 2013 (Lei 41/2013) tem de ser processualmente adjetivada por via reconvencional nos termos do disposto no nº 2, do art. 266º do Código de Processo Civil. A exceção, refere, necessariamente invocada em sede de contestação, tem de ser adicionalmente adjetivada processualmente em sede de reconvenção.
Relativamente à compensação refere artigo 847º do CC: (Livro II, titulo I, Capitulo VIII (causas de extinção das obrigações além do cumprimento), secção III (compensação)
 “1. Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos:
a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele exceção, perentória ou dilatória, de direito material;
b) Terem as duas obrigações por objeto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.
2. Se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente.
3. A iliquidez da dívida não impede a compensação.”
Nos termos do artigo 848º do CC, nº 1 a compensação torna-se efetiva mediante declaração de uma das partes à outra. Nos termos do nº 2, a declaração é ineficaz, se for feita sob condição ou a termo.
A declaração implica a extinção dos créditos a partir do momento em que se tornaram compensáveis – artigo 854º do CC.
Os limites ao exercício do direito serão os que resultam da lei, designadamente e em termos substantivos os decorrentes do artigo 853º do CC e outras normas avulsas que prevejam limitações, como a título de exemplo o artigo 279º do CT.
A compensação é uma forma de extinção de obrigação, que constitui para declarante um direito subjetivo decorrente daquelas normas.
A questão que nos é trazida, que contende com o modo de deduzir esta defesa (exceção perentória de compensação), por via de defesa por exceção ou por via reconvencional, parece-nos carecido de sentido nas formas processuais que admitem reconvenção, tendo em conta o espírito que preside ao novo CPC.
Considerando que o direito processual deve servir a adequada e equitativa resolução de conflitos entre os sujeitos, relativa às suas situações de “direito substantivo”, importa na interpretação das normas adjetivas, ter em mente essa finalidade instrumental, de forma a evitar que por meras questões processuais, por vezes de simples ”nomenclatura”, as partes se vejam impedidas de exercer e fazer valer os seus direitos, desde logo na vertente relativa ao direito de os verem apreciados em sede judicial.
Importa ter presente, neste sentido, o espíirito que preside ao novo CPC, num caminho que já antes vinha sendo percorrido, vocacionado para a decisão de mérito. Veja-se a Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 113/XII, onde se refere:
“Foi na reforma de 1995/1996, com início de vigência em 1 de janeiro de 1997, que se promoveu a primeira rotura com a ideologia de 1939, consagrando-se novos princípios, atribuindo-se ao juiz um papel dirigente e ativo, promovendo-se a igualdade substancial dos intervenientes processuais, com privilégio da verdade material, proibindo-se as decisões surpresa e revigorando-se o princípio do contraditório. Em suma, foi nesta reforma que se operou a viragem histórica e a atualização do direito adjetivo civil em Portugal…
Pode, hoje, concluir-se que a reforma de 1995/1996 erigiu corretamente os princípios orientadores do moderno processo civil, mas não colocou nas mãos dos intervenientes processuais os instrumentos adequados para o tornar eficaz, viabilizando os fins a que se tinha proposto É o que ora se visa com a presente reforma, quando se preconizam e consagram os concretos deveres processuais, os infungíveis poderes de gestão, a inevitável responsabilização de todos os intervenientes, tudo de molde a viabilizar e conferir conteúdo útil aos princípios da verdade material, à cooperação funcional e ao primado da substância sobre a forma.
A presente reforma completa a de 1995/1996, pois não só não entra em rota de colisão com o que aquela hierarquizou, como preenche o vazio da sua concretização e, por essa via, como se disse, a completa

um novo modelo de processo civil, simples e flexível, despojado de injustificados formalismos e floreados adjetivos, centrado decisivamente na análise e resolução das questões essenciais ligadas ao mérito da causa. A consagração de um modelo deste tipo contribuirá decisivamente para inviabilizar e desvalorizar comportamentos processuais arcaicos, assentes na velha praxis de que as formalidades devem prevalecer sobre a substância do litígio e dificultar, condicionar ou distorcer a decisão de mérito…”
As normas processuais, hoje de forma ainda mais patente, cumprem uma missão instrumental, que deve ceder em face do direito substantivo, tendo sempre em vista a apreciação de mérito e a justa composição do litígio.
Ora, vista a esta luz, a questão da “forma”, desde que aos autos sejam trazidos todos os elementos pertinentes, pode em concreto não revestir o interesse que aparenta à primeira leitura.

Referimo-nos ao artigo 266º do CPC:
Admissibilidade da reconvenção
1 - O réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor.

c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor;

3 - Não é admissível a reconvenção, quando ao pedido do réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor, salvo se o juiz a autorizar, nos termos previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 37.º, com as necessárias adaptações.

6 - A improcedência da ação e a absolvição do réu da instância não obstam à apreciação do pedido reconvencional regularmente deduzido, salvo quando este seja dependente do formulado pelo autor.
Tem uma corrente ainda preponderante entendido que, mesmo para obter a compensação, terá o interessado que deduzir reconvenção.
Do normativo parece resultar que a compensação de créditos terá sempre de ser deduzida por via da reconvenção, ainda que o valor dos créditos a compensar se atenha ao valor do crédito que venha a ser reconhecido ao autor. E diremos, desde que o crédito a compensa não esteja reconhecido, como resulta da norma.
Não sendo caso de crédito que precise ser reconhecido, e visando-se a compensação, nada obsta à sua invocação por via de exceção, parecendo-nos até ser esse o meio mais adequado, tendo em conta tratar-se de modo de extinção da obrigação por mera declaração.
Como quer que seja, e como atrás referimos, redundando-se numa  questão da “forma”, e desde que aos autos sejam trazidos todos os elementos pertinentes, i é, “desde que o seu conteúdo seja adequável ao meio concreto de que deveria ter-se socorrido”(STJ de 22/9/2021, processo nº 373/15.0T8AMT-D.P1.S1, disponível em DGSI.pt); e seja admissível a reconvenção; tendo em conta o princípio da economia processual, a prevalência das decisões de mérito sob as de forma, e os poderes de adequação – artigo 547º do CPC -, a entender-se, como parece firmar-se na jurisprudência, que com a redação do artigo 266º, a compensação tem que ser formulada em reconvenção, sempre se imporia, na condição atrás referida, proceder à convolação da mera exceção em reconvenção.
Refere o artigo 193º do CPC. quanto a erro “no meio processual”, que “o erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados” – Nº 3. Salvaguardando-se naturalmente as garantias do réu – artigo 193º, 2.
No processo em apreço, o interessado invoca a mesmíssima matéria, créditos, e pedido, por ambas as vias, pelo que a questão da convolação não se colocava, e por qualquer das vias porque se optasse, não lhe traria prejuízo.
Assim não parece entender a recorrente, que refere a contradição na decisão.
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Refere a recorrente que a decisão que admitiu parcialmente a reconvenção para efeito de a R. operar a compensação dos créditos e julgou improcedente a “exceção de compensação invocada na contestação, importa contradição com a admissão da reconvenção para efeito de operar compensação dos créditos invocados. De facto, refere, não pode em simultâneo admitir-se reconvenção e julgar-se, desde já, improcedente a exceção que a fundamenta e que é o lastro processual para a sua instrução e julgamento.
A contradição é apenas aparente e resulta do modo como se interpreta quer o articulado do recorrente em que invoca a exceção e deduz reconvenção, quer a decisão que não admite a exceção.
Parece decorrer da alegação que o recorrente entender, em sintonia com o com o julgador, que a exceção perentória de compensação tem que ser “deduzida” por via reconvencional. Na verdade, o autor refere a mesmíssima matéria e os mesmíssimos créditos. em “via“ de exceção e em via “reconvencional”.
Deduz-se do que ora invoca que ao referir “por exceção – compensação”, no seu articulado, de forma autónoma em relação à “reconvenção”, mais não pretendeu do que “nominar” o meio de defesa em termos substantivos, que depois e em cumprimento do que entende ser imposição da norma do artigo 266º, 2, c) do CPC. adjetiva como reconvenção. Poderia simplesmente em via reconvencional referir a defesa pela exceção invocada.
Ora a apreciação do tribunal debruça-se sobre a questão entendida de forma algo diversa, enquanto forma processual de dedução da defesa, por “mera exceção” invocando compensação. No despacho não se pretendeu apreciar o mérito da exceção invocada, mas apenas a propriedade do meio processual entregue para sua invocação – mera defesa por exceção.
Assim e quanto o despacho não admite a exceção, está a reportar-se ao meio processual, como resulta da decisão:
“Pelo exposto, por processualmente inadmissível, julgo improcedente a exceção de compensação invocada na contestação sob os artigos 66.º a 92.º.”
E tal inadmissibilidade resulta da interpretação tida relativamente ao que dispõe o artigo 266º, 2, c) do CPC., que aliás a ré interpreta de forma idêntica. Não ocorre, pois, contradição, o mérito da exceção (substantiva) não está resolvido, não foi apreciado nem tal se pretendeu, sendo a apreciar a final, quanto à parte deduzida pelo meio considerado adequado (reconvenção) e admitida.
Improcede o alegado nesta parte.
***
Da admissibilidade da reconvenção/compensação:

O caso presente acaba por revestir alguma simplicidade, dados os termos em que a recorrente deduz o pedido reconvencional.
No caso temos que a ré pretende o reconhecimento do seu direito apenas para efeitos de compensação. O pedido formulado relativamente à reconvenção é o seguinte:
“Julgar-se provado e procedente o pedido reconvencional, condenando-se, em consequência, o A/Reconvindo a reconhecer à Ré/Reconvinte o direito de operar a compensação do seu crédito no montante de 9.631,10€, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, com os alegados créditos do A/Reconvindo.”

A decisão funda-se no artigo 30º do CPT que refere:
Reconvenção
1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 98.º-L, a reconvenção é admissível quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação e nos casos referidos na alínea o) do n.º 1 do artigo 126.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, desde que, em qualquer dos casos, o valor da causa exceda a alçada do tribunal.
2 - Não é admissível a reconvenção quando ao pedido do réu corresponda espécie de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor.
O recorrente entende ser admissível a reconvenção/compensação, ao abrigo do disposto no artigo 126.º, n.º 1, alínea o), in fine da LOSJ (Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto).
Refere o artigo 126º da LOSJ;
Competência cível
1 - Compete às secções do trabalho conhecer, em matéria cível:
o) Das questões reconvencionais que com a ação tenham as relações de conexão referidas na alínea anterior, salvo no caso de compensação, em que é dispensada a conexão;
(…)
Em face desta norma e tendo em conta o pedido formulado, nada obstaria em principio à admissibilidade do pedido reconvencional, para exclusivos efeitos de compensação.
Sem embargo, por outro motivo podem os mesmos não ser admissíveis.
Foram admitidos para efeitos de compensação os créditos:
- falta de dois dias de pré-aviso na denúncia do contrato no total de € 61,44;
- As horas de trabalho prestadas, para além das 40 horas semanais, eram pagas com crédito de 12 horas extra mensais e com a quantia de € 100,00, devendo ser reembolsado o valor de € 2 521,36, caso se entenda que o autor tem direito a remuneração suplementar.
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Vejamos quanto aos restantes:
- Valor despendido com a formação profissional do autor, com base em cláusula penal contratual, no valor de € 5 000,00;
A ré fundamente este invocado crédito na clausula 12 do contrato de trabalho a termo certo, celebrado em 4/9/2014, da qual consta:
“1 - A entidade patronal dará ao trabalhador toda a formação profissional necessária ao desenvolvimento do serviço, ma vez que o trabalhador não tem qualquer experiência na área
2 - Se o trabalhador fizer cessar o contrato para ir laborar noutra empresa, aquele é obrigado a indemnizar a primeira outorgante pelos gastos com a sua formação profissional, num valor de 5.000€, valor em que se computam os gastos com a formação profissional e prática do trabalhador.”
Estamos face ao denominado pacto de permanência. Este pacto encontra regulamentação no artigo 137º do CT. Tal regulamentação visa, nesta área jurídica, balizar os contornos em que se pode mover a liberdade contratual das partes, procurando, ao invés de uma mera igualdade formal, uma verdadeira igualdade material.
É sabida a posição de desigualmente em que o trabalhador se encontra em face do empregador, aquando da negociação. O trabalhador é a parte débil da relação, carecendo dos rendimentos do seu trabalho para a sua sobrevivência e da sua família, investindo a sua própria pessoa – disponibilizando a sua força e tempo – numa relação de subordinação jurídica (e económica) à outra parte.
O pacto de permanecia constitui em si mesmo, uma limitação à liberdade do trabalhador, e, porque este envolve a sua pessoa na relação laboral, uma limitação à própria pessoa, com implicações constitucionais, designadamente envolvendo a dignidade humana, o direito a escolher livremente a profissão, o género de trabalho, os meios de realização da própria pessoa – artigos 1º, 9º, al b), 47º e 58º da CRP -, ninguém devendo ser constrangido, de forma desproporcionada, além do que se mostre adequado ao normal funcionamento social, e tendo em atenção outros valores relevantes, a manter uma determinada relação que envolve a disponibilidade da própria pessoa, contra sua vontade. – Direito de desvinculação -.
No artigo 137º do CT,  o legislador sopesa os vários interesses envolvidos, como os interesses da empregadora em ver compensadas certas despesas avultadas realizadas na formação do trabalho, permitindo-lhe obter o retorno económico desse investimento;  e de outra banda, o interesse do trabalhador na sua valorização mediante a aquisição  de novas competências, com as inerentes vantagens no mercado de trabalho e com repercussão remuneratória, e ainda tendo em conta o interesse coletivo no fomento de uma melhor qualidade do fator trabalho, e a inerente maior produtividade.
A norma fixa os limites que podem ser estabelecidos à liberdade do trabalhador. Tal acordo implica por parte do trabalhador a renúncia ao direito de “denuncia“ do contrato.
No sopesamento dos interesses envolvidos entendeu o legislador estabelecer um limite temporal a tal tipo de pacto, tempo julgado adequado para garantir o retorno necessário do investimento efetuado, e adequado como limite à liberdade do trabalhador, em atenção às vantagens por este colhidas com a formação.
Como se refere no acórdão da RL de 12/2/2020, processo nº 162/19.3T8LSB.L1-4, “A vantagem colhida de uma formação dispendiosa, suportada pelo empregador, deve ter como contrapartida a prestação de atividade durante o tempo necessário à amortização destas despesas.” Ac. RL de 12/2/2020, processo nº 162/19.3T8LSB.L1-4.
O pacto não pode vigorar por mais de 3 anos.
A norma, note-se, em atenção ao valor constitucional da liberdade do trabalhador, permite a este, mesmo no período de vinculação ao pacto, que possa desobrigar-se, desde que proceda ao pagamento do montante correspondente às despesas nele referidas – nº 2 da norma.
Importa ter em atenção que as despesas abrangidas não podem ser as relativas àquela formação que o empregador deve normalmente custear e prestar – artigo 131; 127, 1, d -.
Sobre o assunto, Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, 7ª ed. Almedina, pág. 260, a propósito da alteração da redação em redação ao pretérito artigo 147º, propõe uma interpretação restritiva do preceito de forma a “evitar uma limitação excessiva do princípio constitucional da liberdade de trabalho”, referindo dever interpretar-se no sentido de abranger “despesas extraordinárias” e “despesas análogas a despesas extraordinárias”.
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No caso temos há muito ultrapassado prazo de 3 anos, pelo que a cláusula caducou, não vigorando à data da denúncia. Assim, independentemente da admissibilidade ou não de uma cláusula “penal” pré-fixado, bem como da possibilidade de manutenção de tal cláusula além do prazo inicialmente acordado no contrato, questões que não importa ora apreciar, o crédito manifestamente não existe, porque sempre a cláusula se mostra caduca.
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- Utilização indevida de cupões de desconto, no valor de € 475,30;
- Fornecimento indevido de refeições, pelos colegas, no valor de € 1 573,00;
Quanto a estes dois alegados créditos, encontra-se alegado nos seguintes termos:
79 O A. aproveitou a confiança que estabelecia entre os colegas de trabalho e com clientes para obter benefícios ilegítimos à custa da R.,
79 O A. aproveitou a confiança que estabelecia entre os colegas de trabalho e com clientes para obter benefícios ilegítimos à custa da R.,
80 e que consubstanciaram condutas ilícitas e que violaram os deveres laborais a que o A. se encontrava adstrito, designadamente, de lealdade, respeito, cumprimento de ordens e zelo pelos bens da entidade empregadora.
81 Na verdade, o A. aproveitou várias campanhas de descontos do supermercado para utilizar em proveito próprio cupões de desconto que eram exclusivos para clientes e que estavam vedados a funcionários pelos regulamentos das campanhas,
82 e com o que beneficiou indevida, ilícita e ilegitimamente de 475,30€, o que impôs à R. o inerente prejuízo com descontos indevidos no mesmo montante, e que aquele lhe deverá indemnizar e pagar.
83 Para além disto, logrou que os colegas lhe fornecessem refeições (pequenos almoços e lanches) na cafetaria/bar do supermercado da R., e que indevida e ilicitamente não pagou, no montante global de 1.573,00€,
84 o que causou o consequente dano e prejuízo patrimonial, no mesmo montante, e que o A. deverá pagar e ressarcir à Ré.
Ora, do alegado não resulta circunstanciação de tempo modo e lugar capaz de permitir uma defesa ao trabalhador. Não são alegados factos concretos por este praticados, limitando-se a uma referencia genérica, e além do mais com indicação de valores não sustentados em factualidade.
Consequentemente é inepta a reconvenção/compensação quanto a estes créditos, improcedendo a apelação na totalidade.

DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, mantendo-se o decidido.
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Custas pela recorrente.
19/12/2023
Antero Veiga
Leonor Barroso
Vera Sottomayor