ACIDENTE DE VIAÇÃO E DE TRABALHO
RESPONSABILIDADE CIVIL
DÉFICE FUNCIONAL PERMANENTE
DANO BIOLÓGICO
MONTANTE DA INDEMNIZAÇÃO
CAPITAL DE REMIÇÃO
Sumário

I–Ao falar-se em dano biológico alude-se à lesão causada ao corpo e à saúde do indivíduo, isto é, reporta-se à violação do direito subjectivo à integridade física e psíquica, que a todos assiste.

II–A violação desse direito subjectivo : lesão do corpo e da saúde física e/ou psíquica do indivíduo, configura um dano em si mesmo e gera a obrigação de indemnizar independentemente de quaisquer consequências actuais ou futuras; mas porque essa lesão importa uma diminuição somático-psíquica e funcional do lesado a mesma terá repercussão na sua vida pessoal e profissional podendo acarretar, conforme os casos, consequências patrimoniais e/ou não patrimoniais.

III–O tratamento actual do dano biológico, enformado pelo princípio da reparação integral dos danos, acolhe uma visão humanista do lesado, como ente complexo, pleno em todos os aspectos da sua individualidade como ser humano, plenitude essa que corresponde ao estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas à ausência de doença ou enfermidade.

IV–A miríade de reflexos do dano biológico pode ter dimensão patrimonial ou não patrimonial conforme as circunstâncias do caso concreto, mas mais do que o seu enquadramento como dano patrimonial ou não patrimonial, importa que não haja sobreposições na sua avaliação para efeitos de fixação de indemnização, de modo a evitar duplicação indemnizatória.

V–O défice funcional permanente não é confundível com a incapacidade profissional por isso, a despeito da atribuição de um défice funcional permanente mesmo que implicando esforços acrescidos para o exercício da actividade profissional, quando o lesado mantém intacta a sua capacidade de trabalho relativamente ao exercício da profissão habitual tal não importa qualquer perca de capacidade de ganho, devendo, outrossim, ser relevados esses esforços acrescidos como uma das componentes da repercussão patrimonial do dano biológico.

VI– A menção ao défice funcional permanente concomitantemente a propósito da vertente patrimonial e da vertente não patrimonial do dano biológico não importa qualquer dupla valoração do mesmo dano, pois esse défice, porque se traduz na diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, constitui um prejuízo que se repercute em todos os sectores da sua vida. Por isso a mensuração desse défice tida em conta na dimensão patrimonial do dano biológico deve ser também observada na avaliação dos danos não patrimoniais porque as consequências daquele défice extravasam a dimensão patrimonial e igualmente se reflectem no domínio não patrimonial, e esses reflexos serão maiores ou menores, mais ou menos intensos, em função da medida do dito défice psico-somático.

VII–É adequada a indemnização de € 28.500,00 a lesado que tinha 39 anos de idade na altura do acidente, que sofreu fraturas do úmero direito e tíbia direita, foi sujeito a duas cirurgias com colocação de material de osteossíntese, ficou com défice funcional permanente de 10 pontos, sofreu quantum doloris de grau 4 em 7, dano estético permanente de grau 2 em 7, repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 2 em 7, que durante o período em que se encontrou em recuperação e tratamento [cerca de 8 meses] teve agitação e alteração do sono com revivências do acidente; por vezes sente dores e dificuldades acrescidas em algumas actividades do dia a dia e tem desgosto por não conseguir fazer actividades como fazia antes do acidente, como jogar à bola, fazer caminhadas em grandes distâncias, cortar lenha, fazer bricolage e pequenas reparações em casa, brincar e pegar nos filhos, e quando se confronta com limitações físicas ou dores, por vezes, manifesta angústia e frustração.

VIII–As indemnizações devidas pelo responsável civil e pelo responsável laboral em consequência de acidente, simultaneamente de viação e de trabalho, assentam em critérios distintos e têm uma funcionalidade própria, não sendo cumuláveis, mas antes complementares até ao ressarcimento total do prejuízo causado ao lesado/sinistrado.

IX–A indemnização devida ao lesado/sinistrado a título de perda da sua capacidade de ganho, mesmo no caso de o mesmo ter optado pela indemnização arbitrada em sede de acidente de trabalho, não contempla a compensação do dano biológico porquanto este se consubstancia na diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com repercussão em todos os parâmetros da sua vida, seja pessoal ou profissional, estando em causa dois danos de natureza diferente.

X–O capital de remição da pensão anual, pago como indemnização a título de acidente de trabalho, repara apenas a perda de capacidade geral de ganho reportada à profissão habitual, sem que tenha em conta a perda ou diminuição das capacidades do lesado relativamente a todas as componentes, pelo que não há que deduzir à indemnização pelo dano biológico a quantia já paga no processo de acidente de trabalho.

Texto Integral

TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA


I–RELATÓRIO


A [José …] , contribuinte fiscal nº 2.......8, residente na Rua ..... – Quinta ..... ....., nº …, 1º Frt, ....-... - S____ J____ M____,
Intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma única de processo comum, contra
“Crédito Agrícola Seguros – Companhia de Seguros de Ramos Reais, SA”, pessoa colectiva com o NIPC 5.......9, com sede na Rua .....- nº ..., 3º dto, ....-...- L____,
alegando, em síntese, que no dia 11.3.2019, cerca das 07h45, sofreu um acidente de viação na Autoestrada A1, ao Km. 5,95 no sentido Norte – Sul, quando conduzia o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula XX-XX-XX, acidente que se deveu a culpa exclusiva do condutor do veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula YY-YY-YY, cuja responsabilidade civil decorrente da respectiva circulação havia sido transferida para a R. por contrato de seguro titulado pela apólice nº 01.....9, tendo a mesma aceite que a produção do acidente se ficou a dever a responsabilidade do condutor do veículo por si seguro e, em conformidade, indemnizou o A. por danos materiais no valor de € 2.100,00 por perda total do veículo.
Em resultado do acidente o A. sofreu fracturas do úmero direito e da tíbia direita que o obrigaram à sujeição a duas cirurgias com colocação de material de osteossíntese, tendo a sua condição física determinado um período de défice funcional temporário total a que se seguiu período de défice funcional temporário parcial, com a inerente repercussão profissional, sendo que durante os períodos de incapacidade - entre 12/03/2019 e 25/11/2019 - recebeu apenas € 4.092,81 da “Seguradora Fidelidade, SA”para a qual a sua entidade patronal havia transferido a responsabilidade por acidentes de trabalho, o que se traduziu em perdas salariais em valor não inferior a € 4.559,11 uma vez que o A. teria auferido nesse período uma remuneração total não inferior a € 8.651,92, pois recebia mensalmente o vencimento de € 600,00, subsídio de alimentação no valor de € 99,44, abono para falhas no montante de € 53,10, prémio de assiduidade de € 45,00, subsídio de transporte no valor de € 85,00 e compensação por encargos familiares no valor de € 120,00.
Mais alegou que a sua situação clínica se considerou consolidada com sequelas físicas que acarretam dificuldades no desempenho da sua actividade profissional e o afectam no desenvolvimento de actividades comuns do quotidiano, desportivas e de lazer, e com sequelas psicológicas compatíveis com perturbação de stress pós-traumático, com repercussões a nível pessoal, social e profissional, sequelas essas - físicas e psíquicas - que sendo compatíveis com a actividade profissional implicam esforços acrescidos e dores diárias, determinando-lhe, essa condição geral, um défice funcional físico-psíquico não inferior a 12 pontos.
Por outro lado, defende que essas limitações físicas e psíquicas decorrentes do acidente importam perda de capacidade de ganho, argumentando no sentido de que a esse título sofre um dano patrimonial correspondente a € 61.918,64; além de que tais limitações configuram dano biológico para lá da repercussão na actividade profissional, o qual configura como dano patrimonial autónomo que quantifica em € 35.000,00.
Invoca ainda ter sofrido danos patrimoniais relativos a despesas com medicamentos e ajudas medicamentosas, cirurgias, internamentos, tratamentos e deslocações inerentes, os quais, porém, não concretizou nem quantificou.
Alega ainda ter sofrido danos não patrimoniais, relativos às dores sofridas e às que se manterão, à afectação estética decorrente das cicatrizes com que ficou, ao prejuízo sexual, à perda de alegria de viver, à tristeza, angústias e padecimentos de várias índoles, entendendo ser equitativa a indemnização de € 40.000,00a título de danos não patrimoniais.
Com tais fundamentos, concluiu pedindo a condenação da R.
«- No pagamento das perdas salariais no valor de 4.559,11 €, acrescidas de juros de mora à taxa legal;
- No pagamento de todas as despesas médicas e medicamentosas, cirurgias, internamentos, tratamentos e deslocações inerentes relacionadas com as sequelas descritas, acrescidas de juros de mora à taxa legal;
- No pagamento de indemnização por perda de capacidade de ganho no montante de 61.918,64 €, acrescida de juros de mora à taxa legal;
- No pagamento de indemnização a título de dano biológico autónomo da perda de capacidade de ganho de valor não inferior a 35.000,00 €, acrescida de juros de mora à taxa legal;
- No pagamento de indemnização a título de danos morais de valor não inferior a 40.000,00 €, acrescida de juros de mora à taxa legal.»

Na sua contestação a R., pese embora refira não ter conhecimento directo dos factos relativos à dinâmica do acidente, aceitou, na decorrência das averiguações levadas a cabo, a responsabilidade do condutor do veículo por si segurado na produção do mesmo.
Impugnou os factos atinentes aos danos alegados pelo A. e o conteúdo e alcance dos documentos particulares por aquele juntos que não sejam da autoria da R., bem como impugnou os valores reclamados pelo A., destacando que o montante que vier a ser apurado terá que atender aos valores que o A. já recebeu da companhia de seguros de acidentes de trabalho e deduzido esse montante ao valor da indemnização que vier a ser fixada, uma vez que o acidente foi simultaneamente de viação e de trabalho e em sede laboral o Autor recebeu da Seguradora Fidelidade indemnização por incapacidade temporária e pela IPP que lhe foi atribuída.
Por fim, com fundamento em que assiste à seguradora laboral o direito de intervir ao lado do trabalhador/sinistrado na acção por este intentada contra a seguradora civilmente responsável, deduziu o incidente de intervenção principal provocada da“Fidelidade Companhia de Seguros, SA”, a qual, por sua vez, e antes da admissão liminar do incidente suscitado pela R., se apresentou a requerer a sua intervenção espontânea.
Nessa sede a Seguradora Fidelidade alegou que no contexto da acção emergente de acidente de trabalho suportou as despesas decorrentes do acompanhamento clínico, médico e de recuperação do A., bem como o pagamento pelos períodos de incapacidade do mesmo, tendo pago €4.385,15 relativamente ao período de incapacidade temporária absoluta e € 69,44 quanto ao período de incapacidade temporária parcial; € 6.202,86 a titulo de capital de remição e € 247,43 de juros de mora, em função da IPP de 5,92% que foi fixada ao A. no processo por acidente de trabalho; suportou ainda € 31,20 a título de despesas de transporte e juros de mora devidos por tal despesa. Pagou ainda € 7.318,70 a titulo de despesas médicas, honorários com consultas, cirurgia e elementos auxiliares de diagnóstico; €630,00 a titulo de despesas por hospitalização em ambulatório; € 1.582,00, €607.50 e € 255,00 com a realização de fisioterapia; € 424,88 como reembolso ao A. de despesas de transporte suportadas por este; e a ainda € 151,20 de despesas judiciais.
Deste modo, e com fundamento em ter ficado sub-rogada nos direitos do lesado/sinistrado ao proceder ao pagamento das referidas indemnizações ao mesmo, peticionou a condenação da Ré, na qualidade de responsável pela reparação dos danos emergentes do acidente, a reembolsá-la do montante de € 21.905,36 e bem assim no que viesse a despender por força do evento dos autos, com juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, desde o respectivo pagamento até integral reembolso à interveniente.
A Interveniente “Fidelidade - Companhia de Seguros, SA”, por requerimento de 16/05/2022 (ref. 12341079) e com fundamento em que após a apresentação do seu requerimento de intervenção e até ao dia 21/09/2021, por força do sinistro sofrido pelo A., suportou ainda o montante global de € 1.059,01 a titulo de despesas judiciais, despesas com elementos auxiliares de diagnóstico e transporte,requereu a ampliação do pedido para € 22.819,62.
Essa ampliação do pedido foi admitida.
O processo seguiu os seus regulares termos, tendo após audiência de julgamento sido proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a Ré :
- a pagar ao Autor (a)- a quantia de € 25.000,00 a titulo de dano biológico, acrescida dos juros de mora à taxa legal desde a data da prolação da sentença até integral pagamento, e (b)- a quantia de € 28.500,00 a titulo de danos não patrimoniais acrescida dos juros de mora à taxa legal desde a data da sentença até integral pagamento.
- a pagar à Interveniente “Fidelidade – Companhia de Seguros, SA”a quantia de € 21.777,36 acrescida dos juros de mora à taxa legal contados desde a data do vencimento das prestações e até integral pagamento.
- absolveu a Ré do demais peticionado.
Inconformados recorreram o Autor e a Ré.
O Autor, juntando um parecer, apelou sustentando que a decisão recorrida deve ser revogada e em seu lugar proferida outra que condene a Ré (a)- no pagamento ao Autor da quantia de € 55.715,78, correspondente ao valor de € 61.918,64 por ele peticionado a título de perda de capacidade de ganho deduzido do montante de € 6.202,86 correspondente ao capital de remição recebido no âmbito do processo de acidente de trabalho, (b)- no pagamento ao Autor de valor não inferior a € 50.000,00 pelos danos morais e (c)- no pagamento dejuros de mora em dobro, nos termos do disposto no artº 38º nº 2, do DL nº 291/2007,de 21/08.
Terminou as suas alegações com as seguintes
Conclusões
«1.– O recorrente dá por reproduzido o teor do parecer elaborado pelo Professor Paulo Mota Pinto, cujas conclusões desde já se transcrevem (e que se junta como DOC. 1):
- A perda de capacidade de ganho da vítima que, para tentar obter o mesmo nível de rendimento ou atenuar a quebra de rendimento, realiza esforços avaliáveis em dinheiro deve ser reconhecida como dano autónomo, dentro da esfera dos danos patrimoniais futuros.
- O reconhecimento como dano é reclamado pelo princípio da reparação integral, pois estão em causa consequências patrimoniais distintas das que, por exemplo, decorrem da efetiva perda de salários dada a impossibilidade de prosseguir a atividade profissional, e os esforços adicionais necessários distinguem-se claramente também da fadiga ou ansiedade associadas à quebra de rendimentos, à falta de progressão na carreira ou à privação de uma reforma de um dado montante, expectável, a considerar como danos não patrimoniais.
- A jurisprudência largamente maioritária tem reconhecido a existência deste dano e contribuído para a sua delimitação, e podemos dela retirar exemplos de tipos de esforços adicionais como os complementares da actividade laboral (traduzidos em mais horas de trabalho, mais tempo a realizar as tarefas, necessidade de terceiros ou de apoio técnico de diversa ordem) e os esforços de reposição (gastos relacionados com adaptação a nova atividade profissional, tempo extra para obtenção de promoções profissionais e ou de prémios face ao tempo que seria o normal).
- Além destes esforços que coincidem com o sentido estrito da penosidade (dano de esforço ou de penosidade), a capacidade de ganho contempla situações cuja delimitação se torna cada vez mais nítida, como a afetação da progressão profissional qua tale ou a privação de chances profissionais (por exemplo, de mudança para emprego com melhores condições, algo tornado impossível ou mais difícil pelas limitações decorrentes da lesão).
- Se, pela positiva, se reconhecem características de certeza e pecuniaridade no dano em causa, pela sua delimitação negativa, devemos poder fazer um recorte em relação a danos afins, a danos dos quais pode constituir uma variante ou a danos que o absorvem.
- Em Portugal, o filtro para a compensação dos danos não patrimoniais é o da sua gravidade (artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil), e não o da tipicidade legal, pelo que a função do“dano biológico” de preenchimento de uma lacuna, correspondente à delineada em Itália, não é necessária.
- No contexto da ordem jurídica portuguesa, a invocação do dano biológico tem servido, pelo contrário, propósito e resultados limitativos do dano patrimonial, absorvendo o dano de esforços adicionais.
- A conceção do “dano biológico” como alternativa à designação de violação da integridade psicofísica, ou déficit funcional, que estaria em linha com as preocupações primaciais na criação transalpina da figura (conceder ao bem “corpo” proteção adequada, em sede de responsabilidade civil, sem fazer pesar nessa proteção a existência de danos patrimoniais e a repercussão económica da lesão corporal), não tem entre nós tantos sequazes como a que vê o dano biológico como “dano-evento”.
- A sobreposição ou cumulação de indemnizações temida por alguma jurisprudência só ocorre se designamos o dano de maior esforço como “dano biológico”, com os mesmos contornos, pelo que bastará apurar o sentido atribuído ao “dano biológico” (ou saber que sentido deve ser atribuir ao dano biológico), para podermos responder, de forma positiva ou negativa, à questão da indesejada cumulação e absorção por outros danos.
- No âmbito da reconstituição da situação hipotética do lesado que existiria sem a lesão (artigo 562.º do Código Civil), deve ter-se em conta a perda da capacidade de ganho traduzida nos maiores esforços ou penosidade do lesado para trabalhar, medida pela perda de remunerações futuras que o lesado auferiria se não tivesse de empregar esse esforço e com essa penosidade adicionais, e considerando os factores que permitam avaliar essa situação subjetiva e concreta do lesado, independentemente de, por outras razões (como a sua natural progressão na carreira) o lesado vir a sofrer ou não efetivamente uma perda ou diminuição das remunerações que auferia, pois o que releva é a situação hipotética em que, sem a lesão, aquele teria estado no momento do cálculo da indemnização.
- Na medida da perda da capacidade de ganho, um dos factores de medição é também, nos casos em que é possível determinar partindo do rendimento concretamente auferido ao tempo da lesão, o rendimento hipotético e futuro que não teria exigido a realização de esforços adicionais.
- Quanto ao modelo de compensação considerado adequado, dentro do figurino legal e das diretrizes jurisprudenciais, destaca-se entre nós, em conformidade com o artigo 562.º do Código Civil, a avaliação concreta e subjetiva do dano, o que exige, por exemplo que se apure a intensidade dos esforços, sendo de repudiar a prática de conceder uma majoração uniforme da indemnização sem atender ao concreto tipo de esforços e ao grau de seriedade dos mesmos necessários para aquele lesado.
- A avaliação subjetiva e concreta do dano, exigida para uma reparação integral, requer também que se convoquem como referente os rendimentos ao tempo da lesão concretamente auferidos pelo lesado, cujo nível se visa precisamente repor.
- Não é convincente a tese segundo a qual não há que atender aos rendimentos concretos do lesado, de modo a obter um tratamento igual dos lesados e levando a criar e a convocar ficções de rendimento médio ou mediano ou expectável; apesar de não gozar de acolhimento significativo na prática jurisprudencial, tal posição faz tábua rasa da situação em que cada lesado estaria caso não tivesse ocorrido a lesão e contraria a própria função compensatória da responsabilidade civil, além de que a igualdade de tratamento não pode ser obtida sacrificando situações económicas e existenciais díspares (desconsiderando, por exemplo, o nível de rendimento concreto, a existência de outras fontes de rendimento, o tipo de vínculo laboral, etc.).(…)
- O montante apurado pela perda de capacidade de ganho resultante de esforços acrescidos ou da afetação na progressão profissional não deve sofrer de nenhuma redução decorrente do facto de ser recebido de uma só vez, em alternativa à renda, acompanhando assim uma tendência jurisprudencial em consolidação.

2.–Como se extrai da sentença recorrida, a primeira parcela indemnizatória, no valor de25.000,00 €, cinge-se à compensação pelos esforços suplementares e dores acrescidas no desempenho da profissão do A. e do agravamento futuro de tais dores e esforços, decorrentes da possibilidade de dano futuro.
3.–É inequívoco que tal dano foi expressamente considerado como patrimonial pelo tribunal recorrido. O que se afigura correto.
4.–A segunda parcela, no valor de 28.500,00 €, visa compensar os seguintes danos não patrimoniais:
- “As dores e padecimentos consequência do embate, subsequente transporte de urgência e assistência que foi prestada, intervenções cirúrgicas, tratamentos e respectivo internamento, dores que sofreu após o acidente e durante o período de recuperação e as que mantém, incluindo todas as sequelas, circunstâncias e estados de limitação com que se confronta, conforme pontos 6 a 9, 29 a 36, 37.2 a 40.1, dos factos provados.”
- Os períodos de incapacidade, de diversos tipos, atribuídos pelo juízo pericial – cfr. Pontos 30 e 31, dos factos provados; - A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 25/11/2019; - Período de Défice Funcional Temporário Total fixável num período de 18 dias, aos quais deverão ser acrescentados 8 dias, para eventual remoção do material de osteossíntese; - Período de Défice Funcional Temporário Parcial fixável num período de 242 dias, aos quais deverão ser acrescentados 22 dias, para eventual remoção do material de osteossíntese e respectiva recuperação funcional; - Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total fixável num período total de 241 dias, aos quais deverão ser acrescentados 30 dias, para eventual remoção do material de osteossíntese e respectiva recuperação funcional; Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Parcial fixável num período total de 19 dias -, tendo a consolidação das lesões ocorrido cerca de sete meses e meio após o acidente – em 25/11/2019.
- O quantum doloris foi fixado no grau 4/7, o dano estético permanente fixado no grau 2/7,a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer no grau 2/7, sendo que ao A. foi atribuído, como vimos, um défice de 10 pontos e na altura do acidente tinha 39 anos de idade – pontos 30 a 31e 37, dos factos provados.
- Os danos decorrentes da afectação do bem estar psicológico ou, se se quiser, na vertente da saúde mental. A este respeito, resultou ainda da matéria de facto provada que o A., em consequência do acidente, apresenta “… (c) Queixas relativas a alteração do padrão do sono e do foro ansioso, que motivaram acompanhamento no HCVP, determinando actualmente ligeira repercussão na sua vida diária, enquadráveis em Nb0903….”, que em consequência do acidente e lesões sofridas com o mesmo e quanto a dependências permanentes de ajudas, o A. terá necessidade de analgésicos em caso SOS…” – pontos 34 e 35, dos factos provados.
- Resultou provado que “…à data do acidente o A. era um homem com energia, forte e saudável, jovial, alegre e sociável...”- ponto 37.1, dos factos provados -, que “…após o acidente e durante o período em que se encontrou em recuperação e tratamento, o A. teve agitação e alteração do sono, revivências do acidente…”, e que,- “… por força das limitações físicas de que passou a padecer, em consequência das lesões sofridas com o acidente, o A. por vezes sente dores e dificuldades acrescidas em algumas atividades do dia a dia ou ajudar nas tarefas domésticas, fazer bricolage e reparações em casa, cortar lenha ou pegar nos seus filhos de 5 e 11 anos de idade ao colo, brincar com eles … bem como dificuldade em fazer passeios ou marcha em distâncias longas ou por períodos de tempo prolongados, sentindo por vezes dores ao nível do tornozelo direito…bem como sente dificuldade nas actividades desportivas, tendo deixado de praticar futebol com os amigos…” – ponto 38 a 39.1, dos factos provados.
- Resultou provado que o A. tem desgosto por não conseguir jogar à bola, fazer caminhadas em longas distâncias, cortar lenha, fazer bricolage e pequenas reparações em casa, brincar e pegar nos filhos, como fazia antes do acidente e que na presente data o A., quando se confronta com limitações físicas ou dores, por vezes manifesta angústia e frustração…” –pontos 39 a 39.1, dos factos provados.”

5.–É, pois, inequívoca a não sobreposição de qualquer tipo de indemnização ou repetição de compensações pelo mesmo dano.
6.–Como se extrai da sentença recorrida, para fixação do valor correspondente à penosidade acrescida no exercício da atividade profissional, foi considerada a idade do recorrente à data do acidente, de 39 anos, uma esperança média de vida de aproximadamente 39 anos (considerando a esperança de vida da população masculina portuguesa, na ordem dos 78 anos), o défice funcional de 10 pontos com esforços suplementares na atividade profissional de empregado de mesa e o rendimento anual de 13.230,48 €, à data do acidente (facto 17).
7.–Em primeiro lugar, no valor dos danos patrimoniais já está incluído o cálculo dos juros.
8.–Na prática, tal significa que em tal montante, calculado quatro anos e meio após a datado acidente, está incluído um valor na ordem dos 18% (4% x 4,5), a título de penalização pela mora ou atualização, e, assim, que o tribunal recorrido entendeu como equitativo o valor de 20.500,00 €, aproximadamente, à data do acidente.
9.–Ora, o primeiro indício da insuficiência de um tal valor encontra-se por referência à própria Portaria n.º 377/2008, de 26.5, atualizada pela Portaria n.º 679/2009, de 25.6:nos termos do anexo I de tal diploma, a proposta razoável a apresentar pela seguradora ao sinistrado, com idade compreendida entre os 31 e os 45 anos, como compensação pelos esforços suplementares em caso de lesão de que resulta défice funcional entre 10 a 35 pontos, terá como limite o valor de 20.500,00€.
10.–Mas, aplicando, à data da sentença, a variação do índice do preço ao consumidor, desde 2008, nos termos do art.º 13º da referida Portaria, chegamos ao valor na ordem de 26.500,00 € (isto de acordo com os dados que constam do site do Instituto Nacional de Estatística: 6,74%, no primeiro semestre de 2023, 7,83%, em 2022, 1,27% em 2021, -0,01 %, 2020, 0,34%, em 2019, 0,99%, em 2018, 1,37%, em 2017, 0,61%, em 2016,0,49%, em 2015, -0,28%, em 2014, 0,27%, em 2013, 2,77%, em 2012, 3,65%, em 2011,1,40%, em 2010, -0,83%, em 2009 e 2,59%, em 2008).
11.– E, como se extrai do parecer ora junto, os valores resultantes da aplicação da referida Portaria consubstanciam para a jurisprudência, ciente de que não se trata de regime de aplicação obrigatória nos tribunais, apenas um patamar mínimo para a proposta “razoável”, e não uma referência a seguir pelo juiz na fixação da indemnização, sendo, pois, imprestável para tal efeito – se mais razões não houvesse, até porque se destina a um fim extrajudicial, de resolução imediata do litígio.
12.– Daqui resulta que o valor indemnizatório arbitrado a título de compensação é consideravelmente inferior ao referido patamar mínimo de referência.
13.– Mesmo que utilizássemos o valor de 25.000,00 €, tal equivaleria, na prática, a um valor anual de cerca de 641,00 €, equivalente a um valor mensal de 53,41 €, e, diário, de 2,43€ (pouco mais que um café e um bolo!).
14.– E, se considerarmos que se deu como provado que em consequência do acidente e lesões sofridas com o mesmo e quanto a dependências permanentes de ajudas, o A. terá necessidade de analgésicos em caso SOS (facto 35), tal valor será porventura insuficiente para suportar as despesas futuras com medicação.
15.– Aliás, perante a admissão da probabilidade de dano futuro com consequente agravamento da sintomatologia álgica, é espetável que aquele valor mensal (53,41 €) seja totalmente despendido em medicação analgésica.
16.– Temos, pois, que o valor correspondente a pouco mais do que, por exemplo, uma bica e um pastel de nata, por dia, como compensação pela penosidade acrescida na atividade profissional se afigura ilustrativo da total desadequação da “compensação” arbitrada.
17.– Por outro lado, caso se recorresse ao critério aritmético da aplicação do grau de défice funcional (10 pontos) como percentual de perda de capacidade de ganho tendo por base as remunerações que o A. viria a auferir no futuro (correspondente à remuneração anual à data do acidente (na ordem dos 13.230,48 €) pelos 39 anos de vida estimada restante),à luz daquela que veio sendo a jurisprudência dominante até recentemente, alcançaríamos um valor de cerca de 51.500,00 €.
18.– A tal montante, como resulta do parecer ora junto, não haveria que deduzir qualquer valor percentual para evitar o enriquecimento sem causa do lesado pois, se é certo que recebe tal valor de uma vez e calculado sobre o rendimento anual bruto à data do acidente, não deixa de ser verdade que a perspetiva para os próximos 39 anos é de evolução dos salários, pelo que, naturalmente, o valor médio anual que o A. iria auferirem tal período, sem as lesões, seria sempre substancialmente superior à remuneração que auferia à data do acidente.
19.– É um facto que o conceito de défice funcional da atividade física e psíquica não foi concebido para aplicação, como valor percentual, para cálculo da perda de capacidade de ganho, mas tal critério não deixa de ser relevante e indicativo, nomeadamente quando em situações como a do caso concreto, se admite como provada uma maior penosidade na obtenção do rendimento, mas sem que dela resulte, por exemplo ,um dano mais fácil de determinar, como aconteceria se se demonstrasse que o sinistrado careceria de um maior número de horas para concluir as suas tarefas profissionais.
20.– Por último, confrontando a sentença recorrida com os arestos mais recentes do Supremo Tribunal de Justiça, a disparidade torna-se gritante:
- Por acórdão do STJ, de 6.6.23, proferido nos autos n.º 9934/17.2T8SNT.L1.S1(Manuel Capelo), considerou-se adequada a indemnização de € 60.000,00 por danos patrimoniais futuros na vertente de dano biológico de lesada que tinha 35 anos na data do acidente, a profissão de cabeleireira, cujas sequelas ,causadoras de défice funcional permanente de 12 pontos, são compatíveis com a sua profissão, mas implicam esforços suplementares acrescidos, estando desempregada na data do acidente e que iria começar a trabalhar no mês seguinte como cabeleireira, tendo tirado o respetivo curso e trabalhando antes disso a dias em limpezas.
- Por acórdão do STJ, de 22.6.2023 (Cura Mariano), proferido nos autos n.º445/09.0TBAMT.P1.S1, considerou-se adequado o valor de 55.000,00 €, a tal título, tendo o lesado, contramestre e maquinista, 50 anos à data do acidente e um défice funcional de 11 pontos.
- Por acórdão do STJ, de 9.5.2023, proferido nos autos n.º 7509/19.0T8PRT.P1.S1(Jorge Arcanjo), considerou -se adequada a quantia de 80.000,00 €, a médico dentista, com 33 anos de idade e défice funcional de 6 pontos.
- Por acórdão do STJ, de 30.3.2023, proferido nos autos n.º 4160/20.6T8GMR.G1.S1(Maria da Graça Trigo), considerou-se equitativo o montante de 20.000,00 €, como reparação do dano biológico na modalidade de perda de capacidade de ganho, traduzida na maior penosidade na execução das tarefas profissionais de um comerciante de peixe-distribuidor, com 33 anos à data do acidente, e défice funcional de 3 pontos.
- Por acórdão do STJ, de 14.3.2023, proferido nos autos n.º 309/20.7T8PDL.L1.S1(Maria da Clara Sottomayor), considerou-se que tendo em conta a idade do lesado, 20 anos à data do acidente, a esperança média de vida, o défice permanente da integridade físico-psíquica de 14 pontos, bem como a permanência e irreversibilidade das dores físicas que sofrerá ao longo da sua vida, com impacto no esforço exigível para a atividade profissional e na diminuição da capacidade de ganho, não se afigura exagerado ou desproporcional o montante de 80.000 euros, arbitrado pelo Tribunal da Relação, para compensação do dano patrimonial futuro.
21.– Por tudo o que antecede, afigura-se que a sentença recorrida se afasta de forma injustificada da factualidade assente e bem assim da jurisprudência em casos semelhantes, sendo que, por outro lado, não fornece uma justificação bastante para que se chegue à conclusão que o valor alcançado obedeceu a um critério lógico, de prudência e em observância das regras da experiência comum.
22.–Pelo que a sentença recorrida padece de errada interpretação do disposto no art.º 566º,n.º 3, do CC.
23.– Em conformidade, deverá a sentença recorrida ser revogada e a R. condenada no pagamento ao A. da quantia de 55.715,78 €, correspondente ao valor de 61.918,64€, peticionado pelo recorrente a título de perda de capacidade de ganho, deduzidodo montante de 6.202,86 €, correspondente ao capital de remição recebido noâmbito do processo de acidente de trabalho (facto 24).
24.– No valor global de 28.500,00 € fixado pela primeira instância, a título de danos morais, foi incluída a compensação devida pelas limitações no dia a dia não relacionadas com a atividade profissional, e pela repercussão nas atividades desportivas e de lazer.
25.– A tal título, o recorrente peticionara um total de 75.000,00 €, configurando parte desses danos como patrimoniais e autónomo da perda de capacidade de ganho (computou em 35.000,00 € a compensação pelas limitações nas atividades do dia a dia e desportivas e de lazer), e como não patrimoniais os restantes parâmetros de avaliação do dano não patrimonial (quantum doloris, dano estético, e angústia e frustração) que computou em 40.000,00 €.
26.– Perante a factualidade assente, é manifesto que o A., ora recorrente, sofreu uma panóplia extensa, complexa e diversa de danos, de intensidades diferentes, uns temporários outros permanentes, com afetação global significativa da sua qualidade de vida e estado anímico, e bem assim que o valor de 28.500,00 € é de tal forma escasso que mais do que uma compensação digna, se afigura como uma esmola misericordiosa, geradora de indignação, incompreensão e uma revolta e frustração acrescidas.
27.– De facto, considerando que são cinco os danos englobados naquele valor (quantum doloris, dano estético, repercussão nas atividades desportivas e de lazer, dores e limitações nas atividades do dia a dia e angústia e frustração ou perda de alegria de viver), tal equivale, na prática, a computar cada um desses danos em 5.700,00 €.
28.– Ora, a natureza compensatória da indemnização tem por objetivo atribuir ao lesado um capital com valor reprodutivo suficiente para que o mesmo possa de alguma forma aligeirar o sofrimento que lhe foi causado.
29.– Nos dias que correm, considerando a inflação, o aumento do custo de vida galopante, o afluxo enorme de estrangeiros em busca de residência e nacionalidade portuguesa, com poder de compra múltiplas vezes superior ao da nossa classe média, e as reduzidíssimas taxas remuneratórias dos depósitos a prazo e certificados de aforro, o que poderá o recorrente fazer com 28.500,00 € por forma a minorar o seu sofrimento e obter alguma melhoria na sua qualidade de vida?
30.– Tendo em conta, inclusivamente, o aumento do custo de vida e os restantes fatores elencados, é manifesto que o valor em causa não se adequa à natureza compensatória da indemnização.
31.– E também aqui haveria que atentar à jurisprudência mais recente em casos semelhantes ao dos autos:
32.– Nos termos do citado acórdão do STJ, de 6.6.23, proferido nos autos n.º 9934/17.2T8SNT.L1.S1 (Manuel Capelo), considerou-se adequada a indemnização de € 50.000,00 por danos não patrimoniais de quem foi atropelado numa passadeira de peões, cujas lesões se consolidaram ao fim de um ano, ficando com quatro cicatrizes; com sofrimento físico e psíquico entre o acidente e a consolidação mensurado como degrau 5 numa escala de 7, cujo défice funciona permanente físico foi fixado em 12 pontos, repercutindo-se as sequelas nas atividades de lazer e convívio social que exercia de forma regular em grau 3 de uma escala de 7 graus de gravidade crescente, com dano estético permanente de grau 3 numa escala de 7, sendo previsível o agravamento da artrose pós-traumática do tornozelo.
33.– Pelo citado acórdão do STJ, de 9.5.2023, proferido nos autos n.º 7509/19.0T8PRT.P1.S1(Jorge Arcanjo), considerou-se adequada a quantia de 40.000,00 €, a médico dentista, com 33 anos de idade e défice funcional de 6 pontos.
34.– Não é de mais referir que por força, precisamente, da inflação, foi publicado no Jornal Oficial da União Europeia C 423, de 19.10.2021, pela Comissão Europeia, o “Aviso relativo à adaptação, de acordo com a inflação, dos montantes mínimos de cobertura estabelecidos na Diretiva 2009/103/CE relativa ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade”.
35.– E, por via da circular n.º 2/2022, de 15.3, da ASF, foi elevado, em 6,3%, o capital mínimo do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, a partir de 1 d e junho, de 7,29 milhões de euros por acidente (6,07 milhões para danos corporais e 1,22milhões para danos materiais) para 7,75 milhões de euros (6,45 milhões para danos corporais e 1,30 milhões para danos materiais).
36.– Se a insignificância dos valores indemnizatórios face ao referido limite mínimo era já notória, tal disparidade agravou-se, sendo necessário, em conformidade, atualizar tais valores.
37.– Urge repor (a expressão correta será mesmo introduzir) o equilíbrio nas prestações garantidas pelo contrato de seguro obrigatório, atendendo à função social deste, por um lado, às circunstâncias concretas da economia e da sociedade, por outro, e colocando um ponto final na onerosidade absolutamente desproporcional entre os valores cobrados (e lucros auferidos) pelas seguradoras, e indemnizações efetivamente suportadas por estas, quando chamadas a assumir uma obrigação pela qual são principescamente remuneradas.
38.– Pelo que deverá a sentença recorrida ser revogada e a recorrida condenada no pagamento ao recorrente de valor não inferior a 50.000,00 €, pelos danos morais descritos.
39.– No que respeita aos juros de mora, como resulta da factualidade assente, cabe referir que a recorrida assumiu a responsabilidade pela reparação dos danos decorrentes do acidente. Contudo, apenas reembolsou os referentes a danos materiais, não tendo, em momento algum, apresentado qualquer proposta (muito menos verdadeiramente razoável) para compensação dos danos corporais (nas suas vertentes patrimonial e não patrimonial).
40.– Afigura-se, por tal motivo, que a recorrida deverá ser condenada no pagamento de juros de mora em dobro, nos termos do disposto no art.º 38º, n.º 2, do DL 291/2007,de 21.8.»

A R. não apresentou contra-alegações ao recurso interposto pelo A..
***

A Ré, por sua vez, interpôs recurso de apelação sustentando que tendo, no caso, o dano biológico sido indemnizado como dano não patrimonial o mesmo não deve ser objecto de indemnização autónoma da arbitrada pelos danos não patrimoniais sob pena de duplicação indemnizatória, devendo a sentença ser revogada na parte em que condenou a R. a pagar ao A. a indemnização de € 25.000,00 pelo dano biológico, dessa parte devendo ser absolvida.
Subsidiariamente, pugna pela fixação de uma verba global por todos os danos não patrimoniais sofridos pelo A, incluindo o dano biológico, no montante limite de € 28.500,00.
A entender-se ser devida indemnização autónoma pelo dano biológico, e apenas se perspectivado o mesmo enquanto dano patrimonial, não deverá a indemnização ser superior a € 20.000,00 e á mesma devem ser abatida a quantia de € 6.202,86 recebida pelo A. a título de capital de remição no âmbito do processo laboral pela incapacidade permanente de que ficou portador.
E sendo o dano biológico autonomizado dos danos não patrimoniais quantia arbitrada para compensação destes deve ser reduzida a € 20.000,00.
Terminou as suas alegações com as seguintes
Conclusões
«1.ª– No âmbito do recurso interposto da decisão proferida quanto ao pedido de indemnização deduzido pelo A, por virtude das lesões corporais que sofreu, a recorrente pretende suscitar as seguintes questões, nos termos que melhor se explanarão na motivação e suas conclusões:
- exigibilidade da  quantia   arbitrada a titulo de compensação do dano biológico;         
- natureza do dano biológico e quantificação da respectiva indemnização, se devida;
- abatimento na indemnização pelo dano biológico da quantia recebida pelo A a titulo de capital de remição no processo de reparação pela vertente laboral do sinistro;
- fixação dos danos não patrimoniais.
2.ª– Foi ainda atribuído ao Autor a quantia de 25.000,00€ a título de compensação pelo seu dano biológico de 10 pontos, na vertente não patrimonial.
3.ª– Entendeu o julgador que, no caso, o dano biológico não assume cariz patrimonial, pelo que deve ser compensado enquanto dano não patrimonial.
4.ª– E, consequentemente, o Sr Juiz não procedeu ao abatimento na compensação arbitrada das quantias recebidas pelo A a título de indemnização na vertente laboral
5.ª– Acontece que, salvo melhor opinião, a ser assim, ao atribuir ao demandante essa verba de 25.000,00€, a meritíssima Sra Juiz acabou por compensar duplamente o mesmo dano, ou, dito de outro modo, atribuiu duas indemnizações pelo mesmo prejuízo.
6.ª– Com efeito, na sentença sob censura a meritíssima Sra. Juiz atribuiu ao demandante uma indemnização pelos seus danos não patrimoniais no valor de 28.500,00€.
7.ª– Ora, o que se deu como provado para fundamentar esta indemnização não é mais do que a descrição do dano biológico do demandante.
8.ª– Ora, o A não pode ser compensado duplamente pelo mesmo dano.
9.ª– E, como resulta da douta sentença, na quantificação da compensação pelos danos não patrimoniais (fixada na douta sentença em 28.500,00€), a Sra Juiz teve já em consideração esse mesmo dano biológico, o qual se traduz, precisamente, nas sequelas e limitações que as mesmas acarretam.
10.ª– A aceitar a natureza não patrimonial do dano biológico, a dita incapacidade permanente não é mais do que um elemento a levar em consideração no cômputo da indemnização afixar a titulo de danos não patrimoniais, não devendo, no entanto, a nosso ver, ser vista como um dano autónomo que deva ser ressarcido com recurso a critérios que mais se adequam ao apuramento dos verdadeiros danos patrimoniais futuros.
11.ª– Tendo esse dano sido já objecto de compensação, como acima se referiu e resulta da douta sentença, não é devida a quantia de 25.000,00€ arbitrada a esse propósito – dano biológico, devendo a sentença ser revogada nessa parte e a Ré ser absolvida, nessa parte, do pedido.
12.ª– Assim, deve ser fixada uma verba global por todos os danos não patrimoniais no montante limite de limite de 28.500,00€ pela totalidade dos danos não patrimoniais sofridos pelo A, incluindo o seu dano biológico, o que, subsidiariamente, se requer. Sendo certo que, neste caso, não será de abater a verba recebida a titulo de capital de remição.
Por outro lado, sem prescindir e caso assim se não entenda:
13.ª– A entender-se que  é devida uma indemnização autónoma por dano biológico, entende a recorrente que a mesma só se justificaria se esse prejuízo fosse perspetivado enquanto dano patrimonial.
14.ª– Na verdade, só assim se poderia dizer que o dano biológico se autonomiza dos demais danos não patrimoniais sofridos pelo A e só assim se evitaria uma  dupla compensação dos mesmos danos.
15.ª– Ora, apesar de se tratar de um dano patrimonial, quando não ocorre uma efectiva perda de rendimentos a sua quantificação deve assentar sobretudo na equidade, sem esquecer alguns elementos coadjuvantes.
16.ª– Entre eles estarão, por exemplo, as tabelas financeiras de cálculo de danos patrimoniais que se repercutam no futuro, que podem servir como critério coadjuvante, que permite aferir o máximo da indemnização que seria devida para o caso de se verificar uma efectiva perda de rendimentos.
17.ª– Assim e no caso concreto, há que considerar que o A. tinha 39 anos à data do acidente, com uma esperança de vida até 78,07 anos, que o A. ficou, por causa do acidente dos autos, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 10 pontos, compatível com o exercício da atividade profissional habitual, mas a exigir esforços suplementares.
18.ª– À data do acidente, o A. tinha convencionado com a sua entidade patronal um vencimento mensal de 600,00€ por mês;
19.ª– Perante todos os elementos coadjuvantes acima invocados, entende a recorrente que, em equidade, a indemnização pelo dano biológico que afecta o A, encarado como um dano patrimonial, não deveria ser superior a 20.000,00€.
20.ª– Estabelecida a natureza patrimonial do dano biológico, e sendo o mesmo autonomamente valorado, deve agora ser analisada a questão do abatimento a essa verba do montante pago pela Fidelidade a título de indemnização pela incapacidade permanente no âmbito laboral.
21.ª– No âmbito da reparação pela vertente laboral do sinistro o A recebeu a quantia de 6.202,86€ a título de capital de remição da pensão devida pela incapacidade permanente de que ficou portador.
22.ª– Ora, como vem sendo entendido de forma unânime pelos nossos Tribunais Superiores, as indemnizações por incapacidade permanente atribuídas no âmbito viário e laboral não são cumuláveis, mas antes complementares.
23.ª–E o lesado terá de optar por uma ou outra das indemnizações, devendo, de todo o modo, ser abatida à indemnização a atribuir ao lesado tudo aquilo que já tiver recebido e vier a receber das entidades responsáveis pela reparação na sua vertente laboral.
24.ª– O número 4.º do artigo 17.º da Lei 98/2009 prevê mesmo a sub-rogacao da seguradora de acidente de viação[1]nos direitos do lesado, na medida desse mesmo pagamento; isto é, paga a indemnização, o lesado deixa de ser titular do direito de reclamar de terceiros o valor adiantado pela seguradora de acidente de trabalho, a qual poderá, ela própria, reclamar deles o respetivo reembolso.
25.ª– Assim, deve ser abatida à indemnização atribuída ao A por incapacidade permanente - dano biológico e não superior a 20.000,00 euros -, a quantia que lhe foi paga pela Fidelidade a título de capital de remição, ou seja, 6.202,86 Euros;
26.ª– De notar ainda que a Ré foi condenada a restituir à Fidelidade esta última importância, pelo que sempre se imporia, para evitar o injusto enriquecimento do A à custa da Ré, o abatimento dessa mesma verba.
27.ª–De resto, seria mesmo violador do principio constitucionalmente consagrado da igualdade defender que a este sinistrado caberia maior indemnização por dano biológico sem repercussão patrimonial do que aquela que mereceria alguém com a mesma e exacta sequela, mas diferente estatuto remuneratório.
28.ª– Neste ponto é importante ter em consideração, antes de mais, que o dano biológico do A é um só e não se subdivide em tantas vertentes quantas as vias pelas quais possa ser indemnizado.
29.ª– O A é portador de determinadas sequelas, devidamente descritas nos presentes autos, que são exatamente as mesmas que determinaram a atribuição de uma indemnização na vertente laboral do acidente.
30.ª– Não existem diferenças nos pressupostos da atribuição das duas indemnizações que possam justificar a sua cumulação.
31.ª– Aliás, se assim não fosse, chegaríamos a situações verdadeiramente injustas: pessoas que sofrem acidentes que são simultaneamente de viação e de trabalho e que ficam a padecer de uma incapacidade permanente sem repercussão na sua capacidade de ganho, ver-lhes-iam ser atribuídas indemnizações muito superiores àquelas que receberiam se o acidente fosse, apenas, um simples acidente de viação.
32.ª– Com efeito, no primeiro caso, o sinistrado teria direito a receber da seguradora do acidente de trabalho as indemnizações relativas à incapacidade que ficou a padecer e da seguradora do acidente de viação a relativa ao dano biológico e aos danos morais.
33.ª– Já no segundo caso, o sinistrado apenas teria direito a receber estas duas últimas indemnizações, ou seja, a referente ao dano biológico e a relativa aos danos morais.
34.ª– Tal solução parece-nos realmente injusta, quando é sabido e pacifico na nossa Jurisprudência que as indemnizações pela vertente laboral e viária do mesmo sinistro não são cumuláveis, devendo o lesado optar por uma das duas indemnizações, as quais só são complementares no que tange os danos não abrangidos pela relação laboral, isto é os puros danos não patrimoniais.
35.ª– É o que, aliás, resulta do disposto no n.º 1 do artigo 9.º da portaria 377/2008, de 16 de Maio, o qual estatui que “...se o acidente que originou o direito a indemnização for simultaneamente de viação e de trabalho, o lesado pode optar entre a indemnização a titulo de acidente de trabalho ou a indemnização devida ao abrigo da responsabilidade civil automóvel, mantendo-se a actual complementaridade entre os dois regimes.”
E no n.º 3 desse mesmo artigo estabelece que: “Nos casos em que não haja lugar a indemnização pelos danos previstos na alínea a) do artigo 3º, é também inacumulável a indemnização por dano biológico com a indemnização por acidente de trabalho”.
36.ª– Ora, entende a recorrente que, por essas razões, deve ser abatida á indemnização pela vertente não patrimonial do dano biológico a indemnização recebida no âmbito do processo laboral.
37.ª– Esse abatimento decorre da circunstância de, no caso concreto, não existir verdadeira diferença entre o dano ressarcido em ambas as vertentes.
38.ª– Ao não os interpretar da forma acima assinalada, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 483°, 562º e 564°,nº2, todos do Código Civil.
Ainda sem conceder e para o caso de assim se não entender,
Do montante fixado a título de danos não patrimoniais:
39.ª– No que toca à compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor em consequência das lesões físicas no acidente, considera a recorrente que, caso venha a ser dado provimento à pretendida revogação da douta sentença no que toca a condenação da Ré no pagamento da verba de 28.500,00€[2]a titulo de compensação pelo dano moral decorrente do dano biológico, o valor atribuído por danos não patrimoniais é justo e adequado a compensar a totalidade dos danos morais sofridos, pelo que se deve manter.
40.ª– Todavia, se se entender autonomizar da compensação por danos morais o dano biológico do demandante, independentemente de lhe ser ou não abatida a verba correspondente ao capital de remição, a quantia arbitrada para compensação daqueles danos é manifestamente excessiva e deve ser reduzida.
41.ª– Com efeito, sem menoscabo pela dor e sofrimento alheios, as lesões sofridas pelo A não assumiram gravidade suficiente para justificar a compensação de 28.500,00€.
42.ª– Em face dos danos sofridos pelo A que se pretende compensar neste campo e para a hipótese de não ser revogada a sentença na parte em que atribuiu ao A. a verba autónoma de 25.000,00€ pelo seu dano biológico, entende a recorrente que, em equidade, se impõe a redução da compensação pelos danos não patrimoniais para a verba de 20.000,00 euros, o que se requer.
43.ª– Ao não os interpretar da forma acima assinalada, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 483°, 562º e 564°, nº2, todos do Código Civil.»

O A. não apresentou contra-alegações ao recurso interposto pela R..
***

Colhidos os vistos, importa apreciar e decidir.
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Questão prévia

É sabido que, nos termos dos artºs 635º nº 4 e 639º nº 1 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, seja quanto à pretensão dos recorrentes, seja quanto às questões de facto e de Direito que colocam (neste sentido cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil” 5ª Ed., Almedina, 2018, pp. 114-117), certo que esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica quanto à qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art. 5º n.º 3 do CPC).
Ressalvadas matérias que sejam de conhecimento oficioso, não pode, no entanto, este Tribunal conhecer de questões, muito embora suscitadas no recurso, que não tenham sido postas á apreciação do Tribunal a quo e que não tenham sido objecto da decisão recorrida (cfr. resulta das disposições conjugadas dos artºs 627º nº 1, 635º nºs 2 e 4 e 608º nº 2 do CPC; na jurisprudência cfr., a titulo de exemplo, Acórdãos do STJ de 08/10/2020 (Rel. Ilídio Sacarrão Martins) de 18/03/2021 (Rel. Oliveira Abreu), de 23/02/2021 (Rel. José Raínho) e de 15/12/2023 (Rel. Maria da Graça Trigo).
Dito isto:
Verifica-se que uma das pretensões expressas pelo A. no seu recurso é a da condenação da R. no pagamento de juros de mora em dobro, nos termos do disposto no art.º 38º, n.º 2, do DL 291/2007,de 21/08 (cfr. conclusões 39ª e 40ª).
No entanto, relativamente a todos pedidos que formulou na acção o A. peticionou juros de mora à taxa legal.
E a sentença, quanto aos pedidos que procederam, condenou em juros à taxa legal tal como por ele peticionado, fixando-os, porém, desde a data de prolação da sentença por os valores indemnizatórios, porque arbitrados com recurso a juízos de equidade, se reportarem, como nela expresso, a “valor actualizado à data da presente sentença”, o que se nos afigura correcto em atenção ao artº 566º nº 2 do CCivil, o qual manda considerar, para cálculo da indemnização em dinheiro, a data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal.
Assim, bem se vê que a pretensão do A. quanto a ver a R. “condenada no pagamento de juros de mora em dobro, nos termos do disposto no art.º 38º, n.º 2, do DL 291/2007, de 21.8”, constitui uma questão nova, pois não foi por ele colocada à apreciação do Tribunal a quo nem este a abordou.
Ora, como antes dito, não pode este Tribunal conhecer de questões que não tenham sido anteriormente submetidas à apreciação do Tribunal a quo nem por este apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit., p. 119).
Deste modo, esse segmento do recurso não será objecto de conhecimento por este Tribunal.
*

Assim, quanto às questões a decidir a primordial, porque basilar para a apreciação das questões suscitadas em ambos os recursos, versa sobreo dano biológico, para se apreciar
(do recurso do A.)
- se a Ré deve ser condenada a pagar ao Autor
(a)- a quantia de € 55.715,78, correspondente ao valor de € 61.918,64 por ele peticionado a título de perda de capacidade de ganho deduzido do montante de € 6.202,86 correspondente ao capital de remição recebido no âmbito do processo de acidente de trabalho,
(b)- valor não inferior a € 50.000,00 pelos danos morais.
(do recurso da R.)
- se a Ré deve ser absolvida da indemnização de € 25.000,00 arbitrada pelo dano biológico por, no caso, o mesmo não ter sido na sentença autonomizado e não ser autonomizável dos danos não patrimoniais ou, subsidiariamente, se deve ser fixada indemnização global no montante limite de € 28.500,00 por todos os danos não patrimoniais incluindo o dano biológico.
- se o dano biológico, sendo perspectivado enquanto dano patrimonial e merecedor de indemnização autónoma, deve ser indemnizado em montante não superior a € 20.000,00 a que deve ser abatida a quantia de € 6.202,86 recebida pelo A. a título de capital de remição no âmbito do processo laboral pela incapacidade permanente de que ficou portador.
- sendo o dano biológico autonomizado dos danos não patrimoniais, se a quantia arbitrada para compensação destes deve ser reduzida a € 20.000,00.

II–FUNDAMENTAÇÃO

É a seguinte a factualidade a considerar:

Factos provados
1.– No dia 11.3.2019, cerca das 07:45, o A., acompanhado da sua mulher, conduzia o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula XX-XX-XX, na autoestrada A1, ao Km. 5,950, sentido Norte – Sul, no Concelho de Loures, circulando atrás do pesado de passageiros com a matrícula WW-WW-WW.
2.– Nas referidas circunstâncias de tempo e lugar, o condutor do veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula YY-YY-YY, veículo propriedade de AP... e conduzido por DS..., que circulava imediatamente atrás do A., perdeu o controlo da viatura, indo embater no veículo conduzido pelo A., que seguia na sua faixa de rodagem.
3.– Devido à força do embate, o veículo conduzido pelo A. foi por sua vez colidir no pesado de passageiros que seguia à sua frente, após o que foi projetado em direção à faixa de rodagem mais à direita, onde acabou por embater no pesado de mercadorias com a matrícula ZZ-ZZ-ZZ, imobilizando-se de seguida na berma.
4.– No auto de notícia, o condutor do automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula YY-YY-YY declarou: “…circulava na via do centro da auto-estrada A1 quando tento (travar) por causa do trânsito que se encontrava à minha frente e o travão bloqueou não me deixando efetuar a travagem”.
5.– Nas circunstâncias de tempo e lugar dos pontos que antecedem, a visibilidade era boa, o piso estava seco e em boas condições, a via é caraterizada por uma reta com três faixas de rodagem em cada sentido, com separador central e a intensidade do tráfego nas várias faixas de rodagem era moderada.
6.– Na sequência do embate a que se referem os pontos que antecedem, o A. teve que ser assistido no local pelo INEM, acabando por ser conduzido para o Serviço de Urgência do Hospital de S. José, em Lisboa e transferido às 11h.53m, para o Hospital de Vila Franca de Xira.
7.– Apresentava fraturas do úmero direito e tíbia direita.
8.– Após realização de imobilização gessada do membro inferior direito e imobilização gessada do membro superior direito, teve alta hospitalar no mesmo dia, 11/03/2019;
9.– Tendo sido posteriormente submetido, em 28/03/2019, a duas cirurgias, designadamente colocação de material de osteossíntese da diáfise umeral e da fratura cominutiva do pilão tibial.
10.– No âmbito da sua atividade, a Ré celebrou com AP..., um contrato de seguro do ramo automóvel titulado pela apólice n.º 01.....9, em que este(a) transferiu para aquela a responsabilidade civil emergente da circulação rodoviária de um veículo de matrícula YY-YY-YY, conforme doc. nº 1 que juntou com a contestação e deu por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
11.– Foi apresentada perante a R. a participação do acidente, a qual iniciou um processo para averiguar a ocorrência;
11.1.- … após o que reconheceu a responsabilidade do condutor do veículo automóvel por si garantido e tendo assumido a responsabilidade pelos danos decorrentes do sinistro;
11.2.- … na sequência do que a R. procedeu ao pagamento ao A. da prestação correspondente à indemnização por perda total do veículo, no valor de 2.100,00 €.
12.– À data do acidente o A. era trabalhador da sociedade Último P..... – Rest..... Unipessoal, Lda., tendo como local de trabalho a Rua ..... ..... ....., Nº.., ....-... - L____, desempenhando funções de empregado de mesa.
13.– O acidente descrito nos pontos 1 a 5, dos presentes factos provados, ocorreu quando o A. estava, no momento, a percorrer o trajecto habitualmente utilizado da sua residência para o seu local de trabalho.
14.– No exercício da sua actividade, a Interveniente “Fidelidade- Companhia de Seguros, SA.”, celebrou com “Último P..... – Rest..... Unipessoal, Lda.”, um contrato de Seguro do “Ramo Acidentes de Trabalho, - trabalhador por conta de outrem”, na modalidade de prémio fixo, titulado pela Apólice AT6......5, conforme constante das condições particulares e gerais constantes do documentos nº 1 e 2, que a interveniente Fidelidade-Companhia de Seguros, SA., juntou aos autos e que deu por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais;
15.– Na vigência da apólice do seguro que antecede, a interveniente Fidelidade – Companhia de Seguros, SA., recebeu a participação de sinistro por parte da sua segurada, comunicando a ocorrência de um acidente de trabalho em 11/03/2019, pelas 7.50 horas, no qual foi interveniente o A., José … e a que respeitam os presentes autos, conforme documento nº 3 que juntou com o seu articulado e deu por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
16.– Em comunicação que a R. remeteu à interveniente Fidelidade – Companhia de Seguros, SA., em 3/04/2019, a Ré aceitou perante a interveniente a responsabilidade do sinistro.
17.– À data do acidente o A. tinha convencionado com a sua entidade patronal um vencimento mensal de 600,00 € por mês, acrescido de subsídio de alimentação no valor de 99,44 €/mês, abono para falhas no montante de 53,10 €/mês, prémio de assiduidade de 45,00 €/mês, subsídio de transporte no valor de 85,00 €/mês e compensação por encargos familiares no valor de 120,00 €/mês, recebendo um valor global anual de 13.230,48 €.
18.– Dado que o A. sofreu lesões em consequência do acidente a que se referem os presentes autos, decorreu junto da Procuradoria do Juízo do Trabalho de Loures o Processo de acidente de Trabalho nº. 1634/20.2T8LRS, processo em que foi possível a conciliação entre as partes;
18.1.- … tendo a ora interveniente “Fidelidade – Companhia de Seguros, SA.”, assumido a sua responsabilidade nesse âmbito;
19.– No âmbito do Processo de acidente de Trabalho nº. 1634/20.2T8LRS, foi efectuado um Auto de Perícia médica em 29/09/2020, onde foi reconhecida ao A. uma “IPP” de 5,92%;
20.– A data da consolidação médico legal das lesões sofridas pelo A., em consequência do acidente a que se referem os presentes autos, foi fixada no Processo de Trabalho nº. 1634/20.2T8LRS, no dia 25/11/2019;
21.– … data em que o A. teve alta.
22.– No âmbito do Processo de acidente de Trabalho nº. 1634/20.2T8LRS, teve lugar tentativa de conciliação em 21/10/2020, constando do respectivo auto que estiveram presentes o Ministério Público, o Sinistrado José …, o seu Mandatário Dr. Afonso …, a entidade Seguradora Fidelidade Companhia de Seguros, SA, o seu mandatário Dr. Pedro …., a Entidade Empregadora Último P..... Rest....., Unipessoal Lda., e o seu mandatário Dr. João …, tendo as partes chegado a acordo, o qual foi homologado na mesma data e auto.
23.– …e tendo as partes considerado e declarado, para efeitos do acordo, que o A. teve um período de défice funcional temporário total de 60 dias após a produção do acidente, remanescendo, após tal período, uma situação de défice funcional temporário parcial, sendo que padeceu de repercussão temporária profissional total entre 12.3.2019 e 6.11.2019 e uma situação de repercussão temporária profissional parcial entre 7.11.2019 e 25.11.2019.
24.– A interveniente, Fidelidade- Companhia de Seguros, SA., enquanto seguradora de acidente de trabalho, pagou ao A., a titulo de perdas salariais referentes ao período em que o A. se encontrou numa situação de incapacidade temporária, entre 12.3.2019 e 25.11.2019, capital de remição e juros, os seguintes valores: a)- por conta dos períodos de incapacidade de que padeceu, determinados no âmbito do processo especial de trabalho, o montante de 4.385,15 Euros, a título de Incapacidade temporária Absoluta, conforme documentos 6 a 16, juntos pela interveniente “Fidelidade – Companhia de Seguros, SA.”, que deu por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais; b)- …e 69,44 Euros a titulo de incapacidade temporária parcial; c)- 6.202,86 Euros a titulo de capital de remição e 247,43 Euros a titulo de juros de mora;
24.1.- A interveniente Fidelidade – Companhia de Seguros, SA., por causa das lesões sofridas pelo A. no acidente a que dizem respeito os presentes autos e do seu tratamento e período de recuperação, para além dos valores que antecede, pagou ainda: (a)- 31,20 Euros a titulo de reembolso ao A. de despesas de transporte suportadas por este e juros de mora devidos por tal despesa; (b)- 424,88 Euros a titulo de reembolso ao A. de despesas de transporte suportadas por este, acrescido 1,20 Euros de juros de mora, determinado no âmbito do processo que teve lugar no Tribunal de Trabalho, no total de 426,08 Euros; (c)- 7.341,70 Euros, a titulo de despesas médicas, honorários com consultas, cirurgia e elementos auxiliares de diagnóstico, ao Hospital da Luz; (d)- 630,00 Euros a titulo de despesas por hospitalização ambulatório; (e)- 1.582,00 Euros com a realização de fisioterapia na clinica de reabilitação da Fundação CEBI; (f)- 600.50 Euros com a realização de fisioterapia pelo A. na Fisio Roma, Clinica de Fisioterapia Lda.; (g)- 255,00 Euros com a realização de fisioterapia pelo A. na Fisidinâmica, Lda.; (h)- 763,20 Euros a titulo de despesas judiciais.
25.– No período de incapacidade (temporária) que antecede, entre 12.3.2019 e 25.11.2019, caso não tivesse sofrido as lesões descritas, o A. teria auferido uma remuneração total não inferior a 8 651,92 €.;
26.– No auto de tentativa de conciliação Processo de acidente de Trabalho nº. 1634/20.2T8LRS, ocorrida em 21/10/2020, a entidade patronal do A. declarou ser responsável pelo pagamento ao A. da diferença de 4.209,96 Euros, a titulo de indemnização a que o A. tinha direito por perdas salariais, durante os períodos de ITA´S e ITP´s;
26.1.- …valor este correspondente à parte da retribuição cuja responsabilidade a Entidade patronal não transferira para a Fidelidade – Companhia de Seguros, SA.;
27.– … tendo o A. declarado que a entidade patronal lhe pagou todos os montantes devidos a titulo de ITA´S e ITP´s.
28.– …e declarado, entre o mais, que o aceitava a IPP atribuída pelo perito médico do Tribunal;
29.– Desde 25/11/2019, em consequência das sequelas decorrentes das lesões sofridas no acidente, a que se referem os pontos “6” a “9”, dos presentes factos provados, o A. tem dificuldade em levantar pesos ou manipular objetos pesados com o membro superior direito, no qual por vezes tem dores;
29.1.- …e ficou com engrossamento distal da perna direita, ao nível do tornozelo, por vezes é acompanhado de mobilidades dolorosas e implicando ainda para o A. dificuldade na marcha em grandes distâncias ou por períodos de tempo prolongados.
30.– No âmbito dos presentes autos o A. foi submetido a perícia médico legal pelo INML, para avaliação do Dano Corporal em Direito Cível, exame realizado em 30/04/2021, com relatório datado de 21/05/2021, constando de tal relatório, entre o mais, o seguinte: “(…) C. ANTECEDENTES (…) Como antecedentes patológicos e/ou traumáticos relevantes para a situação em apreço refere: - Fratura do calcâneo direito aos 13 anos. -Cirurgia a duas hérnias (abdominal e inguinal) aos 29 anos. ESTADO ACTUAL (…) B. Exame Objectivo (…) O examinado refere ser dextro e apresenta marcha normal, sem apoio nem claudicação. (…) 2. Lesões e/ou sequelas relacionáveis com o evento O examinando apresenta as seguintes sequelas: - Membro superior direito: cicatriz na face lateral do braço, como 20x1cm de maior eixo vertical. Sem amiotrofia da musculatura do braço….Mobilidades conjugadas do ombro e cotovelo: leva mão á nuca , região sagrada e ombro contralateral. Cinésia articular do ombro: rotação interna 50º, rotação externa 70º, abdução 120º, flexão 150º, extensão preservada. Cinésia articular do cotovelo preservada. - Membro superior esquerdo: cinésia articular do ombro e cotovelo preservadas. - Membro inferior direito: cinco cicatrizes hipercrómicas e verticais (…) Tornozelo globoso (perímetro 28 cm; contralateral 25cm). Cinésia das articulações tibiotársica e subtalar: extensão 40º, flexão 15º, inversão e versão preservadas. Sem instabilidades ligamentares aparentes. - Membro inferior esquerdo: cinésia das articulações tibiotársica e subtalar preservadas; DISCUSSÃO 1. Os elementos disponíveis permitem admitir a existência de nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano. 2. A data da consolidação médico legal das lesões é fixável em 25/11/2019 (…). (…) Quantum doloris (…): fixável no grau 4 numa escala de sete graus de gavidade crescente, tendo em conta o tipo de traumatismo, as lesões resultantes, o período de recuperação funcional e os tratamentos efectuados. (…) No âmbito do período de danos permanentes são valorizáveis, entre os diversos parâmetros de dano, os seguintes: - Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psiquica( refere-se à afectação definitiva da integridade física e/ou psíquica da pessoa, com repercussão nas actividades da vida diária, incluindo as familiares e sociais, e sendo independente das actividades profissionais(…) . Este dano é avaliado relativamente à capacidade integral do indivíduo (100 pontos), considerando a globalidade das sequelas (corpo, funções e situações de vida) e a experiência médico legal relativamente a estes casos, tendo como elemento indicativo a referência à Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil(…). Assim, consideram-se os danos permanentes constantes da tabela os seguintes: - Status pós-fratura espiralada do terço proximal do úmero direito, condicionando limitação da mobilidade articular do ombro enquadráveis em Ma0207; - Status pós-fatura do pilão tibial à direita, condicionando queixas álgicas do tornozelo e pé e limitação da mobilidade do tornozelo, enquadráveis por analogia, em Mf1313. - Queixas relativas a alteração do padrão do sono e do foro ansioso , que motivaram acompanhamento no HCVP, determinando actualmente ligeira repercussão na sua vida diária, enquadráveis em Nb0903. (…) Desvalorização arbitrada Ma0207 4 Mf1313 1,92 Nb0903 3,7632 10 PONTOS - Nesta conformidade, atendendo à avaliação baseada na Tabela Nacional de Incapacidades, atribui-se um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 10 pontos. - Na situação em apreço é de perspectivar a existência de Dano Futuro (considerando exclusivamente como tal o agravamento das sequelas que constitui uma previsão fisiopatologicamente certa e segura, por corresponder à evolução lógica , habitual e inexorável do quadro clínico)(…). - Repercussão permanente na Atividade Profissional (…). Neste caso, as sequelas são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares(…). - Dano estético permanente (…) É fixável no grau 2, numa escala de sete graus de gravidade crescente (…). - Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer (…) É fixável no grau 2, numa escala de sete graus de gravidade crescente (…). - Dependências Permanente de Ajudas: (…) Ajudas medicamentosas (…). Neste caso analgésicos, em sos(…).", documento que o tribunal dá por integralmente reproduzido para os efeitos legais:
31.– O A., de acordo com as CONCLUSÕES do relatório médico legal que antecede, e para além da admissão da existência de nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano, apresentava: - A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 25/11/2019; - Período de Défice Funcional Temporário Total fixável num período de 18 dias, aos quais deverão ser acrescentados 8 dias, para eventual remoção do material de osteossíntese. - Período de Défice Funcional Temporário Parcial fixável num período de 242 dias, aos quais deverão ser acrescentados 22 dias, para eventual remoção do material de osteossíntese e respectiva recuperação funcional. - Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total fixável num período total de 241 dias, aos quais deverão ser acrescentados 30 dias, para eventual remoção do material de osteossíntese e respectiva recuperação funcional. - Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Parcial fixável num período total de 19 dias. - Quantum Doloris fixável no grau 4/7. - Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psiquica fixável em 10 pontos, sendo de perspectivar a existência de Dano Futuro. - As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, compatíveis com o exercicio da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares. - Dano Estético Permanente fixável no grau 2/7. - Repercussão Permanente nas actividades Desportivas e de lazer fixável no grau 2/7. - Dependências permanentes: ajudas medicamentosas;
32.– Em consequência do acidente e lesões sofridas com o mesmo e tratamento das mesmas, após a consolidação médico legal das lesões, fixada em 25/11/2019, o A. apresenta as seguintes sequelas: (a)- membro superior direito com cicatriz na face lateral do braço, como 20x1cm de maior eixo vertical, sem amiotrofia da musculatura do braço; (b)- apresenta mobilidades conjugadas do ombro e cotovelo, levando mão á nuca , região sagrada e ombro contralateral; Cinésia articular do ombro, apresenta rotação interna 50º, rotação externa 70º, abdução 120º, flexão 150º, extensão preservada; e Cinésia articular do cotovelo preservada. (c)- membro inferior direito com cinco cicatrizes hipercrómicas e verticais; apresenta Tornozelo globoso (perímetro 28 cm; contralateral 25cm); (d)- cinésia das articulações tibiotársica e subtalar em extensão 40º, flexão 15º, inversão e versão preservadas; sem instabilidades ligamentares aparentes.
33.– Em consequência do acidente e lesões sofridas com o mesmo, o A. ficou com um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psiquica fixável em 10 pontos numa escala de 100 (em gravidade crescente);
34.–O Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psiquica, a que se refere o relatório da perícia médico legal que antecede, tem subjacente os seguintes danos permanentes: (a)- Status pós-fratura espiralada do terço proximal do úmero direito, condicionando limitação da mobilidade articular do ombro enquadráveis em Ma0207; (b)- Status pós-fatura do pilão tibial à direita, condicionando queixas álgicas do tornozelo e pé e limitação da mobilidade do tornozelo, enquadráveis por analogia, em Mf1313. (c)- Queixas relativas a alteração do padrão do sono e do foro ansioso, que motivaram acompanhamento no HCVP, determinando actualmente ligeira repercussão na sua vida diária, enquadráveis em Nb0903.
35.– Em consequência do acidente e lesões sofridas com o mesmo e quanto a dependências permanentes de ajudas, o A. terá necessidade de analgésicos em caso SOS;
36.– Em consequência do acidente e das lesões sofridas com o mesmo, respectivo tratamento e período de recuperação funcional, o A. teve dores;
37.– O A. nasceu em 30/10/1980.
37.1.- À data do acidente o A. era um homem com energia, forte e saudável, jovial, alegre e sociável.
37.2.- Quando regressou ao ativo, após a alta em 25/11/2019, o A. precisou de ajuda dos colegas para carregar pesos, por ter tido dores e sentido limitações físicas na marcha quando fazia o atendimento às mesas;
37.3.- … tendo tido necessitado de fazer pausas para aliviar a tensão muscular no ombro e as dores na perna direita;
38.– Após o acidente e durante o período em que se encontrou em recuperação e tratamento, o A. teve agitação e alteração do sono, revivências do acidente;
38.1.- … bem como sofreu dores muito intensas, no momento do acidente e nos momentos que lhe seguiram;
39.– Por força das limitações físicas de que passou a padecer, em consequência das lesões sofridas com o acidente, o A. por vezes sente dores e dificuldades acrescidas em algumas atividades do dia a dia ou ajudar nas tarefas domésticas, fazer bricolage e reparações em casa, cortar lenha ou pegar nos seus filhos de 5 e 11 anos de idade ao colo, brincar com eles;
39.1.- …bem como dificuldade em fazer passeios ou marcha em distâncias longas ou por períodos de tempo prolongados, sentindo por vezes dores ao nível do tornozelo direito;
39.2.- …bem como sente dificuldade nas actividades desportivas, tendo deixado de praticar futebol com os amigos;
40.– O A. tem desgosto por não conseguir jogar à bola, fazer caminhadas em grandes distâncias, cortar lenha, fazer bricolage e pequenas reparações em casa, brincar e pegar nos filhos, como fazia antes do acidente;
40.1.- Na presente data o A., quando se confronta com limitações físicas ou dores, por vezes manifesta angústia e frustração;
41.– Desde Setembro de 2020 o A. foi viver para o Alentejo, para a sua terra de nascença, com a família;
42.– …onde abriu um café e restaurante com o cunhado e amigo de infância, PMC..., na aldeia onde residem, estabelecimento de que os dois são sócios gerentes e onde os dois trabalham;
43.– A mudança para o Alentejo e a abertura do estabelecimento, correspondeu à concretização de um projecto que o A. e o cunhado já tinham desde anos anteriores ao acidente e que o acidente e a situação de pandemia Covid19, levou a tomarem a decisão de concretização;

Factos não provados
1.– Desde 25/11/2019, em consequência das sequelas sofridas por força do acidente e a que se referem os factos acima dados como provados: (a)- a mobilidades do ombro direito do A. é sempre dolorosa; (b)- o engrossamento distal da perna direita, ao nível do tornozelo, é sempre acompanhado de mobilidades dolorosas;
2.– Em consequência do acidente e das lesões sofridas, o A. ficou com mais cicatrizes do que as enunciadas nos factos provados;
3.– Em consequência do acidente e das lesões sofridas, o A. está desembolsado de valores correspondentes a despesas com medicamentos e ajudas medicamentosa, cirurgias, internamentos e deslocações relacionadas com as sequelas descritas.
4.– As sequelas físicas e psíquicas de que o A. ficou a padecer, implicam dores diárias
5.– Em consequência do acidente o A. ficou a sofrer de síndrome de stresse pós traumático, que lhe causou maior dificuldade de concentração e de memorização dos pedidos dos clientes, tendo que os escrever, enganando-se frequentemente
6.– Desde o acidente o A., decorrente de perturbação de stresse pós-traumático, mantém alterações anímicas, condutas de evitamento, flash backs, revivências penosas;
7.– Em consequência do acidente e lesões sofridas com o mesmo, o A. ficou a padecer de prejuízo sexual de grau 2/7, sofrendo por causa dessas sequelas afectação ligeira neste domínio da sua vida, o que lhe acarreta grande desgosto e perda da alegria de viver;
8.– Por força das limitações físicas de que passou a padecer, em consequência das lesões sofridas com o acidente, o A. sente dores permanentemente;
9.– Por força das limitações físicas de que passou a padecer, em consequência das lesões sofridas com o acidente, o A. sente dores e dificuldades acrescidas em todas as brincadeiras com os filhos e em todos os passeios a pé em família;
10.– Por força das limitações físicas e psíquicas de que passou a padecer, em consequência das lesões sofridas com o acidente, o A. sente dores dificuldades acrescidas em tomar banho ou vestir-se.
11.– As dores intensas que o A. sofreu durante o período de recuperação mantêm-se e irão manter-se ao longo da vida do A.;
12.– Por não conseguir jogar à bola, fazer caminhadas, cortar lenha, bricolage e pequenas reparações em casa, brincar e pegar nos filhos como fazia antes do acidente, o A. perdeu a alegria de viver;
13.– Na presente data o A. vive permanentemente angustiado e revoltado com as limitações e dores de que padece, triste e isolado, alheado do convívio familiar e com a amigos.
14.– A interveniente Fidelidade – Companhia de Seguros, SA., procedeu ao pagamento ao A. de mais valores a titulo de despesas judiciais, para além do constante no pontos 24.1, dos factos provados
***

O Direito

Conforme resulta da leitura da sentença recorrida, o litígio dos autos foi enquadrado no domínio da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito e culposo resultante de acidente de viação imputado ao condutor de veículo segurado pela Ré, mais tendo a sentença considerado que sobre a Ré recai a obrigação de reparar os danos sofridos pelo Autor em consequência do acidente, por para ela ter sido transferida, por contrato de seguro obrigatório, a responsabilidade civil decorrente da circulação daquele veículo.
Tal enquadramento não mereceu contestação de nenhuma das partes, nem é merecedor de reparo.
A divergência das partes incide sobre o quadro indemnizatório do chamado dano biológico, apresentando-se as questões suscitadas pelos recorrentes como diversas faces da mesma questão, e ainda sobre a adequação do montante indemnizatório pelos danos não patrimoniais.

Não podemos deixar de notar que as posições dos recorrentes relativamente ao primeiro segmento decisório – condenação da R. a pagar ao A. € 25.000,00 a titulo de dano biológico – nos suscitam uma imediata perplexidade : o A. interpretou-o como cingido à compensação pelos esforços suplementares e dores acrescidas no desempenho da sua profissão e do agravamento futuro de tais dores e esforços e, por conseguinte, como tendo sido atendido exclusivamente como dano patrimonial (cfr. suas conclusões 2ª e 3ª). Já a R. interpretou a decisão no sentido de, no caso, o dano biológico não assumir cariz patrimonial e, consequentemente, respeitar aquele segmento do dispositivo à compensação pelo dano biológico na vertente não patrimonial (cfr. suas conclusões 2ª e 3ª).
Contudo, o Tribunal a quo, depois de discorrer sobre o dano biológico e sobre a sua dimensão patrimonial, menciona no ponto 4.2 da sentença “Será esta dimensão e eminentemente numa vertente patrimonial, que se pretende aqui indemnizar”.
Vejamos.
Ao falar-se em dano biológico alude-se à lesão causada ao corpo e à saúde do indivíduo, isto é, reporta-se à violação do direito subjectivo à integridade física e psíquica, que a todos assiste.
Para além da discussão dogmática do enquadramento do dano biológico como dano patrimonial, não patrimonial ou como um tertiumgenus, ressaltará como evidente que a violação desse direito subjectivo : lesão do corpo e da saúde física e/ou psíquica do indivíduo, configura um dano em si mesmo e gera a obrigação de indemnizar independentemente de quaisquer consequência sactuais ou futuras; mas também será evidente que essa lesão, importando uma diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, terá repercussão na sua vida pessoal e profissional podendo acarretar, conforme os casos, consequências patrimoniais e/ou não patrimoniais.
Na verdade, trata-se de um prejuízo que se repercute nas potencialidades e qualidade de vida do lesado, susceptível de afectar o seu dia-a-dia nas suas várias vertentes : laboral, social, familiar, sentimental, recreativa, etc.
É um dano corporal, na saúde física e psíquica do lesado, que pode estabilizar-se com a cura total e completa, assim como pode manter consequências ou sequelas que, por sua vez, se podem ou não projectar no futuro de modo previsível se corresponderem à evolução lógica, habitual, expectável e normal do quadro clínico decorrente da(s) sequela(s) que o lesado apresente.
O tratamento actual do dano biológico, inevitavelmente enformado pelo princípio da reparação integral dos danos, acolhe uma visão humanista do lesado, como ente complexo, pleno em todos os aspectos da sua individualidade como ser humano, plenitude essa que corresponde ao estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas à ausência de doença ou enfermidade.
E por isso deve ser visto como um prejuízo que se repercute nas potencialidades, qualidade de vida e bem-estar do lesado ao longo da vida, susceptível de afectar o seu dia-a-dia em todas as suas vertentes: familiar, laboral, social, afectiva, sentimental, sexual, recreativa, etc. dada a inferioridade em que o lesado se encontra na sua condição física, quanto à resistência e capacidade de esforço; determina perda das faculdades físicas e/ou intelectuais que se pode projectar no futuro, e eventualmente agravável em função da idade do lesado; poderá afectar a sua vida de relação; poderá exigir do lesado esforços acrescidos, designadamente na actividade profissional,conduzindo-o a uma posição de inferioridade no mercado de trabalho.
Essa miríade de reflexos do dano biológico, como dito, pode ter dimensão patrimonial ou não patrimonial conforme as circunstâncias do caso concreto, importando, mais do que o seu enquadramento como dano patrimonial ou não patrimonial, que não haja sobreposições na sua avaliação para efeitos de fixação de indemnização, de modo a evitar duplicação indemnizatória.
Tendo presente quanto antecede, observemos as pretensões do A..
Entre os seus pedidos, o A. peticionou a condenação da R.
«(…) - No pagamento de indemnização por perda de capacidade de ganho no montante de 61.918,64 €, acrescida de juros de mora à taxa legal;
- No pagamento de indemnização a título de dano biológico autónomo da perda de capacidade de ganho de valor não inferior a 35.000,00 €, acrescida de juros de mora à taxa legal;
- No pagamento de indemnização a título de danos morais de valor não inferior a 40.000,00 €, acrescida de juros de mora à taxa legal.»

Diversamente, portanto, do que refere na sua conclusão 25 onde, a propósito do decidido quanto aos danos não patrimoniais, afirma ter peticionado um“(…) total de 75.000,00 €, configurando parte desses danos como patrimoniais e autónomo da perda de capacidade de ganho (computou em 35.000,00 € a compensação pelas limitações nas atividades do dia a dia e desportivas e de lazer), e como não patrimoniais os restantes parâmetros de avaliação do dano não patrimonial (quantum doloris, dano estético, e angústia e frustração) que computou em 40.000,00 €.”

Na verdade, como se vê da petição inicial, o A. peticionou uma indemnização por perda de capacidade de ganho no montante de € 61.918,64, uma indemnização a título de dano biológico autónomo da perda de capacidade de ganho de valor não inferior a € 35.000,00, e uma indemnização por danos não patrimoniais de valor não inferior a € 40.000,00, e pretende agora alcançar, por via do presente recurso, a condenação da R. a pagar-lhe (a)- a quantia de € 55.715,78, correspondente ao valor de € 61.918,64 por ele peticionado a título de perda de capacidade de ganho deduzidodo montante de € 6.202,86 correspondente ao capital de remição recebido noâmbito do processo de acidente de trabalho, e (b)- valor não inferior a € 50.000,00 pelos danos morais.
As pretensões indemnizatórias do A. por perda de capacidade de ganho e por dano biológico autónomo dessa perda foram objecto de análise e tratamento conjunto na sentença recorrida (cfr. ponto 4. da fundamentação de Direito).

Fazendo referências várias à jurisprudência dos Tribunais Superiores acerca do dano biológico, das suas várias dimensões e potencial para ter repercussões patrimoniais e/ou não patrimoniais, na sentença mencionou-se, por reporte ao caso concreto,“(…) resulta das pretensões formuladas na presente acção, que o Autor peticiona a atribuição de uma indemnização que, em síntese, reconduz a uma situação de facto que decorre do acidente e que consubstancia na alegação de um estado de incapacidade permanente parcial ou de afectação da sua integridade física, que por sua vez determina a ocorrência de danos futuros. Nessa medida e ao fazer referência a esta dimensão dos danos, visa o ressarcimento de tudo aquilo que, em consequência do acidente, determina a partir da data do acidente e tendencialmente no futuro, senão uma perda da remuneração ou de capacidade de ganho – perda de remuneração que, no caso concreto, não resultou provado ter ocorrido, pois resultou provado que o A. foi ressarcido de todos os valores que lhe eram devidos relativamente ao período em que esteve sem trabalhar (…) e que o A. não ficou com incapacidade permanente para o exercício da actividade profissional, não tendo resultado provada factualidade da qual se pudesse extrair a possibilidade futura de progressão na profissão –, aquilo que tornou mais difícil ou onerosa a sua actividade profissional com consequências numa vertente patrimonial, a que acresce a dimensão desse dano na globalidade da sua vida e para além da idade expectável de trabalho.
Precisamente para ir ao encontro desta dimensão do dano, que não se limita a uma forma de incapacidade laboral, tem a jurisprudência dos nossos tribunais superiores, em particular do STJ nos últimos anos, afirmado a existência de um dano que, em Portugal, se optou por denominar como dano biológico”. (…). (…)
Feito este enquadramento – e esclarecimento da dimensão do dano que se pretende ressarcir neste capítulo – decorre da matéria de facto provada que o autor, em consequência do acidente em causa nos autos, ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, fixado em 10 pontos numa escala progressiva de 100, entendendo-se como tal os danos permanentes referentes à afetação definitiva da integridade física e/ou psíquica da pessoa, com repercussão nas atividades da vida diária, incluindo as familiares e sociais, ainda que as sequelas apuradas sejam compatíveis com o exercício da atividade habitual, embora exijam esforços suplementares - cfr. Pontos 30 a 34, dos factos dados como provados. Sendo que, no caso do Autor, a profissão que já desempenhava, na área da Restauração, continuou a desempenhar, mas por conta própria, conforme resulta dos pontos 12, 41 a 43, dos factos provados.
Será esta dimensão e eminentemente numa vertente patrimonial, que se pretende aqui indemnizar, (…). (…).
No caso concreto, atenta a factualidade provada, bem como a que resultou não provada, no caso concreto não estamos perante uma imediata redução da capacidade de ganho, pelo que – acompanhando de perto e por isso transcrevendo parcialmente, com vénia, a já citada Jurisprudência do S.T.J., Ac. de 21/04/2022, Pº 96/18.9T8PVZ.P1.S1, relatado pelo Senhor Conselheiro Fernando Baptista, in www.dgsi.pt -, “(…) não se justifica o recurso às tabelas financeiras para se encontrar um capital que se extinga no fim da vida activa e seja susceptível de garantir, durante esta, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho. Sendo um dano biológico sem reflexo na capacidade de ganho, apenas impondo um maior esforço, a acarretar um dano funcional que perturba a vida de relação e bem-estar da Autora, para o cálculo da respectiva indemnização, há, portanto, que fazer apelo aos supra aludidos juízos de equidade, tendo em consideração, designadamente, a esperança de vida da Autora, o grau de incapacidade permanente de que ficou a padecer e a sua actividade profissional (…)”.(sublinhados nossos).

Bem se vê que o Tribunal a quo, analisando o caso concreto, atendeu ao dano biológico numa perspectiva de reparação integral dos danos, e em vista das pretensões formuladas pelo Autor considerou-o na sua dimensão de afectação da integridade físico-psiquica do Autor com especial enfoque na vertente patrimonial, por conseguinte não dissecando o dano biológico da repercussão patrimonial do mesmo, e consequentemente, não atribuiu montantes indemnizatórios distintos para o dano biológico e para os danos patrimoniais futuros perspectivados pelo A. sob o prisma da perda da capacidade de ganho, e que o mesmo pretende, nesta sede, que sejam valorados recorrendo ao critério aritmético da aplicação do grau de défice funcional (10 pontos) como percentual de perda de capacidade de ganho tendo por base as remunerações que o A. viria a auferir no futuro (por referência à sua remuneração anual à data do acidente) pelos 39 anos de vida estimada restante (cfr. suas conclusões 17 a 19).
Portanto, a pretensão do A. neste domínio tem subjacente a ideia de que existe uma perda de capacidade de ganho na exacta medida do défice funcional permanente que para o A. resultou do acidente.
Mas felizmente para o A. ele não ficou atingido na sua capacidade de ganho. Embora tenha passado a ser portador de um défice funcional permanente de 10 pontos, as sequelas de que ficou a padecer são compatíveis com o exercício da sua actividade profissional habitual, apesar de implicarem esforços suplementares (cfr. factos provados 31 e 33).
Ora, o défice funcional permanente não é confundível com a incapacidade profissional que sustentaria a diminuição de capacidade de ganho até ao fim da vida activa e que constituiria um dano patrimonial futuro autonomizável. Como resulta do Relatório Pericial do INML (cfr. facto 30), refere-se a um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, respeitando à afectação da integridade física e/ou psíquica com repercussão nas actividades da vida diária, sendo independente das actividades profissionais: corresponde à anteriormente denominada incapacidade permanente geral.
E no caso o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica/incapacidade permanente geral de que o A. ficou afectado não lhe determina qualquer incapacidade para o exercício das actividades profissionais em geral nem para a sua actividade profissional habitual, que continuou exercendo (cfr. facto provado 42), sendo compatível com o exercício desta embora implicando esforços suplementares (cfr. factos 30 e 31).
O que significa que, a despeito do défice funcional permanente de que o A. ficou afectado, o mesmo manteve intacta a sua capacidade de trabalho relativamente ao exercício da profissão habitual, pelo que não importa no caso qualquer perca de capacidade de ganho, devendo, outrossim, ser relevados esses esforços acrescidos como uma das componentes da repercussão patrimonial do dano biológico.
E o Tribunal a quo, como se vê dos excertos supra, considerou esses esforços acrescidos para a fixação da indemnização pelo dano biológico e como vertente patrimonial do mesmo, não podendo deixar de ponderar, como ponderou, e desses excertos também se vê, não ter resultado provada a perda de capacidade de ganho, não merecendo a sentença qualquer reparo a este respeito.
Aspecto diferente–e que os recursos de A. e R. também suscitam – é o da adequação do valor indemnizatório arbitrado para a reparação do dano biológico, enquanto défice funcional físico-psíquico e na sua dimensão patrimonial abrangendo os citados esforços acrescidos.

A esse título foi arbitrada a quantia de € 25.000,00 tendo-se valorado que “(…)o autor, em consequência do acidente em causa nos autos, ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, fixado em 10 pontos numa escala progressiva de 100, entendendo-se como tal os danos permanentes referentes à afetação definitiva da integridade física e/ou psíquica da pessoa, com repercussão nas atividades da vida diária, incluindo as familiares e sociais, ainda que as sequelas apuradas sejam compatíveis com o exercício da atividade habitual, embora exijam esforços suplementares - cfr. Pontos 30 a 34, dos factos dados como provados.”. (…)
(…) no caso concreto e face aos factos que resultaram provados, releva quanto ao Autor a circunstância de ter nascido em 1980 (…) tendo na altura 39 anos de idade, (…) ficou com um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psiquica fixável em 10 pontos numa escala de 100 (em gravidade crescente), (…) é de perspectivar a existência de dano futuro “(…) considerando exclusivamente como tal o agravamento das sequelas que constitui uma previsão fisio patologicamente certa e segura, por corresponder à evolução lógica, habitual e inexorável do quadro clínico)(…)”, (…) quanto à “ …Repercussão permanente na Atividade Profissional (…) as sequelas são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares(…)”; o Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psiquica (…) tem subjacente os seguintes danos permanentes: (a)- Status pós-fratura espiralada do terço proximal do úmero direito, condicionando limitação da mobilidade articular do ombro enquadráveis em Ma0207; (b)- Status pós-fatura do pilão tibial à direita, condicionando queixas álgicas do tornozelo e pé e limitação da mobilidade do tornozelo, enquadráveis por analogia, em Mf1313. (c)- Queixas relativas a alteração do padrão do sono e do foro ansioso , que motivaram acompanhamento no HCVP, determinando actualmente ligeira repercussão na sua vida diária, enquadráveis em Nb0903.(…)”.
Convocando as circunstâncias relativas à actividade profissional do A., e que relevam, temos que a actividade profissional que o A. exercia à data do acidente – empregado de mesa - é genericamente a mesma que exerce actualmente, embora por conta própria. (…) “(…) desde Setembro de 2020 o A. foi viver para o Alentejo, para a sua terra de nascença, com a família (…) onde abriu um café e restaurante com o cunhado e amigo de infância, PMC..., na aldeia onde residem, estabelecimento de que os dois são sócios gerentes e onde os dois trabalham(…)”. A mudança para o Alentejo e a abertura do estabelecimento, “(…) correspondeu à concretização de um projecto que o A. e o cunhado já tinham desde data anterior ao acidente e que o acidente e a situação de pandemia Covid19, levou a tomarem a decisão de concretização…”, não tendo sido tal alteração de vida, por conseguinte e na ponderação do tribunal, originada pelo acidente/pelas consequências do acidente, embora tal tenha concorrido para a decisão quanto ao momento temporal em que tal ocorreu.
(…) importa valorar a circunstância (…)de o autor exercer a sua profissão com esforços suplementares”que a sentença reportou às seguintes sequelas: “Membro superior direito: cicatriz na face lateral do braço, como 20x1cm de maior eixo vertical. Sem amiotrofia da musculatura do braço….Mobilidades conjugadas do ombro e cotovelo: leva mão á nuca , região sagrada e ombro contralateral. Cinésia articular do ombro: rotação interna 50º, rotação externa 70º, abdução 120º, flexão 150º, extensão preservada. Cinésia articular do cotovelo preservada. - Membro superior esquerdo: cinésia articular do ombro e cotovelo preservadas. - Membro inferior direito: cinco cicatrizes hipercrómicas e verticais (…) Tornozelo globoso (perímetro 28 cm; contralateral 25cm). Cinésia das articulações tibiotársica e subtalar: extensão 40º, flexão 15º, inversão e versão preservadas. Sem instabilidades ligamentares aparentes. - Membro inferior esquerdo: cinésia das articulações tibiotársica e subtalar preservadas;…”. (…) danos permanentes (…) os quais condicionam “ limitação da mobilidade articular do ombro” direito e “limitação da mobilidade do tornozelo” direito. (…) por força das limitações físicas de que passou a padecer, em consequência das lesões sofridas com o acidente, o A. por vezes sente dores e dificuldades acrescidas em algumas atividades do dia a dia, bem como ficou com dificuldade em levantar pesos ou manipular objetos pesados com o membro superior direito, no qual por vezes tem dores (…) o que, no nosso entendimento, concretiza e preenche o esforço suplementar que o autor tem que fazer para o exercício da sua profissão, isto é, o aumento da penosidade e do esforço que o A. tem que fazer para desenvolver as mesmas tarefas profissionais. (…) a actividade do Autor (…), em regra, exige que esteja de pé e em circulação durante períodos do dia, para o atendimento ao balcão ou às mesas, exige a manipulação de algum peso, com reposição de bebidas que geralmente estão acondicionadas em packs/caixas de cartão ou grades, exige a prática de actos repetitivos com o retirar e colocar objectos nas mesas aquando do serviço. Exige, assim, força, destreza e resistência, ao nível dos membros superiores e inferiores. Implicando os danos permanentes (…) “limitação da mobilidade articular do ombro” direito e “limitação da mobilidade do tornozelo” direito, e que, por sua vez – cfr. ponto 39, dos factos provados -, por força das limitações físicas de que passou a padecer, em consequência das lesões sofridas com o acidente, o A. por vezes sente dores e dificuldades acrescidas em algumas atividades do dia a dia, bem como ficou com dificuldade em levantar pesos ou manipular objetos pesados com o membro superior direito, no qual por vezes tem dores – ponto 29, dos factos provados -, tal permite objectivar e traduzir o esforço suplementar e a natureza desse esforço, que o autor tem que fazer para o exercício da sua profissão. Isto é, o aumento da penosidade e do esforço que o A. tem que fazer para desenvolver as mesmas tarefas profissionais que fazia antes do acidente. O que, em termos de causalidade e face a ter sido admitida pericialmente a possibilidade de existência de um dano futuro, a acrescer ao défice que foi atribuído ao Autor, resultando que pericialmente foi perspectivada a existência de dano futuro “(…) considerando exclusivamente como tal o agravamento das sequelas que constitui uma previsão fisiopatologicamente certa e segura, por corresponder à evolução lógica , habitual e inexorável do quadro clínico)(…)” -, deve ser ponderado na fixação, na vertente patrimonial, do dano biológico, por poder ter repercussões no futuro desempenho da vida profissional do Autor, que pode ser vir a ser diferente daquela que agora desenvolve. Mas notando também o tribunal que, pericialmente, não foi acrescentado ao esforço suplementar – e ao contrário do que tem surgido em algumas situações - limitação adicional que imponha, por exemplo, “trabalhos moderados”, ou qualquer outra circunstância que pudesse fazer concluir que estávamos perante um esforço suplementar acima da média para a profissão em causa ou mesmo para qualquer outra (…). (…) não se nos afigura que o dano em causa e que o Autor possa vir a sofrer, seja com repercussões acentuadas ao nível de uma evolução ou progressão futura na carreira profissional. Mas o A. não deixa de manter algumas dores residuais– cfr. Pontos 30, 39 a 40, dos factos provados - no membro superior e membro inferior direito – cfr. Ponto 32, dos factos provados -, tendo tido, naturalmente, necessidade de adaptar as suas posturas e tempos de trabalho, no exercício da profissão, receando no futuro ter problemas de mobilidade, o que, em termos de causalidade e face a ter sido admitida pericialmente a possibilidade de existência de um dano futuro a acrescer ao défice que lhe foi atribuído – cfr. Ponto 30, dos factos provados -, deve tal ser ponderado na fixação, na vertente patrimonial do dano biológico, por poder ter repercussões no desempenho e evolução futura da vida profissional do autor.”(sublinhados nossos).

Não sendo possível determinar o valor exacto do dano biológico é jurisprudência pacífica,tal como referido na sentença recorrida, que a respectiva avaliação deve de ser efectuada recorrendo à equidade nos termos do artigo 566º nº 3 do Código Civil, sendo de rejeitar quer a aplicação de fórmulas matemáticas tendentes a uma objectivação que não é compatível com o casuísmo que aquele preceito convoca, quer a aplicação das tabelas constantes da Portaria nº 377/2008, de 26/05 alterada pela Portaria nº 679/2009, de 25/06, porque aplicáveis em sede extrajudicial no sentido de apresentação de proposta razoável pelas seguradoras aos sinistrados, sem prejuízo de esses métodos e critérios poderem constituir auxiliares de orientação para a fixação da indemnização.

Não mais do isso, pois o critério da Lei é a equidade. Esta terá que ser entendida como a justiça do caso concreto – com todas as suas variantes e especificidades – que se adapta a cada variante, que foge a critérios fixos e predeterminados, em que impera o bom senso, a justa medida das coisas e uma ponderação prudente e sensata da realidade, do caso concreto e de outros semelhantes, como assertivamente se diz no Ac. da Relação do Porto de 07/02/2023 proc. 193/21.3T8PVZ-A.P1.
Face ao que dispõe o artº 8° n° 3 do CCivil, na determinação do quantum indemnizatório ter-se-á em consideração a prática jurisprudencial em situações semelhantes porquanto o juízo de equidade não dispensa a observância do princípio da igualdade (cfr., entre outros, Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 29/09/2022, proc. 2511/19.5T8CBR.C1.S1, citado na sentença sob recurso).

No plano indemnizatório em causa, além das circunstâncias específicas do caso que lhe conferem uma feição própria e única, deve atender-se ainda (i)- à idade do lesado à data do sinistro; (ii)- à esperança média de vida do lesado à data do acidente; (iii)- ao grau do défice funcional permanente de que o lesado ficou portador; (iv)- às potencialidades de ganho do lesado anteriores à lesão e eventual afectação dessas potencialidades em função do défice funcional, tanto na profissão habitual como em profissão ou actividades económicas alternativas, aferidas pelas suas aptidões, qualificações e competências; (v)- à conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias de actividades profissionais ou económicas do lesado. E todos esses factores foram ponderados na sentença recorrida, sendo as especificidades do caso concreto as constantes dos excertos da sentença acabados de citar.

Há ainda que atender a que, estando em causa uma indemnização em dinheiro, o respectivo cálculo deve orientar-se por uma perspectiva actualizada como emana do já citado artº 566º nº 2 do CCivil, pelo que haverá de ter em conta a mudança de conjuntura económica, marcada actualmente por altas taxas de inflação e pela menor rentabilidade do dinheiro, assim como se deverá ter presente a tendência que vem sendo seguida pela Jurisprudência dos Tribunais Superiores, maxime do STJ, no sentido da progressiva subida das indemnizações ao longo dos anos face à crescente consciencialização social da valorização da dignidade humana e dos bens jurídicos pessoais.

Por isso, afigura-se-nos que o montante arbitrado não se mostra em harmonia com a mais recente prática jurisprudencial em situações semelhantes. Basta atentar nos vários exemplos trazidos pelo A. nas suas alegações de recurso, aos quais, em reforço, se adita :
- Acórdão do STJ de 24/02/2022, proc. 1082/19.7T8SNT.L1.S1, no qual foi fixada em € 50.000,00 a indemnização por dano biológico na vertente patrimonial a lesado com 34 anos à data do acidente, serralheiro de profissão, que ficou com défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 9 pontos, com sequelas em ambos os membros superiores implicando rigidez dolorosa nos punhos, com elevada probabilidade de as lesões sofridas terem repercussão negativa sobre o desempenho da sua profissão cujo exercício exige um elevado nível de força e de destreza físicas ao nível dos membros superiores;
- Acórdão do STJ de 06/12/2018,proc. 652/16.0T8GMR.G1.S2, no qual foi fixada em € 60.000,00 a indemnização por dano biológico na vertente patrimonial a lesado com 40 anos de idade à data do acidente, que ficou com défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 10 pontos, compatível com a actividade habitual mas com esforços adicionais e que  impede o lesado de se dedicar a outras actividades remuneradas que anteriormente exercia.
E por contraposição, vejam-se os seguintes exemplos de Acórdãos do STJ em que foi arbitrada indemnização de valor similar ao fixado na sentença recorrida :
- € 25.000,00 a lesado com 34 anos de idade à data do acidente, trabalhador da construção civil, ficou com défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos com sequelas nos membros inferiores, compatível com a actividade habitual mas com esforços acrescidos (Ac. STJ de 05/05/2020, procº 30/11.7TBSTR.E1.S1);
- € 26.381,91 a lesado com 32 anos de idade à data do acidente, agricultor/empresário agrícola, ficou com défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos, compatível com a actividade habitual mas com esforços acrescidos (Ac. STJ de 07/06/2018, proc. nº 418/13.9TVCDV.L1.S1);
- € 30.000,00 a lesado com 24 anos de idade à data do acidente, ficou com défice funcional permanente de 5 pontos, com limitação da mobilidade do ombro e fratura de L1, com sequelas compatíveis com o exercício de actividades habituais, mas implicando esforços suplementares para a manutenção prolongada de posições estáticas (Ac. STJ de 10/12/2019, proc. n.º 243/08.9TBSSB.E1.S1);
- €30.000,00 a lesado de 27 anos à data do acidente que ficou com défice funcional permanente de 7 pontos, sequelas compatíveis com a actividade habitual mas implicando esforços acrescidos (Ac. STJ de 13/04/2021, proc. nº 448/19.7T8PNF.P1.S1).
Afigura-se-nos, pois, que a indemnização arbitrada em € 25.000,00 não é adequada ao dano biológico, na sua dimensão patrimonial, sofrido pelo A., sendo outrossim, ajustado aos padrões actualistas que vêm sendo seguidos pela Jurisprudência fixar a esse título a indemnização de € 50.000,00.
***

Relativamente aos danos não patrimoniais a sentença recorrida arbitrou uma indemnização de € 28.500,00.
É indubitável que os danos não patrimoniais são indemnizáveis desde que pela sua gravidade mereçam a tutela do Direito (cfr. artº 496º nº 1 CCivil), devendo a aferição dessa gravidade ser feita de acordo com critérios de objectividade, mas sem perder de vista as circunstâncias do caso concreto embora rejeitando factores subjectivos; sendo pacífico que o dano grave, considerável, será aquele que ultrapassa os incómodos, contratempos e transtornos que sempre podem ocorrer aos indivíduos na vida em comunidade, e que, segundo as regras da experiência e do bom senso, sejam inexigíveis em termos de resignação.
Da matéria de facto ressalta de modo evidente que em consequência do acidente o A. foi acometido por danos não patrimoniais indemnizáveis, o que, aliás, não foi por qualquer forma posto em causa pela R. no seu recurso.
Na verdade, o que a R. sustenta é que no caso o dano biológico não assume cariz patrimonial e foi indemnizado enquanto dano não patrimonial conduzindo a que, sendo arbitrada para além da indemnização pelo dano biológico uma outra indemnização por danos não patrimoniais, se verifique uma duplicação de indemnizações pelo mesmo dano.
Como se alcança do exame supra, ao fixar a indemnização pelo dano biológico, não só a sentença recorrida o considerou na sua vertente patrimonial, como é igualmente nessa dimensão que este Tribunal o analisa.
E na avaliação feita para arbitrar a indemnização por danos não patrimoniais, o Tribunal a quo ponderou «No caso concreto, resulta da matéria de facto provada um conjunto de danos que, desde logo, se enquadram nesta tipologia de danos não patrimoniais que vão desde as dores e sofrimentos que o A. teve que passar, nomeadamente com os tratamentos e cirurgias a que foi sujeito em consequência do acidente, a medicação que teve de tomar, os períodos de imobilização, de assistência, com as inerentes dificuldades e limitações que tal implica e sofrimento que tal acompanha, em vários aspectos da sua vida no dia a dia.
E, no fundo, tudo o que implica uma situação decorrente de um acidente de viação da qual resultam sequelas e tratamentos que causam sofrimento e afectam o bem estar e o bem jurídico da saúde e, nessa medida, assumem uma gravidade que justifica a sua tutela indemnizatória.
Nesse sentido, consideramos para além da factualidade relativa aos eventos que se seguiram ao acidente, designadamente as dores e padecimentos consequência do embate, subsequente transporte de urgência e assistência que foi prestada, intervenções cirúrgicas, tratamentos e respectivo internamento, dores que sofreu após o acidente e durante o período de recuperação e as que mantém, incluindo todas as sequelas, circunstâncias e estados de limitação com a que se confronta, conforme pontos 6 a 9, 29 a 36, 37.2 a 40.1, dos factos provados.
Na fixação e ponderação destes danos e pela sua especial relevância, por decorrerem de um juízo pericial efectuado no decurso da fase de instrução dos autos, importa ainda atender ao que resulta das conclusões do relatório médico-legal, nomeadamente à descrição das lesões sofridas pelo A., conforme resulta dos pontos 29.1. a 31, dos factos provados.
Há igualmente que ter em atenção os períodos de incapacidade, de diversos tipos, atribuídos pelo juízo pericial – cfr. Pontos 30 e 31, dos factos provados; - A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 25/11/2019; - Período de Défice Funcional Temporário Total fixável num período de 18 dias, aos quais deverão ser acrescentados 8 dias, para eventual remoção do material de osteossíntese; - Período de Défice Funcional Temporário Parcial fixável num período de 242 dias, aos quais deverão ser acrescentados 22 dias, para eventual remoção do material de osteossíntese e respectiva recuperação funcional; - Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total fixável num período total de 241 dias, aos quais deverão ser acrescentados 30 dias, para eventual remoção do material de osteossíntese e respectiva recuperação funcional; Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Parcial fixável num período total de 19 dias -, tendo a consolidação das lesões ocorrido cerca de sete meses e meio após o acidente – em 25/11/2019.
O quantum doloris foi fixado no grau 4/7, o dano estético permanente fixado no grau 2/7, a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer no grau 2/7, sendo que ao A. foi atribuído, como vimos, um défice de 10 pontos e na altura do acidente tinha 39 anos de idade – pontos 30 a 31e 37, dos factos provados.
Por sua vez e ainda quanto às lesões verificadas e as consequências a nível da sua vivência, decorrem, essencialmente, das lesões sofridas no membro inferior e no membro superior direito, os quais ficaram com as sequelas a que se refere o “ponto 32, dos factos provados”. [que, aditamo-lo, consistem em: (a)- membro superior direito com cicatriz na face lateral do braço, como 20x1cm de maior eixo vertical, sem amiotrofia da musculatura do braço; (b)- apresenta mobilidades conjugadas do ombro e cotovelo, levando mão á nuca , região sagrada e ombro contralateral; Cinésia articular do ombro, apresenta rotação interna 50º, rotação externa 70º, abdução 120º, flexão 150º, extensão preservada; e Cinésia articular do cotovelo preservada. ( c)- membro inferior direito com cinco cicatrizes hipercrómicas e verticais; apresenta Tornozelo globoso (perímetro 28 cm; contralateral 25cm); (d)- cinésia das articulações tibiotársica e subtalar em extensão 40º, flexão 15º, inversão e versão preservadas; sem instabilidades ligamentares aparentes].
Ora, para além do já referido e quanto ao que se compreende nos danos não patrimoniais, a Doutrina tem entendido que estes não se limitam às dores ou sofrimentos decorrentes das sequelas físicas, característicos de um acidente de viação, como sucede no caso dos autos, podendo ainda falar- se de outras dimensões das quais aqui destacamos – pelo interesse que assumem no caso concreto – os danos decorrentes da afectação do bem estar psicológico ou, se se quiser, na vertente da saúde mental.
A este respeito, resultou ainda da matéria de facto provada que o A., em consequência do acidente, apresenta “… (c) Queixas relativas a alteração do padrão do sono e do foro ansioso , que motivaram acompanhamento no HCVP, determinando actualmente ligeira repercussão na sua vida diária, enquadráveis em Nb0903….”, que em consequência do acidente e lesões sofridas com o mesmo e quanto a dependências permanentes de ajudas, o A. terá necessidade de analgésicos em caso SOS…” – pontos 34 e 35, dos factos provados.
Resultou provado que “…à data do acidente o A. era um homem com energia, forte e saudável, jovial, alegre e sociável...”- ponto 37.1, dos factos provados -, que “…a pós o acidente e durante o período em que se encontrou em recuperação e tratamento, o A. teve agitação e alteração do sono, revivências do acidente…”, e que, “…por força das limitações físicas de que passou a padecer, em consequência das lesões sofridas com o acidente, o A. por vezes sente dores e dificuldades acrescidas em algumas atividades do dia a dia ou ajudar nas tarefas domésticas, fazer bricolage e reparações em casa, cortar lenha ou pegar nos seus filhos de 5 e 11 anos de idade ao colo, brincar com eles … bem como dificuldade em fazer passeios ou marcha em distâncias longas ou por períodos de tempo prolongados, sentindo por vezes dores ao nível do tornozelo direito …bem como sente dificuldade nas actividades desportivas, tendo deixado de praticar futebol com os amigos…” – ponto 38 a 39.1, dos factos provados.
Resultou provado que o A. tem desgosto por não conseguir jogar à bola, fazer caminhadas em longas distâncias, cortar lenha, fazer bricolage e pequenas reparações em casa, brincar e pegar nos filhos, como fazia antes do acidente e que na presente data o A., quando se confronta com limitações físicas ou dores, por vezes manifesta angústia e frustração…” – pontos 39 a 39.1, dos factos provados.
Importa, por conseguinte, considerar nesta sede toda a matéria dada como provada respeitante a um espaço de autonomia e realização pessoal do A., que ficou afectado em consequência do acidente, nomeadamente, relacionadas com as actividades de natureza desportiva, social ou de lazer que o autor, na sua vida pessoal, no contexto da sua idade e hábitos tinha e que foram afectados.
Bem como alguns efeitos a nível de dores e cuidados que o A. vai ter e terá que manter ao longo da vida, que lhe causam dor e sofrimento e que, nessa medida, devem também ser valorados – pontos 35 a 40.1., dos factos provados.(…)».
E atenta a matéria de facto são efectivamente os elementos acabados de citar que relevam no domínio não patrimonial.
Compaginando o que foi ponderado nesta sede com o que foi ponderado para fixação de indemnização pelo dano biológico, bem se vê inexistir qualquer sobreposição susceptível de fazer afirmar qualquer duplicação de factores indemnizatórios.
Mesmo a renovada menção ao défice funcional permanente do A. em 10 pontos não importa qualquer dupla valoração do mesmo dano, pois esse défice, porque se traduz na diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, constitui um prejuízo que se repercute em todos os sectores da sua vida, nas suas potencialidades e na sua qualidade de vida. E por isso a mensuração desse défice foi tida em conta na dimensão patrimonial do dano biológico e deve ser também observada na avaliação dos danos não patrimoniais porque as consequências daquele défice extravasam a dimensão patrimonial e igualmente se reflectem no domínio não patrimonial, e esses reflexos serão maiores ou menores, mais ou menos intensos, em função da medida do dito défice psico-somático.
Sem prejuízo, a R., assim como o A., põem em crise o montante de € 28.500,00 fixado para ressarcimento dos danos não patrimoniais; a primeira, naturalmente, reputando-o de excessivo e pugnando pela sua redução a € 20.000,00 (uma vez que o dano biológico merece indemnização autonomizada dos danos não patrimoniais), o segundo defendendo a sua exiguidade e pretendendo que seja fixado valor não inferior a € 50.000,00.
Quanto a este tipo de danos não se trata de uma indemnização verdadeira e própria mas antes de uma reparação mediante a atribuição de uma soma pecuniária que possa minimizar os sofrimentos vivenciados ao propiciar um certo número de alegrias ou satisfações que permitam ao lesado encontrar uma compensação para a dor e sofrimento.
Também quanto a estes, por não se estar perante a lesão de interesses susceptíveis de avaliação pecuniária, por se tratar de danos que não correspondem a um prejuízo determinado ou materialmente determinável, reparável por reconstituição natural, a sua compensação é fixada equitativamente, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, e tem de ser medido por um critério objectivo que tenha em conta as circunstâncias de cada caso (cfr. artº 494º do CCivil, aplicável por remissão do nº 4 do artigo 496º do mesmo diploma).
Sendo a equidade a bitola para a compensação pelos danos não patrimoniais, os seus critérios de aplicação são os já acima mencionados e que aqui damos por reproduzidos, devendo recordar-se que os padrões da jurisprudência na fixação da indemnização a este título têm vindo a evoluir nas últimas décadas, de forma que já na primeira metade da década de 1990 o STJ assinalava que “as compensações por danos não patrimoniais, não podem ser simbólicas ou miserabilistas” (cfr. Ac. de 16/01/1993, CJ (STJ) ano I tomo III, pág. 183) e que a indemnização por danos não patrimoniais tem de ser significativa para responder actualizadamente ao comando do artº 496º do CCivil e constituir uma efectiva possibilidade compensatória (cfr. Ac. de 11/10/1994, CJ (STJ) ano VII, tomo II, pág. 49).
Se atentarmos em que o STJ:
- no acórdão de 21/01/2016, proc. nº 1021/11.13TBABT.E1.S1, fixou a indemnização de € 50.000,00 a lesado de 27 anos que sofreu múltiplos traumatismos (traumatismo na bacia, traumatismo toráxico, com hemotórax, traumatismo crânio-encefálico grave, com hemorragia subaracnoideia e contusão cortico-frontal, à esquerda, traumatismo abdominal, fratura do condilo occipital esquerdo, fratura do acetábulo direito e desernevação do ciático popliteu externo direito), envolvendo sequelas relevantes ao nível psicológico e de comportamento, produzindo as lesões internamento durante 83 dias, quantum doloris de 5 pontos em 7 e dano estético de 2 pontos em 7; ficando com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 16 pontos, com repercussão nas actividades desportivas e de lazer fixável em grau 2 em 7,envolvendo ainda claudicação na marcha e rigidez da anca direita, implicando limitações da marcha, corrida, e todas as actividades físicas que envolvam os membros inferiores e determinando alteração relevante no padrão de vida pessoal do lesado, que coxeia e é inseguro, física e psiquicamente, triste, deprimido e com limitação na capacidade de iniciativa; sofrendo incómodos, angústias e perturbações resultantes das lesões que teve, dos tratamentos e intervenções cirúrgicas a que foi sujeito; terá de suportar até ao fim dos seus dias os sofrimentos e incómodos irreversivelmente decorrentes das limitações com que ficou,
- no acórdão de 19/09/2019, proc. nº 2706/17.6T8BRG.G1.S1, fixou a indemnização de € 50.000,00 a lesado que à data do acidente tinha 45 anos, ficou afectado de um défice funcional permanente de 32 pontos, que sofreu intervenção cirúrgica com internamento hospitalar, dores muito intensas de grau 5 numa escala de 1 a 7, sujeitou-se a tratamentos incluindo vários ciclos de fisioterapia, com repercussão das sequelas nas actividades desportivas e de lazer de grau 3 numa escala de 1 a 7,com repercussões na sua actividade profissional não podendo voltar a exercer a sua profissão habitual e/ou outra no âmbito da sua formação profissional,
- no acórdão de 10/12/2020, proc. nº 8040/15.9T8GMR.G1.S1P, fixou a indemnização por danos não patrimoniais em €55.000,00 a lesado de 34 anos á data do acidente, que ficou afectado de défice funcional de 16 pontos, sofreu intervenções cirúrgicas, ficou com sequelas no membro inferior esquerdo com limitações físicas que o impossibilitam de correr e se agachar, quando anteriormente não tinha qualquer limitação; esteve 125 dias com ITA e 1157 de ITP; sofreu quantum doloris de 6 numa escala de 7; prejuízo estético e limitações na actividade sexual, temos de concluir, e sem pretender apoucar os sofrimentos do A., ser manifestamente desadequada ao caso vertente a indemnização que o mesmo pretende pelos danos não patrimoniais por si sofridos.
Por outro lado, se tivermos em consideração que :
- o STJ, no acórdão de 30/05/2019 proferido no proc. n.º 3710/12.6TJVNF.G1.S1, fixou indemnização de € 25.000,00 a lesada de 17 anos com défice permanente de 14 pontos, com quantum doloris de grau 5 numa escala de 1 a 7, ficou com cicatrizes que determinam dano estético de grau 3 numa escala de 1 a 7 e teve repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 1 numa escala de 1 a 7,
- o STJ, no  acórdão de 16/12/2020 proferido no proc. nº 6295/15.8T8SNT.L1.S1, confirmou a indemnização de €25.000,00 fixada na Relação a um sinistrado em acidente de viação que à data do acidente tinha 43 anos, que sofreu fratura da tíbio e perónio, com dores de grau 5 numa escala de 7,  dano estético de 4 na mesma escala, teve 17 meses de incapacidade (total e parcial), e ficou afectado de um défice permanente de 6 pontos,
- a Relação de Lisboa, no acórdão de 19/04/2018, proferido no proc. nº 1633/12.8T2SNT.L2-6, fixou a indemnização de € 25.000,00, a lesado que à data do acidente estava a cerca de um mês de completar 48 anos, que sofreu fractura exposta dos ossos da perna esquerda e fractura do colo da omoplata direita, foi submetido a três intervenções cirúrgicas, com cerca de oito dias de internamento hospitalar; esteve com total incapacidade para o trabalho mais de um ano e esteve com incapacidade temporária parcial quase dois anos, teve de se submeter a tratamentos de fisioterapia, ficou a padecer de um défice funcional permanente de 10  pontos, sofreu um quantum doloris de grau 5 numa escala de 7 e dano estético de grau 4 na mesma escala, e que em razão das lesões causadas pelo acidente ficou com dificuldade em correr ou fazer caminhadas mais longas; e que na marcha claudica, quando sente dores no final de um período de trabalho,
- a Relação de Lisboa, no acórdão de 25/02/2021, proferido no proc. nº 852/17.5T8AGH.L1-2, fixou a indemnização de € 15.000,00 a lesado com 31 anos de idade à data do acidente, que ficou afectado de défice funcional permanente de 1 ponto, sofreu quantum doloris de grau 4 numa escala de 7 e repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 2 numa escala de 7, teremos de concluir, face a estes exemplos e à evolução jurisprudencial que eles denotam, que o valor fixado pelo Tribunal a quo a título da indemnização devida ao Autor pelos danos de natureza não patrimonial se mostra equilibrada e conforme com os princípios da igualdade e da proporcionalidade, devendo manter-se.
***

Apreciemos agora a questão da dedução da indemnização recebida pelo A. no âmbito do processo de trabalho pela IPP que nessa sede lhe foi fixada.
No caso estamos na presença de um acidente que foi simultaneamente um acidente de viação e um acidente de trabalho.
É entendimento uniforme e reiterado da jurisprudência que as indemnizações decorrentes de acidente de viação simultaneamente sinistro laboral – assentes em critérios distintos e cada uma delas com a sua funcionalidade própria – não são cumuláveis, mas sim complementares até ao ressarcimento total do prejuízo causado, pelo que não deverá tal concurso de responsabilidades conduzir a que o lesado/sinistrado possa acumular no seu património um duplo ressarcimento pelo mesmo dano concreto.
A responsabilidade primeira pela reparação dos danos é a que incide sobre o responsável civil, seja com fundamento na culpa ou com base no risco,assumindo a responsabilidade laboral carácter subsidiário.
Mantém plena validade o ensinamento de Vaz Serra, em anotação ao acórdão do STJ de 30/05/1978: “A solução de que as indemnizações por acidentes simultaneamente de viação e de trabalho se não cumulam e apenas se completam até ao ressarcimento total do dano causado ao lesado é manifestamente exacta, pois a finalidade da indemnização é reparar o prejuízo causado ao lesado e não atribuir a este um lucro”.

Por isso se diz que as indemnizações fixadas no domínio civil e no laboral não se sobrepõem, antes se completam.

As indemnizações arbitradas numa e noutra das jurisdições são independentes e dessa independência decorre que o Tribunal em que for formulado o pedido de indemnização exerce a sua jurisdição em plenitude, decidindo e apurando, sem limitações, a extensão dos danos, e deixando ao critério do lesado a opção pela que melhor lhe convenha, devendo, porém, acrescentar-se que os danos não patrimoniais não entram no cômputo da indemnização laboral.

No entanto, a indemnização devida ao lesado/sinistrado a título de perda da sua capacidade de ganho, mesmo que ele opte pela indemnização arbitrada em sede de acidente de trabalho, não contempla a compensação pelo dano biológico, consubstanciado, como supra referido, na diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com repercussão, não só na vida profissional, como também em todos os aspectos da sua vida pessoal, estando por conseguinte em causa dois danos de natureza diferente.

Como se refere no acórdão do STJ de
14/03/2019, proferido no proc. 394/14.0TBFLG.P2.S1 (citando, no mesmo sentido, o acórdão do STJ de 13/07/2017, proc. nº 3214/11.4TBVIS.C1.S1), “Com efeito, enquanto a primeira indemnização tem por objecto o dano decorrente da perda total ou parcial da capacidade do lesado para o exercício da sua actividade profissional habitual, durante o período previsível dessa actividade e, consequentemente, dos rendimentos que dela poderia auferir, a compensação do dano biológico tem como base e fundamento «a perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando perda ou redução da capacidade para o exercício profissional da actividade habitual do lesado, impliquem ainda assim um maior esforço no exercício dessa actividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expectável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual».

No âmbito do processo de trabalho foi reconhecida ao A. uma incapacidade parcial permanente para o trabalho (IPP) de 5,92%, e a aqui Interveniente Fidelidade, na sua qualidade de seguradora de acidentes de trabalho, pagou-lhe o capital de remição no montante de € 6.202,86 (cfr. factos provados 19 a 21 e 23).

Esse montante respeita ao pagamento, de uma única vez, de uma pensão anual e vitalícia correspondente àquela incapacidade parcial permanente para o trabalho, ou seja corresponde à redução na capacidade de trabalho do sinistrado em razão da sua IPP (conforme resulta do artº75º da Lei 98/2009, de 04/09 - Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais).

Este dano, todavia, não foi objecto de indemnização nestes autos.

À parte os danos não patrimoniais, os quais, como acima dito, não são computados na indemnização laboral, o que nestes autos se indemniza é o dano biológico que, como sobejamente mencionado, consiste na afectação negativa (perda ou diminuição) das capacidades funcionais do indivíduo que, mesmo não importando perda ou redução da capacidade para o exercício profissional da actividade habitual do lesado, impliquem ainda assim um maior esforço no exercício dessa actividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expectável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual. Desde logo porque os danos decorrentes de uma lesão física não se limitam à redução da capacidade de trabalho, configurando-se em primeira linha como lesão do direito fundamental à saúde e à integridade física, pelo que a indemnização relativa ao dano biológico não pode atender e não atende apenas àquela redução, abrangendo todas as vertentes da vida do lesado que sofrem afectação por se ter verificado o dano biológico.

Por isso, como se refere no acórdão do STJ de 11/12/2012, proc. nº 40/08, são de considerar como danos diferentes os que decorrem da perda de rendimentos salariais, associado ao grau de incapacidade laboral fixado no processo de acidente de trabalho e compensado pela atribuição de certo capital de remição, e o dano biológico decorrente das sequelas incapacitantes do lesado que – embora não determinem perda de rendimento laboral – envolvem restrições acentuadas à capacidade do sinistrado, implicando esforços acrescidos, quer para a realização das tarefas profissionais, quer para as actividades da vida pessoal e corrente.

Assim, a indemnização arbitrada nestes autos pela eclosão do dano biológico não incide sobre o mesmo dano que levou o foro laboral a atribuir a pensão anual e vitalícia e o respectivo capital de remissão.

Deste modo, não existe uma duplicação de indemnizações em favor do Autor, susceptível de provocar um injustificado enriquecimento deste, pelo que à indemnização arbitrada nestes autos não se deverá descontar aquela que foi atribuída pelo foro laboral.
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Em conclusão:
Procede parcialmente o recurso do Autor e improcede totalmente o recurso da R., devendo o ponto 1.a) da sentença recorrida ser revogado e substituído por outro que condene a Ré “Crédito Agrícola Seguros - Companhia de Seguros de Ramos Reais, S.A”, a pagar ao Autor JAGG... : a)- a quantia de € 50.000,00 a titulo de dano biológico, quantia esta acrescida dos juros de mora, à taxa legal, contados desde a presente data até integral pagamento.


IIIDECISÃO

Pelos fundamentos supra expostos, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação do Autor e totalmente improcedente a apelação da Ré e,  em consequência, revogar o ponto 1.a) da sentença recorrida, o qual se substitui por outro que condena a Ré “Crédito Agrícola Seguros - Companhia de Seguros de Ramos Reais, S.A”, a pagar ao Autor JAGG...: a)- a quantia de € 50.000,00 a titulo de dano biológico, quantia esta acrescida dos juros de mora, à taxa legal, contados desde a presente data até integral pagamento.
No mais, mantém-se a sentença da 1ª instância.
Custas do recurso do A. a cargo deste e da R. na proporção de 55,5% para o A. e de 44,5% para a Ré.
Custas do recurso da R. totalmente a cargo desta.
Notifique.


Lisboa, 7/12/2023


Amélia Puna Loupo - (Relator)
Ana Paula Olivença - (1º Adjunto)
Maria Carlos Calheiros - (2º Adjunto)


[1]Querendo, naturalmente a recorrente referir-se à seguradora de acidentes de trabalho.
[2]Conforme resulta das conclusões 11ª, 12ª e 42ª, pretende certamente reportar-se aos € 25.000,00 arbitrados pelo dano biológico que a R. entende ter sido na sentença atendido como dano não patrimonial.