SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
DECISÃO JUDICIAL
EFEITOS
CONTAGEM DOS JUROS
TRÂNSITO EM JULGADO
INTERPRETAÇÃO DA LEI
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
AÇÃO EXECUTIVA
REVISTA EXCECIONAL
Sumário


Na falta de indicação em contrário na decisão condenatória, deve ter-se como termo inicial da sanção pecuniária compulsória judicial, prevista no n.º 1 do art.º 829.º-A do Código Civil, a data do trânsito em julgado da sentença.

Texto Integral

Acordam os juízes no Supremo Tribunal de Justiça

I. RELATÓRIO

1. Em 06.6.2012 Associação Portuguesa de Casinos, Estoril Sol III – Turismo, Animação e Jogo, S.A., Varzim – Sol – Turismo, Jogo e Animação, S.A., S..., S.A., Sociedade Figueira Praia S.A. e ITI – Sociedade de Investimentos Turísticos na Ilha da Madeira, S.A., instauraram ação de execução para pagamento de quantia certa contra Liga Portuguesa de Futebol Profissional, Bwin Interactive Entertainment Ag e Bwin.Party Services (Gibraltar) Ltd, reclamando das executadas o pagamento de quantia que, mediante cálculo aritmético, liquidaram em € 6 350 000,00, respeitante a sanção pecuniária compulsória em que as executadas haviam sido condenadas em caso de incumprimento de obrigação de prestação de facto negativo em que igualmente haviam sido condenadas.

2. As exequentes apresentaram como título executivo um despacho saneador-sentença proferido em 16.9.2011.

O aludido despacho saneador-sentença contém o seguinte dispositivo:

“ (…)

c) Condeno as RR. Betandwin a absterem-se de explorar, por qualquer forma, em Portugal jogos de lotaria e apostas mútuas;

d) Proíbem-se as Rés de efectuar qualquer publicidade ou divulgação aos sítios “...” e “...” bem como às 2ª e 3ª Rés;

e) Condeno, solidariamente, as Rés, a título de sanção pecuniária compulsória, no pagamento à Autora Santa Casa da Misericórdia da quantia pecuniária de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) por cada infracção a esta proibição e às outras Autoras a quantia pecuniária de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) por cada dia em que perdurar a infracção à referida proibição”.

3. Em 28.6.2012 o Sr. juiz de execução indeferiu liminarmente o requerimento executivo, por considerar que, não tendo a sentença dada à execução transitado em julgado (por estar pendente de recurso deduzido pelas RR.), as exequentes não dispunham de título executivo em relação à sanção pecuniária compulsória peticionada.

4. Dessa decisão apelaram as exequentes e, citadas as executadas para o recurso e os termos da execução, em 25.11.2014 a Relação do Porto revogou o despacho recorrido, por considerar que não se verificavam os obstáculos levantados pela decisão recorrida à execução da sentença exequenda.

5. Aquando da interposição da apelação da sentença que veio a ser dada à execução o tribunal a quo indeferiu o requerimento de atribuição de efeito suspensivo ao recurso apresentado pelas recorrentes, fixando-lhe efeito meramente devolutivo.

6. Em 04.02.2013 a Relação do Porto confirmou a sentença dada à execução, mas alterou o efeito atribuído à apelação, de devolutivo para suspensivo.

7. Por acórdão datado de 16.10.2014 o STJ confirmou o dito acórdão da Relação do Porto; o acórdão do STJ transitou em julgado em 03.11.2014.

8. Após diversas vicissitudes o acórdão da Relação invocado em 4 transitou em julgado e as executadas, notificadas do regresso do processo de execução à 1.ª instância, deduziram, separadamente, em junho e julho do ano de 2019, embargos de executado, de conteúdo idêntico, nos quais arguiram a inexequibilidade do título e a inexigibilidade da sanção pecuniária compulsória peticionada (nela incluindo diversas subquestões) e, bem assim, a iliquidez da obrigação exequenda. Mais impugnaram as alegadas infrações à obrigação de prestação de facto negativo. Concluíram pela extinção da execução.

9. Em 16.02.2022 a 1.ª instância proferiu despacho saneador em que julgou improcedente a exceção da “Iliquidez da Obrigação / Incompetência Material Tribunal” (sic) e, bem assim, as exceções “de inexequibilidade do título e de inexigibilidade da sanção pecuniária compulsória”, da “inexigibilidade da sanção pecuniária compulsória após pedido do efeito suspensivo” e julgou procedente a “exceção de inexigibilidade da sanção pecuniária compulsória após decisão do efeito suspensivo até ao trânsito em julgado da decisão, ou seja entre 11.2.2013 e 1.11.2014, fase em que os efeitos da exigibilidade da sentença fica suspensa.” Mais se determinou, no aludido despacho, a prossecução do processo para apreciação das restantes questões suscitadas nos embargos.

10. As embargantes apelaram do aludido despacho saneador, quanto à improcedência das referidas exceções, tendo em 08.11.2022 a Relação do Porto deliberado, por unanimidade, “julgar totalmente improcedente a apelação, confirmando-se o despacho recorrido.”

11. Contra esse acórdão as embargantes interpuseram revista normal e, subsidiariamente, revista excecional.

12. As embargadas contra-alegaram, pugnando pela inadmissibilidade da revista normal e, bem assim, da revista excecional, além da improcedência dos recursos.

13. Distribuído o processo e apresentado este ao relator, foi proferido o despacho previsto no art.º 652.º n.º 1 alínea b) do CPC (ex vi art.º 679.º do CPC), tendo-se considerado que as questões da (in)admissibilidade do recurso estavam já debatidas nas alegações e contra-alegações, não havendo, pois, que auscultar as partes nos termos e para os efeitos previstos no art.º 655.º n.º 1 do CPC.

Nesses termos, o relator proferiu decisão singular, que culminou no seguinte dispositivo:

a) Não se recebe a revista ordinária interposta, seja por se considerar que se verifica dupla conforme (art.º 671.º n.º 3 do CPC), seja por não se verificarem os apontados fundamentos de admissibilidade da revista ao abrigo do disposto no art.º 854.º do CPC e do art.º 629.º n.º 2 alínea a) do CPC;

b) Determina-se que os autos sejam apresentados à Formação prevista no n.º 3 do art.º 672.º do CPC, para os efeitos indicados nesse preceito.


*


Notifique-se e, oportunamente, remeta-se os autos à Formação”.

14. As recorrentes/embargantes reclamaram da decisão do relator para a conferência.

15. As partes contrárias responderam, pugnando pela improcedência da reclamação.

16. Em 20.6.2023, em conferência, o coletivo emitiu o seguinte dispositivo:

a) Não se recebe a revista ordinária interposta, seja por se considerar que se verifica dupla conforme (art.º 671.º n.º 3 do CPC), seja por não se verificarem os apontados fundamentos de admissibilidade da revista ao abrigo do disposto no art.º 854.º do CPC e do art.º 629.º n.º 2 alínea a) do CPC;

b) Determina-se que os autos sejam apresentados à Formação prevista no n.º 3 do art.º 672.º do CPC, para os efeitos indicados nesse preceito.

Pelo seu decaimento na reclamação, condena-se as reclamantes nas respetivas custas, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC (art.º 7.º n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais, tabela II)”.

17. Por acórdão proferido em 06.9.2023, a Formação admitiu a revista excecional, nos termos da seguinte decisão:

Pelo exposto, concluímos que as questões identificadas encerram uma qualificada relevância jurídica que justifique uma pronúncia judicativa de terceiro grau, nos termos discreteados, não se admitindo, porém, a excecionalidade invocada no que respeita à questão da alegada incompetência do juízo de execução para proceder à liquidação da quantia exequenda”.

18. Foram colhidos vistos.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Do objeto desta revista excecional

1.1. A presente revista tem por objeto questões que a Formação considerou terem especial relevância jurídica, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 672.º n.º 1 alínea a) do CPC.

São essas questões que competirá, agora, a este coletivo, apreciar.

Tendo em vista a delimitação da problemática a abordar, aqui se transcreve, na parte pertinente, o aduzido pela Formação:

“Na execução à qual os presentes autos correm por apenso, é reclamado das executadas o pagamento de quantia que, mediante cálculo aritmético, as exequentes liquidaram em €6.350.000,00, respeitante a sanção pecuniária compulsória em que as executadas haviam sido condenadas em caso de incumprimento de obrigação de prestação de facto negativo em que igualmente haviam sido condenadas.

Começam as recorrentes por asseverar que a questão da exigibilidade (no plano substantivo) da sanção pecuniária compulsória antes do trânsito em julgado da decisão condenatória “tem suscitado aceso debate jurisprudencial, existindo decisões quer dos Tribunais da Relação, quer deste Altíssimo Tribunal em sentidos divergentes”, sendo uma questão que, mantendo-se relevante para além das fronteiras do caso concreto, assume natureza “paradigmática, envolta em incerteza e instabilidade (sobretudo jurisprudencial) que beneficiaria da intervenção deste Altíssimo Tribunal, por forma que se estabilize e clarifique o regime jurídico subjacente, desse modo contribuindo para a segurança e certeza na aplicação do direito à miríade de casos em que a questão é relevante e pode ser suscitada.”

Em resposta, as recorridas contestam a relevância jurídica da questão em apreço, argumentando que “a jurisprudência tem decidido pacificamente no sentido da exequibilidade da sanção pecuniária compulsória em momento anterior ao trânsito em julgado, de que são exemplo os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 14.01.2014, e do Tribunal da Relação do Porto, de 25.11.2014.”

Na situação em apreço, o acórdão recorrido, após dar conta das duas teses que se perfilam quanto ao termo inicial da sanção pecuniária compulsória dita judicial, prevista no art. 829.º-A n.º 1 do Código Civil - uma, que advoga que aquele termo coincide com o momento do trânsito em julgado da decisão de condenação no cumprimento da obrigação pecuniária, outra que propugna “que o termo inicial da sanção pecuniária compulsória nas obrigações de prestação de facto infungível se conta a partir do momento decidido a esse propósito na sentença proferida em 1ª instância se esta vier a ser confirmada pelos tribunais superiores e não apenas a partir do trânsito em julgado dessa sentença da 1ª instância” - concluiu “que a sentença que imponha uma sanção pecuniária compulsória constitui título executivo não só depois do trânsito em julgado, mas também quando haja recurso interposto com efeito meramente devolutivo”, rematando que “a sentença pendente de recurso recebido no efeito meramente devolutivo serve à parte vencedora para promover a execução dela antes de decidido o recurso. O interesse da celeridade prevalece sobre o interesse da justiça na execução. A própria lei consente o risco de execução injusta para assegurar ao credor a vantagem da execução pronta.”

O Tribunal a quo entendeu, pois, que, não fixando a decisão condenatória o momento a partir do qual a sanção pecuniária compulsória seria exigível, o seu cumprimento seria devido a partir da data em que o executado toma conhecimento da sentença exequenda.

A questão da exequibilidade da sanção pecuniária compulsória judicial - que intrinsecamente se conexiona com a da determinação do termo inicial de tal sanção - não obstante motivar reflexão doutrinária e ser objeto de tratamento, não inteiramente coincidente, por parte da jurisprudência dos Tribunais da Relação (v. gr. os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-05-2013 , do Tribunal da Relação do Porto de 25-11-2014 , do Tribunal da Relação de Coimbra de 14-01-2014 e de 15-11-2016, e do Tribunal da Relação de Évora de 25-02-2021 ), tem estado ausente da jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal de Justiça.

Trata-se, indubitavelmente, de uma questão suscetível de repercussão generalizada, donde, cremos que se mostra justificada a intervenção liderante e clarificadora do mais alto Tribunal numa matéria que não tem conhecido tratamento jurisprudencial unânime - o que, a nosso ver, determina a admissibilidade da revista excecional neste particular.

Idêntica conclusão há, em nossa perspetiva, que formular quanto às questões de saber se a sanção pecuniária compulsória se mostra exigível na pendência do recurso de apelação com efeito suspensivo interposto da decisão condenatória; de determinar o impacto na exigibilidade da obrigação exequenda da eficácia da atribuição pelo Tribunal da Relação de efeito suspensivo ao recurso de apelação; assim como de determinar a exigibilidade (no plano substantivo) da sanção pecuniária compulsória na pendência do pedido de atribuição de efeito suspensivo ao recurso de apelação interposto da decisão condenatória.

Tais questões, revelando-se estreitamente conexionadas com a questão precedentemente elencada - da exequibilidade da sanção pecuniária compulsória - convocam reflexão acerca da teleologia específica daquela sanção à luz dos efeitos inerentes aos recursos, em conjugação com as regras que disciplinam o processo executivo, reflexão essa que complexifica as operações exegéticas requeridas para a sua análise, daí que se conclui, tal-qualmente, pelo preenchimento do pressuposto contido na alínea a) do n.º 1 do art.º 672.º do Código de Processo Civil quanto às enunciadas questões”.

1.2. Sobre esta matéria as recorrentes formularam as seguintes conclusões:

“A. O presente Recurso incide sobre o Acórdão Recorrendo proferido pelo Tribunal a quo a 09.11.2022, no qual, confirmando o Despacho Saneador proferido pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto, embora com fundamentação essencialmente diferente, incorrendo em diversos e graves erros de julgamento e em nulidades processuais, indeferiu parte das exceções invocadas pelas Recorrentes em sede de Embargos.

B. Tal entendimento configura uma violação da lei substantiva e uma errada aplicação da lei de processo, o que constitui fundamento para a admissibilidade do recurso de revista normal e excecional, nos termos do preceituado no artigo 674.º, n.º 1, alíneas a) e b), do CPC.

(…)

J. Sem prejuízo das nulidades invocadas, o Acórdão Recorrendo incorreu em erros graves de julgamento ao ter julgado improcedentes as questões invocadas pelas Recorrentes (qualificadas como exceções perentórias ou tidas como impugnação), os quais residem, em grande medida, na falta de distinção entre a exigibilidade da obrigação principal (pré constituída), cuja existência constitui objeto da ação declarativa, e a exigibilidade da obrigação exequenda cuja existência tem a própria sentença como (principal) facto constitutivo. O Acórdão Recorrendo confunde o regime das duas obrigações, sem ter em conta que a segunda, diferentemente da primeira, só nasce para o direito substantivo após a sentença, havendo que determinar que outro facto complementar terá de ocorrer para esse seu pleno nascimento – em concreto, a sanção exequenda pressupõe a violação, posterior à sentença, da obrigação principal (no caso, a de não fazer a publicidade julgada ilegal).

K. Se a sanção pecuniária compulsória só se constituir quando a sentença se tornar exequível e o recurso dela interposto tiver efeito suspensivo, decretado pelo Tribunal da 1ª instância ou pela instância de recurso, em substituição do efeito meramente devolutivo inicial e erradamente decretado, a sanção pecuniária compulsória não chega a constituir-se senão quando a decisão que a decretou se tornar definitiva, tendo, no segundo caso, a decisão de suspensão da 2ª instância efeito necessariamente retroativo – o qual não implica o efeito processual da extinção do processo executivo, que fica suspenso até proferimento de decisão de mérito exequível sobre a bondade da aplicação da sanção pecuniária compulsória, independentemente de essa aplicação só ter início com a decisão de mérito (definitiva ou intermédia com recurso meramente devolutivo).

L. A correta compreensão destas distinções permite reconhecer e declarar os erros de julgamento em que incorreram as instâncias precedentes, e julgar procedente o recurso revogando o Acórdão Recorrendo e substituindo-o por outro que julgue procedentes as exceções perentórias invocadas e improcedente a execução. Senão vejamos,

M. A respeito da exceção perentória impeditiva invocada pela Recorrente relativa à inexigibilidade (substantiva) da sanção pecuniária compulsória antes do trânsito em julgado da decisão condenatória, o Tribunal a quo entendeu que, não fixando a decisão condenatória o momento a partir do qual a sanção pecuniária compulsória seria exigível, o respetivo cumprimento seria devido a partir do momento em que as Recorrentes tomaram conhecimento de tal decisão, uma vez que a partir da prolação da decisão condenatória – tendo o recurso dela interposto sido inicialmente admitido com efeito meramente devolutivo –, tal decisão era imediatamente exequível.

N. Respeitosamente, as Recorrentes discordam deste entendimento por entenderem ser contrário ao regime da sanção pecuniária compulsória. Com efeito, a sanção pecuniária tem por função compelir ao cumprimento da obrigação o devedor que haja sido condenado a cumpri-la. A sanção pecuniária compulsória é uma figura de direito substantivo, por ela se constituindo uma relação obrigacional, instrumental em face duma obrigação principal, e é criada diretamente pela lei no caso da obrigação principal pecuniária e por decisão judicial de mérito no caso da obrigação principal de prestação de facto infungível, positivo ou negativo. Quer a sanção pecuniária compulsória judicial, quer a legal, pressupõem a condenação do devedor no cumprimento da obrigação principal e, portanto, um duplo incumprimento (desta obrigação e da sentença sobre ela proferida na ação declarativa de condenação).

O. Está, assim, excluída como termo inicial da sanção pecuniária compulsória, quando, como no caso concreto, nem a sentença de condenação nem as decisões sobre ela proferidas em recurso o tenham determinado, a data da notificação da sentença ao devedor, só sendo equacionável a sua coincidência com a data do trânsito em julgado da decisão ou com a da aquisição de exequibilidade.

P. O trânsito em julgado da decisão condenatória é, na verdade, a data que melhor se harmoniza com o sistema jurídico português: a atribuição à apelação do efeito meramente devolutivo tem na base a ideia de que a sentença apelada constitui já título suficiente da obrigação para efeitos da execução, mas não garante a sua indiscutibilidade; só com o trânsito em julgado, que torna indiscutível a existência e o conteúdo da obrigação principal, fica definitivamente injustificado o não acatamento da sentença pelo devedor, que até aí pode, sem culpa grave, esperar uma decisão que revogue a que o condenou; só com o trânsito em julgado é que a inobservância da decisão ganha o caráter de desrespeito pelos tribunais; evita-se assim, ainda, o risco da restituição das quantias pagas a título de sanção pecuniária compulsória, se a decisão provisoriamente executada vier a ser revogada em recurso; o artigo 829.º-A, n.º 4 do CC consagra o critério do trânsito em julgado para as obrigações pecuniárias e a harmonia da ordem jurídica leva a interpretar o 829.º-A, n.º 1 do CC como consagrando o mesmo critério, a título supletivo, para as obrigações de prestação de facto infungível, ficando para o instituto da má-fé processual (e, quando este seja insuficiente, para o instituto geral do abuso do direito) servir o fim de sancionar os comportamentos abusivos do recorrente.

Q. A interpretação que o Tribunal a quo faz da norma que se retira do artigo 829.º-A, n.º 1 do CC, no sentido em que a execução da sanção pecuniária compulsória é possível antes do trânsito em julgado da decisão condenatória que a determina, para além de constituir um erro grave de julgamento, pelo motivos identificados, é, ainda, inconstitucional, por desconforme ao artigo 20.º n.ºs 4 e 5 da CRP, ao colidir com os princípios constitucionais da segurança e certeza jurídicas e com o direito à obtenção de uma decisão justa – inconstitucionalidade que, desde já, se suscita, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da CRP e no n.º 2 do artigo 72.º da Lei do Tribunal Constitucional.

R. A ter-se, porém, o momento da exequibilidade como o do termo inicial da sanção pecuniária compulsória, esta iniciar-se-á, designadamente, com a notificação do acórdão da Relação que, mantendo a decisão de condenação na obrigação principal, revogue a decisão da 1ª instância que haja atribuído efeito meramente devolutivo ao recurso de apelação, substituindo-a por outra que lhe atribui efeito suspensivo, conforme sucedeu no caso dos autos.

S. Assim, no caso em apreciação, o termo inicial da sanção pecuniária compulsória aplicada ocorreu, pois, na data de 30.10.14 e teria ocorrido na de 06.02.13 mesmo que se atendesse ao critério da exequibilidade, que se entende ser o critério inadequado, pelas razões anteriormente apontadas. Assim, a sanção a cujo pagamento foram as Recorrentes condenadas através do despacho saneador-sentença não era, nem à data da instauração da presente ação executiva, nem na presente data em relação aos concretos factos alegados pelas Recorridas como justificando a sua aplicação, devida, exigível e exequível, pois que todos os factos alegados em suporte do pagamento da quantia exequenda teriam ocorrido até 31.01.2012, ao passo que o trânsito em julgado da sentença condenatória que fixou a obrigação exequenda apenas ocorreu em 03.11.2014, impondo-se a correção do erro de julgamento incorrido pelo Tribunal a quo, revogando-se o Acórdão Recorrendo e proferindo-se decisão que julgue procedente a exceção perentória impeditiva invocada pela Recorrente, julgando improcedente a presente execução.

T. Quanto às exceções perentórias invocadas pelas Recorrentes relativas à inexigibilidade (substantiva) da sanção pecuniária compulsória (i) na pendência do recurso com efeito suspensivo e (ii) na pendência do pedido de atribuição de efeito suspensivo ao recurso, as Recorrentes creem que o erro de julgamento incorrido pelo Tribunal a quo consistiu – mais uma vez – na falta de distinção entre os planos da instância e da relação jurídica material subjacente – i.e., entre a exigibilidade da obrigação enquanto pressuposto processual tal como resultante do título executivo e, no caso concreto, a efetiva exigibilidade substantiva da sanção –, e, por conseguinte, na consideração apenas do plano da instância, desconsiderando ainda o impacto distinto que a atribuição de efeitos suspensivo à apelação tem na exigibilidade da obrigação principal e da sanção que lhe é acessória.

U. O facto de o Tribunal de primeira instância na ação declarativa ter recusado inicialmente a atribuição de efeito suspensivo ao recurso de apelação, não significa que, na sua pendência, o despacho saneador-sentença fosse exequível e as obrigações neste decretadas fossem juridicamente exigíveis (plano substantivo), pois os efeitos da decisão que atribui efeito suspensivo ao recurso – tomada, neste caso, pelo Tribunal da Relação – reportam-se ao momento em que tal efeito foi requerido (nesse sentido, veja-se os Pareceres de ANTÓNIO PINTO MONTEIRO – cf. pp. 53, 54, 63, 65, 66, 68, 69, 75 e 76 – e JOSÉ LEBRE DE FREITAS – cf. p. 36 – juntos aos autos, que são cristalinos a esse respeito).

V. O Acórdão da Relação que, mantendo a decisão de condenação na obrigação principal, revogue a decisão da 1.ª Instância que haja atribuído efeito meramente devolutivo ao recurso de apelação, substituindo-a por outra que lhe atribui efeito suspensivo, apenas pode significar que por ela se visou a destruição retroativa dos efeitos da sanção pecuniária compulsória na pendência do recurso, visto que seria de outro modo de escassa utilidade. A sentença de condenação não pode ser executada dentro do prazo para a apelação e, quando com esta se requeira a atribuição de efeito suspensivo, antes do despacho que determina o efeito da apelação, visto que, ao contrário do que acontece no recurso de revista, o efeito meramente devolutivo, embora constitua regra na apelação, não decorre automaticamente da lei, ficando dependente da decisão do juiz recorrido sobre o efeito suspensivo requerido.

W. Entender – como entendeu o Tribunal a quo – que a decisão do Tribunal de 1.ª Instância que fixou o efeito do recurso continuaria a produzir efeitos e a legitimar a aplicação de sanções pecuniárias compulsórias na pendência de um recurso ao qual foi, afinal, atribuído efeito suspensivo, seria destruir a utilidade e a eficácia da decisão do Tribunal da Relação que a revogou e substituiu por outra em sentido contrário – o que poria em causa o alcance e os efeitos de decisões proferidas pelos tribunais superiores, para além de, uma tal interpretação dos artigos 647.º, n.º 4, 654.º, n.º 3 e 704.º, n.º 2 todos do CPC ser inconstitucional por violação do artigo 20.º n.ºs 4 e 5 da CRP – inconstitucionalidade que, à semelhança da anterior, desde já se suscita, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da CRP e no n.º 2 do artigo 72.º da Lei do Tribunal Constitucional.

X. Ao invés, deve considerar-se que a atribuição de efeito suspensivo ao recurso interposto da decisão condenatória (oferecida como título executivo) impediu que, na sua pendência, quer a obrigação principal se tornasse exigível e a obrigação exequenda se constituísse, conduzindo também à falta de título executivo para a obrigação exequenda relativamente a factos ocorridos naquele período.

Y. Assim sendo, a sanção pecuniária compulsória a cujo pagamento as Recorrentes foram condenadas através do despacho saneador-sentença não é exigível (senão relativamente a todos os factos alegados pelas Exequentes, alegadamente praticados entre 24.09.2011 e 31.01.2012, no mínimo, relativamente aos factos ocorridos até 09.01.2012, data em que foi notificado às Recorrentes o despacho proferido pelo Tribunal de 1.ª instância na ação declarativa que fixou o efeito ao recurso) porquanto nas datas em que se teriam praticado as infrações alegadas pelas Recorridas, a sentença condenatória, não tendo transitado em julgado, não era ainda exequível e, portanto, a obrigação principal de que é acessória não era passível de se constituir, por não poderem aplicar-se sanções para o incumprimento de uma obrigação que não é exigível”.

1.3. Sobre esta matéria os recorridos, na contra-alegação, formularam as seguintes conclusões:

“V. Entrando na análise do (de)mérito do Recurso, cumpre referir que a improcedência da exceção de inexigibilidade da sanção pecuniária compulsória antes do trânsito em julgado da decisão condenatória já foi decidida nos presentes autos, por acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25.11.2014, que versou sobre o recurso então interposto pelas Exequentes do despacho de indeferimento liminar do requerimento executivo, nos seguintes termos: “No caso em apreço, pois, tratando-se, como se trata, de uma sanção pecuniária tendente a forçar o cumprimento de prestações de facto negativos, sem ter ido indicada qualquer data para o cumprimento de qualquer uma das prestações, esse cumprimento é devido a partir do momento em que as executadas tomaram conhecimento da sentença exequenda.”.

W. Esta decisão constitui caso julgado e, por isso, procedeu corretamente o Tribunal a quo, com respeito à eficácia do caso julgado formado sobre esta questão, em prol da estabilidade da instância quanto às decisões já proferidas, devendo nestes termos manter-se a decisão proferida.

X. Sem prejuízo do anteriormente referido, o Tribunal a quo decidiu acertadamente ao julgar que a sanção pecuniária compulsória sub judice se tornou exigível a partir do momento em que as Recorrentes tomaram conhecimento da sentença condenatória, aqui exequenda.

Y. A sanção compulsória judicial, prevista no n.º 1 do artigo 829.º-A do CC, visa compelir o devedor a cumprir a decisão proferida pelo tribunal, reforçando a soberania dos tribunais e o prestígio da justiça, enquanto, por outro lado, se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis. Atendendo à natureza, finalidades e ao carácter acessório da sanção pecuniária compulsória judicial, esta deverá ser exigida assim que o for a obrigação principal (cujo cumprimento visa compelir), o que impõe a conclusão de que ambas as obrigações são exigíveis após a data da sua notificação, uma vez que este é o regime aplicável a qualquer condenação judicial: salvo se fixado expressamente um dies a quo específico, a sentença produz imediatamente os seus efeitos.

Z. Por outro lado, a sentença exequenda transitou em julgado, tendo sido confirmada pelos tribunais superiores nos seus exatos termos, não tendo sido alterado o termo inicial da sanção pecuniária compulsória. A sanção pecuniária compulsória judicial, in casu, foi decretada tendo em vista assegurar o cumprimento de uma obrigação de prestação de facto infungível negativo - a abstenção de efectuar qualquer publicidade ou divulgação aos sítios “bwin”, bem como às próprias “Bwins”, face à ilegalidade de tal atuação. Tendo as Exequentes optado por continuar a praticar atos ilegais após terem sido notificadas da sentença exequenda devem as mesmas ser condenadas no pagamento da sanção fixada pelo tribunal.

AA. O exposto também releva para as exceções invocadas pelas Recorrentes atinentes à inexigibilidade da sanção pecuniária compulsória quer antes do trânsito em julgado, quer durante o período em que vigorava efeito meramente devolutivo do recurso – período esse que é o único que se encontra em execução nos presentes autos (porquanto os incumprimentos da sanção acessória que aqui se executa reportam-se a um período em que vigorava efeito meramente devolutivo do recurso interposto contra a sentença exequenda).

BB. O recurso interposto da sentença exequenda foi recebido com efeito meramente devolutivo, pelo que não obstava à exigibilidade da sanção pecuniária compulsória, nem à executoriedade da sentença condenatória. A alteração do efeito do recurso para suspensivo apenas ocorreu em 04.02.2013, após a instauração desta ação executiva (06.06.2012) e, portanto, também depois dos incumprimentos das Recorrentes que fundamentam a exigibilidade da sanção pecuniária compulsória (ocorridos entre 24.09.2011 e 31.01.2012), e cuja prova foi junta com o requerimento executivo.

CC. Tendo sido instaurada na pendência de um recurso com efeito devolutivo, a execução só poderia vir a ser extinta se o recurso da sentença exequenda tivesse sido julgado procedente, o que não aconteceu. Pelo contrário: em 04.02.2013 (i.e., na mesma data em que foi alterado o efeito do recurso), o Tribunal da Relação do Porto julgou improcedente o recurso da sentença exequenda interposto pelas ora Recorrentes, tendo confirmado na íntegra a sentença exequenda, inclusive quanto ao termo inicial da sanção pecuniária compulsória.

DD. A tese das Recorrentes levaria ao seguinte absurdo: o artigo 704.º, n.º 1, in fine do CPC não teria qualquer margem de aplicação, já que, tendo em consideração que a qualquer recurso a que tenha sido fixado, pelo tribunal que o admite, efeito meramente devolutivo, pode depois, ficar sujeito a efeito suspensivo por decisão do juiz relator do tribunal ad quem, na tese das Recorrentes apenas as decisões proferidas por tribunais superiores seriam suscetíveis de execução, segregação esta que não tem a mínima sustentação legal ou dogmática.

EE. A interpretação que ousadamente as Recorrentes trazem aos presentes autos conduz, como se crê ser evidente, a uma solução de instabilidade em matéria de execução de decisões judiciais, que redunda no seguinte: uma execução pode ser iniciada tendo como título executivo uma decisão judicial condenatória, porém, por força da faculdade conferida pelo artigo 654.º, n.º 1, do CPC – aplicável a qualquer recurso interposto para a Relação – a execução validamente iniciada poderia ser retroativamente destruída.

FF. É evidente que este não é o espírito do legislador, que tem como princípios ordenadores, entre outros, o da estabilidade jurídica.

GG. Tanto assim é que a lei prevê expressamente, no artigo 654.º, n.º 2, do CPC o impacto que a alteração do efeito atribuído ao recurso (de meramente devolutivo para suspensivo) tem, ou pode ter, em ação executiva pendente: “é expedido ofício, se o apelante o requerer, para ser suspensa a execução”. Esta é a solução legal, e este é o regime aplicável, do qual se retira um comando fundamental: os efeitos da alteração do efeito atribuído ao recurso apenas produzem efeitos para o futuro!

HH. Não existem, pois, dúvidas, que andou bem o Tribunal a quo, e, diga-se, o Tribunal de Primeira Instância, ao julgar a improcedência da exceção de inexigibilidade da obrigação exequenda por inexigibilidade da sanção pecuniária compulsória antes do trânsito em julgado da decisão condenatória, pelo que deverão improceder as Conclusões M a S das alegações do Recurso a que se responde.

II. O que se vem de expor aplica-se à exigibilidade da sanção pecuniária compulsória na pendência do recurso com efeito suspensivo ou na pendência do pedido de atribuição de efeito suspensivo ao recurso, pelo que deverão improceder igualmente as conclusões T a Y das alegações de Recurso.

JJ. Devem ser julgados totalmente improcedentes os pedidos de declaração de inconstitucionalidade formulados pelas Recorrentes, ínsitos nas Conclusões Q e W das suas alegações de Recurso, mantendo-se, nos seus precisos termos, o Acórdão recorrido. O Tribunal a quo não só não adotou uma interpretação inconstitucional das referidas normas, como lhes deu a única interpretação possível e correta, uma vez que se limitou a aplicar o regime que resulta do artigo 704.º do CPC, que prevê em que casos e em que condições é que as sentenças judiciais constituem títulos executivos, fazendo uma justa e equilibrada ponderação entre o interesse do credor que exige que a execução seja pronta, com o interesse do devedor que exige que a execução seja justa.”.

1.4. Em suma, a questão crucial a apreciar é a seguinte: tendo sido proferida sentença que condenou os demandados a se absterem de um determinado comportamento (obrigação de prestação de facto negativo), sob pena de sanção pecuniária compulsória em caso de incumprimento, a partir de que momento se deve considerar exigível a sanção pecuniária compulsória, no caso de na sentença nada se disser a esse respeito?

A esta se associam as questões de saber se a sanção pecuniária compulsória se mostra exigível na pendência do recurso de apelação com efeito devolutivo interposto da decisão condenatória; de determinar o impacto na exigibilidade da obrigação exequenda da eficácia da atribuição pelo Tribunal da Relação de efeito suspensivo ao recurso de apelação; assim como de determinar a exigibilidade (no plano substantivo) da sanção pecuniária compulsória na pendência do pedido de atribuição de efeito suspensivo ao recurso de apelação interposto da decisão condenatória.

1.5. Os recorridos, na sua contra-alegação, suscitaram a questão do caso julgado alegadamente formado pelo acórdão proferido pela Relação do Porto em 25.11.2014, acima mencionado em I.4 e em I.8.

Esse acórdão incidiu sobre o despacho do juiz de execução que, conforme supra relatado em I.3, em 28.6.2012 indeferiu liminarmente o requerimento executivo, por considerar que, não tendo a sentença dada à execução transitado em julgado (por estar pendente de recurso deduzido pelas RR.), as exequentes não dispunham de título executivo em relação à sanção pecuniária compulsória peticionada.

Com efeito, no aludido despacho exarou-se o seguinte:

“Porém, com todo o respeito por diferente opinião, atendendo à finalidade da sanção pecuniária compulsória, entendemos que a mesma só poderá ser exigida das executadas depois de a sentença que a fixou ter transitado em julgado, circunstância que ainda não ocorreu, como resulta certificado no respectivo traslado, não sendo aqui aplicável o estatuído no artigo 47º, nº 1, parte final, do Código de Processo Civil.

Com efeito, como salientam Pires de Lima e Antunes Varela, o fim da sanção pecuniária compulsória não é o de indemnizar os danos sofridos pelo credor com a mora, mas o de forçar o devedor a cumprir, vencendo a resistência da sua oposição ou do seu desleixo, indiferença ou negligência.

E assim sendo, afigura-se-nos não fazer sentido que a sanção pecuniária compulsória seja passível de execução antes de a respectiva sentença estar definitivamente fixada pelo trânsito em julgado.

Daí que no douto acórdão da Relação de Lisboa de 11/12/2002 tenha sido decidido que a sanção pecuniária compulsória não poderá executar-se antes de o seu cumprimento se haver por definitivamente devido, e sem que a exequibilidade da decisão judicial for definitivamente adquirida. Sendo a sanção pecuniária compulsória acessória da condenação principal, compreende-se que antes do trânsito em julgado desta, aquela não produza efeitos.

Em face de todo o exposto, terá de concluir-se que as exequentes, na data em que instauraram a presente acção executiva, não dispunham de título executivo que as legitimasse a demandar as referidas executadas na presente acção executiva com vista ao pagamento da quantia fixada a título de sanção pecuniária compulsória, pelo que se impõe o indeferimento do requerimento executivo.

Nessa conformidade, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 45º, nº 1 e 812º-E, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil, decide-se indeferir o requerimento executivo”.

Tendo os exequentes apelado dessa decisão, a Relação do Porto, por acórdão proferido em 25.11.2014, deu provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido.

Para tal a Relação defendeu que, tendo a sentença exequenda sido alvo de recurso com efeito meramente devolutivo, poderia, atento o disposto no art.º 47.º n.º 1 do CPC de 1961 (em vigor à data em que foi instaurada a execução e em que foi proferida a decisão recorrida) “ser executada em toda a sua amplitude, logo que foi proferida; ou seja, as exequentes poderiam exigir às executadas não só a prestação dos factos (negativos) em que as mesmas foram condenadas, como igualmente o pagamento da sanção pecuniária que lhes foi imposta. O recurso interposto, só por si, com o efeito assinalado, não o impedia.”

E, passando a averiguar se a natureza da referida sanção ou o modo como foi estipulada impediam a instauração da execução, a Relação, após transcrever o teor do art.º 829.º-A do Código Civil, exarou o seguinte:

“A primeira nota que ressalta deste preceito, é a natureza específica da sanção nele prevista: traduz-se ela, com efeito, numa verdadeira ameaça para o devedor duma sanção pecuniária se o mesmo não obedecer à condenação principal, jurisdicionalmente estabelecida.

Através daquela sanção induz-se, por um lado, o devedor a cumprir a referida condenação (carácter coercitivo ou compulsório) e, por outro, sanciona-se o eventual incumprimento da mesma, reforçando, assim, a eficácia e o prestígio das decisões jurisdicionais (cfr., neste sentido, João Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 4.ª edição, Almedina, pág. 393 a 396). Como é usual dizer-se, o seu fim não é o de indemnizar o credor pelos danos sofridos com a mora, mas o de forçar o devedor a cumprir, vencendo a sua resistência, desleixo ou indiferença (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 3.ª ed. revista, Coimbra Editora, pág. 107). Constitui, no fundo, “um meio intimidativo, de pressão sobre o devedor, em ordem a provocar o cumprimento da obrigação, assegurando-se, ao mesmo tempo, o respeito e o acatamento das decisões judiciais e reforçando-se, assim, o prestígio da justiça” (Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, 1990, pág. 115).

Se bem repararmos, no entanto, a lei consagra dois tipos de sanções:

“Quando se trate de obrigações ou de simples pagamentos a efectuar em dinheiro corrente, a sanção compulsória (...) poderá funcionar automaticamente”. Ou seja, “[o]legislador, em vez de confiar à soberania do tribunal (…), a ordenação da sanção pecuniária, disciplina-a ele próprio, fixando o seu montante, ponto de partida (trânsito em julgado da sentença de condenação) e funcionamento automático. Por isso, porque prevista e disciplinada por lei, poderá qualificar-se como sanção pecuniária compulsória legal, enquanto aquela que é ordenada e fixada pelo juiz poderá chamar-se de sanção pecuniária compulsória judicial”. (João Calvão da Silva, ob. cit., pág. 456).

Ora, este modo de ver, logo nos alerta para a necessidade de fazer reflectir a referida diferença no respectivo regime. Designadamente, para a temática que estamos aqui a tratar, desde quando é a sanção pecuniária compulsória exigível. Assim, no caso da sanção legal (n.º 4 do artigo 829.º-A), essa sanção é devida a partir do trânsito em julgado da sentença que definiu a prestação principal; e, no caso da sanção compulsória judicial (n.º 1 do artigo 829.º-A), ou a partir do momento em que o vencimento dessa sanção foi expressamente estabelecido ou, não tendo sido fixado esse momento, a partir da data em que o cumprimento coercivo da mesma se tornou juridicamente exigível, que, por regra, coincide com a data em que o devedor dela tomou conhecimento.

No caso em apreço, pois, tratando-se, como se trata, de uma sanção pecuniária tendente a forçar o cumprimento de prestações de factos negativos, sem ter sido indicada qualquer data para o cumprimento de qualquer uma das prestações, esse cumprimento é devido a partir do momento em que as executadas tomaram conhecimento da sentença exequenda.”

Nesta linha, mais se aduziu:

“Ora, no caso presente, ao executar a sanção pecuniária compulsória, as exequentes estão a exercer o direito e a concretizar o fim para o qual a mesma foi prevista e decretada: compelir as executadas a realizar as prestações de facto que na sentença exequenda lhes foram impostas. Se as executadas têm algum fundamento para se opor a essa execução, nada na lei, em tese, lho veda, desde que o mesmo se circunscreva aos motivos normativamente definidos para esse efeito e seja oportuna essa defesa.

Daí que não se verifiquem os obstáculos levantados pela decisão recorrida à execução da sentença exequenda.

Em suma, o recurso das Apelantes é de julgar procedente e revogada aquela decisão”.

Este acórdão transitou em julgado.

Mas tal ocorreu na medida em que a revista, que dele foi interposta, foi rejeitada pelo STJ, por acórdão datado de 17.11.2015, no qual se entendeu, nomeadamente, que a revista não era admissível porque o acórdão recorrido não se enquadrava em nenhuma das hipóteses de recorribilidade previstas no art.º 671.º n.º 1 do CPC, isto é, não continha pronúncia sobre o mérito da causa, nem punha termo ao processo. Mais se chamando a atenção, no acórdão, para a circunstância de que “Com o prosseguimento da execução a recorrente tem meios processuais aptos a defender-se, nomeadamente através da oposição à execução, pelo que os seus direitos não quedarão desabrigados.”

Versando a questão do alcance do dito acórdão da Relação, isto é, se a interpretação feita pela Relação, nesse acórdão, do regime legal quanto ao termo inicial da sanção pecuniária compulsória, era vinculativa, não podendo ser objeto de apreciação nos embargos de executado, por formar caso julgado, o Professor José Lebre de Freitas, no douto Parecer junto aos autos (que se encontra publicado na Revista da Ordem dos Advogados, ano 81, n.º 1-2, Jan-Junho 2021), exarou o seguinte:

“4.2. Quer o CPC de 1939 (art. 481.º, § 2.º), quer o CPC de 1961 até à revisão de 1995-1996 (art. 475.º-2), continham uma disposição expressa segundo a qual a decisão proferida em recurso sobre questões processuais conhecidas liminarmente fazia caso julgado (formal), mas não a que se baseasse em questão de mérito, porque carecida de apreciação mais cuidada após o subsequente contraditório na ação.

Este regime tinha por base a ideia de que o momento do despacho liminar, posterior à petição inicial e anterior à citação do réu, não era indicado para decisões de mérito. Embora, no caso de manifesta inviabilidade da ação, ao juiz coubesse impedir o seu inútil prosseguimento, tal não impedia, nem a apresentação de outra petição no prazo de três (art. 481.º, § 3.º, do CPC de 1939) ou cinco dias (art. 476.º-1 do CPC de 1961), nem a propositura de segunda ação com o mesmo objeto. Havendo recurso, o réu era para ele citado, o que assegurava o contraditório na instância de recurso, mas não conferia força de caso julgado (material) ao acórdão da Relação que mantivesse o indeferimento, nem ao que, revogando a decisão, ordenasse o prosseguimento da causa: o despacho de notificação do réu para contestar, seguidamente proferido em substituição do despacho de indeferimento, não tinha sequer o alcance de arrumar as questões que podiam ser motivo de indeferimento liminar (art. 479.º-3 do CPC de 1961, equivalente ao anterior art. 483.º, § 2.º, do CPC de 1939).

4.3. A norma do art. 475.º-2 do CPC de 1961 deixou de ser explicitada na revisão do Código de 1995-1996, porquanto o despacho liminar deixou de ter lugar, em regra, na ação declarativa. Mas as razões que a fundamentam mantêm-se na ação executiva: o despacho liminar tem lugar sem prévia audição do executado e, mesmo quando é ouvido em recurso, este não pode alegar de facto, mas apenas de direito, com base nos factos alegados pelo exequente; por outro lado, à Relação só cabe decidir se a ação deve ou não prosseguir, para o que basta um juízo de viabilidade, que afaste a ideia de que a ação é inadmissível ou manifestamente improcedente.

Na ação executiva, os fundamentos de indeferimento são hoje os do art. 726.º-2 CPC, que, salvo o da alínea d), transitaram para o novo código do art. 812.º-E-1 do CPC de 1961 (art. 812.º-2 até ao DL 226/2008, de 20 de novembro). Indeferido o requerimento executivo com algum desses fundamentos, o recurso que da decisão seja interposto tem por finalidade exclusiva verificar se, com esse ou outro fundamento, o indeferimento se justifica, isto é, sendo a decisão recorrida judicial, se há manifesta falta ou insuficiência do título executivo, se ocorre alguma exceção dilatória, não suprível, de conhecimento oficioso ou se é manifesto, perante a petição inicial e o título executivo, não terem ocorrido os factos constitutivos, ou terem ocorrido factos impeditivos ou extintivos, da obrigação exequenda.

Julgado em recurso que o fundamento da alínea a) ou o da alínea c) não se verificava, fica assente que não era manifesta a falta ou ineficácia do título, a inocorrência dos factos constitutivos ou a ocorrência de factos modificativos ou extintivos, pelo que a Relação ordena o prosseguimento do processo. Nos subsequentes embargos, o executado pode suscitar livremente as mesmas questões que, se não tivesse havido despacho liminar, logo poderia suscitar em embargos, tudo se passando como se o tribunal, liminarmente, tivesse logo ordenado a citação do executado. Mais uma vez, jogam aqui plenamente as consequências da substituição da decisão recorrida pela decisão proferida pelo tribunal de recurso. Nomeadamente, quanto à ocorrência/inocorrência de factos constitutivos, impeditivos ou extintivos, sobre eles se fará nos embargos a prova que for necessária, devendo o juiz apurar, com toda a amplitude, se ela se verifica, independentemente de ser manifesta.

4.4. Pode a Relação, na fundamentação do acórdão que decide o recurso, revogando o despacho de indeferimento liminar, ir além do juízo de viabilidade da ação e fazer considerações de mérito que constituiriam fundamento de procedência; mas, se o fizer, está extravasando o objeto do recurso, que é apenas o de saber se a ação é, efetivamente, manifestamente improcedente, nos termos do art. 590.º-1 CPC (na ação declarativa) ou do art. 726.º-2 CPC (na ação executiva), ou é viável e deve, por isso, prosseguir. Nomeadamente, extravasa o objeto do recurso do despacho de indeferimento liminar proferido na ação executiva a afirmação, feita pela Relação para fundamentar o juízo de que não era manifesta a ocorrência/inocorrência de determinado facto principal (“essencial”, no dizer atual do CPC) e a subsequente decisão de prosseguimento dos autos, de que, consoante os casos, esse facto se verificou ou não verificou.

Considerações desta ordem constituirão meros obiter dicta, que não fazem caso julgado, delas se aproveitando apenas aquilo que pode constituir um juízo de viabilidade. Note-se, aliás, que as questões assim aparentemente resolvidas nem sequer são prejudiciais do conhecimento do objeto do recurso, pelo que não se põe, relativamente a elas, a questão de saber se a decisão da questão prejudicial (questão cujo conhecimento é necessário para o conhecimento do objeto da ação — ou do recurso) é abrangida pelo caso julgado: nomeadamente, só é questão prejudicial da decisão a dar no recurso interposto do despacho liminar que se funde na manifesta inocorrência do termo inicial da sanção pecuniária compulsória a de saber se há a certeza de que esse termo não ocorreu; havendo incerteza (factual ou jurídica) sobre tal ocorrência, a apelação procede e a ação executiva deve prosseguir, ficando incólume para os embargos de executado a questão de determinar o se e o quando desse termo inicial.”

Subscrevemos esta visão do problema que ora nos ocupa.

Efetivamente, o despacho recorrido pôs termo ao processo de execução logo na sua fase inicial, ao abrigo do disposto no art.º 812.º-E, n.º 1, alínea a) do CPC de 1961 (correspondente ao art.º 726.º n.º 2, alínea a), do atual CPC), isto é, por se ter considerado que era manifesta a falta ou insuficiência do título executivo.

Ora, foi sobre este juízo preliminar que a Relação foi chamada a pronunciar-se, a fim de o confirmar (e assim pôr termo, definitivamente, à execução), ou o revogar. Nesta última alternativa, prevalece a opção da prossecução da execução, o que determina a realização da tramitação subsequente, nomeadamente a concessão ao executado da utilização dos meios de oposição legalmente previstos, entre os quais se inclui o acionamento do procedimento declarativo em que se traduz a oposição à execução. E, nesta, pode o executado deduzir os meios de defesa previstos, no CPC anterior, no art.º 814.º, e, atualmente, no art.º 729.º, entre os quais se inclui a invocação da inexequibilidade e/ou da inexigibilidade da obrigação exequenda.

Assim o entenderam as instâncias, uma vez que ambas aceitaram apreciar, nos embargos de executado subsequentemente instaurados pelas executadas, as questões da inexequibilidade e/ou inexigibilidade da obrigação de pagamento da sanção pecuniária compulsória cominada na sentença dada à execução, sem disso se absterem a pretexto da existência do mencionado acórdão da Relação do Porto, pese embora os exequentes tenham brandido esse obstáculo, tanto na contestação aos embargos como na contra-alegação da subsequente apelação.

E foi nesse pressuposto que a Formação cometeu a este coletivo a tarefa da apreciação da questão do termo inicial da sanção pecuniária compulsória judicial.

Conclui-se, pois, que o acórdão proferido pela Relação do Porto em 25.11.2014, no qual se revogou o despacho que rejeitou liminarmente o requerimento executivo, não faz caso julgado (artigos 619.º, 620.º, 580.º e 581.º do CPC) nas questões ora objeto desta revista excecional.

Avancemos.

2. O factualismo relevante a levar em consideração está exposto no Relatório supra.

3. O Direito

O Decreto-Lei n.º 262/83, de 16.6, aditou ao Código Civil o art.º 829.º-A, o qual, sob a epígrafe “Sanção pecuniária compulsória” dispõe o seguinte:

1. Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.

2. A sanção pecuniária compulsória prevista no número anterior será fixada segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar.

3. O montante da sanção pecuniária compulsória destina-se, em parte iguais, ao credor e ao Estado.

4. Quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar.

A ratio legis subjacente a este artigo está claramente explicitada no preâmbulo do diploma que o aprovou:

Autêntica inovação, entre nós, constituem as sanções compulsórias reguladas no artigo 829.º-A. Inspira-se a do n.º 1 desse preceito no modelo francês das astreintes, sem todavia menosprezar alguns contributos de outras ordens jurídicas; ficando-se pela coerção patrimonial, evitou-se contudo atribuir-se-lhe um carácter de coerção pessoal (prisão) que poderia ser discutível face às garantias constitucionais.

A sanção pecuniária compulsória visa, em suma, uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis.

Quando se trate de obrigações ou de simples pagamentos a efectuar em dinheiro corrente, a sanção compulsória - no pressuposto de que possa versar sobre quantia certa e determinada e, também, a partir de uma data exacta (a do trânsito em julgado) - poderá funcionar automaticamente. Adopta-se, pois, um modelo diverso para esses casos, muito similar à presunção adoptada já pelo legislador em matéria de juros, inclusive moratórios, das obrigações pecuniárias, com vantagens de segurança e certeza para o comércio jurídico”.

A sanção pecuniária compulsória prevista no n.º 1 do art.º 829.º-A visa colmatar uma lacuna que se sentia no ordenamento jurídico português: a ausência de um instrumento que, no caso das obrigações de prestação de facto infungível (positivo ou negativo), compelisse o devedor recalcitrante ao cumprimento da obrigação, assim se concretizando a prioritária forma de realização do interesse do credor, em detrimento da relegação para a subsidiária e residual reparação do dano decorrente do incumprimento e/ou para a execução por equivalente (vide João Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, reimpressão da 4.ª edição de abril de 2002, Almedina, páginas 140 a 143, 355 e 356, 367 a 370). Lacuna essa que, além do interesse particular do credor, deixava a descoberto o interesse da comunidade na realização do direito (João Calvão da Silva, ob. cit., páginas 353 a 355, nota 635).

Afastadas soluções de constrangimento direto e físico sobre a pessoa do devedor, por serem incompatíveis com os valores fundamentais dos ordenamentos jurídicos modernos, assentes no respeito pela dignidade da pessoa humana, são concebíveis meios indiretos de constrangimento da vontade do devedor, que pelas desvantagens que o seu desrespeito lhe acarreta, levem o devedor a optar pelo cumprimento voluntário da sua obrigação.

Em França, a jurisprudência (com expressa consagração legal em 1972) criou, ainda no século XIX, a figura da astreinte. Esta consiste na associação, pelo julgador, à condenação principal do devedor ao cumprimento da respetiva obrigação – máxime a prestação de facto positivo ou negativo – de uma penalidade ou sanção pecuniária correspondente à duração do atraso no cumprimento ou por cada violação praticada pelo devedor (vide João Calvão da Silva, ob. cit., páginas 375 a 378; também, v.g., António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, IX, Direito das Obrigações, 3.ª edição, Almedina, 2017, páginas 520 a 523).

Na Alemanha, o Código de Processo Civil (§§ 888 e 889) determina que, no caso de obrigações de facto infungíveis, o julgador, a pedido do credor, deve declarar que o devedor é obrigado ao cumprimento da obrigação sob a ameaça de pagamento de uma soma em dinheiro e, se esta não puder ser cobrada, a prisão coercitiva (cfr. João Calvão da Silva, ob. cit., páginas 380 a 382; também, v.g., António Menezes Cordeiro, ob. cit., páginas 523 e 524).

No direito inglês, esta técnica de coerção encontra expressão na figura do contempt of Court, isto é, reação judicial ao comportamento desrespeitador da autoridade do tribunal, que abarca o incumprimento das suas decisões. A ele pode recorrer o credor para que o juiz, que proferiu a sentença voluntariamente não cumprida, declare o devedor autor de contempt of Court e o condene a prisão e/ou ao pagamento de uma sanção pecuniária ou multa (João Calvão da Silva, ob. cit., páginas 382 a 384).

Entre nós, a sanção pecuniária compulsória exerce, pois, essa função de meio indireto de constrangimento, decretado pelo juiz, destinado a induzir o devedor a cumprir a obrigação a que se encontra adstrito e a obedecer à injunção judicial (João Calvão da Silva, ob. cit., pág. 394).

A sanção pecuniária compulsória é uma medida coercitiva ou compulsória, na medida em que pressiona a vontade do devedor, forçando-o, pela ameaça que o inadimplemento representa para o seu património, a cumprir a obrigação principal em que foi condenado.

É uma medida coercitiva patrimonial, porque incide apenas sobre o património do devedor, não sobre a sua pessoa.

A sanção pecuniária só atuará se e enquanto a ameaça não produzir o efeito pretendido, isto é, no caso de incumprimento da obrigação principal. Assim, a sanção será a “realização prática da desvantagem ameaçada, suspensa do comportamento a tomar pelo devedor” (João Calvão da Silva, ob.cit., pág. 395).

Serve isto para realçar que o elemento sanção é condicional, apenas ocorrendo se a coerção for ineficaz, isto é, se não demover o devedor do incumprimento. Nas palavras de João Calvão da Silva, “o efeito «sanção» não é o escopo da sanção pecuniária compulsória, mas é a condição da sua eficácia” (obra citada, pág. 396).

Assim, a sanção pecuniária compulsória afasta-se da natureza da sanção penal ou contraordenacional: a sanção pecuniária compulsória visa o futuro, a conduta ulterior do devedor, após a condenação no cumprimento da obrigação. Não tem por escopo punir um comportamento passado, violador de uma regra repressiva abstrata.

Por outro lado, a sanção pecuniária compulsória não tem natureza indemnizatória, isto é, não visa ressarcir os danos eventualmente emergentes do incumprimento da obrigação. Por isso o n.º 2 do art.º 829.º-A do Código Civil estipula que a sanção pecuniária compulsória será fixada “sem prejuízo da indemnização a que houver lugar”.

A sanção pecuniária compulsória faz nascer uma nova obrigação, acessória da obrigação principal e devida se o devedor não cumprir esta. Se o devedor não cumprir a obrigação principal, o credor terá o direito de exigir a execução por equivalente da obrigação principal não cumprida mais a execução da dívida acessória que é a sanção pecuniária compulsória (João Calvão da Silva, ob. cit., pág. 417).

Conforme, aliás, expressamente se fez constar no preâmbulo do diploma legal que o consagrou no Código Civil, este instituto visa, além da garantia do crédito do credor, preservar a autoridade dos tribunais e o prestígio da justiça, fazendo dele “uma arma contra a impotência fáctica e contra o declínio do direito” (João Calvão da Silva, ob. cit., pág. 395). Tal função dupla expressa-se, até, no destino do montante da sanção pecuniária compulsória: metade para o credor e metade para o Estado (n.º 3 do art.º 829.º-A).

Na fixação da sanção pecuniária compulsória em concreto, a lei não estabelece limites máximos ou mínimos, deixando ao juiz plena liberdade, “segundo critérios de razoabilidade” (n.º 2 do art.º 829.º-A).

Caberá ao juiz fixar um montante que, atendendo às circunstâncias do caso concreto, seja suficientemente penoso para demover o devedor da opção do incumprimento da obrigação principal.

A sanção cominada será fixada numa quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infração, “conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso” (n.º 1 do art.º 829.º-A).

Em princípio, a modalidade de fixação por unidade de tempo de atraso no cumprimento da obrigação principal será, normalmente, utilizada nas prestações de facto positivo.

A anexação do montante da sanção pecuniária ao número de infrações à obrigação principal cometidas adequar-se-á mais às prestações de facto negativo (neste sentido, João Calvão da Silva, ob. cit., pág. 416).

Quanto ao termo inicial da sanção pecuniária compulsória, isto é, o momento a partir do qual ela produz os seus efeitos, a lei deixa a sua fixação à soberania do tribunal.

Dúvidas não haverá que esse momento não poderá ser anterior à própria decisão que a ordena. Visando a sanção pecuniária compulsória compelir a um comportamento futuro (cumprimento de uma obrigação, fixada numa decisão judicial), “seria ilógico o efeito retroactivo a uma data anterior à decisão que a decreta” (João Calvão da Silva, ob. cit., pág. 422).

Também não é curial que o tribunal fixe o termo inicial da sanção pecuniária compulsória no próprio dia da data da decisão condenatória, independentemente da sua notificação ao devedor. Com efeito, sem o conhecimento da decisão por parte do devedor, não se produz o efeito coercivo da sanção pecuniária compulsória (João Calvão da Silva, ob. cit., páginas 422 e 423).

Restam, então, como hipóteses de termo - mínimo – inicial da sanção pecuniária compulsória, a data da notificação da decisão condenatória ou a do trânsito em julgado da sentença da condenação principal – sem prejuízo da fixação, pelo juiz, de data ulterior a esta.

A doutrina é unânime no sentido de que o termo inicial da sanção pecuniária compulsória judicial (isto é, a prevista no n.º 1 do art.º 829.º-A do Código Civil, distinta da sanção pecuniária compulsória prevista no n.º 4 do mesmo artigo, que tem por objeto a coerção no cumprimento de obrigações pecuniárias e é exigível por força da lei, não carecendo de prévia decisão judicial, sendo certo que para aquela a lei estipula não só a forma de determinação do seu valor – juros à taxa de 5% ao ano - como a data do termo inicial – trânsito em julgado da sentença de condenação) não deverá ser anterior ao momento do trânsito em julgado da decisão de condenação na obrigação principal.

Considera-se que sendo a sanção pecuniária compulsória um meio de coerção ao cumprimento e ao respeito da condenação judicial, “não deve correr antes do momento em que o cumprimento se tenha por definitivamente devido e a exequibilidade da decisão judicial por adquirida” (João Calvão da Silva, ob. cit., pág. 423). Com efeito, sendo a sanção pecuniária compulsória acessória da obrigação principal, cujo respeito e cumprimento visa assegurar, não faria sentido que aquela fosse exigível quando a condenação principal fosse ainda discutível e pudesse ser posta em causa, “não estando o fundo do litígio ainda definitivamente julgado” (João Calvão da Silva, ob. cit., pág. 424). Tal é mais conforme ao respeito pelo direito à interposição de recurso, do devedor condenado. O eventual abuso do direito ao recurso, exercido para fins meramente dilatórios, poderá ser combatido pela aplicação dos mecanismos de repressão da litigância de má-fé (João Calvão da Silva, ob. cit., pág. 425, nota 771). A liberdade do julgador manifestar-se-á na fixação do termo a quo da sanção pecuniária compulsória em data posterior ao trânsito em julgado da condenação principal (João Calvão da Silva, ob. cit., pág. 426).

Neste sentido, além de João Calvão da Silva, se manifestou António Menezes Cordeiro:

O preceito [art.º 829.º-A n.º 1 do CC] não especifica o que entender por “…atraso no cumprimento…”. Resulta da origem do preceito e da sua teleologia que se visa reforçar a autoridade do Tribunal, compelindo o devedor ao cumprimento de algo que já está judicialmente fixado. Por isso, quer a doutrina, quer a jurisprudência, como abaixo melhor será referenciado, entendem que o “atraso…” se conta após o trânsito em julgado da sentença que determine o cumprimento.” (“Embargos de terceiro, reintegração de trabalhador e sanções pecuniárias compulsórias”, ROA, ano 58, n.º 3, dezembro de 1998, pág. 1228). E também:

Obtida uma condenação em sanção pecuniária compulsória, esta tornar-se-á activa após o trânsito em julgado da decisão que haja condenado na dívida exequenda. E isso no sentido duplo: exige-se o trânsito em julgado como factor existencial do atraso e, depois, como marco a partir do qual se procede à contagem, para graduar a sanção.” (estudo citado, pág. 1231).

José Lebre de Freitas, no douto Parecer junto aos autos (publicado, como já se referiu, em ROA, ano 81, n.º 1-2, Jan-Jun 2021), envereda pela mesma visão das coisas:

“Bons argumentos militam, porém, no sentido de se considerar como termo inicial normal da sanção pecuniária compulsória o momento do trânsito em julgado da decisão de condenação no cumprimento da obrigação pecuniária. Enquanto não se mostrem excluídas as vias de impugnação das decisões judiciais, a conformação que estas façam dos direitos materiais das partes não é definitiva e só o caso julgado faz precludir toda a indagação sobre a relação até aí controvertida. A definição desta pela decisão judicial opera no plano do direito substantivo e constitui o principal efeito do caso julgado, do qual os efeitos processuais (exceção e prejudicialidade, baseadas em proibições de repetição e de contradição) são mera derivação. Compreende-se que, não tendo natureza ressarcitória e visando compelir ao cumprimento duma decisão judicial, a sanção pecuniária compulsória só jogue quando ela não possa mais ser alterada, sendo definitivamente injustificado o seu não acatamento.

A sentença que seja objeto de apelação com efeito meramente devolutivo é tida pela ordem jurídica como título suficiente da obrigação para efeitos de execução, mas não garante a indiscutibilidade desta. Com as devidas garantias do devedor (entre as quais a faculdade que tem de embargar de executado e a inadmissibilidade do pagamento aos credores sem prestação de caução), a execução da obrigação principal, bem como dos seus acessórios (em sentido próprio: cf. n.º 1.3 in fine) e sucedâneos, pode ter lugar na pendência do recurso; mas compreende-se que a sanção pecuniária compulsória só jogue quando esteja definitivamente assente a existência e o conteúdo da obrigação a cujo cumprimento voluntário visa compelir, por não estarem já em causa os direitos e as obrigações primárias das partes, mas a sua realização.

Acresce que a opção pelo trânsito em julgado da decisão como termo inicial da sanção pecuniária compulsória tem também por si evitar a restituição do indevido quando a decisão provisoriamente executada venha a ser revogada em instância de recurso.

2.4. Estes argumentos explicam que a sanção pecuniária legal só opere com o trânsito em julgado da decisão que condene na realização da prestação principal.

Foi esta a opção do legislador português no art. 829.º-A-4 CC no campo das obrigações pecuniárias: por muito que estas sejam, antes disso, exequíveis, tal é indiferente para o regime da sanção pecuniária compulsória.

No campo das obrigações de prestação de facto infungível, o juiz é livre de fixar o termo inicial da sanção. Mesmo assim, com limites: não é, nomeadamente, admissível que esse termo seja o dia da sentença ou o da notificação desta ao devedor. Quando o juiz não o determine, a harmonia do sistema leva a que se tenha como início da sanção o trânsito em julgado da decisão.

Com efeito, não vislumbro razão que justifique a aplicação, no domínio das obrigações de prestação de facto infungível, dum critério supletivo diferente do critério obrigatório definido para as obrigações pecuniárias. Bem pelo contrário, as regras da interpretação levam a atender ao lugar paralelo do n.º 4 para se concluir que a diferente redação do n.º 1, conjugado com o n.º 2, todos do art. 828.º-A CC, visa apenas estabelecer uma norma que atribui ao juiz o poder de fixar o momento inicial da sanção do modo mais conveniente às circunstâncias do caso, segundo critérios de razoabilidade, permanecendo, porém, a título supletivo, o critério definido no n.º 4.

Há, pois, que interpretar o texto desse n.º 1 como contendo uma norma supletiva que, no silêncio do juiz, determina que o trânsito em julgado da decisão constitui o termo inicial da sanção pecuniária compulsória. Esse é, segundo a opção legal, expressa no n.º 4, o momento em que a inobservância da decisão judicial adquire carácter de desrespeito pelos tribunais, visto que até então a decisão tomada, porventura exequível, pode ser tida por um tribunal superior como errada” (páginas 195 a 197 do citado número da ROA).

O Professor António Pinto Monteiro, no douto Parecer junto aos autos, navega nas mesmas águas:

“…consistindo a sanção pecuniária compulsória numa cominação feita para evitar a inobservância do dever de comportamento – dever este que constitui obrigação principal, de que a sanção é acessória -, então só a partir do trânsito em julgado da decisão que a ordena se pode falar daquele estado de desrespeito à autoridade devida ao tribunal, justificativo da respectiva aplicação.

Encontramos aqui uma essencial diferença entre a condenação ao cumprimento do dever principal de prestação e o dever de prestar resultante da condenação ao pagamento da sanção pecuniária compulsória, no caso de incumprimento do primeiro. Distingue-os o momento a partir do qual a prestação se tem por devida, assim como a diferente relação que travam com o momento da exequibilidade da sentença.

Tratando-se do dever principal de prestação, os seus pressupostos de aplicação resultam apenas do Direito material e, por isso, a exequibilidade judicial não afecta, intrinsecamente, o conteúdo do crédito. Uma vez obtida essa exequibilidade, o direito pode ser coercivamente executado desde o momento em que se tenha constituído, dado que o seu conteúdo depende apenas da verificação dos respectivos factos constitutivos, previstos em norma legal.

A título de exemplo, se o credor obtém ganho de causa na condenação do devedor a realizar o cumprimento de prestação pecuniária já vencida ao tempo da prolação da sentença – como é regra, atendendo à restrição de casos em que se admite uma condenação in futurum -, no momento em que a sentença exequenda venha a obter exequibilidade poder-se-ão exigir os juros moratórios vencidos desde a data do vencimento da obrigação, anterior ao do momento em que se atribuiu exequibilidade à sentença. Assim acontece por os seus pressupostos estarem legalmente previstos (artigo 805.º do Código Civil), sendo exigível ao devedor a realização da prestação debitória desde que verificado o prazo para o cumprimento.

Ou seja: no que respeita ao dever de comportamento, a exequibilidade condiciona apenas a possibilidade de exigir judicialmente o seu cumprimento, mas não o respectivo conteúdo material.

Não assim na sanção pecuniária compulsória judicial. Nos termos do próprio regime legal, ela só é devida se e na medida em que o tribunal condene o devedor ao respectivo cumprimento. Por essa razão, ainda que seja acessória de um dever de prestação anterior, só poderá ser devida a partir do momento em que a decisão que a estabelece seja eficaz ante o devedor – isto é, como adiante veremos, no momento natural do respectivo trânsito em julgado -, pois só a partir de então lhe foi cominada a sanção para a eventualidade de não cumprimento. E, por consequência, ao invés do que vimos para o dever principal de prestação, a obtenção de exequibilidade não permite a aplicação da sanção pecuniária compulsória para períodos temporalmente anteriores, uma vez que, por relação a eles, sempre faltaria a verificação de um dos pressupostos da sanção pecuniária compulsória judicial: justamente, a eficácia de fixação judicial.

Isto é: no que respeita à sanção pecuniária compulsória, a exequibilidade condiciona, não só a possibilidade de poder exigir judicialmente o seu cumprimento, mas também o seu próprio conteúdo material, dependente do momento em que se entenda eficaz a decisão que a decrete, e por isso apenas produzindo efeitos ex nunc. Entendimento diverso conduzir-nos-ia a uma inaceitável aplicação retroactiva de uma cominação, judicialmente fixada, a factos anteriores ao seu início de vigência.

Assim, para efeitos de determinação do momento a quo de aplicação da sanção pecuniária compulsória, não basta genericamente relegar para a liberdade de conformação do julgador acerca da sua fixação. É preciso apurar, em momento anterior, quais as balizas gerais prescritas por lei para a eficácia da sentença que concretamente determina a fixação de uma sanção dessa natureza.

Ora, o momento natural para a primeira aplicação da sanção pecuniária compulsória não há-de ser outro que não o do trânsito em julgado da sentença que a decrete, visto que é esse o momento a partir do qual a decisão se tem por imodificável e, assim, definitivamente estabilizada para o Direito. Logo que a sentença não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação, a decisão fica a ter força obrigatória dentro e fora do processo e fora dele, nos termos dos artigos 619.º, n.º 1, e 628.º do Código de Processo Civil. A partir desse momento, em que a relação jurídica material se considera estabilizada para o Direito, tem-se por eficaz a cominação que o tribunal faça ao Réu de ter de suportar uma dada quantia pecuniária por cada infracção, ou por cada dia de atraso no cumprimento, do dever de prestar principal a que haja sido condenado.”

Também o Professor Pedro Albuquerque entende que “Toda a lógica do instituto [da sanção pecuniária compulsória] pressupõe uma decisão transitada em julgado” (“O direito ao cumprimento da prestação de facto, o dever de a cumprir e o princípio nemo ad factum cogi potest. Providência cautelar, sanção pecuniária compulsória e caução”, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Ruy de Albuquerque, RIDB, ano 2 (2013), n.º 9, pág. 9023, nota 141).

Vânia Filipe de Magalhães, no artigo “O papel do juiz no cumprimento das obrigações: a sanção pecuniária compulsória” (in Julgar Online, dezembro de 2022), defende que “A liberdade do juiz não é absoluta, desde logo, porque está vinculado aos comandos legais e aos princípios gerais de direito, pelo que o termo inicial da sanção deverá atender à respectiva natureza e ao carácter umbilical da mesma face à obrigação principal da qual emerge.

Sendo a sanção pecuniária compulsória uma forma de constrangimento do devedor para cumprir a obrigação principal e um reforço da autoridade e soberania das decisões judiciais, o momento inicial para a exigibilidade da sanção deve ser o trânsito em julgado da sentença condenatória porquanto só nesse momento é que a sanção é indiscutível e se impõe definitivamente ao devedor nos termos dos artigos 619.º, n.º 1, e 621.º do Código de Processo Civil” (pág. 20).

António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa também consideram que “[o] termo inicial da sanção pecuniária compulsória ocorre a partir do trânsito em julgado da sentença que fixa a obrigação” (Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Almedina, 2.ª edição, 2022, pág. 313).

Os tribunais também têm propendido para a consideração do trânsito em julgado da condenação na obrigação principal como o termo inicial natural da sanção pecuniária compulsória.

Como perfeito exemplo desta orientação, transcrevemos os trechos relevantes do acórdão do STJ, proferido em 25.6.2002, publicado na Colectânea de Jurisprudência, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano X, tomo II – 2002, pág. 278:

Na verdade, se o que com a sanção pecuniária compulsória se pretende é contrariar uma tentação de rebeldia do devedor contra uma decisão que o condenou a prestar um facto infungível ou a abster-se de certa conduta, então resulta óbvio que essa sanção não pode produzir efeitos antes de o devedor tomar conhecimento de que lhe foi judicialmente imposta uma condenação nestes termos, com a cominação duma sanção pecuniária para cada dia de atraso no cumprimento ou para cada nova infracção.

(…)

E o mesmo argumento (…) aponta, a nosso ver, para que nem sequer à data da notificação da sentença da 1.ª instância ao devedor se deva reportar o termo inicial do funcionamento da referida medida sancionatória. Tal poderia, numa certa perspectiva, considerar-se o momento azado para o efeito, caso da sentença condenatória não houvesse recurso para tribunal superior. Ou, havendo, o mesmo não fosse interposto. Mas, mesmo nestes casos, haveria que se respeitar o prazo do recurso ou de reclamação, para, só após o seu decurso, poder efectivar-se a sanção aplicada. Havendo possibilidade de recurso, a interposição dele traduz o exercício de um direito que não pode ser coarctado ao devedor condenado, pelo que nada justifica que a sanção pecuniária aplicada comece a poder ser cobrada imediatamente (ainda que condicionada à confirmação da condenação), com a notificação da sentença ao mesmo devedor. Uma vez mais, se com a fixação da sanção pecuniária compulsória se pretende evitar a tentação por parte do devedor, de não acatamento espontâneo da decisão judicial, pressionando-o a cumprir no mais curto espaço de tempo, então, afigura-se-nos que só com o tornar-se a condenação definitiva se poderá afirmar a existência daquela postura de rebeldia do devedor. Antes disso, não se poderá falar em qualquer desrespeito à injunção judicial por parte do devedor, uma vez que estaremos apenas perante um exercício de um direito deste consubstanciado na interposição de recursos até onde eles forem legalmente admissíveis.

Poderá argumentar-se que esta posição contraria as finalidades da sanção pecuniária compulsória, na medida em que permite o protelamento da execução da decisão condenatória, através de interposição de sucessivos recursos meramente dilatórios.

Não nos parece que assim seja, uma vez que para situações como essas a lei já contém mecanismo próprio de reacção, como é o que sanciona a litigância de má fé – art.º 45.º do Cód. Proc. Civ.

É certo que o n.º 1 do art. 47.º do Cód. Proc. Civ. só confere a qualidade de título executivo à sentença que tenha transitado em julgado, “salvo se o recurso contra ela interposto tiver efeito meramente devolutivo”.

Ao recurso da sentença interposta do tribunal da 1.ª instância que, primeiro impôs à ora Recorrente a sanção pecuniária compulsória, foi atribuído efeito suspensivo em razão de a Recorrente ter prestado caução. Já ao recurso do acórdão que incidiu sobre essa sentença, foi atribuído efeito meramente devolutivo.

Consequentemente, aquela sentença, complementada por este acórdão, ganhou força de título executivo. Mas cremos que essa exequibilidade não abrange a sanção pecuniária compulsória, uma vez que a imposição desta visava funcionar como uma condenação pecuniária, cuja concretização ficara condicionada ao eventual incumprimento da obrigação imposta na decisão judicial e, portanto, a um facto, positivo ou negativo, futuro. Por isso, a sanção pecuniária aplicada na sentença só funcionaria caso a devedora, ora Recorrente, viesse a incumprir a sua judicialmente decretada obrigação de reintegrar o Recorrido no seu posto de trabalho. Logo aqui encontramos, pois, uma significativa diferença entre a sanção pecuniária compulsória e as demais condenações contidas na sentença dada à execução, que reflectem o reconhecimento de um direito actual do ora Recorrido, ainda que com a efectivação definitiva dependente de confirmação pelo Tribunal ad quem, face ao recurso interposto.

Ora, só poderá, verdadeiramente, afirmar-se que o Recorrente incumpriu essa obrigação, se e quando esta se tornar definitiva (porque, tendo sido reconhecida pelo Tribunal da 1.ª instância, veio a ser confirmada pelos Tribunais de recurso), ou seja, quando a decisão transitar em julgado.

Assim, se é certo que o efeito devolutivo atribuído ao recurso interposto do acórdão da Relação permitia que o credor, ora Recorrido, instaurasse contra a ora Recorrente execução para a prestação de facto, consistente na sua reintegração na empresa daquela, cremos que essa execução não pode abranger a sanção pecuniária compulsória, em virtude de ainda não ter ocorrido o facto de que depende a sua aplicação efectiva: o trânsito em julgado da sentença condenatória, pois é este o momento a partir do qual se pode afirmar que, mantendo o devedor a sua obstinação no não cumprimento, está o mesmo a desrespeitar o comando contra si judicialmente dirigido, só então ganhando verdadeiro significado aquele afirmado propósito da lei de alcançar, através da medida sancionatória em causa, por um lado, o reforço da soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça e, pelo outro, favorecer a execução específica das obrigações de prestação de facto o de abstenção infungíveis.

Se é o trânsito em julgado da decisão que o n.º 4 do citado art.º 829.º-A do Cód. Civil, erige como o momento a partir do qual passa a funcionar a sanção pecuniária compulsória legal, não se vê razão para que as coisas se passem de modo diferente no caso da sanção pecuniária compulsória judicial. As finalidades da medida são as mesmas, não se nos afigurando que seja relevante para uma interpretação no sentido pretendido pelo Recorrido, a circunstância de, ao contrário do que acontece com o n.º 4, o n.º 1 do mesmo artigo nada dizer quanto ao momento a partir do qual deve funcionar a sanção aplicada.

Assim, se, como aconteceu no caso sub judice, o Exm.º Juiz da 1.ª instância se limitou a condenar a ora Recorrente a reintegrar o ora Recorrido no seu posto de trabalho, sob a cominação duma sanção pecuniária compulsória, deve entender-se que a mesma sanção só deverá efectivar-se se, confirmada a decisão e transitada a mesma em julgado, a ora Recorrente não cumprir e durante o tempo em que o incumprimento se mantiver”.

Também ao nível das Relações este entendimento tem prevalecido, conforme se constata no acórdão da Relação de Lisboa, de 19.12.1991, processo n.º 0036486; acórdão da Relação de Lisboa, de 11.12.2002, processo n.º 0060634; acórdão da Relação de Guimarães, de 19.12.2007, processo n.º 2138/07-2; acórdão da Relação do Porto, de 03.11.2008, processo n.º 0841224; acórdão da Relação de Lisboa, de 22.5.2013, processo n.º 1041/06.0TTLSB.L1-4; acórdão da Relação de Coimbra, de 15.11.2016, processo n.º 975/14.2TBLRA.C1; acórdão da Relação de Guimarães, de 15.12.2016, processo n.º 1039/11.6TTBCL-C.GI; acórdão da Relação do Porto, de 27.3.2017, processo n.º 606/13.8TTMTS.P1.; acórdão da Relação de Évora, de 25.02.2021, processo n.º 714/20.9T8STB-A.E1. (todos consultáveis em www.dgsi.pt).

Mesmo em acórdãos da Relação citados como divergindo desta interpretação do regime legal, o que sucedeu foi que a Relação foi confrontada com o trânsito em julgado da sentença da primeira instância que havia fixado expressamente o termo inicial da sanção pecuniária compulsória em data anterior à do trânsito em julgado da sentença condenatória na obrigação principal. Foi o que ocorreu no caso do acórdão da Relação de Coimbra, de 15.5.2018, processo n.º 226/12.4TBALD-A.C1 (sentença que condenou os RR. a retirarem uma vedação, no prazo de 10 dias, contado da notificação da sentença, sendo devida sanção pecuniária compulsória após o decurso desse prazo de 10 dias; a sentença transitou nesses precisos termos, sem que tivesse sido questionada a data fixada para o termo inicial da sanção pecuniária compulsória) e no acórdão da Relação de Coimbra, de 14.01.2014, processo n.º 264/09.4TBILH-B.C1 (sentença proferida em oposição à execução, na qual se decretou que os executados deveriam readmitir os exequentes ao seu serviço, fixando-se sanção pecuniária compulsória no valor de € 50,00 diários por cada dia de atraso no cumprimento da prestação após a notificação da sentença – a qual transitou em julgado nesses termos).

Assim, divergindo verdadeiramente do entendimento acima exposto, quedam o já acima mencionado acórdão da Relação do Porto, de 25.11.2014, que revogou o despacho que rejeitara liminarmente o requerimento executivo (publicado em www.dgsi.pt, processo n.º 3709/12.2YYPRT.P1) e o acórdão ora recorrido (acórdão da Relação do Porto, datado de 08.11.2022), que confirmou o decidido pela 1.ª instância.

Nesses dois acórdãos a Relação considerou que da circunstância de o legislador não ter, contrariamente ao previsto para a sanção pecuniária compulsória legal prevista no n.º 4 do art.º 829.º-A do Código Civil, estipulado que a sanção pecuniária compulsória judicial prevista no n.º 1 do art.º 829.º-A tem como termo inicial a data do trânsito em julgado da sentença de condenação, decorre que na falta de indicação constante na sentença condenatória a sanção pecuniária compulsória operará a partir da notificação da sentença, e esta será imediatamente exequível, se o recurso que dela for interposto tiver efeito meramente devolutivo, conforme estipulado no art.º 47.º n.º 1, parte final, do CPC de 1961, em vigor à data da instauração da execução e correspondente ao art.º 704.º n.º 1 do atual CPC.

Propendemos para a tese que reputamos ser maioritária.

O elemento teleológico da norma, conforme expressamente salientado no preâmbulo do diploma que a inseriu no nosso ordenamento jurídico, traduz-se na prossecução de duas finalidades, interligadas, visadas com a cominação da sanção pecuniária compulsória: a satisfação do interesse do credor e a simultânea realização do direito, através do acatamento, pelo devedor, do sentenciado pelo poder jurisdicional. A aplicação da sanção, traduzida no sacrifício do património do devedor através da execução, pressupõe a consumação do desrespeito pelo decidido pelo tribunal. Ora, só com o trânsito em julgado da sentença o direito do credor adquire a indiscutibilidade que, verificada então a rebeldia do devedor, pelo incumprimento, justifica a aplicação da sanção pecuniária compulsória, de cujo produto partilharão o credor e o Estado, em partes iguais.

Se, para a compulsão na satisfação de obrigações pecuniárias, o legislador expressamente fixa o trânsito em julgado da condenação como o termo inicial da sanção pecuniária compulsória (n.º 4 do art.º 829.º-A do Código Civil), não se lobriga por que, a título supletivo, outra deva ser a solução para as obrigações de facto infungíveis.

Relevantes indícios de que assim será são as previsões do art.º 74.º-A, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho e do art.º 33.º n.º 1 do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 446/85, de 25.10.

Com efeito, o art.º 74.º-A, n.º 2, do CPC, introduzido pelo Dec.-Lei n.º 295/2009, de 13.10, confere ao trabalhador, cuja reintegração tenha sido judicialmente determinada, o direito de requerer a aplicação de sanção pecuniária compulsória ao empregador, nos termos previstos no Código de Processo Civil para a execução de prestação de facto, quando a reintegração não se mostrar efetuada uma vez “[t]ransitada em julgado a sentença”.

Também, nos termos do n.º 1 do art.º 33.º do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais, incorre em sanção pecuniária compulsória o demandado que, vencido em ação inibitória, “…infringir a obrigação de se abster de utilizar ou de recomendar cláusulas contratuais gerais que foram objecto de proibição definitiva por decisão transitada em julgado…”.

Assim, em harmonia com estes elementos do sistema jurídico, sem prejuízo de o tribunal, soberanamente, fixar um termo inicial da sanção pecuniária compulsória diverso, nomeadamente ulterior à data do trânsito em julgado da condenação, na falta de indicação, na sentença, dessa data, deve ter-se como termo inicial da sanção pecuniária compulsória judicial a data do trânsito em julgado da sentença.

Revertamos ao caso destes autos.

As exequentes apresentaram como título executivo um despacho saneador-sentença proferido em 16.9.2011.

O aludido despacho saneador-sentença contém o seguinte dispositivo:

“ (…)

c) Condeno as RR. Betandwin a absterem-se de explorar, por qualquer forma, em Portugal jogos de lotaria e apostas mútuas;

d) Proíbem-se as Rés de efectuar qualquer publicidade ou divulgação aos sítios “...” e “...” bem como às 2ª e 3ª Rés;

e) Condeno, solidariamente, as Rés, a título de sanção pecuniária compulsória, no pagamento à Autora Santa Casa da Misericórdia da quantia pecuniária de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) por cada infracção a esta proibição e às outras Autoras a quantia pecuniária de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) por cada dia em que perdurar a infracção à referida proibição”.

A aludida sentença condenatória não indica a data do termo inicial da sanção pecuniária compulsória cominada.

Assim, conforme exposto acima, a sanção pecuniária compulsória apenas seria exigível a partir de 03.11.2014, data do trânsito em julgado da condenação (cfr. I.7 supra).

Ora, as exequentes instauraram a presente execução em 06.6.2012, pretendendo obter o pagamento da quantia de € 6 350 000,00, correspondente a 127 dias em que as executadas teriam incumprido a obrigação de facto negativo em que haviam sido condenadas, dias esses compreendidos entre 01.9.2011 e 31.01.2012.

Constata-se, pois, que a quantia dada à execução corresponde a obrigação que não era exigível, por não estar verificado o facto que disso era condição, o trânsito em julgado da sentença condenatória. Por isso o título dado à execução era inexequível. Tal constitui fundamento de embargos à execução (art.º 729.º alíneas a) e e) do CPC).

Os embargos são, assim, procedentes.

Fica prejudicada a apreciação das questões acessoriamente suscitadas, atinentes ao efeito do requerimento de atribuição de efeito suspensivo ao recurso de apelação interposto da sentença condenatória e às consequências da atribuição pelo Tribunal da Relação de efeito suspensivo ao recurso de apelação (art.º 608.º, n.º 2, do CPC).

III. DECISÃO

Pelo exposto, dá-se provimento à revista e, consequentemente, revogando-se o acórdão recorrido, julga-se a oposição à execução procedente e, por conseguinte, julga-se extinta a execução.

As custas, nas instâncias e na revista, são a cargo dos embargados/exequentes/recorridos (art.º 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC).

Lx, 28.11.2023

Jorge Leal (Relator)

Pedro de Lima Gonçalves

Maria João Vaz Tomé