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ALCOOLÍMETRO
Sumário
A legislação atualmente em vigor que regula o controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição em geral (Decreto-Lei n.º 29/2022, de 7 de abril, regulamentado pela Portaria n.º 211/2022, de 23 de agosto), e dos alcoolímetros em concreto (Portaria 366/2023, de 15 de novembro) permite, à semelhança dos diplomas que a antecederam, que um aparelho medidor alcoolímetro, ainda que ultrapassado e não renovado o prazo de dez anos de validade de aprovação do respetivo modelo ou de uso do modelo, se mantenha validamente em funcionamento, desde que conserve um desempenho positivo nas verificações periódicas ou extraordinárias que venham a ser realizadas.
Texto Integral
Proc. n.º 551/22.6GBAND.P1 Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo de Competência Genérica de Anadia
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
No âmbito do Processo Sumário n.º 551/22.6GBAND, a correr termos no Juízo de Competência Genérica de Anadia, por sentença de 23-01-2023, foi decidido (transcrição):
«1.Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos art.s 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, al. a), in fine, com referência aos arts. 14.º, n.º 3 e 26.º, 1.ª parte, todos do Código Penal. na pena 75 (setenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de €6 (seis euros). 2. Condenar ainda a arguida na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 4 (quatro) meses. 3. Condenar o arguido a pagar as custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 U.C (artigo 513º do Código de Processo Penal conjugado com artigos 8.º do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa), e legais encargos com o processo nos termos do art.º 514.º do C.P.P.»
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Inconformado, o arguido interpôs recurso, impugnando o julgamento em sede de matéria de facto e de direito, aqui quanto à qualificação jurídica dos factos e à medida concreta das penas principal e acessória, bem como quanto às custas.
Apresenta em apoio da sua posição as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):
«1. Decorrida a audiência de julgamento veio a Mmª. Juíz do Tribunal da Comarca de Aveiro – Juízo de Competência Genérica de Anadia a:
2. Condenar o arguido AA pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. pelo art.º 292.º, do C. Penal.
3. Em primeiro lugar, verifica-se erro na resposta dada a alguns factos que foram objecto de julgamento, merecendo, também alguns reparos o julgamento em matéria de direito;
4. Impõem-se a reapreciação da prova e a consequente apreciação da matéria constante dos Pontos 1. 2. 3. e 4. dos Factos Provados, e da constante dos Pontos 1 a 5 dos Factos Não Provados, porquanto do cruzamento dos depoimentos prestados pelo militar da GNR – Dep. de BB(Início Gravação 04-01-2023 10:49:14), com as declarações do arguido – Dep. de AA (Início Gravação: 04-01-2023 10:34:03); e Dep. de CC -Testemunha (Início Gravação 04-01-2023 11:00:28) e DD –Testemunha (Início Gravação 04- 01-2023 11:00:28) conclui-se que o arguido não conduziu o veículo em causa, sobre elevado teor de “álcool – mais de 1.20g/l” presumidamente apurado no sangue do arguido.
5. Não ignorando que a gravação da audiência se encontra em mau estado - inaudível em certas partes -, o arguido acusou +-1,978 g/l, e o tribunal a quo limitou-se a julgar, com base em ténues provas, em particular no depoimento do GNR, que reduziu o Auto ao teor do presumido álcool, sem ter lançado mão de elementos complementares – de análise ao sangue, que se revelaria essencial e imprescindível à descoberta da verdade, e teria levado seguramente à absolvição do arguido ou a aplicação de uma pena minima, eventual Admoestação.
6. Ficaram seguramente por apurar e provar factos que auxiliassem a averiguar se o arguido foi claramente informado do valor em que importava a contraprova - análise ao sangue, uma vez que o arguido não recorreu a esta porque julgava que seria cara e poder não ter condições para pagar;
7. Bem como se o alcoolímetro Drager, Modelo 7110 MKIIIP, que não se encontra aprovado, é actual, confiável, foi correctamente operado e se o referido militar da GNR tinha formação e conhecimentos adequados para efectuar o referido teste.
8. Pelo que, cruzada e valorizada a prova testemunhal e reapreciada a prova documental deverá ser alterada para “Não Provada” a matéria de facto constante dos Factos Provados, Pontos 1, 2, 3 e 4 da douta sentença recorrida, e, para “Provada” a matéria de facto constante dos Factos dados como Não Provados, Pontos 1 a 5, e
9. Aditado e dado como provado um Novo Facto com o seguinte teor: - O arguido, face à condução desempenhada, não representou como possível ser portador de uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20g/l;
10. Por outro lado, verificou-se erro na aplicação do direito à matéria de facto dada como provada;
11. Estriba-se a sentença recorrida na conclusão de que o arguido circulava com excesso de álcool no sangue pelo que cometeu um crime de condução em estado de embriaguez, p.p. pelo art.º 292.º do C. Penal;
12. Face ao que dispõe a Lei Penal, ao que ficou provado nos autos e acima de tudo ao que não ficou provado e ainda à falta de prova complementar segura, não era possível à Mmª. Juíz a quo, salvo o devido respeito, retirar as conclusões que sintetizam a condenação do arguido, quando tudo fazia prever o contrário, ou seja a sua absolvição ou a redução das penas principal e acessória aplicadas, ao mínimo legal;
13. Do que se retira da sentença, o Tribunal a quo não levando em conta o depoimento do arguido, limitou-se a fazer uma dedução, com base em ténues provas, sem ter lançado mão de outros elementos complementares que se revelariam imprescindíveis à descoberta da verdade, e teria levado à absolvição do arguido;
14. Todavia não nos parece que o critério adoptado seja suficiente para se subsumir a actuação do arguido à norma em questão, pelo que não nos restam dúvidas que a Mmª. Juíz condenou o arguido não, porque se provaram os elementos objectivos da norma em apreço, mas porque, analisando os elementos disponíveis, presumiu através de deduções subjectivas a suposta conduta do arguido;
15. Salvo o devido respeito, que é muito, as incertezas e dúvidas existentes, além do mais, quanto à ilegalidade do alcoolimetro Drager 7110 MKIIIP ao contrário do que seria esperado – a absolvição, serviram para condenar o arguido;
16. De toda a matéria produzida em audiência de julgamento – não haviam, em nossa opinião, elementos que permitissem pensar, muito menos provar, que o arguido conduzia o referido veículo com o teor de álcool de que vem acusado;
17. Verificou-se assim um erro de interpretação na subsunção dos factos ao direito, já que não se mostram preenchidos os requisitos objectivos e subjectivos do respectivo normativo, tendo a Mmª. Juíz a quo violado a interpretação destes;
18. Estamos em crer por tudo quanto foi aqui explanado que, mesmo a admitirem- se os factos relatados pelo senhor militar da GNR, o que só por mero raciocínio académico se admite, não estão preenchidos os elementos típicos do crime pelo qual vem o arguido acusado;
19. Mesmo que não se considerasse a prova nos termos em que se alega, isto é, ainda que não se aceite que a prova produzida impunha decisão diversa, não podemos deixar de considerar que a mesma cria forte e insolúveis dúvidas, pelo que deveria o Tribunal “a quo” ter-se socorrido igualmente do princípio do “in dúbio pró reo”;
20. Bem como do facto do arguido ter actuado sem CONSCIENCIA DA ILICITUDE, ficando a clara ideia - certeza absoluta - que o arguido conduzia do regresso a Anadia e o facto de não compreender, uma vez que conduziu alguns Kms. sem qualquer sintoma de que tinha álcool, ou pelo menos 1,20g/l de álcool no sangue;
21. Assim, do supra alegado resulta que jamais o arguido poderia ter sido condenado pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. pelo art.º 292.º do C.Penal;
22. A pena a que o arguido foi sujeito é na opinião do mesmo, e salvo o devido respeito por interpretação diversa, infundada e injusta, quer quanto à pena de multa aplicada ao arguido (450,00€), quer quanto à pena acessória de proibição de conduzir (4 meses), e custas processuais (2 Ucs) que se impõem revogadas;
23. Pelo que, deverão V. Exas. Digníssimos Desembargadores dar provimento ao recurso, absolvendo o recorrente, ou em alternativa optar pela admoestação;
24. Como acima se disse, dúvidas acentuadas permanecem relativamente à prova do cometimento, enquanto conduzia, por parte do arguido do crime de condução com álcool no sangue;
25. Na nossa opinião, a pena aplicada ao recorrente, não foi a melhor opção em termos de política de aplicação de penas;
26. Não atendeu o Tribunal a quo à experiência, ao profissionalismo do arguido, à sua postura em tribunal, nem às demais circunstâncias referidas como determinantes, designadamente a necessidade de trabalhar para sustentar a familia, para apurar a pena e a sua verdadeira extensão – exclusão da culpa – vd. Art.º 35., n.º 1 CP.;
27. Ora, a pena aplicada, foi para além de tudo, um severo castigo para o arguido e para a sua família e amigos, não levando em conta sequer a idade do arguido as incertezas do incidente, os anos de trabalho e a sua inserção na sociedade a que pertence, pelo que se quer revogada. Face ao exposto, e à interpretação dada pelo Tribunal a quo, consideram-se desde logo violadas, salvo melhor opinião, e entre outras, as normas seguintes:
- Artigos 40.º, 71.º e 292.º do Código Penal;
- Artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa;
- Artigo 82.º, nºs 1 a 6 do Cód. da Estrada.
- e, consequentemente, os basilares princípios de matriz constitucional do " in dúbio pro reo", da legalidade, de tipicidade e da culpa. INDICA-SE, por mera facilidade de pesquisa, (i) lista dos equipamentos aprovados para uso na fiscalização do transito (ANSR e IPQ); (ii) Despacho IPQ nº 743/2016 de 15.01.2016; e (iii) Despacho ANSR nº 2960/2016 de 26.02.2016.»
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O Digno Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu ao recurso, considerando que o mesmo não merece provimento e que a decisão recorrida deve ser mantida, rematando a usa argumentação com as seguintes conclusões:
«1) O exame de pesquisa de álcool no sangue feito ao arguido constitui prova legal e válida;
2) A apreciação da matéria de facto realizada pelo tribunal recorrido não merece reparo;
3) O tribunal recorrido não violou o princípio in dubio pro reo;
4) A penas a que o recorrente foi condenado encontram-se corretamente calibradas;
5) Estando em causa a prática de crime de condução de veículo em estado de embriaguez, “a pena de admoestação não protege cabalmente o bem jurídico segurança rodoviária, nem acautela suficientemente as necessidades preventivas gerais que se fazem sentir (…)”;
6) A sentença recorrida não viola os artigos 32º da Constituição da República Portuguesa, 40º, 71º e 292º do Código Penal e 82º nos 1 a 6 do Código da Estrada.»
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Neste Tribunal da Relação do Porto, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer onde acompanhou a posição do Ministério Público na resposta ao recurso, pugnando igualmente pela respectiva improcedência.
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Notificado nos termos do disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPPenal, o recorrente não apresentou resposta.
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Realizado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, nada obstando ao conhecimento do recurso.
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II. Apreciando e decidindo: Questões a decidir no recurso
É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objecto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso[1].
As questões que o recorrente coloca à apreciação deste Tribunal de recurso são as seguintes:
- Erro de julgamento em sede de matéria de facto, com recurso a prova proibida e violação do princípio in dubio pro reo;
- Erro de julgamento em sede de direito quanto à qualificação jurídica dos factos, escolha e determinação da medida concreta das penas e custas.
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Para análise das questões que importa apreciar releva desde logo a factualidade subjacente e razões da sua fixação, bem como os fundamentos da escolha e determinação das penas, sendo do seguinte teor o elenco dos factos provados e não provados e respectiva motivação constantes da sentença recorrida e análise jurídica relativa às sanções aplicadas (transcrição):
«II- FACTUALIDADE PROVADA A) FACTOS PROVADOS
Com relevância para a decisão da causa, encontram-se provados os seguintes factos: 1. No dia 17/12/2022, pelas 17h:24m, na Avenida ..., em Anadia o arguido AA, conduzia o veículo automóvel, de marca e modelo Toyota ..., com a matrícula ..-..-MQ, após a ingestão voluntária de bebidas alcoólicas, e apresentou uma taxa de álcool no sangue (TAS) de, pelo menos, 1,978 g/l, correspondente à TAS de 2,15 g/l registada, depois de deduzida a margem de erro máximo admissível. 2. O arguido sabia que as bebidas alcoólicas que ingeriu, antes de iniciar a condução, lhe poderiam determinar uma TAS igual ou superior a 1,20 g/l e, ainda assim, não se absteve de conduzir o aludido veículo na via pública nos termos em que o fez, conformando-se com tal possibilidade. 3. Agiu de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal. 4. O arguido não demonstrou arrependimento. 5. O arguido não foi interveniente em acidente de viação. 6. O arguido não tem averbado no certificado de registo criminal qualquer condenação. 7. O arguido é solteiro e vive com os pais, o pai está reformado e a mãe não tem trabalha, nem é reformada. 8. O arguido é carpinteiro e aufere um salário de €705/mensais. 9. O arguido contribuiu com €200 para as despesas familiares. 10. O arguido praticamente não almoçou, e ingeriu bebidas alcoólicas. 11. O arguido regressava de um serviço que tinha efectuado na Serra, Anadia. 12. O arguido é considerado uma pessoa respeitada e respeitadora, ordeira e pacata. 13. O arguido utiliza o veículo nas suas deslocações diárias. B) FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram quaisquer factos para além dos supra descritos, designadamente, os seguintes factos: 1. O arguido quando foi fiscalizado pelos Sr.s Agentes Autuantes, deslocava-se para casa a fim de festejar o aniversário da irmã que fazia anos nesse dia. 2. O arguido nesse dia tomou apenas 3 (três) ou 4 (quatro) taças de vinho tinto, a meio da tarde, quando acabou os trabalhos, com os donos da obra, não sabendo que influíam de tal forma no teor do álcool detectado. 3. O arguido andava a tomar Prozac há cerca de um mês. 4. O arguido requereu a realização da contraprova através de análises ao sangue. 5. Quando o arguido requereu contraprova os militares da GNR disseram que “se o arguido fosse ao Hospital fazer análises ao sangue ainda dava mais” e que era muito caro. III – MOTIVAÇÃO
Para dar como provados os factos descritos na acusação o Tribunal teve em consideração, desde logo, as próprias declarações do arguido, que relatou ao Tribunal que tinha consumido bebidas alcoólicas antes de iniciar a condução do veículo, no dia em que foi interceptado pela GNR.
No mais, o Tribunal não achou tais declarações do arguido credíveis. O arguido referiu que bebeu 3 ou 4 copos de vinho tinto, antes de iniciar a condução, mas que estava convencido que não teria uma TAS tão elevada, pois, sentia-se normal, referindo que não previu como possível que pudesse ter uma TAS de 1,2 g/l ou mais, razão pela qual pediu a contraprova.
No decurso das suas declarações, disse ainda que como nas duas noites anteriores tinha tomado Prozac, pediu a contraprova porque pensou que essa medicação tinha influenciado a taxa de álcool. Instado a explicar porque é que toma essa medicação e se tal medicamento lhe foi receitado, referiu que anda ansioso e que foi uma amiga que o aconselhou a tomar, e que só toma em SOS, quando está mais ansioso; para além disso, referiu que essa medicação não lhe foi receitada, nem a comprou e nem sequer leu a bula, porque essa medicação se encontrava lá por casa, numa gaveta, nos invólucros (blisteres), sem qualquer bula.
Por fim, referiu que pediu para fazer contraprova e que estava convencido que ia fazer análises ao sangue, mas que os militares lhe disseram que as análises davam sempre uma taxa superior, mas que o levaram o Posto ..., para fazer a contraprova através de outro aparelho.
O militar BB, militar da GNR que procedeu à fiscalização, referiu que a fiscalização ocorreu porque se aperceberam que o arguido estava a conduzir sem o cinto de segurança e fazendo o uso do telemóvel. A testemunha referiu que o arguido foi sempre cooperante, depois de submetido ao teste qualitativo foi conduzido ao Posto 1..., onde acusou uma TAS de 2,20 g/l, foi informado que poderia requerer contraprova, através de outro alcoolímetro ou através de análises ao sangue e, tendo o arguido optado pela realização contraprova através de outro alcoolímetro, foi conduzido ao Posto ..., onde, efectuado novo teste, acusou uma TAS de 2,15 g/l.
Questionada a testemunha se disse ao arguido que, caso este optasse pela contraprova através de análises ao sangue, a TAS era sempre superior, a testemunha negou peremptoriamente tal situação, referindo que foi informado da possibilidade de requerer uma e outra contraprova e que se tivesse requerido a contraprova através de análises ao sangue, teria sido imediatamente encaminhado para o hospital.
Esta testemunha referiu também que em momento algum o arguido referiu que o resultado poderia ter sido provocado pelo consumo de medicação que andava a fazer, muito embora a testemunha tenha referido que o arguido surpreendido com o resultado.
As testemunhas CC (amigo do arguido) e DD (amigo do arguido) não tem qualquer conhecimento directo dos factos, tendo apenas relatado que o arguido não é uma pessoa que anda alcoolizada, tendo ainda a testemunha CC referido que chegou a ouvir o arguido dizer que tomava medicação para a ansiedade.
Ora, como se disse, as declarações do arguido só mereceram credibilidade na parte em que este admitiu que conduziu o veículo supra referido, nas circunstâncias de tempo, modo e lugar descritos na acusação, após ter consumido bebidas alcoólicas e ainda na parte em que referiu que tinha apenas comido uma peça de fruta ao almoço e tomado bebidas alcoólicas logo após terminar o serviço.
Quanto a tudo o mais (que apenas consumiu 3 ou 4 copos de vinho, que tinha tomado Prozac nas duas noites anteriores, que estava convencido que não ia atingir taxa crime, que apesar de manifestar a vontade de fazer contraprova através de análises ao sangue, os militares lhe disseram que através de analises ao sangue a TAS era sempre superior e que, ao contrário da sua vontade, em vez de o conduzirem ao hospital para fazer análises, o conduziram a um outro Posto), as declarações do arguido não mereceram qualquer credibilidade.
O arguido veio dizer que consumiu 3 ou 4 copos de vinho antes de iniciar a condução; ora, embora este consumo já nos pareça excessivo e susceptível de determinar uma TAS igual ou superior a 1,2 g/l, a verdade é que a TAS que o arguido apresentava leva o Tribunal a ficar convencido que a quantidade de bebidas alcoólicas foi superior ao que o arguido admitiu, pois apresentava uma TAS de 1,978 g/l, já deduzida a margem de erro admissível. Mas, repita-se, mesmo que só tivesse consumido 3 ou 4 copos de vinho, já faria prever que pudesse apresentar uma TAS igual ou superior a 1,2 g/l, pelo que não se percebe porque é que o arguido referiu que achava que não ia acusar uma TAS crime.
No que respeita ao consumo de Prozac, as declarações do arguido não merecerem a mínima credibilidade; primeiro, porque o arguido referiu que essa medicação não lhe foi receitada, mas aconselhada por uma amiga, mas por outro lado não referiu que a adquiriu sem prescrição médica, mas que tal medicação andava por lá, nas gavetas, em blisteres, o que não é minimamente verosímil; mais: o arguido disse que tomava essa medicação em SOS, quando andava muito ansioso, mas na verdade é mais um antidepressivo do que um sonífero ou ansiolítico, não tendo qualquer verosimilhança o relato feito pelo arguido.
Este tipo de argumento tem vindo a ser reiteradamente utilizado para com isso por em crise o resultado do teste do álcool.
Considerações sobre o consumo ou não de medicamentos não têm qualquer relevância no apuramento da quantidade de álcool, já que o alcoolímetro está aprovado (e válido) para a detecção de álcool (e não de outros produtos), estando apto a “fazer” a tal triagem. Aliás, e como supra se disse, a condução de um veículo alcoolizado e sob a influência de medicação que altera o sistema nervoso central só torna a conduta mais perigosa e, por isso, também mais censurável.
O Tribunal não ficou convencido que, à data dos factos, o arguido estivesse medicado com a medicação que referiu. Mas, salienta-se, uma vez mais – como tem sido referido por diversas vezes -, se fosse esse o caso, a sua conduta seria ainda mais censurável, pois a condução sob influência de medicação que afecta o sistema nervoso central torna ainda mais perigosa a condução quando conjugada com o álcool, pois tais substâncias afectam negativamente a condução de veículos (constando, aliás, tal informação nas respectivas bulas).
Por outro lado, apesar do arguido ter dito que os militares da GNR lhe disseram que se fizesse contraprova através de análises sanguíneas iria ter uma TAS superior e que, apesar de ter requerido contraprova, e estar convencido que ia ser conduzido ao hospital, foi conduzido a um outro Posto, para fazer contraprova através de outro aparelho, ao contrário do que era sua vontade, tais declarações não mereceram qualquer credibilidade.
Com efeito, o militar da GNR BB referiu que informou o arguido que poderia requerer contraprova através de novo exame ao ar expirado ou através de análises sanguíneas, negando ter referido que se requeresse análises ao sangue ia dar sempre uma TAS superior e que só o levaram ao Posto ... porque o arguido optou por novo exame através do ar expirado, pois se tivesse optado por análises ao sangue teriam que leva-lo lá de imediato.
Como é obvio, a versão da testemunha BB é que merece credibilidade; não faria qualquer sentido que o militar tivesse dito que se fizesse análise ao sangue ia sempre dar uma TAS superior; é óbvio que poderia dar superior, inferior ou igual, tal como exame através de novo aparelho, como é do conhecimento do arguido que é titular de carta de condução e, por isso, tem conhecimento disso, já que teve que superar o exame de Código, fazendo parte do ensino teórico essa matéria.
Mais: o arguido fez o exame através do novo aparelho, pelo que também sabia que utilizando tal método corria o risco de ter uma TAS ser superior à inicial, mas, ainda assim, arriscou. Assim sendo, que relevância tem essa suposta informação?
Por outro lado, não faz sentido o arguido dizer que foi informado pela GNR que TAS ia ser superior, caso optasse por exames ao sangue (pretendendo com isso insinuar que apenas fez contraprova através de outro aparelho porque lhe foi dito que se fizesse através do sangue, seria sempre superior) e, simultaneamente, dizer que estava convencido que o iam levar ao hospital para fazer o exame ao sangue (como se tivesse optado, apesar dessa informação, pela realização de análises ao sangue), pois se assim fosse, que relevância teria essa informação da GNR, que foi insusceptível de condicionar a sua opção?
Por último não faz qualquer sentido que o arguido, apesar de ter optado por análises ao sangue, tivesse sido conduzido a um outro Posto, onde realizou contraprova, pois na verdade seria absolutamente indiferente à GNR conduzi-lo a outro Posto ou ao Hospital (a testemunha BB foi totalmente credível ao referir que se o arguido tivesse optado pela realização de analises, tê-lo-iam conduzido ao hospital no mais curto espaço de tempo); mas já não faz sentido que o arguido, pretendendo fazer contraprova através de análises tenha acabado por fazer novo exame através do ar expirado contra a sua vontade. Repare-se que o arguido, a fls. 8, assinou a declaração em que pretendia realizar contraprova através de novo aparelho (e quer fosse através de um método, quer fosse através de caso, teria que suportar as despesas, designadamente com a deslocação).
Ora, conjugada toda a prova (incluindo as próprias declarações do arguido) é inequívoco que o arguido conduziu o veículo automóvel supra identificado, nas circunstâncias de tempo, modo e lugar descritos na acusação, após ter ingerido bebidas alcoólicas.
No que respeita à concreta taxa de álcool no sangue, o Tribunal teve em consideração o talão do teste de álcool realizado através do aparelho alcoolímetro (fls.5), a cujo valor obtido foi deduziu a margem de erro máximo admissível, que pelas razões já supra expostas, é válido, tendo sido submetido a verificação periódica anual pelo IPQ (fls. 7).
Por outro lado, atentos os factos objectivamente provados e a taxa de álcool no sangue que o arguido apresentava, não há dúvida que sabia que as bebidas alcoólicas que ingeriu, antes de iniciar a condução, lhe poderiam determinar uma TAS igual ou superior a 1,20 g/l e, ainda assim, não se absteve de conduzir o aludido veículo na via pública nos termos em que o fez, conformando-se com tal possibilidade, tendo agido de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que a sua conduta era, como é, proibida e punível pela lei penal.
Quanto à não intervenção em acidente de viação, resulta não só dos elementos documentais (pois não há referencia a qualquer acidente), mas também do depoimento da testemunha BB, que referiu o contexto em que o arguido foi fiscalizado e que nada tinha a ver com a intervenção em acidente de viação.
O Tribunal fundou ainda a sua convicção no Certificado de Registo Criminal junto aos autos a fls. 18.
Quanto às condições económicas e sociais do arguido, o tribunal fundou a sua convicção nas declarações do arguido, as quais nos mereceram credibilidade, pela forma serena e coerente com que foram prestadas.
Quanto ao carácter e personalidade do arguido, o Tribunal teve em consideração os depoimentos das testemunhas CC e DD, amigos do arguido, que descreveram o arguido como uma pessoa respeitada e respeitadora, um bom amigo, e dedicado aos pais.
Quanto à factualidade não provada, resulta de não ter sido feita prova suficiente de tais factos ou ter sido feito prova do contrário, conforme exposto.
(…) V – A ESCOLHA E DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA
Feita pela forma supra descrita o enquadramento jurídico-penal da conduta da arguida importa agora determinar a natureza e a medida da sanção a aplicar.
Ao crime de condução em estado de embriaguez é aplicável a pena de prisão entre 1 mês e 1 ano ou a de multa entre 10 e 120 dias (artigo 292º, n.º 1, 41º, n.º 1 e 47º, n.º 1, todos do Código Penal).
Antes de partirmos para a determinação da medida concreta da pena, caberá, prima facie, fazermos uma opção entre a pena de prisão ou a pena de multa, porque são ambas aplicáveis ao crime que ora apreciamos.
A conduta do arguido integra os elementos constitutivos do crime para o qual a lei comina pena de prisão ou alternativa de multa. Sendo assim, a primeira operação a realizar, na definição da moldura legal abstracta, deverá ter em consideração a preferência da lei pela aplicação pela aplicação da pena não privativa da liberdade
Com efeito, estatui o art.º 70.º do Código Penal que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa a pena privativa e a pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades de prevenção”.
Este artigo fornece ao legislador o critério de orientação para a escolha, quando ao crime são aplicáveis pena privativa e não privativa da liberdade, e traduz o pensamento subjacente ao pensamento legislativo em matéria de sistema punitivo, afirmando-se que o recurso às penas privativas da liberdade só será legítimo quando, atendendo às circunstâncias concretas, as sanções não privativas não se mostrem adequadas e suficientes.
A escolha entre a pena privativas e não privativas dependerá, portanto, unicamente das considerações de prevenção geral e especial e o julgador só deverá optar pela cominação de pena não privativa da liberdade quando a mesma se mostre consentânea com os princípios de prevenção.
Considerando que o arguido, não tem averbada qualquer condenação (seja por este ou outro qualquer tipo de crime) afigura-se-nos que a pena de multa é, obviamente, bastante para acautelar as exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir. Assim, opta-se pela aplicação de uma pena de multa.
Importa, agora, determinar a medida concreta da pena a aplicar ao arguido.
Na sua concretização, ter-se-ão em atenção os fins das penas mencionados no art. 40º do C.Penal e os critérios estabelecidos no art. 71º/1 do C.Penal.
O crime de condução em estado de embriaguez é punido com pena de multa de 10 a 120 dias.
Atendendo ao disposto no art.ºs 71.º, n.º 1 e 40.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, a medida concreta da pena determina-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção geral e especial que no caso se façam sentir.
“Pelo que nos citados artigos se plasma, logo se vê que o modelo de determinação da medida da pena é aquele que comete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de estabelecer o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma “ moldura de prevenção”, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos – dentro do que é consentido pela culpa – e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da referida “ moldura de prevenção”, que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares de advertência ou de segurança) do delinquente” – Ac. STJ de 14-03-2001, Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do STJ, Tomo I, pág. 248.
Conferindo concretização aos critérios enunciados, o art.º 71.º, n.º 2 do Código Penal enumera exemplificativamente os factores a ter em conta na determinação da medida concreta da pena. Importa atentar nos critérios e factores de determinação da medida concreta da pena, constantes dos art.ºs 40.º e 71.º, n.º 1 e n.º 2 do Código Penal.
Assim, quanto à ilicitude, já é elevada, tendo em consideração que o arguido apresentava uma TAS bastante superior ao mínimo a partir do qual é crime (apresentava uma TAS de 1,978 g/l, já deduzida a margem de erro máxima aplicável) e, por outro lado, conduzia um veículo a motor (um veículo automóvel) que, em abstracto, é dos veículos mais perigosos.
Quanto à culpa já é médio-elevada, atento do dolo eventual.
Também as exigências de prevenção geral, são elevadas, uma vez que a condução em estado de embriaguez não só é um crime de verificação frequente, estando associada aos elevados índices de sinistralidade, como eleva de forma exponencial os perigos de uma actividade já de si perigosa, impondo-se uma reacção firme por parte do sistema penal, a fim de acautelar a confiança comunitária na vigência e validade das normas violadas;
As exigências de prevenção especial, pouco elevadas, porquanto o arguido não tem qualquer condenação averbado no certificado de registo criminal.
Em desfavor do arguido, há que atender ao facto de não ter demonstrado arrependimento.
A favor do arguido há que atender ao facto de ser pessoa socialmente e profissionalmente inserida e gozar de boa reputação e, embora não fazendo parte do tipo de crime, não ter sido interveniente em acidente de viação.
Tendo em consideração todos os factores de determinação da pena supra expostos, o Tribunal considera ajustada aplicar à arguida uma pena de 75 (setenta e cinco) dias de multa.
No que respeita ao quantitativo, cada dia de multa corresponde a uma quantia entre (euro) 5 e (euro) 500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do arguido e dos seus encargos pessoais – artigo 47.º, n.º 2 do C.Penal.
A arguida tem rendimento mensais que ronda os 700 euros /mês, vive em casa dos pais, contribuir para as despesas familiares com 200 euros, e, naturalmente, as despesas fixas mensais comuns a qualquer pessoa; ora, considerando isso e que o mínimo da taxa diária é de €5 (que é a taxa a ser fixada a alguém que vive como um indigente ou próximo disso) e o máximo €500 (para alguém muito rico), considera-se adequado fixar a taxa diária em €6 (seis euros). VI – DA PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULOS COM MOTOR.
A al. a) do n.º 1 do art.º 69.º do Código Penal prevê a condenação “… na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos” a quem for punido por crime de desobediência cometido mediante recusa de submissão às provas legalmente estabelecidas para detecção de condução de veículo sob efeito de álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo”.
Com a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pretendeu dotar-se o sistema sancionatório português de uma verdadeira pena acessória, capaz de dar satisfação a razões “político-criminais (…) por demais óbvias entre nós para que precisem de ser especialmente esclarecidas”, sendo que “à proibição de conduzir deve também assinalar-se (e pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si, nada de legítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa… devendo esperar-se desta pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano” (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, II, pág. 165).
A proibição de conduzir assume-se como uma verdadeira pena, de estrita aplicação judicial, indissociavelmente ligada ao facto praticado e à culpa do agente, dotado de uma moldura penal própria, permitindo – e impondo – a tarefa judicial de determinação da sua medida concreta em cada caso, sendo certo que, não constituindo um efeito automático da pena, ela é, no entanto, ao que aprece, um efeito automático da pratica de certos crimes, como salientou o Prof. Figueiredo Dias (Acta n.º 41 da reunião da Comissão Revisora do Código Penal de 1982).
A determinação da medida da pena acessória (período da proibição de conduzir) opera-se mediante o recurso aos critérios gerais constantes do artigo 71.º do Código Penal, com ressalva de que a finalidade a atingir é mais restrita na medida em que a sanção em causa tem em vista tão só prevenir a perigosidade do agente (muito embora se lhe assinale também um efeito de prevenção geral).
O crime cometido pelo arguido prevê e pune uma conduta potenciadora de graves consequências para a vida e para a integridade física e/ou para bens patrimoniais.
Ora, encontrando sinistralidade estradal explicação não despicienda na condução em estado de embriaguez, revela-se premente de pôr cobro a comportamentos do tipo do assumido pela arguida (prevenção geral), comportamento esse que é merecedor de um juízo de desvalor elevado.
Atendendo à repercussão negativa do álcool na condução de veículos (e, como tal, a comportamentos que não permitam tal controlo) não pode deixar de considerar-se a conduta da arguida, gravemente violadora das regras que pretendem manter a actividade de conduzir dentro das margens do chamado “risco permitido”.
Para a determinação da pena acessória dá-se aqui por reproduzido tudo o que se disse quanto à fixação da pena principal.
Salienta-se ainda aqui alguns aspectos: inexistência de qualquer condenação contra o arguido por crimes que atentam contra a segurança rodoviária (porque não estes que aqui especialmente relevam, para efeitos de pena acessória), a concreta taxa de álcool (de, pelo menos, 1,978 g/l, ou seja, muito além do mínimo), o tipo de veículo (um veículo automóvel e, portanto, em abstracto um dos mais perigosos, se comparado com um velocípede ou com um ciclomotor ou mesmo até motociclo), o não arrependimento, a não intervenção em acidente (embora não seja o elemento do tipo).
É obvio que não há qualquer razão para atenuar especialmente a pena, pois não estão verificadas nenhumas das situações previstas no artigo 72.º do Código Penal, ao invés do que pugna ao Defesa, ao medir a sua redução a metade.
Tudo ponderando, reputa-se como adequada a aplicação ao arguido de uma pena acessória de proibição de conduzir veículo com motor pelo período de 4 (quatro) meses.»
*
Vejamos. Erro de julgamento em sede de matéria de facto, com recurso a prova proibida e violação do princípio in dubio pro reo
Neste segmento do recurso, o recorrente impugna a matéria de facto que na decisão recorrida se fez constar dos pontos 1., 2., 3. e 4. da factualidade provada, que considera devem ser dados como não provados, e os pontos 1., 2., 3., 4., e 5. dos factos não provados, defendendo que devem ser levados ao elenco dos factos provados.
Argumenta que a prova baseada no aparelho alcoolímetro Drager 7110MK IIIP constitui prova proibida, sendo a sua valoração igualmente proibida para afeitos de fiscalização rodoviária.
Apresenta ainda em apoio da sua posição as declarações de arguido e o depoimento das testemunhas BB, CC e DD, que transcreve na íntegra.
É pacífico o entendimento de que quanto à impugnação da matéria de facto podem os recorrentes seguir um de dois caminhos: ou invocam os vícios de lógica da sentença previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPPenal, devendo, neste caso, ater-se apenas ao texto da decisão e às incoerências que aí possam ser encontradas, ou apresentam uma impugnação alargada, que lhes permite analisar a prova produzida em julgamento, extrapolando o espaço limitado do texto da decisão recorrida.
Em qualquer das opções impõe-se aos recorrentes o cumprimento de regras para que o recurso possa ser apreciado.
E no caso da impugnação ampla da matéria de facto, de que o recorrente se socorre, resulta do texto do art. 412.º, n.º 3, do CPPenal que não é uma qualquer divergência que pode levar o Tribunal ad quem a decidir pela alteração do julgado em sede de matéria de facto.
As provas que o recorrente invoque e a apreciação que sobre as mesmas faça recair, em confronto com a valoração que o Tribunal a quo efectuou, devem revelar que os factos foram incorrectamente julgados e que se impunha decisão diversa da recorrida em sede do elenco dos factos provados e não provados.
Ou seja, para alcançar sucesso na sua pretensão, não basta estar demonstrada pelo recorrente a possibilidade de existir uma solução, em termos de matéria de facto, alternativa à fixada pelo Tribunal a quo. Na verdade, é raro o julgamento onde não estão em confronto duas, ou mais, versões dos factos (arguido/assistente ou arguido/Ministério Público ou mesmo arguido/arguido), qualquer delas sustentada, em abstracto, em prova produzida, seja com base em declarações dos arguidos, seja com fundamento em prova testemunhal, seja alicerçada em outros elementos probatórios.
Por isso, haver prova produzida em sentido contrário, ou diverso, ao acolhido e considerado relevante pelo Tribunal a quo não só é vulgar como é insuficiente para, só por si, alterar a decisão em sede de matéria de facto.
É necessário que o recorrente demonstre que a prova produzida no julgamento só poderia ter conduzido à solução por si pugnada em sede de elenco de matéria de facto provada e não provada e não à consignada pelo Tribunal.
E na análise da prova que apresenta na sua impugnação da matéria de facto (alargada) tem o recorrente de argumentar fazendo uso do mesmo raciocínio lógico e exame crítico que se impõe ao Tribunal na fundamentação das suas decisões, com respeito pelos princípios da imediação e da livre apreciação da prova.
Esta ideia sobressai do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-11-2017, onde se afirmou[2]:
«I - Há uma dimensão inalienável consubstanciada no princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 127.º, do CPP. A partir de um raciocínio lógico feito com base na prova produzida afigura-se, de modo objectivável, ter por certo que o arguido praticou determinados factos. Exige-se não uma certeza absoluta mas apenas e só o grau de certeza que afaste a dúvida razoável, a dúvida suscitada por razões adequadas. O que há-de ser feito mediante uma «valoração racional e crítica de acordo com as regras comuns da lógica, da razão e das máximas da experiência comum».
II - Percorrido este caminho na fundamentação, a impugnação dos factos há-de ser feita com a indicação das concretas provas que imponham decisão diversa da recorrida sob pena de tal impugnação redundar em mera discordância acerca da apreciação da prova desses mesmos factos, respeitável decerto, mas sem consequências de índole processual.»
E esta posição está igualmente associada à ideia – que é preciso não perder de vista – de que o reexame da matéria de facto não de destina a realizar um segundo julgamento pelo Tribunal da Relação, mas tão-somente a corrigir erros de julgamento em que possa ter incorrido a 1.ª Instância.
Neste sentido, que é pacífico, decidiu-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-09-2017[3]:
«I - O reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso não constitui, salvo os casos de renovação da prova, uma nova ou uma suplementar audiência, de e para produção e apreciação de prova, sendo antes uma actividade de fiscalização e de controlo da decisão proferida sobre a matéria de facto, rigorosamente delimitada pela lei aos pontos de facto que o recorrente entende erradamente julgados e ao reexame das provas que sustentam esse entendimento – art. 412.º, n.º 2, als. a) e b), do CPP.
II - O recurso da matéria de facto não visa a prolação de uma segunda decisão de facto, antes e tão só a sindicação da já proferida.»
Contextualizado, de forma sumária, o quadro legal e jurisprudencial em que assenta o reexame da matéria de facto pelos Tribunais da Relação, passemos à análise em concreto da impugnação ampla da matéria de facto apresentada pelo recorrente.
O primeiro argumento fundamenta-se na ideia de que a medição resultante do aparelho alcoolímetro Drager 7110MK IIIP é de valoração proibida, pois a própria utilização de um tal mecanismo constitui prova proibida, já que «foi aprovado – pela DGV em 06.08.1998 e subsequentemente pelo IPQ Desp. 211.06.07.3.06, de 24.05.2007 e pela ANSR n.º 19684/2009, de 25.06.2009 - e introduzido junto das entidades fiscalizadoras há mais de 20 (vinte) anos, encontrando-se hoje, não apto, por não aprovado, e seguramente, obsoleto».
O recorrente acrescenta ainda que «[p]ode ler-se na douta sentença recorrida (Da Questão Prévia a fls…)“- O aparelho de marca “Drager modelo 7110 MKIII P”, foi aprovado por Despacho do IPQ n.º 11037/2007, de 24/04, publicado no DR II, série n.º 109, de 06.06.2007, correspondendo-lhe o n.º 211.06.07.3.06. deste despacho resulta que a validade desta aprovação de modelo é de 10 anos a contar da data de publicação no Diário da República (…).” – O QUE É FALSO!!!, como se verá abaixo e pode ler-se em Diário da República – tais despachos e publicações dizem respeito ao aparelho DRAGER 9510, que veio substituir o caduco e obsoleto DRAGER 7110!!!!!!!!!!».
Mais invoca que o aparelho, por ter sido aferido de acordo com a OIML 98, não se encontra verificado regularmente com a actual e vigente OIML R126 2012.
Esta questão já havia sido suscitada em sede de julgamento e o Tribunal a quo apreciou-a na sentença recorrida, como questão prévia, nos seguintes termos:
«O arguido veio arguir a invalidade da prova obtida através do aparelho alcoolímetro Dragar 7110 MK IIIP (quer em sede de contestação, quer de alegações finais), por no seu entender constituir prova proibida e, como tal, também a sua valoração ser proibida, referindo ainda que o talão obtido com recurso a tal aparelho deve ser desentranhado e a acusação ser considerada nula.
Alegou para tanto e em síntese que:
O equipamento DRAGER modelo 7110 MKIIIP utilizado foi aprovado pela DGV em 06.08.1998 e subsequentemente pela ANSR n.º 12594/2007, de 21.06.2007, e introduzido junto das entidades fiscalizadoras, à presente data, há mais de 20 anos, encontrando-se hoje, não apto, por não aprovado, e seguramente, obsoleto.
A aprovação concedida tem um prazo de validade de 10 anos, findo o qual caduca e, na presente data, não foi concedida a respectiva renovação, nomeadamente, por não reunir as condições técnicas regulamentares fixadas pela OIML e extravasar as margens erro legalmente admissíveis – e por tal facto, encontrar-se a ser compulsivamente substituído pelo DRAGER 9510.
Tal facto deve-se à circunstância de o DRAGER 7110 MKIII, não cumprir os requisitos comunitários e internacionais, fixados pela OIML- Organização Internacional de Metrologia Legal, de aplicação imediata e obrigatória em território Nacional. Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do art. 153º, nº 1 do C.Estrada que “o exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito”.
Por sua vez, o art. 158º, nº1 do Código de Estrada dispõe que: “São fixados em Regulamento: a) O tipo de material a utilizar na fiscalização e nos exames laboratoriais para determinação dos estados de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas.
O regulamento em questão é o REGULAMENTO DE FISCALIZAÇÃO DA CONDUÇÃO SOB INFLUÊNCIA DO ÁLCOOL OU DE SUBSTÂNCIAS PSICOTRÓPICA (aprovado pela Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio).
Nos termos do artigo 1.º do referido diploma:
1. A presença de álcool no sangue é indiciada por meio de teste no ar expirado, efectuado em analisador qualitativo
2. A quantificação da taxa de álcool no sangue é feita por teste no ar expirado, efectuado em analisador quantitativo, ou por análise de sangue.
3. A análise de sangue é efectuada quando não for possível realizar o teste em analisador quantitativo.
Por sua vez, o artigo 14.º, n.º 1 do referido regulamento (Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio) dispõe que nos testes quantitativos de álcool no ar expirado só podem ser utilizados analisadores que obedeçam às características fixadas em regulamentação e cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária.
A aprovação a que se refere o número anterior é precedida de homologação de modelo, a efectuar pelo Instituto Português da Qualidade, nos termos do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros (n.º 2 do artigo 14.º do Regulamento).
Por sua vez, o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros consta da Portaria nº 1556/2007, de 10 de Dezembro que no artigo 5º preceitua: “O controlo metrológico dos alcoolímetros é da competência do Instituto Português da Qualidade, I. P. -IPQ e compreende as seguintes operações: a) Aprovação de modelo; b) Primeira verificação; c) Verificação periódica; d) Verificação extraordinária.
Nos termos do artigo 6.º, n.º 3 a aprovação de modelo é válida por 10 anos, salvo disposição em contrário no despacho de aprovação de modelo.
Ora, no caso, resulta do talão de fls. 4, que o arguido foi sujeito a fiscalização com o alcoolímetro marca DRAGER, modelo ALCOTEST 7110 MK III P, n.º ARNA-0088.
O aparelho de marca “Drager modelo 7110 MKIII P”, foi aprovado por Despacho do IPQ n.º 11037/2007, de 24/04, publicado no DR II, série n.º 109, de 06.06.2007, correspondendo-lhe o n.º 211.06.07.3.06. deste despacho resulta que a validade desta aprovação de modelo é de 10 anos a contar da data de publicação no Diário da República.
Por Despacho n.º 19684/2009, de 25.06, publicado no Diário da República 2.ª Série, n.º 166, de 27.09.2009, a ANSR aprovou, a utilização daquele aparelho - após a homologação levada a cabo pelo IPQ. Deste despacho de autorização de uso não consta qualquer prazo.
A questão que se coloca é a de saber se apesar da aprovação deste modelo de aparelho ser de 10 anos (conforme Despacho do IPQ n.º 11037/2007, de 24/04), poderia continuar a realizar exames de pesquisa de álcool no sangue, legalmente válidas. Entende-se que sim, que essa medição é válida, como tem sido entendido por diversa jurisprudência.
Vejamos, dando aqui por reproduzida a fundamentação que consta do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27.6.2018, proc. 1358/17.8PBCBR.C1, cujo relator foi Luís Teixeira e a jurisprudência aí citada.
Nos termos do artigo 2.º, n.º 1 do DL 291/90, de 20 de Setembro (que estabelece o regime de controlo metrológico de métodos e instrumentos de medição) que aprovação de modelo é o acto que atesta a conformidade de um instrumento de medição ou de um dispositivo complementar com as especificações aplicáveis à sua categoria, devendo ser requerida pelo respectivo fabricante ou importador. Por sua vez, n.º 2 do mencionado artigo estabelece que a aprovação de modelo será válida por um período de 10 anos findo o qual carece de renovação. No entanto, o n.º 7 do artigo 2.º dispõe que “os instrumentos de medição em utilização cuja aprovação de modelo não seja renovada ou tenha sido revogada podem permanecer em utilização desde que satisfaçam as operações de verificação aplicáveis”.
Também artigo 10º da Portaria nº 1556/2007, de 10 de Dezembro, preceitua o seguinte: “Os alcoolímetros cujo modelo tenha sido objecto de autorização de uso, determinada ao abrigo da legislação anterior, poderão permanecer em utilização enquanto estiverem em bom estado de conservação e nos ensaios incorrerem em erros que não excedam os erros máximos admissíveis da verificação periódica”.
Do referido normativos resulta que existe uma diferença entre prazo de validade de determinado modelo de aparelho e prazo peremptório de não utilização desse aparelho, que podem não coincidir. E no caso, não coincidem. O modelo atingiu o prazo de validade por que foi aprovado, o que significa que a partir deste prazo, não podem ser introduzidos novos aparelhos, deste modelo, para uso, para medição, com sujeição à respectiva primeira verificação prevista no artigo 3º do DL nº 291/90. Mas isso não significa que os aparelhos aprovados, ainda a funcionar, segundo as verificações exigidas, no momento em que expira o dito prazo de aprovação do modelo, não possa ser utilizado. O que expirou foi a aprovação do modelo em si, não a qualidade técnica para um aparelho aprovado, embora não renovada essa aprovação, poder continuar a ser usado, nos condicionalismos legalmente previstos, ou seja, sujeita às verificações, incluindo a verificação periódica anual, como é o caso (verificação periódica de fls. 16, de onde resulta que a verificação periódica estava em dia) - veja-se o acórdão do TRC de 27.6.2018, proc. 1358/17.8PBCBR.C1, cujo relator foi Luís Teixeira e a jurisprudência aí citada no mesmo sentido (acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 5.3.2018, proferido no processo nº 122/17.9PFGMR.G1 e acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24.4.2018, proferido no processo nº 320/17.5GBPMS.C1),consultável em www.dgsi.pt
Face a todo o exposto entende-se que o exame de pesquisa de álcool no sangue feito ao arguido constitui prova legal e válida, ficando precludidas as demais questões relativas às consequências dessa alegada nulidade da prova.
Aliás, salienta-se ainda que o arguido requereu e realizou contraprova. A contraprova foi realizada através de outro aparelho (Drager alcotest 9510 PT – ARJK-0002) e é este resultado que prevalece (artigo 153.º, n.º 6 do C. da Estrada).
A possibilidade de requerer a contraprova visa salvaguardar eventuais erros/incorrecções do aparelho inicial, a questão suscitada pelo arguido, em todo o caso, teria perdido pertinência, pois o aparelho onde foi realizado a contraprova não é o Drager modelo 7110 MKIII P e o resultado obtido pelo aparelho onde foi feito a contraprova é que prevalece.
Quanto às demais questões que foram suscitadas –variação da tensão eléctrica e em que medida isso poderia influenciar o resultado e em que medida o consumo de medicamentos pelo arguido poderia influenciar o funcionamento do aparelho para detecção de álcool – , não têm qualquer razão de ser, uma vez que os aparelhos estão devidamente verificados pelo IPQ (fls. 6 e 7), que atesta que estão em boas condições de funcionamento, sendo as questões suscitadas puras especulações, sem qualquer arrimo base legal ou técnica. Acresce que o referido aparelho está aprovado para a detecção de álcool, pelo não se percebe com que razão se vem cogitar a possibilidade de o parelho confundir a detecção de álcool com a detecção de outras substâncias, por exemplo, medicamentos.
Aliás, o consumo de medicamentos que influenciam a capacidade de condução (como é o caso, por exemplo, de antidepressivos e/ou ansiolíticos ou quaisquer outros que têm efeitos sobre o sistema nervoso central), em simultâneo com a condução sob a influência de álcool (e concretamente, com uma TAS superior a 1,2 g/l) apenas torna a actuação do agente mais censurável, pois tanto aquela medicação, como o álcool interferem na condução, e, como tal, em vez de um, estar-se-ia na presença de dois factores que diminuiriam a capacidade de condução.»
Resulta patente da argumentação do recorrente que este apenas coloca em causa a validade do modelo de alcoolímetro que serviu para fazer o primeiro teste quantitativo de álcool no sangue através do método do ar expirado (Drager Alcotest 7110 MKIII P - ARZL-0199), com o resultado apurado de acordo com o talão de fls. 4, de 2,20 g/l, sem desconto da margem de erro admissível.
Contudo, os factos fixados na sentença recorrida não tiveram por fundamento esse resultado, antes o enunciado no talão de fls. 5, de 2,15 g/l, sem desconto da margem de erro admissível, e que corresponde ao teste efectuado, como contraprova, no alcoolímetro (quantitativo) de marca Drager Alcotest 9510 PT, ARJK-0002.
Como se diz na decisão recorrida, por força de tal circunstância, perde algum relevo a sua argumentação.
Ainda assim, a eventual invalidade daquele primeiro teste quantitativo poderá sustentar o entendimento de que ocorre ausência de verdadeira contraprova, apesar de pedida, passando a haver apenas um teste válido, ao invés, de dois, não sendo linear que nesta situação a prova técnica que fundamentou a decisão seja suficiente para a sustentar.
Neste perspectiva, importa, pois, perceber se o alcoolímetro Drager Alcotest 7110 MKIII P - ARZL-0199 estava dentro dos condicionalismos legais para ser usado.
A fls. 6 dos autos encontra-se o Certificado de Verificação do referido aparelho, emitido pelo Instituto Português da Qualidade (IPQ), dele resultando que quanto às características metrológicas que o modelo foi aprovado pelo Despacho 11 037/2007 (aprovação de modelo n.º 211.06.07.3.06), de 24-04, e que quanto à operação de verificação certificada foi realizada a Primeira Verificação, no dia 25-07-2022, com referência à Portaria n.º 1556/2007 de 10 de Dezembro/OIML R 126; 1998/ PT 7015103508-08, tendo o referido aparelho sido aprovado, mais se referindo que a operação associada ao Certificado de Verificação é válido por um ano.
Por consulta do Diário da República n.º 109/2007, Série II, de 06-06-2007, pode confirmar-se a provação do modelo n.º 211.06.07.3.06, correspondente ao alcoolímetro, marca DRAGER, modelo Alcotest 7110 MK IIIP, aí se definindo que a validade da aprovação de modelo é de 10 anos a contar da data de publicação no Diário da República, com termo no caso concreto no dia 06-06-2017.
Mais, pelo Despacho n.º 19684/2009, de 27-08, publicado no Diário da República n.º 166/2009, Série II, de 27-08-2009, o Ministério da Administração Interna, através da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, aprovou para utilização na fiscalização do trânsito o referido modelo de alcoolímetro.
Não tem, pois, razão o recorrente quando afirma, em maiúsculas e negrito, que é falso quando na sentença se diz que o Despacho 11 037/2007 (aprovação de modelo n.º 211.06.07.3.06) aprovou o alcoolímetro, marca DRAGER, modelo Alcotest 7110 MK IIIP por 10 anos.
E também não tem razão quando refere que (sic) «não era possível utilizar ou tão pouco usar como meio de prova ao tribunal a quo, o resultado obtido, por ilegal e não autorizado».
Esta posição não tem acolhimento na lei, pois basta-se com a análise das normas relativas à aprovação dos aparelhos de medição, em concreto dos alcoolímetros, ignorando o que demais é estabelecido na lei, designadamente sobre a sua utilização.
Nos termos do art. 153.º do Código da Estrada (CE), sob a epígrafe “Fiscalização da condução sob influência de álcool”, o exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito (n.º 1).
A Lei 18/2007, de 17-05, que aprovou o Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, determina no seu art. 1.º que a detecção de álcool no sangue é indiciada por meio de teste no ar expirado efectuado em analisador qualificativo (n.º 1) e a quantificação da taxa de álcool no sangue é igualmente efectuada por teste no ar expirado em analisador quantitativo (n.º 2) ou por análise de sangue quando não for possível realizar o teste em analisador quantitativo (n.ºs 2 e 3).
Estabelece ainda o art. 14.º do referido diploma legal que nos testes quantitativos de álcool no ar expirado só podem ser utilizados analisadores que obedeçam às características fixadas em regulamentação e cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária – ANSR (n.º 1), a qual é precedida de homologação de modelo a efectuar pelo Instituto Português da Qualidade (IPQ), nos termos do Regulamento do Controlo Metrológico de Alcoolímetros (n.º 2).
Este último regulamento, aprovado pela Portaria 1556/2007, de 10-12 (RCMA), determina no seu art. 5.º que o controlo metrológico dos alcoolímetros é da competência do Instituto Português da Qualidade, I. P. – IPQ e compreende as seguintes operações:
a) Aprovação de modelo;
b) Primeira verificação;
c) Verificação periódica;
d) Verificação extraordinária.
Na argumentação que fundamenta o recurso, o recorrente analisou apenas os pressupostos da primeira destas quatro operações (a), a aprovação de modelo, pois verificou que o prazo de validade de dez anos após a aprovação do modelo de alcoolímetro utilizado no 1.º exame quantitativo realizado nos autos havia sido ultrapassado e não renovado (o termo ocorreu em 2017) e concluiu que, por tal razão, aquele elemento de prova era nulo.
De facto, o art. 6.º, n.º 3, do RCMA fixa o prazo de validade de dez anos para a aprovação de modelo, salvo disposição em contrário no despacho de aprovação, o que não ocorreu, como se viu.
Esta disposição é idêntica a norma que consta do Regime Geral de Controlo Metrológico, aprovado pelo DL 291/90, de 20-09 (RGCM), cuja regulamentação não foi afastada pelo regime especial de controlo metrológico de alcoolímetros em vigor desde 2007. Pelo contrário, como resulta do disposto nos arts. 1.º, n.º 1, e 15.º do mencionado diploma, bem como do preâmbulo da Portaria n.º 1556/2007, de 10-12, esta última constitui-se como diploma regulamentar daquele regime geral destinado às especificações técnicas dos alcoolímetros.
O DL 291/90, de 20-09, foi, entretanto, revogado pelo DL 29/2022, de 07-04, publicado no Diário da República n.º 69/2022, Série I, de 07-04-2022, que aprovou o Regime Geral do Controlo Metrológico Legal dos Métodos e dos Instrumentos de Medição (RGCMLMIM), que já se encontrava em vigor à data da prática dos factos, mas, quanto ao que cabe nestes autos apreciar, nenhuma alteração de sentido introduzindo, mantendo-se e até se aperfeiçoando a harmonização e conjugação entre o regime geral do controlo metrológico e o regime específico dos alcoolímetros.
Regulamenta ainda este DL 29/2022 a Portaria n.º 211/2022, de 23-08, publicada no Diário da República n.º 162/2022, Série I, de 23-08-2022, que aprova o Regulamento Geral do Controlo Metrológico Legal dos Métodos e dos Instrumentos de Medição.
Ora, também de acordo com o art. 5.º do RGCMLMIM, à semelhança do art. 5.º do RCMA, o controlo metrológico legal dos instrumentos de medição compreende as seguintes operações:
a) Aprovação de modelo;
b) Primeira verificação;
c) Verificação periódica;
d) Verificação extraordinária.
A aprovação do modelo é o acto que atesta a conformidade de um instrumento de medição ou de um dispositivo complementar com as especificações aplicáveis à sua categoria com vista à sua disponibilização no mercado (art. 7.º, n.º 1, do RGCMLMIM).
Ou seja, considerando a matéria que aqui nos ocupa, é o acto que atesta que determinado tipo de aparelho está apto à quantificação da taxa de álcool no sangue através de teste no ar expirado, garantindo a credibilidade e validade das leituras.
A aprovação de modelo não se destina à validação do funcionamento que em concreto cada aparelho realiza, mas apenas ao reconhecimento da aptidão que aquela espécie de modelo de aparelho tem para a finalidade para a qual é autorizado, no caso, funcionar como analisador quantitativo de álcool no sangue através do ar expirado na fiscalização do trânsito.
A validade da aprovação do modelo é de dez anos, findo o qual carece de renovação (art. 7.º, n.º 2, do RGCMLMIM).
Diferentemente, a verificação da boa funcionalidade dos equipamentos em concreto que correspondem àquele modelo, isto é, a verificação da manutenção da qualidade dos equipamentos após aprovação de modelo, tendo em conta a finalidade a que se destinam, atesta-se nas operações seguintes de primeira verificação (art. 8.º do RGCMLMIM), de verificação periódica (art. 9.º do RGCMLMIM) e, eventualmente, de verificação extraordinária (art. 10.º do RGCMLMIM).
O conteúdo dos referidos preceitos reproduz, aliás, o que dispunha o revogado DL 291/90, de 20-09, nos seus arts. 1.º, n.º 3, 2.º, n.ºs 1 e 2, 3.º, 4.º e 5.º.
Assim, um modelo pode ter sido aprovado no âmbito da primeira fase, aprovação que tem uma validade com a duração de dez anos, mas acontecer que num equipamento correspondente a tal modelo, antes de expirado esse prazo, por exemplo, ao fim de cinco anos, venha a ser detectada uma falha que demonstre que o mesmo – não o modelo aprovado – não mantém a qualidade metrológica dentro das tolerâncias admissíveis relativamente ao modelo respectivo. Neste caso, o equipamento estava dentro do prazo de validade da aprovação de modelo mas não obteria certificação válida na verificação periódica, sendo impróprio para fiscalizar a taxa de álcool no sangue por não cumprir os requisitos legais.
Mas o inverso também pode ocorrer. Assim, pode um equipamento ter ultrapassado o prazo de validade de aprovação de modelo, não tendo este sido renovado, mas continuar apto para a função que se destina a cumprir.
Esta situação vem expressamente prevista no art. 7.º, n.º 7, do RGCMLMIM (à semelhança do revogado art. 2.º, n.º 7, do DL 291/90 de 20-09), segundo o qual os instrumentos de medição em utilização, cuja aprovação de modelo não seja renovada ou tenha sido revogada, podem permanecer em utilização desde que satisfaçam as operações de verificação metrológicas aplicáveis».
Mas o próprio RCMA (Portaria n.º 1556/2007, de 10-12), no seu art. 10.º, também prevê uma norma semelhante, aí se consignando que os alcoolímetros cujo modelo tenha sido objecto de autorização de uso, determinada ao abrigo da legislação anterior, poderão permanecer em utilização enquanto estiverem em bom estado de conservação e nos ensaios incorrerem em erros que não excedam os erros máximos admissíveis da verificação periódica.
Significa isto que a legislação que regula o funcionamento dos instrumentos medidores em geral e dos alcoolímetros em concreto permite, ao contrário da posição expressa no recurso, que um aparelho medidor, ainda que ultrapassado e não renovado o prazo de dez anos de validade de aprovação do respectivo modelo ou de uso do modelo, se mantenha validamente em funcionamento, desde que conserve um desempenho positivo nas verificações periódicas ou extraordinárias que venham a ser realizadas.
Importa perceber, então, se no caso dos autos está demonstrada a verificação do desempenho positivo periódico do aparelho.
O essencial do regime geral de controlo metrológico (RGCMLMIM), no que às quatro referidas operações que o compõem (arts. 7.º a 10.º) respeita, mostra-se vertido no Regulamento do Controlo Metrológico de Alcoolímetros (RCMA), aprovado pela Portaria 1556/2007 de 10-12, conforme resulta do disposto nos seus arts. 5.º a 7.º.
A primeira verificação, a que importa no caso concreto, pois é a que está certificada no documento de fls. 6, compreende o conjunto de operações destinadas a constatar a conformidade da qualidade metrológica dos instrumentos de medição, novos ou reparados, com a dos respetivos modelos aprovados e com as disposições regulamentares aplicáveis, devendo ser requerida, para os instrumentos novos, pelo fabricante ou mandatário, e pelo utilizador, para os instrumentos reparados (art. 8.º, n.º 1, do RGCMLMIM) e, de acordo com o art. 7.º, n.º 1, do RCMA, é efectuada antes da colocação do instrumento no mercado, após a sua reparação e sempre que ocorra violação do sistema de selagem, dispensando-se a verificação periódica nesse ano.
Este segmento final é muito relevante, pois de acordo com o art. 8.º, n.º 3 do regime geral de controlo metrológico (RGCMLMIM), a primeira verificação é válida pelo prazo constante na regulamentação específica aplicável[4], isto é, o que se dispõe no citado art. 7.º, n.º 1, do RCMA.
Resulta do documento de fls. 6 (certificado de verificação do IPQ) que a certificação da primeira verificação do alcoolímetro Drager Alcotest 7110MKIII - ARZL-0199se encontra datada de 25-07-2022.
Conjugando o disposto nos arts. 8.º, n.º 3 do DL 29/2022 (RGCMLMIM), de 07-04, e 7.º, n.º 1, da Portaria n.º 1556/2007 (RCMA), de 10-12, impõe-se concluir que o aparelho aqui em análise estava aprovado para utilização até 31-12-2022, e não por um ano, como erradamente se inscreveu no certificado, prazo que respeita às verificações periódicas e extraordinárias, mas não à primeira verificação.
Conjugando tudo o que se expôs com a situação do caso concreto, impõe-se concluir que o primeiro teste quantitativo para pesquisa de álcool no ar expirado que foi realizado ao arguido foi efectuado através do alcoolímetro marca Drager Alcotest 7110MKIII - ARZL-0199, aprovado pelo Ministério da Economia e da Inovação, através do Instituto Português da Qualidade, I.P., pelo Despacho n.º 11 037/2007, de 24-04, que determinou a aprovação de modelo n.º 211.06.07.3.06, conforme Diário da República n.º 109, II Série, de 06-06-2007), aí expressamente se referindo que a aprovação é válida por um prazo de 10 anos a contar da data de publicação no Diário da República.
Assim, a aprovação de modelo deixou de ser válida a 07-06-2017.
A competência do IPQ para a aprovação de modelo resulta, à data, como o próprio Despacho indica, do disposto no art. 8.º, n.º 1, al. b), do DL 291/90, de 20-09 (RGCM), n.º 5.1 da Portaria n.º 962/90, de 09-10, e Portaria n.º 748/94, de 13-08.
Por seu turno, o referido modelo de equipamento foi aprovado para utilização na fiscalização do trânsito pelo Despacho n.º 19684/2009, de 27-08, publicado no Diário da República n.º 166/2009, Série II, de 27-08-2009, do Ministério da Administração Interna, através da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária.
Tal competência da ANSR para aprovação deuso de equipamento decorre do art. 2.º, n.º 1, al. f), do DL 77/2007, de 29-03, do art. 2.º, n.º 1, al. q), da Portaria n.º 340/2007, de 30-03 e ainda do disposto no art. 14.º da Lei 18/2007, de 17-05, que se mostra cumprido.
Resulta igualmente dos autos (fls. 4 e 6) que o concreto alcoolímetro utilizado para realização do primeiro exame quantitativo de detecção de álcool no sangue foi sujeito a primeira verificação em 25-07-2022, sendo a entidade responsável o IPQ, em consonância com a competência que decorre do art. 13.º do RGCMLMIM e do art. 5.º do RCMA.
Tal data de verificação permite concluir que aquele específico aparelho, independentemente de se mostrar ultrapassado o prazo de dez anos de validade da aprovação do modelo respectivo, estava apto a funcionar até 31-12-2022 de acordo com o disposto nos arts. art. 7.º, n.º 7, e 8.º, n.ºs 1 e 3, do RGCMLMIM e 7.º, n.º 1, e 10.º do RCMA.
Assim, à data da realização do exame que aqui se analisa – 17-12-2022 –, não obstante estar ultrapassado o prazo de validade da aprovação de modelo do alcoolímetro Drager Alcotest 7110MKIII P – ARZL -0199 utilizado para o efeito, válido até 06-06-2017, esse equipamento em concreto estava totalmente apto à execução de tal função tendo em consideração que foi aprovado em primeira verificação de 25-07-2022, válida até 31-12-2022, atento o disposto nos arts. art. 7.º, n.º 7, e 8.º, n.ºs 1 e 3, do RGCMLMIM e 7.º, n.º 1, e 10.º do RCMA, que permitem a utilização do equipamento, mesmo que ultrapassado o prazo de validade de aprovação de modelo, desde que exista certificação válida da primeira verificação do respectivo funcionamento, de acordo com todas as especificações legais, conforme consta dos autos.
Secundando a posição podem ver-se, entre outros, os seguintes acórdãos dos Tribunais de Relação, todos acessíveis inwww.dgsi.pt:
● Tribunal da Relação de Coimbra de13-12-2011, Proc. n.º 89/11.7GCGRD.C1;
● Tribunal da Relação de Évora de 20-01-2015, Proc. n.º 314/13.0GFLLE.E1;
● Tribunal da Relação do Porto de 10-05-2017, Proc. n.º 315/16.6GCOVR.P1;
● Tribunal da Relação do Porto de 11-10-2017, Proc. n.º 28/17.1PDMAI.P1;
● Tribunal da Relação de Guimarães de 05-03-2018, Proc. n.º 122/17.9PFGMR.G1;
● Tribunal da Relação de Coimbra de 24-04-2108, Proc. n.º 320/17.5GBPMS.C1;
● Tribunal da Relação de Coimbra de 27-06-2018, Proc. n.º 1358/17.8PBCBR.C1;
● Tribunal da Relação de Guimarães de 10-09-2018, Proc. n.º 277/17.2GDGMR.G1; e
● Tribunal da Relação do Porto de 18-12-2018, Proc. n.º 294/18.5PFMTS.P1.
Uma última nota para referir que, sendo correcto que o art. 4.º do RCMA determina que os alcoolímetros deverão cumprir os requisitos metrológicos e técnicos, definidos pela Recomendação OIML R 126, e que o certificado de verificação menciona o OIML R 126; 1998 e não o documento actual de 2012, não está previsto em qualquer diploma legal que eventual desconformidade, que está longe de estar demonstrada, que possa resultar do não acompanhamento da OIML R 126 2012 se reflecte em algum tipo de invalidade, pois está em causa uma recomendação.
Como bem se assinalou no acórdão do Tribunal de Coimbra de 27-06-2018[5], «da assinatura da Convenção OIML não deriva a vinculação do Estado Português ou à sua aplicação imediata na ordem jurídica portuguesa. Desde logo pelo que consta do prefácio da recomendação — Os Estados Membros da OIML devem implementar estas Recomendações o mais possível — mas também porque tal decorre da vinculação apenas moral constante do art.º VIII da Convenção OIML invocada — As decisões são imediatamente comunicadas aos Estados membros para informação, estudo e recomendação. Os Estados membros tomam o compromisso moral de aplicar estas decisões, em toda a medida possível. Ou seja, nada obriga a uma transposição/aplicação imediata da revisão da recomendação, nem a mesma vigora sem mais na nossa ordem jurídica, sendo, pois, válida a verificação efectuada, já que está de acordo com os dispositivos legais aplicáveis.»
Na verdade, o artigo VIII da Convenção que instituiu a Organização Internacional de Metrologia Legal, assinada em Paris em 12 de Outubro de 1955, aprovada para adesão por Decreto do Governo n.º 34/84 de 11 de Julho, determina, para além de outros requisitos aí estabelecidos, que as decisões são imediatamente comunicadas aos Estados membros para informação, estudo e recomendação e que os Estados membros tomam o compromisso moral de aplicar estas decisões, em toda a medida possível.
Impõe-se, assim, continuar a concluir que é totalmente válido o resultado obtido através do aparelho em questão, bem como o valor probatório respectivo.
Entretanto, no passado dia 15-11-2023 foi publicada no Diário da República n.º 221/2023, Série I, de 15-11-2023, a Portaria 366/2023, de 15-11, que aprovou o Regulamento do Controlo Metrológico Legal dos Alcoolímetros, revogando a Portaria 1556/2007, de 10-12. O diploma entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Esta alteração resultou da necessidade de adaptação do regime específico dos alcoolímetros ao novo regime geral do controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição, aprovado pelo DL n.º 29/2022, de 07-04, por sua vez regulamentado pela Portaria n.º 211/2022, de 23-08, aos quais já se fez referência.
Mas à semelhança do que resultava do regime geral (RGCMLMIM ) já analisado, também o novo regime dos alcoolímetros não introduz alterações susceptíveis de conflituar com a exposição antecedente, pois o seu art. 7.º, n.º 1, determina que a primeira verificação é efetuada antes da colocação do alcoolímetro em serviço, ou após a sua reparação e sempre que ocorra violação do sistema de selagem, dispensando-se a verificação periódica nesse ano, tendo o mesmo prazo de validade, à semelhança do anterior art. 7.º, n.º 1, da Portaria 1556/2007, de 10-12, e o seu art. 11.º estabelece que os alcoolímetros em uso poderão permanecer em utilização enquanto estiverem em bom estado de conservação e nos ensaios de verificação metrológica incorrerem em erros que não excedam os erros máximos admissíveis, à semelhança do anterior art. 10.º da Portaria 1556/2007, de 10-12.
De todo o modo, deve ressalvar-se o entendimento de que a certificação que analisamos nestes autos jamais podia ter em consideração regulamentação que ainda não estava em vigor, pois só há escassos dias tal ocorreu, nenhuma modificação tendo sido introduzida que torne aquela inválida.
Nada impedindo a força probatória de que se reveste o primeiro exame quantitativo ao ar expirado realizado ao arguido nestes autos, há que ter por correcto o valor da taxa de alcoolémia (2,20 g/l – sem dedução do erro admissível) obtido através da fiscalização realizada (cf. fls. 4), e, consequentemente, concluir pela válida ocorrência de um exame precedente ao de contraprova realizado, que, esse sim, suportou a factualidade fixada na sentença recorrida quanto à taxa de álcool no sangue apurada (cf. fls. 4).
Improcede, pois, o invocado recurso a prova proibida.
O segundo foco de argumentação do arguido limita-se à formulação de críticas à credibilidade atribuída ao depoimento da testemunha militar da GNR, em contraponto com a conferida às declarações do arguido, reproduzindo in totum a gravação em julgamento desses elementos de prova e de outros depoimentos.
Ora, como já foi enunciado, para que o recorrente alcance a pretensa alteração da matéria de facto provada e não provada tem de demonstrar que os factos foram incorrectamente julgados e que se impunha decisão diversa da recorrida em sede do elenco dos factos provados e não provados.
Para tanto, no âmbito da impugnação ampla da matéria de facto, têm os recorrentes de cumprir o preceituado no art. 412.º, n.º s 3 e 4, do CPPenal, isto é:
«3 - Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
4 - Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.»
Tal formalismo vai ao encontro da ideia, a que já aludimos, de que o reexame da matéria de facto não de destina a realizar um segundo julgamento pelo Tribunal da Relação, mas tão-somente a corrigir erros de julgamento em que possa ter incorrido a 1.ª Instância.
Ora, o recorrente, ao remeter para a totalidade das declarações e depoimentos cuja transcrição apresentou omitiu o dever de indicar os segmentos da prova que, na sua perspectiva, impunham decisão diversa da recorrida, fazendo precludir a possibilidade de reapreciação da prova em recurso.
Apenas em dois momentos da sua motivação, a fls. 31 e 33, acaba por fazer uma breve referência concreta a uma pequena parcela do depoimento da testemunha militar da GNR (menos de trinta segundos com uma pergunta e uma resposta) e das suas próprias declarações (menos de um minuto com duas perguntas e três respostas).
Mas nada do que aí se refere contraria a motivação do Tribunal a quo, que já teve em conta na sua análise quer o que a testemunha BB referiu quanto aos deveres de informação sobre a contraprova, em conexão com a documento de fls. 8, matéria abordada no primeiro excerto, quer o que o arguido referiu quanto à falta de consciência da ilicitude, assunto aludido no segundo excerto.
No fundo, tais concretas referências serviram apenas para o recorrente afirmar que não concorda com a apreciação realizada pelo Tribunal a quo, por fazer uma diferente leitura da prova, mas não para salientar qualquer verdadeiro erro de julgamento.
O recorrente não aduz, pois, quanto aos referidos segmentos, verdadeiras razões para afastar a valoração da prova levada a cabo pelo Tribunal a quo, a qual se apresenta sustentada, fundamentada e coerente com as regras da experiência comum.
Tão-pouco o argumento do recorrente de que o Tribunal a quo devia ter feito operar o princípio in dubio pro reo tem algum fundamento.
Nem a decisão recorrida revela que o Tribunal a quo em algum momento ficou em dúvida quanto ao reflexo da prova produzida no sentido a atribuir à factualidade provada impugnada, concretamente que ficou na dúvida se devia ter dado como provado ou como não provados os pontos de facto impugnados, nem se reconhece que a prova produzida só podia ter conduzido a tal estado de dúvida.
Pelo contrário, a decisão proferida pelo Tribunal a quo, mostra-se correcta porque fundamentada nas razões ali indicadas, por sua vez coerentes com as regras da experiência comum.
Improcede, pois, este segmento do recurso e consequentemente qualquer alteração na qualificação jurídica dos factos fundada na pretendida alteração dos mesmos.
*
Por fim, questiona o recorrente, para além da condenação em 2 UC´s quanto a custas, a medida concreta da pena principal de multa e acessória aplicadas, por entender que é infundada e injusta.
Mas a sua argumentação tem sempre presente a ideia de que existe «incerteza do teor do álcool erroneamente apurado» e que se deve ponderar o «que não ficou provado» e ainda a «falta de prova complementar segura», salientando que «dúvidas acentuadas permanecem relativamente à prova do cometimento, por parte do arguido, do crime de condução com álcool no sangue, nunca ignorando o facto de no momento da fiscalização este se deslocar para casa para tomar a medicação diária».
Ora, uma tal argumentação inquina a avaliação do que pode ser a justa medida das penas concretas e esvazia de conteúdo o próprio recurso neste segmento, pois parte de pressupostos sem o menor reflexo na matéria de facto provada, único substracto e ponto de partida para as operações de escolha e determinação da pena.
Ainda assim, sempre dirá que a fixação de uma pena de 75 (setenta e cinco) dias multa, à taxa diária de € 6 (seis euros), se revela dentro dos parâmetros normais, tendo em conta a factualidade subjacente, com especial relevo para a taxa de álcool no sangue detectada – 1,978 g/l – e a circunstância de o arguido não registar antecedentes criminais.
Na operação de detalhe das opções levadas a cabo pelo Tribunal na escolha e determinação da medida concreta da pena, não detectamos qualquer falha formal ou substancial a imputar à decisão recorrida.
O Tribunal a quo identificou a moldura penal abstracta correspondente ao tipo de crime pelo qual foi o arguido condenado, optou pela aplicação de pena não privativa da liberdade e concretizou de forma suficiente, em face dos factos dados como provados e dos preceitos aplicáveis, os factores relevantes, bem como as razões da solução encontrada, decidindo depois pela aplicação das penas que considerou adequadas.
A opção por uma pena de multa e não uma pena de prisão já representa um juízo de ponderação que reflecte uma valoração de menor censura sobre a conduta, sendo certo que a concretização da medida da pena dentro da moldura abstracta da multa é já um segundo passo neste percurso de escolha e determinação da pena, não podendo equiparar-se as opções a realizar às que seriam feitas caso o crime fosse apenas punido com pena de multa.
Assim, perante os factos dados como provados e uma moldura penal abstracta, no que respeita à pena de multa, de 10 (dez) a 120 (cento e vinte) dias, não pode ser qualificada de exagerada ou desproporcionada a pena aplicada ao arguido de 75 (setenta e cinco) dias de multa, considerando que a taxa de álcool no sangue detectada foi de 1,978 g/l, situando-se muito acima do mínimo legal para a qualificação dos factos como crime.
O mesmo se diga da pena acessória de proibição de conduzir fixada apenas 1 (um) mês acima do limite legal que é de 3 (três) meses.
O Tribunal a quo não violou qualquer regra que devesse ser acolhida e a solução encontrada mostra-se conforme a uma ponderação equilibrada e dentro dos ditames da jurisprudência, estando balizada pelas margens de actuação do julgador a que se refere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-07-2010[6], segundo o qual uma vez «acatados e respeitados os critérios de determinação concreta da medida da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável» e «a determinação concreta há-de resultar de a adaptar a cada caso concreto, liberdade que o julgador deve usar com prudência e equilíbrio, dentro dos cânones jurisprudenciais e da experiência, no exercício do que verdadeiramente é a arte de julgar».
No que concerne ao quantitativo diário fixado (€ 6), o recorrente nada invocou em concreto, mas considerando que o mínimo legal deve estar reservado aos indigentes, que não é o caso do arguido, nada ocorre censurar.
A este propósito, «[d]esde há muito a jurisprudência dos tribunais superiores tem considerado um ponto relevante para a fixação da pena de multa e que é o de que, aplicada esta, o quantitativo fixado deve constituir um sacrifício real para o/a condenado/a sem, no entanto, deixar de lhe serem asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do agregado familiar pelo qual seja responsável, o que não é o caso. E isto para que a aplicação concreta da pena de multa não represente «uma forma disfarçada de absolvição ou de uma dispensa de pena ou isenção de pena que se não tem coragem de proferir»[7].
Assim, ao contrário do genericamente alegado, a fixação da medida concreta das penas foi realizada de acordo com os parâmetros legais de proporcionalidade, adequação e necessidade, tendo em conta a medida da culpa e as necessidades de prevenção geral e especial expressas na decisão recorrida.
Por fim, quanto à condenação em custas, o recorrente nada invoca, pelo que mostrando-se a mesma a coberto dos limites legais e sendo patente o labor desenvolvido nos presentes autos, nada cumpre alterar.
Deve, pois, ser negado total provimento ao recurso.
*
III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e em confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça (arts. 513.º, n.ºs. 1 e 3, do CPPenal e 8.º, n.º 9, do RCP e Tabela III anexa).
Porto, 22 de Novembro de 2023
(Texto elaborado e integralmente revisto pela relatora, sendo as assinaturas autógrafas substituídas pelas electrónicas apostas no topo esquerdo da primeira página)
Maria Joana Grácio
Eduarda Lobo
Paula Natércia Rocha
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[1] É o que resulta do disposto nos arts. 412.º e 417.º do CPPenal. Neste sentido, entre muitos outros, acórdãos do STJ de 29-01-2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB.S1 - 5.ª Secção, e de 30-06-2016, Proc. n.º 370/13.0PEVFX.L1.S1 - 5.ª Secção.
[2] Proc. n.º 146/14.8GTCSC.S1 - 5.ª Secção, acessível inwww.stj.pt (Jurisprudência/Acórdãos/Sumários de Acórdãos).
[3] Proc. n.º 772/10.4PCLRS.L1.S1 – 3.ª Secção, acessível inwww.stj.pt (Jurisprudência/Acórdãos/Sumários de Acórdãos).
[4] O DL 291/90, de 20-09, que foi revogado pelo DL 29/2022, de 07-04, determinava, no seu art. 4.º, n.º 2, que os instrumentos de medição são dispensados de verificação periódica até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua primeira verificação, salvo regulamentação específica em contrário, acabando por assumir igual resultado, assimilando a solução já inscrita no art. 7.º, n.º 1, do RCMA.
[5] Relatado por Luís Teixeira no âmbito do Proc. n.º 1358/17.8PBCBR.C1, acessível inwww.dgsi.pt.
[6] Proc. n.º 364/09.0GESLV.E1.S1, acessível inwww.stj.pt (Jurisprudência/Acórdãos/Sumários de Acórdãos).
[7] Acórdão do STJ de 23-11-2017, Proc. n.º 146/14.8GTCSC.S1 - 5.ª Secção, acessível inwww.stj.pt (Jurisprudência/Acórdãos/Sumários de Acórdãos).