LEI QUADRO DA CONTRAORDENAÇÕES AMBIENTAIS (LEI 50/2006
DE 29 DE AGOSTO)
NULIDADE DO AUTO DE NOTÍCIA
NULIDADE DA DECISÃO ADMINISTRATIVA
DIREITO DE DEFESA
DESCRIÇÃO DE FACTOS GENÉRICOS E CONCLUSIVOS
Sumário


I- No âmbito da Lei quadro da Contraordenações Ambientais (Lei 50/2006, de 29 de agosto) não é obrigatório que conste do auto de notícia a hora da prática da infração, os elementos de identificação e o local da residência dos administradores da arguida ou os elementos identificativos das testemunhas.
II- As exigências da lei quanto aos referidos elementos deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na notificação endereçada ao arguido para exercer o seu direito de defesa sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desse direito.
III- Na decisão administrativa e na sentença, em caso de recurso de impugnação judicial, a descrição dos factos tem de ser precisa e não genérica, concreta e não conclusiva, recortando com nitidez os factos que são relevantes para caracterizarem o comportamento contraordenacional.
IV- Não sendo descritos esses factos, a arguida tem de ser absolvida.

Texto Integral


Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

I.1  A Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, condenou a EMP01..., S. A. pela prática, a título negligente, de uma contra-ordenação prevista e punida nos termos conjugados do artigo 81.º, n.º 3, alínea c), do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de Maio (REGIME DA UTILIZAÇÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS) e artigo 22.º, n.º 4, alínea b), da Lei 50/2006, de 29 de Agosto (LEI QUADRO DAS CONTRA-ORDENAÇÕES AMBIENTAIS), com a coima de € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros).

I.2 Inconformada, deduziu a arguida impugnação judicial, tendo o tribunal recorrido, por sentença proferida no dia 03 de Julho de 2023, no âmbito dos autos n.º 903/23...., que correm termos no Juízo Local Criminal ... - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., julgado parcialmente procedente o recurso e, em consequência, decidiu (transcrição na parte que releva):

“condenar a arguida EMP01..., S. A. pela prática de uma contra-ordenação prevista e punida nos termos conjugados do disposto no artigo 81.º, n.º 3, alínea c), do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de Maio e artigos 22.º, n.º 4, alínea b), 23.ºA e 23.º-B, da Lei 50/2006, de 29 de Agosto, na coima especialmente atenuada de € 12.500,00 (doze mil e quinhentos euros).”

I.3. Mais uma vez a arguida inconformada interpôs o presente recurso, apresentando a respectiva motivação, que finaliza com as conclusões que a seguir se transcrevem:
I.Condenando o Tribunal a quo a EMP01... pela prática da contraordenação prevista na alínea c), do n.º 3, do artigo 81.º, do RURH na coima especialmente atenuada de € 12.500,00 (doze mil e quinhentos euros), entende a Arguida, com o devido respeito, que o mesmo decidiu erradamente, ao julgar improcedente a exceção de nulidade da decisão administrativa e, bem assim, ao entender como não verificados os pressupostos de aplicação de uma admoestação.
I. Ao decidir como decidiu, o Douto Tribunal a quo violou as normas previstas no n.º 1, do artigo 46.º e artigo 49.º, ambos da Lei n.º 50/2006 (LQCA), bem como o princípio consagrado no n.º 10, do artigo 32.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e ainda o artigo 51.º, do RGCO e o princípio da mínima intervenção do direito penal (cfr. n.º 2, do artigo 18.º, da CRP).
II. Quanto à exceção invocada, o Tribunal a quo confirma o incumprimento pela IGAMAOT do estatuído no referido artigo 46.º, entendendo, contudo, que tal ilegalidade não contamina o processo e a decisão administrativa, porquanto, ainda que efetivamente violado o artigo 46.º, deverá considerar-se, para efeitos do artigo 49.º, que à Arguida foram disponibilizados todos os elementos necessários para o exercício de uma defesa plena e esclarecida, o que considera ter acontecido pelo facto de a Arguida se ter defendido, não apenas formalmente, mas também materialmente, demonstrando assim que compreendeu a imputação que lhe era feita e todo o circunstancialismo do processo, e não violando assim o direito de defesa da Arguida, concluindo assim pela improcedência da exceção de nulidade da decisão administrativa.
III. Contudo, entende a Recorrente que deve ser exigido e observado o estrito cumprimento do disposto nos artigos 46.º e 49.º, da LQCA, sob pena de violação do direito fundamental da Arguida à sua defesa (cfr. n.º 10, do artigo 32.º, da CRP), uma vez que um eventual incumprimento, como se verifica no caso, não assegura todas as garantias de defesa da Arguida, ferindo de nulidade a decisão em questão.
IV. Razão pela qual deve a Sentença em crise ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente.
V. Sem prescindir, caso assim não se entenda, e decidindo-se pela condenação da Arguida pela prática da contraordenação ambiental, deverá a sanção a aplicar ser a admoestação.
VI. Na Decisão de que se recorre, entende o Douto Tribunal a quo não se encontrarem reunidos os pressupostos cumulativos previstos no artigo 51.º do RGCO de: reduzida gravidade da infração e da culpa do agente, porquanto não se encontra verificado o requisito da reduzida gravidade da infração, pelo simples facto de a contraordenação ser legalmente classificada como muito grave.
VII. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o referido artigo 51.º, do RGCO.
VIII. Ao invés, para aferição do requisito da reduzida gravidade da infração, deverá o julgador atender às específicas circunstâncias do caso concreto.
IX. No caso, a conduta é imputada à Arguida a título negligente; esta não obteve qualquer benefício económico com a conduta e; não se produziu qualquer dano ambiental.
X. Pelo que as finalidades de prevenção se encontram plenamente garantidas e a ratio da norma (precisamente, evitar a ocorrência do dano) salvaguardada, estando verificados os requisitos previstos no artigo 51.º, do RGCO para aplicação da sanção de admoestação.
XI. Nessa sequência, ao afastar a aplicação dessa sanção, o douto Tribunal a quo violou o princípio da mínima intervenção do direito penal, que determina que seja ponderada a necessidade e a eficácia da sanção.
XII. Pelo facto de a admoestação satisfazer as finalidades preventivas pretendidas pela norma, salvaguardados que estão os bens jurídicos que esta visa proteger, não será de aplicar sanção mais gravosa à Recorrente, como é o caso da coima.
XIII. Isto porque, já quanto à eficácia da sanção, considerando as dificuldades económicas que têm impedido a EMP01... de desativar a ETAR provisória de ... e passar para a ETAR definitiva de ...,
XIV. A aplicação de uma coima de € 12.500,00 (doze mil e quinhentos euros) não tem consequências positivas, pelo contrário, pode ser determinante ao inviabilizar a transição da Recorrente para a ETAR definitiva, contribuindo negativamente na atual situação da Arguida.
XV. Devendo, assim, a condenação ao pagamento da coima ser revogada e substituída por outra que sancione a Arguida com uma admoestação.”

I.4. O Ministério Público, em 1ª instância, respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência e, consequentemente, pela manutenção da decisão recorrida, formulando a final as seguintes conclusões:
“1. A decisão judicial recorrida é insusceptível de qualquer juízo de censura, encontrando-se fundamentada de forma irrepreensível, tendo sido feita pelo Meritíssimo Juiz a Quo uma correcta apreciação dos factos e adequada aplicação do direito, não tendo sido violadas quaisquer normas jurídicas, designadamente as constantes dos artigos 46.º, 49.º, 51.º do RGCO e arts. 32.º, n.º 10 e 18.º da CRP.
2. Os factos dados como provados – cuja verificação e qualificação não se questiona na peça de recurso - consubstanciam a prática pela arguida de uma contraordenação muito grave, p. e p. pelo art. 81.º, n.º 3, al. c) do DL 226-A/2007 de 31 de maio e arts. 22.º, n.º 4, al. b), 23.º-A e 23.º-B da Lei 50/2006 de 29 de agosto.
3. Não assiste razão à recorrente quando aduz que o Tribunal não deveria ter considerado inverificada a invocada nulidade da decisão administrativa, já que resulta da leitura do auto de notícia por contraordenação que este cumpre os critérios consignados nos arts. 41.º, 48.º e 58.º do RGCO, não sendo perceptível qualquer nulidade, na medida em que consta de forma explícita a descrição pormenorizada dos factos que consubstanciam a contra-ordenação, o seu enquadramento genérico no espaço e no tempo, a indicação de testemunhas e a menção à infração que foi cometida.
4. De resto, o auto de notícia por contraordenação não tem de observar os formalismos garantísticos que norteiam a prolação de uma acusação, previstos no disposto no art. 283.º, n.º 3 do C.P.P., já que, apesar de haver similitudes expressamente previstas, não existe total paralelismo entre as regras do processo penal e as regras do processo de contraordenação.
5. Ademais, conforme explicita, de forma clara, a sentença sindicada, a decisão administrativa não enferma de nulidade por força de alegadas omissões existentes no auto de contraordenação e não foi preterida nenhuma garantia de defesa à arguida já que lhe foram disponibilizados todos os elementos, documentais e periciais, que permitiram o exercício cabal da sua tese de defesa (cfr. art. 32.º, n.º 10 da CRP).
6. No que tange à alegada violação das normas contidas no art. 51.º, n.º 1 do RGCO e no art. 18.º, n.º 2 da CRP, somos de parecer que a douta decisão do Tribunal a quo aplicou correctamente o direito ao afastar a possibilidade de aplicar uma admoestação.
7. Com efeito, prevendo o art. 51.º, n.º 1 do RGCO que a admoestação pressupõe a verificação cumulativa de dois requisitos - a reduzida gravidade da infração e da culpa do agente – está legalmente vedada ao julgador a escolha desta sanção quando em causa está a prática de uma contraordenação muito grave.
8. Uma leitura diversa deste normativo legal implicaria, de forma inaceitável, a violação do princípio da proporcionalidade entre as infrações e as sanções.
9. As circunstâncias concretas que favorecem a arguida, designadamente, o grau de ilicitude, da culpa, a inexistência de consequência/dano ambiental, a conduta anterior e posterior aos factos, contrariamente ao alegado, foram consideradas na sentença para efeito da determinação da medida da coima, tendo a coima, subsequentemente, sido objecto de atenuação especial.
10. Nesta conformidade, não merecendo censura ou reparo a sentença colocada em crise, pugna-se pela sua manutenção nos seus precisos e exactos termos. “

I.5. Nesta instância, a Exmª. Procurador-Geral Adjunta, emitiu parecer com fundamentação alicerçada em doutrina e jurisprudência que citou, no sentido da improcedência do recurso interposto pela arguida.

I.6.No âmbito do disposto no art.º 417º, nº 2, do CPP, a recorrente não apresentou resposta ao parecer emitido.

I.7. Colhidos os vistos, procedeu-se à realização da conferência, por o recurso aí dever ser julgado - artigo 419º, nº 3, al. c), do Código de Processo Penal.

II-FUNDAMENTAÇÃO

1 – OBJECTO DO RECURSO.
Dispõe o art.º 412º, nº 1 do C. Processo Penal, aplicável por força do disposto no art.º 41º, nº 1 do Dec.-Lei nº 433/82, de 27/10 e art.º 2º da Lei n.º 50/2006 de 29 de Agosto que, “a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”. [1]
Assim, atentas as conclusões formuladas pela recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são as seguintes:
1. Da nulidade da decisão administrativa, por violação das normas previstas no n.º 1, do artigo 46.º e 49.º, ambos da Lei n.º 50/2006 (LQCA), bem como o princípio consagrado no n.º 10, do artigo 32.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP); e
2. Da verificação dos pressupostos da aplicação da sanção de admoestação.

2- DA DECISÃO RECORRIDA
“Fundamentação de facto
Com interesse para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:
1. No dia 12 de Julho de 2017 foi efectuada uma acção de inspecção na ETAR de ..., em ..., pertencente à “EMP01..., S.A.”.
2. Aquando da realização da acção inspectiva a ETAR encontrava-se em laboração e a proceder à descarga de águas residuais tratadas na Ribeira ....
3. O operador possui a Licença de Utilização de Recursos Hídricos – Rejeição de Águas Residuais n.º ..., emitida em 31.07.2015 pela Agência Portuguesa do Ambiente, I.P, válida até 31 de Julho de 2017.
4. Foram realizadas duas colheitas de amostras compostas de 24 horas, proporcionais ao tempo e divididas em fracções de 1 hora, utilizando dois amostradores isco, de águas residuais, à entrada e à saída da ETAR, para avaliação do cumprimento das normas de qualidade da água.
5. Os pontos de colheita foram identificados como canal parshal (entrada da ETAR) e caixa de confluência antes do ponto de descarga (saída da ETAR).
6. Os resultados das colheitas evidenciaram inconformidades nos parâmetros Carência Bioquímica de Oxigénio (CBO), Carência Química de Oxigênio (CQO) e Sólidos Suspensos Totais (SST).
7. Os VLE (% mínima de remoção) evidenciados nos resultados das colheitas não estavam em conformidade com os estabelecidos na Licença de Utilização de Recursos Hídricos atribuída à arguida.

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Mais se provou que:
8. A ETAR de ... foi construída pela Arguida como solução provisória, para permitir a exploração da rede construída enquanto o seu Plano de Investimentos não era concluído.
9. Com a suspensão do Plano de Investimentos aquela que era uma solução provisória – a ETAR de ... – passou a ser a única ao longo destes anos.
10. A arguida tem vindo a implementar medidas na ETAR de ... para tornar o processo de tratamento de águas residuais mais eficiente.
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Matéria de facto não provada:
Com interesse para a boa decisão da causa não resultou provado que:
1. Nas duas colheitas descritas nos factos provados não tivessem sido cumpridas as regras procedimentais de recolha da amostra.
2. A arguida seja cumpridora da lei, efectuando um tratamento apropriado das águas residuais.
3. Não seja possível à arguida, na maior parte das vezes, controlar e/ou impedir a origem de uma possível descarga ilícita, em consequência, por exemplo, da descarga de efluentes dos operadores que prestam serviços de esvaziamento, de limpeza de fossas sépticas e, ainda, de efluentes de indústrias e de oficinas.
*
Motivação:
Os factos dados como provados nos pontos 1 a 7 têm como principal referência o teor do auto de notícia de fls. 4 e seguintes, que foi devidamente conjugado com o teor do relatório n.º ...17, constante de fls. 30 e seguintes, documentos que foram analisados e interpretados à luz daquilo que foi o depoimento de AA, Inspector Coordenador, responsável pela acção inspectiva realizada no dia 12.07.2017 nas instalações da arguida e autor dos aludidos documentos, cujo relato permitiu compreender o modo como foram realizadas as duas colheitas de amostras de águas residuais, à entrada e à saída da ETAR da arguida, para avaliação do cumprimento das normas de qualidade da água (a respeito da prova documental valorou-se ainda a Licença de Utilização de Recursos Hídricos de fls. 11).
Repare-se que a arguida nem sequer colocava em causa a efectiva realização destas colheitas e os resultados das análises que delas provieram, limitando-se a alegar que as regras procedimentais de recolha da amostra não foram cumpridas, o que comprometia esses resultados.
No entanto, em grande medida, a arguida limitava-se a realizar, nesta parte, um mero exercício de pura especulação, avançando com um conjunto de procedimentos que reputava de fundamentais e dizia não terem sido observados, sendo que, para além de não produzir qualquer tipo de prova que permitisse sustentar essas afirmações, acabava por também as ver infirmadas através do depoimento de BB, Inspectora, que acompanhou a acção de fiscalização, testemunha que foi expressamente questionada quanto aos procedimentos adoptados, explicando que no caso concreto foram seguidas todas as regras previstas para colheitas desta natureza.
Ainda neste segmento, a defesa da arguida incidia, em especial, no local em que teria sido colocado o amostrador para recolha de amostra à entrada da ETAR, sustentando, a este propósito a testemunha CC, Directora Técnica da EMP01..., que esse amostrador foi colocado antes da gradagem, o que interferiu com os resultados obtidos.
No entanto, a este respeito, a conclusão a que chegava a testemunha era contrariada pelo depoimento do já referido AA que, muito embora reconhecendo que não se recordava se o amostrador foi colocado antes ou depois da gradagem, asseverava que esse era um factor que não interferia no resultado das análises.
Por outro lado, e ainda mais importante, o teor do auto de colheita 68/2017 infirmava, de forma inequívoca, aquilo que havia sido afirmado por CC, constando expressamente desse documento que o amostrador automático foi colocado à entrada da ETAR, após a gradagem.
Portanto, a valoração conjugada desta prova permitia não só a afirmação da matéria constante dos pontos 1 a 7 como também servia de explicação para a matéria dada por não provada nos pontos 1 e 2, havendo ainda que acrescentar, a este respeito, que não eram só os resultados laboratoriais constantes de fls. 21/22, obtidos através das amostras de águas residuais recolhidas na acção inspectiva a infirmar que a arguida efectuasse um tratamento apropriado das águas residuais, também apontando nesse sentido as análises anteriormente realizadas pela própria arguida, cujos resultados se encontram plasmados a fls. 12 a 23 dos autos.
Já no que respeita à matéria dada por inverificada em 3, apesar de alegada na  impugnação judicial, o certo é que, uma vez mais, a arguida não fez prova dessa realidade em audiência de julgamento.
A restante matéria dada por verificada resultou dos depoimentos de DD, colaborador, à data dos factos, de uma empresa da qual a arguida era cliente e EE, director geral da EMP01..., descrevendo o primeiro um conjunto de novos mecanismos introduzidos pela arguida no sentido de aprimorar o processo de tratamento de águas residuais e explicando o segundo o processo que levou à construção da ETAR de ..., a qual~surgiu como um solução provisória em 2007, acabando depois por se perpetuar no tempo, em decorrência da suspensão do plano de investimentos da EMP01....”
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3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

Para melhor tratamento das questões suscitadas, importa desde logo realçar que, além das normas do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de Maio (REGIME DA UTILIZAÇÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS),  é aplicável aos presentes autos a Lei Quadro das Contra-Ordenações Ambientais ( Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, doravante designada LQCA) e, subsidiariamente, o Regime Geral das Contra- Ordenações e o Código Penal - artigos 1.º, n.º 1, e 2.º, n.º 1, da Lei-Quadro das Contra-Ordenações Ambientais, e 41º, nº 1 do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro.
Vejamos agora as questões concretas suscitadas pela recorrente, que iremos analisar seguindo uma precedência lógica.
Entende a recorrente, na sua linha de defesa, que o auto de contra-ordenação é nulo por não conter a hora da prática da infracção, nem os elementos de identificação e residência dos administradores da arguida ou os elementos identificativos da testemunha.
Apontou ainda haver uma discrepância entre o número de licença de utilização atribuído à arguida e a que ela efectivamente possui.
Essas omissões e imprecisão determinam, na óptica da recorrente, a nulidade da decisão administrativa, por violação do preceito constitucional do direito à defesa, previsto no art.º 32.º, n.º 10 da CRP.
Vejamos.
Trata-se de matéria que foi igualmente alegada na impugnação judicial, sobre a qual a sentença recorrida se pronunciou expressamente, tendo negado razão à recorrente, nos seguintes termos:
“Uma vez que na impugnação judicial apresentada a arguida suscita questões de ordem formal, importa, antes de mais, avaliar da eventual existência de obstáculos impeditivos à apreciação do mérito da decisão administrativa.
Sustenta então a arguida que o auto de notícia elaborado no processo de contraordenação não contém todas as informações impostas por lei, violando assim as normas dos artigos 45º, 46.º, n.º 1 e 49º, todos da LQCA, bem como o direito constitucionalmente consagrado à defesa, previsto no n.º 10 do artigo 32.º, da Constituição da República Portuguesa, o que implica a nulidade da decisão administrativa.
Da análise do auto de notícia de fls. 4 e seguintes dos autos verifica-se que, efectivamente, como apontado pela arguida, aquele documento não contém alguns dos elementos descritos no artigo 46.º, n.º 1, da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, sendo omisso relativamente à hora da prática da infração imputada à arguida, bem como no que respeita aos elementos de identificação e de residência dos administradores da arguida e da identificação e residência da testemunha arrolada, não indicando também a categoria do autuante e existindo uma discrepância no que concerne ao número de licença de utilização atribuído à arguida.
Esta exigência legal compreende-se à luz do exercício do direito de defesa por parte dos visados por um procedimento desta natureza, assim se explicando o disposto no n.º 1 do artigo 49.º do citado diploma legal, nos termos do qual, “o auto de notícia, depois de confirmado pela autoridade administrativa e antes de ser tomada a decisão final, é notificado ao infrator conjuntamente com todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspetos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, para, no prazo de 15 dias úteis, se pronunciar por escrito sobre o que se lhe oferecer por conveniente”.
Ou seja, na nossa perspectiva, as apontadas omissões do auto de notícia só teriam relevância se pudessem, de alguma forma, comprometer o exercício do direito de defesa por parte da arguida.
Pois bem, analisada a notificação endereçada à arguida para exercício do seu direito de defesa, constante de fls. 43/44 dos autos, dúvidas não subsistem, pelo menos para nós, que através da mesma lhe foram disponibilizados todos os elementos necessários para o exercício de uma defesa plena e esclarecida, bastando para tal atentar na circunstância dessa notificação ter sido acompanhada não só do auto de notícia, como também do relatório de inspecção constante de fls. 30 e seguintes, documento com elevado grau de detalhe relativamente à acção inspectiva levada a cabo nas instalações da arguida, que, para além de suprir as deficiências do auto de notícia, contém, de per si, todos os elementos necessários para o exercício cabal da defesa por parte da arguida.
Repare-se ainda que da resposta apresentada pela arguida a essa notificação resulta que esta percebeu exactamente o teor da imputação que lhe estava a ser realizada, dela se defendendo não só no plano formal, como também materialmente, evidenciando ter plena consciência de todo o circunstancialismo que constituiu o objecto do processo.
Por outro lado, analisados os autos de colheita n.º 68/2017 e n.º 69/2017, constantes de fls. 26/27 e 27/28, concluiu-se, ao contrário do sustentado pela arguida, que se encontram legíveis, não se vislumbrando também que padeçam de qualquer omissão relevante para a matéria que pretendem atestar.
Consequentemente, julgando-se inverificada a invocada nulidade da decisão administrativa, improcede o excepcionado.
Concordamos, no essencial, com a fundamentação aduzida pela sentença recorrida no que concerne a esta concreta questão.
Com efeito, o direito de audição e de defesa da arguida encontra-se previsto no artº. 49º da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais (Lei 50/2006, de 29 de agosto)  com formulação idêntica à prevista no artigo 50.º do RGCO, nos seguintes termos: “O auto de notícia, depois de confirmado pela autoridade administrativa e antes de ser tomada a decisão final, é notificado ao infractor conjuntamente com todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, para, no prazo de 15 dias úteis, se pronunciar por escrito sobre o que se lhe oferecer por conveniente.”
Por sua vez, o nº 10 do art.º 32º da C.R. Portuguesa prevê que: “Nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa.”
A possibilidade de exercício deste direito supõe que seja feita comunicação ao arguido, antes da decisão administrativa de aplicação das sanções, sobre quais os factos que lhe são imputados, o enquadramento jurídico dos mesmos e a sanção ou sanções que a autoridade administrativa competente para aplicar a coima entende serem aplicáveis[2].
Nem a referida Lei Quadro, nem Regime Geral das Contra-ordenações especifica a forma através da qual a audição deva ser efectuada, o que exige é que ao arguido seja dado conhecimento da factualidade que lhe é imputada e da respectiva qualificação jurídica. Tal conhecimento tanto pode ser levado a cabo numa audição formal, como através da notificação de uma peça processual que integre aqueles elementos, ou da notificação dos elementos do processo que os contenham.
Se bem conseguimos compreender a recorrente baseia, essencialmente, a invocada nulidade no facto do auto de notícia não conter a hora da prática da infracção, nem os elementos de identificação e residência dos administradores da arguida ou os elementos identificativos da testemunha.
Nos termos do artigo 45.º da LQCA, a autoridade administrativa deve levantar auto de notícia quando verificar ou comprovar pessoalmente uma infracção ou elaborar participação instruída com os elementos de prova de que disponha caso não tenha comprovado pessoalmente a infracção.

E o art.º 46.º do mesmo diploma legal prevê que:

 “1 - O auto de notícia ou a participação referida no artigo anterior deve, sempre que possível, mencionar:
a) Os factos que constituem a infração;
 b) O dia, a hora, o local e as circunstâncias em que a infração foi cometida ou detetada;
c) No caso de a infração ser praticada por pessoa singular, os elementos de identificação do infrator e da sua residência;
d) No caso de a infração ser praticada por pessoa coletiva ou equiparada, os seus elementos de identificação, nomeadamente a sua sede, identificação e residência dos respetivos gerentes, administradores e diretores;
e) A identificação e residência das testemunhas;
f) Nome, categoria e assinatura do autuante ou participante.
2 - As entidades que não tenham competência para proceder à instrução do processo de contraordenação devem remeter o auto de notícia ou participação no prazo de 10 dias úteis à autoridade administrativa competente.” (sublinhado nosso)

Como decorre da própria letra do normativo em análise a menção dos elementos enumerados não é obrigatória, tem de ser feita apenas se for possível.
Por seu turno, não é cominada com nulidade a respectiva omissão e, como é consabido, em matéria de nulidades vigora entre nós o princípio da legalidade (art.º 118.º do CPP), princípio segundo o qual a violação ou inobservância das disposições da lei do processo só determina a nulidade do acto quando for expressamente cominada na lei.
A tramitação subsequente à entrada do auto de notícia/participação e autuação do processo consubstancia-se na notificação imediata daquele ao arguido, para observância do contraditório.
Ou seja, de acordo com a fórmula utilizada pelo Assento do STJ n.º 1/2003, publicado no DR de 25.01.2003, que veio fixar jurisprudência no sentido de que «quando, em cumprimento do disposto no artigo 50.º do regime geral das contra-ordenações, o órgão instrutor optar, no termo da instrução contra-ordenacional, pela audiência escrita do arguido, mas, na correspondente notificação, não lhe fornecer todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, o processo ficará doravante afectado de nulidade, dependente de arguição, pelo interessado / notificado, no prazo de 10 dias após a notificação, perante a própria administração, ou, judicialmente, no acto de impugnação da subsequente decisão / acusação administrativa», sem que à arguida seja dada previamente a conhecer a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito.
Por isso, as exigências aqui feitas deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na notificação sejam suficientes para permitir à arguida o exercício desses direitos.
No caso, como se afirma na sentença recorrida, e que merece o nosso acolhimento, “ com a notificação endereçada à arguida para exercício do seu direito de defesa, constante de fls. 43/44 dos autos, dúvidas não subsistem que através da mesma lhe foram disponibilizados todos os elementos necessários para o exercício de uma defesa plena e esclarecida, bastando para tal atentar na circunstância dessa notificação ter sido acompanhada não só do auto de notícia, como também do relatório de inspecção constante de fls. 30 e seguintes, documento com elevado grau de detalhe relativamente à acção inspectiva levada a cabo nas instalações da arguida, que, para além de suprir as deficiências do auto de notícia, contém, de per si, todos os elementos necessários para o exercício cabal da defesa por parte da arguida”( sublinhado nosso).
De notar também que esse relatório, como é expressamente referido no auto de notícia, já fazia parte integrante deste.
Por outro lado, como bem observa a Exmª Procuradora Geral Adjunta no seu parecer, a recorrente limita-se a invocar a falta de elementos do auto de notícia, não tendo concretizado em que medida esses elementos eram relevantes para a sua defesa e/ou em que medida a mesma ficou prejudicada.
Acresce que, analisada a defesa apresentada pela recorrente junto da entidade administrativa, as alegações da impugnação judicial da decisão administrativa e as próprias alegações de recurso da sentença proferida nos autos, conclui-se que esta percebeu o teor da imputação que lhe estava a ser realizada, dela se defendendo não só no plano formal, como também materialmente, exercendo, assim, o seu direito de audição e defesa constitucionalmente consagrado.
Improcede, pois, a arguida nulidade, por, além do mais, não terem sido violado o princípio consagrado no n.º 10, do artigo 32.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Antes de analisarmos a segunda questão objecto de recurso e embora não tenha sido expressamente suscitada pela recorrente, impõe-se conhecer da questão da qualificação jurídica dos factos, aderindo à posição que vem sendo defendida pelo Supremo Tribunal de Justiça de que o tribunal superior pode sempre conhecer da qualificação jurídica, estando em causa matéria de direito, pelas implicações que pode ter na medida da pena, ressalvada a proibição da “reformatio in pejus” e também, como afirmou o Ac. da Relação do Porto de 06.05.2009, processo 104/03.8GAVFR.P1, relator Manuel Braz,  sem necessidade de qualquer comunicação prévia desde que tal alteração não prejudique a defesa do arguido- cfr. AFJ nº 4/95, de 07.06.1995, DR, I Série, de 06.07.1995 e Ac. STJ de 24.02.2010, processo 59/06.7GAPFR.P1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt.
No caso sub judice, o conhecimento oficioso da questão da qualificação jurídica impõe-se não apenas com vista à aplicação correcta do direito, mas também porque, como veremos, daí decorrerá benefício para a recorrente.
Como resulta da sentença recorrida e acima mencionamos, a recorrente foi condenada pela prática de uma contra-ordenação prevista e punida nos termos conjugados do disposto no artigo 81.º, n.º 3, alínea c), do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de Maio e artigos 22.º, n.º 4, alínea b), 23.ºA e 23.º-B, da Lei 50/2006, de 29 de Agosto, na coima especialmente atenuada de € 12.500,00 (doze mil e quinhentos euros).
Nos termos do art.º 81º, nº 3 al. c) do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de Maio constitui contra-ordenação ambiental muito grave: “O incumprimento das obrigações impostas pelo respectivo título”.
A utilização dos recursos hídricos está sujeita ao licenciamento prévio.
Concretamente estão sujeitas a licença prévia de utilização e à observância do disposto no plano de gestão de bacia hidrográfica, entre outras actividades quando incidam sobre leitos, margens e águas particulares: a Rejeição de águas residuais (cfr. artº 60 nº 1 al. b) da Lei n.º 58/2005 de 29 de Dezembro,  que Aprova a Lei da Água, transpondo para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2000/60/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro, e estabelecendo as bases e o quadro institucional para a gestão sustentável das águas).
A licença confere ao seu titular o direito a exercer as actividades nas condições estabelecidas por lei ou regulamento, para os fins, nos prazos e com os limites estabelecidos no respetivo título (cfr. art.º 67º, nº 1 da citada Lei n.º 58/2005
de 29 de Dezembro).

Por sua vez, o art.º 51º do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de Maio, que tem como epígrafe,« os valores limites de emissão», prevê que:
“1-Os valores limite de emissão, abreviadamente designados VLE, para as substâncias, famílias ou grupos de substâncias e para os demais parâmetros constantes da norma de rejeição são estabelecidos após o estudo e a aplicação das medidas adequadas para a redução da poluição na origem, de acordo com o disposto no artigo 53.º da Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro.
2 - Os valores limite de emissão para as substâncias e para os parâmetros constantes das normas de rejeição são aferidos relativamente à qualidade das águas residuais à saída das estações de tratamento de águas residuais.
3 - É proibida qualquer operação deliberada de diluição das águas residuais visando iludir o cumprimento dos VLE constantes das normas, sendo a rejeição do efluente considerada ilícita para todos os efeitos legais.”

O titular de um título de utilização dos recursos hídricos terá de cumprir todas as obrigações nele constantes.
Em caso de incumprimento das condições do título, o titular está a praticar uma infracção, que se consubstancia numa contra-ordenação ambiental muito grave, de acordo com o disposto na citada alínea c) do n.º 3 do artigo 81.º do Decreto-Lei
No plano da tipicidade subjectiva, as contra-ordenações ambientais são puníveis a título de dolo ou de negligência, sendo que a negligência é sempre punível (art.º 9.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 50/2006).  
Na sentença recorrida, com relevo para a questão em apreço, foi considerado como provado que:
“2. Aquando da realização da acção inspectiva a ETAR encontrava-se em laboração e a proceder à descarga de águas residuais tratadas na Ribeira ....
3. O operador possui a Licença de Utilização de Recursos Hídricos – Rejeição de Águas Residuais n.º ..., emitida em 31.07.2015 pela Agência Portuguesa do Ambiente, I.P, válida até 31 de Julho de 2017.
4. Foram realizadas duas colheitas de amostras compostas de 24 horas, proporcionais ao tempo e divididas em fracções de 1 hora, utilizando dois amostradores isco, de águas residuais, à entrada e à saída da ETAR, para avaliação do cumprimento das normas de qualidade da água.
5. Os pontos de colheita foram identificados como canal parshal (entrada da ETAR) e caixa de confluência antes do ponto de descarga (saída da ETAR).
6. Os resultados das colheitas evidenciaram inconformidades nos parâmetros Carência Bioquímica de Oxigénio (CBO), Carência Química de Oxigênio (CQO) e Sólidos Suspensos Totais (SST).
7. Os VLE (% mínima de remoção) evidenciados nos resultados das colheitas não estavam em conformidade com os estabelecidos na Licença de Utilização de Recursos Hídricos atribuída à arguida.”
Da factualidade provada ressalta logo que, não obstante constar da decisão administrativa a factualidade subjacente ao elemento subjectivo da contra-ordenação em apreço, nos termos definidos nas alíneas K) e L), a sentença recorrida é, nessa parte, completamente omissa.
Por seu turno, relativamente ao elemento objectivo do tipo, verifica-se que a sentença recorrida (como também já ocorria com a decisão administrativa) apenas enumera uma série de factos genéricos e juízos conclusivos, sem qualquer suporte factual.
Como é consabido a descrição dos factos tem de ser precisa e não genérica, concreta e não conclusiva, recortando com nitidez os factos que são relevantes para caracterizarem o comportamento contra-ordenacional. E isso não ocorre manifestamente no caso em apreço.
É entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, que as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos, sobre os quais tenha recaído prova, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. Dito de outro modo, só os factos materiais são susceptíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objecto de prova [cfr. Acórdão de 23.9.2009, Proc. n.º 238/06.7TTBGR.S1, Bravo Serra; e, reiterando igual entendimento jurisprudencial: de 19.4.2012, Proc.º30/08.4TTLSB.L1.S1, Pinto Hespanhol; de 23/05/2012, proc.º 240/10.4TTLMG.P1.S1, Sampaio Gomes; de 29/04/2015, Proc .º 306/12.6TTCVL.C1.S1, Fernandes da Silva; de 14/01/2015, Proc.º 488/11.4TTVFR.P1.S1, Fernandes da Silva; 14/01/2015, Proc.º 497/12.6TTVRL.P1.S1, Pinto Hespanhol; todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj, cujos fundamentos são transponíveis para o processo penal].
Efectivamente, a afirmação de que os resultados das colheitas evidenciaram inconformidades nos parâmetros Carência Bioquímica de Oxigénio (CBO), Carência Química de Oxigênio (CQO) e Sólidos Suspensos Totais (SST), como se fez constar no ponto 6 da sentença recorrida, não passa de uma afirmação genérica e conclusiva.
A descrição fáctica deveria conter de forma individualizada os valores dos resultados das colheitas, que permitissem aferir as concluídas inconformidades nos parâmetros Carência Bioquímica de Oxigénio (CBO), Carência Química de Oxigênio (CQO) e Sólidos Suspensos Totais (SST).
O mesmo ocorrendo com a afirmação conclusiva contida no nº 7, em que, mais uma vez, desconhecemos os valores limite de emissão evidenciados nos resultados das colheitas para, com a necessária certeza e objectividade exigidas pelo direito punitivo contra-ordenacional, avaliar se estavam ou não em conformidade com os estabelecidos na Licença de Utilização de Recursos Hídricos atribuída à arguida.
Esses juízos conclusivos assentes na mera afirmação genérica e abstracta de inconformidades são manifestamente insuficientes para aferir o incumprimento das obrigações impostas pelo respectivo título e, consequentemente, para concluir pelo preenchimento do elemento típico objectivo da contra-ordenação por que a recorrente foi condenada.
Por conseguinte, os factos provados não preenchem os elementos típicos objectivos e subjectivo da contra-ordenação imputada na sentença recorrida, o que conduz necessariamente à absolvição da sociedade arguida.
Desta forma fica prejudicado o conhecimento da outra questão recursória relativa à sanção que lhe foi aplicada suscitadas pela recorrente.

III – DECISÃO

Em função do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar, embora por razões diversas das alegadas, parcialmente procedente o recurso interposto e, em consequência, revogam a sentença recorrida e absolvem a recorrente da prática da contra-ordenação por que foi condenada.
Sem tributação.

(Texto elaborado pela relatora e revisto por todos os signatários - art. 94º, n.º 2, do CPP)

Guimarães, 28 de Novembro de 2023

Anabela Varizo Martins (relatora)
Pedro Freitas Pinto (1º adjunto)
António Bráulio Alves Martins (2º adjunto)


[1] Cfr entre outros Ac.do STJ de 27-10-2016  e de 06-06-2018, disponíveis in www.dgsi.pt  e, na doutrina, Germano Marques da Silva- Direito Processual Penal Português, 3, pag. 335.
[2] MANUEL SIMAS SANTOS e JORGE LOPES DE SOUSA, in “Contra-ordenações – Anotações ao Regime Geral”, 6.ª Edição 2011, Colecção Direito, Áreas Editora, pág. 380.