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ACIDENTE DE TRABALHO
RECIDIVA
REVISÃO DA INCAPACIDADE
DIMINUIÇÃO DA CAPACIDADE DE GANHO
JUSTA INDEMNIZAÇÃO
Sumário
(Sumário elaborado pela Relatora) Não há lugar à atualização da pensão obrigatoriamente remível.
(Sumário da declaração de voto de vencido) 1. Em caso de recidiva de sinistrado que tenha sido inicialmente considerado curado sem desvalorização, ou a quem tenha sido atribuída nessa altura uma incapacidade parcial permanente (IPP) inferior a 30%, enquanto estiver em situação de nova incapacidade temporária a indemnização será paga por valores actualizados (art. 24.º n.º 3 da LAT), mas quando atingir a nova alta a pensão será calculada por valores não actualizados (disposições conjugadas dos arts. 71.º n.º 1 e 82.º n.º 2 da LAT). 2. É inconstitucional, por violação do princípio da justa reparação, contido no art. 59.º n.º 1 al. f) da Constituição, o regime que resulta das disposições conjugadas dos arts. 71.º n.º 1 e 82.º n.º 2 da LAT, na parte em que impõem que a indemnização por incapacidade parcial permanente inferior a 30% seja sempre calculada com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente, assim impedindo a actualização dessa indemnização, mesmo em caso de recidiva que ocasione o agravamento da incapacidade inicial, mas ainda assim em percentagem inferior a 30%.
I. Relatório
Em 24-08-2022, o sinistrado AA veio, nos termos do disposto no artigo 145.º do Código de Processo do Trabalho, requerer a revisão da incapacidade anteriormente fixada, com fundamento no agravamento das lesões/sequelas de que é portador.
Em 20-12-2022, foi realizado exame de revisão, tendo o perito médico entendido que se verificou agravamento das sequelas decorrentes do acidente de trabalho, alterando o coeficiente de IPP para 15% (10% x fator de bonificação 1,5).
Em 21-04-2023, teve lugar a realização de exame por junta médica, requerido pela seguradora responsável[2], que concluiu no mesmo sentido do exame de revisão. Em 25-05-2023, a 1.ª Instância proferiu decisão com o seguinte teor: «Pelo exposto, nos termos do n.º 6, do citado art.º 145.º, do Código de Processo do Trabalho, julgo o presente incidente procedente e condeno a Allianz Portugal - Companhia de Seguros, S.A., a pagar ao sinistrado AA o capital de remição € 10.762,91, correspondente a uma pensão anual de € 877,96 (considerando a anterior remição), correspondente a uma agravada IPP de 15%, devida desde 22/8/2022[3], e respetivos juros de mora desde esta data e até integral pagamento à taxa legal que estiver em vigor.».
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Inconformada, veio a seguradora interpor recurso para esta Relação, finalizando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1. No presente processo foi proferida a douta sentença de fls. , que, na sequência de pedido de revisão formulado pelo sinistrado, o declarou afetado de uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 15,00%, desde 24 de Agosto de 2022, data do pedido de revisão, e reconheceu o seu direito a uma pensão anual obrigatoriamente remível de 827,15 €, porque calculada com base numa IPP de 9%, uma vez que já lhe fora reconhecida uma IPP inicial de 6%, desde 4 de Novembro de 2015, a que correspondera uma pensão anual, também obrigatoriamente remível. e já integralmente remida. 2. Por entender que a pensão de 827,15 € agora devida ao sinistrado é atualizável, a douta sentença recorrida atualizou o seu montante desde a data da alta inicial (4 de Novembro de 2015) até à data do pedido de revisão, fixando-a no montante, atualizado, de 877,96 € e, em consequência, condenou a ora apelante a pagar ao sinistrado o correspondente capital de remição no montante de 10.762,91 €. 3. Salvo o devido respeito, esta decisão deve ser revogada, por enfermar de erro de interpretação e aplicação da lei aos factos, ao considerar que a pensão devida ao sinistrado é atualizável, apesar de obrigatoriamente remível, e ao atualizar, em consequência, essa pensão anual obrigatoriamente remível no montante de 827,15 € para o montante de 877,96 €. 4. Com efeito, em 27 de Maio de 2015, o sinistrado AA sofreu acidente de trabalho, de cujas lesões resultaram sequelas que lhe determinaram uma IPP de 6%, desde 4 de Novembro de 2015, a que correspondeu uma pensão anual obrigatoriamente remível e já integralmente remida. 5. Em 24 de Agosto de 2022, o sinistrado apresentou um requerimento de revisão da sua pensão, que deu início ao presente incidente de revisão, em que foi proferida a decisão recorrida que fixou a IPP de que o sinistrado é portador em 15% e determinou que, por já lhe ter sido remida a pensão atribuída com base na IPP de 6%, este tem direito a uma pensão anual calculada com base numa IPP de 9% (15% - 6%) que fixou no montante anual de 827,15 € (13.129,36 € x 70% x 9%), desde 24 de Agosto de 2022. 6. Aqui chegado, o Mtº Juiz recorrido entendeu que esta pensão devida desde 24 de Agosto de 2022 deveria ser atualizada desde a data da alta inicial (04-11-2015), pelo que, invocando o disposto no art. 77º-d) da LAT, lhe aplicou as percentagens de atualização legalmente fixadas para as pensões não remíveis, e atualizou aquela pensão no montante anual de 827,15 € para o montante anual de 877,96 €. 7. Na sequência desta atualização, a douta sentença recorrida condenou a ora apelante “a pagar ao sinistrado AA o capital de remição € 10.762,91, correspondente a uma pensão anual de € 877,96 (considerando a anterior remição), correspondente a uma agravada IPP de 15%, devida desde 22/8/2022, e respetivos juros de mora desde esta data e até integral pagamento à taxa legal que estiver em vigor”. 8. Ora, a pensão anual inicialmente atribuída ao sinistrado, correspondente à IPP de 6% que lhe fora fixada, era obrigatoriamente remível, por o seu valor ser inferior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida (RMG), em vigor no dia seguinte ao da alta, e a IPP ser inferior a 30%, e foi integralmente remida. 9. A pensão anual atribuída ao sinistrado na sequência do presente pedido de revisão em que lhe foi fixada uma IPP de 15%, e a que foi deduzida aquela pensão já remida, é também obrigatoriamente remível, por o seu valor ser inferior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida (RMG), em vigor no dia seguinte ao da alta, e a IPP ser inferior a 30%. 10. Nos termos da legislação atualmente em vigor no que respeita a atualização de pensões emergentes de acidente de trabalho, designadamente dos arts, 75º e 82º º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, dos arts. 1º e 2º do Decreto-Lei n.º 668/75, de 24 de Novembro, e do nº 7 do Preâmbulo deste Decreto-Lei, resulta inquestionável e expressamente que apenas as pensões que não são remíveis e, por isso, se mantêm em pagamento anualmente, é que são
suscetíveis de atualização. 11. Assim, ao decidir que a pensão devida ao sinistrado é atualizável, apesar de obrigatoriamente remível, e ao atualizar, em consequência, essa pensão anual obrigatoriamente remível no montante de 827,15 € para o montante de 877,96 € e ao condenar a ora apelante no pagamento do capital de remição calculado com base nesta pensão atualizada, a douta decisão recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos art. 75.º, 77º-d) e 82º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, nos arts. 1º e 2.º do Decreto-Lei n.º 668/75, de 24 de Novembro, e no nº 7 do preâmbulo deste Decreto-Lei 668/75. 12. Pelo que deve ser revogada na parte em que fixou o montante da pensão anual e obrigatoriamente remível devida ao sinistrado em 877,96 € e substituída por outra que fixe tal pensão em 827,15 €, com a consequente alteração para 10.140,03 € do montante do capital de remição devido ao sinistrado.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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A 1.ª Instância admitiu o recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos, atribuindo-lhe efeito suspensivo, em virtude de ter sido prestada caução.
Após a subida do processo à Relação, foi observado o disposto no n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho.
A Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, pugnando pela improcedência do recurso.
Não foi oferecida resposta.
O recurso foi mantido nos seus precisos termos e foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, importa analisar e decidir se a pensão revista atribuída não deveria ter sido atualizada.
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III. Matéria de Facto
A matéria de facto a atender é a que consta do relatório supra, para a qual remetemos, sem necessidade da sua repetição, bem como os demais elementos que constem dos autos e que sejam relevantes para a apreciação da questão sub judice.
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IV. Enquadramento jurídico
Dos elementos mencionados supra retira-se que o incidente de revisão deduzido pelo sinistrado foi julgado procedente e, em consequência, o coeficiente de incapacidade que lhe havia sido atribuído foi alterado para 15%.
Infere-se ainda, do processo, que a pensão anual inicialmente atribuída foi obrigatoriamente remida.
E que a pensão resultante da alteração do grau de incapacidade mostra-se, igualmente, obrigatoriamente remível, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 75.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro (doravante, designada por LAT). Assim, foi decidido pela 1.ª Instância.
Sucede que a 1.ª Instância entendeu que a pensão devida em função do agravamento, ainda que obrigatoriamente remível, deveria ser atualizada desde o dia seguinte ao da alta inicial (04-11-2015) até à data em que foi verificado o agravamento.
E é precisamente sobre esta atualização da pensão remanescente que incide o recurso, tendo a Apelante argumentado que, tratando-se de uma pensão obrigatoriamente remível, não há lugar à atualização da pensão desde a data da alta inicial.
Ora, a questão em debate já foi apreciada, algumas vezes, por esta Secção Social.
Nos acórdãos de 27-02-2020 (Proc. n.º 446/14.7T8TMR.1.E1) e de 25-01-2023 (Proc. n.º 169/12.1TTVFX.1.E1) entendeu-se, por unanimidade, que, quando num incidente de revisão de incapacidade a pensão revista em função do agravamento continue a ser obrigatoriamente remível, não há lugar à atualização de tal pensão.
No mais recente acórdão de 14-09-2023 (Proc, 342/13.5TTTMR.E1.E1) o mesmo entendimento foi mantido pela maioria do coletivo.
Escreveu-se neste último aresto: «Dispõe o art. 75.º da Lei n.º 98/2009, de 04-09,[2] que: 1 - É obrigatoriamente remida a pensão anual vitalícia devida a sinistrado com incapacidade permanente parcial inferior a 30 % e a pensão anual vitalícia devida a beneficiário legal desde que, em qualquer dos casos, o valor da pensão anual não seja superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta ou da morte. 2 - Pode ser parcialmente remida, a requerimento do sinistrado ou do beneficiário legal, a pensão anual vitalícia correspondente a incapacidade igual ou superior a 30 % ou a pensão anual vitalícia de beneficiário legal desde que, cumulativamente, respeite os seguintes limites: a) A pensão anual sobrante não pode ser inferior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida em vigor à data da autorização da remição; b) O capital da remição não pode ser superior ao que resultaria de uma pensão calculada com base numa incapacidade de 30 %. 3 - Em caso de acidente de trabalho sofrido por trabalhador estrangeiro, do qual resulte incapacidade permanente ou morte, a pensão anual vitalícia pode ser remida em capital, por acordo entre a entidade responsável e o beneficiário da pensão, se este optar por deixar definitivamente Portugal. 4 - Exclui-se da aplicação do disposto nos números anteriores o beneficiário legal de pensão anual vitalícia que sofra de deficiência ou doença crónica que lhe reduza definitivamente a sua capacidade geral de ganho em mais de 75 %. 5 - No caso de o sinistrado sofrer vários acidentes, a pensão a remir é a global. Dispõe igualmente o art. 82.º do mesmo Diploma Legal que: 1 - A garantia do pagamento das pensões estabelecidas na presente lei que não possam ser pagas pela entidade responsável, nomeadamente por motivo de incapacidade económica, é assumida e suportada pelo Fundo de Acidentes de Trabalho, nos termos regulamentados em legislação especial. 2 - São igualmente da responsabilidade do Fundo referido no número anterior as atualizações do valor das pensões devidas por incapacidade permanente igual ou superior a 30 % ou por morte e outras responsabilidades nos termos regulamentados em legislação especial. 3 - O Fundo referido nos números anteriores constitui-se credor da entidade economicamente incapaz, ou da respetiva massa falida, cabendo aos seus créditos, caso a entidade incapaz seja uma empresa de seguros, graduação idêntica à dos credores específicos de seguros. 4 - Se no âmbito de um processo de recuperação de empresa esta se encontrar impossibilitada de pagar os prémios dos seguros de acidentes de trabalho dos respetivos trabalhadores, o gestor da empresa deve comunicar tal impossibilidade ao Fundo referido nos números anteriores 60 dias antes do vencimento do contrato, por forma a que o Fundo, querendo, possa substituir-se à empresa nesse pagamento, sendo neste caso aplicável o disposto no n.º 3. Dispõe também o ponto 7 do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 668/75, de 24/11, que: 7. Nesta fase, dadas as atuais dificuldades e tendo em conta que as desvalorizações inferiores a 30% de um modo geral não representam flagrante redução efetiva na capacidade de ganho da vítima e que a contemplarem-se todas as situações isso seria uma dispersão financeira em flagrante prejuízo dos casos mais graves, optou-se apenas pela atualização dos casos iguais ou superiores a 30%. Por fim, dispõe o art. 2.º do Decreto-Lei n.º 668/75, de 24/11,[3] que: Não estão abrangidas pelo disposto no artigo anterior[4] as pensões resultantes de incapacidades inferiores a 30%. Ora, em face das disposições citadas, é evidente que sempre que a pensão seja remível não há lugar à sua atualização. Conforme resulta desde 1975 do citado Decreto-Lei e que se mantém na Lei n.º 98/2009, de 04-09, apenas as pensões que não são remíveis, e, por isso, pagas anualmente, são atualizáveis. Atente-se ainda à circunstância de que se tivesse sido fixado, de início, ao sinistrado a incapacidade permanente parcial que resultou do incidente de revisão de incapacidade – atento o grau de incapacidade e o valor do somatório da pensão inicial e da pensão resultante do agravamento – a pensão respetiva não seria atualizável por ser obrigatoriamente remível, pelo que, de igual modo, não será a mesma atualizável em incidente de revisão de incapacidade.[5] A decisão recorrida invoca, para fundamentar a sua posição, o acórdão do TRG, proferido em 10-07-2019, no âmbito do processo n.º 333/14.9TTGMR.2.G1,[6] porém, nesse acórdão a pensão que veio a ser atualizada não era remível,[7] pelo que o referido acórdão não aborda a questão dos presentes autos. Refere-se ainda na decisão recorrida que o disposto no art. 77.º, al. d), da LAT impõe que se atualize as pensões obrigatoriamente remíveis em situações de revisão da incapacidade. Dispõe o art. 77.º, al. d), da LAT, que: A remição não prejudica: […] d) A atualização da pensão remanescente no caso de remição parcial ou resultante de revisão de pensão. Na realidade, este artigo terá sempre de ser contextualizado com as demais normas em vigor, inclusive da LAT, pelo que, não sendo as pensões obrigatoriamente remíveis sujeitas a atualização, em face do disposto no art. 82.º, n.º 2, da referida LAT,[8] a pensão remanescente resultante de revisão de pensão que se encontra sujeita a atualização, mencionada no referido art. 77.º, al. d), da LAT, terá de ser necessariamente uma pensão não remível. Interpretar-se de outro modo, para além de ir contra o disposto no art. 2.º do Decreto-Lei n.º 668/75, de 24/11, que se mantém em vigor, também levaria a uma situação de discriminação entre aqueles cujas pensão seriam pagas pelo Fundo de Acidentes de Trabalho que, nos termos do citado n.º 2 do art. 82.º, não seriam atualizáveis e aqueles cujas pensões seriam pagas pelas respetivas entidades responsáveis pelos acidentes de trabalho ou doenças profissionais, aos quais se aplicaria o disposto na al. d) do art. 77.º da LAT, sem esta devida contextualização. Na decisão recorrida argumenta-se igualmente que o art. 2.º do DL n.º 668/75, de 24-11, é inconstitucional, por violação do disposto no art. 59.º, n.º 1, al. f), da Constituição da República Portuguesa, tanto mais que, quando entrou em vigor aquele artigo, nem sequer ainda existia a nossa atual Lei Fundamental. Ora, para além de o invocado problema de inconstitucionalidade também ter de ser levantado em face do disposto no n.º 2 do art. 82.º da LAT, que já entrou em vigor com a atual Constituição da República, sob pena de se determinar a aplicação de regimes diferentes consoante as entidades que vierem a pagar as respetivas pensões aos sinistrados, o que manifestamente, aí sim, violaria o princípio da igualdade, também ele de consagração constitucional, sempre se dirá que não se vislumbra na presente situação qualquer violação do princípio da justa reparação do sinistrado, previsto no mencionado art. 59.º, n.º 1, al. f), da Constituição da República Portuguesa. Na realidade, mesmo quando a pensão remível é calculada de uma só vez, sem agravamentos, se o processo, até chegar ao seu trânsito, demorar vários anos, o cálculo final da pensão é sempre efetuado de acordo com o valor da pensão a atribuir à data da alta e não daquele que resultaria da sua atualização à data da prolação da decisão final ou à data do trânsito dessa decisão final, pelo que se nos afigura que o raciocínio em situação de agravamento, mantendo-se os pressupostos da remição, deverá ser idêntico. A eventual desvalorização monetária é compensada pela circunstância de o sinistrado receber um montante significativamente superior àquele que receberia se a pensão fosse paga anualmente, visto receber o montante que lhe é devido todo junto e de uma única vez, podendo, assim, colocar tal montante a render e receber os respetivos juros, o que, auferindo anualmente tal pensão, se lhe mostra vedado. Por fim, ainda se dirá que se encontrando perfeitamente delimitado os requisitos para que uma pensão seja obrigatoriamente remível (com limites de grau de incapacidade e de valor da pensão), implicando tal situação que a pensão será paga apenas de uma vez, e não de forma anual e vitalícia, sendo que a partir do momento em que o grau de incapacidade e/ou de valor da pensão se altera acima desses critérios estabelecidos o remanescente dessa pensão deixa de ser obrigatoriamente remível, afigura-se-nos inexistir qualquer situação de discriminação entre os diferentes beneficiários relativamente à diferença do regime de atualização entre as pensões remíveis e não remíveis. Pelo exposto, apenas nos resta dar provimento ao recurso interposto, determinando em consequência a revogação da decisão recorrida na parte em que fixou o montante da pensão anual e obrigatoriamente remível em €129,43, a qual será substituída pelo valor da pensão anual e obrigatoriamente remível em €122,67.».
Não vislumbramos qualquer razão para alterar o entendimento predominante nesta Secção Social.
Salientamos que a solução que defendemos também foi sustentada no Acórdão da Relação de Coimbra de 12-04-2023 (Proc. n.º 377/12.5TTGRD.2.C1).[4]
Assim, reiterando os fundamentos expostos no último acórdão proferido por esta Secção Social, mantemos que não há lugar à atualização da pensão revista, em função do agravamento das lesões, quando esta continue a ser obrigatoriamente remível.
Em consequência, há que revogar a decisão recorrida, na parte que procedeu à atualização da pensão revista.
Nesta conformidade, o valor da pensão remanescente a considerar para o cálculo do capital de remição é de € 827,15, que corresponde ao valor da pensão fixado antes da (incorreta) atualização da pensão.
Concluindo o recurso interposto pela seguradora deve proceder.
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V. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedente, e, em consequência, revogam parcialmente a decisão recorrida, condenando a seguradora responsável a pagar ao sinistrado o capital de remição de uma pensão anual remanescente no valor de € 827,15, devido desde a data de apresentação do pedido de revisão.
No demais, permanece a decisão recorrida.
Custas pela parte vencida.
Notifique. -------------------------------------------------------------------------------
Évora, 18 de dezembro de 2023
Paula do Paço (Relatora)
Mário Branco Coelho (1.º Adjunto) - vota vencido
Emília Ramos Costa (2.ª Adjunta)
Declaração de voto (vencido):
Mantenho o juízo de inconstitucionalidade que já manifestei no Acórdão desta Relação de Évora de 14.09.2023, proferido no Proc. 342/13.5TTTMR.1.E1.E1, e que reflecte a longa meditação que venho realizando acerca desta questão. Reproduzo, pois, os termos essenciais dessa declaração de voto:
«Actualmente, um sinistrado, que tenha sido inicialmente considerado curado sem desvalorização, ou a quem tenha sido atribuída nessa altura uma incapacidade parcial permanente (IPP) inferior a 30%, recebendo então uma pensão obrigatoriamente remível, nos termos do art. 75.º n.º 1 da Lei 98/2009, de 4 de Setembro (que designaremos, doravante, apenas como LAT), sofrendo anos mais tarde uma recidiva ou agravamento, confronta-se com a seguinte situação:
1.º após a nova baixa, mantém o direito à indemnização por incapacidade temporária absoluta ou parcial para o trabalho – art. 24.º n.º 2 al. a) da LAT – mas, para esse efeito, é considerado o valor da retribuição à data do acidente actualizado pelo aumento percentual da retribuição mínima mensal garantida – art. 24.º n.º 3 da LAT;
2.º após a nova alta, em caso de agravamento da sua incapacidade parcial permanente, mas em que esta se mantenha, apesar disso, ainda inferior a 30%, já não tem lugar essa actualização, e a pensão agravada será assim calculada com recurso à regra geral do art. 71.º n.º 1 da LAT, e a indemnização pela nova IPP será calculada, tão só, com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente, tanto mais que o art. 82.º n.º 2 da LAT apenas prevê um mecanismo de actualização do valor das pensões por incapacidades superiores a 30%.
Em resumo, enquanto o sinistrado estiver em situação de nova incapacidade temporária, a indemnização será paga por valores actualizados, mas quando atingir a nova alta, a pensão será calculada por valores não actualizados.
Esta incongruência é tanto mais relevante, quanto deixou de existir qualquer prazo de caducidade para se requerer a revisão da incapacidade – art. 70.º n.º 1 da LAT – podendo esta ser assim requerida, e reconhecida, bastantes anos após a data do acidente e da primeira alta.
Noutros campos em que há lugar ao pagamento de indemnização, a lei e a jurisprudência reconhecem que se trata de obrigação de valor, sujeita à regra do art. 551.º do Código Civil, por contraposição ao princípio do nominalismo monetário, em que apenas se atende ao valor nominal da moeda.
Assim, no caso da expropriação por utilidade pública, o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 7/2001 estabeleceu regras quanto à actualização do valor da indemnização, escrevendo-se a dado passo desse aresto o seguinte: «Dentro do possível, o expropriado não deve ver o seu património diminuído mesmo que seja para realização de um interesse público. Isso consegue-se, ou entregando-lhe contemporaneamente um valor em dinheiro correspondente ao valor do bem que sai, atribuindo-lhe um crédito em dinheiro, desse valor, sujeito a actualização no momento do pagamento. A actualização monetária, contrariando o princípio do nominalismo, é ditada pela necessidade, que em regra há, de recorrer a um processo mais ou menos moroso de fixação do valor.»
De igual modo, no caso da responsabilidade civil por facto ilícito ou pelo risco, o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2002 estabeleceu regras quanto ao momento de actualização do valor da indemnização e subsequente vencimento de juros.
Porém, essa possibilidade de actualização do valor da indemnização não existe na área dos acidentes de trabalho, em caso de recaída sobrevinda vários anos após a data do acidente, que origine uma nova incapacidade permanente inferior a 30%.
E isto tanto sucederá no caso do sinistrado ter sido considerado curado sem desvalorização à data da primeira alta (situação em que não recebeu qualquer indemnização por incapacidade permanente, pois esta não lhe foi sequer reconhecida), quer tenha sido considerado afectado de uma IPP inferior a 30% e recebido uma pensão obrigatoriamente remível (calculada apenas com base na incapacidade inicialmente reconhecida, e não na resultante de uma hipotética recaída).
Cinco, dez, quinze ou vinte anos depois, o sinistrado pode sofrer uma recaída, passar por um período de incapacidade temporária (em que receberá uma indemnização devidamente actualizada, por força do art. 24.º n.º 3 da LAT), e depois obter uma nova alta, eventualmente com agravamento da sua anterior incapacidade, mas ainda assim com uma IPP inferior a 30%, pelo que não será actualizada.
Neste caso, também não se pode presumir que o sinistrado teve direito à pensão agravada em data anterior ao pedido de revisão da incapacidade, pelo que os juros de mora apenas se vencerão desde o correspondente requerimento (cfr. o Acórdão da Relação de Guimarães de 21.03.2019, Proc. 160/09.5TTVRL-A.G1, publicado na página da DGSI).
Cremos que esta discrepância é tanto mais injusta quanto o sinistrado vê-se confrontado com o agravamento da sua capacidade de ganho vários anos após o acidente, logo numa fase mais adiantada da vida, quando as hipóteses de adaptação profissional e de recuperação são mais difíceis.
Precisamente, quando necessitaria de uma indemnização que o compensasse da perda de ganho sofrida nessa fase mais adiantada da vida, vê-se confrontado com uma pensão calculada apenas com base na retribuição auferida muitos anos atrás, como se a obrigação fosse meramente nominal, e não uma compensação “pela perda ou redução permanente da sua capacidade de trabalho ou de ganho resultante de acidente de trabalho” – art. 48.º n.º 2 da LAT.
Acompanhamos, pois, a posição do Mm.º Juiz a quo, quando escreveu o seguinte: «A Constituição da República Portuguesa refere que o trabalhador vítima de acidente de trabalho tem direito à reparação. Mas essa reparação terá que ser justa. Ora, a Constituição e a Lei ordinária não enferma duma concepção nominalista quanto à definição da reparação. Bem pelo contrário, repetidamente associa o direito à indemnização e à reparação a outros direitos acessórios, como sucede genericamente em função dos juros ou da actualização calculados em função da inflação ou de outros índices. No caso dos acidentes de trabalho, o mecanismo legal baseia-se na instituição do mecanismo de actualização das pensões. Estar a atribuir uma pensão – mesmo que remível – a um sinistrado volvida uma dezena de anos sobre um acidente de trabalho, ignorando por completo o fenómeno da inflação é um imerecido bónus para quem é responsável pela reparação e um injustificado prejuízo para quem sofre hoje o agravamento de uma incapacidade e é reparado apenas com base na retribuição que auferia há muitos anos atrás.»
Escreveu-se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 151/2022, confirmando, de resto, juízo de inconstitucionalidade que havíamos formulado nesta Relação de Évora, a propósito do art. 54.º n.º 1 da LAT: «(…) a pensão anual e vitalícia tem como finalidade «a substituição ou compensação da perda da contribuição que o vencimento do próprio trabalhador representava para a sua subsistência». Ela visa reparar o direito à integridade económica ou produtiva do trabalhador através da reintegração da sua concreta capacidade de ganho, desempenhando neste sentido uma «função de garantia de subsistência do sinistrado.»
E, mais adiante, o mesmo Acórdão acrescenta: «(…) o direito à assistência e justa reparação em caso de infortúnio laboral integra a classe dos direitos fundamentais a prestações normativas, ou seja, a que o legislador institua regimes jurídicos constitutivos de determinados bens, direitos que se traduzem, em primeira linha, num dever de acção legislativa do Estado. Em virtude dele, «[o Estado] está vinculado a prever, por via legislativa, a obrigação de reparação e a assistência…por parte da entidade patronal (ou de outra entidade que se lhe substitua)….» (Acórdão n.º 599/2004). Trata-se, por natureza, de um direito de pendor positivo, correlativo de um dever estadual de legislar» (Acórdão n.º 786/2017).»
Ponderando, pois, que a pensão anual e vitalícia tem uma «função de garantia de subsistência do sinistrado», visando a reintegração da sua concreta capacidade de ganho, e que «o direito à assistência e justa reparação em caso de infortúnio laboral integra a classe dos direitos fundamentais a prestações normativas», cremos que o impedimento da actualização da pensão na situação aqui retratada, ofende o direito à justa reparação, consagrado no art. 59.º n.º 1 al. f) da Constituição.
Se o sinistrado sofre, em virtude de recidiva, uma redução da sua capacidade de ganho vários anos após o acidente, ficando ainda assim com uma IPP inferior a 30%, não se pode afirmar que uma indemnização calculada com base numa retribuição desactualizada (por vezes, desactualizada em muitos anos), seja capaz de cumprir a citada função de reintegração da sua concreta capacidade de ganho.
Assim, por violação do princípio da justa reparação, contido no art. 59.º n.º 1 al. f) da Constituição, recusaria a aplicação da norma que resulta das disposições conjugadas dos arts. 71.º n.º 1 e 82.º n.º 2 da LAT, na parte em que impõem que a indemnização por incapacidade parcial permanente inferior a 30% seja sempre calculada com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente, assim impedindo a actualização dessa indemnização, mesmo em caso de recidiva que ocasione o agravamento da incapacidade inicial, mas ainda assim em percentagem inferior a 30%.»
Expostos os termos dessa declaração de voto, vejamos a sua aplicação prática ao caso agora em apreciação.
No caso, o acidente ocorreu no dia 27.05.2015 e a alta inicial ocorreu no dia 04.11.2015, ficando então o sinistrado afectado de uma IPP de 6%. Por essa incapacidade foi-lhe fixada uma pensão, a qual foi obrigatoriamente remida.
Sofreu uma recaída e requereu a revisão da pensão em 24.08.2022, sendo então fixada uma IPP de 15%, obrigatoriamente remível, tal como a primeira. Procederia, pois, como fez a primeira instância, actualizando a pensão devida ao sinistrado, e confirmaria a sentença recorrida, face ao mencionado juízo de inconstitucionalidade.
Évora, 18 de Dezembro de 2023
a) Mário Branco Coelho
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[1] Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: Mário Branco Coelho; 2.ª Adjunta: Emília Ramos Costa
[2] Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A..
[3] Afigura-se-nos existir um manifesto lapso material quanto à data indicada, dado que o requerimento que introduziu o incidente de revisão foi apresentado em 24-08-2022 e, tendo em consideração o disposto no ponto 4 da sentença recorrida, a IPP agravada foi reconhecida a partir de 24-08-2022.
[4] Consigna-se que todos os acórdãos mencionados estão publicados em www.dgsi.pt.