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IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS
OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS
MAIORIDADE
RAZOABILIDADE
Sumário
.1- Face ao Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, n.º 12/2023 para admitir o recurso quanto à impugnação da matéria de facto é necessário que: .a) conste das conclusões: - a indicação dos concretos pontos que o Recorrente considera incorretamente julgados .b) constem das alegações (porquanto não podem nas conclusões ter-se em conta o que não foi alegado, visto que destas devem ser um resumo): - quer os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida sobre os pontos da matéria de facto impugnados; - quer a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. .2- Face ao privilegiar da “preocupação da verdade material em detrimento da observação de formalidades” proposto neste acórdão, entende-se que há que admitir a impugnação mesmo nos casos em que o juízo crítico efetuado à prova não seja efetuada com a profundidade desejável, embora tal possa implicar que a análise das questões seja efetuada em consonância com a superficialidade encontrada nas alegações, não se justificando ir para além do aflorado. .3- Porque a falta de cumprimento da obrigação de prestar alimentos por parte dos pais pode pôr em causa o princípio da dignidade da pessoa do filho, só quando estejam em causa as necessidades de auto-sobrevivência dos progenitores é que se pode equacionar a hipótese destes deixarem de cumprir as necessidades primordiais das crianças e jovens em formação que têm a seu encargo. .4- A obrigação de alimentos que foi fixada durante a menoridade prolonga-se até aos 25 anos do filho se a formação académica ou profissional não estiver completa por causa que não resulte de grave culpa da sua parte, entendendo-se como normal que o custo com a educação possa englobar o custo das propinas de uma universidade, privada ou pública, ou estudo profissional, desde que em montante razoável face ás possibilidades dos progenitores. .5- Para se apurar da razoabilidade deste custo, há que ter que em conta todas as situações do caso, relevando o aproveitamento do jovem e a sua situação económica, bem como a situação económica dos pais e o custo inerente ao estudo e a limitada duração desse período; ainda se pode conceber que a grave e reiterada violação dos deveres filiais do jovem já na fase adulta perante o progenitor pode desobrigar o progenitor a continuar a prestar alimentos educacionais ao filho maior, o mesmo ocorrendo quando o aproveitamento escolar do jovem não é proporcional ás dificuldades que o seu custeio lhes impõe.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
Requerido e Apelante:AA Requerente e Apelada: BB autos de: apelação (em ação com vista à alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais)
.I- Relatório
A Requerente peticionou a alteração do regime da regulação das responsabilidades parentais quanto à obrigação de prestação de alimentos do seu pai em seu benefício, para o seguinte: “A título de pensão de alimentos o pai entregará à filha maior a quantia de 200,00 € mensais, até ao dia 12 de cada mês, por transferência bancária…”
Alegou, para tanto em síntese, que é filha do Requerido, nascida a .../.../2003 e que no acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, homologado por sentença proferida a 5/02/2020, ficou estabelecido que a título de pensão de alimentos o pai pagaria à mãe-guardiã a quantia de 100 € mensais, atualizada anualmente em 5 €, a partir de janeiro de 2021 e as despesas de saúde devidamente comprovadas e não comparticipadas, sendo as despesas de educação comparticipadas em partes iguais pelo pai e pela mãe.
Defende que o montante da pensão de alimentos, de 110,00 €, é insuficiente para todas as despesas de habitação, alimentação, educação, saúde, higiene e vestuário ou calçado da Requerente, porquanto se inscreveu no curso de Educação Física e do Desporto da Universidade da ..., evitando despesas com a mudança para o curso público ao qual foi admitida, a 75 Km de casa, em ... e o afastamento da equipa B de futebol feminino do EMP01... da qual é atleta, com 4 treinos semanais. O curso tem a duração de 3 anos, a Requerente já concluiu o primeiro ano e o valor da propina é de 351,00 € mensais, a ser liquidado, em cada ano letivo, em onze meses. A mãe da Requerente é assistente operacional e aufere o salário mínimo nacional.
Citado o requerido, este alegou, em síntese, que o aumento da pensão pedida se funda na “sumptuária opção da Requerente de, em vez de frequentar, como podia, o Ensino Superior Público, estar a frequentar o Ensino Superior Privado”, o que fez sem falar consigo e sem averiguar se o mesmo tinha condições económicas para suportar tal despesa. O aumento da pensão de alimentos nos valores peticionados, mostra-se abusivo e desfasado da realidade e possibilidade económica do aqui requerido, porquanto aufere apenas o salário mínimo nacional, acrescido de 104,00 €de subsídio de alimentação, recebendo em duodécimos os subsídios de férias e de natal num total de 836,96 €. Não podem ser fixados alimentos em montante desproporcionado aos meios de quem se obriga, violadores da dignidade da pessoa humana.
Procedeu-se à realização de conferência, nos termos do artigo 936º do Código de Processo Civil, tendo a Autora esclarecido que “requer que a pensão de alimentos seja fixada em € 200,00, incluídas as despesas de educação”.
O Réu terminou a sua contestação admitindo o aumento da prestação de alimentos para um valor mensal de € 150,00.
Sanearam-se os autos e, produzida prova, foi prolatada a decisão ora em recurso, com o seguinte decisório:
“Pelo exposto, decido julgar totalmente procedente a ação e, em conformidade, decido aumentar a prestação alimentícia devida pelo requerido AA à requerente BB para a quantia mensal de € 200,00 (duzentos euros), na qual estão incluídas as despesas de educação, quantia que deverá ser liquidada até ao dia 12 de cada mês, por depósito ou transferência bancária, atualizada anualmente a partir de janeiro de 2024 em € 5,00 (cinco euros), acrescida de metade das despesas de saúde na parte não comparticipada.”
O apelante, pugnando pela total improcedência da pretensão formulada pela Requerente, e a sua absolvição do pedido, mantendo-se a prestação de alimentos no valor de 115,00 €, no recurso que apresentou formulou as seguintes conclusões:
“a. A recorrida intentou em 07/07/2022 uma ação de alteração da sua regulação do exercício das responsabilidades parentais peticionando, além do mais, que lhe fosse alterada valor pago a título de pensão de alimentos na quantia de €115,00 para a quantia mensal de € 200,00. b. Alegando que o montante fixado a título de alimentos não corresponde às atuais carências dela e que, por isso, necessita de um aumento da pensão de alimentos para poder concluir os seus estudo e fazer face á suas despesas. c. Que está a estudar numa Universidade privada, necessitava para fazer face as suas despesas escolares e do dia a dia, de um aumento de pensão de alimentos para a quantia de € 200,00. ( duzentos euros). d. O aqui Recorrente, no concernente ao aumento exorbitante que foi peticionado, apresentou a competente contestação, alegando que, e além do mais, atendendo à sua débil condição económico-financeira, tal pedido de aumento para aquela quantia não era, e é, proporcional nem exequível face ao aumento que a Recorrida peticionava. e. E, apesar de ele ter provado e demostrado que se encontra numa situação de total carência económica, o Tribunal a quo profere sentença a julgar procedente o pedido formulado pela Recorrida. f. O presente recurso interposto da decisão que, infundadamente, julgou a ação intentada pela Recorrida procedente e, em consequência, decidiu fixar a prestação alimentícia devida pelo recorrente à recorrida para a quantia mensal de € 200,00 (duzentos euros), g. Aumento esse que incluí as despesas de educação, acrescida de metade das despesas de saúde na parte não comparticipada. h. O âmago da divergência do Recorrente quanto à sentença recorrida, é esta não ter valorado, devidamente, a prova produzida em audiência de julgamento, incorrendo num manifesto mutismo quanto a todo o alegado e demostrado pelo recorrente no processo, designadamente, na audiência de julgamento e na prova que carreou para os autos. i. Sabe-se que a lei impõe que o julgador evite a formulação de um juízo arbitrário ou intuitivo sobre a verificação, ou não, de um facto e determine que a convicção adquirida se faça através de um processo racional, ponderado e maturado, alicerçado e objetivado na análise crítica e concatenada dos diversos dados e contributos carreados pelas provas produzidas, para que, assim, a sua bondade e legalidade possa ser sindicada, como muito bem se decidiu por unanimidade no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29/05/2007. j. Sendo de salientar também, nessa conformidade, que apesar do julgador ser livre na formação da sua convicção, essa liberdade tem-se como condicionada à prova produzida em audiência de julgamento, que não pode ser apreciada de modo inexorável a fim de validar o que foi alegado pela recorrida e infirmar a prova cabal do Recorrente, concretamente o depoimento do mesmo e da sua testemunha CC, atento o seu óbvio interesse no desfecho da ação, com inequívoca violação do princípio da igualdade processual. k. E no caso sub judice o julgador da 1.ª Instância, erradamente, apenas valorou a prova apresentada pela recorrida e não a prova apresentada pelo Recorrente, como se impunha. l. Pelo que, como com toda a certeza V/Exa., Venerandos Desembargadores fazendo como sempre justiça material, irão alterar de harmonia com isso, julgando com base nisso, a ação totalmente improcedente. m. As alegações ora apresentadas sindicam o processo no silogismo metódico- dedutivo seguido pelo Tribunal a quo, quer para a prova apurar, quer essencialmente, para o respetivo exame analítico da decisão da causa. n. Na verdade a sentença ora recorrida é muito genérica ou demasiada imprecisa, não articulando umas provas com as outras, designadamente, salientando apenas a versão da prova produzida pela recorrida , desconsiderando totalmente a que foi produzida pelo Recorrente que deveria ter sido valorada. o. O que de modo algum se pode aceitar, como V/Exa. Venerandos Desembargadores com toda a certeza não aceitarão, indo julgar em conformidade com todo o alegado pelo Recorrente nesta sede. p. Nesta sede compete alegar que a sentença recorrida não teve na devida consideração o facto de aqui Recorrente se encontrar atualmente desempregado, em manifesta dificuldade económica razão pela qual não poderia aceitar, de modo algum, o pedido de pensão de alimentos da quantia € 115,00 para um aumento exorbitante de € 200,00 peticionados pela Recorrida. q. Uma vez que em subsequência do divórcio por mútuo consentimento entre o aqui Recorrente e a mãe da Recorrida, ficou regulado o exercício das responsabilidades parentais dela, estipulando-se que o aqui Recorrente pagaria, a título de pensão de alimentos, o montante de €100,00 ( cem euros) atualizados anualmente e a partir de janeiro de 2021 em 5 euros. Tal pensão de alimentos computa-se hoje na quantia mensal de €115,00 (cento e quinze euros), r. Tal acordo de regulação, como se torna evidente, teve na devida consideração a situação económico-financeira do Recorrente aquela data, sendo que atualmente até é muito penosa visto que se encontra desempregado desde Março e 2023, cfr. prova que fez nos autos. s. Pelo que o aumento da pensão de alimentos para a quantia de €200,00, (duzentos euros mensais) mostra-se absolutamente desajustada à real situação económico-financeiro do Recorrente. t. Já que esse aumento exorbitante é fundado na sumptuária opção da Recorrida de, em vez de frequentar, como podia, o Ensino Superior Público, estar a frequentar o Ensino Superior Privado. u. Na verdade tal o aumento da pensão de alimentos para a quantia de € 200,00, mostrase abusiva e desfasada da realidade e possibilidade económica do aqui recorrente, que ao ser mantida, o que não se concede, é absolutamente violadora do princípio da dignidade humana dele, colocando-o numa situação de indigente. v. O Recorrente até março de 2023 exerceu a atividade profissional de vendedor/representante comercial na empresa EMP02..., Lda., com sede em ..., auferindo apenas o salário mínimo nacional, acrescido de €104,00 de subsídio de alimentação, recebendo em duodécimos os subsídio de férias e de natal num total de € 836,96 ( oitocentos e trinta e seis euros e noventa e seis cêntimos), w. Só que a empresa onde o aqui recorrente trabalhava, já há muito que se encontrava a passar por graves e serias dificuldades financeiras, razão pela qual resolveu vários contratos de trabalho, estando, até, na iminência de se apresentar a uma Insolvência. x. A dificuldade económica e viabilidade da entidade empregadora do recorrente estava tal forma comprometida que vinha a pagar o salário do recorrente desde, há pelo menos seis meses, em prestações, levando a que desde Março de 2023 deixasse totalmente de proceder ao pagamento dos salários ao aqui Recorrente. y. Sendo este forçado a suspender, numa primeira, face, o contrato de trabalho, por motivo de falta de pagamento pontual da retribuição, por período superior a um mês sobre a data do seu vencimento. z. A ilustrar isso mesmo atente-se no depoimento da testemunha CC prestado no dia 16/05/2023, ao intervalo de tempo: 00:00:14h até ao minuto 00:07:40h, que corrobora isso mesmo. aa. O que agravou a situação económico-financeira do recorrente, ficando ainda mais débil e mais difícil de gerir. bb. Tal dificuldade nos pagamentos e critica situação da entidade empregadora do Recorrente levou a que ela deixasse de pagar qualquer valores a título de salário ao aqui recorrente, o que levou a ficar mais de quatro meses sem qualquer tipo de rendimento, cc. Mas que, mesmo assim, continuou a pagar a pensão de alimento à recorrida no valor de €115,00, mensais sem nunca falhar. dd. A corrobora isso mesmo veja-se o no depoimento do Recorrente prestado no dia 16/05/2023, ao intervalo de tempo: 00:04:51h até ao minuto 00:46:21h, que corrobora isso mesmo. ee. A tudo isto acresce o facto de , com o decretado do divórcio do recorrente, Fevereiro de 2020, ele foi residir na casa da sua mãe. ff. E com o falecimento do seu pai em 2019, e pelo facto de a mãe apenas auferir uma pensão por velhice na quantia mensal de € 516,90, o recorrido comprometeu-se, como se impunha, a suportar as despesas do quotidiano, gg. Atendendo à baixa pensão de velhice da sua mãe, ao facto de ela ser doente, e pelo facto de residir em casa da sua mãe, assumiu suportar todas as contas do quotidiano e de alimentação suas e da sua mãe. hh. Também não se pode olvidar que atendendo à galopante inflação e ao aumento cavalgante dos preços, o aqui Recorrente passou a despender de muito dinheiro em combustível e em bens alimentares, ii. O que levou, leva e levará a um maior esforço financeiro por parte dele e ajustes económicos de forma a que se consiga sustentar e proceder ao pagamento atempado das contas do quotidiano e alimentares da casa da mãe onde reside. jj. Ora, e conforme já supra referido, o recorrente ficou sem auferir qualquer rendimento desde março de 2023 até Junho de 2023m já que a entidade empregadora do Recorrente cessou o vinculo laboral que tinha com ele, ficando este desempregado e a auferir, desde finais de Junho de 2023 até ao presente a quantia de €552,49 ( a título de subsidio de desemprego), kk. Mas sempre cumprindo com o pagamento da pensão de alimentos á recorrida no valor de €115,00. ll. Ora, com as despesas do quotidiano, o pagamento da pensão de alimentos à recorrida contrabalançando com o valor subsidio de desemprego que o Recorrente aufere, este fica totalmente consumido pelas mesmas, razão pela qual o Recorrente até evita ter qualquer despesa médica e de vestuário, porque não tem rendimentos para tal. mm. Daqui diflui que o aqui Recorrente não se encontra, de modo algum, em situação económico-financeira que lhe permita prestar alimentos superiores ao que atualmente presta, muito menos na quantia que ficou decidida e fixada na sentença ora recorrida no valor mensal de € 200,00 , para satisfação sumptuária da Recorrida. nn. Porque ao ter que pagar tal valor conjuntamente com as contas mensais fixas que este tem, seria ultrapassado largamente o valor que este recebe a titulo de subsidio de desemprego, o que o coloca , como é evidente a todas as luzes, numa situação de manifesta carência económica, colocando em causa a sua dignidade como pessoa humana, por ficar privado de bens essenciais à sua existência condigna em sociedade. oo. E, sabe-se, que o princípio da dignidade humana perpassa a ordem jurídica e assume projeção normativa, de tal modo que, nessa conformidade, a Constituição da Républica Portuguesa, no seu art.1º, refere ser Portugal uma República soberana, baseada na dignidade humana. pp. E a nível internacional, por exemplo e desde logo, o Tratado da União Europeia faz alusão ao património cultural, religioso e humanista da Europa de onde emanaram os valores universais que são os direitos invioláveis e inalteráveis da pessoa humana. qq. A Carta das Nações Unidas reafirma a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana. rr. São apenas exemplos de instrumentos internacionais onde se vislumbra a importância para os ordenamentos jurídicos da dignidade da pessoa humana e, por conseguinte, do seu relevo orientador, nomeadamente ao poder jurisdicional, sendo um princípio geral do direito. ss. A tutela da dignidade assenta não só no reconhecimento da liberdade da pessoa, mas em condições materiais básicas de subsistência, de modo a que ninguém possa ficar privado de bens essenciais à existência condigna em sociedade. tt. O recorrente atualmente encontra-se numa situação de dificuldade financeira que não pode deixar de ser tomada em consideração pela gravidade do concreto contexto económico-financeiro e pelo facto de estar desempregado, não se podendo dissociar a dignidade da pessoa que representa a sociedade, tanto mais que para agravar a situação económica do requerido que já era critica, ficou desempregado. uu. Por outro lado, se alega que a Recorrida frequenta uma universidade privada, mais concretamente, no Instituto Superior ..., abrir um parêntese para esclarecer e reforçar o seguinte: vv. Com a conversão do divórcio do recorrente em mútuo consentimento, ficou consignado e acordado, além do mais, no que concerne à Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais da filha, aqui recorrida, no ponto I ( questões de particular importância) que : todas as decisões de maior relevo para a vida da menor serão tomadas conjuntamente pelo Pai e pela mãe, ressalvando os casos de urgência manifesta, em que qualquer um deles poderá agir sozinho, prestando contas ao outro logo que possível; ww. Ora, não obstante tal acordo de regulação, a Recorrida nunca informou que iria candidatar-se ao Ensino Superior Privado no ano letivo de 2021/2022, uma vez que até tinha já comunicado ao Recorrente não ter média suficiente para se candidatar naquele ano letivo ao Ensino Superior e que, por isso, estaria a pensar fazer melhorias de notas. xx. Nunca a recorrida comunico ao recorrente a que Estabelecimentos de Ensino é que se pretendia candidatar, muito menos foi conversado e decidido por ambos os progenitores, obviamente, atendendo as condições económico-financeiras de cada um, se haveria condições/possibilidade de a recorrida frequentar, eventualmente, o Ensino Superior Privado num total incumprimento do que ficou regulado pelo Tribunal, nada disso foi feito ou dialogado com o recorrente, yy. Que acabou por só ter conhecimento por terceiros, que a Recorrida teria entrado numa Universidade Privada, na .... zz. Nunca a recorrida questionou o aqui recorrente se este tinha condições económicas para a ajudar se ela optasse, como optou, por ingressar no Ensino Privado, aaa. O recorrente teve conhecimento que a Recorrida entrou no Ensino Público- Instituto Politécnico de ... - Escola Superior de Desporto e Lazer ...; Só que a Recorrida decidiu sozinha, naquele ano letivo, sem averiguar se o recorrente teria possibilidade económicas para suportar tais despesas, optou por se matricular no Ensino Privado Instituto Superior .... bbb. Toda esta situação decorreu absolutamente à margem, conhecimento e anuência do Recorrente, apesar de ela bem saber que essa opção acarretaria maiores encargos, situação essa que apenas podia ser viável para quem tivesse uma condição de vida bem diferente daquela que a Recorrida tem, bem modesta, e sempre teve. ccc. Um pai não serve só para pagar e pagar!!! Tem de haver diálogo e é fundamental perceber se há condições económicas isso, e só depois se toma decisões. ddd. A recorrida não teve em conta a razoabilidade da real e efetiva situação económica do Recorrente naquela época, que é e bem pior agora que se encontra desempregado, e da impossibilidade de este custear tais despesas do Ensino Privado. eee. E no Ensino Público, no qual ficou colocada a Recorrida, o valor anual de propinas era de € 697,00, e no Ensino Privado, que ela, sem mais, escolheu e frequenta o valor anual de propinas é de € 3.841.20. Concluindo-se, a todas as luzes, que há uma substancial diferença entre um e outro, sendo, como é evidente, muito mais oneroso o Ensino Privado, sem conhecimento do recorrente. fff. A corroborar isso mesmo atente-se no depoimento da testemunha CC prestado no dia 16/05/2023, ao intervalo de tempo: 00:00:14h até ao minuto 00:29:23h, que corrobora isso mesmo. ggg. A recorrida optou por ingressar no Ensino privado, por sua própria, única e exclusiva vontade, sem abordar tal assunto com o aqui recorrente. hhh. Sendo claro e evidente que se ela optasse pelo Ensino Público, atendendo aos rendimentos dos seus pais, aqui Recorrente, ainda tinha os benefícios de lhe ser atribuída um bolsa de estudos, que lhe possibilitaria pagar as propinas na integralidade, e o direto de ficar numa residência Universitária sem custos. iii. Razão pela qual o aqui recorrente não se conforma com a sentença ora recorrida que considerou que o aumento da pensão de alimentos do recorrente a prestar à recorrida para a quantia de €200,00 mensais é e proporcional às suas possibilidades. jjj. Mostrando-se a mesma infundada e desajustada à real situação económico-financeira do recorrente que está DESEMPREGADO e aufere um rendimento de subsidio de desemprego na parca quantia de €552,49 ( quinhentos e cinquenta e dois euros e quarenta e nove cêntimos). kkk. Devendo a sentença recorrida ser totalmente revogada, como V/Exas., Venerandos Desembargadores, com toda a certeza o farão em afirmação da justiça material. lll. A terminar, ainda se dirá que aos progenitores compete criar os seus filhos numa condição de vida, que corresponda a um patamar normal, dentro das condicionantes sociais e económicas de que disponham, e atendendo ao rendimento que auferem. mmm. Como é que alguém que ganha €552,49 pode pagar uma pensão de alimentos na quantia de €200,00 acrescida de metade das despesas de saúde na parte não comparticipada. Isso mostra-se absolutamente desproporcional e até abusivo. nnn. Importando, ter em consideração o montante de despesas, que se afiguram razoáveis para promover o sustento dos filhos, atendendo-se, como é evidente, ao nível de rendimentos dos pais, ooo. Não se podendo, logicamente, impor/obrigar ao Recorrente a sacrifícios e pagar o que não tem para proporcionar à Recorrida um modo de vida, que supera o adequado à respetiva condição económica dela, colocando-o, até, numa situação que afeta a sua dignidade como pessoa humana, ficando privado de bens essenciais à sua existência condigna em sociedade. As pessoas devem viver dentro do padrão de vida que podem ter e não do que querem ou desejam ter. ppp. A prestação alimentar concreta deve ser determinada a partir do confronto da necessidade do alimentando com as possibilidades económicas do devedor de alimentos. qqq. Nessa avaliação das possibilidades do obrigado à prestação de alimentos, deve, por um lado, atender-se ao volume dos seus rendimentos, contrapondo-o, todavia, com o montante dos seus encargos regulares e das obrigações que tem, rrr. O aqui recorrente olvidar que a prestação de alimentos a uma filha é sempre um dever, mas dentro do seu padrão de vida e sobretudo dentro da sua condição económica e financeira. sss. E que não podem ser fixados alimentos em montante desproporcionado aos meios de quem se obriga, violadores da dignidade da pessoa humana, ttt. Se a Recorrida pretende ter um padrão de vida, que os progenitores nunca tiveram nem agora conseguem suportar, deve, por si, arranjar um part time, que lhe permita fazer face a todas aquelas despesas exorbitantes que optou fazer. uuu. Tanto mais quanto hoje em dia há muitos jovens estudantes que, dadas as dificuldades das suas famílias, para poderem custear as suas despesas procuram um trabalho, sem que isso se considere um estigma de qualquer natureza. vvv. E se a recorrida pretende manter-se no ensino privado, mesmo sabendo que os progenitores não têm condições para tal, deve ir em busca de um trabalho, maxime, em part time, para obter rendimentos suplementares ou adicionais aos prestados pelos pais, www. O aqui recorrente gostaria muito, se assim lhe fosse possível, ajudar mais a Recorrida mas atendendo à sua condição económico-financeira e ao facto de atualmente estar desempregado , não lhe permite despender uma quantia superior a já fixada de € 115,00, (quantia esta que paga, sem nunca falhar, com muito, muito sacrifico). xxx. Atendendo aos seus rendimentos é lhe humana e economicamente impossível despender mensalmente da quantia de € 200, 00 ( duzentos euros) que ficou fixada na sentença ora recorrida. yyy. E a terminar tudo isto se conclui que, como é bem sabido, resulta do preceituado no artigo 1880.º do Código Civil que a obrigação do pai para com a filha só se mantém ou se fixa na medida em que seja razoável exigir dele o seu cumprimento. zzz. Essa obrigação pressupõe que seja razoável tal imposição em face das necessidades reias da filha, que seja justo e sensato exigir do pai a despesa em causa. aaaa. Como afirma o Professor Faria e Costa, “os juristas carregam a cruz antropológica da decisão justa e prudente”. E, a decisão ora recorrida nem é justa, nem, sobretudo, prudente. bbbb. Não se pode olvidar que o recorrente encontra-se desempregado e a auferir um subsídio de desemprego num valor diminuto, e que mesmo assim nunca falhou a pensão de alimentos à filha na quantia de €115,00, cccc. Acarentando com toas as normais despesas do quotidiano, que, a ser mantido o valor da pensão de alimentos fixado na sentença recorrida na quantia de €200,00 irá colocar o aqui Recorrente numa situação de absoluta carência económica, violadora do principio da dignidade da pessoa humana. dddd. A manter-se a decisão ora recorrida, o que, não se concede nem concebe, viola de forma gritante o princípio da dignidade da pessoa humana.”
A Recorrida respondeu ao recurso, terminando com as seguintes conclusões: “1. O Recorrente nas alegações apresentadas omite se aquele tem por objeto matéria de facto, matéria de direito ou ambas. 2. Pela transcrição do depoimento da testemunha CC ao longo das alegações apresentadas e pela referência, nas alegações, à reapreciação da prova gravada, a Recorrida depreende que o recurso do Recorrente tem por objeto matéria de facto. 3. Ora, partindo deste pressuposto, considera-se que o Recorrente não cumpre o ónus de impugnação da matéria de facto, constante do artigo 640.º, n.º 1, al. a) e c) do Código de Processo Civil (doravante designado como C.P.C.). 4. Apesar de transcrever passagens do depoimento da testemunha CC, o Recorrente nunca indica quais os pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, assim como a decisão que deveria ter sido proferida sobre as questões de facto impugnadas. 5. A transcrição de passagens do depoimento da testemunha CC nas alegações não satisfaz o formalismo processual constante da alínea a) e c), do n.º 1 do artigo 640º do Código de Processo Civil, pois não permite aferir de que forma o depoimento prestado implicaria uma alteração dos factos provados e não provados. 6. Tal dificulta o contraditório da aqui Recorrida. 7. A transcrição de passagens do depoimento da testemunha CC nas alegações – sem a indicação dos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, assim como a decisão que deveria ter sido proferida sobre as questões de facto impugnadas - inverte o ónus constante do referido artigo 640.º do Código de Processo Civil e deixa – o a cargo do Tribunal ad quem a quem caberá, através da leitura da transcrição de partes do depoimento da referida testemunha, identificar quais pontos da matéria de facto, no entender do Recorrente, incorretamente julgados. 8. O não cumprimento do ónus previsto na al. a) e c), do n.º 1, do Código de Processo Civil implica a rejeição imediata do recurso naquela parte. 9. Nestes termos, deve o recurso de Apelação apresentado pelo Recorrente, no que respeita à impugnação da matéria de facto, ser rejeitado dado o incumprimento do ónus de impugnação relativa à matéria de facto. 10. Caso assim não se entenda e, por mero dever de patrocínio, acrescentar-se-á que o tribunal a quo decidiu em conformidade quando considerou que o Recorrente não se encontra desempregado, assim como sem receber qualquer subsídio. 11. Tal deve-se ao facto de na audiência de julgamento do dia 16/05/2023, a Ilustre Mandatária do Recorrente ter junto dois documentos (por aquele assinados): um no qual comunica, em fevereiro de 2023, a suspensão do contrato de trabalho por motivo de falta de pagamento pontual de retribuição, e uma declaração emitida pela entidade patronal (com data de 31/03/2023) na qual consta que a revogação, por mútuo acordo … se deveu ao facto de o seu posto de trabalho, de Vendedor/Comercial, ter sido extinto, em virtude da redução efetiva da procura de bens e serviços provocada pelos mercados atuais que se deparam na sua generalidade com uma diminuição efetiva da procura de serviços – que o Recorrente (propositadamente) omite nas doutas alegações. 12. Perante tal facto, dúvidas não restam que o Recorrente juntou aos autos dois documentos com informações contraditórias sobre o motivo da alegada cessação do contrato de trabalho. 13. Acresce que, foi, ainda, nesse dia, junto pelo Recorrente um documento da Segurança Social, datado do dia 17/04/2023, que refere que o requerimento de prestações de desemprego foi indeferido pelo facto de ainda manter vínculo com a entidade patronal. 14. O tribunal a quo, na busca do princípio da verdade material, notificou o representante legal da entidade patronal do Recorrente (nomeadamente, através de OPC) para esclarecer as incongruências nos documentos apresentados pelo Recorrente, no entanto, o mesmo, não compareceu para a continuação da audiência de julgamento. 15. Por outro lado, o depoimento prestado pela testemunha do Recorrente (CC), na audiência de julgamento, do dia 16/05/2023 (aos 00:02:55), vem, também, corroborar a dúvida sobre a situação profissional do Recorrente, acabando por não esclarecer o tribunal a quo sobre o motivo da cessação do contrato de trabalho. 16. Face às dúvidas, incongruências, inconsistências apresentadas pelo Recorrente quanto a sua situação profissional não pode (e bem) o tribunal a quo considerar que aquele estava desempregado e sem auferir qualquer vencimento. 17. Aliás, a não comparência da entidade patronal do Recorrente na audiência de julgamento conduz à suspeita de que aquele se colocou voluntariamente numa situação de desemprego para evitar pagar o aumento da pensão de alimentos requerida pela Recorrida. 18. Mais, ainda que se considere que o Recorrente está numa situação de desemprego, tal situação será meramente provisória e temporária, 19. Atendendo ao facto da taxa de desemprego se encontrar baixa e de o Recorrente não pretender ficar durante muito tempo nesta situação. 20. O Recorrente nas suas doutas alegações alega, também, que a escolha da Recorrida em frequentar o ensino superior privado, em detrimento do ensino superior público, é mais dispendiosa. 21. No entanto, tal argumento não pode colher. 22. Com efeito, a Recorrida ficou colocada no curso de Desporto, no Instituto Politécnico de ... (Ensino Superior Público). 23. As instalações da Escola Superior ..., do Instituto Politécnico de ..., ficam em ... e distam de ... cerca de 112Km. 24. Caso a Recorrida optasse por frequentar o curso de Desporto no Instituto Politécnico de ... teria de ficar a viver em .... 25. Uma vez que a Recorrida pretendia continuar a jogar futebol feminino no EMP01... (onde treina três vezes por semana e ainda joga outra vez ao fim de semana) e ponderados os custos de alojamento (cada vez mais inflacionado), deslocações e alimentação caso ficasse a viver em ..., optou por frequentar o mesmo curso na Universidade ... (Ensino Superior Privado), por considerar menos dispendioso. 26. A Recorrida beneficiou, nos dois primeiros anos da licenciatura, de bolsa de estudos. 27. Nesse sentido, conclui-se que a escolha da Recorrida em frequentar o Ensino Superior Privado não foi, no presente caso, mais dispendiosa, ou seja, não implicou um acréscimo das despesas, até pelo contrário. 28. Para além disso, o Recorrente não provou, como deveria, que a escolha Ensino Superior Privado era mais dispendiosa do que a frequência no Ensino Superior Público, 29. Ou seja, não provou a irrazoabilidade do recurso pela Recorrida ao Ensino Superior Privado em detrimento do Ensino Superior Público. 30. O Recorrente alega, ao longo das doutas alegações apresentadas, que não tem condições financeiras que lhe permitam pagar a pensão de alimentos do valor fixado pelo tribunal a quo. 31. Todavia, também, nunca fez prova da insuficiência económica. 32. O Recorrente nunca provou que o aumento que lhe estava a ser peticionado pela Recorrida era desproporcional. 33. Não pode, por isso, invocar a violação do princípio da dignidade humana, o artigo 1.º da C.R.P, do Tratado da União Europeia e da Carta das Nações Unidas. 34. Carecem de prova e de razão todos os argumentos alegados pelo Recorrente. 35. Assim, a decisão, ora posta em crise, decidiu, corretamente, em aumentar a prestação alimentícia devida do Recorrente para a quantia de 200,00 € (duzentos euros), na qual estão incluídas as despesas de educação, a ser liquidada até ao dia 12 de cada mês, por depósito ou transferência bancária, atualizada anualmente a partir de janeiro de 2024 em 5 € (cinco euros), acrescida das despesas de saúde na parte não comparticipada. 36. Tem, por tudo isto, de confirmar-se a decisão em recurso e, consequentemente, julgar totalmente procedente a ação.” II. Objeto do recurso
O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).
Assim, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, não pode este tribunal apreciar questões que não tenham sido suscitadas nas alegações; da mesma forma também não pode decidir questões que não tenham sido colocadas antes destas (as denominadas questões novas), exceto se se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.
Tudo posto, face às conclusões do recurso, importa analisar as seguintes questões: .1- Se deve ser alterada a matéria de facto no sentido pugnado pelo Recorrente, verificando do cumprimento dos requisitos necessários para a impugnação da matéria de facto para e se cumpridos, se foi feita correta avaliação da prova;
.2- se a decisão deve ser alterada, revogando-se o aumento da prestação de alimentos fixada na sentença.
III. Fundamentação de Facto
Factos Provados
A sentença apresenta a seguinte matéria provada:
1. Por acordo relativo ao exercício das responsabilidades parentais de 05.02.2020, homologado por sentença, transitada em julgado:
- BB, nascida a .../.../2003, ficou a residir com a progenitora;
- O progenitor assumiu o pagamento, a título de prestação de alimentos, da quantia mensal de € 100,00, até ao dia 12 de cada mês por depósito ou transferência bancária, atualizada anualmente, a partir de janeiro de 2021, em € 5,00;
- As despesas de saúde devidamente comprovadas e não comparticipadas e as despesas de educação serão comparticipadas em partes iguais por ambos os progenitores;
2. A requerente é atleta da equipa B de futebol feminino do EMP01... Pública e tem treinos às segundas, terças, quartas e sextas-feiras, pelas 17h30, no Campo ..., em ...;
3. No ano letivo 2021/2022, a requerente concorreu ao ensino superior e ficou colocada no Instituto Politécnico de ... - Escola Superior de Desporto e Lazer, sita em ...;
4. A frequência pela requerente do Instituto Politécnico de ..., Escola Superior ..., a funcionar em ..., implicaria a mudança de residência e despesas mensais com alojamento, alimentação e deslocações para passar o fim de semana com a família;
5. A mudança de residência implicaria que abandonasse o futebol feminino;
6. A requerente optou por frequentar, no ano letivo 2021/2022, o 1º ano do Curso de Educação Física e Desporto (1º Ciclo) da Universidade ..., cuja propina mensal é de € 351,00, a que acrescem as despesas de renovação de matrícula e deslocação .../... (e vice-versa);
7. No ano letivo 2021/2022 foi-lhe atribuída uma bolsa de estudo no valor global de € 957,00, a ser-lhe entregue, em onze meses, no valor de € 87,00/mês;
8. A requerente vive com a mãe que é assistente operacional e que, em fevereiro de 2022. auferiu o vencimento líquido de € 693,40;
9. A mãe da requerente tem despesas com a prestação bancária, água, luz, gás e telefone, alimentação, higiene, saúde, vestuário ou calçado da requerente em montantes não apurados e beneficia da ajuda da família materna;
10. Em janeiro, junho e agosto de 2022, o requerido auferiu o salário líquido de € 917,90, € 805,17 e € 927,44 respetivamente;
11. Em 12.04.2023, o requerido apresentou “Requerimento de Prestações de Desemprego”, na sequência do qual foi emitida a notificação datada de 17.04.2023 cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
12. O requerido suporta as despesas pessoais e vive com a mãe que, em 2020, recebia mensalmente € 336,79 de pensão de velhice e € 180,11 de pensão de sobrevivência;
13. No âmbito do processo de inventário subsequente a divórcio, o requerido e DD celebraram transação, nos termos da qual esta se obrigou a pagar àquele o montante de € 20.000,00, em conformidade com a ata de 24.02.2022 cujo teor se dá por integralmente reproduzido, tendo o requerido recebido a quantia de € 17.500,00;
14. Por ocasião do último Natal, a requerente visitou a avó paterna e, encontrando-se o progenitor no seu quarto, não houve qualquer contacto pessoal entre eles.
Factos Não Provados
1. Para além das quantias que constam dos factos assentes, o requerido recebe comissões;
2. O requerido tem uma vida abastada e confortável, podendo almoçar ou jantar quase diariamente em restaurantes:
3. O requerido vive com a mãe porque não consegue pagar uma renda;
4. Suporta as despesas da casa – telecomunicações, gás e eletricidade -, o que ascende à quantia mensal de € 71,63 e tem despesas com a alimentação no montante de € 200,00, gastando cerca de € 7,50 por dia em alimentação;
5. A requerente decidiu matricular-se no Ensino Privado sem falar com o requerido e sem averiguar se o requerido tinha condições económicas para suportar tal despesa;
6. A opção da requerente pelo Ensino Superior Privado acarretou mais despesas do que acarretaria a frequência do Ensino Superior Público;
7. O requerido está desempregado e não aufere qualquer rendimento;
8. A requerente comunicou ao requerido a opção pelo ensino superior privado, o qual deu o seu acordo. I.Fundamentação de Facto e de Direito
A- Da impugnação da matéria de facto provada
Dos ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto previstos no artigo 640º do Código de Processo Civil.
A Recorrida põe em causa a admissibilidade da impugnação da matéria de facto provada por, no seu entender, o Recorrido não indicar quais os pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, assim como a decisão que deveria ter sido proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Nos termos deste artigo do Código de Processo Civil, existem requisitos específicos para a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto com base em diversa valoração da prova, os quais, se não observados, conduzem à sua rejeição.
Assim, impõe esta norma ao recorrente o ónus de:
a) especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham diferente decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados. (sendo a exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, a que se refere o nº 2, alínea a), deste artigo, considerado um ónus secundário, por instrumental, não obstante a expressa letra da norma).
c) especificar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
É patente, numa primeira linha, que no novo regime foi rejeitada a admissibilidade de recursos que se insurgem em abstrato contra a decisão da matéria de facto: o Recorrente tem que especificar os exatos pontos que foram, no seu entender, erroneamente decididos e indicar também com precisão o que entende que se dê como provado.
Pretende-se, com a imposição destas indicações precisas ao recorrente, impedir “recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, restringindo-se a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente.” cfr Recursos no Novo Código de Processo Civil, António Santos Abrantes Geraldes, 2017, p.153.
Por estes motivos, o recorrente, tem também que especificar os meios de prova constantes do processo que determinam decisão diversa quanto a cada um dos factos, evitando-se que sejam apresentados recursos inconsequentes, não motivados, com meras expressões de discordância, sem fundamentação que possa ser percetível, apreciada e analisada.
Quanto a cada um dos factos que pretende que obtenha diferente decisão da tomada na sentença, tem o recorrente que, com detalhe, indicar os meios de prova deficientemente valorados, criticar os mesmos e, também discriminadamente e explicadamente, concluir pela resposta que deveria ter sido dada.
Relativamente ao ónus de especificar os concretos meios probatórios, particulariza o nº 2 deste preceito: “Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
É comum verificar-se que há a tendência, nas alegações, no discorrer da pena, de misturar a impugnação do facto e do direito, trazendo opiniões sobre o que foi dado como provado, afirmando ter opinião diversa, mas conformando-se ainda assim com tal parte da decisão tomada. Desta forma, impõe-se que nas conclusões o Recorrente indique concretamente quais os pontos da matéria de facto que impugna, de forma a poder-se, com clareza, separar a mera exposição da sua apreciação sobre a prova da reivindicação fundamentada quanto à alteração da matéria de facto.
O que se pretende, com a exigência ao recorrente de assinalar "com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso", é onerá-lo com o esforço de se assegurar que existem, na prova gravada em que se pretende fundar, declarações que efetivamente justificam a sua discordância. Da mesma forma, permite-se ao tribunal que verifique diretamente, pelo acesso aos elementos objetivos do processo, apontadas pelo recorrente de forma definida e concretizada, da existência de alguns indícios nesse sentido, a exigir posterior análise.
Tem sido também opinião praticamente pacífica, e que se perfilha, que no âmbito da impugnação da matéria de facto não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento da alegação, ao contrário do que se verifica quanto às alegações de direito. A tal convite se opõe, por um lado, a intenção da lei em não permitir impugnações vagas, sem bases consistentes, genéricas e injustificadas da decisão da matéria de facto, sendo aqui mais exigente no princípio da autorresponsabilização das partes. Veja-se que essa maior responsabilização é premiada com um alargamento do prazo processual para a apresentação das alegações quando ao recurso se funda também na impugnação da matéria de facto. Por outro lado, a leitura das normas que regem esta matéria não permite outro entendimento, como resulta da análise do teor taxativo do artigo 640º e da previsão dos casos que justificam o convite constante do artigo 639º do Código de Processo Civil.
Foi no passado dia 17 de outubro de 2023 prolatado o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, n.º 12/2023, publicado no Diário da República n.º 220/2023, Série I de 2023-11-14, páginas 44 – 65, com a seguinte síntese : “Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações”, procurando “a interpretação que se configure mais adequada no atendimento do estado atual do nosso ordenamento jurídico”, “num crescendo da preocupação da verdade material em detrimento da observação de formalidades, de menor relevância, ainda que algumas tenham resultado das inovações técnicas ocorridas, sem contudo deixar de manter a exigência, no que à impugnação da decisão da matéria respeita do cumprimento dos ónus enunciados”. Ali se é perentório a afirmar que:
“Da articulação dos vários elementos interpretativos, com cabimento na letra da lei, resulta que em termos de ónus a cumprir pelo recorrente quando pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto, sempre terá de ser alegada e levada para as conclusões, a indicação dos concretos pontos facto que considera incorretamente julgados, na definição do objeto do recurso. [salientando embora que a mesma não precisa de ser indicada pela respetiva numeração.] Quando aos dois outros itens (leia-se alíneas b) e c) do nº do artigo 640º do Código de Processo Civil), caso da decisão alternativa proposta, não podendo deixar de ser vertida no corpo das alegações, se o for de forma inequívoca, isto é, de maneira a que não haja dúvidas quanto ao seu sentido, para não ser só exercido cabalmente o contraditório, mas também apreendidos em termos claros pelo julgador, chamando à colação os princípios da proporcionalidade e razoabilidade instrumentais em relação a cada situação concreta, a sua não inclusão nas conclusões não determina a rejeição do recurso”.
Assim, na posição deste acórdão uniformizador tais ónus têm que ser cumpridos pelo menos nas alegações, mas podem não ser vertidos para as conclusões, com exceção da identificação dos concretos pontos facto que considera incorretamente julgados, que ali devem têm necessariamente de constar, sob pena de rejeição do recurso nessa parte.
Entende-se que as razões que legitimariam posição diferente, aliás retratadas nos votos de vencido, não justificam postergar os interesses na segurança e certeza do direito trazida pelos Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência. Desta forma vejamos, se, tal como invoca a Recorrida, estes ónus não foram cumpridos à luz da tese vertida no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência supra mencionado.
Cumpre ainda salientar que a apreciação das questões para a sua subsequente decisão versará obviamente sobre as questões levantadas pelo Recorrente, sendo, por isso, do seu interesse o cumprimento com rigor dos ónus expressos no normativo que se discute, por conduzir a um maior aprofundamento da análise que pretende que seja efetuada num sentido divergente ao obtido na sentença, o que é potenciado com a especificação dos factos e a mais aprofundada concatenação de cada facto com a prova produzida, criticando o raciocínio efetuado na sentença. Com efeito, a maior parte das vezes, haverá alguma proporção entre a profundidade com que a parte apresenta as suas questões sobre a fixação da matéria de facto pelo tribunal recorrido e o calibre e a densidade que toma a apreciação das questões suscitadas.
Mas previamente a tal análise, há que verificar, para admitir o recurso quanto à impugnação da matéria de facto se:
a) constam das conclusões a indicação dos concretos pontos que o Recorrente considera incorretamente julgados?
b) constam das alegações (porquanto não podem nas conclusões ter-se em conta o que não consta das alegações, visto que devem ser um resumo desta) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida?
c) vem especificada nas alegações (porquanto não podem nas conclusões ter-se em conta o que não consta das alegações, visto que desta devem ser um resumo), a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas?
Concretização
O Recorrente nas alegações, criticando a apreciação da matéria de facto, afirma diretamente que: “a sentença recorrida não teve na devida consideração o facto de aqui Recorrente se encontrar atualmente desempregado, em manifesta dificuldade económica”. Pelo que se pode entender que pretendeu que este facto, ao invés do que se lê na sentença, fosse dado como provado.
Nas conclusões refere ainda alguns factos provados e outros não vertidos na sentença ou dados como não provados, todos instrumentais, sem dizer especificamente que entende que com estes pretende impugnar outros factos ou se pretende que sejam aditados. Com generosidade, porque nas conclusões remete para a prova destes dizeres, ainda se pode considerar que pretendia que se desse provado o afirmado nas alíneas w) a z), aa) a dd), ddd) a fff) das conclusões).
Quanto ao segundo ónus, há que ter em conta que constam efetivamente das alegações os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida: “A ilustrar isso mesmo atente-se no depoimento da testemunha CC prestado no dia 16/05/2023, ao intervalo de tempo: 00:00:14h até ao minuto 00:07:40”” ao intervalo de tempo: 00:00:14h até ao minuto 00:29:23h “ … “A corrobora isso mesmo veja-se o no depoimento do Recorrente prestado no dia 16/05/2023, ao intervalo de tempo: 00:04:51h até ao minuto 00:46:21h,”…
E é efetuada uma concatenação entre o dito e o que o Recorrente pretende que se dê como provado. Não se pode considerar que o juízo crítico efetuado à prova foi efetuado de forma particularmente aprofundada, nomeadamente no esclarecimento dos motivos porque não concorda com a motivação da sentença sobre a falta de prova de alguns factos que o Recorrente entende demonstrados. No entanto, face ao aligeirar dos critérios proposto no citado acórdão, entende-se ainda suficientemente cumprido este ónus. De qualquer forma, a análise das questões terá que ser efetuada em consonância com a profundidade encontrada nas alegações, não se justificando ir para além do aflorado.
Todo o já dito quanto ao menor rigor formal exigido no cumprimento dos ónus formais impostos no artigo 640º do Código de Processo Civil, que, salvo melhor opinião, verificamos no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 12/2023, facilitando ao Recorrente a transmissão da sua pretensão quanto à alteração dos concretos pontos da matéria de facto provada e não provada e bem assim o aditamento de factos a tal elenco, ainda que de forma menos expressa, leva a que se considere que este “especificou” os factos que entende que deviam ser provados, os quais devem ser analisados na medida em que foram defendidos.
Assim, ao invés do que entende a Recorrida entende-se que a impugnação da matéria de facto ainda é passível de ser recebida.
*
Da prova constante dos autos
Pretende o Recorrente que se demonstre que a empresa onde trabalhava se encontrava a passar por graves e sérias dificuldades financeiras, que há pelo menos seis meses vinha a pagar o salário do recorrente em prestações e que desde março de 2023 deixou totalmente de proceder ao pagamento dos salários ao aqui Recorrente.
Mais defende que se dê como assente que foi forçado a suspender o contrato de trabalho, por motivo de falta de pagamento pontual da retribuição, por período superior a um mês sobre a data do seu vencimento.
Pugna para que se atente que a dificuldade nos pagamentos e crítica situação da entidade empregadora do Recorrente levou a que ela deixasse de pagar quaisquer valores a título de salário ao recorrente, o que levou a ficar mais de quatro meses sem qualquer tipo de rendimento, mas que o Recorrente continuou a pagar a pensão de alimento à recorrida no valor de €115,00 mensais sem nunca falhar.
. Por fim pretende que se concretize que o Recorrente agora encontra-se desempregado e que no Ensino Público, no qual ficou colocada a Recorrida, o valor anual de propinas era de € 697,00 e que a Recorrida escolheu e frequenta e no Ensino Privado, sem ouvir previamente o Recorrente, o qual é mais oneroso que o público.
Para tanto invoca especificamente as suas declarações e o depoimento da sua irmã CC.
Na sentença deu-se como não provado que “(5.) a requerente decidiu matricular-se no Ensino Privado sem falar com o requerido e sem averiguar se o requerido tinha condições económicas para suportar tal despesa”; (6.) “A opção da requerente pelo Ensino Superior Privado acarretou mais despesas do que acarretaria a frequência do Ensino Superior Público”; (7.) “O requerido está desempregado e não aufere qualquer rendimento.”
Ouvimos os depoimentos prestados e revisitámos todos os meios de prova que foram produzidos nos autos, o que permitiu fazer o enquadramento dos trechos dos depoimentos e declarações salientados no recurso. Há que salientar que todos os depoimentos têm que ser ouvidos na sua integralidade, visto que o contexto é determinante para a interpretação das declarações, as quais, ainda, têm que ser conjugadas com toda a prova produzida.
Concordamos, analisada a prova, com a exposição efetuada na sentença sobre esta matéria: “Os factos não provados 3º e 4º decorrem da ausência de prova consistente a tal respeito pois apenas foram mencionados pelo requerido e pela sua irmã CC, a qual depôs de forma parcial, e como tal não credível, inexistindo suporte documental das despesas alegadamente suportadas pelo requerido (da documentação junta aos autos emitida pela ... consta o nome da mãe do requerido). Os factos não provados 5º e 8º decorrem das declarações contraditórias da requerente (corroboradas pelos depoimentos da sua mãe e tias maternas) e do requerido (corroboradas pelo depoimento da sua irmã), as quais não se mostram documentalmente sustentadas (nomeadamente pelo envio de um email ou sms), sem que qualquer deles (nem as testemunhas que corroboraram as respetivas declarações) tenha merecido, a este respeito, mais credibilidade que o outro. O facto não provado 6º decorre de o requerido não ter demonstrado, como lhe competia, que a opção da requerente pelo Ensino Superior Privado implicou mais despesas do que aquelas que teria de suportar caso a requerente tivesse optado pelo Ensino Superior Público. Com efeito, é facto evidente que a distância entre a residência da jovem e ... é o dobro da distância entre a sua residência e a cidade ..., do que se conclui que a opção pelo Ensino Superior Público implicaria despesas com alojamento e refeições que a frequência do Ensino Superior Privado não comporta (nomeadamente a refeição do jantar) pois a requerente desloca-se diariamente para a Universidade ... 8º que não seria viável caso frequentasse o Estabelecimento de Ensino de ...). Neste quadro factual era ónus do requerido demonstrar a irrazoabilidade de tal escolha, o que efetivamente não demonstrou pelo que tal facto foi considerado como não provado. O facto não provado 7º decorre de não ter resultado demonstrado, da prova produzida, que efetivamente o requerido está desempregado e não recebe qualquer rendimento. Senão vejamos. O requerido juntou aos autos dois documentos por si assinados nos quais comunica a suspensão do contrato de trabalho “por motivo de falta de pagamento e pontual da retribuição”, sendo de € 403,53 montante das retribuições em dívida. No entanto, também juntou aos autos uma declaração emitida pela entidade patronal (datada de 31.03.2023) da qual consta que “a revogação, por mútuo acordo … se deveu ao facto de o seu posto de trabalho, de Vendedor/Comercial, ter sido extinto, em virtude da redução efetiva da procura de bens e serviços provocada pelos mercados atuais que se deparam na sua generalidade com uma diminuição efetiva da procura de serviços”. Ora, para além de resultar do teor de tais documentos informações contraditórias quanto ao motivo da alegada cessação do contrato de trabalho, resulta do teor da notificação datada de 17.04.2023 que, nessa data, a entidade empregadora ainda não havia procedido à comunicação da cessação do contrato de trabalho e, não obstante a tentativa do tribunal para ouvir o representante da entidade patronal (na busca da verdade material), tal não se afigurou possível por este, apesar de notificado pelo OPC competente, não ter comparecido na data designada para continuação da audiência de julgamento. Por fim, a testemunha CC (irmã do Requerido) afirmou, na sessão da audiência de julgamento de 16.05.2023, que o irmão “aparentemente está sem trabalho, está empregado mas não está a receber”. Ora, face às incoerências e inconsistências expostas, não se pode ter como demonstrado que o requerido está desempregado e não aufere qualquer vencimento.”
Também a análise crítica efetuada pela Recorrida se nos mostra fiel ao ocorrido e de sufragar: “Na audiência de julgamento do dia 16/05/2023, a Ilustre Mandatária do Recorrente informou o tribunal a quo que aquele se encontrava desempregado e juntou dois documentos (por aquele assinados): um no qual comunica, em fevereiro de 2023, a suspensão do contrato de trabalho por motivo de falta de pagamento pontual de retribuição e uma declaração emitida pela entidade patronal (com data de 31/03/2023) na qual consta que a revogação, por mútuo acordo … se deveu ao facto de o seu posto de trabalho, de Vendedor/Comercial, ter sido extinto, em virtude da redução efetiva da procura de bens e serviços provocada pelos mercados atuais que se deparam na sua generalidade com uma diminuição efetiva da procura de serviços – que o Recorrente omite nas doutas alegações. Dúvidas não restam que foram juntos dois documentos aos autos com informações contraditórias sobre o motivo da alegada cessação do contrato de trabalho. Acresce que, foi, ainda, nesse dia, junto pelo Recorrente um documento da Segurança Social, datado do dia 17/04/2023, que refere que o requerimento de prestações de desemprego foi indeferido pelo facto de ainda manter vínculo com a entidade patronal. O tribunal a quo, na busca do princípio da verdade material, notificou o representante legal da entidade patronal do Recorrente (nomeadamente, através de OPC) para esclarecer as incongruências presentes nos documentos apresentados pelo Recorrente, no entanto, o mesmo não compareceu para a continuação da audiência de julgamento. Por outro lado, o depoimento prestado pela testemunha do Recorrente (CC), na audiência de julgamento (do dia 16/05/2023), vem, também, corroborar a dúvida sobre a situação profissional do Recorrente. Atentemos, para este efeito, o depoimento prestado pela testemunha CC, em sede de audiência de discussão e julgamento (…) “ O meu irmão está aparentemente sem trabalho, não é? Supostamente o patrão não lhe dá, como é que eu hei-de dizer, ele está empregado mas não está a receber, digamos assim. Está sem salário. Face às dúvidas, incongruências, inconsistências apresentadas pelo Recorrente quanto a sua situação profissional não pode (e bem) o tribunal a quo considerar que aquele estava desempregado e sem auferir qualquer vencimento.”
Com efeito, ouvida a testemunha CC, percebe-se claramente que a mesma foi perentória a explicar o afastamento entre a Requerente e Requerido, mas quando se referiu à situação profissional do Recorrente apoiou-se em advérbios que afastavam o seu comprometimento com o que estava a dizer “aparentemente”, “Supostamente”.
O que afirma, por outro lado, foi infirmado pela alegação do Recorrente de que estava já sem contrato de trabalho e a falta de confirmação pela Segurança social quanto a esse facto. As declarações deste, por seu turno, também não mostram desinteressadas, não se conseguindo, por isso, só com base nelas demonstrar os factos que pretende.
Assim, não é possível, face a tantos elementos contraditórios – documentais (tão pormenorizadamente analisados supra, na transcrição que efetuámos e com a qual concordamos integralmente) e por declarações e à forma como a testemunha CC prestou o seu depoimento, dar como provada toda a situação profissional e económica descrita pelo Recorrente nas suas declarações, alegações e conclusões.
Quanto aos pormenores da sua relação com a filha, nomeadamente se esta discutiu previamente consigo se devia frequentar a universidade privada, a análise da prova não permite que o tribunal escolha a versão do Recorrente (nem a versão oposta), visto que a Recorrida e a sua mãe contradisseram os factos referidos pelo Recorrente e sua irmã, não se vendo outros meios de prova que permitam descobrir qual destes afirma o ocorrido.
Por fim, a comparação entre as despesas que a Requerente teria que custear se fosse viver e estudar para a urbe onde lhe era permitido frequentar o ensino público e as respetivas propinas, por um lado e, por outro, as despesas que a manutenção da sua habitação, como deslocações para o ensino publico que frequenta e as respetivas propinas, só poderia ser efetuada se se soubessem os diversos fatores em causa. Ora, porque não se sabe quanto é necessário para que a Requerente tenha uma vida minimamente condigna na residência que manteve, onde vive na habitação da sua mãe e as que teria na cidade cuja universidade pública a admitiu, torna-se impossível concluir qual seria a solução mais dispendiosa. Torna-se também por aqui irrelevante fixar apenas um dos fatores que intervém na operação aritmética que o raciocínio em causa exigia (o valor das propinas cobradas pela universidade pública que admitiu a Requerida).
Enfim, os elementos probatórios produzidos pelo Recorrente não se mostram suficientes para a prova dos factos que pretende demonstrar, nomeadamente porque contraditada por outros meios de prova testemunhal.
Improcede, pois, in totum, a impugnação da matéria de facto de facto.
B- Da aplicação do Direito
O pedido de alteração do decidido na sentença proferida nos autos, nos termos em que foi apresentada pelo Recorrente, que definiu as questões a apreciar, dependia muito da alteração da matéria de facto no sentido por si proposto.No entanto, o mesmo levanta ainda questões que se podem considerar autónomas à impugnação da matéria de facto, pelo que cumpre apreciá-las.
Deveria ser despiciendo salientar a importância da obrigação de prestação de alimentos dos progenitores aos filhos menores e jovens em formação. No entanto a realidade obriga ainda a este realce, face aos inúmeros incumprimentos, transgressões, desinteresse e tentativas de fuga a este dever que se observam no dia-a-dia.
No artigo 36.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, prevê-se que “os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos”.
Também a Convenção sobre os Direitos da Criança, no artigo 27.º, n.º 2, estabelece que “cabe primacialmente aos pais e às pessoas que têm a criança a seu cargo a responsabilidade de assegurar, dentro das suas possibilidades e disponibilidades económicas, as condições de vida necessárias ao desenvolvimento da criança”.
Os artigos 1874.º a 1880º do Código Civil dispõem sobre esta matéria.
As relações parentais desenvolvem-se e têm efeitos não só no plano pessoal, como também no patrimonial.
No tocante ao poder paternal, na vertente patrimonial, logo se destaca uma situação jurídica: cada um dos pais está adstrito ao dever de, segundo as suas possibilidades, alimentar o filho (artºs 36 nº 3 CR Portuguesa e 1874 nº 1 Código Civil).
A lei espera que os pais compartilhem com os filhos o seu nível de vida e por isso o conteúdo deste dever é mais extenso que o típico dever autónomo de prestar alimentos (como dispõe o artigo 2003º nº 2 do Código Civil), fundado noutras circunstâncias que não esta relação parental, visto que vai muito para além do assegurar o que é indispensável à alimentação, saúde, habitação e vestuário, abarcando, também, as fulcrais despesas com educação.
Os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los, como dispõe o artigo 2004º nº 1 do Código Civil.
«A obrigação alimentícia é uma obrigação duradoura que assenta fundamentalmente sobre dois pilares básicos – as necessidades económicas de quem recebe e as disponibilidades financeiras do familiar que paga – e, estes dois factores podem alterar-se, e de facto a cada passo se modificam, a lei permite, com inteira lógica e com perfeita coerência, que o quantitativo da prestação se adapte a todo o momento à evolução desses factores» (cf acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, de 03/15/2007, no processo 9669/06-2, rel Maria José Mouro, disponível em www.dgsi.pt, citando Pires de Lima e Antunes Varela, «Código Civil Anotado», vol. V, pag. 600.).
Nesses termos, o artigo 2012º do Código Civil estipula que se, depois de fixados os alimentos pelo tribunal ou por acordo dos interessados, as circunstâncias determinantes da sua fixação se modificarem, podem os alimentos taxados ser reduzidos ou aumentados, conforme os casos, ou podem outras pessoas ser obrigadas a prestá-los.
Não é, obviamente, a alteração de uma circunstância sem relevo na dinâmica e posições relativas dos obrigados e beneficiário dos alimentos que importa a alteração do regime previamente fixado; além de ser superveniente, a alteração tem que ter relevo suficiente para que se justifique a modificação do anteriormente fixado, por consistir, em regra, ou numa marcante diminuição ou melhoria dos rendimentos do progenitor ou evidenciar um aumento ou redução das necessidades do menor.
Face ao fundamento deste dever e à necessidade de providenciar pelas condições de vida necessárias ao desenvolvimento da criança e jovem em formação, este só é afastado pela total impossibilidade física dos progenitores providenciarem pelo sustento dos seus filhos.
O dever de alimentos é incumbência dos progenitores, um dos componentes em que se desdobra o dever de assistência dos pais para com os filhos menores e jovens em processo de formação. Embora possa ter como resultado uma obrigação pecuniária, não se restringe a essa componente. Consiste num elemento estrutural do nosso direito, traduzido nos deveres que cabem aos pais, com consagração constitucional e na proteção da família e dos seus membros mais frágeis.
Há que verificar que também o princípio da dignidade da pessoa do filho pode ser posto em causa pelo incumprimento, por parte do progenitor, de uma obrigação integrante de um dever fundamental para com aquele.
“Por isso se entende que o critério de comparação com o salário mínimo nacional não é o adequado para determinar a “proibição constitucional de penhora” nesta situação em que (na medida inversa da proteção ao devedor) também o princípio da dignidade da pessoa do filho pode ser posto em causa pelo incumprimento, por parte do progenitor, de uma obrigação integrante de um dever fundamental para com aquele. Não é critério que neste domínio possa ser eleito, como regra geral, pelas consequências incomportáveis no plano social e pelo significativo esvaziamento do conteúdo do direito-dever consagrado no n.º 5 do artigo 36.º da Constituição que implicaria. Basta pensar na hipótese de o progenitor que tem a guarda do filho também não auferir rendimento superior ao salário mínimo nacional ou na sua generalização ao universo das famílias em que nenhum dos pais aufere mais do que o salário mínimo nacional ”cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 306/2005” E ali se explica, de forma que entendemos lapidar:
“De um modo ainda aproximativo, pode reter-se a ideia geral de que, até que as necessidades básicas das crianças sejam satisfeitas, os pais não devem reter mais rendimento do que o requerido para providenciar às suas necessidades de auto-sobrevivência.”
Determina o artigo 1880º do Código Civil que “Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o artigo anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.”
Para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência, diz-nos o artigo 1905º nº 2 do Código Civil
Tal como temos vindo a observar, na base destes normativos está a incapacidade económica do jovem em processo de formação para prover ao seu sustento e educação, por se entender que aos pais incumbe a obrigação de, em nome do bem-estar e do futuro deste, continuar, em regra, a suportar tais despesas, salvo se as circunstâncias tornarem irrazoável tal exigência.
Assim, face ao que dispõem os artigos 1880º e 1905º nº 2 do Código Civil, a obrigação de alimentos que foi fixada durante a menoridade prolonga-se até aos 25 anos do filho se a formação académica ou profissional não estiver completa por causa que não resulte de grave culpa da sua parte, entendendo-se como normal que o custo com a educação possa englobar o custo das propinas de uma universidade, privada ou pública, ou estudo profissional, desde que em montante razoável face ás possibilidades dos progenitores.
Para se apurar da razoabilidade ou irrazoabilidade deste custo, há que ter que em conta todas as situações do caso, relevando o aproveitamento do jovem e a sua situação económica, bem como a situação económica dos pais e o custo inerente ao estudo.
Da mesma forma ainda se pode conceber que a grave e reiterada violação dos deveres filiais do jovem já na fase adulta perante o progenitor pode conduzir a que conceba que torne irrazoável obrigar o progenitor a continuar a prestar alimentos ao filho maior, o mesmo ocorrendo quando o aproveitamento escolar do jovem não é proporcional ás dificuldades que impõe o seu custeio aos progenitores.
De qualquer forma, se o progenitor pretender a alteração da obrigação fixada ou a sua extinção, por entender que têm que ser adaptadas ás suas possibilidades ou deveres parentais, tem que o requerer, cabendo-lhe o ónus da prova dos factos em que funda tal pretensão, nos termos gerais.
Concretizando:
O pai funda essencialmente a sua oposição á alteração da prestação no facto de afirmar ter ficado desempregado.
No entanto, não provou este acontecimento, pelo que não colhe este argumento. É, de qualquer forma, de todo o interesse citar o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 25.09.2002, relatado pelo Ex.mo Sr. Desembargador Leonel Serôdio, in www.dgsi.pt, citado no acórdão, também desta Relação, de 07/11/2013, no processo 3621/12.5TBGMR.G1, que, por sua vez, também vai neste sentido: “a condição de pai implica o dever de ter uma situação económica estável para prover ao sustento dos filhos” e “a situação de desemprego não dispensa o progenitor de cumprir a obrigação de alimentos, que será calculada atenta a sua capacidade de trabalhar e de auferir rendimentos.” Tudo isto porque se entende que o mesmo tem efetivamente a obrigação de prover o sustento e a educação dos seus filhos.
O Recorrente não põe em causa a sua obrigação, mas tão só o montante da obrigação que lhe deve ser imposta.
É certo que não há que esquecer que na definição da medida dos alimentos devidos ao menor, há que os adequar aos meios de quem houver de prestá-los, mas tendo em conta que não há que fixarmo-nos em situações passageiras, como o desemprego, nomeadamente em momentos, como o atual, em que a taxa de desemprego não é elevada.
Assim, há que atender à capacidade do Recorrente de gerar rendimentos do seu trabalho, traduzida no que aufere da sua entidade patronal (visto que se lhe não conhecem outros bens, nem um nível de vida que inculque não haver correspondência entre aqueles e a sua situação económica) e às necessidades da Requerente, atendendo à sua idade, situação social e atividades que desenvolve e rendimentos ou património.
Desta forma, afastada a situação de desemprego do Recorrente da equação, visto que não se demonstrou, há ainda que explanar que não releva se a Requerente escolheu uma Universidade privada ou pública, tendo em conta que face á necessidade de ter que ir viver para a outra cidade que a Universidade pública implicava, não foi possível apurar que qualquer outra escolha diferente da efetuada seria mais económica.
Há pois, tão só, que averiguar em que montante se deve fixar a prestação de alimentos. O tribunal a quo encontrou o valor de 200,00 € e mensais, contra o qual se insurge o Recorrente, pretendendo que se mantenha em 115,00 € mensais.
Não nos parece que ponha em causa que este valor seja adequado às atuais necessidades da jovem, mas afirma que é desadequado às suas possibilidades.
Tendo em conta a idade da jovem, o facto de estar a frequentar o ensino universitário, cuja propina mensal é de € 351,00, viver com a sua mãe que aufere o vencimento líquido de € 693,40 e que por este montante se suportarão as despesas da menor que incluem todo o seu sustento, como a alimentação, higiene, vestuário, calçado, há que considerar este valor adequado ás suas necessidades.
A causa que veio determinar a alteração da prestação alimentar mostra-se adequada, visto que a escolha pela Universidade privada não se pode considerar particularmente gravosa para a carteira dos progenitores, mais a mais porque que se não conhece solução que seja de certeza economicamente mais acessível que permita á mesma obter este grau académico, importante para o seu futuro.
Da mesma forma, considerando os valores mensais de rendimentos que se apurou que o Recorrente auferiu o ano passado (salários líquidos de € 917,90, € 805,17 e € 927,44) não se pode dizer que o pagamento de 200,00 € mensais durante o período que falta á Requerente para concluir o curso seja uma compressão excessiva do seu nível de vida, ou que o coloque numa situação de franca carência económica.
Por outro lado, não se provou que a Requerente tenha faltado aos seus deveres filiais, antes que ocorre um afastamento entre pai e filha.
Em resumo, a decisão de aumentar a prestação alimentícia devida pelo Requerido à Requerente para a quantia mensal de € 200,00 (duzentos euros), na qual estão incluídas as despesas de educação, quantia que deverá ser liquidada até ao dia 12 de cada mês, por depósito ou transferência bancária, atualizada anualmente a partir de janeiro de 2024 em € 5,00 (cinco euros), acrescida de metade das despesas de saúde na parte não comparticipada, mostra-se adequada e é de manter.
II. Decisão:
Por todo o exposto, julga-se a apelação improcedente, mantendo-se a decisão recorrida na íntegra.
Custas pelo apelante.
Guimarães,
Sandra Melo Margarida Alexandra de Meira Pinto Gomes Jorge Alberto Martins Teixeira