I – Nos termos do artigo 56º, nº 1, alínea a), do Código das Sociedades Comerciais, são nulas as deliberações tomadas em assembleia geral não convocada, salvo se todos os sócios estiverem presentes, sendo igualmente nulas, ao abrigo do mesmo preceito, as deliberações tomadas em Assembleia realizada sem a presença de sócio ou sócios que deveriam ter sido convocados e o não foram.
II – Havendo a Ré enviado a convocatória da Assembleia para um local (a sua própria sede) onde sabia que o sócio A. não se encontrava habitualmente – conhecendo onde se situava a residência deste, para a qual poderia ter enviado a convocatória -, e não tendo sido feita prova de que o mesmo a recebeu, não pode ser considerada a convocatória do sócio, o que integra, pelos motivos apontados, a previsão da alínea a) do nº 1 do artigo 56º do Código das Sociedades Comerciais.
III - Ao proceder ao envio da dita convocatória de forma manifestamente imprevidente, e ainda que contasse com uma prática informal consistente na recolha de correspondência, na sede da sociedade, por um funcionário do sócio A. e sob a instruções deste, a Ré aceitou deliberadamente correr o risco de não conseguir provar o efectivo recebimento da missiva, que não se basta com a presunção de que a carta viria muito provavelmente a chegar ao poder/conhecimento do destinatário, daí resultando, face à ausência de prova desse recebimento, que o sócio destinatário da missiva não foi convocado para a Assembleia.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção – Cível).
I - RELATÓRIO.
I - RELATÓRIO.
Instaurou AA, casado, revisor oficial de contas, residente na Rua..., a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, com vista à declaração de nulidade e anulação de deliberações sociais), contra Jatavamarela, Lda., matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o número ...023 e sede na Avenida ....
Essencialmente alegou:
A assembleia em causa nos autos não se realizou.
Não foi convocado para a mesma.
Não foram disponibilizados aos sócios o relatório de gestão, as contas de exercício e demais documentos relativos à prestação de contas, nem existe qualquer acta da assembleia, que a existir não lhe foi entregue.
A ter existido qualquer convocatória certamente que foi expedida para um domicílio no qual sabia a gerente da ré que o sócio não a receberia e não teria conhecimento da mesma.
Assim, não tendo sido convocado para a assembleia geral. desconhece os fundamentos dos resultados constantes da declaração de IES, da qual só teve conhecimento no dia 2 de Dezembro de 2021.
A aprovação das contas não respeita a maioria qualificada exigida pelo contrato social, na parte em que são exigidos os votos favoráveis de ambos os sócios fundadores (autor e sócia BB, casados entre si), e ainda que não lhe foi concedida a possibilidade de consultar os documentos.
Concluiu formulando os seguintes pedidos:
a) Se declarem inexistentes, sem quaisquer efeitos, todas as deliberações sociais tomadas na assembleia geral realizada no dia 19 de Julho de 2021 respeitantes à ré;
b) Subsidiariamente, se declarem nulas, sem quaisquer efeitos, todas as deliberações sociais referidas na al. a), nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 56.º, n.º 1, alíneas a) e d) do Código das Sociedades Comerciais;
c) Sem conceder, caso assim não se entenda, se declare a anulação das mesmas deliberações sociais referidas na al. a), ao abrigo do disposto no artigo 58.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Código das Sociedades Comerciais.
d) E, em consequência da procedência da presente ação, com fundamento nos pedidos feitos em a) ou b) ou c), se mande cancelar o registo efetuado na Conservatória do Registo Comercial de prestação de contas individual.
A ré contestou alegando que o autor foi convocado para a assembleia geral da ré no dia 29 de Junho de 2021.
A convocatória foi enviada para a sua residência oficial e que tinha perante a sociedade.
O pedido formulado na alínea c) é extemporâneo, por ter decorrido o prazo que dispunha para a impugnação.
Concluiu pela improcedência da acção.
O autor respondeu à contestação, tendo concluído pela improcedência das exceções invocadas pela ré, pela procedência dos pedidos formulados na petição inicial e condenação da ré como litigante de má-fé, em multa e indemnização.
Foi proferida em 1ª instância sentença que julgou improcedentes os pedidos de declaração de inexistência das deliberações sociais tomadas na assembleia geral da ré realizada no dia dezanove de julho de dois mil e vinte e um; de declaração de nulidade das deliberações sociais tomadas na assembleia geral da ré realizada no dia dezanove de julho de dois mil e vinte e um; de cancelamento do registo efetuado na Conservatória do Registo Comercial de prestação de contas individual com base na inexistência e nulidade das deliberações, absolvendo a ré dos mesmos; julgou procedente a excepção de caducidade invocada pela ré e, em consequência, absolveu a ré Jatavamarela, Lda., dos pedidos contra ela formulados por AA, relativos às invocadas anulabilidades das deliberações da mesma assembleia e respetivo cancelamento do registo de prestação de contas efetuado na Conservatória do Registo Comercial; mais absolveu a ré do pedido de condenação como litigante de má-fé.
Interposto recurso de apelação foi proferido o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 12 de Julho de 2023, que julgou procedente o pedido de declaração de nulidade das deliberações sociais tomadas na assembleia geral da ré, realizada no dia dezanove de julho de dois mil e vinte e um e, em consequência, determinou o cancelamento do registo efetuado na Conservatória do Registo Comercial de prestação de contas individual com base na nulidade das deliberações, tomadas em tal assembleia, confirmando, não obstante, a decisão de não condenação da Ré como litigante de má-fé.
Veio a Ré interpor recurso de revista, apresentando as seguintes conclusões:
1. O Tribunal da Relação de Coimbra julgou procedente o pedido de declaração de nulidade das deliberações sociais tomadas na assembleia geral da recorrente, realizada no dia 19 de Julho de 2021, com base no disposto no art. 56.º, n.º 1, al. a) do Cód. das Sociedades Comerciais (CSC), decisão com a qual não se pode conformar.
2. Resulta do facto provado n.º 10 que a convocatória foi efetivamente enviada por correio registado, pelo que, não se preenche a causa de nulidade prevista no citado art. 56.º, que prevê especificamente “assembleia geral não convocada”.
3. Atribuir outro sentido à expressão constante do art. 56.º do CSC vai contra a lei, pelo que nunca o regime da nulidade, ao abrigo deste preceito legal, deveria ter sido aplicado, podendo equacionar-se outro tipo de vício – o que não foi feito.
4. Ainda assim, considerou o Tribunal da Relação que a convocatória, enquanto declaração recipienda ou recetícia, nos termos do art. 224.º n.º 1 do Código Civil (CC), não foi feita de modo a que o recorrido “pudesse recebê-la”.
5. Ora, dado que o CSC não especifica para onde deve ser remetida a convocatória, tem de recorrer-se às normas gerais do CC.
6. A convocatória em causa foi enviada para local onde era expectável que o recorrido a recebesse. Era, de facto, a única morada profissional constante no contrato social e na certidão permanente da sociedade comercial.
7. E se é verdade que esse dado no contrato social pode/deve ser alterado/atualizado, também é verdade que, só após a assembleia geral em causa é que o recorrido enviou à sociedade ré uma carta em que comunicava a alteração da morada.
8. Tal comunicação foi rececionada pela sociedade ré em 10 de Novembrode 2021, ou seja, cerca de4meses após a assembleia geral em causa e mais de 15 meses depois da mudança de morada do recorrido-
9. E, apesar disso,vem o recorrido propor esta acção com basena falta deconvocatória, o que roça inegavelmente o abuso de direito.
10. Aliás, tanto assim é, que a primeira instância, por esse motivo, considerou a sua possível condenação como litigante de má-fé.
11. É neste sentido que, em casos de dúvidas quanto à morada “efetiva” ou a existência de várias moradas, vai a jurisprudência nacional designadamente o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20-03-2013, proc. n.º 665/12.0TVLSB.L1-8 ou o de 17-11-2015 no proc. n.º 2070/13.2TVLSB-B.L1-7.
12. Mas, acima de tudo, o acórdão recorrido é contrário e, portanto, viola o constante do recente acórdão do Tribunal Constitucional n.º 652/2022, no processo n.º 907/2021.
13. No caso dos autos, a convocatória foi enviada para a morada que constava nos registos, que coincide com aquela onde também era expectável que o recorrido a recebesse.
14. De facto, mesmo que, por mera cautela de patrocínio, a morada da convocatória não devesseser a constante do contrato de sociedade, sempre se dirá que amorada para onde foi enviada era precisamente e também a morada onde o recorrido continuava a receber alguma correspondência profissional,como o mesmo afirmou, e, por isso, era perfeitamente expectável que, desta forma, recebesse a convocatória em causa.
15. Pelo que, a conclusão que se impõe é a de que a convocatória foi enviada e foi enviada de modo que o recorrido pudesse dela conhecer (como conhecia toda a outra correspondência que recebia naquela morada).
16.Ora,deacordocom o art.224.º do CC,adeclaraçãorecetíciatorna-setambémeficaz quando chega ao poder do destinatário em condições de ser por ele conhecida.
17. E a convocatória enviada pela recorrente foi enviada por forma a ser por ele conhecida, tendo ficado na sua esfera de influência ou disponibilidade.
18. E, de acordo com o art. 224.º do CC, isso é prova bastante para que se considere que a convocatória foi realizada válida e eficazmente.
19. Mais se diga que a “prova direta” que o Tribunal da Relação exige é uma prova impossível e significa impor um ónus desproporcionado e ilegal à recorrente.
20. A declaração recetícia não é somente válida quando o destinatário tenha dela efetivo conhecimento - não é isso que preconiza o Código Civil.
21. E aplicar aos factos provados nos autos as normas legais contidas nos artigos 56.º, n.º 1, al. a) e 248.º, n.º 3, ambos do CSC e no art. 248.º do CC, com o específico sentido que lhe deu o Tribunal da Relação, não pode deixar de considerar-se ilegal.
Contra-alegou o A. no sentido da confirmação do decidido.
II – FACTOS PROVADOS.
Foi dado como provado:
1. O autor e BB casaram entre si no dia... de Março de 2007.
2. Na constância do casamento e de comum acordo decidiram constituir a ré.
3. A ré Jatavamarela, Lda., pessoa coletiva n.º ...023, com sede na Avenida ..., encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o mesmo número.
4. Tem por objeto social a promoção e gestão imobiliária, construção civil e obras públicas, administração, compra e venda e revenda de bens imobiliários adquiridos para esse fim, arrendamento de bens próprios e subarrendamento; prestação de serviços de consultoria nas áreas da gestão, contabilidade, fiscalidade e realização de peritagens.
5. Tem o capital social de € 5.000,00 distribuído da seguinte forma:
- Uma quota com o valor nominal de € 2.125,00 pertencente ao autor, AA, no estado de casado com BB, sob o regime da comunhão de adquiridos, constando da matrícula comercial, até à apresentação 3 de 31 de Janeiro de 2022, a indicação da residência na Av. ...;
- Uma quota com o valor nominal de € 2.125,00 pertencente a BB, no estado de casada com AA, sob o regime da comunhão de adquiridos;
- Uma quota com o valor nominal de €750,00 pertencente à sociedade T..., Lda., que, por sua vez, tem como únicos sócios o autor e BB, no estado de casados entre si, cada um com quota no valor nominal de € 2.500,00.
6. Na matrícula comercial da ré, desde a constituição da sociedade até 28 de Dezembro de 2021, constava como única gerente a sócia BB e a partir desta data passou também a constar como gerente CC, por ter sido requerido, pela ap. 54 de 28 de Dezembro de 2021, o registo da designação de gerente por deliberação de 6 de Dezembro de 2021.
7. A ré obriga-se pela assinatura de um gerente.
8. O contrato de sociedade da ré estabelece no seu artigo sexto o seguinte:
“Primeira – As Assembleias - gerais, quando a lei não exija outras formalidades, serão convocadas por meio de cartas registadas, dirigidas aos sócios, com a antecedência mínima de quinze dias.
Segunda – Ficam dependentes de deliberação em Assembleias – gerais e dos votos favoráveis de ambos os sócios fundadores, enquanto estes não se apartarem da sociedade, para além das previstas na lei, as seguintes matérias, ainda que incluídas no objeto social da sociedade:
a) A prestação de quaisquer tipos de garantia ou assunção de responsabilidade por parte da sociedade;
b) A alienação ou oneração de bens imóveis;
c) O arrendamento, subarrendamento, a alienação, a oneração e a locação de estabelecimento;
d) A subscrição, realização ou aquisição de participações noutras sociedades e a sua alineação ou oneração;
e) A subscrição ou contratação de qualquer tipo de financiamento junto de Instituições de Crédito, outras entidades, ou pessoas singulares;
f) A nomeação, cooptação ou destituição de Gerente(s);
g) Todas as alterações do pacto social, incluído, nomeadamente, entrada de novos sócios, aumento ou redução do capital social;
h) A constituição, o reembolso e demais condições relacionadas com a constituição de suprimentos, prestações suplementares e /ou prestações acessórias de capital; e
i) À dissolução, liquidação, transformação ou fusão da sociedade
Terceira: As decisões tomadas em violação ao disposto na cláusula anterior, não produzirão quaisquer efeitos para com a sociedade”.
9. BB, na qualidade de gerente da ré, subscreveu convocatória datada de 29 de junho de 2021, a referir que convoca o agora autor para a Assembleia Geral Anual da ré a realizar no dia ... de julho de 2021, pelas nove horas, na sua sede social, com a seguinte ordem de trabalhos:
1° Deliberar sobre as contas do período findo em 31 de dezembro 2020;
2° Deliberar sobre as propostas de aplicação dos resultados apresentadas pela gerência referente ao período findo em 31 de dezembro de 2020;
3° Proceder à apreciação geral da gerência;
4° Apreciar e discutir quaisquer outros assuntos de interesse para a sociedade.
10. A convocatória mencionada no artigo anterior, foi enviada em 29 de Junho de 2021, por carta registada, remetida pela ré ao autor para a Avenida ...;
11. A carta mencionada no artigo anterior foi recebida por DD em 1 de Julho de 2021;
12. Em data indeterminada, mas ocorrida no próprio dia ou nos dias seguintes à recepção, em data anterior a 19 de Julho de 2021, de acordo com as instruções do autor, EE, que trabalhava para uma sociedade de que aquele era sócio, deslocou-se à Avenida ..., e aí procedeu ao levantamento da carta para ser entregue ao autor.
13. De acordo com as instruções do autor, no período de Setembro de 2020 a Setembro de 2021, EE deslocou-se várias vezes à Avenida ... a fim de levantar correspondência destinada ao autor, após o que a entregava ao mesmo.
14. Nos meses de Junho e Julho de 2021 o autor residia na Rua ... e já não exercia qualquer actividade na Avenida ...;
15. O que era do conhecimento da gerente da ré na data em que foi remetida a convocatória mencionada no artigo 9.º.
16. Após o envio da convocatória mencionada no artigo 9.º estiveram na sede da ré os seguintes documentos relativos às contas da sociedade: balanço e demonstração de resultados.
17. A ré não elaborou relatório de gestão relativo ao exercício de 2020.
18. No dia 19 de Julho de 2021, pelas nove horas, teve lugar uma assembleia geral da ré, na sua sede social na Avenida...;
19. Encontrava-se presente a sócia BB, por si e em representação da sociedade T..., Lda., na qualidade de gerente da mesma;
20. Consta da acta da assembleia com o número 1 (um) que: “a outra quota, com o valor nominal de €2.125,00 (dois mil e cento e vinte e cinco euros) pertencente a AA, não se encontrava representada, apesar de ter sido devidamente convocado por carta registada”;
21. E que a assembleia se constituiu com a seguinte ordem de trabalhos: “PRIMEIRO — Deliberar sobre as contas dos exercícios de dois mil e vinte. SEGUNDO — Deliberar sobre a proposta da gerência, da aplicação de resultados”.
22. Após o que a mencionada BB:
“1) Aprovou o balanço e a demonstração de resultado relativo ao ano de dois mil e vinte.
2) Aprovou a proposta de aplicação de resultados apresentada pela gerência, a qual consiste no seguinte:
a) Do resultado líquido negativo apurado no exercício de dois mil e vinte de 5.611,80 € (cinco mil seiscentos e onze euros e oitenta cêntimos) em resultados transitados”.
(… )
27. Em 2 de Dezembro de 2021 o autor solicitou certidão eletrónica das contas anuais da ré dos anos de 2018 a 2020.
28. A presente acção foi instaurada em 30 de Dezembro de 2021.
Não resultaram provados os seguintes factos:
a) Não se realizou a assembleia geral mencionada nos artigos 18.º a 23.º dos factos provados;
b) Não existe acta da assembleia geral mencionada nos artigos 18.º a 23.º dos factos provados;
c) Em relação às contas da ré do ano de 2020 só existiu o preenchimento da declaração de IES.
d) BB declarou falsamente no preenchimento da IES a realização de uma assembleia geral de aprovação de prestação de contas, bem como a sua titulação na respetiva acta, para dessa forma conseguir proceder ao registo.
e) O autor não recebeu qualquer convocatória para a assembleia geral de 19 de Julho de 2021.
f) Nas circunstâncias mencionadas no artigo 27.º o autor ficou surpreendido com o facto de terem sido aprovadas as contas da ré relativas a 2020.
g) No momento da constituição da sociedade, os sócios pretenderam criar condições que garantissem que ambos teriam participação na vida da sociedade e decidiriam sobre as matérias mais importantes para a vida da sociedade ré.
h) A gerente da ré evitou que o autor estivesse presente na deliberação impugnada, porquanto, iria procurar inteirar-se sobre o montante declarado, pedindo esclarecimentos à gerência, o que iria pôr a descoberto o acordo construído com os seus progenitores.
i) Se o autor tivesse sido convocado, já em 19 de Julho de 2021 tomaria conhecimento do montante refletido na contabilidade relativo à venda efetuada em 24 de Junho de 2021 a que se refere a escritura junta à petição inicial como documento n.º 14.
III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS DE QUE CUMPRE CONHECER.
Nulidade das deliberações socias tomadas na Assembleia Geral da Ré realizada em 19 de Julho de 2021, nos termos do artigo 56º, nº 1, alínea a), do Código das Sociedades Comerciais. Ausência de convocatória do sócio A. para a mencionada Assembleia.
Passemos à sua análise:
O acórdão recorrido não merece o menor reparo.
Nos termos do artigo 56º, nº 1, alínea a), do Código das Sociedades Comerciais, são nulas as deliberações de sócios tomadas em Assembleia Geral não convocada, salvo se todos os sócios estiverem presentes.
Por outro lado, as deliberações tomadas serão igualmente nulas, em conformidade com o disposto no artigo 56º, nº 1, alínea a), do Código das Sociedades Comerciais, se a Assembleia for realizada sem a presença de sócio ou sócios que deveriam ter sido convocados e o não foram.
(Neste sentido, vide Jorge Manuel Coutinho de Abreu (coordenação) in “Código das Sociedades Comerciais em Comentário”, Volume I, Almedina, 2ª edição, página 691 e in “Curso de Direito Comercial”, II Volume, Almedina 2021, 7ª edição, a página 478; António Menezes Cordeiro in “Manual de Direito das Sociedades. Das Sociedades em Geral.”, Volume I, Almedina 2004, a páginas 641 a 643; Pedro Maia in “Invalidade de deliberação social por vício de procedimento”, publicado na Revista da Ordem dos Advogados, ano 2001, a páginas 711 a 725; Paulo Olavo Cunha in “Direito das Sociedades Comerciais”, Almedina 2016, 6ª edição, a página 705, nota 1003; António Pereira de Almeida in “Sociedades Comerciais, Valores Mobiliários, Instrumentos Financeiros e Mercados”, página 227; Vasco da Gama Lobo Xavier in “Temas de Direito Comercial”, “O Regime das Deliberações Sociais no Projecto do Código das Sociedades”, Almedina 1986, a página 12; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 2019 (relatora Catarina Serra), proferido no processo nº 34352/15.3T8LSB.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Janeiro de 2001 (relator Lopes Pinto), com a referência 00A3448, publicado in www.dgsi.pt; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Novembro de 1993 (relator Araújo Ribeiro), com a referência 089833, cujo sumário se encontra publicado in www.dgsi.pt e publicado na íntegra in Colectânea de Jurisprudência/STJ, Ano I, Tomo III, páginas 104 a 105; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Junho de 1987 (relator Gama Prazeres), com a referência 074629, cujo sumário se encontra publicado in www.dgsi.pt; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Setembro de 1997 (relator Cardona Ferreira), com a referência 97A083, cujo sumário se encontra publicado in www.dgsi.pt; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Março de 1998 (relator Mário Afonso), com a referência 075707, cujo sumário se encontra publicado in www.dgsi.pt; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13 de Julho de 2016 (relatora Ondina Alves), proferido no processo nº 154/14.9T8VFX.L1, publicado in www.dgsi.pt; em sentido oposto, qualificando tal vício como de anulabilidade, vide Pinto Furtado, in “Deliberações de Sociedades Comerciais”, Colecção Teses, Almedina 1995-2005, a páginas 581 a 584).
Ora, dos factos assentes como provados resulta que a convocatória da Assembleia em causa foi enviada pela Ré para morada onde esta bem sabia que o sócio/A. não residia, nem se encontrava habitualmente.
Ou seja, a Ré dirigiu a convocatória da Assembleia ao sócio A. com plena consciência de que, nos concretos e particulares termos em que efectuou esse envio, o destinatário não a receberia pessoalmente (sendo aliás tal convocatória recepcionada por uma funcionária da Ré, uma vez que foi endereçada para a sua própria sede social).
Em contrapartida, nenhum dos factos provados atesta que o A. tivesse, por qualquer meio e em algum momento, recebido efectivamente tal missiva.
A simples circunstância de o A. haver encarregue genericamente um funcionário seu de levantar a correspondência que lhe fosse dirigida para a dita morada/sede social da Ré (onde não residia, nem se encontrava habitualmente) não significa necessariamente que a mesma lhe tivesse sido posteriormente entregue ou que a houvesse, nessas informais condições, recebido.
É evidente que o ónus de prova desse recebimento não compete ao sócio A. que, para a hipótese desse facto nunca ter acontecido, não o poderia jamais satisfazer.
(Provar um facto negativo desta natureza, com o rigor e segurança associados a uma demonstração feita em juízo, – de que não se recebeu algo – constitui, como se compreende, uma prova diabólica, inexigível e não razoável, por muito dificilmente realizável).
Assim sendo, a única conclusão a extrair é a de que, havendo a Ré enviado a convocatória da Assembleia para um local onde sabia que o sócio A. não se encontrava habitualmente – conhecendo, aliás e em contrapartida, qual a sua residência para a qual poderia ter enviado a convocatória -, e não tendo sido feita prova de que o mesmo a recebeu (designadamente, através de um seu empregado), não pode ser considerada a existência da convocatória do sócio para a Assembleia, o que integra, pelos motivos apontados, a previsão da alínea a) do nº 1 do artigo 56º do Código das Sociedades Comerciais.
Conforme se salienta no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Novembro de 1993 (relator Araújo Ribeiro), publicado in Colectânea de Jurisprudência/STJ, Ano I, Tomo III, páginas 104 a 105:
“A convocação para a assembleia de uma sociedade por quotas não pode considerar-se feita correctamente, de acordo com o artigo 248º, nº 3, do Código das Sociedades Comerciais, nem de boa fé, se foi dirigida para uma residência de um sócio que se sabia ausente (…)” .
No especial circunstancialismo descrito nos autos era sobre a Ré que impendia a obrigação de enviar a convocatória da Assembleia para a residência onde bem sabia encontrar-se habitualmente o destinatário, sendo certo que também não se demonstrou a existência de qualquer acordo prévio no sentido de as partes terem consensualmente estabelecido que o envio de toda a convocatória respeitante ao giro da sociedade Ré se faria para a sede social desta (onde o mesmo encontraria então forma de recolher atempadamente tal documentação).
Ao proceder ao envio da convocatória de forma manifestamente imprevidente (pressupondo que o seu propósito era mesmo o de convocar o sócio, ex-cônjuge da gerente da Ré, para a Assembleia), e ainda que contasse com uma prática informal consistente na recolha de correspondência por parte por um funcionário do sócio A. sob as instruções dele, a Ré aceitou deliberadamente correr o risco de não conseguir provar o efectivo recebimento da missiva, o qual não se basta com a eventual presunção de que a carta viria muito provavelmente a chegar ao poder/conhecimento do destinatário.
É certo que, nos termos do artigo 224º, nº 2, do Código Civil, é também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida.
Na situação sub judice, não existem elementos objectivos que nos permitam concluir pela culpa do sócio A. no não recebimento da dita convocatória, sendo perfeitamente expectável que esta fosse enviada para a morada que a Ré bem conhecia ser aquela em que, nessa altura, o destinatário residia habitualmente.
Daí resulta que, face à ausência de prova do recebimento mencionado, o sócio destinatário não pode, de qualquer forma e em momento algum, considerar-se convocado para a Assembleia.
Pelo que, com esse fundamento, impunha-se legalmente declarar nulas as deliberações tomadas na Assembleia Geral de 19 de Julho de 2021, em obediência do disposto no artigo 56º, nº 1, alínea a), do Código das Sociedades Comerciais.
Nega-se, portanto, a revista.
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção - Cível) negar a revista, confirmando o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 19 de Dezembro de 2023.
Luís Espírito Santo (Relator).
Rui Gonçalves.
Luís Correia de Mendonça.
V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.