IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
INTERDITA
ANULAÇÃO DE PROCURAÇÃO
Sumário


I. Pretendendo-se a anulação de ato praticado em momento anterior à sentença que decretou a interdição mas abrangido por esta porquanto praticado no período a que se reporta a incapacidade, cabe a quem da mesma pretende lançar mão, invocar a sentença, transitada em julgado que decretou a interdição e a data a que se reporta tal incapacidade e da qual resulta a presunção daquela incapacidade, cabendo assim ao réu alegar e demonstrar que na ocasião da outorga, no caso sub judice, da procuração, a autora tenha sido, contemplada por uma momentânea capacidade de entender – uma lucidez providencial, com vista a afastar aquela presunção.

Texto Integral


Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

AA, representada pela Tutora, AA, instaurou ação declarativa sob a forma de processo comum contra BB e EMP01... Lda., pedindo que:
A) Seja declarada a nulidade da procuração junta como doc. nº ... da PI;
B) Seja declarada a falsidade do mesmo documento doc. nº ... da PI;
C) Uma vez declarada a nulidade supra requerida, seja declarado nulo o negócio de compra e venda entre os RR.
D) Seja declarada a nulidade do registo predial e consequentemente seja ordenado o seu cancelamento na Conservatória de registo civil ....
Alegou a mesma que por sentença proferida no processo 685/17...., do Juízo Local Cível ..., transitada em julgado em 14 de Março de 2019, foi declarada interdita e nomeada tutora a sua irmã, AA, fixando-se o começo dessa incapacidade a 31 de dezembro de 2012.
A autora é dona e legitima proprietária do prédio rrbano destinado a habitação composto por casa de ... e garagem e logradouro, sito no lugar ..., freguesia ... concelho ... descrito na Conservatória de registo predial ...65 da freguesia ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...72, com o valor patrimonial de 34.440 euros, prédio que pertencia aos seus pais, tendo entrado na sua esfera patrimonial e lhe sendo adjudicado por escritura publica de partilha de 14 de março de 2013.
Em meados de julho de 2016, a aqui tutora, tomou conhecimento que o imóvel propriedade da sua irmã, AA, onde a autora sempre residiu, onde reside e continua a residir já não lhe pertencia pois fora vendido tendo por base uma procuração outorgada ao 1º réu BB que, na qualidade de procurador da autora a vendeu à segunda ré, por escritura pública de 24 de março de 2016, pelo preço de € 25.000,00.
A procuração elaborada nos termos do artigo 38º do Dl nº 76-A/2006 DE 29/03 e Portaria nº 657 –B/2006DE 29/06 e (anexa) à escritura de compra e venda de 24 de março de 2016 para que o 1º réu concretizasse o negócio e elaborada/autenticada no escritório da Ex.ma Sra. Dra. CC, enferma de vários vícios, a saber, a falta de assinatura da autora como se poderá verificar pelo teor da procuração em causa; e que a autora não assinou a procuração e nunca o poderia ter outorgado em consciência, até porque apresenta sinais notórios de demência.
O principal motivo pelo qual o imóvel entrou na esfera patrimonial da autora foi, pelo facto de esta sofrer desde os 13 anos de idade de doença psicótica esquizofrénica, acautelar o seu futuro.
 Ora, jamais a outorgante AA, poderia notoriamente outorgar esta procuração dado que há já muitos anos se encontrava num adiantado estado de demência, e, por conseguinte, incapacitada para entender o significado do ato em que interveio, (Procuração) sendo que o referido estado, sendo notório, poderia e devia ter obstado a sua concretização.
O 1º réu, não podia desconhecer o quadro de demência em que a autora se encontrava há vários anos em continua atividade e progressão, até porque o 1º réu, reside no mesmo imóvel da autora, conjuntamente com a mãe de ambos.
Acresce que, como facilmente se constata, também pelo teor da referida escritura de compra e venda o referido negócio foi efetuado por um preço muito inferior ao valor patrimonial e isto porque, muito embora seja uma habitação com uma área pequena, trata-se de uma habitação unifamiliar, com três frentes, dispõe de uma boa localização e está servida de bons acessos quer relativamente à cidade ... quer em relação a estrada nacional ...-Guimarães da qual dista 2 km, tendo o mesmo um valor comercial de € 45.000,00.
A autora, reside, sempre residiu e continua a residir no imóvel alienado, não tem outra habitação, vive exclusivamente de uma pensão atribuída pela segurança Social, sendo que o negocio jurídico efetuado entre os réus põe em causa a sua própria subsistência.
Assim e nos termos do disposto nos nºs 1 e 2 do artº 257º do Código Civil é anulável a declaração feita por quem, devido a qualquer causa, se encontrava acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela ou não tinha o livre exercício da sua vontade, sendo o facto notório, quando uma pessoa de normal diligencia o poderia notar.
Em 15 de fevereiro de 2016, data em que a autora (outorgou) a referida procuração não estava em condições psíquicas que lhe permitissem entender e querer este acto sendo notório e conhecido dos réus, assim como de quem elaborou e autenticou a procuração (anexa à escritura de compra e venda), sendo a procuração é por isso anulável nos termos do disposto no preceito legal acima referido.
A autora, desconhecia e desconhece a celebração de tal negocio jurídico, não tendo no mesmo acordado, consentido ou sequer tomado conhecimento.

Citada veio a a ré EMP01... Lda., Sociedade Por Quotas apresentar contestação invocando a exceção de falta de capacidade judiciária da autora e a de falta de autorização para interposição da ação.
Alega ser o negócio celebrado válido, desconhecendo a mesma qualquer incapacidade da autora, até porque nunca contactou pessoalmente com ela.
Pede a suspensão da instância, por falta de autorização judicial da Tutora para a propositura da ação, para que a obtenha no prazo que lhe vier a ser assinalado e, não sendo obtida no prazo assinalado tal autorização, deve a eé ser absolvida da instância;
Pede que se julgue improcedente a ação, absolvendo-se a Ré de todos os pedidos.
No caso, que não se admite porque resulta dos documentos juntos aos autos, máxime da Procuração, que a ora autora aquando da outorga desse mandato/Procuração estava capaz, entendeu o conteúdo da dita Procuração e o mesmo correspondia, pelo menos nessa altura, à sua vontade; por isso a Sra. Advogada elaborou o termo de autenticação e colheu as assinaturas da mandante, aqui autora, no exercício de competências profissionais que possui nos termos da Lei vigente, e que refere como mera hipótese de raciocínio, de a ação vir a ser julgada procedente, e a compra e venda anulada, deve ser declarado que consequentemente, a autora é condenada a pagar à ré, quer o preço da compra e venda de o preço que esta pagou, aquando da escritura, pela compra da casa da autora (€25.000,00), acrescido do valor dos impostos (IMT e Imposto de selo) dos emolumentos notariais da outorga da escritura e respetivo registo predial.

Regularmente citado, o réu BB não contestou.

A autora apresentou articulado de resposta às exceções, pugnando pela sua improcedência.

Foram julgadas improcedentes as exceções de incapacidade judiciária da autora e de falta de autorização para interposição da ação.

Foi chamado o Ministério Público como interveniente acessório.

Foi proferido despacho saneador, fixado o objeto do litígio e selecionados os temas da prova.
Após a realização da audiência final, foi proferida sentença que julgou a ação procedente, e, em consequência:
A) Declarou a anulabilidade da procuração emitida pela autora a favor do réu BB, em 15/02/2016, junta como doc. nº ... da PI;
B) Declarou ineficaz, em relação à autora, o contrato de compra e venda junto como doc. de fls. 13-14, celebrado em 24/03/2016.
C) Em consequência, determinou o cancelamento do registo do imóvel descrito em 3º dos factos provados a favor da ré EMP01....
D) Absolveu os réus do demais peticionado.

Inconformada veio a 2ª ré recorrer da sentença formulando as seguintes conclusões:

 A- Nos presentes autos o Tribunal a quo proferiu o seguinte dispositivo,
a. Declaro a anulabilidade da procuração emitida pela Recorrida a favor do reu BB, em 15/02/2016, junta como Doc. N.º ... da pi;
b. declaro ineficaz, em relação à autora, o contrato de compra e venda junto como doc. de fls 13-14, celebrado em 24/03/2016;
c. Em consequência, determino o cancelamento do registo do imóvel descrito em 3.º dos factos provados a favor da Recorrente EMP01....
d. Absolvo os Réus do demais peticionado.
B- Para julgar a ação como procedente, por provada, o tribunal “a quo” considerou que a Recorrida, no momento da outorga da procuração de 15/02/2016, não se encontrava
capaz de compreender o sentido e alcance do documento que iria outorgar e que essa alegada incapacidade era conhecida do declaratório, o Réu BB.
C- O Tribunal a quo incorreu em erro, quer quanto à apreciação da matéria de facto quer quanto à subsunção dos factos ao direito.
D- Pelo que o recurso versa sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, e sobre matéria de direito.
E- O Tribunal a quo deu como provado os pontos 12) e 13) do elenco da matéria de facto, que se transcrevem:
12) Em 15 de fevereiro de 2016, aquando da outorga da procuração, referida em 4.º, a Recorrida não se encontrava em condições psíquicas que lhe permitissem entender
e perceber o ato que estava a realizar.
13) O Réu BB conhecia o estado de saúde da autora, aquando da outorga da
procuração.
F- O ponto 12) do elenco da matéria de facto não contém matéria factual mas sim matéria de natureza conclusiva -jurídica.
G- O ponto 12) do elenco da matéria de facto dada como provada corresponde a uma transcrição parcial do artigo 23.º da petição inicial, sendo ali descrito que “a Autora
não estava em condições psíquicas que lhe permitissem entender e querer (…)”, constituindo tal matéria natureza puramente conclusiva.
H- A conclusão de que a Recorrida “não se encontrava em condições psíquicas que lhe permitissem entender e perceber o ato que estava a praticar.” é matéria que não pode integrar a fundamentação de facto da sentença proferida pelo Tribunal “a quo” e, por conseguinte, o ponto 12) deve ser dado como não escrito.
I- Atente-se, nomeadamente, no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 06 de abril de 2021 no âmbito do processo n.º 2541/19.7T8STB.E1.S1
I. Reveste natureza jurídico-conclusiva, cuja utilização não é neutra do ponto de vista valorativo da incapacidade da doadora, para efeitos de anulação da doação, a afirmação de que a doadora não se encontrava na plenitude das suas faculdades intelectuais, mentais e cognitivas que lhe permitissem entender o sentido da sua declaração negocial, devendo ser havida como não escrita.
J- Expurgado o ponto 12) do elenco da matéria de facto dada como provada, por revestir matéria conclusiva, da restante matéria de facto dada como provada não se pode concluir que a Recorrida, no momento da outorga da procuração, estava incapaz de compreender e entender o sentido e alcance do ato que estava a praticar.
K- Não se mostra minimamente alegada, na petição inicial – e, por via disso, minimamente provada, em sede de fundamentação da matéria de facto – os factos essenciais que pudessem integrar a factispécie do instituto da incapacidade acidental, aquando da outorga da procuração, pela Recorrida, junta como Doc. N.º ... da petição inicial.
L- Nem foi dado como provado pelo tribunal a quo um alegado estado demencial da Recorrida– artigos 8.º, 11.º e 13.º da petição inicial.
M- A petição inicial caracteriza-se por matéria predominantemente conclusiva e jurídica, desprovida da alegação de factos concretos, sendo que a remessa para documentos não supre a necessidade de alegar os factos essenciais da causa de pedir.
N- A eliminação do ponto 12) do elenco da matéria de facto dada como provada, por revestir matéria conclusivo-jurídica implica, necessária e automaticamente, a total improcedência da ação, por inexistirem, do elenco da matéria de facto dada como provada, factos suscetíveis de se subsumirem ao instituto da incapacidade acidental com a consequente declaração de anulabilidade da procuração.
O- Na hipótese de se entender que o ponto 12) não reveste matéria conclusiva mas sim factual, deverá, ainda assim, esse ponto ser dado como não provado, já que a prova produzida conduziria, necessariamente, a uma decisão diversa da que foi proferida incorrendo o Tribunal a quo em erro de julgamento da matéria de facto.
P- A data em que foi apreciada e decidida a sentença que declarou a interdição da Recorrida (sentença proferida em 05/02/2019), a data em que a Recorrida foi sujeita a uma perícia médica (28/06/2018) bem como a prova gravada a que infra se irá referir impunham dar como não provado o ponto 12) do elenco da matéria de facto dada como provada.
Q- Do relatório médico de fls 18… - no que respeita à avaliação do percurso escolar da Recorrida e sua aprendizagem – e no depoimento prestado pela tutora da autora, a 13/09/2022, entre as 10h44:58 e as 11h15:38, com um depoimento total de 30 minutos e 39 segundos, constante do ficheiro de gravação 20220913104457_5673864_2870580 mais concretamente, nos trechos compreendidos entre os minutos 00h07:13 e as 00h07:30 e no depoimento da outra irmã da Recorrida– DD – prestado a 13/09/2022, entre as 11h16:21 e 11h28:53, depoimento gravado no ficheiro 20220913111621_5673864_2870580, mais concretamente, entre os minutos 00:06:59 e 00:07:12, que supra se transcreveu, revela-se uma contradição entre aquilo que as irmãs da Recorrida contextualizaram quanto ao percurso escolar da mesma e sua aprendizagem.
R- Dos depoimentos das três pessoas que assistiram à emissão, pela autora, da procuração datada de 15 de fevereiro de 2016, EE, funcionário administrativo do escritório de advogados onde foi elaborada e autenticada a procuração, que prestou depoimento em 13-09-2022, entre as 11:43:23 – 11:51:20, Ficheiro: 20220913114322_5673864_2870580, num total de 07 minutos e 56 seguintes, mais concretamente, nos trechos compreendidos entre os minutos 00:01:33 e 00:03:38; 00:04:31 e 00:05:03; CC, Advogada que autenticou a procuração, prestado em 12-01-2023, entre as 10:30:35 e as 10:38:41, gravada no ficheiro, 20230112103034_5673864_2870580, com a duração total de 08 minutos e cinco segundos, mais concretamente, entre os minutos 00:00:00 e 00:02:37; 00:02:45 e 00:04:00; 00:05:14 e 00:06:16; 00:06:24 e 00:06:39 e de FF, Advogado que presenciou a outorga da procuração e respetivo termo de autenticação, prestado em 12/01/2023, entre as 10:39:13 e 10:48:41, gravado no ficheiro 20230112103913_5673864_2870580, com a duração total de 09 minutos e vinte e sete segundos, mais concretamente, entre os minutos 00:02:31 e 00:07:18; 00:08:04 e 00:08:38 e 00:08:54 e 00:09:13 e a conjugação desses depoimentos com a data em que foi elaborado o relatório de médico de fls 18) deveria ser dado como não provado a matéria vertida no facto provado n.º 12).
S- Todas as testemunhas referidas na conclusão anterior são testemunhas absolutamente desinteressadas na procedência ou improcedência da presente ação pelo que o depoimento das mesmas, claro, conciso e explicativo deve ser valorado para apreciar positivamente a lucidez da Recorrida no momento em que receberam, da mesma, instruções para minutar uma procuração para que fosse outorgada pela Recorrida e autenticada.
T- Do mesmo modo, do depoimento das testemunhas GG, depoimento prestado em 12-01-2023, entre as 10:50:08 e as 11:06:40, depoimento gravado no ficheiro 20230112105007_5673864_2870580, com a duração total de 06 minutos e trinta e um segundos, mais concretamente, entre os seguintes minutos do seu depoimento: 00:03:20 e 00:06:06:16; 00:07:18 e 00:10:08; 00:11:06 e 00:13:14; 00:13:30 e 00:16:19 e HH, que depôs em 12/01/2023, entre as 11:12:00 – 11:20:50, depoimento gravado no ficheiro: 20230112111159_5673864_2870580, com um total de 08 minutos e quarenta e nove segundos, mais concretamente, nos seguintes trechos de gravação: 00:04:32 e 00:04:57; 00:05:48 e 00:08:36 resulta à saciedade que a Recorrida, no ato notarial em que recebe, por partilha, o bem que posteriormente foi adquirido pela Recorrente, demonstrava-se perfeitamente capaz de compreender e entender o alcance de uma declaração negocial.
U- A conjugação dos depoimentos indicados em R) e T), a insuficiência de prova documental pericial que atestasse um eventual estado de incapacidade – e qual – deve conduzir a dar como não provado a matéria vertida no facto provado n.º 12), o que necessariamente conduz à prova negativa do ponto 13) (do elenco da matéria de facto dada como provada), que é sequencial do ponto 12).
V- Por outro lado, o ponto 13) do elenco da matéria de facto dada como provada é, igualmente, conclusivo e insuficiente para integrar para integrar a segunda parte da previsão normativa do artigo 257.º /1 do Código Civil, sendo absolutamente insuficiente e inócua a matéria alegada em 13.º e 23.º da petição para prova positiva do facto n.º 13).
W- De todo o modo, o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento quanto à apreciação da matéria de facto, já que inexiste prova que conduzisse à prova positiva do ponto 13) do elenco da matéria de facto.
X- Do depoimento conjugado das testemunhas DD – entre os
minutos 00:01:22 e 00:01:34 e II, entre os minutos 00:08:05 e 00:09:05 ambos referiram não só não ter contacto com o Réu BB como sequer procuraram saber que intervenção é que o mesmo teve no ato notarial de 15 de fevereiro de 2016 e do seu conhecimento, ou não, quanto ao estado de saúde da Recorrida.
Y- Pelo que da conjugação dos depoimentos supra referidos e da ausência de qualquer outro meio de prova que o ateste, devem dar como não provado o ponto 13) do
elenco da matéria de facto dada como provada.
Z- A eliminação, do elenco da matéria de facto dada como provada, dos pontos 12) e 13) conduzirá à impossibilidade de subsumir a restante matéria de facto dada como
provada ao instituto de incapacidade acidental, no momento da outorga da procuração junta como Doc. N.º ... da petição inicial – 15 de fevereiro de 2016.
AA- O que conduzirá à total improcedência da ação, o que se Requer.
Subsidiariamente,
BB- Mantendo-se a sentença proferida pelo Tribunal a quo no que respeita à anulabilidade da procuração outorgada pela Recorrida em 15 de fevereiro de 2016 e, consequentemente, a ineficácia da escritura de compra e venda por via da qual a Recorrente comprou o prédio que pertencia à autora, deverá a decisão recorrida ser alterada, no sentido de se ordenar que seja restituída à Recorrente os montantes constantes do ponto 11) do elenco da matéria de facto dada como provada, correspondentes ao preço pela compra: €25.000,00 e de €824,12 a título de imposto de selo e custos notariais com a escritura.
CC- Todavia, o Tribunal a quo aplicou mal o direito ao facto dado como provado no ponto 11).
DD- A restituição das prestações prestadas no contexto de um negócio inválido ou ineficaz não carece de ser peticionada pela parte que pagou o respetivo preço nem decorrer de qualquer de matéria alegada em sede de reconvenção.; verdade sendo que a Recorrente, a título subsidiário, alegou na contestação – e que respetivo pedido – que a consequência da eventual procedência da ação seria a restituição à Recorrente dos montantes pagos.
EE- Atente-se, nomeadamente, no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no âmbito do processo n.º 2008/10.9TBACB.CI, datado de 10/05/2016
FF- A manter-se os pontos 12) e 13) dos factos provados – o que não se concede – sempre o facto provado n.º 11) e a manutenção da sentença proferida pelo Tribunal a quo, deve ordenar a restituição das prestações prestadas pela Ré, condenando-se a Recorrida a restituir à Recorrente o preço pago pela compra e venda, €25.000,00 (vinte e cinco mil euros) acrescido da quantia de €824,12 (oitocentos e vinte e quatro euros e doze cêntimos) a título de custos notariais e emolumentos com o registo da aquisição na conservatória predial, o que se Requer.
GG- Ao não proceder dessa forma o Tribunal a quo violou os artigos 289.º e 290.º do Código Civil, bem como o artigo 257.º do Código Civil,
Termos em que, e nos melhores de Direito,
Requer-se a V/ Exa seja o recurso julgado procedente, por provado, assim se fazendo inteira JUSTIÇA.

Contra alegou a autora formulando as seguintes conclusões:

1- O tribunal a quo apurou toda a matéria de facto para a solução desta causa.
2- A decisão proferida não contem qualquer nulidade, pois abordou de forma detalhada todas as considerações e juízos de valor trazidos pelos Recorrentes.
3- Os depoimentos em causa foram todos tidos pelo tribunal como credíveis, não havendo qualquer interesse em os depoentes beneficiarem o Autor ou prejudicar os RR.
4- A A, foi declarada interdita por Sentença proferida no processo 685/17....
5- Os fundamentos dessa interdição não levantam nenhumas duvidas quanto a incapacidade da A.
6- Que o quadro clinico é persistente e irreversível sendo o começo dessa incapacidade fixado por sentença em 31 de dezembro de 2012.
7- Que o imóvel é propriedade da A, e entrou no património da A, por esta apresentar problemas desde a adolescência (doença psicótica esquizofrénica) que a família lhe adjudicou para garantir o futuro desta.
8- Que a A, sempre residiu naquele imóvel onde nasceu, reside no imóvel, e continua a residir.
9- Que não é crível que perante este tipo de incapacidade a A, pretende se vender o imóvel sua única habitação não mais nenhum outro lugar para viver.
10- Que o 1º reu não contestou sequer a acção.
11-Que tinha conhecimento tal como todos os outros familiares diretos e indiretos vizinhos e amigos que a sua irmã, A nestes A sofria de problemas psiquiátricos desde Jovem.
12- Que tinha uma relação privilegiada com a sua A, pois residia com ela.
13-Que a A, não conhece sequer o valor do dinheiro logo não tinha nenhuma capacidade de administração dos seus bens.
14- A procuração emitida pela A, a favor do 1º reu, BB não lhe trouxe qualquer beneficio bem pelo contrário.
15-Os recorrentes não demostraram ao longo de Audiência de julgamento qualquer alteração ao estado da autora incapacitada.
16-Menosprezaram o facto de o imóvel ser a única casa da incapacitada e o único meio de poder prover pelo seu sustento num futuro próximo.
17- A posição dos Réus, agora recorrentes foi diligenciar com o objetivo de concluir um negócio mesmo contra a vontade expressa da A.
18-Da correspondência enviada à Autora, extrai -se a determinação para entregar a habitação da A.
19-É expectável que A, representada pela tutora procure justiça na verdadeira aceção da palavra para procurar pela mediação do tribunal o respeito a igualdade de todos os cidadãos.
20- A interdição da A, pressupõe uma incapacidade de exercício de direitos estando verificado no caso, sub judice todos os seus requisitos.
21- Nem os mesmos foram contraditados pelos réus nem estes tinham qualquer interesse em requerer outros meios complementares de diagnostico.
22- Ficou demonstrado que não só a autora não estava no momento da declaração em condições psíquicas que lhe permitissem entender o sentido e o alcance do acto que praticou, nem sequer compreendeu que estava a alienar o seu património, como se mostrou que o negocio jurídico lhe causou prejuízo.
23-Também não restam duvidas de que aos negócios jurídicos celebrados antes da propositura da acção é aplicável o regime da incapacidade acidental previsto no artigo 257 nº 1 e nº 2 do c. civil, e que a mesma exige para a anulabilidade do ato a cumulação de dois requisitos.
24-Encontram-se indubitavelmente provados nos autos os ditos requisitos da incapacidade acidental.
25- Pelo que deve à apelação ser negado provimento e confirmada a douta decisão recorrida.
26-Assim não merece qualquer censura ou reparo a decisão ora recorrida qual não pode ser deixada de ser mantida ou valorada.
Termos em que,
Pelo exposto, pelo mérito dos autos e pelo muito que V. Exas suprirão, devera o presente recurso de apelação ser julgado improcedente, mantendo se integralmente douta sentença recorrida,
Assim se fazendo JUSTIÇA!!!

Veio o Ministério Público apresentar a seguinte resposta:

Inconformado com essa decisão, o arguido interpôs recurso, invocando nas suas
alegações e conclusões, que (por facilidade de concretização optamos por sintetizar as
ideias plasmadas nas conclusões apresentadas):
- O tribunal avaliou erradamente a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento;
- Não foram alegados factos que suportem a inferência de que o irmão da outorgante da procuração não tinha como não saber que a mesma não tinha capacidade por força de incapacidade para reger a sua pessoa e bens para praticar o acto
B- Da Fundamentação da Posição
Em sede de audiência de discussão e julgamento o Ministério Publico defendeu a posição avançada pela ora recorrente porquanto considerou:
- Que se AA não estava capaz por anomalia psíquica para outorgar a procuração no ano de 2016 também não estaria capaz de intervir na escritura publico de partilha realizada em Março de 2013 na qual se adjudicou o prédio ora em causa à mesma.
- Que se a incapacidade teve o seu início fixado no ano de 2012, aquela já estaria
incapacitada para o acto e, por consequência, há contradição em defender ambas as ideias, ou seja que estava capaz em 2013 mas já não em 2016.
- Que a prova testemunhal aponta toda num sentido, ou seja, que, não foi perceptível qualquer incapacidade aquando da escrita e outorga da procuração.
- Que apesar de ser representante dos interesses da incapaz, não pode o Ministério Público ser alheio à prova produzida ou ausência dela;
Apesar de tal posição assumida não põe completamente de parte o juízo empreendido na sentença de que o irmão não podia ignorar as limitações de AA. No entanto cremos que inexiste nos autos suporte factual que nos deixe seguros nesse juízo e que somente poderá ser suportado em presunção judicial mas que esta, em si mesma, entronca no que acima se disse quanto à escritura de partilha que a beneficiou.
V. E.xas, no entanto, decidirão como for de JUSTIÇA.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

*
II. Objeto do recurso:

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, impondo-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes, bem como as que sejam de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas, cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, sendo certo que o tribunal não se encontra vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e que visam sustentar os seus pontos de vista, isto atendendo à liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito.
Assim considerando o teor das conclusões apresentadas pela recorrente e atrás supra transcritas, importa ao recurso aferir se, os pontos dados como provados sob os nºs 12 e 13 constituem matéria natureza puramente conclusiva e que, como tal, não podem integrar a fundamentação de facto, devendo ser dados como não escritos e, se assim não se entender, se face à prova produzida, a decisão de facto deveria ser distinta, designadamente no que aos factos dados como provados sob os nºs 12 e 13 diz respeito.
A proceder a impugnação importa aferir das consequências em termos de decisão de direito.
*
III. Fundamentação de facto:

Atenta a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, bem como os documentos juntos aos autos dão-se como assentes os seguintes factos:

1.º) A A, foi declarada interdita por Sentença proferida no processo n.º 685/17...., do Juízo Local Cível ..., transitada em julgado em 14 de Março de 2019, tendo-lhe sido nomeada tutora a sua irmã, AA (cfr. doc. de fls. 8-9, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
2.º) Nessa sentença foi fixado o início da incapacidade no dia 31 de dezembro de 2012.
3.º) Por escritura publica de Partilha realizada em 14 de março de 2013, foi adjudicado à autora, o prédio Urbano destinado a habitação composto por casa de ... e garagem e logradouro, sito no lugar ..., freguesia ... concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ...65 da freguesia ... e descrito na matriz predial urbana sob o artigo ...72, com o valor patrimonial de 34.440 euros.
4.º) Em 15/02/2016 a autora emitiu procuração a favor do réu BB, seu irmão, para, entre o mais, prometer vender, e vender, o prédio identificado em 3º, recebendo o respetivo preço (cfr. doc. de fls. 15 v. que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
5.º) A autora assinou a procuração, tendo a sua assinatura sido reconhecida e autenticada pela Drª CC (cfr. doc. de fls. 15 que aqui se dá por reproduzido).
6.º) O imóvel identificado em 3º foi vendido à 1ª ré por escritura pública de compra e venda celebrada em 24/03/2016, pelo preço de 25 mil euros (cfr. doc. de fls. 13-14 que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
7.º) Nessa escritura a autora esteve representada pelo réu BB, que apresentou a procuração referida em 4º.
8.º) O imóvel está registado na Conservatória do Registo Predial em nome da ré EMP01..., pela Ap. ...17 de 24/03/2016 (cfr. doc. de fls. 20).
9.º) A autora reside, sempre residiu e continua a residir no imóvel referido em 3º.
10.º) O 1º réu BB reside no imóvel referido em 3º, conjuntamente com a autora e a mãe de ambos.
11.º) A ré, além do preço, pagou a quantia de € 824,12 a título de imposto de selo, custos notariais e registais pela aquisição do imóvel referido em 3º.
12.º) Em 15 de Fevereiro de 2016, aquando da outorga da procuração, referida em 4º, a autora não se encontrava em condições psíquicas que lhe permitissem entender e perceber o ato que estava a praticar.
13.º) O réu BB conhecia o estado de saúde da autora, aquando da outorga da procuração.

4.2. Com relevância para a decisão da causa, não se provou que:

a) o imóvel referido em 3º tinha um valor comercial de 45 mil euros na data da venda à 2ª ré.
*
IV. Da impugnação da matéria de facto:

Como resulta das questões atrás identificadas, no recurso impugna-se a decisão da matéria de facto, sendo que nas suas alegações a 2ª ré/recorrente impugnou a decisão da matéria de facto, pretendendo se dê como não escritos os pontos que sob os nºs 12 e 13 se deram como provados e isto porque constituindo tal matéria natureza puramente conclusiva não podem integrar a fundamentação de facto.
A assim não se entender e como se requer, se julguem como não provados os factos dados como provados sob os nºs 12 e 13 e isto porque a prova produzida não permite chegar à conclusão do Tribunal a quo.

Vejamos, antes de mais se, como pretende a recorrente, se mostra conclusiva ou de direito a matéria constante dos pontos nºs 12 e 13 dos factos provados
12º “Em 15 de Fevereiro de 2016, aquando da outorga da procuração, referida em 4º, a autora não se encontrava em condições psíquicas que lhe permitissem entender e perceber o ato que estava a praticar”, e
13º O réu BB conhecia o estado de saúde da autora, aquando da outorga da procuração”
Seguiremos aqui a posição já assumida por este mesmo coletivo, no Acordão de 22 de junho de 2023, in www.dgsi.pt.
“De acordo com o princípio do dispositivo, incumbe ao autor/requerente alegar os factos que integram a causa de pedir e aos réus/requeridos aqueles em que se baseiam as excepções (forma de oposição), só podendo o julgador fundar a decisão nos factos alegados pelas partes.
Resulta do disposto no nº 1 do artº 5º do Código de Processo Civil que “às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas”.
Ou seja, não basta às partes a invocação de um direito subjetivo e a formulação de um concreto pedido ao tribunal, sendo que tão importante como isso, como referem os Drs Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol I, pág 26, 2ª edição, Almedina “(…) a alegação da relação material da qual o autor faz derivar o correspondente direito e, dentro dessa relação, a alegação dos factos constitutivos desse direito. Na verdade, a causa de pedir é entendida como o “facto jurídico de que procede a pretensão deduzida (artº 581º, nº 4), cumprindo ao autor que invoca a titularidade de um direito alegar os factos cuja prova permita concluir pela existência desse direito”.
Ora, tendo o nosso legislador feito, no âmbito do artº 581º do Código de Processo Civil, clara opção pela teoria da substanciação da causa de pedir, incumbe ao autor articular os factos dos quais deriva a sua pretensão. Assim a causa de pedir, conforme referem os autores na obra e página atrás citadas “(…) supõe a alegação do conjunto de factos essenciais que se inserem na previsão abstrata da norma ou normas jurídicas definidoras do direito subjetivo cuja tutela jurisdicional se pretende. A causa de pedir, servindo de suporte ao pedido, é integrada pelos factos (por todos os factos) de cuja verificação depende o reconhecimento da pretensão deduzida (…)”.
Refere o Dr Anselmo de Castro in Direito Processual Civil Declaratório, Almedina, Coimbra, vol. III, 1982, p. 268/269 que “são factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os factos reais, como os simplesmente hipotéticos”, depois acrescentando que “só, (…), acontecimentos ou factos concretos no sentido indicado podem constituir objecto da especificação e questionário (isto é, matéria de facto assente e factos controvertidos), o que importa não poderem aí figurar nos termos gerais e abstractos com que os descreve a norma legal, porque tanto envolveria já conterem a valoração jurídica própria do juízo de direito ou da aplicação deste”.
Neste mesmo sentido refere o Senhor Conselheiro Henrique Araújo in estudo “A Matéria de facto no processo civil”, publicado no sítio da Relação do Porto e acessível em www.trp.pt, que “(..) questão de facto é (..) tudo o que se reporta ao apuramento de ocorrências da vida real e de quaisquer mudanças ocorridas no mundo exterior, bem como à averiguação do estado, qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas” e que “(..) além dos factos reais e dos factos externos, a doutrina também considera matéria de facto os factos internos, isto é, aqueles que respeitam à vida psíquica e sensorial do indivíduo, e os factos hipotéticos, ou seja, os que se referem a ocorrências virtuais”.
Diga-se ainda que nesse sentido refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de março de 2014, in www.dgsi, relatado pelo Sr Conselheiro Mário Belo Morgado que “Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes”
Daqui resulta sem mais que incumbe às partes a alegação de factos, ou seja, das realidades ou circunstâncias factuais, às quais o tribunal irá atender para deferir ou não a pretensão formulada.
E é com base nessa alegação que o tribunal, conforme resulta do nº 4 do artº 607º do Código de Processo Civil, declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras da experiência.
Diga-se que a fronteira entre o que é um facto conclusivo, ou não, nem sempre é fácil de traçar.
No Acórdão do STJ de 14 de Julho de 2021 relatado pelo Se Conselheiro Júlio Gomes, in www.dgsi, refere-se que “Como refere HELENA CABRITA [A Fundamentação de Facto e de Direito da Decisão Cível, Coimbra Editora, Coimbra, 2015, pp. 106-107] “[o]s factos conclusivos são aqueles que encerram um juízo ou conclusão, contendo desde logo em si mesmos a decisão da própria causa ou, visto de outro modo, se tais factos fossem considerados provados ou não provados toda a ação seria resolvida (em termos de procedência ou improcedência) com base nessa única resposta”.
Ora, será que face ao referido estamos no caso dos factos provados vertidos sob conclusões no ponto 12º e no ponto 13º perante um conceito de direito porquanto se repete o texto do artº 257º do Código Civil?

Ora, no caso sub judice, encontramo-nos perante uma ação em que se pretende ver anulada uma procuração emitida por alguém, no caso a autora, que veio a ser declarada interditada e com efeitos anteriores à prática daquele ato.
Assim sendo e afim de se verificar se o facto referido em 12, antes mesmo de ser conclusivo é aqui relevante, importa aferir da distribuição do ónus por autora e ré.
Vejamos.
Nos presentes autos relevante é saber se a autora, à data da outorga da em que emitiu a procuração, se encontrava incapacitada ou não de entender o sentido da declaração negocial que por si foi proferida (a atribuição ao seu irmão de poderes para, entre o mais, prometer vender, e vender, o prédio atrás identificado, recebendo o respetivo preço) e se tal incapacidade era notória ou conhecida do declaratário (o futuro procurador), devendo entender-se como incapacidade notória aquela que uma pessoa de normal diligência poderia logo notar.
Sobre esta questão se pronunciou o Acordão da Relação de Coimbra de 10 de março de 2009, relatado pelo Sr Desembargador Jaime Ferreira, in www.dgsi.pt, nos seguintes termos:
“Sobre esta questão, e a propósito do valor dos actos praticados pelo interditando antes de ter sido requerida a sua interdição e publicado o facto pelos meios legais, havendo posterior decretação da sua interdição, expunha o Prof. Manuel A. Domingues de Andrade, in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, vol II, 4ª reimpressão, a pgs. 89/90 (a propósito do C. Civ. de 1867 e do artº 954º, nº 1, do CPC de 1939): “…a demência pode ser evidente porque o demente dá mostras bem claras dela e contudo não ser geralmente conhecida. É o caso de o demente viver dentro de um limitado círculo de pessoas que não divulguem o facto. A demência será evidente, por hipótese, mas só essas pessoas a conhecem. Por outro lado, a demência pode ser geralmente conhecida e não ser evidente. É o caso de o demente raras vezes dar sinais da sua anomalia e, no entanto, as pessoas que com ele convivem espalharem o facto, que por isso mesmo se torna geralmente conhecido.
Isto posto, qual será o verdadeiro sentido da lei?

Segundo a interpretação (dita actual) seguida, será notória a demência quando geralmente conhecida. A parte que argui a nulidade só terá a provar que ao tempo, isto é, na época do negócio, já existia a demência, sendo também notória ou conhecida do outro estipulante. Não carece de provar que o demente não estava num intervalo lúcido.
Mas não se segue daí que só dados aqueles factos possa ser anulado o negócio, nem que, dados eles, a nulidade seja inevitável. Se a demência não era notória ou conhecida da outra parte, pode todavia o negócio ser anulado provando-se que no momento da sua conclusão subsistia e vigorava o estado demencial. Se a demência era notória ou conhecida da outra parte, pode esta arredar a nulidade provando que naquele momento se verificava uma pausa no estado demencial – um intervalo lúcido.

Verifica-se, portanto, que a notoriedade da demência – ou o seu conhecimento pela contraparte – funciona de certo modo como a sentença de interdição ou como a instauração do respectivo processo, depois de devidamente publicada. Mas só de certo modo. Estabelece uma simples presunção iuris tantum (refutável) da existência do estado demencial no momento do negócio; mas não uma presunção iuris et de iure (irrefutável), isto é, uma certeza legal nesse sentido”.
E a pg. 91, escrevia: “Não tendo valor definitivo, até porque a data provável do começo da demência é marcada apenas como provável, parece, no entanto, que constituirá presunção que dispensará a prova de demência por parte do que a alega, comportando embora prova em contrário. A não ser este valor, não se vê que outro pudesse competir-lhe, e não deve supor-se que a lei tenha formulado uma exigência inútil”.
No mesmo sentido opinava o Prof. Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil”, 1973, a pgs. 454/455, onde escreveu: “A anulabilidade (dos negócios jurídicos levados a cabo pelos interditos anteriormente à publicidade da acção) tem, como condições necessárias e suficientes, os seguintes requisitos: 1) que, no momento do acto, haja uma incapacidade de entender o sentido da declaração negocial ou falte o livre exercício da vontade; 2) que a incapacidade natural existente seja notória ou conhecida do declaratário (contraparte nos contratos, destinatário da declaração nos negócios unilaterais receptícios, destinatário dos efeitos da declaração nos negócios unilaterais não receptícios)…O nº 2 do artº 257º esclarece que notório é um facto que uma pessoa de normal diligência teria podido notar… Para a anulabilidade destes actos não basta a prova da incapacidade natural, exige-se igualmente, para tutela da boa fé do declaratário e da segurança jurídica, a prova da cognoscibilidade da incapacidade”.
Também o Prof. Galvão Telles opina no mesmo sentido – veja-se “Parecer” na RT, ano 72, pg. 268”.
E continua o mesmo acórdão quanto à questão da notoriedade da incapacidade nos termos do disposto no artº 257º do Código Civil:
“A este propósito, o Prof. Castro Mendes, in “Teoria Geral”, 1978, vol. I, pág. 341/359, referia que “do artº 257º do C. Civ. resulta que o acto é anulável se a incapacidade era notória – no sentido de manifesta a uma pessoa de normal inteligência – ou conhecida da outra parte. Se a contraparte não conhecia a incapacidade nem se devia ter apercebido dela, o acto é válido... Se um maior demente, não interditado nem inabilitado, vende um objecto a outra pessoa, há que ver se ele no momento do acto estava lúcido ou não. Se estava, o acto é válido; se não estava: a) ou o comprador sabia que o vendedor não estava lúcido, ou, então, dever-se-ía ter apercebido dessa circunstância e, nestes dois casos, o acto é anulável; b) ou o comprador não sabia nem tinha que saber que o vendedor não estava lúcido e, então, o acto é válido. A anulabilidade está sujeita às regras gerais do artº 287º”.
Na jurisprudência, a propósito da interpretação e da aplicação do artº 257º do C. Civ., entre outros, podem ver-se os Ac.s STJ de 21/03/1995 e de 5/07/2001, respectivamente in C. J. STJ 1995, tomo I, pg. 130, e C.J. STJ 2001, tomo II, pg. 151, onde se escrevem as seguintes passagens: “A declaração negocial feita por quem, devido a qualquer causa, se encontrava acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela ou não tinha o livre exercício da sua vontade, desde que o facto seja notório ou do conhecimento de declaratário é anulável.
Considerando que, nos termos do artº 954º, nº 1, do CPC, a sentença que decretar a interdição fixará, sempre que seja possível, a data do começo da incapacidade, ela terá a maior importância prática para a aplicação do artº 257º. Na verdade, se o negócio tiver sido realizado posteriormente a essa data, há uma forte presunção de que ele foi celebrado por pessoa incapacitada de entender o sentido da declaração ou privada do livre exercício da sua vontade.
A fixação da data do início da incapacidade em acção de interdição, constitui uma presunção de facto da existência dessa incapacidade, para efeito de anulação de acto jurídico praticado em data posterior. A permanência da situação de incapacidade não é incompatível com a existência de intervalos lúcidos por parte da pessoa demente, cabendo aos interessados na manutenção do acto jurídico em causa, a prova dessa lucidez aquando da realização desse acto. A incapacidade é notória desde que seja cognoscível de declaratário ou por qualquer pessoa medianamente arguta, tendo aquele, por via de regra, pleno conhecimento dessa situação, quando mantém um relacionamento frequente com a incapacitada, chegando a exercer ascendência sobre a mesma, influenciando-a nos seus actos e tirando proveito pessoal dessa circunstância”.
Também no Ac. do STJ de 14/01/1975, in BMJ 243, pg. 199, foi entendido que “a fixação da data do início da incapacidade em acção de interdição constitui presunção de facto da existência da incapacidade para efeito de anulação de acto jurídico praticado em data posterior”.
Ou seja, pretendendo a anulação de ato praticado em momento anterior à sentença que decretou a interdição mas abrangido por esta porquanto praticado no período a que se reporta a incapacidade, cabe a quem da mesma pretende lançar mão, invocar a sentença, transitada em julgado que decretou a interdição e a data a que se reporta tal incapacidade e da qual resulta a presunção daquela incapacidade, cabendo assim ao réu alegar e demonstrar que na ocasião da outorga, no caso sub judice, da procuração, a autora tenha sido, como se refere no Acordão aqui referido, contemplada por uma momentânea capacidade de entender – uma lucidez providencial, com vista a afastar aquela presunção.
Concordando, pois, com tal exposição, cumpre referir que está assente que a autora, foi declarada interdita por sentença proferida no processo n.º 685/17...., do Juízo Local Cível ..., transitada em julgado em 14 de março de 2019, tendo-lhe sido nomeada tutora a sua irmã, AA, tendo sido fixado o início da incapacidade no dia 31 de dezembro de 2012.
Assente se encontra que por escritura publica de partilha realizada em 14 de março de 2013, foi adjudicado à autora, o prédio urbano destinado a habitação composto por casa de ... e garagem e logradouro, sito no lugar ..., freguesia ... concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ...65 da freguesia ... e descrito na matriz predial urbana sob o artigo ...72, com o valor patrimonial de 34.440 euros.
Assente se encontra também que em 15 de fevereiro de 2016 a autora emitiu procuração a favor do réu BB, seu irmão, para, entre o mais, prometer vender, e vender, o prédio atrás identificado, recebendo o respetivo preço, tendo a autora assinado procuração e tendo a sua assinatura sido reconhecida e autenticada pela Drª CC.
Por último, assente se encontra que o imóvel atrás identificado foi vendido à 1ª ré por escritura pública de compra e venda celebrada em 24 de março de 2016, pelo preço de 25 mil euros, sendo que, nessa escritura a autora esteve representada pelo réu BB, que apresentou a procuração atrás referida.
Ou seja, encontram-se assentes os factos que à autora cabia invocar e que fazem presumir a situação de incapacidade à data da outorga da procuração em crise.
E a assim ser, porque não se mostra relevante, não se apreciará do caracter conclusivo ou não do ponto nº 12 e, tendo-se em atenção que caberia à ré afastar a presunção em causa, apreciaremos sim, em termos de impugnação da matéria de facto, se a mesma o conseguiu.

E será que o ponto vertido sob o nº 13 - O réu BB conhecia o estado de saúde da autora, aquando da outorga da procuração - não pode ser dado como assente porquanto se traduz num conceito de direito porquanto se repete o texto do artº 257º do Código Civil?
Ora, salvo o devido respeito por contrária opinião, no ponto atrás referido deu-se como assente uma realidade ou circunstância factual – o conhecimento do estado de saúde da autora aquando da outorga da procuração.
Diga-se que não é porque o nº 1 do artº 257º do Código Civil faz referência a “desde que o facto seja notório ou conhecido do declaratário” que o conhecimento é um conceito de direito.
E mesmo que assim fosse, como já atrás se referiu, podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum e que por isso se equiparam aos factos, o que seria o caso.
Assim sendo, entendemos não ser o ponto nº 13º dos factos provados de dar como não escrito pois configura um facto, um acontecimento.
Questão distinta é se a prova produzida nos autos permitiria dar como provado aquele acontecimento ou circunstância factual.

Aqui chegados, vejamos, então e em termos gerais, quais os contornos em que a prova deve ser apreciada em 2ª instância.
De acordo com o disposto no nº 1 do artº 662º, do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Assim, os recursos da decisão da matéria de facto podem visar objetivos distintos, a saber:
a)a alteração da decisão da matéria de facto, considerando provados factos que o tribunal a quo considerou não provados, e vice-versa, com base na reapreciação dos meios de prova ou quando os elementos constantes do processo impuserem decisão diversa (no caso de ter sido apresentado documento autêntico, com força probatória plena, para prova de determinado facto ou confissão relevante) ou em resultado da apreciação de documento novo superveniente (nº 1 do artº 662º do Código de Processo Civil);
b)a ampliação da matéria de facto, por ter sido omitida dos temas da prova, matéria de facto alegada pelas partes e que se mostre essencial para a boa resolução do litígio (art. al. c) do nº 2 do artº 662º, do Código de Processo Civil);
c)a apreciação de patologias que a decisão da matéria de facto enferma, que, não correspondendo verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento, se traduzam em segmentos total ou parcialmente deficientes, obscuros ou contraditórios (também nos termos da al. c) do nº 2 do artº 662º, do Código de Processo Civil).
Ora, no caso sub judice, invoca a ré/recorrente, o erro de julgamento por parte do Tribunal a quo, pretendendo a alteração da decisão da matéria de facto, a saber, devendo ser considerados como não provados os factos vertidos sob os nºs 12 e 13.
Refere o D. Acordão desta Relação de Guimarães, de 7 de abril de 2016, in www.dgsi.pt, “Incumbe à Relação, enquanto tribunal de segunda instância, reapreciar, não só se a convicção do tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os outros elementos constantes dos autos revelam, mas também avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objecto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto”.
Ora, sem prejuízo de uma valoração autónoma dos meios de prova, não pode em tal operação esquecer a Relação os princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas.
Como refere o Dr Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª ed ,pág. 245, “(…) ao nível da reapreciação dos meios de prova produzidos em 1ª instância e formação da sua própria e autónoma convicção, a alteração da decisão de facto deve ser efectuada com segurança e rodeada da imprescindível prudência e cautela, centrando-se nas desconformidades encontradas entre a prova produzida em audiência, após a efectiva audição dos respectivos depoimentos, e os fundamentos indicados pelo julgador da 1ª instância e nos quais baseou as suas respostas, e que habilitem a Relação, em conjunto com outros elementos probatórios disponíveis, a concluir em sentido diverso, quanto aos concretos pontos de facto impugnados especificadamente pelo recorrente; Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida - que há de ser reanalisada pela Relação mediante a audição dos respetivos registos fonográficos -, deverá prevalecer a decisão proferida em 1ª instância, em observância dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso, nessa parte.”
Ou seja, a reapreciação da prova pela 2ª instância, não visa obter uma nova e diferente convicção, mas antes apreciar se a convicção do Tribunal a quo tem suporte razoável, à luz das regras da experiência comum e da lógica, atendendo aos elementos de prova que constam dos autos, aferindo-se, assim, se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão da matéria de facto.
De todo o modo, necessário se torna que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo recorrente, impondo, pois, decisão diversa da proferida pelo tribunal recorrido, conforme a parte final da al. a) do nº 1 do artº 640º, do Código de Processo Civil.
Competirá assim, ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, atendendo ao conteúdo das alegações da recorrente, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Em suma, a este tribunal da Relação caberá apurar da razoabilidade da convicção probatória do tribunal de primeira instância, face aos elementos de prova considerados, sem prejuízo de, como supra referido, com base neles, formar a sua própria convicção, sendo certo que, antes do mais se deve analisar se a recorrente cumpriu os requisitos de ordem formal que permitam a este Tribunal apreciar a impugnação que faz da matéria de facto.

Importa agora aferir se a recorrente que veio impugnar a decisão da matéria de facto, quanto a determinados pontos da matéria de facto provada e  não provada, cumpriu os requisitos de ordem formal que permitem a este Tribunal apreciar aquela impugnação, a saber, se especifica, como a lei impõe, os concretos pontos da matéria de facto que pretende ver apreciada e os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa para cada um dos pontos da matéria de facto impugnada, indicando com exatidão as concretas passagens da gravação dos depoimentos em que se funda o recurso.

Seguiremos aqui a posição já exposta no Acordão 2030/21.0T8VCT.G1, de 14 de setembro de 2023, relatado pela aqui relatora:
“A este propósito, estabelece o artº 640º do Código de Processo Civil que:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”.
Da leitura do preceito atrás citado resulta que, sem embargo da arguição de nulidades da sentença que visem a matéria de facto, o recurso pode versar a impugnação da decisão da matéria de facto provada ou não provada, devendo o recorrente concretizar quer os segmentos que entende erradamente julgados, quer os meios de prova que determinam uma decisão diversa.
Como refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de outubro de 2015, in www.dgsi.pt “Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa-fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão”.
Também o Acórdão de 19 de fevereiro de 2015, daquele mesmo Tribunal, in www.dgsi.pt, refere que “(...), a exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objeto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto.
(…)
Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, serve sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no nº 1 do artigo 662º do CPC.
(…)
É, pois, em vista dessa função, no tocante à decisão de facto, que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação com a sanção da rejeição imediata do recurso, ou seja, sem possibilidade de suprimento, na parte afetada, nos termos do artigo 640º, nº 1, proémio, e nº 2, alínea a), do CPC”.
(…)
Não sofre, pois, qualquer dúvida que a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº 1 do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada”.
Como refere o recente Acordão desta Relação de Guimarães, de 30 de março de 2023, relatado pela Srª Desembargadora Fernanda Proença Fernandes, in www.dgsi.pt e que aqui de perto seguimos, “Com este novo regime, em contraposição com o anterior, pretendeu-se que fosse rejeitada a admissibilidade de recursos em que as partes se insurgem em abstracto contra a decisão da matéria de facto.
Nessa medida, o recorrente tem que especificar os exactos pontos que foram, no seu entender, erradamente decididos e indicar, também com precisão, o que entende que se dê como provado.
A imposição de tais indicações precisas ao recorrente, visou impedir “recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, restringindo-se a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente.” (cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit., p.153)”.
A fim de evitar impugnações abstratas e genéricas da matéria de facto, incumbe ainda ao recorrente especificar os concretos meios de prova que entende serem determinantes para a impugnação de cada um dos factos que reputa erradamente decididos (neste sentido Dr Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª Edição, pág. 155).
Ou seja, ao recorrente que impugna a decisão da matéria de facto incumbe, quanto a cada um dos factos que entende ter sido erradamente decidido e pretende ver decidido de forma distinta, indicar, com detalhe, como se refere no último dos Acordãos citado, “(…) os meios de prova deficientemente valorados, criticar os mesmos e, discriminadamente, concluir pela resposta que deveria ter sido dada, evitando-se assim que sejam apresentados recursos inconsequentes, e sem fundamentação que possa ser apreciada e analisada.
Ou seja, não são admissíveis impugnações em bloco que avolumem num ou em vários conjuntos de factos diversos a referência à pertinente prova que motiva a pretendida alteração das decisões e que, na prática, se reconduzem a uma impugnação genérica, ainda que parcelar”.
Neste sentido decidiram os Acordãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de dezembro de 2017 e 5 de setembro de 2018, in www.dgsi.pt., quando, respetivamente, nos pontos II  e III - IV dos respetivos sumários referem que “II. Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em três “blocos distintos de factos” e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna.” (o primeiro) e “III - Limitando-se o impugnante a discorrer sobre os meios de prova carreados aos autos, sem a indicação/separação dos concretos meios de prova que, relativamente a cada um desses factos, impunham uma resposta diferente da proferida pelo tribunal recorrido, numa análise crítica dessa prova, não dá cumprimento ao ónus referido na al. b) do n.º 1 do art. 640.º do CPC”. e “IV - Ou seja, o apelante deve fazer corresponder a cada uma das pretendidas alterações da matéria de facto o(s) segmento(s) dos depoimentos testemunhais e a parte concreta dos documentos que fundou as mesmas, sob pena de se tornar inviável o estabelecimento de uma concreta correlação entre estes e aquelas.” (o segundo).
Acresce que incumbe, a quem pretende impugnar a decisão da matéria de facto, pondo em causa a convicção do Tribunal, sustentada na livre apreciação da prova e nas regras da experiência, em sede de motivação e conclusões, fazer uma análise crítica da prova, apresentando razões objectivas para contrariar a prevalência dada a um meio de prova sobre outro de sinal oposto, ou o maior crédito dado a um depoimento sobre outro contrário, não sendo suficiente para o efeito a mera transcrição de excertos de alguns dos depoimentos prestados (neste sentido Acordão da Relação de Guimarães de 11 de julho de 2017, in www.dgsi.pt).
E a este ónus de impugnação, acresce o ónus de conclusão, previsto no nº 1 do artº 639º, do Código do Processo Civil, que estabelece que o “recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”, definindo-se assim o objecto do recurso.
Assim, nas conclusões cabe ao recorrente indicar, de forma resumida, através de proposições sintéticas, os fundamentos de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou anulação da decisão, para que seja possível delimitar o objecto do recurso de forma clara, inteligível, concludente e rigorosa (neste sentido, Acordão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de junho de 2013, in www.dgsi.pt)”.
Aqui chegados, revertamos ao caso em crise.
A este propósito a ré/recorrente impugnou a decisão da matéria de facto, pretendendo que se altere o teor dos factos provados vertidos sob os nºs 12 e 13, dando-se os mesmos como não provados.
Assim sendo, podemos desde já dar como assente que em sede de motivação e conclusões, a recorrente identificou os pontos concretos, da matéria dada como provada que pretende impugnar e enunciou qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
E será que, como se lhe impunha, a recorrente indicou os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, indicando com exatidão, para cada um daqueles pontos, as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Entendemos que sim.
Efetivamente, resulta da motivação e das conclusões que
“(…)
Na hipótese de se entender que o ponto 12) não reveste matéria conclusiva mas sim factual, deverá, ainda assim, esse ponto ser dado como não provado, já que a prova produzida conduziria, necessariamente, a uma decisão diversa da que foi proferida incorrendo o Tribunal a quo em erro de julgamento da matéria de facto.
P- A data em que foi apreciada e decidida a sentença que declarou a interdição da Recorrida (sentença proferida em 05/02/2019), a data em que a Recorrida foi sujeita a uma perícia médica (28/06/2018) bem como a prova gravada a que infra se irá referir impunham dar como não provado o ponto 12) do elenco da matéria de facto dada como provada.
Q- Do relatório médico de fls 18… - no que respeita à avaliação do percurso escolar da Recorrida e sua aprendizagem – e no depoimento prestado pela tutora da autora, a 13/09/2022, entre as 10h44:58 e as 11h15:38, com um depoimento total de 30 minutos e 39 segundos, constante do ficheiro de gravação 20220913104457_5673864_2870580 mais concretamente, nos trechos compreendidos entre os minutos 00h07:13 e as 00h07:30 e no depoimento da outra irmã da Recorrida– DD – prestado a 13/09/2022, entre as 11h16:21 e 11h28:53, depoimento gravado no ficheiro 20220913111621_5673864_2870580, mais concretamente, entre os minutos 00:06:59 e 00:07:12, que supra se transcreveu, revela-se uma contradição entre aquilo que as irmãs da Recorrida contextualizaram quanto ao percurso escolar da mesma e sua aprendizagem.
R- Dos depoimentos das três pessoas que assistiram à emissão, pela autora, da procuração datada de 15 de fevereiro de 2016, EE, funcionário administrativo do escritório de advogados onde foi elaborada e autenticada a procuração, que prestou depoimento em 13-09-2022, entre as 11:43:23 – 11:51:20, Ficheiro: 20220913114322_5673864_2870580, num total de 07 minutos e 56 seguintes, mais concretamente, nos trechos compreendidos entre os minutos 00:01:33 e 00:03:38; 00:04:31 e 00:05:03; CC, Advogada que autenticou a procuração, prestado em 12-01-2023, entre as 10:30:35 e as 10:38:41, gravada no ficheiro, 20230112103034_5673864_2870580, com a duração total de 08 minutos e cinco segundos, mais concretamente, entre os minutos 00:00:00 e 00:02:37; 00:02:45 e 00:04:00; 00:05:14 e 00:06:16; 00:06:24 e 00:06:39 e de FF, Advogado que presenciou a outorga da procuração e respetivo termo de autenticação, prestado em 12/01/2023, entre as 10:39:13 e 10:48:41, gravado no ficheiro 20230112103913_5673864_2870580, com a duração total de 09 minutos e vinte e sete segundos, mais concretamente, entre os minutos 00:02:31 e 00:07:18; 00:08:04 e 00:08:38 e 00:08:54 e 00:09:13 e a conjugação desses depoimentos com a data em que foi elaborado o relatório de médico de fls 18) deveria ser dado como não provado a matéria vertida no facto provado n.º 12).
S- Todas as testemunhas referidas na conclusão anterior são testemunhas absolutamente desinteressadas na procedência ou improcedência da presente ação pelo que o depoimento das mesmas, claro, conciso e explicativo deve ser valorado para apreciar positivamente a lucidez da Recorrida no momento em que receberam, da mesma, instruções para minutar uma procuração para que fosse outorgada pela Recorrida e autenticada.
T- Do mesmo modo, do depoimento das testemunhas GG, depoimento prestado em 12-01-2023, entre as 10:50:08 e as 11:06:40, depoimento gravado no ficheiro 20230112105007_5673864_2870580, com a duração total de 06 minutos e trinta e um segundos, mais concretamente, entre os seguintes minutos do seu depoimento: 00:03:20 e 00:06:06:16; 00:07:18 e 00:10:08; 00:11:06 e 00:13:14; 00:13:30 e 00:16:19 e HH, que depôs em 12/01/2023, entre as 11:12:00 – 11:20:50, depoimento gravado no ficheiro: 20230112111159_5673864_2870580, com um total de 08 minutos e quarenta e nove segundos, mais concretamente, nos seguintes trechos de gravação: 00:04:32 e 00:04:57; 00:05:48 e 00:08:36 resulta à saciedade que a Recorrida, no ato notarial em que recebe, por partilha, o bem que posteriormente foi adquirido pela Recorrente, demonstrava-se perfeitamente capaz de compreender e entender o alcance de uma declaração negocial.
U- A conjugação dos depoimentos indicados em R) e T), a insuficiência de prova documental pericial que atestasse um eventual estado de incapacidade – e qual – deve conduzir a dar como não provado a matéria vertida no facto provado n.º 12), o que necessariamente conduz à prova negativa do ponto 13) (do elenco da matéria de facto dada como provada), que é sequencial do ponto 12).
V- Por outro lado, o ponto 13) do elenco da matéria de facto dada como provada é, igualmente, conclusivo e insuficiente para integrar para integrar a segunda parte da previsão normativa do artigo 257.º /1 do Código Civil, sendo absolutamente insuficiente e inócua a matéria alegada em 13.º e 23.º da petição para prova positiva do facto n.º 13)”.

Assim sendo, entendendo-se que a recorrente, no que à impugnação da matéria de facto diz respeito, cumpriu o triplo ónus da impugnação, cabe-nos apreciar da mesma.

Assim, vejamos agora se, conforme pretende a recorrente a prova produzida deveria conduzir a darem-se como não provados os factos elencados como provados sob os pontos:
12.º) Em 15 de Fevereiro de 2016, aquando da outorga da procuração, referida em 4º, a autora não se encontrava em condições psíquicas que lhe permitissem entender e perceber o ato que estava a praticar.
13.º) O réu BB conhecia o estado de saúde da autora, aquando da outorga da procuração.

Vejamos a motivação da matéria de facto resultante da sentença.
Na mesma refere-se que:

4.3) Motivação
O Tribunal formou a sua convicção com base na valoração conjunta e crítica da prova produzida em sede de audiência de julgamento, nos documentos juntos aos autos e nas regras da experiência comum e da lógica.
(…)
No que concerne aos pontos 12º e 13º importa considerar o seguinte: a autora foi declarada interdita por sentença proferida em 2019.
O início da incapacidade foi fixado em Dezembro de 2012 (pontos 1º e 2º).
O Réu BB é irmão da autora e vive com ela na mesma habitação.
O réu BB não contestou a ação.
Sobre o estado de saúde da autora depuseram as irmãs da autora, JJ e DD, e o cunhado da autora II. Nenhum dos três esteve na outorga da procuração. No entanto, todos referiram que era notório ao cidadão comum a incapacidade da autora. Estamos perante três pessoas que convivem com a autora há várias décadas, daí que possuam um conhecimento profundo do seu estado de saúde.
Referiram que celebraram a escritura de partilha referida em 3º para proteção da autora, tendo-lhe adjudicado o imóvel onde esta vivia com a sua mãe. Embora reconhecessem que a autora não estava capaz de entender o conteúdo da partilha, referiram que o fizeram para sua proteção.
A JJ disse que a autora sofre de problemas de saúde desde criança, é agressiva e pouco comunicativa.
A DD disse que a sua irmã e agressiva, sendo percetível que tem alguma incapacidade desde criança.
O II, que conhece a autora há 26 anos também referiu que sempre teve conhecimento das suas dificuldades de saúde.
Estas perceções empíricas acabam por ser corroboradas pelo teor do relatório pericial junto aos autos a fls. 18 e ss. (que serviu de base à decisão proferida no processo de interdição da autora). Deste relatório resulta que a autora sofre de doença psicótica esquizofrénica desde jovem, com história de internamentos por alterações de pensamento e de comportamento, ao longo da vida e progressivo agravamento da sua situação clínica.
Conclui o relatório que a data do início da incapacidade deve ser fixada em 2012, pois foi nessa altura que os défices funcionais e cognitivos da autora foram clinicamente observados, avaliados e registados.
Resulta ainda do relatório que a autora é observada em psiquiatria desde jovem.
Consta ainda do relatório que a autora foi internada por surto psicótico em 2012, daí ter sido essa a data fixada para o início da incapacidade.
Também resulta do relatório que a autora está incapaz de reconhecer o valor real do dinheiro ou de efetuar transações, por isolamento social e desuso dessa capacidade.
Consta ainda do relatório que a autora, em termos volitivos, está gravemente limitada na capacidade de reflexão e expressão da sua vontade, não tendo consciência mórbida da sua situação.
Quanto ao valor probatório da data de fixação da incapacidade, a jurisprudência tem atribuído a tal declaração judicial um valor meramente indiciário: não de uma presunção legal (iuris et iure ou iuris tantum), mas o valor de mera presunção simples, natural, judicial, de facto ou de experiência que, embora constitua um começo de prova, não inverte o ónus da prova da existência da incapacidade no momento da prática do ato – ónus que impende sobre quem pede a anulação.
Contudo, é legítimo falar a este propósito de uma forte presunção de que o negócio praticado depois da data em que principiou a incapacidade natural (segundo a sentença de interdição), foi celebrado por pessoa incapacitada de entender o sentido da declaração ou privada do livre exercício da sua vontade, sendo a esta luz que haverá como que um ónus “reforçado” de contraprova por parte dos demandados na ação – de contraprova da incapacidade, isto é, de que o ato foi praticado num momento “lúcido”.
A presunção judicial intercede na operação de apreciação e valoração da prova ao constituir um mecanismo necessário para levar o Tribunal a afirmar a verificação de certo facto controvertido, suprindo as lacunas de conhecimento ou de informação que não possam ser preenchidas por outros meios de prova, ou servindo ainda para valorar os meios de prova produzidos1.
1 Assim, o Ac. TRC, de 12/12/2017, proc. 123/15.1T8TCS.C1 (LUÍS CRAVO).
Pelo que, ainda que seja apenas uma presunção de facto, aquela data é relevante para se ter uma ideia concreta da data a partir da qual a incapacidade se passou a demonstrar de forma mais premente.
No caso dos autos, a perícia realizada e a data da fixação da incapacidade, conjugada com os demais elementos juntos, permitem perceber o estado de incapacidade da autora quando assinou a procuração.
As regras da experiência permitem concluir que o réu conhecia esse estado, pois é irmão da autora e vivia com ela na mesma habitação.
De facto, perante este quadro, resulta à saciedade que o réu BB não tinha como desconhecer o estado de saúde da sua irmã, aqui autora. Tinha obrigação de saber que esta não se encontrava capaz de transmitir a sua vontade.
Aliás, não é crível que alguém que não conhece o valor facial do dinheiro e de efetuar transações, seja capaz, num momento de lucidez, de passar uma procuração a um irmão para vender o imóvel onde reside a própria beneficiária. Mais, ainda menos crível é que o faça sem indicar um preço mínimo de venda. Caso a autora agisse do modo descrito, o momento nunca poderia ser de “lucidez”, pois a autora estava a mandatar o réu para lhe vender a habitação onde reside com a sua mãe sem saber sequer o valor da contrapartida dessa venda.
Até se admite que as testemunhas Drª CC, Dr. FF e o funcionário forense EE não se tenham apercebido da gravidade da situação da autora.
No entanto, e no que aqui importa, o relatório é claro e era impossível que o réu BB, que residia com a autora, não tivesse conhecimento das limitações desta. E é o seu conhecimento que releva para efeitos de anulabilidade da declaração, pois o réu é o destinatário/declaratário da mesma.
Tanto assim, é que o réu BB nem contesta a ação, aceitando os factos alegados na PI.
De facto, não se vê como é que alguém que desconhece o valor real do dinheiro emita uma procuração para venda de um imóvel e o faça de forma consciente.
Importa ainda ter em conta os factos relativos à escritura de partilha.
As irmãs da autora, JJ e DD e o cunhado da autora II referiram já na escritura de partilha referida no ponto 3º, a Srª Notária notou essa incapacidade, mas que, mesmo assim, decidiu prosseguir com a realização da escritura. Esta factualidade é desmentida, desde logo, pelas declarações da Srª Notária GG, que celebrou a escritura de partilha. Esta referiu que não notou qualquer incapacidade da autora, pois, caso contrário, não teria celebrado a escritura.
Apesar da negação da Srª Notária, o que releva é o conhecimento dos familiares da autora, como o réu BB, da situação clínica desta. Ou seja, pelo menos na data da celebração da partilha, já todos os irmãos tinham a perceção da incapacidade da autora.
Daí que se conclua pela prova dos pontos 12º e 13º.
(…)”.

Diga-se, desde já que, foram ouvidos na sua integralidade os depoimentos prestados por AA, tutora da autora, DD, irmã da autora, II, cunhado da autora porque casado com a irmã e tutora desta, EE, funcionário do escritório de Advogados FF e Associados, escritório onde foi realizada a procuração em crise nos autos, FF e CC, advogados daquele escritório, GG, notária que celebrou escritura de partilha em que outorgou, entre outros, a autora e HH, advogada que representava a mãe da autora naquela escritura e em outros atos burocráticos.
O Tribunal teve ainda em consideração o relatório de perícia médico legal elaborado a 28 de junho de 2018 e junto aos autos com a petição.

Vejamos.
Do relatório de perícia médico legal elaborado a 28 de junho de 2018 e junto aos autos com a petição resulta, com relevo que a autora frequentou a escola até ao 9º ano, sem problemas de aprendizagem e realizou um curso de auxiliar de educação, nunca tendo trabalhado.
Resulta que a mãe refere que, fora dos surtos psicóticos, a autora colabora nas tarefas domésticas, sabe cozinhar e trabalha no quintal.
Deste relatório resulta ainda que, em termos psiquiátricos a mesma é seguida em psiquiatria desde os 13 anos de idade, altura em que começou a apresentar alterações de comportamento graves, com isolamento, recusa em comunicar, havendo registo de comportamentos estereotipados e de tipo compulsivo.
Foi-lhe diagnosticado psicose – esquizofrénica, apresentando deterioração funcional e cognitiva.
Deste relatório resulta que a autora não estabelece naturalmente contacto visual, mostra-se inibida no relacionamento social e desconfiada.
Não consegue fazer a narrativa do seu percurso de vida, tem discurso muito pouco espontâneo e pobre, é incapaz de abstração de pensamento, ou de responder ao que se lhe pergunta, denotando deterioração cognitiva.
Em termos volitivos está gravemente limitada na capacidade de reflexão e expressão da sua vontade.
Conclui este relatório que a mesma apresenta estado de deterioração cognitiva, volitiva e emocional permanente que a impede em absoluto de se determinar em relação à gestão de si própria e do seu património. 

Do depoimento prestado por AA, tutora da autora resulta que:
a)não assistiu à outorga da procuração nem da escritura de compra e venda;
b)referiu que a irmã nunca esteve bem, foi sempre diferente, não concluindo o 6º ano de escolaridade, tendo piorado na adolescência, tornando-se agressiva, e apenas quando toma a medicação fica estabilizada;
c)referiu que aquando da celebração da escritura de partilhas, a notária a Drª GG se apercebeu da doença da irmã – não teve noção do que se estava a passar - e referiu não poder realizar aquele ato.
Tal problema foi desbloqueado pela Drª HH que convenceu a notária a realizar aquela escritura pois a autora seria beneficiada, acabando a autora por assinar a mesma.
Referiu a testemunha DD, irmã da autora que:
a)que aquando da escritura de partilha esteve presente assim como a autora;
b)referiu que aquando da celebração da escritura de partilhas, a notária a Drª GG se apercebeu da doença da irmã – não teve noção do que se estava a passar - e referiu não poder realizar aquele ato.
Tal problema foi desbloqueado pela Drª HH que convenceu a notária a realizar aquela escritura pois a autora seria beneficiada, acabando a autora por assinar a mesma.
c)à data não trataram de interditar a a autora pois entenderam que o ato a beneficiava;
d)a autora não tem momentos em que aparente ser normal, sendo visível a sua doença e isto porque mal fala, isola-se.

Referiu a testemunha II, cunhado da autora porque casado com a irmã e tutora desta que:
a)que aquando da escritura de partilha esteve presente assim como a autora;
b)referiu que aquando da celebração da escritura de partilhas, a notária a Drª GG se apercebeu da doença da irmã – não teve noção do que se estava a passar - e referiu não poder realizar aquele ato.
Tal problema foi desbloqueado pela Drª HH que convenceu a notária a realizar aquela escritura pois a autora seria beneficiada, acabando a autora por assinar a mesma.
c)à data não trataram de interditar a a autora pois entenderam que o ato a beneficiava;
d)a autora nunca está lúcida não tendo capacidade para fazer e entender negócios.

Referiu a testemunha EE, funcionário do escritório de Advogados FF e Associados, escritório onde foi realizada a procuração em crise nos autos, e a quem foi levantado o sigilo profissional que:
a)trabalha no escritório em causa, cabendo-lhe entre outras funções, tratar de procurações;
b)referiu que a autora e o seu irmão BB se deslocaram ao escritório em causa e aquela referiu à Drª CC que pretendia passar uma procuração a favor do irmão, entregando a escritura de partilha do imóvel em causa, tendo a mesma respondido às perguntas que lhe foram feitas, designadamente, para confirmar os dados.
c)a testemunha, sob indicação da Drª CC, datilografou aquela procuração que foi lida por aquela e explicada na sua presença e na do Dr FF, à autora e ao seu irmão;
d)a autora estava em perfeito estado, atenta, assinando de forma escorreita a procuração.

Referiu a testemunha FF, advogado e que apresentou levantamento do sigilo profissional que:
a)há cerca de seis sete anos, a autora e o seu irmão BB foram ao seu escritório afim de ser emitida uma procuração a favor do BB;
b)já no seu gabinete, a autora explicou que pretendia passar uma procuração a favor do seu irmão e apresentou a escritura de partilha da qual resultava lhe ter sido adjudicado um imóvel;
c)foi pedido o registo de propriedade e o cartão de cidadão que a autora entregou;
d)chamado o funcionário, o mesmo datilografou a procuração;
e) foi então a mesma lida e explicada a ambos pela Drª CC, tendo a mesma perguntado à autora se era essa a sua vontade, ao que a mesma respondeu que sim;
f)a autora assinou a procuração conforme o cartão de cidadão;
g)a autora falou e assinou não tendo a testemunha qualquer dúvida quanto à liberdade e esclarecimento com que o fez, caso contrário não teria sido feita a procuração, aliás como já várias vezes aconteceu.

Referiu a testemunha CC, advogada que:
a)se recorda da outorga da procuração uma vez que ainda se encontrava no início da sua atividade profissional;
b)a autora e o seu irmão BB foram ao seu escritório e no decorrer da consulta, a autora referiu que pretendia passar uma procuração ao irmão, entregando a escritura de partilha e o cartão de cidadão;
c)chamado o funcionário, o mesmo datilografou a procuração;
d)leu e explicou a ambos o teor da procuração, tendo a mesma perguntado à autora se era isso que pretendia e correspondia à sua vontade, ao que a mesma respondeu que sim;
f)a autora assinou o termo e a procuração conforme o cartão de cidadão;
g)a autora não era de falar muito, mas tinha um discurso normal, confirmando o que queria e dizendo que nas partilhas ficara com aquele imóvel/casa.

A testemunha GG, notária que celebrou escritura de partilha em que outorgou, entre outros, a autora referiu que:
a)lhe foi pedida a elaboração de escritura de partilha onde a autora outorgou e assinou;
b)como é seu habito e prática diária do seu cartório, a identificação dos outorgantes é pedida na secretaria pelas suas funcionárias que apercebendo-se de qualquer problema ou irregularidade, lhe comunicam, o que não aconteceu no caso;
c)à medida que vai sentando as pessoas no seu gabinete vai fazendo a análise das mesmas a fim de verificar se existe algum problema;
d)pede para que todos estejam atentos e para que tendo alguma dúvida a interrompam e após procede à leitura da mesma;
e)feita a leitura, explica a escritura, pergunta se está tudo bem, o que verificou na altura;
f)no seu cartório consta para além desta escritura uma outra do tempo da sua colega Drª KK, em que os outorgantes eram os mesmos e em que a autora assinou;
g)conhece a Drª HH, advogada que marcou aquela escritura e esteve presente na mesma;
h)não se recorda de ter sido levantada, quer pelos outorgantes, quer pela Drª HH qualquer dúvida;
i)não se recorda do BB estar contrariado;
j)desconhece o motivo subjacente à partilha;
l)não teve conhecimento de qualquer doença ou incapacidade da autora o que, de imediato a levaria a não realizar a escritura, e isto porque a tal está impedida e a realização da mesma não trás apenas benefícios à autora mas também obrigações como pagamento de IMI, IMT, tornas.

Referiu a testemunha HH, advogada que representava a mãe da autora na escritura de partilha e em outros atos burocráticos que:
a)aquando da celebração da escritura de partilha encontravam-se presentes todos os interessados e que assinaram a mesma;
b)a autora estava presente e assinou a escritura;
c)em nenhuma altura se apercebeu da incapacidade da autora para entender a escritura;
d)em nenhuma altura se apercebeu que a notária se tenha recusado a fazer a escritura por incapacidade da autora e em nenhum momento lhe pedir para fazer a escritura naquelas condições;
e)nunca pediria a um profissional para cometer uma ilegalidade.

Ora, como atrás se referiu, incumbia à ré, ora recorrente, a prova de que à data outorga da procuração a autora estava capaz de entender o conteúdo da mesma e o mesmo correspondia, pelo menos nessa altura, à sua vontade, factos alegados por aquela na sua contestação.
Entendemos que a ré não logrou demonstrar aqueles factos.
Se é certo que, para além dos outorgantes, estiveram presentes no ato de outorga de procuração, três testemunhas, EE, funcionário do escritório de Advogados FF e Associados, escritório onde foi realizada a procuração em crise nos autos, FF e CC, ambos advogados, a verdade é que como resultou do depoimento dos mesmos, estes não conheciam a autora nem o réu, tiveram contacto com a mesma apenas no dia da outorga da procuração, não mais os vendo.
E se é certo que, da conjugação destes depoimentos resultou que, aquando da outorga da procuração, foi a autora que explicou o que pretendia, tendo respondido a perguntas feitas, entregue os documentos solicitados, explicado como lhe fora ter às mãos o prédio a que se reportava a procuração, e ainda procedendo à assinatura conforme o constante do seu cartão de cidadão, não se pondo em dúvida estes depoimentos, a verdade é que os mesmos, para além de como atrás se disse não conhecerem a autora, não são médicos ou psiquiatras, não podendo a sua perceção afastar a apreciação feita em sede de relatório médico, designadamente, no que diz respeito à incapacidade da mesma para reconhecer o valor real do dinheiro, fazer transações, e exprimir a sua vontade.
Como refere a sentença em crise em sede de motivação e com o que se concorda “Aliás, não é crível que alguém que não conhece o valor facial do dinheiro e de efetuar transações, seja capaz, num momento de lucidez, de passar uma procuração a um irmão para vender o imóvel onde reside a própria beneficiária. Mais, ainda menos crível é que o faça sem indicar um preço mínimo de venda. Caso a autora agisse do modo descrito, o momento nunca poderia ser de “lucidez”, pois a autora estava a mandatar o réu para lhe vender a habitação onde reside com a sua mãe sem saber sequer o valor da contrapartida dessa venda”.
Já o depoimento da tutora, da sua irmã DD e do cunhado II tem de ser positivamente valorados uma vez que são pessoas que conhecem a autora desde sempre, convivem com a mesma e conhecem a sua doença e consequências da mesma.
Diga-se ainda que, se entende que a escritura de partilha “tivesse” sido outorgada porque em benefício da autora e daí não se tenha requerido a anulação da mesma.
Acresce que, em sede de depoimento a testemunha GG referiu uma escritura pública de partilha, outorgada perante a então notária Drª KK, pelos mesmos outorgantes e assinada também pela autora, mas a verdade é que se desconhece a mesma, porque não foi junta aos autos e se a mesma estaria abrangida pelo período de incapacidade fixado na sentença de interdição.
Nestes termos entendendo não ter sido afastada a presunção decorrente da declaração de interdição, julga-se improcedente a impugnação da matéria de facto e assim sendo dá-se como não escrito o facto elencado sob o nº 12 dos factos provados (atento o ónus da prova) e como não provado, o seguinte facto:
À data outorga da procuração a autora estava capaz, entendeu o conteúdo da mesma e o mesmo correspondia, pelo menos nessa altura, à sua vontade.

Diga-se que, em relação ao item dado como provado sob o nº 13º - O réu BB conhecia o estado de saúde da autora, aquando da outorga da procuração – se entende manter o teor do mesmo e isto porque o réu BB é irmão da autora, vive na mesma casa que a autora e assim sendo não poderia desconhecer a incapacidade de que a mesma é portadora.
Como se refere na motivação, com a qual concordamos, “No entanto, e no que aqui importa, o relatório é claro e era impossível que o réu BB, que residia com a autora, não tivesse conhecimento das limitações desta. E é o seu conhecimento que releva para efeitos de anulabilidade da declaração, pois o réu é o destinatário/declaratário da mesma.
Tanto assim, é que o réu BB nem contesta a ação, aceitando os factos alegados na PI”.
Assim sendo, julga-se, nesta parte, improcedente a impugnação da matéria de facto.
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V. Do direito:

Pretende a autora nos presentes autos a anulação de negócios jurídicos, a saber, a outorga de uma procuração e a outorga de escritura pública de compra e venda - que celebrou em data anterior ao decretamento da sua interdição, mas posteriormente à data fixada para o início dessa interdição.
Ora, como se refere e bem na sentença em crise, Toda e qualquer pessoa goza, desde o seu nascimento completo e com vida, de personalidade jurídica (artigo 66.º, nº 1 do CC). Essa personalidade jurídica imbuída de toda uma capacidade de gozo de direitos, corresponde, no normal das situações, uma capacidade de exercício de direitos. Com efeito, a capacidade de exercício de direitos tem vindo a assumir-se, nas palavras de MOTA PINTO, como “a idoneidade para atuar juridicamente, exercendo direitos ou cumprindo deveres, adquirindo direitos ou assumindo obrigações, por ato próprio e exclusivo ou mediante representante voluntário ou procurador, isto é, um representante escolhido pelo próprio representado. A pessoa, dotada da capacidade de exercício de direitos, age pessoalmente, isto é, não carece de ser substituída, na prática dos atos que movimentam a sua esfera jurídica, por um representante legal (designado na lei ou em conformidade com ela) e age autonomamente, isto é, não carece de consentimento, anterior ou posterior ao ato de outra (assistente).
Tendo presente que, em princípio, todas as pessoas têm capacidade de direitos (artigo 67.º e 130.º do CC), importa ter em conta que há quem possa ser/ficar limitado no exercício dos seus direitos, por força de fatores que as tornam menos aptas a regularem a sua vida de modo livre e por si só.
O legislador consagrou três institutos jurídicos dos quais pode resultar esta incapacidade de exercício de direitos e estabeleceu os modos como as incapacidades daí resultantes podem ser supridas. São eles, o instituto jurídico da menoridade, da interdição e da inabilitação.
Assim, as incapacidades reguladas nos anteriores artigos 122.º a 156.º do CC, consubstanciam um status jurídico que parte do reconhecimento de que determinadas pessoas, atenta a sua idade (no caso da menoridade), ou face a circunstâncias atinentes à sua saúde mental ou física (nas situações de interdição ou inabilitação), se encontram numa condição de diminuição natural que as impede de competir em condições regulares na vida jurídica3.
Ou seja: as disfunções orgânicas ou funcionais na constituição psicossomática de determinados sujeitos – determinando consequentemente uma deficiência da vontade ou do entendimento dos mesmos – provocam a intervenção do ordenamento jurídico de forma a estabelecer uma disciplina normativa que acautele os interesses pessoais ou patrimoniais dos sujeitos em questão. 
(…)
As incapacidades representam assim, um estatuto jurídico-processual, implicando a aplicação de regras jurídicas especificas e caracterizam-se por constituírem restrições tabeladas da capacidade jurídica que atingem uma universalidade de aspetos desta, por se fundarem em diminuições naturais das faculdades das pessoas, como foi já referido, e por o regime legal respetivo revelar um acentuado pendor tutelar.
Na linha de longa tradição doutrinária, a capacidade de exercício ou capacidade de agir pode assim ser definida como a aptidão de qualquer sujeito para ser titular, por si próprio e livremente, de situações jurídicas, ou, noutros termos, “(...) a idoneidade para atuar juridicamente, exercendo direitos ou cumprindo deveres, adquirindo direitos ou assumindo obrigações, por ato próprio e exclusivo ou mediante um representante voluntário ou procurador” (MOTA PINTO, cit., p. 214). Para MANUEL DE ANDRADE, a capacidade de exercício de direitos “(...) pressupõe, com efeito, na pessoa, uma vontade consciente e a aptidão para a determinar de modo legalmente reputado normal, e portanto para gestionar com mediano conhecimento de causa, sagacidade e prudência os seus próprios interesses”.
Anteriormente à redação dada pela Lei 49/2018, de 14 de agosto que introduziu o regime jurídico do maior acompanhado, estabelecia o nº 1 do artº 138º do Código Civil que poderem ser interditos todos aqueles que por anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira se mostrassem incapazes de governar suas pessoas e bens, sendo que, nos termos do nº 2 do mesmo preceito, o instituto da interdição seria aplicável a maiores, podendo todavia ser requerida e decretada dentro do ano anterior à maioridade, para produzirem os seus efeitos a partir do dia em que o menor se torne maior.
A interdição podia ser determinada por anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira e conduzia a uma incapacidade geral de exercício dos direitos e isto porque os portadores de tal incapacidade não se encontravam em condições de, por si, participar no tráfico jurídico.
Ora, no caso sub judice e conforme ficou demonstrado nos autos, foi a autora declarada interdita por sentença proferida no processo n.º 685/17...., do Juízo Local Cível ..., transitada em julgado em 14 de Março de 2019, tendo-lhe sido nomeada tutora a sua irmã, AA.
Nessa sentença foi fixado o início da incapacidade no dia 31 de dezembro de 2012.
Ora, por escritura publica de Partilha realizada em 14 de março de 2013, foi adjudicado à autora, o prédio Urbano destinado a habitação composto por casa de ... e garagem e logradouro, sito no lugar ..., freguesia ... concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ...65 da freguesia ... e descrito na matriz predial urbana sob o artigo ...72, com o valor patrimonial de 34.440 euros.
Em 15 de fevereiro de 2016 a autora emitiu procuração a favor do réu BB, seu irmão, para, entre o mais, prometer vender, e vender, o prédio identificado em 3º, recebendo o respetivo preço, procuração assinada pela autora, tendo a sua assinatura sido reconhecida e autenticada pela Drª CC.
O imóvel identificado em 3º foi vendido à 1ª ré por escritura pública de compra e venda celebrada em 24/03/2016, pelo preço de 25 mil euros, sendo que, nessa escritura a autora esteve representada pelo réu BB, que apresentou a procuração referida em 4º.
Ou seja, foram praticados atos jurídicos pela autora, atos anteriores ao decretamento da interdição da mesmas mas posteriores à data fixada para o início dessa interdição.
Ora, no que aos efeitos da interdição diz respeito, cabe distinguir os atos praticados, antes, durante e após o decretamento da interdição.
Assim, os negócios jurídicos celebrados pelo interdito após o registo da sentença de interdição definitiva são anuláveis nos termos do artº 148º do Código Civil.
Os negócios jurídicos celebrados pelo interdito depois de ser anunciada a propositura a ação de interdição, contando São igualmente anuláveis os negócios jurídicos celebrados pelo interdito depois de anunciada a proposição da ação nos termos da lei de processo, contando que esta venha a ser definitivamente decretada e se mostre que o negócio causou prejuízo ao interdito, são também anuláveis nos termos do nº 1 do artº 149º do Código Civil.
Conforme resulta do nº 1 do artº 150º do Código Civil, aos negócios celebrados pelo incapaz antes de anunciada a proposição da ação é aplicável o disposto acerca da incapacidade acidental.
Estabelece o artº 257º do Código Civil, sob a epígrafe “incapacidade acidental” que:
1. A declaração negocial feita por quem, devido a qualquer causa, se encontrava acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela ou não tinha o livre exercício da sua vontade é anulável, desde que o facto seja notório ou conhecido do declaratário.
2. O facto é notório, quando uma pessoa de normal diligência o teria podido notar.
Da leitura deste preceito resultam como requisitos da anulação de uma declaração negocial com base na incapacidade acidental que:
a)o autor da declaração, no momento em que a fez, se encontrava, ou por anomalia psíquica ou por qualquer outra causa, em condições psíquicas tais que não lhe permitiam o entendimento do ato que praticou ou o livre exercício da vontade;
b)esse estado psíquico era notório ou conhecido do declaratário.
Como refere a sentença em crise, “No caso dos autos, importa ter em conta que estão em causa dois negócios distintos: a outorga da procuração pela autora a favor do réu BB e o contrato de compra e venda que este celebrou como procurador da autora com a ré EMP01...”, negócios que tiveram lugar em 2016, ou seja e como já atrás dissemos, antes da instauração da ação de interdição mas posteriormente à data fixada para o início dessa interdição, sendo necessário aferir se a autora, à data da prática do primeiro desses atos - emissão da procuração a favor do réu BB - se encontrava ou não incapacitada de entender o sentido da declaração negocial que por si foi proferida e se tal incapacidade era notória ou conhecida do declaratário (o mandatário), devendo entender-se como incapacidade notória aquela que uma pessoa de normal diligência poderia logo notar.
Ora, atendendo a que a ré/recorrente não demonstrou, como lhe incumbia, que à data outorga da procuração a autora estava capaz, entendeu o conteúdo da mesma e o mesmo correspondia, pelo menos nessa altura, à sua vontade e tendo ficado demonstrado que o seu irmão era conhecedor de que naquela data a autora era incapaz de perceber o sentido da sua declaração e que a mesma não correspondia à sua vontade, provados estão os requisitos cumulativos da incapacidade acidental, entendendo-se anulável a procuração outorgada.
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VI. Decisão:

Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar improcedente o recurso de apelação intentado pela ré EMP01... Lda, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas pela ré/recorrente.
Guimarães, 7 de dezembro de 2023

Relatora: Margarida Gomes
Adjuntas: Maria Conceição Bucho
Raquel Rego.