HIPOTECA GERAL
OBRIGAÇÃO FUTURA
REQUISITOS
OBJETO INDETERMINÁVEL
PRAZO DE VIGÊNCIA
NULIDADE DO CONTRATO
ATIVIDADE BANCÁRIA
BEM IMÓVEL
GARANTIA REAL
EXTINÇÃO
AÇÃO EXECUTIVA
EMBARGOS DE EXECUTADO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ERRO DE JULGAMENTO
Sumário


I. A arguição de nulidades de acórdão não se traduz no mecanismo idóneo para solicitar ao Tribunal que proferiu a decisão a reponderação do enquadramento jurídico das questões colocadas no recurso.
II. A omissão de pronúncia é um vício gerador de nulidade da decisão judicial que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre questões com relevância para a decisão de mérito, mas já não quando não se debruça sobre todo e qualquer motivo ou argumento aduzido pelas partes.
III. As garantias reais mantêm uma relação de acessoriedade com a dívida que garantem, na medida em que a sua existência se encontra condicionada à do direito garantido.
IV. Embora seja uma obrigação acessória, que apenas existe em função da obrigação cujo cumprimento assegura, a hipoteca pode garantir uma obrigação futura (art. 686.º, n.º 2).
V. A necessidade de determinação do objeto da hipoteca, resultante do art. 280.º, 1.º, do CC, reporta-se ao momento da celebração do negócio. A questão da determinabilidade da hipoteca omnibus resolve-se com base no art. 280.º, 1.º, do CC. O que se revela essencial é que no momento da constituição da hipoteca, o terceiro autor da hipoteca possa estar em condições de prever virtualmente o futuro e de poder fazer contas. Na hipoteca constituída por todas as obrigações presentes e futuras decorrentes das relações bancárias entre credor e devedor, a responsabilidade do terceiro autor da hipoteca está naturalmente limitada ao bem hipotecado. O autor da hipoteca sabe, à partida, qual é a dimensão possível das suas perdas na relação com o credor.
VI. Em determinadas circunstâncias, a hipoteca constituída em garantia de obrigações futuras pode extinguir-se antes do surgimento destas obrigações.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,


I - Relatório

1. Os Executados AA e Mulher, BB, casados sob o regime de comunhão de adquiridos, apresentaram embargos na ação executiva promovida pela Caixa Económica Montepio Geral, S.A..

2. Serviu de título executivo à execução uma escritura de constituição de hipoteca.

3. Referem, contudo, que tal escritura se encontra ferida de nulidade. Com efeito, no que respeita ao limite temporal dessa hipoteca, como resulta da Cláusula Segunda (duração da hipoteca), “A presente hipoteca manter-se-á enquanto durar para os mencionados CC e Marido, qualquer responsabilidade emergente de todos os atos e situações mencionados na cláusula anterior", verifica-se a existência de manifesto abuso do direito por parte da Exequente. É que desta cláusula parece resultar tanto a perpetuidade da garantia como o período de tempo de vigência que a Exequente achar por bem. Reveste-se, pois, de natureza “totalmente genérica, vaga, indeterminada e abusiva”.

4. Mencionam, neste contexto, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de dezembro de 2006 ( Proc. 06A4127), segundo o qual: "1) A determinabilidade do objeto negocial afere-se no apurar se o mesmo pode ser concretizado inicial ou posteriormente, com apelo a critérios negociais ou legais, sendo que é nulo o negócio jurídico absolutamente indeterminado e indeterminável...” 3) A fiança "omnibus" será válida se, à data da sua prestação, e em relação aos débitos não constituídos, existem elementos que permitam inferir, com segurança, a origem, o prazo, os possíveis montantes e as relações entre os outorgantes, permissivas do enquadramento do crédito na fiança prestada."

5. Em seu entender, conforme decorre da interpretação dos arts. 627.º e 628.º do CC, é nula a hipoteca que serve de título executivo à presente execução, ao abrigo do art. 280.º do mesmo corpo de normas. Verifica-se, assim, a nulidade da hipoteca constituída e a impossibilidade de prosseguir a presente execução e penhora sobre o imóvel em apreço.

6. Referem, por outro lado, que o contrato de mútuo é um contrato que só se mostra perfeito com a própria entrega, conforme foi já decidido pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de abril de 2004 (Proc. 03B3318), em conformidade com o qual “I - Quoad constitutionem, o contrato de mútuo tem natureza real, e não consensual, uma vez que a sua perfeição pressupõe, além da emissão das declarações negociais correspondentes à tipicidade legal, a entrega da coisa mutuada; (…)." In casu, os Oponentes desconhecem se, quando e quanto foi entregue.

7. Acresce o conhecimento dos Executados/Embargantes AA e Mulher, BB da existência de divergências com a Exequente/Embargada sobre o valor efetivamente mutuado e entregue, o fim a que se destinava e o montante ainda não reembolsado. Dizem igualmente que Exequente/Embargada nunca respeitou os vários pedidos que lhe foram dirigidos no sentido do envio dos extratos bancários, de qualquer explicação sobre o valor em dívida e de outras informações pertinentes, sonegando-lhes, por isso, informação essencial.

8. Impõe-se, por isso, apurar que valor foi efetivamente entregue aos mutuários, o fim que lhe foi dado eventualmente pela Exequente/Embargada e o valor das quantias pagas até ao momento.

9. A Exequente/Embargada peticiona juros vencidos desde 27 de junho de 2016, apesar de o art. 693.º do CC limitar a responsabilidade por juros na presente situação ao período de três anos.

10. Verifica-se ainda que os juros convencionados no mútuo se mostram usurários e desconformes com as boas regras de conduta. De resto, o mesmo sucede com as despesas peticionadas, devendo estas ser objeto de exclusão e/ou de redução equitativa.

11. A Exequente/Embargada apresentou contestação, impugnado integralmente o teor dos embargos deduzidos, porquanto totalmente desprovidos de fundamento de facto e de direito, pugnando pela respetiva improcedência. Entendem que a escritura de constituição da hipoteca não se encontra ferida de nulidade: desde logo, o título executivo nos presentes autos não é, ao contrário do alegado pelos Executados/Embargantes, a escritura de constituição da hipoteca (cf. documento n.º 2 anexo ao requerimento executivo), mas antes o contrato de mútuo que é garantido pela referida hipoteca (cf. documento n.º 1 anexo ao requerimento executivo); depois, apesar de se encontrar escrito “título executivo: escritura”, por mero lapso de preenchimento do formulário da plataforma citius, do qual a Executada/Embargada se penitencia, é evidente que, tendo em consideração todo o teor da exposição dos factos constantes do requerimento executivo, o documento que sustenta a petição dos valores é o contrato de mútuo junto sob o n.º 1; toda a exposição diz respeito à data de celebração, incumprimento e resolução do referido contrato de mútuo, mencionando-se a escritura apenas para provar a constituição da hipoteca como garantia do reembolso do montante mutuado; de acordo com o art. 46.º, n.º 1, al. c), do antigo CPC, aplicável a contrario sensu por via do art. 6.º, n.º 3, do preâmbulo do atual CPC, à execução apenas podem servir de base “(…) os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto (…)”; verifica-se que o contrato de mútuo figura como título executivo da presente execução e que é completamente infundada a invocação da sua nulidade, uma vez que os Executados/Embargantes não suscitam quaisquer questões que lhe digam respeito; ainda que assim não se entenda, a escritura de constituição de hipoteca, junta como documento sob o n.º 2, também não se mostra ferida de nulidade; a cláusula segunda desta escritura (cf. documento sob o n.º 2, anexado ao requerimento executivo) prevê, quanto à duração, que “a presente hipoteca manter-se-á enquanto durar para os mencionados CC e marido qualquer responsabilidade emergente de todos os atos e situações mencionadas na cláusula anterior”; por sua vez, a cláusula primeira estabelece o montante máximo garantido pela hipoteca, assim como os objetos assegurados por esta, entre os quais se verifica “(…) o pagamento de toda a qualquer quantia que a referida Caixa Económica Montepio Geral tenha emprestado ou venha a emprestar, através de mútuo (…)”; assim, embora a duração da hipoteca seja indeterminada em virtude do objeto que garante, ela não é indeterminável, uma vez que as partes definiram os termos do exercício desse direito real de garantia, concretamente os seus fins e alcance; segundo o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25 de junho de 2009 (Proc. n.º 419/08.9TBPTG-B.E1), “Se no contrato de constituição de hipoteca estão identificados os negócios que podem dar origem às obrigações que se visa garantir e se está perfeitamente definida a medida da garantia, o contrato não é nulo”; por isso, em seu entender, resta concluir pela validade da hipoteca, porquanto resulta claro que ela garante o valor em dívida no âmbito do contrato de mútuo, pelo período necessário ao reembolso da totalidade do montante mutuado, até ao limite máximo de € 75.000,00 a título de capital; acresce que as partes intervenientes na escritura, entre as quais os Executados/Embargantes, conhecem o modo pelo qual a hipoteca poderia ser acionada, encontrando-se plasmado nesse documento que tomaram conhecimento de todo o seu conteúdo e que o compreenderam, não podendo agora fazer-se valer da alegação completamente infundada de que a Exequente/Embargada agiu abusivamente; aliás, sendo o Executado/Embargante filho e a Executada/Embargante nora dos Executados mutuários, devido aos laços familiares de parentesco e de afinidade que os unem, têm certamente conhecimento rigoroso da realidade e dificuldades financeiras dos últimos; aliás, este terá sido um dos fatores determinantes da ausência de resposta às cartas que a Executada/Embargada endereçou aos Executados/Embargantes (que nem sequer manifestaram estranheza ou surpresa) e que, nestes autos, também não impugnaram, reconhecendo o seu teor, a veracidade do seu conteúdo e a sua receção; o capital mutuado, mediante a celebração do contrato executado nestes autos, no valor de € 60.000,00, foi efetivamente entregue aos mutuários, tal como consta do respetivo extrato bancário, anexado como documento sob o n.º 1, que juntou e se deu por integralmente reproduzido; o contrato de mútuo é extremamente claro relativamente ao capital mutuado e aos fins a que se destinou (cf. documento sob o n.º 1, anexado ao requerimento executivo); o mencionado documento permite igualmente conferir os pagamentos registados, com a indicação da data da sua realização e valor, sendo possível concluir pelo incumprimento da obrigação de reembolso a que os Executados se encontravam vinculados; contudo, não pode deixar de salientar que, por força do art. 799.º do CC, é sobre os Executados/Embargantes que recai a presunção de culpa, competindo-se a sua elisão mediante a alegação e demonstração do cumprimento que invocam; contudo, os Executados/Embargantes limitam-se a afirmar, de forma vaga e genérica, que se terão de apurar “os valores pagos até à data”; afirmam os Executados/Embargantes que a Exequente/Embargada nunca lhes respondeu aos pedidos de indicação do valor em dívida, mas não juntam qualquer documentação comprovativa de que essas comunicações lhe foram efetivamente remetidas; os Executados/Embargantes tinham perfeito conhecimento dos valores em dívida, uma vez que a Exequente/Embargada lhes remeteu, a 6 de setembro de 2019, uma carta de interpelação com vista à regularização da dívida (cf. documento sob o n.º 2, que juntou e se deu por integralmente reproduzido); por fim, alegam os Executados/Embargantes que os juros vencidos apenas se podem reportar ao lapso temporal correspondente a três anos e que tanto estes como as despesas se mostram usurárias, mas tal não corresponde à realidade; de acordo com o art. 693.º, n.º 2, do CC, a hipoteca nunca abrange mais juros do que os relativos a três anos; deste preceito não decorre, todavia, a proibição de peticionar juros relativos a um período superior a três anos, tal como se verifica na petição de juros retratada no campo referente à liquidação constante do requerimento executivo, pois apenas significa que a garantia não assegura o pagamento de juros vencidos por tempo superior a três anos; neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de junho de 2000 (Proc. n.º 00A440): “o artigo 693º do Código Civil não proíbe que se executem juros de mais de três anos, apenas os exclui da garantia”; figurando na ação como Executados tantos os mutuários como os devedores hipotecários, é evidente que a petição de juros não se mostra desconforme ao art. 693.º, n.º 2, do CC, porquanto os mutuários são devedores da totalidade da quantia exequenda; junta o documento sob o n.º 3, que se dá por integralmente reproduzido, e que espelha a petição de capital, juros remuneratórios à taxa acordada pelas partes e as despesas devidas; ao abrigo do art. 2.º do Aviso n.º 3/93 do Banco de Portugal, são livremente estabelecidas pelas instituições de crédito e sociedades financeiras as taxas de juro das suas operações, salvo nos casos em que sejam fixadas por diploma legal; nos termos do n.º 3 do art. 6.º do DL n.º 58/2013, nos demais contratos de crédito, os juros remuneratórios são calculados sobre o montante de capital em dívida, em cada momento, à taxa contratada e são pagos de acordo com o plano estipulado pelas partes para o pagamento de capital e juros, conforme o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11 de maio de 2017 (Proc. n.º 10757/06.0YYLSB-A.G1), “No domínio das operações e contratos bancários não há um limite máximo para as taxas de juros remuneratórios, estando (apenas) as instituições de crédito obrigadas a observar o dever de informação especial quanto aos valores das taxas de juros que praticam, nos termos impostos pelo art.º 3.º do Dec.-Lei n.º 220/94, de 23 de Agosto”; o Banco de Portugal não impôs limites às taxas de juro a praticar pelas instituições de crédito, sendo, consequentemente, devidos juros remuneratórios calculados à taxa livremente acordada pelas partes; relativamente à aplicação da sobretaxa moratória de 3%, o art. 8.º, n.º 1, do DL n.º 58/2013, prevê que em caso de mora do devedor e enquanto a mesma se mantiver, as instituições podem cobrar juros moratórios, mediante a aplicação de uma sobretaxa anual máxima de 3%, a acrescer à taxa de juros remuneratórios aplicável à operação, considerando-se, na parte em que a exceda, reduzida a esse limite máximo; assim, havendo incumprimento, a Exequente/Embargada pode peticionar juros calculados à taxa convencionada, acrescida da sobretaxa moratória devida, atualmente de 3%, o que não se mostra desconforme com o solicitado no requerimento executivo; após a resolução do contrato, são devidos juros moratórios, calculados à taxa legal aplicável aos créditos de que são titulares as sociedades comerciais que, atualmente, ascende a 7,00%; os mutuários, aquando da celebração do contrato, foram informados e consentiram na petição das despesas associadas ao contrato, conforme plasmado na cláusula 8.ª.

12. O Tribunal de 1.ª Instância considerou que os autos reuniam todos os elementos necessários ao conhecimento do mérito e, por isso, proferiu saneador/sentença, julgando improcedente a presente oposição à execução e determinando o prosseguimento da execução contra os Executados/Embargantes AA e Mulher, BB.

13. Não conformados, os Executados/Embargados AA e Mulher, BB, interpuseram recurso de apelação.

14. O Tribunal da Relação de Guimarães ordenou que se convidasse a Exequente/Embargada a aperfeiçoar o requerimento executivo nos seguintes termos: “indicar corretamente quais os títulos executivos dados à execução; proceda a detalhada liquidação da quantia exequenda, juntando documentação complementar que comprove e justifique essa liquidação, juntando todos os documentos comprovativos da sua alegação e ainda em falta.

15. A Exequente/Embargada apresentou requerimento executivo aperfeiçoado com junção de documentos complementares.

16. Notificados, os Executados/Embargantes AA e Mulher, BB, nada disseram.

17. Foi realizada audiência prévia. Os Executados/Embargantes AA e Mulher, BB, invocaram a inobservância do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (doravante PERSI).

18. A Exequente/Embargada pronunciou-se por escrito, sustentando, em suma, que não são aplicáveis aos Executados/Embargantes as normas daquele regime, porquanto estão em causa contratos celebrados com empresários em nome individual. Não pode agora pretender-se beneficiar das vantagens previstas para contratos de concessão de crédito concluídos com particulares. Com efeito, o Executado/Embargante sabia, até porque é filho dos mutuários, que estava a garantir um mútuo contraído no âmbito de uma atividade comercial.

19. Foi proferida decisão que julgou improcedente a oposição e determinou o prosseguimento da execução.

20. Irresignados, os Executados/Embargantes AA e Mulher, BB, interpuseram recurso de apelação.

21. A Exequente/Embargada/Recorrida não apresentou contra-alegações.

22. Por acórdão de 27 de abril de 2023, o Tribunal da Relação de Guimarães decidiu o seguinte:

Perante o exposto, acordam os Juízes desta 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em:

- julgar improcedente a apelação dos executados/embargantes, apenas se determinando a correção oficiosa dos juros garantidos por hipoteca a considerar até 27.06.2019 ( e não até 20.11.2019).

Custas da apelação pelos embargantes”.

23. De novo não conformados, os Executados/Embargantes AA e Mulher, BB, interpuseram recurso de revista excecional, formulando as seguintes Conclusões:

1 - Na parte agora relevante, invocaram os recorrentes quer na sua oposição à execução quer no recurso de Apelação, a nulidade da hipoteca decorrente da sua não delimitação temporal, leia-se com mais rigor, por a hipoteca prever a sua duração de forma não passível de determinação aquando da constituição da mesma (e mesmo ainda hoje).

2 - Se a sentença nem sequer referiu uma única vez a cláusula que fixa a duração da hipoteca, já o Acórdão recorrido só a refere na parte em que transcreve as Conclusões da Apelação, mas tudo o que disse de concreto sobre tal questão, foi:

"Em suma: a determinabilidade do objeto da garantia apenas é exigida quanto ao objeto sobre que recai e quanto ao montante do crédito garantido.

Ao contrário do defendido pelos apelantes, esta determinabilidade não abrange um qualquer elemento temporal." (negrito e sublinhado constante do próprio Acórdão).

3 – O Acórdão recorrido o mais que faz é tecer imensas e acertadas considerações, mas não sobre matéria diversa da suscitada na apelação.

4 –Tudo o que se lê no Acórdão recorrido sobre limite temporal é:

"Ao contrário do defendido pelos apelantes, esta determinabilidade não abrange um qualquer elemento temporal".

5 – Esta parte do Acórdão não está fundamentada, porque não está explanada nem legalmente fundamentada.

6 - Quem lê o Acórdão fica totalmente sem saber que motivos levaram o Tribunal a fazer a afirmação acabada de transcrever, ou porque não decidiu exactamente ao contrário, com a mesma “ausência de fundamentação”.

7 - Não há uma única palavra a explicar a posição do Tribunal, uma única referência a alguma decisão ou artigo publicado, nem a um só que fosse, dispositivo legal, verificando-se nulidade do Acórdão recorrido, ao abrigo do disposto no art. 615.º nº 1 al. b), conjugado com o art. 607.º nºs 3 e 4, aplicáveis por remissão expressa do art. 663.º nº 2, todos do CPC.

8 - A questão da possibilidade de serem assumidas obrigações sem prazo ou com prazo indeterminável e não sujeito a qualquer forma de extinção por uma das partes, tem vindo sistematicamente, em Portugal e na generalidade dos países com afinidades legais, a ser tida por proibida quer pela doutrina quer pelos Tribunais.

9 – Os recorrentes carrearam artigos doutrinais da autoria dos Prof Mota Pinto, Vaz Serra, Antunes Varela e Henrique Mesquita, Baptista Machado e M. J. ALMEIDA COSTA e A. MENEZES CORDEIRO que aqui se dão por reproduzidas, sendo unânime a exigência de limitação temporal em situações em tudo similares.

10 – No que a jurisprudência respeita, foram citados, ainda que inseridos noutros Acórdãos do STJ, 13 Acórdãos deste Supremo Tribunal e 4 de Tribunais da relação, que aqui se dão por reproduzidos.

11 – Destes, não se pode deixar de destacar o AUJ de 23 Janeiro 2001, não porque verse situação concreta similar, mas porque abordando situação com total similitude, contém considerações e citações da máxima pertinência, além de estar subscrito pelo Plenário das Secções Cíveis, apenas com um voto de vencido e sem que este belisque o conteúdo aqui relevante.

12 – Concordando com o respectivo conteúdo, citam-se neste AUJ vários Acórdãos que contêm considerações da máxima pertinência na análise da matéria deste recurso.

13 – Nestes Acórdãos do STJ podem ler-se, como supra de se transcreveu, considerações como as seguintes:

“A determinabilidade da fiança deve existir logo no momento da sua constituição, no documento em que é estipulada, sob pena de se esvaziar de conteúdo o artigo 280.º quando exige que seja determinável. Tendo em vista o estabelecimento de critérios objectivos de determinação, para além da natureza da dívida ou operação bancária, do destino das quantias colocadas à disposição do cliente do Banco e da estipulação de um prazo, a fixação de um limite máximo do valor a garantir (tecto ou plafond) surge como a maior garantia de protecção contra a leviandade ou excesso de voluntarismo na assunção de responsabilidades por parte dos obrigados (ver nota 29).


*


“«É válida a fiança de obrigações futuras, resultantes de uma multiplicidade de negócios jurídicos, contanto que, no respectivo contrato, se estabeleça o limite máximo do montante a garantir, bem como o prazo de validade da fiança, isto é, um limite quantitativo da responsabilidade assumida pelo fiador e um limite temporal de validade da fiança no futuro.»

*


“Violenta, contrária à vontade presumível das partes, e, sobretudo, contrária à ordem pública uma vinculação de duração indefinida – tendencialmente perpétua –, é inerente às relações jurídicas de duração indefinida (sem prazo de duração) a faculdade de pôr-lhes termo mediante denúncia. Constitui, assim, princípio geral de direito, só derrogável por expressa disposição legal, a livre denunciabilidade dos contratos por tempo indeterminado. V., a este respeito, Antunes Varela, RLJ, 102.º/122 e nota 1, dizendo contrária aos bons costumes (v. artº. 280.º, n.º 2, C.Civ.) uma vinculação por tempo indefinido ou de carácter perpétuo; Vaz Serra, RLJ, 103.º/233, 2.ª col., Mota Pinto, "Teoria Geral do Direito Civil", 3.ª ed., 622-IV-623, Baptista Machado, "Obra Dispersa", I, 649 a 652 e 654, e, citando-os, Henrique Mesquita, RLJ 129.º/79 e 130.º/46 e 47, onde refere que a simples vontade (nuda voluntas) de denunciar é quanto em tal caso basta para pôr termo ao contrato, pois só assim se afasta o perigo de perpetuação do vínculo dele emergente a que, precisamente, obvia o princípio imperativo da denunciabilidade ad nutum dos vínculos obrigacionais sem prazo de duração.”

*


III - Inadmissível uma sujeição a esse acordo ou convénio desprovida de limite no tempo, tem de aceitar-se a possibilidade de válida desvinculação discricionária, ad nutum ou ad libitum, mediante denúncia do mesmo, sem necessidade da invocação de fundamento ou justa causa."

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II - A enumeração feita pelo artigo 730 do C.Civil das causas de extinção das hipotecas é exemplificativa, havendo outras resultantes dos princípios gerais, nomeadamente o decurso do prazo que se tenha fixado, para a sua duração, elemento que não conste obrigatoriamente do registo predial.

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“V - Não resulta do contrato de concessão comercial e, por maioria de razão, do denominado contrato de fornecimento, sem marcação do respectivo limite temporal de vigência, uma eterna vinculação dos contraentes a prestações contínuas ou periódicas, sendo, inclusivamente, contrário aos ditames de ordem pública e à vontade conjectural das partes que alguém possa vincular-se, perpetuamente, por tempo indeterminado.

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II - É lícita a denúncia do contrato de prestação de serviços de segurança e vigilância celebrado por período temporalmente indeterminado, de modo a respeitar a liberdade contratual dos outorgantes, incompatível com uma vinculação perpétua, desde que se mostre respeitado o prazo razoável para a produção de efeitos do pré-aviso, endereçado por um dos contraentes ao outro.

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III - A fiança "omnibus" será válida se, à data da sua prestação, e em relação aos débitos não constituídos, existem elementos que permitam inferir, com segurança, a origem, o prazo, os possíveis montantes e as relações entre os outorgantes, permissivas do enquadramento do crédito na fiança prestada.

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V - A referência genérica à responsabilidade decorrente de "descontos de letras, extractos de facturas, livranças ou aceites bancários, em que a afiançada interviesse", a acrescer "às importâncias que (a mesma afiançada) devesse ou viesse a dever ao A.", encurta, sem dúvida, os limites do objecto da fiança, mas não o torna determinável, na acepção do n.º 1 do art.º 280, do CC.

VI - Aqueles tipos de negócios cambiários fazem o dia a dia de uma instituição bancária, pelo que, sem uma concretização adicional, como, p. ex., a menção da finalidade da dívida futura, a sua localização no tempo, ou outra, continuaria o fiador sujeito a um risco de difícil e imprevisível avaliação, à inteira mercê do afiançado e do beneficiário da fiança, constituído numa obrigação ilimitada.


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IV - A determinabilidade da fiança deve, pois, existir logo no momento da sua constituição, no documento em que é estipulada, sob pena de se esvaziar de conteúdo o art.º 280 quando exige que seja determinável. E critérios objectivos de determinação, para além da natureza da dívida ou operação bancária, do destino das quantias colocadas à disposição do cliente do Banco e da estipulação de um prazo, a fixação de um limite máximo do valor a garantir (tecto ou plafond) surge como a maior garantia de protecção contra a leviandade ou excesso de voluntarismo na assunção de responsabilidades por parte dos obrigados.

*


V - É válida a fiança de obrigações futuras, resultantes de uma multiplicidade de negócios jurídicos, contanto que, no respectivo contrato, se estabeleça o limite máximo do montante a garantir, bem como o prazo de validade da fiança, isto é, um limite quantitativo da responsabilidade assumida pelo fiador e um limite temporal de validade da fiança no futuro.

*


As causas de extinção da hipoteca previstas no art. 730.º do CC não são taxativas, podendo existir outras, como seja a caducidade por decurso do prazo fixado ao abrigo da liberdade contratual para duração da garantia.

14 – Com base nestas considerações, provenientes dos mais reputados professores de Direito e de Acórdãos do STJ, algumas constantes de Acórdãos citados em AUJ (concordantemente), resulta terem-se como inadmissíveis obrigações sem limite temporal.

15 – É verdade que a hipoteca é um direito real de garantia, mas na prática, no caso dos autos alguém garante o cumprimento de obrigações futuras de terceiros, através de um seu bem específico.

16 – Assim, não se vislumbra diferença relevante para as situações em que também alguém garante o cumprimento de obrigações futuras de terceiros, através de todo o seu património.

17 – A restrição da garantia a determinado bem, em vez de a todo o seu património aquando do incumprimento, não parece diferença que releve nem minimamente belisque todos os argumentos constantes das citações feitas – a determinação ou determinabilidade da duração aquando da génese da obrigação é igual.

18 – Aqui, a hipoteca foi constituída para garantir todo um rol elencado de fontes de obrigações, os garantes não têm qualquer controle ou informação sobre a constituição de obrigações, o seu montante a cada momento nem qualquer incumprimento, mas os terceiros poderão contrair obrigações perante o beneficiário da garantia sem qualquer limite temporal e a duração das obrigações a contrair também não tem qualquer restrição.

19 – Na escritura de constituição da hipoteca, a Cláusula Segunda com o título “DURAÇÃO DA HIPOTECA”, diz:

“A presente hipoteca manter-se-á enquanto durar para os mencionados CC e marido, qualquer responsabilidade emergente de todos os atos e situações mencionados na cláusula anterior.".

20–Ou seja, enquanto quer a CC quer o marido (já que podiam contrair obrigações conjunta ou individualmente) puderem contrair obrigações e elas subsistirem, seja por que prazo forem contraídas, a hipoteca subsiste.

21 – Aquando da constituição da hipoteca era, como ainda é hoje, impossível determinar o fim da validade/vigência da hipoteca.

22 – Acresce que em lugar algum está referido qualquer limite temporal em que os garantidos possam ou deixem de poder contrair obrigações que estejam garantidas pela hipoteca.

23 – Mais grave ainda, se na generalidade das situações abordadas nas decisões e artigos transcritos, haverá possibilidade de denúncia, resolução ou outras formas de extinguir a obrigação, já a hipoteca parece apenas poder ser extinta nos termos do art 730.º, nenhuma das hipóteses ligada à vontade do garante, ou ainda pelo decurso do prazo pelo qual foi constituída (como se refere amiúde naqueles arestos), mas que aqui é uma mera pseudo fixação de prazo, pois a duração da hipoteca não é determinável aquando da sua constituição, sendo que ainda hoje continua indeterminável – na prática, só com a morte dos garantidos cessa a possibilidade de assumpção de novas obrigações, mas mesmo então, se as houver por período que os recorrentes desconhecem e que também não tem limite, poderá estender-se para muito depois da morte do último sobrevivo.

24 – Para se “fixar” uma regra, há que ver se em situações possíveis mas extremas, a mesma faz sentido.

25 – Assim, se A dá um bem de garantia hipotecária para dívidas futuras de B perante o banco C, em que B tem 18 anos, em abstracto este pode mais de 80 anos depois contrair uma dívida pagável em 20 ou 30 anos e temos a possibilidade de uma duração da hipoteca de 100 ou 110 anos…

26 - Numa perspectiva diversa e mais rocambolesca, poder-se-ia concluir que a não limitação temporal preconizada permite que em casos de conluio se criem situações que prejudicam terceiros de forma difícil, para não dizer impossível, de contornar, o que de certeza e em caso algum o legislador e os Tribunais pretenderiam.

27 – A total indefinição da duração temporal da hipoteca acarreta a nulidade da mesma, como determina o art. 280.º do Código Civil, que se mostra violado.

TERMOS EM QUE deve ser:

a) admitida a Revista Excepcional;

b) julgado procedente o recurso, sendo: 1. declarada nula a decisão recorrida; 2. revogada a decisão recorrida;

c) declarada a nulidade da hipoteca constituída, por indeterminabilidade da sua duração temporal aquando da sua génese

d) ordenada a extinção da execução em relação aos aqui recorrentes, assim se fazendo, como costume, SÃ JUSTIÇA”.

24. A Executada/Embargada não apresentou contra-alegações.

25. Por acórdão de15 de setembro de 2023, em conferência, o Tribunal da Relação de Guimarães decidiu o seguinte:

Em face do exposto, pronunciando-se sobre a invocada nulidade, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a nulidade invocada.

Condenar os apelantes em custas por este incidente, fixando-se a taxa de justiça em 2 U.Cs. (cf. arts. 527º do Código de Processo Civil, 7º, nº 4, e Tabela II, do R.C.P.), sem prejuízo do apoio judiciário”.

26. Por se tratar de recurso de revista excecional, nos termos do art. 672.º, n.º 3, do CPC, a Relatora remeteu os autos à Formação.

27. Por acórdão de 25 de outubro de 2023, a Formação, à luz do art. 672.º, n.º 1, al. a), do CPC, decidiu o seguinte:

Pelo exposto, admite-se o recurso de revista excecional para conhecer da questão da determinabilidade da hipoteca”.

II – Questões a decidir

Atendendo às conclusões do recurso, que, segundo os arts. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, do CPC, delimitam o seu objeto, e não podendo o Supremo Tribunal de Justiça conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excecionais de conhecimento oficioso, estão em causa as seguintes questões de saber:

- se o acórdão recorrido padece ou não de nulidade por omissão de pronúncia;

- se o negócio constitutivo de hipoteca enferma ou não de nulidade por indeterminabilidade do objeto em virtude de não ter lhe ter sido convencionalmente fixado um prazo.

III – Fundamentação

A. De Facto

Após as alterações introduzidas pelo Tribunal da Relação de Guimarães, foram considerados como provados os seguintes factos:

1- A Exequente dedica-se à atividade bancária.

2- A 29/11/2012, a Exequente celebrou com os Executados CC e DD o contrato de empréstimo pessoal sob a forma de mútuo (ao qual foi internamente atribuído o n.º ...49), mediante o qual a primeira emprestou aos segundos a quantia de € 60.000,00, a qual foi depositada na conta de depósito à ordem n.º ...01, conforme documento n.º 1 junto com o requerimento executivo, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.

3.- Acordaram as partes que o capital mutuado seria reembolsado pelos Executados, acrescido dos respetivos juros, em 120 prestações mensais e sucessivas de capital e juros, a primeira com vencimento a 29/12/2012 e as restantes em igual dia dos meses subsequentes.

4 - Foi convencionado pelas partes que o capital mutuado vencia juros, calculados semestralmente, à taxa resultante da Euribor a seis meses, acrescida de um spread de 8,0000%, correspondente, à data de celebração do contrato, a uma taxa de juro nominal de 8,4120% e a uma taxa anual efetiva de 11,2358%.

5 - Estabeleceram ainda as partes que, sempre que se verificasse o atraso ou o não pagamento pontual das prestações, os Executados ficavam obrigados a pagar, a título de cláusula penal, uma sobretaxa legal moratória, atualmente de 3%, que acrescia à taxa de juro nominal em vigor à data da constituição da mora.

6.- A quantia mutuada seria creditada na conta de depósito à ordem n.º ...01 em nome dos Executados e para os fins supra identificados, ou seja, para re-estruturação regularização de dívida com regularização de saldos devedores e liquidação/extinção dos contratos nº ...5-8 e nº ...5.2, conforme documento n.º 1 junto aos autos no passado dia 23-06-2022;

7.- Facto esse que se verificou no próprio dia, ou seja, a 29/11/2012, conforme documento n.º 1 junto no passado dia 23-06-2022.

8.- A quantia assim mutuada visou a liquidação de duas responsabilidades assumidas pelos CC e DD nos contratos n.º ...5-8 e n.º ...5.2 juntos aos autos no passado dia 11-11-2021, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.

9.- O contrato n.º ...5-8 é um contrato de mútuo que visou a instalação por parte dos executados CC e DD de uma pastelaria, conforme a cláusula primeira desse contrato.

10.- E o contrato n.º ...5.2 é um contrato de abertura de crédito em conta corrente, conforme a cláusula primeira desse contrato.

11.- Os embargantes tinham conhecimento dos valores em dívida, uma vez que a aqui embargada lhes remeteu, no transato dia 06/09/2019, uma carta de interpelação para regularização do incumprimento, conforme documento n.º 2 junto com a contestação, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.

12.- Para garantia do cumprimento de todas as responsabilidades assumidas ou a assumir, em 15/01/2008, por escritura pública exarada de fls. 3 a 6 do Livro de Notas n.º 152-B do Cartório Notarial a cargo da Dra. EE, os Executados FF, GG, AA e BB constituíram a favor da ora Exequente uma hipoteca com cláusula de efeito abrangente sobre o prédio urbano sito no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória sob o n.º ...50 da referida freguesia e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo 2025, conforme documentos n.ºs 2 e 3 juntos com a contestação, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.

13.- Os Executados são, na presente data (06/02/2020), devedores à Exequente de um valor total de € 73.434,15, a que corresponde:

_ € 54.493,80 a título de capital;

_ € 14.765,85 a título de juros remuneratórios contados desde 27/06/2016 até 20/11/2019, à taxa convencionada acima descrita acrescida da sobretaxa moratória devida, atualmente de 3%;

_ € 794,27 a título de juros moratórios desde 22/11/2019 até à presente data, calculados às taxas legais sucessivamente em vigor aplicáveis aos créditos de que são titulares as sociedades comerciais, atualmente fixada em 7,00%;

_€ 3.380,23 referente a despesas contratualmente previstas, acrescidos dos respetivos juros de mora vincendos à taxa contratualizada.

Não se provaram os demais factos alegados pelas partes que não estejam mencionados nos factos provados ou estejam em contradição com estes, nomeadamente, os seguintes:

- O banco exequente não informou os embargantes do valor em dívida.

B. De Direito

Nulidade ou não do acórdão recorrido por omissão de pronúncia

1. De acordo com os Executados/Embargantes/Recorrentes AA e Mulher, BB, “7 - Não há uma única palavra a explicar a posição do Tribunal, uma única referência a alguma decisão ou artigo publicado, nem a um só que fosse, dispositivo legal, verificando-se nulidade do Acórdão recorrido, ao abrigo do disposto no art. 615.º nº 1 al. b), conjugado com o art. 607.º nºs 3 e 4, aplicáveis por remissão expressa do art. 663.º nº 2, todos do CPC.”

2. Conforme jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça, as nulidades da sentença/acórdão encontram-se previstas no art. 615.º do CPC e reportam-se a deficiências estruturais da própria decisão, não se confundindo com os erros de julgamento, de facto ou de direito.

3. A arguição de nulidades de acórdão não se traduz no mecanismo idóneo para solicitar ao Tribunal que proferiu a decisão a reponderação do enquadramento jurídico das questões colocadas no recurso. Tal ultrapassa manifestamente o âmbito de aplicação do disposto nos arts. 615.º e 616.º do CPC.

4. De acordo com o art. 615.º, n.º 1, al. d), 1.ª parte, do CPC, “é nula a sentença quando: (…) d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”. Este preceito encontra-se intimamente ligado ao disposto no art. 608.º, n.º 2, do CPC, segundo o qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”.

5. Os Executados/Embargantes/Recorrentes entendem, pois, que o acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia, por não se ter pronunciado sobre a nulidade da hipoteca por indeterminabilidade temporal.

6. O acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15 de setembro de 2023, proferido em conferência, refere expressamente o seguinte;

(…)

Ora, o acórdão é extenso na fundamentação de facto e de direito, a respeito, pelo que não é nulo à luz de tal disposição legal.

O que sustentam os recorrentes é que os juízos nele expressos sobre a temática em causa são infundados.

Estamos, assim, perante juízos valorativos divergentes e e não diante de vícios estruturais do próprio acórdão, que, a nosso ver, cumpriu os requisitos formais que a lei lhe aassinala.

De modo que não ocorre a nulidade em apreço.”

(…)”

7. Por seu turno, segundo o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 27 de abril de 2023:

« Ou seja, os recorrentes defendem a nulidade da hipoteca por indeterminabilidade temporal.

Ora, como se sabe, a hipoteca, como garantia real das obrigações, confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo (artº 686º, nº 1, do Código Civil).

A obrigação garantida pela hipoteca pode ser futura ou condicional (nº 2 do mesmo preceito).

No entanto, a vulgarmente designada hipoteca genérica, para ser válida, tem de obedecer a parâmetros objetivos de determinabilidade.

“Este tipo de garantia, que também se poderia designar por hipoteca sem limite (ou «plafond») máximo, não parece que possa ser válido quando não haja elementos que permitam a sua determinação; ou seja se no momento da constituição for indeterminável.

Tal como acontece com a fiança, a lei permite a constituição de hipoteca como forma de garantia de dívida futuras (artigo 686.º, n.º 2, do Código Civil), mas, em qualquer caso, do contrato tem de constar um critério objetivo para a determinação da prestação garantida ou a garantir.”

É que o objeto da obrigação não pode ser indeterminável, sob pena de nulidade, de acordo com o disposto no nº 1 do artº 280º.

Como dizem Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte (in ob cit,, 4ª ed., 35,36), “ nada obsta a que o objeto do negócio esteja, a dada altura, indeterminado; o que não pode ser é indeterminável. Há uma diferença jurídica, para além de linguística, entre “indeterminado” e “indeterminável”: a prestação pode ser indeterminada, mas determinável, desde que se possa saber, no momento da constituição, qual o seu teor através de um critério para proceder à fixação do respetivo objeto (...). A prestação será

indeterminável se não existir um critério para proceder à sua determinação.”

O problema põe-se com mais acuidade em relação à fiança genérica, em que há uma obrigação pessoal do fiador perante o credor, correspondente à do devedor principal (cfr. artº 627º).

No que diz respeito à hipoteca, que é o que está em discussão nos presentes autos, segundo aqueles autores (Romano Martinez e outro, ob. cit., pág.78), do contrato tem de constar um critério objetivo para a determinação da prestação garantida ou a garantir não revestindo, todavia, a hipoteca genérica a mesma complexidade da fiança omnibus, pois do registo constará o valor garantido. Deste modo, mesmo que a hipoteca garantisse qualquer obrigação a constituir, estaria sempre limitada pelo montante constante do registo.

Está em causa a característica da especificidade ou especialidade e que implica que estejam “determinados no título e no registo os elementos relativos ao crédito garantido: o montante, os acessórios e os juros abrangidos pela oneração. A razão de ser desta exigência é a proteção de terceiros que devem ter a possibilidade de conhecer, em termos exatos e através da publicidade registral, a oneração que impende sobre o prédio”.

Daí a doutrina e jurisprudência admitem geralmente a validade da hipoteca omnibus, considerando que esta não é uma garantia de conteúdo indeterminado, dada a exigência do montante máximo assegurado constar do registo.

Daí a necessidade de, conforme se prevê no art. 707º do CPC, no caso de o título prever obrigações futuras ou condicionais, o exequente ao peticionar o montante dos créditos garantidos juntar ao título constitutivo da hipoteca os designados documentos complementares, aliás situação que ocorreu nos presentes autos, de modo bastante sublinhado, atento o convite que foi ordenado fazer-se, no primeiro acórdão por nós prolatado, ao exequente naquele sentido.

Em suma: a determinabilidade do objeto da garantia apenas é exigida quanto ao objeto sobre que recai e quanto ao montante do crédito garantido.

Ao contrário do defendido pelos apelantes, esta determinabilidade não abrange um qualquer elemento temporal.

Acresce dizer que a hipoteca é acessória em relação ao direito de crédito subjacente.

“ O carácter acessório exprime-se, em primeiro lugar, no plano da existência da hipoteca: a garantia só existe e só subsiste enquanto existe o crédito que garante e o desaparecimento deste implica, inevitavelmente, a extinção da garantia

Assim sendo, por via de regra, a hipoteca somente se extingue com a extinção da obrigação garantida (cf. art.º 730.º, alínea a), do C Civil).

No caso sub judicio, além de constar do registo o valor máximo garantido pela hipoteca, é perfeitamente determinável o objeto da obrigação a constituir, visto que conforme se lê na sentença “ o titulo constitutivo da hipoteca identifica de um modo claro e objetivo o valor máximo e respetivos encargos que essa hipoteca garante [114.937,50 euros], identifica o tipo de relação negocial que pode originar essa dívida (…) e identifica o bem que garante o pagamento dessas responsabilidade em caso de incumprimento.”

Por conseguinte, ressuma dos presentes autos que as partes fixaram um critério delimitador da responsabilidade dos recorrentes, definindo o objeto sobre que recai a hipoteca e o montante máximo de crédito garantido. É quanto basta para considerar que se trata de uma hipoteca com objeto determinável.

Ou seja, previram que quaisquer operações bancárias legalmente permitidas, designadamente mútuos, desconto de letras e/ou livranças, empréstimos, e qualquer crédito concedido e que sejam devedores, garantias bancárias e avales, locações financeiras mobiliária e/ou imobiliárias, se encontram garantidas pela hipoteca, até ao limite global de 114.937,50 euros.

Pelo que estamos perante um caso paradigmático: a hipoteca apenas se extinguirá com a extinção da obrigação garantida.

O artº 693º, nº2, do CC é também emanação do já supra referido princípio da especialidade ou da especificação, ínsito no art. 96º do Código Registo Predial, que tem, precisamente, por fundamento a satisfação do interesse público da proteção de terceiros e da segurança no comércio jurídico dos bens.»

8. Parece, por isso, que, no que respeita à questão da nulidade da hipoteca por indeterminabilidade temporal não se verifica omissão de pronúncia ou falta de fundamentação.

9. Compulsado pois o acórdão proferido nos autos, afigura-se que os Executados/Embargantes/Recorrentes confundem “questões” com “argumentos”. Na verdade, conforme jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia “apenas se verificará nos casos em que ocorra omissão absoluta de conhecimento relativamente a cada questão e já não quando seja meramente deficiente ou quando se tenham descurado as razões e argumentos invocados pelas partes” .

10. A omissão de pronúncia é um vício gerador de nulidade da decisão judicial que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre questões com relevância para a decisão de mérito, mas já não quando não se debruça sobre todo e qualquer motivo ou argumento aduzido pelas partes. Com efeito, a omissão de pronúncia causadora de nulidade de sentença ou acórdão verifica-se apenas quando o Tribunal deixa de proferir decisão sobre questão de que devia conhecer, não havendo relação direta entre os fundamentos ou razões de que as partes se socorrem e a omissão de pronúncia. Por isso, a decisão não enferma de nulidade se o Tribunal deixar de apreciar qualquer consideração ou argumento invocado pela parte.

11. Conforme mencionado supra, a nulidade por omissão de pronúncia está diretamente relacionada com o comando previsto no art. 608.º, n.º 2, do CPC, sancionando a sua inobservância. O dever consagrado neste preceito diz respeito ao conhecimento, na sentença ou no acórdão, de todas as questões de fundo ou de mérito que a apreciação do pedido e da causa de pedir apresentados pelo Autor (ou, eventualmente, pelo Réu/Reconvinte) suscitam quanto à (im)procedência do pedido formulado. Para que este dever seja cumprido, é preciso que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão suscitada pelas partes (sujeitos), e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir, e a questão resolvida pelo Tribunal, identificada por estes mesmos elementos. Só isto releva para a resolução do pleito. E é por isso mesmo que já não importam os argumentos, razões, juízos de valor ou interpretação e aplicação da lei aos factos - embora possa ser conveniente que o Tribunal os considere para que a decisão vença e convença as partes - de que as partes se socorrem quando se apresentam a demandar ou a contradizer, para fazerem valer ou naufragar a causa posta à apreciação do Tribunal. É de salientar ainda que, de entre a questões essenciais a resolver, não constitui nulidade o não conhecimento daquelas cuja apreciação esteja prejudicada pela decisão de outra.

12. Por isso, o Tribunal da Relação de Guimarães não tinha de apreciar, separada e isoladamente, os argumentos ou razões vertidos pela Ré/Recorrente nas conclusões apresentadas nas suas alegações de recurso de apelação.

13. O Tribunal a quo apreciou todas as questões suscitadas pelos Executados/ Embargantes/Recorrentes, como decorre do explanado supra.

14. Pode dizer-se que o que verdadeiramente está em causa é a discordância dos Executados/Embargantes/Recorrentes com o sentido decisório adotado tanto pelo Tribunal de 1.ª Instância como pelo Tribunal da Relação de Guimarães.

15. As nulidades arguidas pelos Executados/Embargantes/Recorrentes não são, por conseguinte, cum summo rigore, verdadeiras nulidades.

16. Não procedem, consequentemente, as conclusões apresentadas pelas Executadas/Embargantes/Recorrentes sob os n.os 7 e ss. das suas alegações de revista.

Nulidade ou não do negócio constitutivo de hipoteca por indeterminabilidade do objeto em virtude de não lhe ter sido convencionalmente atribuído um prazo de vigência

1. As garantias especiais do cumprimento das obrigações representam um reforço suplementar de segurança atribuído a algum ou alguns credores, em relação à garantia comum, que é conferida pelo património do devedor. Esse reforço da garantia varia conforme se trate de garantias pessoais ou reais.

2. Nas garantias reais, esse reforço traduz-se na afetação de bens do devedor ou de terceiro ao pagamento preferencial de determinadas dívidas.

3. O credor é pago preferencialmente pelo valor de determinados bens do devedor ou de terceiro. Assim, como que se afasta materialmente o princípio geral do par condicio creditorum.

4. A hipoteca, além de garantia real, é também um direito real de garantia, pois incide sobre bens certos e determinados (coisas).

5. Com a constituição da hipoteca passam a existir duas obrigações: a principal e a de garantia, sendo esta acessória daquela.

6. Na verdade, as garantias reais mantêm uma relação de acessoriedade com a dívida que garantem, na medida em que a sua existência se encontra condicionada à do direito garantido. A acessoriedade é vista como a estrela polar das garantias reais. O autor da hipoteca, se for pessoa distinta do devedor, pode também opor ao credor hipotecário os meios de defesa do solvens. Por fim, a hipoteca extingue-se com a cessação do crédito que garante (art. 730.º, al a), do CC), exceto no caso de transmissão desse direito real de garantia desacompanhado do crédito que garantia (art. 726.º do CC). I.e., verifica-se a existência de uma relação de dependência ou subordinação da obrigação de garantia perante a obrigação garantida: de dependência genética, não sendo válida a hipoteca se o não for a obrigação principal; de dependência funcional, podendo o terceiro autor da hipoteca opor ao credor os meios de defesa que competem ao devedor (art. 698.º, n.º 1, do CC), podendo considerar-se ineficaz perante este a renúncia daquele a qualquer um desses meios de defesaw; de dependência extintiva, pois extinta a obrigação principal, extinta fica a hipoteca (art. 730.º, al. a), do CC).

7. A hipoteca confere ao credor o direito de satisfação do seu crédito, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certas coisas imóveis ou a elas equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro (art. 686.º, n.º1, do CC). Conforme mencionado supra, a hipoteca, sendo geralmente constituída sobre bens do devedor, também pode recair sobre bens de terceiro (art. 686.º do CC), entendendo-se que é o corolário lógico das regras sobre o cumprimento.

8. Embora seja uma obrigação acessória, que apenas existe em função da obrigação cujo cumprimento assegura, a hipoteca pode garantir uma obrigação futura (art. 686.º, n.º 2). Pode mesmo dizer-se que são obrigações futuras as obrigações que as hipotecas legais visam geralmente garantir.

9. Poderia estender-se a garantia a todas as obrigações in futurum. Impõe-se, porém, que a cláusula omnibus seja válida, que o objeto da garantia seja determinado ou determinável (art. 280.º do CC), podendo provavelmente considerar-se nula, por indeterminabilidade do objeto, a hipoteca de obrigações futuras, quando o seu autor se constitua garante de todas as responsabilidades provenientes de qualquer operação em direito consentida, sem referência expressa à sua origem ou natureza e, independentemente, da qualidade em que o devedor principal intervenha.

10. A necessidade de determinação do objeto da hipoteca, resultante do art. 280.º, 1.º, do CC, reporta-se ao momento da celebração do negócio: é uma questão de interpretação apurar se o objeto está ou não determinado. Decorre desse preceito, assim como da sua ratio legis, que a determinação existe ou não existe, não se afigurando possível relevar variações qualitativas da determinação do objeto do negócio. O conceito de “determinação” não é gradativo.

11. A ordem jurídica não podia, porém, deixar de atender às múltiplas situações, dignas de tutela, em que os sujeitos não estão ainda em condições – ou porque não querem, ou porque não podem – de determinar o objeto do negócio. São situações em que é claro o propósito e a vontade de assumir uma vinculação negocial, mas em que a determinação do objeto do negócio é intencionalmente deixada para mais tarde. Nesses casos, o art. 280.º, n.º 1, do CC, exige que o objeto seja determinável, sob pena de nulidade do negócio jurídico. A determinabilidade pressupõe que à data da celebração do negócio existam já elementos ou critérios para a (futura) determinação do objeto.

12. A questão da determinabilidade da hipoteca omnibus resolve-se com base no art. 280.º, 1.º, do CC. O que se revela essencial é que no momento da constituição da hipoteca, o terceiro autor da hipoteca possa estar em condições de prever virtualmente o futuro e de poder fazer contas. Neste sentido, no que toca à fiança omnibus, segundo o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2001, de 23/01/2001, “é nula, por indeterminabilidade do seu objecto, a fiança de obrigações futuras, quando o fiador se constitua garante de todas as responsabilidades provenientes de qualquer operação em direito consentida, sem menção expressa da sua origem ou natureza e independentemente da qualidade em que o afiançado intervenha”.

13. No caso sub judice, por escritura pública outorgada a 15 de janeiro de 2008 (cf. doc. sob o n.º 2, anexado com o requerimento executivo), para garantia de todas e quaisquer responsabilidades assumidas ou a assumir pelos Executados CC e DD, os Executados AA, BB, FF e GG constituíram hipoteca sobre o imóvel em apreço, nos seguintes moldes: “CLÁUSULA PRIMEIRA (Constituição de hipoteca) 1. A presente hipoteca é constituída para garantir, até ao limite global máximo de capital de setenta e cinco mil euros, todas e quaisquer responsabilidades assumidas ou a assumir pelos referidos CC e marido, concretamente: a) O pagamento de toda e qualquer letra, livrança, cheque ou extrato de factura de que a Caixa Económica Montepio Geral seja portadora e em que os ditos CC e marido, isoladamente, em conjunto ou solidariamente com terceiros, se hajam obrigado por aceite, subscrição, saque, aval ou endosso e ainda que por actos diferentes; b) “O pagamento de toda e qualquer quantia que a referida Caixa Económica Montepio Geral tenha emprestado ou venha a emprestar através de mútuo, abertura de crédito, saldos devedores ou descobertos em contas de depósitos e de que os mencionados CC e marido, isoladamente, em conjunto ou solidariamente com terceiros, sejam devedores, e ainda, de qualquer crédito concedido pela mesma Caixa Económica Montepio Geral proveniente de contrato de locação financeira mobiliária, de contrato de desconto ou de aceite em títulos de crédito do qual sejam sacadores os referidos CC e marido, por forma isolada, solidária ou conjunta; c) Reembolso de quaisquer quantias que a mesma Caixa Económica Montepio Geral tenha despendido ou venha a despender por quaisquer garantias bancárias já prestadas ou a prestar, de que sejam ordenadores os mesmos CC e marido; d) O pagamento de juros à taxa nominal anual de treze vírgula setenta e cinco por cento, que incidam sobre qualquer montante em dívida `dita Caixa Económica Montepio Geral e provenientes de qualquer das operações referidas nas alíneas precedentes; e) O pagamento da cláusula pena que incide sobre o capital em dívida, à taxa de quatro por cento ao ano, correspondente ao tempo de mora. CLÁUSULA SEGUNDA (Duração da hipoteca) A presente hipoteca manter-se-á enquanto durar para os mencionados CC e marido, qualquer responsabilidade emergente de todos os actos e situações mencionados na cláusula anterior. (…)”.

14. A Exequente/Embargada celebrou com os Executados CC e DD, a 29 de novembro de 2012, um contrato de mútuo no valor de € 60.000,00, pelo prazo de 120 meses.

15. Os Executados/Mutuários, a 29 de janeiro de 2014, deixaram de cumprir as suas obrigações decorrentes do mútuo celebrado. Apesar de interpelados para cumprir, o inadimplemento subsistiu. A Exequente/Embargada pretende, inter alia, o reembolso do capital em dívida e o pagamento dos juros correspondentes.

16. As obrigações garantidas – que podem ser múltiplas – são suscetíveis de se revestir de diferente natureza. Pode ser assegurado pela hipoteca o cumprimento de qualquer obrigação passível de respeitar os critérios convencionados, desde que se respeite a quantia máxima assegurada constante do ato constitutivo desta garantia. Na hipoteca constituída por todas as obrigações presentes e futuras decorrentes das relações bancárias entre credor e devedor, a responsabilidade do terceiro autor da hipoteca está naturalmente limitada ao bem hipotecado. O autor da hipoteca sabe, à partida, qual é a dimensão possível das suas perdas na relação com o credor, conhece com exatidão o que está em jogo, ou seja, o nível de risco que corre. Aquando da constituição da hipoteca, encontra-se, pois, em condições de prever a dimensão possível das suas responsabilidades. O terceiro autor da hipoteca está, à data da constituição da garantia, em condições de abarcar o quantum da sua vinculação, apesar de eventualmente desconhecer o fluxo de crédito que virá a ser concedido aos devedores principais. Pode, por conseguinte, afirmar-se a determinabilidade do objeto da hipoteca: fixou-se o montante ou limite máximo de crédito garantido pela hipoteca. Com efeito, a determinabilidade está, em princípio, assegurada, uma vez que existe um critério objetivo e limitativo.

17. No que respeita à duração da hipoteca, conforme mencionado supra, segundo a cláusula segunda da escritura da respetiva constituição (cf. documento sob o n.º 2, anexado ao requerimento executivo) “a presente hipoteca manter-se-á enquanto durar para os mencionados CC e marido qualquer responsabilidade emergente de todos os atos e situações mencionadas na cláusula anterior”; por seu turno, a cláusula primeira estabelece o montante máximo assegurado pela hipoteca, assim como os créditos por ela garantidos, entre os quais se encontra direito ao “(…) pagamento de toda a qualquer quantia que a referida Caixa Económica Montepio Geral tenha emprestado ou venha a emprestar, através de mútuo (…)”. Deste modo, apesar de ser indeterminada em virtude dos créditos que garante, a duração da hipoteca não é indeterminável, uma vez que as partes definiram os termos do exercício deste direito real de garantia, mais concretamente os seus fins e alcance. Efetivamente, sobre a respetiva finalidade, sabe-se que o contrato de mútuo celebrado em 2012 visou a satisfação das obrigações dos mutuários decorrentes dos contratos por si anteriormente concluídos e intitulados “crédito à tesouraria das empresas/crédito integrado flexível” e “ contrato escrito de mútuo” (tendo este por objetivo “realizar obras de montagem de café/pastelaria”); por outras palavras, o mútuo hipotecário teve em vista a “re-estruturação regularização de dívida com regularização de saldos devedores e liquidação/extinção dos contratos nº ...5-8 e nº ...5.2”, i.e., “liquidar e regularizar dois contratos mercantis” (factos provados sob os n.os 6 e 8).

18. Existem, in casu, critérios de determinabilidade – se não mesmo de determinação -, pois foram indicadas as concretas fontes de dívida, assim como o montante máximo garantido. Aliás, os autores da hipoteca, pela sua posição relativamente ao devedores, estavam em condições de saber efetivamente o alcance dos créditos existentes.

19. De resto, o carácter acessório da hipoteca pressupõe que, ao tempo da sua constituição, esteja já determinado, ou seja determinável a obrigação garantida – o que se verifica in casu. Acresce que a hipoteca só pode ser executada se a obrigação principal se constituir e se se verificar o seu incumprimento pelo devedor principal. Não se mostra também violado qualquer princípio de não tolerância da auto-sujeição patrimonial de um sujeito relativamente à atuação de outro, situação que, além do mais, seria suscetível de atentar contra os bons costumes, nem a proibição da livre ou arbitrária disposição do património de outrem: a indicação do limite máximo garantido pela hipoteca corresponde ao estabelecimento de um critério objetivo de determinação do respetivo objeto. Além dos sujeitos, encontram-se igualmente referidas, no ato constitutivo da hipoteca, as relações jurídicas de que poderão emergir as obrigações a garantir. Pode até dizer-se, no que respeita aos créditos garantidos, que se encontram indicados os sujeitos, as fontes e as prestações – nos termos dos contratos legal e/ou socialmente típicos convencionalmente mencionados - suscetíveis de identificar esses créditos, observando-se, portanto, o princípio da especialidade tanto em relação ao objeto da hipoteca como aos créditos garantidos. Tanto a livre circulação dos bens como terceiros se encontram protegidos. Aos terceiros interessa saber qual o valor máximo a cuja satisfação o imóvel se encontra vinculado e quais os créditos garantidos, podendo como que controlar a sua existência e validade, calcular a probabilidade do seu cumprimento, etc.. Acresce que a hipoteca em apreço visa garantir créditos futuros passíveis de surgir da relação de negócios já existente entre credor e devedor ao tempo da respetiva constituição.

20. Em determinadas circunstâncias, a hipoteca constituída em garantia de obrigações futuras pode extinguir-se antes do surgimento destas obrigações. Será, pois, lícito, ao autor da hipoteca, reunidas certas condições, extinguir a obrigação de garantia antes do nascimento da obrigação garantida, mas não depois da sua emergência..

21. Por conseguinte, não pode dizer-se que o imóvel dos Executados/Embargantes foi constituído ad aeternum em garantia de todas as dívidas, de montante e natureza indeterminados, que os Executados/Mutuários viessem a contrair perante a Exequente/Embargada. Note-se, por fim, que a lei nossa ordem jurídica, diferentemente do que se verifica em outros ordenamentos, não estabelece qualquer limite à eficácia temporal da hipoteca.

IV – Decisão

Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente o recurso de revista interposto por AA e Mulher, BB, confirmando-se, consequentemente, o acórdão recorrido.

Custas pelos Executados/Embargantes/Recorrentes.

Lisboa, 28 de novembro de 2023


Maria João Vaz Tomé (Relatora)

Manuel Aguiar Pereira

Jorge Leal