RECURSO
PROCESSO AUTÓNOMO
REFORMA QUANTO A CUSTAS
ERRO DE QUALIFICAÇÃO
TAXA DE JUSTIÇA
DISPENSA DE PAGAMENTO DO REMANESCENTE
Sumário

1. Os recursos são “processos autónomos” para efeitos de condenação em custas.
2. Por conseguinte, a aplicação do art.º 527.º, o mesmo é dizer:
- do princípio da causalidade; e, se necessário, não havendo vencimento,
- do princípio do proveito,
faz-se, atendendo apenas e só ao ocorrido no “processo autónomo” que cada recurso é.
3. A dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça não se insere na figura da reforma da decisão quanto a custas, pois, uma coisa é a condenação do responsável em custas, e outra coisa é a base tributária (o montante) a considerar para efeitos de custas.
4. O erro de qualificação consistente no pedido de reforma da decisão quanto a custas tendo em vista a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça dever ser oficiosamente corrigido e convolado, nos termos do art.º 193.º, n.º 3, para simples requerimento tendente àquele fim, ao abrigo do art.º 6.º, n.º 7, do RCP.
5. O conceito de custas comporta um sentido amplo e um sentido restrito:
- no sentido amplo, as custas abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (art.ºs 529.º, n.º 1, do CPC e 3.º, n.º 1, do RCP);
- no sentido restrito, as custas abarcam apenas a taxa de justiça, conexa com o impulso do processo quer em primeira instância quer em recurso (art.ºs 529.º, n.º 2 e 642.º CPC, e 1.º, n.º 1, e 6.º, n.ºs 2, 5 e 6 RCP).
6. O pagamento da taxa de justiça não se correlaciona com o decaimento da parte, mas sim com o impulso do processo (art.ºs 529.º, n.º 2, e 530.º, n.º 1), ou seja, em caso de recurso, é paga pelo recorrente e pelo recorrido, à margem do decaimento no recurso.
7. No caso do recurso de apelação, a condenação em custas a que se reportam os art.ºs 527.º, 607.º, n.º 6, e 663.º, n.º 2, só abarca:
- os encargos, quando devidos (art.ºs 532.º, do CPC, e 16.º, 20.º e 24.º, n.º 2 RCP); e,
- as custas de parte (art.ºs 529.º, n.º 4, e 533.º, n.ºs 1 e 2, do CPC e no art.º 26.º, n.º 3, do RCP).
8. É ao juiz da primeira instância, nas ações, e ao coletivo de juízes do Tribunal da Relação, nos recursos de apelação, que compete apreciar a questão da dispensa ou não de pagamento do remanescente da taxa de justiça, sem prejuízo do disposto nos artigos 656.º.
9. De modo a concluir-se se há, ou não, lugar à dispensa do remanescente da taxa de justiça e, em caso afirmativo, se essa dispensa deve abranger todo o remanescente ou apenas uma fração ou parcela dele, importa ter em conta, sobretudo, três aspetos fundamentais, a saber:
a) a utilidade ou valor económico dos interesses envolvidos;
b) o comportamento processual das partes;
c) a complexidade da tramitação processual.

Texto Integral

Acordam em Conferência na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO:
BD e NG, intentaram contra OB e Editora, Lda., a ação declarativa de condenação, de que os presentes autos constituem apenso, emergente de responsabilidade civil extracontratual, por ofensa à honra, bom nome, imagem e crédito público dos autores, em consequência da publicitação, publicação e venda, em Portugal, pela 2.ª ré, do livro da autoria do 1.º réu, “____”, formulando, na conclusão de extensa e prolixa petição inicial, os seguintes pedidos:
«Deve a presente Ação ser julgada procedente, por provada, e, em consequência:
– Serem os Réus solidariamente condenados no pagamento de uma indemnização no valor de €500.000,00 (quinhentos mil euros) ao 1.º Autor, e de €250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros) à 2.ª Autora, ambas acrescidas de juros de mora, calculados à taxa legal em vigor, até efetivo e integral pagamento, tudo nos termos e com os fundamentos supra expostos;
Ou caso assim não se entenda:
– Ser o 1.º Réu ser condenado no pagamento ao 1.º Autor de €350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros), e à 2.ª Autora de €175.000,00 (cento e setenta e cinco mil euros), e a 2.ª Ré ser condenada no pagamento de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) ao 1.º Autor, e de €75.000,00 (setenta e cinco mil euros) à 2.ª Autora;
Na procedência de qualquer um,
– Ser o 1.º Réu condenado a:
(i) Apresentar, através de plataformas que considere necessárias, mensagem em que, de modo claro, destacado e percetível e sem quaisquer reservas ou ambiguidades, se retrate dos juízos de valor tecidos e imagem que pretendeu imprimir dos Autores na obra intitulada por “____”, publicada e comercializada em Portugal pela V, chancela da EDITORA;
(ii) Retirar de circulação e venda/comercialização os exemplares da obra “____”, publicada e comercializada em Portugal pela V, chancela da EDITORA que contenham referências aos Autores e/ou a supostos factos a ele alusivos, e ficar proibido de vender e/ou de comercializar exemplares da obra ou extratos da mesma que contenham referência aos Autores e/ou a supostos factos da obra ou a eles alusivos;
(iii) Recolher todos os exemplares da referida obra juntos de todas as livrarias físicas ou locais de venda dos mesmos, bem como a cessação de sua venda/comercialização on line e publicitação enquanto não forem suprimidas todas as partes da Obra referentes aos Autores, referências, factos ou outros aspetos referentes aos Autores no mesmo;
– Ser a 2.ª Ré condenada a:
(i) Retirar a publicitação à Obra do site “www.____.pt”, e não mais publicitar a mesma enquanto todas as partes, referências ou aspetos da obra relativos aos Autores não forem suprimidos;
(ii) Cessar a impressão, a venda da referida obra no site www.2020.pt ou em quaisquer outros, bem como cessar de a vender, ceder ou por qualquer forma a transmitir ou transmitir direitos de impressão venda e/ou comercialização da mesma a qualquer distribuidor, agente ou terceiro até supressão de todas as partes, referências ou aspetos da obra relativos aos Autores;
(iii) Retirar de circulação e venda/comercialização os exemplares da obra “____”, publicada e comercializada em Portugal pela V, chancela da EDITORA que contenham referências aos Autores e/ou a supostas factos a ele alusivos, e ficar proibido de vender e/ou de comercializar exemplares da obra ou extratos da mesma que contenham referência aos Autores e/ou a supostos factos da obra ou a eles alusivos;
(iv) Recolher todos os exemplares da referida obra juntos de todas as livrarias físicas ou locais de venda dos mesmos, bem como a cessação de sua venda/comercialização on line e publicitação enquanto não forem suprimidas todas as partes da Obra referentes aos Autores, referências, factos ou outros aspetos referentes aos Autores no mesmo;
(v) Publicação de uma declaração, em que, de modo claro, destacado e percetível aos leitores e sem ambiguidades ou reservas, se retratem da publicação e venda da referida obra, indicando que no capítulo 14 da mesma se utiliza informação inverídica e ofensiva da honra, consideração e bom nome dos Autores.
Mais devem os Réus, na procedência e qualquer um dos casos, serem condenados no pagamento de custas e de procuradoria condigna.»
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Na petição inicial os autores declararam como valor da causa, €750.000,00.
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Na audiência prévia realizada no dia 26 de setembro de 2022 e a que se reporta a ata com a Ref.ª 139696713, a senhora juíza fixou à causa aquele mesmo valor, o que não mereceu reação das partes.
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No dia 21 de março de 2023 (Ref.ª Citius 45084952) os autores apresentaram extenso requerimento, que concluem assim:
«Deve ser ordenada a notificação da Ré para vir aos autos juntar prova documental relativa i) ao número de edições e reedições da obra; ii) ao número de publicações da obra; iii) ao número de vendas nacionais e internacionais, em formato físico (papel) e em formato digital (ebook e/ou outro), seja a particulares, seja a outras lojas, livrarias, bibliotecas, supermercados e grandes superfícies, e iv) respetivos lucros com as alíneas anteriores, tudo a contar da data da 1.ª publicação da obra 1. até à data da junção da documentação por parte da Ré, nos termos e fundamentos supra expostos.»
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Esse requerimento foi indeferido por despacho datado de 26 de abril de 2023 (Ref.ª 144001234), de cuja parte dispositiva consta o seguinte:
«Pelo exposto, e com fundamento na irrelevância dos documentos solicitados para prova dos fundamentos da ação, indefere-se ao requerido.»
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Os autores recorreram desse despacho, o qual foi admitido com subida em separado.
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Formado o respetivo apenso recursivo, foi o mesmo remetido a este Tribunal da Relação de Lisboa, onde no dia 10 de outubro de 2023 foi proferido acórdão (Ref.ª 2054579), de cuja parte dispositiva consta o seguinte:
«Por todo o exposto, acordam os juízes que integram a 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar a apelação improcedente, confirmando, em consequência, a decisão recorrida.»
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Notificados desse acórdão, vieram agora os autores, no dia 23 de outubro de 2023, apresentar requerimento (Ref.ª 46885519), também ele extenso e prolixo, de cujo cabeçalho consta o seguinte:
«(...) notificados por intermédio de Ofício de Ref.ª 20585158, datado de 11.10.2023, do teor do Acórdão proferido em 10.10.2023, e com o mesmo, muito respeitosamente discordando no que à fixação das custas concerne, vêm, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 616.º, aplicável, ex vi, do artigo 666.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (“CPC”), e no artigo 6.º, n.º 7, do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro (Regulamento das Custas Processuais ou “RCP”) expor, e a final, requerer o seguinte:»
Alegam, em síntese, que no dia 29.05.2023 interpuseram o recurso de apelação autónoma a que se reportam os presentes autos, tendo, para o efeito, liquidado a taxa de justiça devida nos termos da Tabela I-B para procedimentos de recurso, tal como estipula o n.º 2, do artigo 6.º, do RCP, no valor de €816,00.
Decorre do art.º 6.º, n.º 7, do RCP, que «quando nas Ações de valor superior a €275.000,00 (duzentos e setenta e cinco mil euros), o valor da taxa de justiça deixe de corresponder a uma contrapartida monetária pelo serviço público prestado pelo Estado na Administração da Justiça impõe-se a dispensa e/ou redução do pagamento do remanescente da taxa de justiça ser dispensado ou reduzido.
Sendo que, tal como resulta da letra do enunciado normativo supra citado, a dispensa – ou redução – do pagamento do remanescente da taxa de justiça pode ser oficiosamente determinada pelo Juiz ou pode ser requerida pelas Partes, sob pena de preterição do Princípio da Proporcionalidade, que enforma a relação sinalagmática que a taxa de justiça pressupõe entre o custo do serviço e a sua utilidade para o utente.
No caso concreto, «a quaestio juris da presente instância recursiva não se reconduz a uma matéria de especial complexidade e/ou dificuldade decisória, i.e., não assumiu necessidade de elevada especialização jurídica e/ou a análise combinada de questões jurídicas de âmbito diverso, circunscrevendo-se, antes à decisão de (in)admissibilidade e/ou ex)temporaneidade da junção de prova documental requerida pelos Recorrentes iniciada, mas não terminada, a Audiência de Julgamento, com agendamento da sua continuação para daí a mais de 20 (vinte).
Ademais, o Recurso interposto pelos Recorrentes era pertinente, encontrava-se devidamente fundamentado e suportado por jurisprudência que acolhia a sua posição, e tinha em vista a descoberta da verdade material (cf. artigo 417.º, n.º 1, do CPC) e a garantia do cumprimento do ónus da prova, que, no caso em apreço, incumbia aos Recorrentes (cf. artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).
Assim, e porque o presente Recurso enfermou de simplicidade decisória, e a presente instância recursiva nem teve de conhecer das Contra-Alegações dos Recorridos, deve concluir-se não se justificar a imposição do pagamento de encargos acrescidos por parte dos Recorrentes e que sempre seriam suscetíveis de ser considerados como dissuasores do acesso à justiça, designadamente qualquer valor para além do valor já liquidado (€816,00).
Por conseguinte, devem os Recorrentes ser dispensados do pagamento do remanescente da taxa de justiça, atenta a simplicidade decisória dos mesmos, bem como a conduta positiva de cooperação das Partes durante todo o processo, e os valores já avançados pelos Recorrentes.
Ou, caso assim não se entenda – o que não se concede e apenas por mero dever de patrocínio se acautela – deve ser determinada a redução substancial da taxa de justiça devida, tendo em atenção o valor já liquidado pelos Recorrentes e o custo/utilidade do serviço jurídico prestado aos mesmos.
Nestes termos, desde já se requer, que seja reformado o Acórdão quanto a custas e que este Venerando Tribunal se digne a dispensar a totalidade do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pelas Partes na presente instância recursiva, ou a reduzir substancialmente o seu valor, nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 7, do RCP, com os fundamentos supra expostos.»
Concluem assim:
«Deve o presente Requerimento ser admitido e julgado procedente, por provado, e em consequência, ser deferido o pedido de dispensa da totalidade do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pelas Partes, nos termos e com os fundamentos supra expostos;
Ou, caso assim não se entenda, deve ser deferido o pedido de redução substancial do valor devido a título de remanescente de taxa de justiça devida, nos termos e com os fundamentos supra expostos.
Assim se fazendo a Acostumada Justiça!»
*
Não houve resposta a tal requerimento.
***
II – QUESTÃO A DECIDIR:
Importa decidir se, na situação sub judice, há lugar à dispensa ou, pelo menos, à redução do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida no âmbito da presente instância recursiva.
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III – FUNDAMENTOS:
3.1 – Fundamentação de facto:
A factualidade relevante para a decisão da questão acima enunciada é a que decorre do relatório que antecede.
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3.2 – Fundamentação de direito:
Parece evidente o equívoco dos apelantes na invocação do art.º 616.º, ex vi do art.º 666. n.º 1.
É que não está aqui em causa a reforma do acórdão quanto a custas.
Dispõe o art.º 1.º, n.º 2, do RCP, que «para efeitos do presente Regulamento, considera-se como processo autónomo cada acção, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem a uma tributação própria.»
Assim, para efeitos de custas, cada recurso passou a ser considerado um processo autónomo.
Por isso, o acórdão, encarou e decidiu, em definitivo, a responsabilidade pelo pagamento das custas, aplicando ao caso, como não poderia deixar de ser, o que conjugadamente estatuem as disposições contidas nos art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2, dos quais decorre que o coletivo de juízes da Relação deve condenar quem for o responsável no pagamento das custas processuais no âmbito do recurso, estabelecendo a respetiva proporção.
O art.º 527.º contém, quanto ao pagamento das custas, dois princípios, que são de aplicação sucessiva:
- o princípio da causalidade, segundo o qual é condenada nas custas a parte que deu causa ao processo, entendendo-se que dá causa a parte vencida; e,
- o princípio do proveito, segundo o qual, não havendo vencimento, é condenada nas custas a parte que tirou proveito do processo.
O presente recurso é, assim, um “processo autónomo” para efeitos de condenação em custas.
Por conseguinte, a aplicação do art.º 527.º, o mesmo é dizer:
- do princípio da causalidade; e, se necessário, não havendo vencimento,
- do princípio do proveito,
faz-se, atendendo apenas e só ao ocorrido no “processo autónomo” que cada recurso é.
O que ocorreu no caso concreto foi que os apelantes ficaram vencidos no “processo autónomo” que o presente recurso é.
Ou seja, o recurso foi decidido em sentido contrário ao que os apelantes pretendiam, donde, por decorrência do princípio da causalidade consagrado no art.º 527.º, a decisão contida no acórdão, de que «as custas da apelação são a cargo dos recorrentes».
Em conclusão, não há, portanto, no acórdão, qualquer erro jurídico ou, sequer, qualquer lapso, na condenação dos apelantes em custas, que importe reformar.
O acórdão observou, na devida forma, o estatuído nos art.ºs 527.º e segs. do Código de Processo Civil.
O que os recorrentes, enquanto partes vencidas na apelação, pretendem com o requerimento agora apresentado, é, afinal de contas, tal como da sua narrativa inequivocamente resulta, não a reforma do acórdão quanto a custas, mas, antes, ao abrigo do disposto no art.º 6.º, n.º 7, do RCP, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça no “processo autónomo” que o presente recurso é.
É isso, exatamente, o que resulta do requerimento ora sujeito à nossa apreciação.
A dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente não se insere nesse contexto, e por isso não se concebe para tal efeito a figura da reforma da decisão quanto a custas.
Uma coisa é a condenação do responsável em custas, outra coisa é a base tributária (o montante) a considerar para efeitos de custas.
Dispõe, no entanto, o n.º 3 do art.º 193.º que «o erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados.»
À luz deste mecanismo contido no citado preceito, inexiste impedimento no sentido do erro de qualificação consistente no pedido de reforma de acórdão quanto a custas ser oficiosamente corrigido e convolado para simples requerimento tendente à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no art.º 6.º, n.º 7, do RCP.
Os apelantes estão, pois, no direito de pedirem a dispensa ou redução do remanescente do pagamento da taxa de justiça, nos termos do normativo acabado de citar.
Coloca-se, no entanto, a questão de saber a quem compete proferir tal decisão: a este Tribunal da Relação de Lisboa ou à 1.ª Instância?
Nos Acs. do S.T.J. de 02.03.2021, Proc. n.º 1939/15.4T8CSC.L1.S1 e de 05.03.2022, Proc. n.º 7167/13.6YYLSB.L1.S1, ambos relatados por José Rainho e acessíveis na Internet em www.dgsi.pt., escreveu-se o seguinte:
«Essa pretensão não pode ser apreciada por este tribunal.
A este tribunal competia conhecer do objeto do recurso e condenar a parte vencida nas custas do recurso.
E foi isso que fez.
Em sítio algum determina a lei que compete [ao Tribunal Superior], ainda que tenha decidido em último grau, emitir pronunciamento sobre a dispensa do pagamento do remanescente das taxas de justiça.
No limite, apenas se conceberia um tal pronunciamento relativamente à taxa de justiça devida pelo recurso sobre que ele próprio decidiu.
(...) na senda daquilo que se julga ser a orientação jurisprudencial prevalecente[1], a aplicação da 2.ª parte do nº 7 do art.º 6º do RCP só pode ser sopesada (sem prejuízo, naturalmente, do direito ao recurso, nos termos gerais) pelo tribunal que tenha funcionado como 1ª instância.
E isso só pode ter lugar a final, isto é, quando (em caso de recurso) o processo lhe regressar definitivamente.
Só nesse momento estará o tribunal na posse de elementos que lhe permitem formular um juízo, designadamente em face da complexidade da causa e da conduta processual das partes, acerca da dispensa (ou da dispensa parcial[2] do pagamento do remanescente.
A lei reporta-se, nomeadamente, à “complexidade da causa”, o que inculca a ideia de que visa a emissão de um juízo sobre todo o processado (ou seja, um juízo global), e não segmentado em função das diversas fases por que passe o processo (ainda que passíveis de tributação autónoma, como é o caso dos recursos).
E isto só está inteiramente ao alcance do tribunal da causa (que é o tribunal onde a ação foi proposta e para onde, em caso de recurso, o processo regressa definitivamente), não ao alcance do tribunal de recurso. Note-se, inclusivamente, que o tribunal de recurso pode estar perante um recurso que subiu em separado, o qual não lhe proporciona uma visão minimamente elucidativa do dispêndio judiciário subjacente à causa nem de toda a conduta processual das partes.
Conclusão: ao tribunal de recurso compete apenas condenar a parte vencida nas custas do recurso. Ao tribunal da causa é que compete decidir, ou oficiosamente ou a requerimento das partes, sobre a dispensa do pagamento do remanescente das taxas de justiça.
Competirá, por isso, à 1.ª instância apreciar o requerimento aqui em questão, carecendo [o Tribunal Superior] de competência para o efeito.
Deste modo, é de concluir no caso vertente que nada há a reformar, mas o requerimento aqui em causa é aproveitável como simples pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, e como tal deve seguir junto da 1ª instância, sendo certo que o pedido é tempestivo (por ter sido apresentado antes do trânsito em julgado do acórdão: cfr. AUJ n.º 1/2022[3], publicado no DR-Série I de 3 de janeiro de 2022).»
Este coletivo não perfilha, salvo o devido respeito, tal entendimento, acolhendo antes a posição recentemente assumida por Salvador da Costa, que passamos a citar:
«Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 529.º do CPC, o conceito de custas em sentido amplo abrange a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte.
A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente, que é fixado em função do valor e da complexidade da causa, conforme o RCP - artigo 529.º, n.º 2, do CPC.
Os encargos do processo são as despesas das partes resultantes das diligências para a sua condução, e as custas de parte são o valor por elas despendido no processo e que tenham direito a compensação, pela parte contrária, em virtude da sua condenação - artigo 529.º, n.ºs 3 e 4, do CPC.
Perante este quadro jurídico, é justificada a destrinça, no conceito de custas em sentido amplo, entre a taxa de justiça, por um lado, e as custas em sentido estrito, por outro, estas envolvendo os encargos e as custas de parte.
Resulta do disposto no artigo 527.º, n.º 1, do CPC que as partes estão sujeitas a condenação no pagamento de custas em sentido estrito, não só nas ações em geral, como também nos recursos interpostos no seu âmbito, bem como nos respetivos incidentes.
Isso permite-nos concluir que as ações, os recursos e os incidentes assumem autonomia para efeito de sujeição das partes a condenação no pagamento de custas. O mesmo resulta do disposto artigo 1° do RCP, segundo o qual, todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados naquele diploma, e que, para os seus efeitos, se considera processo autónomo, cada ação, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que possam dar origem a tributação própria.
A autonomia do valor processual dos recursos, em relação às ações, para efeito de custas em sentido estrito, também está prevista no artigo 12.º, n.º 2, do RCP.
Nos termos do artigo 530.º, n.º 1, do CPC, a taxa de justiça só é paga pela parte que demande na qualidade de autor, ou réu, exequente ou executado, requerente ou requerido, recorrente e recorrido, conforme o previsto no RCP.
As regras gerais sobre a taxa de justiça relativa às ações e aos recursos estão previstas no artigo 6.º RCP. Dele decorre ser devida pelo impulso processual do interessado e fixada em função do valor e complexidade da causa, e que se aplicam, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A, relativos às ações, e que nos recursos é sempre fixada nos termos da tabela I-B.
A tabela I insere ainda a vertente C, que se reporta à taxa de justiça agravada pelo tribunal e à devida pelas sociedades comerciais consideradas litigantes de massa, conforme os artigos 6.º, n.º 5, e 13.º, n.º 3, do RCP.
Cada uma das aludidas vertentes daquela tabela contém 13 escalões de valor processual da causa, o último de €250.000,01 a €275.000, a que corresponde, em relação àquelas vertentes, I- A, I-B e I-C, a taxa de justiça no montante de 16 UC, 8 UC e 24 UC, respetivamente.
Assim, nas ações, nos recursos e nas espécies processuais da autoria de sociedades comerciais litigantes de massa, cujo valor processual não exceda o montante de €275.000, as partes apenas devem pagar a taxa de justiça no montante correspondente a 16 UC, 8 UC e 24 UC, respetivamente.
Além desse valor de taxa de justiça, só é devido pelas partes, a final, por cada €25.000 ou fração de valor processual, a taxa de justiça correspondente a 3 UC no caso da coluna I-A, a taxa de justiça correspondente a 1,5 UC no caso da coluna I-B, e a taxa de justiça correspondente a 4,5 UC no caso da coluna I-C.
Em suma, ao acréscimo do valor processual da ação, do recurso, e da espécie processual objeto do conceito de litigância de massa, quanto a cada €25.000 ou fração, as partes estão sujeitas à obrigação de pagamento futuro do correspondente a 3 UC, 1,5 UC e 4,5 UC.
É esse acréscimo de taxa de justiça, para além do quantitativo inicialmente pago pelas partes, nas ações ou nos recursos, que a lei designa por remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do RCP.
Decorre deste normativo que, nas causas de valor superior a €275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerando na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar, e o juiz, de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o seu pagamento total ou parcialmente.
Quanto ao órgão jurisdicional a quem incumbe a apreciação dos pressupostos da dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, o n.º 7 do artigo 6.º apenas se refere expressamente ao juiz. Mas esta expressão, extensivamente interpretada, abrange o coletivo dos juízes dos tribunais superiores, a quem compete a referida apreciação no âmbito dos recursos.
É uma competência paralela à dos referidos tribunais, concernente à decisão sobre o objeto da causa, e à definição da responsabilidade das partes pelo pagamento das custas em sentido estrito, prevista nos artigos 607.º, n.º 6, 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC.
Em suma, é ao juiz da primeira instância, nas ações, e ao coletivo de juízes dos tribunais da Relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, nos recursos de apelação e de revista, respetivamente, que compete apreciar a questão da dispensa ou não de pagamento do remanescente da taxa de justiça, sem prejuízo do disposto nos artigos 656.º e 679.º do CPC.
(...)
Decorre [do art.º 14.º, n.º 9, do RCP] que, para as situações em que deva ser pago o remanescente da taxa de justiça, nos termos do n° 7 do artigo 6.º do RCP, se o responsável pelo impulso processual não for condenado a final, fica dispensado do referido pagamento, e que o mesmo é imputado à parte vencida e incluído na conta final de custas.
Assim, não tendo as partes beneficiado da dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, deve ser registado a débito, na respetiva conta de custas, conforme o disposto no artigo 30.º, n.º 3, alínea a), ambos do RCP.
Mas se a parte responsável pelo impulso processual não for condenada, ou seja, se for declarada integralmente vencedora na causa, fica automaticamente dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça que a onerava, incumbindo à secretaria registá-lo na conta de custas da parte vencida, nos termos do disposto na referida alínea a) do n.º 3 do artigo 30.º do RCP.
O segmento normativo "o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta final", constante da parte final do n.º 9 do artigo 14.º do RCP, significa que a parte integralmente vencida é responsável pelo pagamento do remanescente da taxa de justiça, que era da responsabilidade da parte vencedora.
Conforma-se com o princípio da justiça gratuita para o vencedor, na medida em que evita à parte integralmente vencedora, conforme o resultado da decisão final de mérito, o risco de impossibilidade de cobrança do valor pago a título de remanescente de taxa de justiça e com base no regime das custas de parte.
(...)
A condenação no pagamento de custas em sentido estrito, nos termos dos artigos 607.º, n.º 6, 663.º, n.º 2, e 679.º, todos do CPC, não é provisória, nem depende de resultado futuro, salvo a consequência de interposição de recurso do atinente segmento decisório.
As decisões judiciais, incluindo as relativas a custas, verificando-se os respetivos pressupostos, podem ser alteradas por via de recurso. Mas não é por isso que devem considerar-se provisórias.
O artigo 14.º, n.º 9, do RCP não se refere às custas em sentido estrito, mas apenas ao remanescente da taxa de justiça, diferindo a favor das partes a exigibilidade do remanescente da taxa de justiça para o momento do trânsito em julgado da decisão final sobre o mérito da causa.
Não faz sentido dizer-se que a condenação em custas de cada uma das partes em cada uma das instâncias assume sempre natureza transitória, pela simples razão de que a responsabilidade pelo pagamento do remanescente da taxa de justiça não depende de condenação.
(...)
O que pode afirmar-se quanto ao disposto no mencionado normativo é que a responsabilidade da parte pelo pagamento do remanescente da taxa de justiça é sob condição de a final não ser declarada integralmente vencedora na causa.»[4].
Sendo este também o nosso entendimento, concluímos que é da competência deste coletivo a apreciação do requerimento de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça no “processo autónomo” que este recurso é.
Dispõe o n.º 1 do art.º 527.º que «a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito», acrescentando o n.º 2 que «entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.»
Alberto dos Reis afirmava o seguinte: «Paga as custas o vencido porquê? Porque se comportou por maneira a dar causa à ação e consequentemente às despesas judiciais que ela ocasiona, ou então porque ofereceu resistência infundada à pretensão do autor, ou noutros termos, porque a lide lhe é imputável», acrescentando que «o acórdão da Relação ou do Supremo que julga um recurso há-de condenar em custas a parte vencida, isto é, o recorrido se o recurso obteve vencimento, o recorrente se a decisão recorrida for confirmada. Pouco importa que o recorrido não tenha acompanhado o recurso, isto é, não tenha sustentado a legalidade da decisão impugnada pelo recorrente; desde que tem a posição de parte vencida, há-de suportar as custas do recurso.»[5].
Conforme já referido:
- os recursos têm autonomia processual para efeitos de custas, correspondendo-lhes um regime próprio de custas (arts. 527.º, n.º 1, do CPC, e 1.º, n.º 2, do RCP);
- o conceito de custas comporta um sentido amplo e um sentido restrito.
No sentido amplo, as custas abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (art.ºs 529.º, n.º 1, do CPC e 3.º, n.º 1 RCP).
No sentido restrito, as custas abarcam apenas a taxa de justiça, conexa com o impulso do processo quer em primeira instância quer em recurso (art.ºs 529.º, n.º 2 e 642.º CPC, e 1.º, n.º 1, e 6.º, n.ºs 2, 5 e 6 RCP).
O pagamento da taxa de justiça não se correlaciona com o decaimento da parte, mas sim com o impulso do processo (art.ºs 529.º, n.º 2, e 530.º, n.º 1 CPC).
A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixada em função do valor e da complexidade da causa, nos termos do RCP (art.º 529.º, n.º 2).
A taxa de justiça é paga, além do mais que aqui não releva, pelo recorrente e pelo recorrido, ou seja, à margem do decaimento na ação ou no recurso (art.º 530.º, n.º 1).
Decorre das referidas normas que o nosso sistema de custas contém um sentido amplo envolvente de taxa de justiça, encargos e custas de parte, e um sentido estrito só abrangente de encargos e de custas de parte.
A matriz da responsabilidade das partes pelo pagamento das custas em sentido estrito relativas às ações e aos recursos assenta no art.º 527.º, que se baseia, como já ficou visto, nos critérios da causalidade e do proveito.
Por conseguinte, a condenação em custas a que se reportam os art.ºs 527.º, 607.º, n.º 6, e 663.º, n.º 2 CPC, só abarca:
- os encargos, quando devidos (art.ºs 532.º CPC, e 16.º, 20.º e 24.º, n.º 2 RCP); e,
- as custas de parte (art.ºs 529.º, n.º 4, e 533.º, n.ºs 1 e 2, e no art.º 26.º, n.º 3, do RCP).
O valor da ação é, como já referido, de €750.000,00.
É este o valor do presente recurso, conforme decorre do art.º 12.º, n.º 2, do RCP.
Dispõe o art.º 7.º, n.º 2, do RCP, que «nos recursos, a taxa de justiça é fixada nos termos da tabela I-B e é paga pelo recorrente com as alegações e pelo recorrido que contra-alegue, com a apresentação das contra-alegações.»
Tendo em conta o valor do recurso, os apelantes pagaram, a título de taxa de justiça, com a apresentação das alegações, a importância de €816,00, correspondente a 8 UC’s, nos termos da última linha da Tabela I-B.
Dispõe o art.º 6º, nº 7, do RCP, «nas causas de valor superior a €275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerada na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.».
Trata-se de um preceito que foi aditado ao RCP pela Lei nº 7/2012, de 13.02., e dele resulta que não havendo qualquer limite máximo para a taxa de justiça a cobrar, nas causas de valor tributário superior a €275.000,00 aquela taxa é divisível em dois segmentos:
- até àquele montante, deve ser paga antecipadamente;
- o remanescente deve ser pago a final,
sendo que, no entanto, o juiz pode dispensar este último pagamento, caso se verifiquem determinadas circunstâncias.
Importa, por isso, verificar se, no caso do presente recurso, estão preenchidos os pressupostos para que, ao abrigo daquela norma, os apelantes possam ser dispensados do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ou modelada uma percentagem dessa dispensa.
Acerca do atual art.º 6º, nº 7, do RCP, discorreu o Ac. do STJ de 19.09.2013, proferido no Proc. nº 738/08.4TVLSB.L1.S1 (Abrantes Geraldes), in www.dgsi.pt, nos seguintes termos:
«Na versão inicial do RCP, aprovado pelo Dec. Lei nº 34/08, de 26-2, não se previa a possibilidade de ser dispensado o pagamento de qualquer parcela da taxa de justiça.
Tal opção foi modificada pelo Dec. Lei nº 52/11, de 13-4, em cujo Preâmbulo se aludia a “um aumento progressivo da taxa de justiça a partir do último escalão da tabela” que então foi fixado no valor de €275.000,00, a partir do qual o valor da taxa de justiça acrescia por cada fracção de €25.000,00 em 3, 1,5 e 4,5 UC’s, consoante a taxa integrada nas colunas A, B e C, respectivamente.
Tal regime, em determinados casos concretos, não conseguiu ultrapassar o filtro da constitucionalidade, como se resume no […] Ac. do Tribunal Constitucional, de 15-7-13 (Ac. nº 421/2013), onde se julgaram inconstitucionais as normas dos art.ºs 6º e 11º, aquele na versão emergente do Dec. Lei nº 52/11, de 13-4, conjugadas com a Tabela I-A “quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da acção, sem qualquer limite máximo, não permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título”.
É neste quadro que se integra a modificação entretanto operada pela Lei nº 7/12, com introdução do nº 7 do art.º 6º. Continuando a não existir qualquer limite máximo para a taxa de justiça a cobrar, prevê-se, no entanto, que para as acções ou recursos cujo valor tributário exceda €275.000,00 a taxa de justiça seja dividida em dois segmentos: até esse valor, a taxa de justiça é paga antecipadamente; o remanescente é pago a final, admitindo-se, contudo, que o juiz o dispense nas circunstâncias […] enunciadas [naquele preceito].
Foi assim recuperado o regime que já constara do art.º 27º do anterior CCJ, onde se previa que “nas causas de valor superior a €250.000,00 não é considerado o excesso para efeito do cálculo do montante da taxa de justiça inicial e subsequente” (nº 1), “sendo o remanescente considerado na conta a final” (nº 2), mas “se a especificidade da situação o justificar, pode o juiz, de forma fundamentada e atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento do remanescente” (nº 3)».
No Ac. de 12.12.2013, do mesmo Alto Tribunal, proferido no Proc. nº 1319/12.3 TVLSB-B.L1.S1 (Lopes do Rego), in www.dgsi.pt, encontra-se exarado o seguinte:
«A aplicação do critério de correcção plasmado no referido nº 7 do art.º 6º do RCP coloca, porém, uma dúvida liminar: deverá o juiz, quando entenda materialmente justificado o exercício do poder de conformação casuística do valor das custas, limitar-se, em termos de estrita alternatividade, a dispensar na totalidade o pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte excedente ao valor tributário de €275.000? ou, pelo contrário, poderá modular em concreto, consoante as especificidades do caso, a percentagem de tal dispensa, reportando-a a uma fracção ou parcela do valor global remanescente que seria devido se não fosse actuada a dita faculdade?”
Afigura-se que os objectivos de plena realização prática dos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da adequação, que estão subjacentes à norma flexibilizadora consagrada no citado nº 7 do art.º 6º do RCP, só são plenamente alcançados se ao juiz for possível moldar ou modular o valor pecuniário correspondente ao remanescente da taxa de justiça devida nas causas de valor especialmente elevado, ponderando integralmente as especificidades do caso concreto e evitando uma lógica binária de tudo ou nada, segundo a qual ou apenas seria devido o montante da taxa de justiça já paga ou teria de ser liquidada a totalidade das custas correspondentes ao valor da causa – devendo antes poder dispensar o pagamento, conforme seja mais adequado, da totalidade ou apenas de uma parcela ou fracção daquele valor remanescente.
Na verdade, a entender-se que ao juiz apenas estaria facultada a opção, ou por uma dispensa total, ou pelo integral pagamento do remanescente, criar-se-ia uma intolerável desproporção de resultados, consoante a decisão tomada (…)».
Por outro lado, esta solução levaria a tratamentos claramente violadores do princípio da igualdade entre os litigantes, ao impossibilitar uma plena consideração e balanceamento das especificidades próprias de cada caso ou situação processual, obrigando, de forma rígida e injustificada, a parificá-las artificiosamente, apesar das substanciais diferenças que entre elas pudessem verificar-se (…)».
Regressando ao caso sub judice, de modo a concluir se há, ou não, lugar à dispensa do remanescente da taxa de justiça e, em caso afirmativo, se essa dispensa deve abranger todo o remanescente ou apenas uma fração ou parcela dele, importa ter em conta, sobretudo, três aspetos fundamentais, a saber:
a) a utilidade ou valor económico dos interesses envolvidos;
b) o comportamento processual das partes;
c) a complexidade da tramitação processual.
Analisemos, então, cada um desses aspetos.
1 – Quanto à utilidade ou valor económico dos interesses envolvidos:
Discutiu-se neste recurso, tão somente a admissibilidade de documentos aos autos.
2 – Quanto ao comportamento processual das partes:
Não obstante a peça recursiva se afigurar desnecessariamente extensa e caracterizada por alguma prolixidade, a verdade é que nada mais há censurar no comportamento processual dos apelantes, que, no âmbito do presente recurso, não merece qualquer reparo.
3 – Quanto à complexidade da tramitação processual:
A questão apreciada neste recuso foi simples, desprovida de complexidade jurídica, sobejamente tratada, tanto na doutrina, como na jurisprudência.
Assim sendo, justifica-se plenamente, in casu, a aplicação da solução prevista no art.º 6º, nº 7, do RCP, disposição no âmbito da qual é lícita a dispensa, não apenas do pagamento da totalidade do remanescente da taxa de justiça, mas também de uma fração ou remanescente dessa taxa de justiça.
No caso concreto, pelas razões anteriormente expostas, justifica-se a dispensar os apelantes do pagamento da totalidade do remanescente da taxa de justiça devida no “processo autónomo” que o presente recurso é.
*
IV – DECISÃO:
Por todo o exposto, acordam os juízes, em Conferência na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, no “processo autónomo” que o presente recurso é, e apenas nele, pois que apenas a ele se reporta a presente decisão, em dispensar os apelantes do pagamento da totalidade do remanescente da taxa de justiça.
Sem custas.

Lisboa, 19 de dezembro de 2023
José Capacete
Cristina Coelho
Ana Rodrigues da Silva

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[1] «Cite-se, por exemplo, o acórdão da Relação do Porto de 7 de Novembro de 2013, proferido no processo nº 332/04.9TBVPA.P1 (disponível em www.dgsi.pt), onde se afirma que “Só a final, uma vez terminada a lide, esgotada a tramitação necessária para a decisão das questões colocadas pelas partes nos articulados e nas alegações de recurso, será possível aferir da verificação do circunstancialismo do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais. O que significa, até por não estar previsto em lado algum que isso caiba na competência dos tribunais de recurso, que a tomada de decisão sobre a aplicação desse normativo cabe ao juiz do processo após o trânsito em julgado da decisão que lhe ponha termo”.»
[2] «V. a propósito, entre muitos outros, o acórdão do STJ de 12 de Dezembro de 2013, proferido no processo nº 1319/12.3TVLSB-B.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt
[3] «Que estabeleceu a seguinte orientação: “A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo”.»
[4] A Apreciação pelo S.T.J. da dispensa (ou redução) do remanescente da taxa de justiça (Acórdão do STJ de 30 de maio de 2023, Proc. n.º 903/13.2TBSCR.L2.S1), 7 de julho de 2023, acessível na internet em https://blogippc.blogspot.com/2023/07/a-apreciacao-pelo-stj-da-dispensa-ou.html.
[5] Código de Processo Civil Anotado, Coimbra, 1949, pp. 202-203.