CONHECIMENTO NO SANEADOR
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
DOAÇÃO MODAL
HERANÇA
Sumário

1 – Não se justifica o recurso ao mecanismo de aperfeiçoamento da petição inicial quando se vislumbre que a decisão a proferir será necessariamente de improcedência do pedido.
2 – O conhecimento imediato do pedido em sede de despacho saneador apenas deve ocorrer se a questão for unicamente de direito, se puder ser já decidida com a necessária segurança e, sendo de direito e de facto, se o processo contiver todos os elementos para uma decisão conscienciosa, segundo as várias hipóteses plausíveis aplicáveis ao caso concreto.
3 – Verifica-se o não cumprimento, incumprimento ou inadimplemento de uma obrigação, sempre que a respectiva prestação debitória deixa de ser efectuada nos termos adequados.
4 – O artigo 963.º do Código Civil dispõe que as doações podem ser oneradas com encargos, significando isso que as partes podem impor cláusulas modais – ou modo, ou encargo –, as quais constituem uma cláusula acessória típica dos negócios que envolvam uma faceta de gratuitidade.
5 – Em caso de dívida à herança deve ser esta a accionar ou, secundariamente, caso já não se esteja perante um cenário de herança jacente, são os herdeiros do de cujus que, nessa qualidade, estão autorizados a reclamar a restituição do objecto da doação por incumprimento da cláusula modal.
6 – Relativamente aos credores da herança, enquanto esta permanece indivisa o devedor é o património autónomo, que é dotado de personalidade judiciária e, por isso, susceptível de ser parte. Após a partilha, esse devedor desaparece, dando lugar a uma pluralidade de devedores, tantos quantos os herdeiros e a medida da responsabilidade destes determina-se pela proporção da quota que lhes tenha cabido na herança.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Processo n.º 609/23.4T8LLE.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Local de Competência Cível de Loulé – J2
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Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
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I – Relatório:
Na presente acção declarativa de condenação proposta por (…) contra a Ré (…), a Autora veio interpor recurso do saneador-sentença que julgou improcedente a acção.
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A Autora pedia que a Ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 43.726,80, acrescida de juros de mora à taxa legal até integral pagamento.
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Para tanto, a Autora alegou que a Ré é herdeira testamentária de (…) e que esta solicitou ajuda financeira ao pai da Autora para aquisição de um apartamento e que este lhe entregou a quantia de € 43.726,80 para concretização do negócio.
Mais adianta que, após a realização da compra, a dita (…) se comprometeu a transferir a propriedade do apartamento para a Autora, através de testamento, que foi realizado e nesse instrumento o apartamento era legado à Autora. Porém, este testamento veio a ser revogado por outro outorgado em 25/09/2018, através do qual a referida (…) instituiu a ora Ré como sua única e universal herdeira.
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Devidamente citada, a Ré apresentou contestação, onde alega a excepção de ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir e impugna a factualidade apresentada, com excepção do alegado no artigo 2º da petição inicial e da circunstância de ser herdeira testamentária de (…).
A Ré pediu ainda a condenação como litigante de má-fé.
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Realizada audiência preliminar, foi julgada improcedente a invocada excepção de ineptidão da petição inicial.
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De seguida, no mesmo despacho, o Tribunal a quo apreciou o mérito da causa, fundando-se na proibição da doação por morte, conclui que: «verifica-se que o mesmo tem, necessariamente, de improceder uma vez que à Autora não pode ser reconhecido o invocado direito, dado que o dinheiro, alegadamente entregue, pertencia ao seu falecido pai e a mesma não adquiriu qualquer direito próprio sobre o mesmo para poder exigir que lhe seja restituído».
Em função disso, o Juízo Local de Competência Cível de Loulé julgou improcedente a acção e entendeu igualmente não haver lugar à condenação da Autora como litigante de má-fé.
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Inconformada com tal decisão, a recorrente apresentou recurso e as suas alegações continham as seguintes conclusões, aliás extensas e prolixas e que, na sua essencialidade, transportam toda a matéria alegada para o resumo conclusivo, assumindo a mesma dimensão da parte inicial do recurso [1][2][3][4][5][6]:
«18 – O presente recurso tem como objecto a Douta Sentença que julgou totalmente improcedente a presente acção, e a absolvição da Ré do pedido.
19 – A autora entende que os factos foram incorrectamente julgados, pois atendendo a toda a prova junta aos autos, impunha-se uma decisão diferente, ou seja, no sentido de ser julgada procedente a presente acção, e como consequência ser a Ré condenada a pagar à Autora os valores em dívida.
20 – A Autora intentou a presente acção invocando, em suma, que o seu falecido pai tinha poupanças no valor de € 43.726,80, depositadas em conta bancária, sendo que o mesmo entregou esta quantia a (…) para esta pagar parte do preço de um apartamento. Por acordo do pai e das irmãs, aquela quantia, pertencente ao pai, seria, por morte deste, para beneficiar a Autora.
21 – A (…), por sua vez, acordou transferir a propriedade do apartamento para a Autora, mediante testamento, o qual foi realizado, mas que veio a ser revogado por testamento posterior a favor da ora Ré, actual proprietária do apartamento, uma vez que (…) faleceu em 06-06-2022.
22 – Assim, por a falecida (…) não ter cumprido o acordado, porquanto o dinheiro entregue pelo pai, por morte deste seria para a Autora, pede que seja a Ré (sucessora da falecida) condenada a restituir-lhe a quantia entregue para aquisição do apartamento.
23 – A Autora, como herdeira do falecido, arroga-se titular do direito de crédito que pretende fazer valer nesta acção por o pai ter acordado que, por sua morte, o dinheiro das suas poupanças e que foi entregue a (…) se destinaria a beneficiá-la em relação às irmãs.
24 – Entendeu o Tribunal a quo que neste caso concreto estaríamos perante doações por morte, previstas no artigo 946.º, n.º 1, do Código Civil, e que as doações por morte são em regra proibidas.
25 – Defende a Autora que no caso dos autos, não estamos perante doação por morte, mas sim perante um contrato de mútuo, previsto nos artigos 1142.º a 1151.º do Código Civil.
26 – Embora os contratos de mútuo de valor superior a € 25.000,00, devam ser reduzidos a escrito, e assinados pelo Mutuário, sob pena de se consideram nulos, não invalida o Mutuante de pedir o seu reembolso em Tribunal.
27 – O contrato de mútuo celebrado entre a (…) e o pai da Autora não foi reduzido a escrito, foi um contrato verbal, assim, o mesmo é considerado nulo por falta de forma, mas a nulidade do contrato tem como consequência a restituição do que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente, nos termos do artigo 289.º do Código Civil.
28 – A Autora logrou fazer prova dos todos os factos, juntando ao processo cópia do cheque sacado sobre a conta bancária do seu falecido pai, juntou comprovativos dos extractos bancários antes de 2017 (data em que o mesmo viveu com a …), provou que antes de 2017 ele já era titular daqueles valores, provou também com a junção dos testamentos, que o primeiro testamento foi beneficiando a Autora (promessa falsa da …, para extorquir o dinheiro ao falecido pai da Autora), porque logo que a propriedade do apartamento se encontrou registada a favor de (…), o testamento foi revogado e feito outro onde a mesma constituiu sua única e universal herdeira, a ora Ré.
29 – O Tribunal a quo deveria ter considerado provadas que as poupanças do pai Autora, correspondem a um período em que o falecido pai da Autora não vivia com a (…), logo as mesmas foram feitas ainda em vida da sua mulher, mãe da Autora, logo as mesmas, após a morte do pai, pertenciam-lhe por herança.
30 – O falecido pai da Autora depositava toda a confiança na (…), a quem respeitava e considerava pessoa de bem, nutrindo por ela fortes laços de sentimentos, de estima e de consideração, o que o levou em aceitar tal negócio.
31 – O pai da Autora, atenta à relação de amizade e de confiança que o unia a (…), assentiu ao pedido da mesma e, emprestou-lhe o valor de € 43.726,80, para pagamento de parte do preço do apartamento em Loulé, sentimentos que não se verificaram da parte da (…), que o usou para lhe extorquir dinheiro com falsas promessas, beneficiando a ora Ré, com as poupanças de uma vida de sacrifício vivida pelo pai da Autora e sua falecida mulher.
32 – Sustenta a Autora, que por força das relações criadas com a (…), por parte do seu falecido pai, e também Ela e as suas irmãs lhe deram todo o apoio que ela precisou, tanto a nível emocional, como ajuda nas tarefas da casa, na preparação dos alimentos, como se da vossa mãe se tratasse, durante o tempo em que a mesma viveu maritalmente com o vosso pai, isto tudo, levou a que o pai lhe emprestasse o dinheiro.
33 – O Tribunal a quo deveria ter valorado toda a prova documental entregue pela Autora, no sentido de considerar, estar perante um contrato de mútuo, celebrado verbalmente entre o pai da Autora e (…), que não chegou a ser cumprido pela mesma, beneficiando assim uma pessoa fora da família, que nenhum direito tem de usufruir de dinheiro proveniente do pai da Autora, deverá a mesma pagar todo o valor em dívida, dinheiro que veio à esfera patrimonial da (…) às custas do património do pai da Autora.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se a Douto Sentença recorrida, substituindo-a por outra que decida em conformidade com o exposto, julgando totalmente procedente a presente acção e por via disso, condenar a Ré a pagar à Autora o valor de € 43.726,80, valor que ilegalmente recebeu.
Assim se fazendo Justiça».
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A recorrida apresentou alegações de resposta, sustentando que seja confirmada a decisão proferida em 1ª Instância e improcedente o recurso interposto.
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Admitido o recurso, foram observados os vistos legais. *
II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação do mérito da decisão.
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III – Dos factos apurados:
A decisão recorrida não enunciou nenhum facto.
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IV – Fundamentação:
O conhecimento imediato do pedido em sede de despacho saneador apenas deve ocorrer se a questão for unicamente de direito, se puder ser já decidida com a necessária segurança e, sendo de direito e de facto, se o processo contiver todos os elementos para uma decisão conscienciosa, segundo as várias hipóteses plausíveis aplicáveis ao caso concreto.
Vejamos se se verificam esses requisitos ou se, pelo contrário, independentemente de julgamento, existe fundamento para condenar a Ré a pagar à Autora o valor de € 43.726,80.
Em ordem a analisar os fins do contrato é importante focar a atenção no artigo 405.º[7] do Código Civil. Este preceito estabelece o princípio da autonomia privada, dando às partes, dentro dos limites da lei, a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos no Código Civil ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver.
A liberdade negocial afirmada no artigo 405.º do Código Civil permite a livre opção de escolha de qualquer tipo contratual com submissão às suas regras imperativas, a livre opção de celebrar contratos diferentes dos típicos, a introdução no tipo contratual de cláusulas defensivas dos interesses das partes que não quebrem a função sócio-económica assumida pelo respectivo tipo e a reunião no mesmo contrato de dois ou mais contratos típicos[8].
De harmonia com o artigo 406.º[9] do Código Civil, os contratos devem ser pontualmente cumpridos, querendo-se com isto dizer que «...todas as cláusulas contratuais devem ser observadas, que o contrato deve ser cumprido ponto por ponto e não apenas que ele deve ser executado no prazo fixado, como poderia depreender-se do sentido usual do vocábulo pontualmente»[10].
Almeida Costa salienta que se verifica «o não cumprimento, incumprimento ou inadimplemento de uma obrigação, sempre que a respectiva prestação debitória deixa de ser efectuada nos termos adequados»[11].
Independentemente da narrativa presente nos articulados, importa reter que, em tese geral, neste domínio prevalece o princípio base obrigacionista do pacta sum servanda e que todo o tratado obriga as partes cumpri-lo de acordo com as regras da boa-fé. Assim, ao nível da orientação teleológica do direito das obrigações, a correcta interpretação e integração contratual deve ser cometida à luz dos critérios da boa-fé e da função social do direito que lhe foi concedido.
Dentro do quadro das opções disponíveis, a liberdade de contratar assenta em pressupostos cognitivos em que impera, justamente, o imperativo de transparência. Por conseguinte, na sustentada visão de Sousa Ribeiro, o conhecimento da natureza e qualidade do bem ou serviço objecto do contrato, do montante exacto das contrapartidas exigidas e do alcance preciso das condições de execução deve ser acessível a quem pretende estabelecer uma relação contratual. Não há contrato digno desse nome se qualquer dos contratantes não tiver, pelo menos, a possibilidade real de tomar conhecimento completo e efectivo das suas consequências vinculativas[12].
A par das regras de protecção da confiança, é de convocar ainda para a justa solução da causa os critérios de interpretação precipitados nos artigos 236.º[13] e 237.º[14] do Código Civil e que são aplicáveis às declarações negociais, tanto expressa como tácitas, quer respeitem a negócios jurídicos sujeitos a forma especial quer não.
A este propósito seleccionam-se os contributos doutrinais de Manuel de Andrade[15], Inocêncio Galvão Telles[16][17], Pires de Lima e Antunes Varela[18], Ferrer Correia[19], Castro Mendes[20], Carlos Mota Pinto[21][22], Carlos Ferreira de Almeida[23][24], Oliveira Ascensão[25], Menezes Cordeiro[26][27], Almeida Costa[28], Carvalho Fernandes [29], Carneiro da Frada[30], Heinrich E. Höester[31], Santos Júnior[32], Paulo Mota Pinto[33], Pais de Vasconcelos[34][35], Miguel Teixeira de Sousa[36], Paula Costa e Silva[37], J. Alberto Vieira[38] e Evaristo Mendes e Fernando Sá[39].
No domínio jurisprudencial destacam-se, entre outros, a respeito da problemática da interpretação das declarações negociais, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 05/7/2012, 12/06/2012, 25/10/2011, 20/01/2010, 21/05/2009, 16/10/2008, 17/04/2008, 19/02/2008, 02/10/2003 e 04/06/2002[40].
Seguindo a linha de raciocínio da jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça[41], na interpretação de um contrato, ou seja, na fixação do sentido e alcance juridicamente relevantes, deve ser procurado, não apenas o sentido de declarações negociais artificialmente isoladas do seu contexto negocial global, mas antes o discernir do sentido juridicamente relevante do complexo regulativo como um todo. Por isso, em homenagem aos princípios da protecção da confiança e da segurança do tráfico jurídico, é dada prioridade, em tese geral, ao ponto de vista do declaratário, mas a lei não se basta apenas com o sentido por este apreendido e, por isso, concede primazia àquele que um declaratário normal colocado na posição do real declaratário depreenderia (artigo 236.º do Código Civil). No domínio da interpretação de um contrato há que recorrer, para a fixação do sentido das declarações, nomeadamente à letra do negócio, às circunstâncias que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as negociações respectivas, a finalidade prática visada pelas partes, o próprio tipo negocial, a lei e os usos e os costumes por ela recebidos, os termos do negócio, os interesses que nele estão em jogo (e a consideração de qual seja o seu mais razoável tratamento) e a finalidade prosseguida.
Furtando as palavras a Oliveira Ascensão uma coisa é interpretar a proposta (e eventualmente a aceitação), actos unilaterais, outra é interpretar o contrato global que é negócio jurídico complexo e a sua interpretação tem de fazer-se atendendo simultaneamente às declarações de todas as partes, porque todas são simultaneamente declarante e declaratário[42].
Na formulação adoptada por Pedro Pais de Vasconcelos na interpretação deve ser procurado, não apenas o sentido de declarações negociais artificialmente isoladas do seu contexto negocial global, mas antes o discernir do sentido juridicamente relevante do complexo regulativo como um todo, como acção de autonomia privada e como globalidade da matéria negociada ou contratada[43].
Neste ponto, impõe-se ao intérprete que, surgindo a boa fé como norma de validade negocial, o texto do contrato ou, não o havendo, a intenção colocada na celebração dos negócios assuma uma vinculatividade jurídica absoluta e que esse comando cogente tenha uma eficácia externa que condicione o desenvolvimento contratual futuro de acordo com critérios de normalidade social e de segurança jurídica.
Na óptica implícita da descrição fáctica da petição inicial e não obstante a vaguidade desta, embora sem recorrer a qualquer enquadramento jurídico, a situação é ali qualificada como uma realidade complexa em que se entrelaçam ou conjugam três acordos: um contrato de mútuo, um contrato de compra e venda e uma promessa de legado em que a parte beneficiária do empréstimo afirma que deixará em testamento um determinado imóvel em benefício de outra pessoa.
Naquela construção o pai da Autora emprestou dinheiro à pessoa que, à data, convivia maritalmente com ele, a fim de esta comprar um determinado imóvel, condicionado aparentemente esta transferência de dinheiro à posterior transmissão por morte deste prédio a favor dos herdeiros do mutuante. Existiria assim um hipotético negócio sujeito a condição.
Nesta visão verifica-se que dois negócios que foram concluídos de harmonia com a previsão dos envolvidos (o mútuo e a compra e venda) e um outro que não foi perfectibilizado (o legado testamentário), afastando-se assim, por esta via, a vontade do mutuante. E, assim, caso se tratasse de um mútuo, o incumprimento da condição implicaria a restituição do capital mutuado[44], na visão jurídica não totalmente completa e rematada da recorrente.
Embora seja escassa a matéria integrada nos autos, numa lógica de normalidade, diferentemente daquilo que foi a qualificação efectuada pela Meritíssima Juíza de Direito, este Colectivo de Juízes Desembargadores entende que estamos perante uma sucessão autónoma de contratos que, na sua componente inicial, integra uma doação modal, a que se seguiria uma compra e venda a favor da donatária e que culminaria, após a sua morte, na instituição de um legado de que beneficiariam as filhas do mutuante, maxime a Autora.
Somos assim confrontados com um negócio multidirecional em que se formam várias relações jurídicas de diferente sentido, em que alguns sujeitos são comuns, tendo algumas das relações natureza gratuita e outras onerosa.
O artigo 963.º[45] do Código Civil dispõe que “as doações podem ser oneradas com encargos”. Significa isso que na doação, tal como noutros negócios jurídicos que constituem liberalidades[46], as partes podem impor cláusulas modais – ou modo, ou encargo –, as quais constituem uma cláusula acessória típica dos negócios que envolvam uma faceta de gratuitidade. Neste tipo negocial o doador (ou disponente) impõe ao donatário (ou beneficiário da liberalidade) a obrigação de adoptar um certo comportamento no interesse do doador, de terceiro ou do próprio donatário.
Com efeito, a doação modal ou com cláusula modal caracteriza-se por ser aquela em que o donatário fica adstrito ao cumprimento de uma ou mais prestações. Enquanto nas outras espécies de doações o beneficiário se limita a receber, sendo o seu património gratuitamente enriquecido com a coisa ou o direito transmitido ou com o crédito nele constituído sobre a parte liberal, na doação modal ele fica vinculado ao cumprimento de um dever, por força do disposto no artigo 940.º[47] do Código Civil.
Sendo a favor do doador ou de terceiro, este comportamento pode corresponder ao conteúdo de uma obrigação que fica a cargo do donatário, a qual, aliás, não tem necessariamente de assumir natureza patrimonial. Pode, porém, não haver uma verdadeira obrigação em sentido técnico, mas um simples dever jurídico, quando aquele que pode exigir o seu cumprimento não é titular de um correspondente direito de crédito, sobre a prestação[48].
Neste particular, é de atender ao acórdão uniformizador de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, pelo Acórdão n.º 7/97, de 25/02/1997, que estabeleceu a interpretação que a cláusula modal a que se refere o artigo 963.º do Código Civil abrange todos os casos em que é imposto ao donatário o dever de efectuar uma prestação, quer seja suportada pelas forças do bem doado, quer o seja pelos restantes bens do seu património[49].
Em situações como a descrita o donatário fica obrigado a um determinado comportamento, que pode ser no interesse do doador, ou de terceiro, ou do próprio beneficiário e, em caso de incumprimento, pode ser sujeito à obrigação de devolução do bem doado ou do seu equivalente patrimonial, seja por via da restituição simples, da resolução da cláusula modal, do regime da nulidade ou do subsidiário enriquecimento sem causa.
Todavia, a ser verdade aquilo é dito a propósito da entrega de dinheiro, ainda assim existe um problema relacionado com a causa de pedir e a falta de legitimação substantiva da Autora. Na realidade, a causa de pedir desdobra-se, analiticamente, em duas vertentes: a) uma factualidade alegada, que constitui o respectivo substrato factual, também designada pela doutrina por causa de pedir remota; b) uma vertente normativa significante na perspectiva do pedido formulado, designada por causa de pedir próxima, não necessariamente adstrita à qualificação dada pelo autor, mas delineada no quadro das soluções de direito plausíveis em função do pedido formulado, aliás, nos latos termos permitidos ao tribunal, em sede de enquadramento jurídico, ao abrigo do preceituado no artigo 5.º do Código de Processo Civil; é o que alguma doutrina designa por princípio da causa de pedir aberta[50].
E lida a petição inicial, tal como evidencia o Tribunal recorrido, a Autora limita-se a avançar com factos (aparentemente escassos) e omite completamente a juridicidade que serve apoio à sua pretensão (na acepção do saneador sentença: «o direito aplicável (ainda que não tenha sido invocado)».
Aliás, para além deste vício, ao nível da instrução do processo, ambas as partes são omissas na junção de documental essencial e insubstituível para dar lastro ao vencimento das respectivas teses, em particular a Autora que deveria ter providenciado pela junção de suporte demonstrativo do falecimento do seu pai, da sua qualidade de herdeira deste (v. g. escritura de habilitação de herdeiros), do decesso da dita (…), dos comprovativos dos sucessivos legados testamentários, de certidão do registo predial relativo ao prédio, de documentação bancária comprovativa da transferência e de outra a demonstrar que a donatária não tinha herdeiros legitimários e que o seu património foi deixado à Ré, na qualidade de beneficiária de um testamento.
Apesar do Tribunal de Recurso discordar que a situação em causa se enquadra na figura da doação por morte, é certo que, a comprovar-se que a quantia em causa saiu da esfera jurídica do pai da Autora para integrar o património da dita (…), esta terá incumprido a cláusula modal.
No entanto, esta eventual dívida corresponde a um crédito sobre a herança de (…) [51] e a um encargo da responsabilidade desta[52] e o credor é também a herança de (…), não sendo aqui possível estabelecer uma ligação directa entre a Autora e a Ré.
Relativamente aos credores da herança, enquanto esta permanece indivisa o devedor é o património autónomo, que é dotado de personalidade judiciária e, por isso, susceptível de ser parte. Na herança indivisa, a dívida é ainda da própria herança, ocupando os herdeiros, em conjunto, o lugar do de cujus, e sendo demandados como representantes da herança. pelas dívidas e encargos da herança respondem coletivamente os bens da herança (artigo 2097.º[53] do CC), devendo para tanto ser demandados todos os herdeiros, em litisconsórcio necessário, enquanto co-titulares do património hereditário. conforme decorre do indicado artigo 2091.º[54][55].
Após a partilha, esse devedor desaparece, dando lugar a uma pluralidade de devedores, tantos quantos os herdeiros e a medida da responsabilidade destes determina-se pela proporção da quota que lhes tenha cabido na herança, por força do disposto nos artigos 515.º[56] e 2098.º[57] do Código Civil[58][59]. Efectivamente, se já partilhada, a herança deixou de existir como património autónomo, dissolveu-se ou diluiu-se nos patrimónios dos herdeiros, passando cada um dos bens que a integraram a confundir-se com os demais bens do herdeiro a quem foi adjudicado.
Ensina Capelo de Sousa que «o panorama jurídico da responsabilidade pelos encargos dela (nomeadamente quanto aos antigos débitos do de cujus) sofre uma alteração substancial, embora sem nunca esquecer a raiz da proveniência dessas dívidas. Enquanto a herança se manteve no estado de indivisão, porque nenhum dos herdeiros tinha ainda direitos sobre bens certos e determinados, todos os bens hereditários respondiam coletivamente; a partir da divisão da herança, passa a responder cada herdeiro, individualmente, pela satisfação de cada dívida da herança (ou de cada encargo dela), mas apenas em proporção da quota que lhe coube na partilha»[60].
O ordenamento jurídico nacional consagra o princípio da responsabilidade limitada do herdeiro pelos encargos da herança, quer tenha havido aceitação a benefício de inventário, quer a herança tenha sido aceite pura e simplesmente[61], limitando-se a sua responsabilidade às forças da herança, ou seja, é sempre um encargo intra vires hereditatis.
Contudo, esta construção jurídica não tem o mínimo respaldo na pretensão apresentada pela Autora. E não se justifica o recurso ao mecanismo de aperfeiçoamento da petição inicial, nos termos gerais dos artigos 590.º, n.ºs 2, alínea b) e 4 e 5[62] do Código de Processo Civil, quando se vislumbre que a decisão a proferir será necessariamente de improcedência do pedido.
Neste contexto, embora por argumentação distinta – a da doação modal e não a da nulidade da doação por morte –, é válida a asserção contida na decisão recorrida que «à Autora não pode ser reconhecido o invocado direito, dado que o dinheiro, alegadamente entregue, pertencia ao seu falecido pai e a mesma não adquiriu qualquer direito próprio sobre o mesmo para poder exigir que lhe seja restituído».
Na verdade, ainda que possa existir um acordo familiar nesse sentido, a Autora não é titular em nome pessoal do interesse material controvertido, antes deve ser a herança a accionar ou, secundariamente, caso já não se esteja perante um cenário de herança jacente, são os herdeiros do de cujus que, nessa qualidade, estão autorizados a reclamar a restituição do objecto da doação por incumprimento da cláusula modal ou a apresentar outra pretensão com conteúdo finalístico equivalente. Por outras palavras, estamos perante um direito de natureza sucessória e não face uma prerrogativa de índole pessoal.
E a Ré apenas poderá ser demandada isoladamente e em nome pessoal se tiver recebido o dito legado e se comprovar que a defunta (…) não tem outros herdeiros. E nesta acção a parte activa não conseguiu demonstrar que assim fosse (a Autora limitou-se a juntar documentação relativa a um contrato de seguro de que são beneficiárias …, … e … em caso de morte do tomador de seguro e a prova do legado testamentário e da existência de herdeiros tem de ser feita por via documental).
Assim, não existe qualquer espaço para que seja proferido despacho de aperfeiçoamento destinado quer a completar a versão fáctica incluída nos articulados e a ordenar a junção os elementos documentais comprovativos da pretensão, quer a introduzir a causa de pedir normativa significante do pedido formulado, pois ainda que tal fosse determinado, no plano da legitimação substancial, a Autora não pode agir em nome pessoal nos termos em que foi arquitectada a petição inicial. Deve assim, se for o caso, ser apresentada nova acção destinada a sancionar o incumprimento da doação modal aqui em discussão.
Não resta qualquer alternativa ao Tribunal da Relação de Évora que não seja a de confirmar a decisão recorrida, julgando-se improcedente o recurso interposto.
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V – Sumário: (…)
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V – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar improcedente o recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente, atento o disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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Processei e revi.
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Évora, 18/12/2023
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Rosa Barroso
Anabela Luna de Carvalho


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[1] Artigo 639.º (Ónus de alegar e formular conclusões):
1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
3 - Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.
4 - O recorrido pode responder ao aditamento ou esclarecimento no prazo de cinco dias.
5 - O disposto nos números anteriores não é aplicável aos recursos interpostos pelo Ministério Público, quando recorra por imposição da lei.
[2] Na visão de Abrantes Geral, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª edição, Almedina, Coimbra 2016, pág. 130, «as conclusões serão complexas quando não cumpram as exigências de sintetização a que se refere o n.º 1 (prolixidade) ou quando, a par das verdadeiras questões que interferem na decisão do caso, surjam outras sem qualquer interesse (inocuidade) ou que constituem mera repetição de argumentos anteriormente apresentados».
[3] No acórdão do Tribunal Constitucional n.º 137/97, de 11/03/1997, processo n.º 28/95, in www.tribunalconstitucional.pt é dito que «A concisão das conclusões, enquanto valor, não pode deixar de ser compreendida como uma forma de estruturação lógica do procedimento na fase de recurso e não como um entrave burocrático à realização da justiça».
[4] O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/06/2013, in www.dgsi.pt assume que «o recorrente deve terminar as suas alegações de recurso com conclusões sintéticas (onde indicará os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida)».
[5] No caso concreto, não se ordena a correcção das conclusões ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 639.º do Código de Processo Civil por que, na hipótese vertente, tal solução apenas implicaria um prolongamento artificial da lide e, infelizmente, no plano prático, a actuação processual subsequente constitui na generalidade dos processos uma mera operação de estética processual que não se adequa aos objectivos do legislador e do julgador.
[6] Existe uma corrente jurisprudencial que não perfilhamos que defende que a equivalência entre as alegações e as conclusões corresponde a um quadro de falta de formulações de conclusões.
[7] Artigo 405.º (Liberdade contratual):
1. Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver.
2. As partes podem ainda reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei.
[8] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/06/1998, in http://www.dgsi.pt.
[9] Artigo 406.º (Eficácia dos contratos):
1. O contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.
2. Em relação a terceiros, o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei.
[10] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, Coimbra, pág. 354.
[11] Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª edição, Coimbra, pág. 881.
[12] Joaquim de Sousa Ribeiro, Direito dos Contratos e Regulação do Mercado, in Direito dos Contratos, Coimbra Editora, pág. 61.
[13] Artigo 236.º (Sentido normal da declaração):
1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.
[14] Artigo 237.º (Casos duvidosos):
Em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações.
[15] Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, Almedina, Coimbra, 1960.
[16] Inocêncio Galvão Telles, Manual dos Contratos em Geral, 4ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2002.
[17] Inocêncio Galvão Teles, Interpretação de negócio jurídico formal, O Direito, ano 121, 1989.
[18] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I 4ª edição (com a colaboração de Henrique Mesquita), anotação aos artigos 236.º a 239.º do Código Civil, Coimbra Editora, Coimbra, 2010.
[19] Ferrer Correia, Erro e interpretação na teoria do Negócio Jurídico, Estudos Jurídicos, 2ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1967.
[20] Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 2ª edição, Lisboa, 1985.
[21] Carlos Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição (por Pinto Monteiro e P. Mota Pinto), Coimbra Editora, Coimbra Editora, Coimbra, 2005.
[22] Carlos Mota Pinto, Forma, interpretação e integração negocial, Revista de Direito Comparado Luso-Brasileiro, n.º 1, 1982.
[23] Carlos Ferreira de Almeida, Texto e enunciado na teoria do negócio jurídico, vol. I, Almedina, Coimbra, 1992.
[24] Carlos Ferreira de Almeida, Interpretação do contrato, O Direito, ano 124, 1992.
[25] Oliveira Ascensão, Direito Civil – Teoria Geral, Acções e Factos Jurídicos, vol. II, 2ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2003.
[26] Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, vol. I (reimpressão), Almedina, Coimbra, 2005.
[27] Menezes Cordeiro, A interpretação contratual anglo-saxónica, O Direito, ano 141, 2009.
[28] Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª edição, Almedina, Coimbra, 2009.
[29] Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, 5ª edição, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2010.
[30] Carneiro da Frada, Sobre a interpretação do contrato, Estudos em Homenagem a Miguel Galvão Teles, Parte III, Almedina, Coimbra, 2012.
[31] Heinrich E. Höester, A parte geral do Código Civil, Almedina, Coimbra, 1992.
[32] Santos Júnior, Sobre a interpretação dos negócios jurídicos, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 1988.
[33] Paulo Mota Pinto, Declaração tácita e comportamento concludente do negócio jurídico, Almedina, Coimbra, 1995.
[34] Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 6ª edição, Almedina, Coimbra, 2010.
[35] Pais de Vasconcelos, UNIDROIT – Interpretação do Contrato, Themis, I/2, 2000.
[36] Miguel Teixeira de Sousa, Apontamento sobre a decisão de um non liquet na interpretação dos negócios jurídicos, O Direito, ano 122, 1990.
[37] Paula Costa e Silva, Acto e Processo, Coimbra Editora, Coimbra, 2003.
[38] J. Alberto Vieira, Negócio Jurídico – Anotação ao Regime do Código Civil (artigos 217.º a 259.º), Coimbra Editora, Coimbra, 2006.
[39] Fernando Sá, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, em anotação aos artigos 236.º a 239.º, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2014.
[40] Todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[41] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/07/2012, in www.dgsi.pt.
[42] Oliveira Ascensão, Direito Civil, Teoria Geral, Volume II, 2ª edição, Coimbra Editora, 2003, pág. 435.
[43] Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 6ª edição, Almedina, 2010, págs. 546-547.
[44] Artigo 1142.º (Noção)
Mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade.
[45] Artigo 963.º (Cláusulas modais):
1. As doações podem ser oneradas com encargos.
2. O donatário não é obrigado a cumprir os encargos senão dentro dos limites do valor da coisa ou do direito doado.
[46] Artigo 2244.º (Encargos):
Tanto a instituição de herdeiro como a nomeação de legatário podem ser sujeitas a encargos.
[47] Artigo 940.º (Noção):
1. Doação é o contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente.
2. Não há doação na renúncia a direitos e no repúdio de herança ou legado, nem tão-pouco nos donativos conformes aos usos sociais.
[48] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 3ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, pág. 292.
[49] Diário da República I Série-A, nº. 83, de 09/04/1997, págs. 1598-1602.
[50] Neste sentido, com as devidas adaptações ao regime agora vigente, pode ser lido o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 01/06/2010, in www.dgsi.pt.
[51] Artigo 2097.º (Responsabilidade da herança indivisa)
Os bens da herança indivisa respondem colectivamente pela satisfação dos respectivos encargos.
[52] Artigo 2068.º (Responsabilidade da herança)
A herança responde pelas despesas com o funeral e sufrágios do seu autor, pelos encargos com a testamentaria, administração e liquidação do património hereditário, pelo pagamento das dívidas do falecido, e pelo cumprimento dos legados.
[53] Artigo 2097.º (Responsabilidade da herança indivisa):
Os bens da herança indivisa respondem colectivamente pela satisfação dos respectivos encargos.
[54] Artigo 2091.º (Exercício de outros direitos):
1. Fora dos casos declarados nos artigos anteriores, e sem prejuízo do disposto no artigo 2078.º, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros.
2. O disposto no número anterior não prejudica os direitos que tenham sido atribuídos pelo testador ao testamenteiro nos termos dos artigos 2327.º e 2328.º, sendo o testamenteiro cabeça-de-casal.
[55] A este propósito, Rabindranath Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, Vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 1980/82, págs. 109-111.
[56] Artigo 515.º (Herdeiros dos devedores ou credores solidários)
1. Os herdeiros do devedor solidário respondem colectivamente pela totalidade da dívida; efectuada a partilha, cada co-herdeiro responde nos termos do artigo 2098.º.
2. Os herdeiros do credor solidário só conjuntamente podem exonerar o devedor; efectuada a partilha, se o crédito tiver sido adjudicado a dois ou mais herdeiros, também só em conjunto estes podem exonerar o devedor.
[57] Artigo 2098.º (Pagamento dos encargos após a partilha)
1. Efectuada a partilha, cada herdeiro só responde pelos encargos em proporção da quota que lhe tenha cabido na herança.
2. Podem, todavia, os herdeiros deliberar que o pagamento se faça à custa de dinheiro ou outros bens separados para esse efeito, ou que fique a cargo de algum ou alguns deles.
3. A deliberação obriga os credores e os legatários; mas, se uns ou outros não puderem ser pagos integralmente nos sobreditos termos, têm recurso contra os outros bens ou contra os outros herdeiros, nos termos gerais.
[58] Pode ler-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/05/2022, disponível em www.dgsi.pt, que «efetuada a partilha, cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens que lhe forem atribuídos nos termos do artigo 2119.º do CC. E cada um deles só responde pelas dívidas e encargos da herança na proporção da quota que lhe tenha cabido, sem prejuízo do que tiver sido deliberado sobre o pagamento do passivo hereditário, nos termos do artigo 2098.º do CC, respondendo também nestes termos pelas dívidas solidárias da herança (artigo 515.º, n.º 1, 2.ª parte, do CC».
[59] No acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 08/10/2015, transcrito em www.dgsi.pt, diz-se que «realizada que seja a partilha, os credores da herança apenas passam a ter a faculdade de exigir aos herdeiros a quota-parte que a cada um deles tenha cabido nessa herança».
[60] Capelo de Sousa, Direito das Sucessões, Vol. II, 3ª edição renovada, pág. 109.
[61] Artigo 2052.º (Espécies de aceitação):
1. A herança pode ser aceita pura e simplesmente ou a benefício de inventário.
2. Têm-se como não escritas as cláusulas testamentárias que, directa ou indirectamente, imponham uma ou outra espécie de aceitação
[62] Artigo 590.º (Gestão inicial do processo):
1 - Nos casos em que, por determinação legal ou do juiz, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, aplicando-se o disposto no artigo 560.º.
2 - Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho pré-saneador destinado a:
a) Providenciar pelo suprimento de exceções dilatórias, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º;
b) Providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números seguintes;
c) Determinar a junção de documentos com vista a permitir a apreciação de exceções dilatórias ou o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa no despacho saneador.
3 - O juiz convida as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa.
4 - Incumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido.
5 - Os factos objeto de esclarecimento, aditamento ou correção ficam sujeitos às regras gerais sobre contraditoriedade e prova.
6 - As alterações à matéria de facto alegada, previstas nos nºs 4 e 5, devem conformar-se com os limites estabelecidos no artigo 265.º, se forem introduzidas pelo autor, e nos artigos 573.º e 574.º, quando o sejam pelo réu.
7 - Não cabe recurso do despacho de convite ao suprimento de irregularidades, insuficiências ou imprecisões dos articulados.