INVENTÁRIO
RECLAMAÇÃO À RELAÇÃO DE BENS
DECLARAÇÕES DE PARTE
NULIDADE DA DECISÃO
TRADUÇÃO DE DOCUMENTOS
Sumário


Sumário:

1 - Em matéria de inventário, existindo um momento de produção de prova, o interessado reclamante à relação de bens pode requerer prestar declarações de parte até encerramento da diligência agendada para a realização daquela produção de prova.
2 - Proferido despacho que indefere por intempestiva tal pretensão probatória do interessado reclamante, não pode o Tribunal a quo alterar essa decisão, ainda que incorreta, sendo infundado o requerimento apresentado tendo em vista apresentar argumento que permitisse concluir pela tempestividade da pretensão deduzida e que foi indeferida.
3 - O facto de ser infundada a pretensão do interessado reclamante não implica que o requerimento apresentado seja considerado como incidente anómalo e, por isso, tributado autonomamente em custas, nos termos do art. 7.º, n.º8, do Regulamento das Custas Processuais.
4 - É nulo por total ausência de fundamentação de facto e de direito o despacho que ordena a interessado de inventário que proceda à tradução de documentos que se encontram em língua francesa, sem indicar a razão pela qual entende o Tribunal que tais documentos carecem de tradução ou a norma jurídica que define quando se deve tal tradução realizar.
5 - Ainda que tal nulidade seja afirmada, nada impede que o Tribunal de recurso aprecie se os documentos em causa carecem de tradução, considerando a sua natureza e o facto específico que a sua junção pretende demonstrar.
6 - Se o interessado que apresenta os documentos o faz depois de tal junção ter sido requerida por outro interessado e como meio de prova dos factos alegados por este interessado na reclamação à relação de bens, a não tradução dos documentos pelo apresentante não pode ter como consequência que os mesmos não sejam considerados.
7 - Este entendimento implicaria que o interessado na junção dos documentos ficasse, por via desta decisão do Tribunal e perante a inércia do apresentante, impedido de produzir o meio de prova por si requerido, devendo ser-lhe dada a oportunidade de traduzir os documentos, se se concluir que os mesmos carecem de tradução.

Texto Integral


Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório:

AA veio propor processo de inventário para partilha da herança aberta por morte de seus pais, BB, falecida em .../.../2018, e CC, falecido em .../.../2019, identificando-se a si próprio e aos seus quatro irmãos como herdeiros de ambos: DD, DD, EE e FF.
Exerce funções de cabeça de casal o interessado DD.
O interessado DD veio reclamar da relação de bens apresentada – em 16/12/2021 – alegando que foi omitida a existência de dívida da herança a esse interessado, no valor de 19.924,48 euros, juntando prova documental, em língua francesa, e requerendo que se solicitassem informações ao Instituto da Segurança Social e que o interessado AA juntasse determinados documentos.
Tendo sido apresentada uma outra reclamação por parte da interessada FF, esta juntou prova documental relativa a essa reclamação, em articulado autónomo e decorridos cinco meses sobre a apresentação da reclamação, tendo a Mmª Juiz titular do processo proferido despacho a considerar extemporânea tal junção, nos termos do art.º 1105.º, n.º2, do C. P. Civil, não a admitindo e determinando o desentranhamento dos documentos.
Deste despacho foi interposto recurso de apelação – tramitado como apenso A dos autos principais.

Do Acórdão então proferido consta que:
“por via do disposto no art. 549º, nº 1 do C. P. Civil, à tramitação do inventário são aplicáveis as disposições da parte geral desse Código, bem como as regras do processo civil de declaração que se mostrem compatíveis com o processo de inventário judicial. Assim, é aplicável ao caso concreto, com as necessárias adaptações o disposto no nº 2 do art. 423º do mesmo Código.
O processo de inventário judicial não comporta uma fase de julgamento, pelo que o prazo previsto no mencionado art. 423º, nº 2 não pode ter como marco a audiência final. No entanto, nos casos em que, como no presente, em que o processo comporte uma fase instrutória (v. art. 1109º, nº 3 do C. P. Civil), com a designação de data para inquirição das testemunhas arroladas pelos interessados, a apresentação dos documentos deve ter como limite, não a apresentação do articulado respetivo, mas sim a data fixada para tal inquirição.
É certo que o novo regime do processo de inventário visa uma tramitação mais eficaz e mais célere dos processos, no entanto, o entendimento acima exposto em nada colide com o objetivo do novo modelo procedimental já que a observância do prazo previsto no art. 423º, nº 2, relativamente à data de inquirição de testemunhas, permitirá que a apresentação dos documentos ao abrigo desse preceito e as eventuais pronúncias sobre os mesmos, a apresentar pelos restantes interessados, ocorra antes da fase da partilha.
Deste modo, não obstante a indicação das provas dever ser feita com os requerimentos e respostas (v. art. 1105º, nº 2 do C. P. Civil), os documentos poderão ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a inquirição de testemunhas, na fase instrutória do processo, caso o processo a comporte, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pode oferecer com o articulado.
Deste modo, a junção dos documentos deve ser admitida, devendo apenas a Exmª Juiz verificar se é de aplicar ou não a multa prevista no mencionado art. 423º, nº2”.
Aquele despacho que recusou a junção de documentos por não terem sido apresentados com o articulado de reclamação foi, assim, revogado.
A esta reclamação à relação de bens apresentada pela interessada FF respondeu o interessado DD, em 26/05/2022, arrolando testemunhas, pedindo as suas declarações de parte e o depoimento de parte dos interessados FF, AA, EE e do cabeça de casal.
Em 14/06/2023 o interessado DD requereu a prestação de declarações de parte à matéria da sua reclamação à relação de bens, indicando os factos respetivos.
Indicou ainda a que factos da sua resposta à reclamação da interessa FF pretendia prestar declarações de parte.
Por despacho de 15/06/2023, a Mm.ª Juiz titular do processo indeferiu a pretensão formulada pelo interessado DD no sentido de prestar declarações à matéria da sua reclamação à relação de bens apresentada pelo cabeça de casal, considerando que tal não havia sido requerido no momento da apresentação da reclamação, entendendo que o requerimento formulado nesta fase era intempestivo, ao abrigo do disposto no art.º 1105.º, n.º 2, do C. P. Civil.
Perante este despacho, em 18/06/2023, o interessado DD formulou novo requerimento, invocando a jurisprudência do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30/03/2023, proferido no processo 215/21.8T8VVD-A.G1, concluindo assim que “não obstante o teor do despacho de 15.06.2023, por se entender ser tempestivo o pedido de prestação de declarações de parte do interessado DD, atento o agora supra explanado, requer-se a V. Exa. seja proferido novo despacho que admita as declarações de parte do interessado DD à matéria vertida nos artigos 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20 e 21 da sua reclamação”.
Sobre esta pretensão do interessado foi proferido despacho, em 19/06/2023, no decurso da diligência agendada para a produção de prova, nos seguintes termos:
“conforme o despacho proferido nos autos em 15-06-2023, as declarações de parte do interessado DD foram indeferidas nos termos e pelos fundamentos aí expostos, logo tal questão encontra-se decidida, esgotando-se o poder jurisdicional sob tal matéria, nada mais havendo a decidir.
Custas do incidente a cargo do interessado DD, por manifestamente infundado, que se fixam em 2 UC”.
Por último, no que interessa a estes autos de recurso, o interessado AA juntou em 16/06/2023 um conjunto de documentos em língua francesa, cuja junção havia sido requerida pelo interessado DD na sua reclamação à relação de bens.
No início da diligência de prova já referida, em 22/06/2023, sobre os documentos juntos em língua estrangeira, proferiu a Mmª Juiz titular o seguinte despacho:
“relativamente aos documentos juntos pelos interessados na língua francesa, determino que os respetivos apresentantes procedam à sua tradução, no prazo de 10 dias, sob pena de os mesmos não serem considerados”.
Posteriormente, não tendo o interessado AA procedido à tradução dos documentos que juntou a requerimento do interessado DD, determinou a Mmª Juiz a quo que a tradução fosse realizada pelo interessado que havia requerido a sua junção (despacho de 11/07/2023), acabando depois por, a pedido deste interessado DD, “suspender” os efeitos desse despacho até decisão deste recurso (e sem prejuízo de no parágrafo seguinte ter admitido o recurso com efeito meramente devolutivo – despacho de 21/09/2023).
Inconformado, o interessado DD veio colocar em crise os três despachos proferidos:
- aquele que não admitiu que prestasse declarações de parte à matéria que indicou da sua reclamação à relação de bens;
- aquele que indeferiu a reapreciação da questão e o condenou nas custas do incidente quando formulou pedido para que fosse reapreciada esta questão;
- aquele que determinou a tradução dos documentos que se encontravam em francês, que foram por si juntos e pelo interessado AA, mas cuja junção havia por si sido requerida.
Para tanto, formulou as seguintes conclusões:
“1. Vem o presente recurso:
a. do teor do despacho de 15.06.2023 que se pronunciou quanto ao requerimento apresentado interessado pelo DD (ref. página citius ...58), na parte em que indeferiu que o mesmo prestasse declarações de parte, por se considerar tal pedido intempestivo, ao abrigo do disposto no artigo 1105.º, n.º 2 do CPC;
b. do teor do despacho proferido em ata, no dia 19.06.2023 (ref. página citius ...41), na parte em que:
i. se pronunciou sobre o teor do requerimento do interessado DD de 18.06.2023 (ref. página citius ...59) e considerou que a questão da prestação de declarações de parte pelo mesmo já se encontrava decidida pelo despacho de 15.06.2023, estando esgotado o poder jurisdicional, nada mais havendo a decidir, bem como, condenou o referido interessado em custas do incidente, que se fixaram em 2 UC, por considerar-se o pedido manifestamente infundado;
ii. quanto aos documentos juntos pelo interessado AA na língua francesa, determinou que o apresentante procedesse à sua tradução, no prazo de 10 dias, sob pena de os mesmos não serem considerados.
2. Entende o recorrente que o Tribunal a quo não decidiu bem, tendo proferido decisões ilegais, cuja revogação e substituição por novas decisões se impõe.
A - Quanto ao teor dos despachos de 15.06.2023 e de 19.06.2023, que indeferiram as declarações de parte do recorrente, tendo o despacho de 19.06.2023 fixado custas a cargo do recorrente:
3. São os seguintes os despachos de que se recorre:
- Despacho de 15.06.2023 – referência ...27:
“(…) Na sua reclamação á relação de bens o interessado DD não requereu a prestação das suas declarações de parte a tal matéria, pelo que tal requerimento nesta fase é intempestivo ao abrigo do disposto no artigo 1105º, n.º 2, pelo que vai o mesmo indeferido.”
- Despacho de 19.06.2023, em ata – referência ...41:
“(…) Referência n.º ...59: conforme o despacho proferido nos autos em 15-06-2023, as declarações de parte do interessado DD foram indeferidas nos termos e pelos fundamentos aí expostos, logo tal questão encontra-se decidida, esgotando-se o poder jurisdicional sob tal matéria, nada mais havendo a decidir. Custas do incidente a cargo do interessado DD, por manifestamente infundado, que se fixam em 2 UC. Notifique.”
4. Considerando a data em que os presentes autos foram instaurados, 16.02.2021, aos mesmos é aplicável o regime da Lei 117/2019 de 13 de setembro.
5. Numa leitura literal do n.º 2 do artigo 1105.º do CPC, seriamos tentados a concluir, tal como fez o Tribunal a quo, que todas as provas teriam que ser requeridas nos articulados de oposição, impugnação e reclamação, e, nessa medida, estaria precludido às partes a possibilidade de requerem quaisquer outras provas que não nos referidos articulados, como seria o caso das declarações de parte.
6. O processo especial de inventário não prevê uma fase de julgamento, mas tem uma fase instrutória, conforme resulta do artigo 1109.º, n.º 3 do CPC.
7. A fase instrutória, porque visa a produção de prova quanto às matérias controvertidas alegadas pelas partes, não pode deixar de ser equiparada à fase de julgamento em processo comum declarativo, sendo essa que determina o limite temporal para ser requerida a prova por declarações – ex vi artigo 549.º do CPC.
8. Seria incompreensível que a prova por declarações de parte, no processo comum declarativo, pudesse ser requerida até ao início das alegações orais e se restringisse essa possibilidade na fase instrutória do processo de inventário, onde será produzida toda a prova requerida pelas partes, tal como acontece em sede de audiência de julgamento.
9. Sobre o momento temporal para se requerer a prova por declarações pronunciou-se o recente Acórdão da Relação de Guimarães, de 30.03.2023, processo 215/21.8T8VVD-A.G1, a que o recorrente fez alusão no seu requerimento de 18.06.2023, resultando do mesmo, além do mais, o seguinte: “ (…)
III- Contudo e pese embora a indicação das provas dever ser feita com os requerimentos e respostas (v. art. 1105º, nº 2 do C. P. Civil), nos casos em que o processo comporte uma fase instrutória (v. art. 1109º, nº 3 do C. P. Civil), o aditamento ao rol de testemunhas é admissível com a designação de data para inquirição das testemunhas arroladas pelos interessados, assim como as declarações de parte são admissíveis até aquela diligência de inquirição, sendo aplicáveis, assim com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 598.º, n.º 2 e 466.º, ambos do CPC.
10. Também o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 12.01.2023, proferido nos presentes autos de inventário (Processo 487/21....), pronunciou-se quanto ao momento temporal em que as partes podem juntar documentos, referindo, sumariamente, o seguinte: “Com a entrada em vigor da Lei nº 117/2019 de 13 de setembro a reclamação contra a relação de bens já não constitui um incidente do processo de inventário, inserindo-se na marcha regular do processo em causa. -Assim, não obstante a indicação das provas dever ser feita com os requerimentos e respostas (v. art. 1105º, nº 2 do C. P. Civil), nos casos em que o processo comporte uma fase instrutória (v. art. 1109º, nº 3 do C. P. Civil), com a designação de data para inquirição das testemunhas arroladas pelos interessados, a apresentação dos documentos pode ser efetuada até 20 dias antes da data em que se realize tal inquirição, ao abrigo do disposto no nº 2 do art. 423º do C. P. Civil.”
11. Quer quanto ao despacho de 15.06.2023, quer quanto ao despacho de 19.06.2023, o Tribunal a quo, ao não admitir a prestação de declarações de parte pelo aqui recorrente, violou por errada interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 466.º, n.º 1, 549.º, n.º 1 e 1109.º, n.º 3, todos do CPC.
12. Quanto à decisão do dia 19.06.2023, não colhe a fundamentação do Tribunal a quo para a não admissão das declarações de parte do recorrente, designadamente por tal questão já se encontrar decidida por despacho de 15.06.2023, tendo-se esgotado o poder jurisdicional sobre tal matéria.
13. No requerimento de 18.06.2023, o recorrente apresentou nova fundamentação para que o Tribunal a quo ponderasse a admissão da prova por declarações de parte, revertendo a anteriormente decidida, evitando-se recursos, como o presente, tendo em vista a celeridade processual e resolução dos autos, em tempo útil, para as partes – cfr. artigo 7.º, n.º 1 do CPC.
14. Ao não admitir as declarações de parte do recorrente, o Tribunal a quo, além de violar o disposto nos artigos 466.º, n.º 1, 549.º, n.º 1 e 1109.º, n.º 3, violou, também, o disposto no artigo 613.º e no artigo 7.º, n.º 1, todos do CPC.
15. Discorda, ainda, o recorrente quanto ao decidido no despacho de 19.06.2023, quanto à fixação de custas a cargo do recorrente no montante de 2 UC.
16. A decisão do Tribunal a quo carece de fundamentação, sendo nula – artigo 154.º, n.º 1 e al. b) do n.º 1 do artigo 615.º, do CPC, ex vi 613.º, n.º 3 do CPC.
17. No despacho de 19.06.2023, quanto às custas, não se encontra indicado qual o fundamento de direito que serve de base à fixação das mesmas.
18. A fundamentação de facto e de direito das decisões judiciais tem acoplada a si vários objetivos, como resulta explanado na fundamentação do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 02.12.2003, in DGSI, com cujo o teor se concorda.        
19. Tratou o Acórdão da Relação de Guimarães, de 21.05.2015, in DGSI, sobre a nulidade de despacho, constando do seu sumário, além do mais, o seguinte: “1 – É nulo um despacho que omite por completo a fundamentação em que se baseia, limitando-se a deferir o requerido. 2 – (…)”
20. Só através da fundamentação das decisões, de facto e de direito, se permite às partes e aos tribunais superiores compreender e controlar o motivo pela qual o Tribunal a quo chegou àquela e não a outra decisão.
21. O Tribunal a quo limitou-se a decidir “Custas do incidente a cargo do interessado DD, por manifestamente infundado, que se fixam em 2 UC.”, sendo tal decisão totalmente omissa quanto à fundamentação de direito, o que a torna nula.
22. Verificada a falta de fundamentação da decisão recorrida, deverá a mesma ser declarada nula, por violados o n.º 1 do artigo 154.º e a al. b) do n.º 1 do artigo 615.º, ambos do CPC.
Ainda que assim não se entenda,
23. A decisão de fixação de custas é ilegal.
24. O n.º 1 do artigo 527.º do CPC, que regula sobre a “Regra geral em matéria de custas”, diz-nos o seguinte: “1. A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houve dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.”
25. Os n.ºs 4 e 8 do artigo 7.º do Regulamento das Custas, quantos aos incidentes, dizem-nos o seguinte: 4 - A taxa de justiça devida pelos incidentes e procedimentos cautelares, pelos procedimentos de injunção, incluindo os procedimentos europeus de injunção de pagamento, pelos procedimentos anómalos e pelas execuções é determinada de acordo com a tabela ii, que faz parte integrante do presente Regulamento.
(…)
8 - Consideram-se procedimentos ou incidentes anómalos as ocorrências estranhas ao desenvolvimento normal da lide que devam ser tributados segundo os princípios que regem a condenação em custas. (…).”
26. O n.º 4 reporta-se aos incidentes da instância com tramitação própria, estando do mesmo excluídos os incidentes que decorrem do curso regular do processo.
27. Têm tramitação próprias os incidentes de suspensão de instância, da apensação de ações ou o da habilitação de herdeiros.
28. O requerimento do recorrente, integrando-se no andamento normal do processo, não se tratando de incidente com tramitação autónoma, não tem enquadramento no n.º 4 do artigo 7.º do RCP.
29. O requerimento do recorrente também não tem enquadramento no n.º 8 do artigo 7.º do RCP, por não se tratar de uma ocorrência estranha ao desenvolvimento da lide.
30. Joel Timóteo Ramos Pereira, in Regulamento das Custas Processuais e Legislação Complementar, 2.º edição, sobre o conceito “ocorrência estranha ao desenvolvimento da lide, diz-nos o seguinte: “(…) Para concretizar este conceito, deve considerar-se estranha ao «desenvolvimento da lide» o requerimento ou a arguição que se afaste da normalidade de uma tramitação (uma tramitação normal é aquela que radica no exercício e salvaguarda de direitos). Enquanto tal, essa “ocorrência” constituirá uma violação dos princípios gerais de boa-fé e da lealdade processual que impendem sobre todos os sujeitos processuais. O propósito do legislador ao estabelecer uma sanção, funda-se na circunstância de tais atividades ou condutas processuais serem entorpecedoras da ação da justiça e, como tais, causadoras de um dispêndio inútil de meios humanos e materiais.” .
31. O requerimento do recorrente não integra qualquer conceito de ocorrência estranha ao desenvolvimento da lide, que implique uma atividade ou análise anormal do Tribunal ou perturbadora do andamento normal do processo, visando tão somente a defesa dos interesses e direitos do recorrente.
32. A decisão de tributação do requerimento do recorrente em custas, por não se tratar de um incidente, estando abrangida pela tributação do processo, é ilegal.
33. Ao condenar o recorrente em custas o Tribunal a quo violou, por errada interpretação e aplicação, o disposto no n.º 4 e no n.º 8 do artigo 7.º do RGP, e o n.º 1 do artigo 527.º do CPC.
B - Quanto ao teor do despacho de 19.06.2023, que determinou a tradução dos documentos juntos aos autos pelo interessado AA, no dia 16.06.2023:
34. O recorrente não concorda com o teor do despacho do Tribunal de 19.06.2023 que ordenou a tradução dos documentos, no prazo de 10 dias, sob pena de os mesmos não serem considerados.
35. O recorrente é parte legítima para recorrer do referido despacho (artigo 632.º, n.º 2 do CPC), porquanto, caso o interessado AA (apresentante dos documentos) não proceda à tradução no prazo de 10 dias dos mesmos, de acordo com a decisão, não serão considerados.
36. Tal decisão afeta diretamente o recorrente, uma vez que os documentos juntos se destinam a fazer prova do alegado na sua reclamação à relação de bens, e estão na posse do interessado AA, estando assim justificada a legitimidade do aqui interessado DD para recorrer do referido despacho.
37. Sobre a tradução de documentos escritos em língua estrangeira, regula o artigo 134.º do CPC.
38. O despacho do Tribunal a quo não se encontra fundamentado, nem de facto, nem de direito, ou seja, desconhecem-se as razões que motivam a tradução dos documentos.
39. O facto de os documentos se encontrarem em língua estrangeira, só por si não determina que careçam de tradução.
40. O Tribunal tem de verificar e fundamentar as razões que levam à necessidade dos documentos serem traduzidos, conforme o impõe o n.º 1 do artigo 134.º do CPC.
41. Carecendo a decisão de fundamentação, de facto e de direito, a mesma é nula – artigo 615.º, n.º 1, al. b) ex vi 613.º, n.º 3, ambos do CPC.
Em todo o caso, sempre se dirá,
42. Da leitura do n.º 1 do artigo 134.º do CPC resulta que os documentos apresentados em língua estrangeira têm de ser traduzidos, caso careçam de tradução.
43. Só caso a caso, é que o Tribunal poderá determinar da necessidade ou não da respetiva tradução.           
44. Razões de segurança jurídica e exercício do contraditório pelas partes estão subjacentes à determinação da tradução dos documentos, sendo que, se o teor do documento apresentado é de fácil compreensão, o Tribunal pode dispensar a sua tradução.
45. Os documentos juntos aos autos em língua Francesa (95 páginas), tratam-se de extratos bancários e comprovativos de transferências bancárias, compreendendo-se dos mesmos, entre o mais, quais as operações a débito e a crédito, quem é o titular da conta de onde foram realizadas as transferências, para que conta foram ordenadas as transferências e respetivos valores.
46. Com o mínimo de conhecimento da língua francesa compreende-se a informação constante dos documentos juntos, os quais se assemelham aos extratos e comprovativos de transferências dos bancos nacionais, não carecendo, no entendimento do recorrente, de tradução.
47. A decisão recorrida violou, por errada interpretação e aplicação, o disposto no artigo 134.º, n.º 1 do CPC, devendo ser revogada e substituída por outra que não determine a tradução dos documentos.
Sem prescindir,
48. Discorda o recorrente da decisão do Tribunal a quo quando determinou que os documentos não seriam considerados, caso não fosse realizada a tradução.
49. O Tribunal ordenou a tradução dos documentos ao apresentante dos mesmos, ou seja, ao interessado AA.
50. Os documentos foram juntos para prova do alegado pelo recorrente na sua reclamação à relação de bens.
51. Ao determinar que só seriam considerados os documentos caso fossem traduzidos pelo apresentante, o Tribunal a quo está a fazer depender a prova do recorrente da atuação do interessado AA, que poderá não fazer a tradução, o que não se aceita.
52. A decisão do Tribunal a quo é uma restrição à prova do recorrente, impossibilitando-o de fazer valer o seu direito e interesse legalmente protegidos, tal como lhe é reconhecido constitucionalmente – artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
53. É também contraditória com o despacho proferido nos autos em 06.03.2023 (ref. página citius ...71), já transitado em julgado, que ordenou a notificação do interessado AA para dar cumprimento ao solicitado pelo recorrente no ponto B, al. b) da prova requerida na reclamação à relação de bens, ou seja, para que juntasse aos autos os comprovativos dos depósitos/transferências na conta bancária dos seus pais das quantias que lhe foram entregues pelo interessado DD.
54. Tendo o Tribunal a quo ordenado a junção aos autos dos documentos solicitados pelo interessado DD, ora recorrente, não podia posteriormente determinar que apenas seriam considerados se fossem traduzidos, colidindo a decisão de 19.06.2023 com a decisão de 06.03.2023.
55. Por força do caso julgado da decisão de 06.03.2023, que determinou a junção aos autos pelo interessado AA dos documentos solicitados pelo recorrente, a decisão de 19.06.2023 é ilegal – cfr. artigo 620.º, n.º 1 do CPC.
56. A decisão do Tribunal a quo de 19.06.2023, na parte que agora se impugna, é violadora, por errada interpretação e aplicação, do disposto no artigo 20.º da CRP e no artigo 620.º, n.º 1 do CPC, pelo que se impõe a sua revogação”.

*
Não foram apresentadas contra-alegações.
Remetidos os autos ao Tribunal da Relação, foi determinado que os mesmos regressassem à 1.ª Instância, tendo em vista a fixação do valor da ação, considerando a interposição de recurso, bem como para que fossem apreciadas as nulidades de falta de fundamentação que foram suscitadas (em relação a dois dos despachos colocados em crise).
A Mmª Juiz a quo entendeu não existir qualquer nulidade, por falta de fundamentação das decisões, proferindo o seguinte despacho:
“Assim, relativamente ao despacho de 15/06/2023 com a ref.ª ...27 importa referir que a Mm.ª Juiz subscritora fundamentou a rejeição da diligência probatória de prestação de declarações de parte, por entender que tal requerimento naquela fase processual do incidente era intempestivo ao abrigo do disposto no artigo 1105º, n.º 2, do Código de Processo Civil. E em sede da diligência de inquirição de testemunhas, no mesmo sentido, perante apresentação de novo requerimento com o mesmo pedido de depoimento pelo recorrente, considerou que a questão já havia sido decidida, tendo-se esgotado o poder jurisdicional para o efeito.
Nestes termos, considera-se não se vislumbrar qualquer nulidade, concordando-se com o despacho proferido, por ter sido repetitivo e anómalo, face ao anteriormente decido, tendo sido tributado em conformidade. (cfr. art. 7º nº8 do RCP)
Relativamente aos documentos juntos pelos interessados em língua francesa, determinou a Mm.ª Juiz na mesma diligência conforme consta da ata de 19/06/2023, que os respetivos apresentantes procedessem à tradução dos documentos em língua francesa, no prazo de 10 dias, sob pena de os mesmos não serem considerados. O que é compreensível perante o disposto no art. 134º do Código de Processo Civil, pelo que se entende não se vislumbrar igualmente também nesta parte qualquer nulidade”.
**
Fixado o valor da ação (e não do incidente, como escreveu a Mmª Juiz a quo no despacho de 21/10, apesar de nem sequer ter procedido à soma dos bens constantes da relação de bens), o recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
**
II - Questões a decidir:

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts.º 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por C. P. Civil) -, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal são as de saber se:

1 – é admissível o requerimento formulado pelo interessado do inventário requerendo a prestação de declarações de parte quando este é apresentado após a apresentação da reclamação à relação de bens, mas antes de produzida a restante prova requerida nessa reclamação;
2 – são nulos por falta de fundamentação os outros dois despachos proferidos e aqui colocados em crise;
não sendo estes nulos ou, podendo, ainda assim conhecer-se do mérito destes dois despachos,
3 – se podia reapreciar-se a questão da admissibilidade do meio de prova indeferido e se deve ser tributada com a condenação em custas a apresentação de requerimento em que a parte reitera aquela, quando tal meio de prova foi já rejeitado por não ter sido requerido com o articulado de reclamação à relação de bens;
4 – se existe fundamento para ordenar a tradução dos documentos juntos em língua francesa e, caso exista, saber se o incumprimento dessa obrigação pode determinar que os mesmos não sejam considerados.
**
III - Do objeto do recurso:

A primeira questão que se coloca é a da admissibilidade do requerimento apresentado pelo interessado DD para prestar declarações de parte à matéria que indicou da sua reclamação à relação de bens quando, neste articulado, não requereu tal meio de prova, tendo-se em consideração que requereu prestar declarações de parte antes da diligência agendada para a produção de prova da matéria da reclamação à relação de bens.
Está em causa o disposto no n.º2 do art.º 1105.º do C. P. Civil que estabelece que, em matéria de oposição, impugnação ou reclamação, “as provas são indicadas com os requerimentos e respostas”.
E, aqui, assiste naturalmente razão ao interessado recorrente, sendo claro que esta é já a segunda vez que, no mesmo processo, se discute por via de recurso, a oportunidade do requerimento tendo em vista diligências de prova em processo de inventário, estando em causa, em ambas as situações, uma interpretação restritiva e incorreta feita pelo Tribunal a quo do que dispõe aquele n.º2 do art.º 1105.º do C. P. Civil.
Como se começou por explicar no Acórdão proferido no apenso A deste processo:
“Em 1 de janeiro de 2020 entrou em vigor a Lei nº 117/2019 de 13 de setembro que alterou o regime do processo de inventário.
Tal como nos dizem Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego,
 Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres (in O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, Almedina, pág. 8) “O novo modelo do processo de inventário assenta em fases processuais relativamente estanques e consagra um princípio de concentração dado que fixa para cada ato das partes um momento próprio para a sua realização.”
Explicam estes autores que, no modelo ora instituído, o processo de
 inventário para fazer cessar a comunhão hereditária, comporta as seguintes fases:
- Uma fase dos articulados na qual as partes, para além de requererem instauração do processo, têm de suscitar e discutir todas as questões que condicionam a partilha, alegando e sustentando quem são os interessados e respetivas quotas ideais e qual o acervo patrimonial, ativo e passivo, que constitui objeto da sucessão. Esta fase abrange a subfase inicial (arts. 1097º a 1002º) e a subfase da oposição (arts. 1104º a 1107º).
No articulado de oposição devem os interessados impugnar concentradamente todas as questões que podem condicionar a partilha, nomeadamente, apresentar reclamação à relação de bens (v. art. 1104º do C. P. Civil).
- A fase de saneamento, na qual o juiz, após a realização das diligências necessárias – entre as quais se inclui a possibilidade de realizar uma audiência prévia – deve decidir, em princípio, todas as questões ou matérias litigiosas que condicionam a partilha e a definição do património a partilhar e também proferir despacho sobre a forma da partilha.
- A fase da partilha onde ocorrerá a conferência de interessados na qual se devem realizar todas as diligências que culminam na realização da partilha.
No caso, estamos claramente na fase dos articulados, subfase da oposição/contestação, em que os interessados, nomeadamente, reclamaram da relação de bens apresentada pelo cabeça-de-casal.
Nos anteriores regimes do processo de inventário a reclamação contra a relação de bens apresentada pelo cabeça-de-casal era desenhada como um incidente da instância do inventário a que se aplicava a tramitação própria dos incidentes, regulada nos arts. 302º a 304º do Código de Processo Civil anteriormente vigente e, posteriormente nos arts. 292º a 295º do atual Código de Processo Civil.
Atualmente, tal como resulta do que acima foi dito, a reclamação contra a relação de bens já não constitui um incidente do processo de inventário, inserindo-se na marcha regular do processo em causa”.
No processo comum da ação declarativa, muito embora estabeleça a lei a obrigatoriedade das partes indicarem a respetiva prova nos seus articulados – artsº. 552.º, n.º6, e 572,º, alínea d), do C. P. Civil – estabelece-se no art.º 466.º, n.º 1, do mesmo diploma que as declarações de parte podem ser requeridas “até ao início das alegações orais em 1.ª instância”.     
Ou seja, não obstante as diligências de prova deverem ser requeridas nos articulados respetivos, este meio de prova tem na ação declarativa comum como limite temporal de admissibilidade as alegações orais a realizar em 1.ª instância.
O processo de inventário pode ter também um momento de instrução.
Com efeito, frustrando-se a obtenção de acordo das partes quanto a alguma das questões suscitadas, cumprirá ao juiz “proceder à realização das diligências instrutórias necessárias para decidir as matérias que tenham sido objeto de oposição ou de impugnação” – n.º3 do art. 1109.º do C. P. Civil.
Nenhuma razão existe – nem foi invocada pelo Tribunal a quo – que permita concluir que o legislador pretendeu que a tramitação do processo de inventário fosse, nesta matéria específica, diferente do processo comum declarativo.
Pelo contrário, é uma opção do legislador afirmar perentoriamente que aos processos especiais se aplicam as normas do processo comum em tudo quanto não estiver previsto nas disposições que são próprias de cada processo especial e nas disposições gerais e comuns dos processos especiais – art. 549.º do C. P. Civil. 
Assim, não restam dúvidas que, aplicando-se ao processo de inventário as normas do processo declarativo comum, em matéria de declarações de parte, estas podem ser requeridas até ao momento do encerramento da produção de prova a que se reporta o art.º 1109º, n.º3, do C. P. Civil, se a ela houver lugar (vide, neste mesmo sentido, com interpretação válida do art. 1105.º, n.º2, do C. P. Civil para diferentes meios probatórios requeridos em contexto de inventário, o Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães, citado pelo recorrente, da aqui Juiz Desembargadora Adjunta Anizabel Sousa Pereira, de 30/03/2023, proc.215/21.8T8VVD-A.G1, in www.dgsi.pt).
Foi, pois, tempestivo o requerimento apresentado pelo interessado DD quando requereu as suas declarações de parte à matéria da sua reclamação à relação de bens, impondo-se assim a revogação do despacho que indeferiu que as mesmas fossem prestadas.
Admite-se assim que este interessado preste declarações de parte aos factos 3.º a 21.º do requerimento de reclamação à relação de bens apresentado em 16/12/2021 – ref....57.
**
2 – A segunda questão suscitada prende-se com a alegada nulidade dos demais despachos colocados em crise por via do recurso interposto, considerando a sua alegada falta de fundamentação.
Estabelece o art.º 615.º, n.º1, alínea b), do C. P. Civil que é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, estabelecendo-se no precedente art.º 613.º, n.º 3, que esta norma se aplica também aos despachos.
Como se escreveu no Acórdão deste Tribunal da Relação de 25/05/2023, da Juiz Desembargadora Maria João Matos, proc. 2901/21.3T8VCT-C.G1, in www.dgsi.pt, através desta norma reafirma-se “a obrigação imposta pelo arts. 154.º do CPC, e pelo art. 205.º, n.º 1, da CRP, do juiz fundamentar as suas decisões (não o podendo fazer por «simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade», conforme n.º 2, do art. 154.º citado).
Com efeito, visando-se com a decisão judicial resolver um conflito de interesses (art. 3.º, n.º 1, do CPC), a paz social só será efetivamente alcançada se o juiz passar de convencido a convincente, o que apenas se consegue através da fundamentação.
Reconhece-se, deste modo, que é a fundamentação da decisão que assegurará ao cidadão o respetivo controlo e, simultaneamente, permitirá ao Tribunal de recurso a sindicância do bem ou mal julgado: a «motivação constitui, portanto, a um tempo, um instrumento de ponderação e legitimação da decisão judicial e, nos casos em que seja admissível (…) de garantia do direito ao recurso» (Ac. da RC, de 29.04.2014, Henrique Antunes, Processo n.º 772/11.7TBBVNO-A.C1) (…).
Este esforço, exigido ao Juiz de fundamentação e de análise crítica da prova produzida, «exerce a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo Tribunal Superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao ato jurisdicional» (José Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, setembro de 2013, pág. 281)”.
É hoje absolutamente claro que apenas a falta absoluta da indicação dos fundamentos de facto e de direito será geradora da nulidade em causa, e não apenas a mera deficiência da dita fundamentação (veja-se, por todos, as referências doutrinais e jurisprudenciais referidas no último Acórdão citado).
O que a lei comina com o vício da nulidade é a falta absoluta de fundamentação, pois que todas as demais irregularidades (insuficiência ou incorreção), afetando a sentença ou o despacho e podendo gerar a sua alteração, não conduzem à sua nulidade.
E, reportando-nos, mais uma vez, ao último Acórdão referido e as citações dele constantes “a concreta «medida da fundamentação é, portanto, aquela que for necessária para permitir o controlo da racionalidade da decisão pelas partes e, em caso de recurso, pelo tribunal ad quem a que seja lícito conhecer da questão de facto» (Ac. do STJ, de 11.12.2008, citado pelo Ac. da RC, de 29.04.2014, Henrique Antunes, Processo n.º 772/11.7TBVNO-A.C1)”.
Nas palavras do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23/05/2022, do Juiz Desembargador Manuel Domingos Fernandes, proc. 2872/17.0T8PNF.P1, in “no que se refere aos despachos, aplica-se a mesma disciplina por força do disposto no artigo 613.º, nº 3 CPCivil, razão pela que a fundamentação de um despacho exige a descrição das circunstâncias factuais respeitantes ao objeto do litígio (caso factual), assim como a sua fundamentação de direito (caso jurídico), mediante a indicação da lei (dimensão analítica) e a sua sustentação racional (dimensão argumentativa)”.
Dispõe o art.º 665.º do  C. P. Civil que ainda “que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação” (n.º 1); e, se “o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, deve delas conhecer no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários” (n.º 2).
Ora, analisados os despachos proferidos e cuja nulidade foi invocada por via de recurso, temos que, em relação ao primeiro, a fundamentação de facto do mesmo existe, embora seja lacónica, estando a condenação do interessado em custas associada ao carater “infundado” do incidente suscitado, por haver já decisão anterior e se entender, assim, esgotado o poder jurisdicional sobre a matéria.
É certo que não foi invocada qualquer norma jurídica para fundamentar a decisão de condenação em custas (omissão total de fundamentação de direito) mas esta surge já indicada no despacho de 21/10/2023 em que, entendendo-se inexistir nulidade do despacho por falta de fundamentação, sempre se foi indicando a norma legal que se entendia ser aplicável.
Resulta do exposto que, em relação ao despacho proferido em que se considerou não poder o Tribunal reapreciar pela segunda vez a mesma questão e condenou o interessado DD, se o mesmo era nulo por falta de fundamentação de direito (que não de facto, pois que esta existia), essa nulidade foi suprida no despacho de 21/10/2023, apesar de não se ter aí reconhecido a existência da nulidade.
Quanto ao segundo despacho, relativo à tradução de documentos em língua estrangeira e em particular os que foram juntos por um interessado por solicitação de outro, o mesmo não continha qualquer fundamentação, seja de facto, seja de direito.
E, note-se, não só não explicava o fundamento para ordenar a tradução, como também não explicava porque não seriam os mesmos considerados se não fossem traduzidos, ignorando que quem havia requerido a sua junção não era o interessado a quem se ordenou que os traduzisse.
Na sequência do despacho proferido e que determinou que o Tribunal a quo se pronunciasse sobre as nulidades invocadas, este, mais uma vez, não reconhecendo a notória existência da nulidade, sempre foi invocando a norma jurídica que, no seu entendimento, permitia que tal ato de tradução fosse realizado, suprindo, em parte, a nulidade do despacho proferido.
Este, omite, porém, qualquer fundamentação de facto, esquecendo-se o Tribunal a quo que a lei apenas obriga à tradução dos documentos que dela “careçam” e que, portanto, não basta estarem em língua estrangeira para que tenham de ser traduzidos – art.º 134.º, nº1, do C. P. Civil.
O interessado recorrente parece ignorar que se este Tribunal de recurso entender que determinado despacho é nulo por falta de fundamentação tal não significa revogar, sem mais, o despacho proferido.
Ou seja, parece supor o interessado recorrente que a afirmação da nulidade implicaria a revogação do despacho proferido, desaparecendo o despacho que ordenou a tradução os documentos.
O reconhecimento da verificação da nulidade implicaria a revogação do despacho proferido, mas também que se determinasse ao Tribunal de 1.ª Instância que fundamentasse o despacho recorrido, podendo o interessado, naturalmente, não se conformando com essa fundamentação, interpor novo recurso de apelação. 
Ou seja, é também do interesse do recorrente que o Tribunal de recurso, quando tal seja possível, embora reconhecendo a existência na nulidade do despacho por falta de fundamentação, aprecie as restantes questões suscitadas na apelação.
Assim, sendo embora nulo por falta de fundamentação de facto o despacho que ordenou a tradução dos documentos e que considerou que os mesmos não seriam considerados se não fossem traduzidos, entende o Tribunal de recurso poder apreciar do mérito do mesmo, tanto mais que o interessado recorrente se pronunciou também sobre a questão da necessidade ou desnecessidade da tradução dos documentos e as consequências da sua não tradução.
*
3 – A terceira questão que se coloca é a de saber se podia indeferir-se a pretensão deduzida pelo interessado recorrente quando pediu a reapreciação da questão da admissibilidade das suas declarações de parte e o condenou em custas pelo incidente infundado.
Não assiste qualquer razão ao interessado recorrente quando afirma que no requerimento de 18/06 apresentou novos argumentos relativamente à questão da tempestividade da sua pretensão de prestar declarações de parte.
O que o interessado fez foi, pela primeira vez, argumentar sobre tal tempestividade, quando o deveria ter feito quando apresentou o requerimento inicial em que pediu que tais declarações de parte fossem prestadas.
Se assim se não entendesse, o Tribunal estaria obrigado a apreciar sucessivamente a mesma questão – a admissibilidade das declarações de parte requeridas fora do articulado respetivo – cada vez que a parte decidisse indicar um novo argumento para que se considerassem tempestivas e, por isso, admissíveis.
A questão foi suscitada pelo interessado agora recorrente no requerimento de 14/06 e, bem ou mal, foi decidida pelo Tribunal a quo por despacho de 15/06, estando efetivamente esgotado o poder jurisdicional daquele perante a questão jurídica suscitada – admissibilidade das declarações de parte do interessado reclamante requeridas fora do articulado respetivo, ainda que em momento anterior à data agendada para a produção de prova – art.º 613.º, nº1, aplicável aos despachos judiciais nos termos do n.º3, do C. P. Civil.
Assim, bem ou mal (e já vimos que mal), não poderia o Tribunal de 1.ª Instância alterar a sua própria decisão, admitindo então tal meio de prova, reapreciando-a.
O despacho proferido – que indeferiu a prestação das declarações de parte do interessado DD à matéria que indicou da sua reclamação à relação de bens - só poderia assim ser alterado por via da interposição de recurso e não por uma qualquer reapreciação dos seus fundamentos.
Mas a questão suscitada não se prende tão só com o mérito do despacho – de não reapreciar a questão – mas com a decisão de condenação em custas que consta da sua parte final.
Ora, a justificação dada para a condenação em custas é que o “incidente” suscitado (que então não se qualificou) era “manifestamente infundado”.
Aquilo a que a Mm.ª Juiz a quo chama “incidente” é a repetição de um requerimento que havia já sido efetuado e que havia sido objeto de decisão e que, por isso, não podia voltar a ser decidido pelo tribunal.
Só a referência a incidente “anómalo” permite a condenação do reclamante numa tributação de custas autónoma, sendo esta a cobertura legal que, embora alegando-se inexistir qualquer nulidade, se deu ao despacho proferido, invocando-se então o disposto no art.º 7º, n.º 8, do Regulamento das Custas Processuais.
 Com efeito, nos termos desta norma, consideram-se “procedimentos ou incidentes anómalos as ocorrências estranhas ao desenvolvimento normal da lide que devam ser tributados segundo os princípios que regem a condenação em custas”.
Facilmente percebemos que o incidente “manifestamente infundado” e “anómalo” são conceitos distintos e que apenas este último permite a condenação em custas, sendo necessário que se identifique um incidente que seja uma ocorrência estranha ao desenvolvimento normal da lide.
Nas palavras do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02/03/2010, do Juiz Desembargador João Ramos Lopes, proc. 218/04.3TBPRD-E.P1, por reporte ao conceito de incidente anómalo que existia no art.º 16.º do Código das Custas Judiciais entretanto revogado, mas que mantém atualidade perante a redação do já referido n.º8 do art.º 7º do Regulamento das Custas Processuais, acompanhando as citações doutrinais dele constantes, “a qualificação de um determinado requerimento deduzido por um interessado, com vista a ver deferida determinada pretensão, como incidente anómalo, para efeitos de tributação nos termos do art. 16º do C.C.J., não depende de tal requerimento ser julgado infundado. Taxar de anómalo um ato que, nos termos da lei, representa o exercício dum direito atribuído ao requerente, é exprimir um conceito de anomalia que a própria lei repele.
Se do ordenamento jurídico resultar ser lícita a apresentação de uma determinada pretensão no normal decorrer da lide, então é claro que um requerimento nesses termos apresentado ‘tem o carácter e o aspeto de ato normal e regular do processo: é um ato previsto e admitido pela lei’, o que desde logo exclui a ideia de anomalia. Não pode também considerar-se que só será normal a dedução de uma tal pretensão quando ela vier a ser considerada fundada, sendo já anómala se vier a ser julgada improcedente e só servir para estabelecer desordem no processo. Esta distinção – segundo a qual o ato será normal ou anormal conforme seja fundado ou infundado, conforme se mostre inspirado no propósito de aperfeiçoar o processo ou no de o perturbar – não pode ser acolhida, pois que implicaria sujeitar à taxa de justiça prevista no artigo 16º do C.C.J. todos os requerimentos, reclamações e atos que viessem a ser julgados infundados, o que esvaziaria de sentido e alcance a taxa de justiça referida no art. 1º do C.C.J., sendo insignificante a atividade judicial que esta cobriria.
A anomalia do ato ou requerimento tem de referir-se, não ao fundamento em que assenta, mas à relação em que esteja com a estrutura ou tramitação do processo.
O ato entra no movimento regular do processo, tem o seu cabimento e o seu lugar próprio na tramitação legal? Há-de classificar-se como normal, independentemente da questão de saber se foi praticado com fim construtivo ou com propósito meramente dilatório - ou mesmo, acrescente-se, se se mostra fundado ou não.
Pelo contrário, se o ato não figura entre os termos e formalidades organizados pela lei ao estabelecer o andamento do processo, então ele entra na categoria de anómalo (tenha embora razão a parte que o requereu)”.
Ora, o ato praticado pela parte em que esta reitera a admissibilidade da realização de diligência de prova que foi indeferida há escassos três dias, quando estava agendada data para a produção da restante prova requerida para o dia seguinte, ainda que infundado, pois que o Tribunal de 1.ª Instância não podia já alterar a decisão inicialmente proferida, mesmo estando a decisão incorreta, como vimos, não é uma ocorrência estanha da lide, tendo o seu cabimento e lugar na tramitação legal.
Sendo correto o despacho que considerou não poder reapreciar-se a questão suscitada (mas sendo esta questão agora irrelevante, tendo em atenção a admissibilidade das declarações de parte no momento em que, pela primeira vez foram requeridas pelo interessado DD, não pode manter-se a sua condenação em custas, pois que o seu requerimento de 18/06, embora infundado depois de proferido o despacho de indeferimento de 15/06, não constitui uma ocorrência estranha à lide.
Existe assim fundamento para revogar o despacho proferido de 19/06/2023 (na diligência realizada nessa data) e que condenou o interessado ora recorrente em 2 Ucs a título de custas do incidente.
**
4 – Saber se, apesar de o despacho ser nulo por falta de fundamentação de facto, existe fundamento para ordenar a tradução dos documentos juntos em língua francesa e, caso exista, saber se o incumprimento dessa obrigação pode determinar que os mesmos não sejam considerados.
Começa por apreciar-se a questão do incumprimento da obrigação de tradução.
Como resulta dos autos, quem requereu a junção dos documentos foi o interessado DD, para prova dos factos que alegou na sua reclamação à relação de bens apresentada tendo junto documentos e solicitado a notificação de outro interessado para juntar os que teria na sua posse (e relativos a diferente momento temporal).
Ora, ordenando-se a notificação do interessado apresentante para proceder à sua tradução, o incumprimento desta obrigação por parte do interessado AA não pode implicar “que os mesmos não sejam considerados”, pois que tal retiraria ao interessado DD a possibilidade de utilizar o meio de prova por si requerido.
Citando mais uma vez o Acórdão já supra referido deste Tribunal da Relação de Guimarães de 25/05/2023, da Juiz Desembargadora Maria João Matos:
“Pode definir-se genericamente o direito à prova como o «direito da parte de utilizar todas as provas de que dispõe, de forma a demonstrar a verdade dos factos em que a sua pretensão se funda.
Do seu conteúdo essencial constam, portanto, os seguintes aspetos: o direito de alegar factos no processo; o direito de provar a exatidão ou inexatidão desses factos, através de qualquer meio de prova», o que implica a proibição de um elenco taxativo de meios de prova; e «o direito de participação na produção das provas» (Ac. da RC, de 14.07.2010, Carvalho Martins, Processo n.º 102/10.5TBSRE.C1).
Enfatiza-se aqui que, sem o direito à prova, as garantias constitucionais do acesso ao direito e ao processo equitativo seriam meramente formais: se não fosse facultada às partes a possibilidade de apresentarem os meios de prova legalmente admissíveis, obtidos de forma lícita, e pertinentes para a prova dos factos que previamente alegaram e cujo ónus de prova lhes compete, não conseguiriam obter o reconhecimento das respetivas pretensões.
Compreende-se, por isso, que se afirme que, sendo o direito à prova um direito necessariamente instrumental da realização de um outro, substantivo, «uma restrição incomportável da faculdade de apresentação de prova em juízo pode impossibilitar a parte de fazer valer o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva» (Ac. do STJ, de 17.12.2009, Hélder Roque, Processo n.º 159/07.6TVPRT-D.P1.S1).
Logo, e como regra geral, «os regimes adjetivos devem revelar-se funcionalmente adequados aos fins do processo e conformar-se com o princípio da proporcionalidade, não estando, portanto, o legislador autorizado, nos termos dos artigos 13.º e 18.º, n.ºs 2 e 3, a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva» (Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, pág.190).
Dir-se-á que, e mercê deste imperativo constitucional, a própria interpretação das normais legais infra constitucionais deverá ser feita por forma a salvaguardar a máxima e efetiva atividade probatória”.
Ou seja, não pode, por esta via da tradução dos documentos, coartar-se o direito probatório do interessado DD no que concerne aos documentos por si indicados como meio de prova e que estariam na posse do interessado AA que, por isso, mas só por isso, os apresentou em Tribunal.
Aliás, como resulta do relatório deste Acórdão, no processo principal de inventário, a Mm.ª Juiz titular do processo chegou já a esta mesma conclusão, “revogando” implicitamente o seu próprio despacho, pois que, perante a não tradução dos documentos pelo interessado AA (e ignorando que o recorrente também apresentou documentos em francês), proferiu novo despacho a determinar que tal tradução fosse efetuada pelo interessado DD que é, afinal, o único que está interessado em que tais documentos sejam considerados como meio de prova (ou seja, em relação aos documentos apresentados por DD, este é já o segundo despacho proferido para que proceda à sua tradução).
Resulta do exposto que, se se entender que os documentos carecem de tradução, o não cumprimento dessa obrigação por parte do interessado AA, determina necessariamente que se possibilite ao interessado DD a sua tradução.
E, voltando ao início, carecem os documentos juntos, por ambos os interessados, e de idêntica natureza, de tradução?
Dispõe o art.º 134.º do C. P. Civil que “quando se ofereçam documentos escritos em língua estrangeira que careçam de tradução, o juiz, oficiosamente ou a requerimento de alguma das partes, ordena que o apresentante a junte”.
Escreve-se no Código de Processo Civil Anotado, de António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, 3.ª edição, pág. 173, em anotação a este artigo que “a junção pelas partes de documentos originariamente redigidos em língua estrangeira deve ser acompanhada, em princípio da respetiva graduação, a qual pode ser dispensada pelo juiz quando as circunstâncias o justifiquem. A prudência aconselha, porém, que tal dispensa apenas seja autorizada quando for seguro que não compromete as garantias das partes nem a justa composição do litígio, o que poderá revelar-se especialmente pertinente quando se trate de interpretar o teor de algum documento ou cláusula contratual que se mostre decisivo para a solução do pleito”. E ainda que “os parâmetros da familiaridade do tribunal e das partes com a língua do documento a par da complexidade técnica da matéria são os fatores determinantes da necessidade ou desnecessidade da tradução dos documentos”.
Estão em causa documentos redigidos em língua francesa.
Os interessados do inventário têm, como dele consta, uma ligação a esta língua, pois que pelo menos dois referem residir na ... e uma que reside no ....
Perante a relação de bens apresentada, alegou o interessado DD ter efetuado pagamentos que tiveram como beneficiário os seus pais, reclamando assim pela inclusão na relação de bens, como dívida da herança, do valor que alega ter despendido: 19.924,48 euros.
 Alegando que tais pagamentos foram, de setembro de 2007 a fevereiro de 2016, efetuados por entregas em dinheiro que fez ao interessado AA que, por sua vez, procedia ao depósito transferência para a conta de seus pais, requereu que este interessado juntasse os comprovativos das transferências que este AA havia efetuado para a conta dos seus progenitores.
Quanto às posteriores a fevereiro de 2016, alegando ter procedido diretamente às referidas transferências, já o interessado recorrente juntou os documentos comprovativos (requerimento de 16/12/2021), também eles em língua francesa.
Note-se que, perante os documentos juntos pelo interessado GG, o cabeça de casal limitou-se a dizer desconhecer que foram efetuados os pagamentos que o interessado invoca e que a soma das verbas indicadas e comprovadas não perfaz o valor total reclamado (alegando que a existir passivo da natureza reclamada, só se poderá ter atenção às “quantias que se considerem documentadas” e que, em relação ao valor de 19.924,48 euros,  “não existe documentação a suportar tal montante”).
Apenas o interessado HH se pronunciou sobre os documentos juntos pelo interessado AA, alegando estarem falta os documentos pedidos de setembro de 2007 a abril de 2010, e alegando terem sido juntos documentos relativos a período temporal não pedido (a partir de março de 2016).
Não houve pronúncia do Tribunal de 1.ª instância sobre esta alegada omissão do interessado AA relativamente à junção de documentos requerida ou ao excesso de junção em relação aos documentos por si apresentados.
Ora, o que se pretende quer dos documentos juntos pelo interessado DD, quer dos que juntou o interessado AA é, apenas, comprovar os movimentos que terão sido realizados, a débito, da conta do interessado AA para a conta do inventariado CC, de setembro de 2007 a fevereiro de 2016, e da conta do interessado DD de março de 2016 para a conta do inventariado, desde março de 2016 até ao óbito do último dos inventariados.
Para este efeito, estando em causa uma lista manuscrita e documentos bancários em que se identifica quem transfere e para quem foi transferido, bem como o montante da transferência, se tem de concluir que os documentos juntos por qualquer dos interessados não carecem de tradução, na parte em que são relevantes para a decisão, considerando a posição que as partes assumiram nos autos sobre a matéria de facto que está controvertida e é relativa aos alegados pagamentos efetuados pelo interessado DD.
Entendemos, assim, que também aqui se impõe a revogação do despacho proferido, sendo os documentos bancários valorados ainda que se encontrem em língua francesa, na parte em que se reportam a movimentos a débito da conta do interessado AA e do interessado DD, nos períodos alegados por este último e a que cada documento se reporta, para a conta titulada pelo inventariado CC.
**
Nos termos do art. 527.º do C. P. Civil, a condenação em custas neste recurso refletirá o decaimento do recorrente apenas no que se reporta à questão da reapreciação da admissibilidade da prestação das declarações de parte, sendo seis os segmentos decisórios deste Acórdão (pois que uma das apontadas nulidades existia de facto quando foi invocada em sede de recurso, tendo o Tribunal considerado que foi suprida no momento que a lei processual prevê que tal se possa verificar, nos termos do art.º 617.º, n.º5, do C. P. Civil).

Sumário:
1 - Em matéria de inventário, existindo um momento de produção de prova, o interessado reclamante à relação de bens pode requerer prestar declarações de parte até encerramento da diligência agendada para a realização daquela produção de prova.
2 - Proferido despacho que indefere por intempestiva tal pretensão probatória do interessado reclamante, não pode o Tribunal a quo alterar essa decisão, ainda que incorreta, sendo infundado o requerimento apresentado tendo em vista apresentar argumento que permitisse concluir pela tempestividade da pretensão deduzida e que foi indeferida.
3 - O facto de ser infundada a pretensão do interessado reclamante não implica que o requerimento apresentado seja considerado como incidente anómalo e, por isso, tributado autonomamente em custas, nos termos do art. 7.º, n.º8, do Regulamento das Custas Processuais.
4 - É nulo por total ausência de fundamentação de facto e de direito o despacho que ordena a interessado de inventário que proceda à tradução de documentos que se encontram em língua francesa, sem indicar a razão pela qual entende o Tribunal que tais documentos carecem de tradução ou a norma jurídica que define quando se deve tal tradução realizar.
5 - Ainda que tal nulidade seja afirmada, nada impede que o Tribunal de recurso aprecie se os documentos em causa carecem de tradução, considerando a sua natureza e o facto específico que a sua junção pretende demonstrar.
6 - Se o interessado que apresenta os documentos o faz depois de tal junção ter sido requerida por outro interessado e como meio de prova dos factos alegados por este interessado na reclamação à relação de bens, a não tradução dos documentos pelo apresentante não pode ter como consequência que os mesmos não sejam considerados.
7 - Este entendimento implicaria que o interessado na junção dos documentos ficasse, por via desta decisão do Tribunal e perante a inércia do apresentante, impedido de produzir o meio de prova por si requerido, devendo ser-lhe dada a oportunidade de traduzir os documentos, se se concluir que os mesmos carecem de tradução.

IV – DECISÃO:

Pelo exposto, acordam as Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto e, em consequência, revogam em parte os despachos proferidos sob recurso:
1 – admitindo que o interessado DD preste declarações de parte aos factos 3.º a 21.º do requerimento de reclamação à relação de bens apresentado em 16/12/2021 – ref....57;
2 –declarando suprida a nulidade cometida pelo Tribunal a quo no que se refere à inadmissibilidade de reapreciação de questão anteriormente suscitada relativa às declarações de parte do reclamante DD e sua condenação em custas – diligência de 19/06/2023;
3 - julgando verificada a nulidade invocada e relativa à falta de fundamentação do despacho que ordenou a tradução dos documentos juntos e língua estrangeira – diligência de 19/06/2023;
4 – não sancionando com custas o requerimento apresentado pelo interessado DD que reiterou a tempestividade do requerimento anteriormente apresentado e relativo à prestação de declarações de parte;
5 – admitindo que os documentos juntos pelo interessado DD e AA, na parte em que se reportam ao período temporal constante da reclamação à relação de bens apresentada pelo primeiro, sejam considerados sem tradução, por dela não carecerem;
6 - mantendo o despacho que considerou não poder o Tribunal reapreciar a questão da admissibilidade do meio de prova das declarações de prova, requerido pelo interessado GG em 18/06/2023
Custas do recurso pelo interessado recorrente e demais interessados do inventário, na proporção de 1/6 para o primeiro e 5/6 para os demais, nos termos do art.º 527.º do C. P. Civil.
*
Guimarães, 07/12/2023
(elaborado, revisto e assinado eletronicamente)