ARRENDAMENTO URBANO
FINS NÃO HABITACIONAIS
RENOVAÇÃO DO CONTRATO
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
Sumário

I - A Lei n.º 13/2019 de 12.02 adoptou medidas destinadas, além do mais, a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios e a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano, que se concretizaram em alterações nomeadamente no artigo 1110.º do C.Civil, fixando, no silêncio das partes, o prazo mínimo de cinco anos de vigência do contrato celebrado para fins não habitacionais.
II - A expressão “não pode opor-se à renovação” nos primeiros cinco anos após o início do contrato, utilizada na redacção do n.º 4 do art.º 1110.º do CC, referente ao direito potestativo de oposição à renovação do contrato para fins não habitacionais, deve ser interpretada no sentido de que o contrato não pode ser extinto dessa forma antes de se completar o prazo de cinco anos, respeitando-se, assim, o objectivo do legislador de garantir um prazo mínimo de vigência contratual.
III - Todavia, o senhorio não está impedido de comunicar ao arrendatário a sua vontade de não o renovar por mais cinco anos desde que observe a antecedência convencionada ou prevista na lei, produzindo-se o efeito extintivo após o decurso do prazo de cinco anos.
IV - O regime, nesta matéria, é idêntico ao que é aplicável ao contrato de arrendamento para habitação, ou seja, a oposição à primeira renovação apenas produz efeitos decorridos os prazos mínimos de vigência de 3 ou 5 anos consoante seja um contrato de arrendamento para habitação ou comercial.

Texto Integral

Processo n.º 16892/22.0T8PRT.P1

Relatora: Anabela Andrade Miranda
Adjunta: Anabela Dias da Silva
Adjunta: Ana Lucinda Cabral

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Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I—RELATÓRIO
AA e BB propuseram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra “A..., Lda.”, pedindo que se declare a caducidade do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, com efeito desde o dia 16 de Abril de 2022, bem como se condene a ré a desocupar o imóvel locado, entregando-o às autoras livre de pessoas e bens, e no pagamento da quantia de 4.520,00€ e da quantia de 1.600,00€ por mês desde o mês de Outubro de 2022 até efectiva entrega do imóvel.
Alegaram, para tanto, ter celebrado com a ré um contrato de arrendamento destinado a comércio pelo prazo de cinco anos, renovável por iguais e sucessivos períodos, com início no dia 17 de Abril de 2017 mas que, tendo-se oposto à renovação do contrato com a antecedência legalmente exigida, a ré não restituiu o imóvel locado, tendo, por isso, vindo as autoras a imputar as quantias pagas pela ré desde a data que sustentam ter o contrato cessado no valor devido a título de indemnização pela mora no cumprimento da obrigação de entrega. Sustentaram a sua posição na interpretação do art. 1110.º, n.º4, do Código Civil, na redacção introduzida pela Lei n.º13/2019, de 12 de Fevereiro, com referência à ratio legis que defenderam ser a de impor a duração mínima de cinco anos do contrato.
A ré contestou invocando uma diferente interpretação da mesma disposição legal, prevalecendo-se do argumento literal e da diferente redacção dada pelo mesmo diploma ao paralelo art. 1093.º, n.º3, do Código Civil relativo ao regime do arrendamento para habitação e defendendo, em suma, que o prazo de cinco anos não se refere ao período mínimo do contrato mas a um prazo em que ao senhorio está vedado de exercer o acto jurídico (a emissão da declaração) apto a exercer o direito de oposição à renovação do contrato.
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Proferiu-se sentença que julgou a acção procedente, e em consequência, declarou cessado o contrato de arrendamento celebrado entre as partes em 17 de Abril de 2017 relativo à fracção designada pela letra “B”, correspondente a uma loja com entrada pelo n.º... do prédio sito na rua ..., no Porto, identificado como inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., condenou a ré a restituir à fracção identificada às autoras e no pagamento de 4.520,00€, bem como de 1.600,00€ por mês desde Outubro de 2022 (inclusive) até à efectiva entrega do imóvel.
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Inconformada com a sentença, a Ré interpôs recurso finalizando com as seguintes
Conclusões
1-Com a celebração do Contrato de Arrendamento, a Recorrente pagou às Recorridas 750,00€ Euros, para pagamento imediato da renda respeitante ao mês de Junho de 2017 e a importância de 750,00€ Euros a titulo de garantia, quantia esta que teria que ser devolvida no ato da entrega do Imóvel, encontrando-se este em boa condição de conservação.
2-O senhorio num contrato de arrendamento urbano para fins não habitacionais a termo certo só pode opor-se à renovação desse contrato depois de decorridos cinco anos após o início de vigência do mesmo, em virtude da aludida norma legal imperativa do n.º 4 do artigo 1110.º do Código Civil.
3-O Contrato de Arrendamento não tinha cessado a sua vigência em 16 de Abril de 2022, mas antes tinha-se renovado automaticamente por um período igual e sucessivo de cinco anos, com início em 17 de abril de 2022.
4-A Recorrente não procedeu à restituição do Imóvel em Abril de 2022 e continuou a ocupá-lo legitimamente como arrendatária, utilizando-o para as finalidades previstas no Contrato de Arrendamento e pagando tempestivamente a renda mensal devida com o valor ilíquido de 800,00 (oitocentos) euros, devendo as Recorridas emitir as faturas correspondentes.
5-Agindo de boa fé com base na transacção negociada que estava em conclusão com as Recorridas, mantendo a sua palavra – no dia 10 de Fevereiro de 2023 a Recorrente devolveu o Imóvel em bom estado de conservação e procedeu à devolução das respectivas chaves às Recorridas.
6-A Recorrente apenas devolveu o Imóvel porque tinha preparado essa devolução e a transferência do seu estabelecimento comercial para outra loja, com base na iminente conclusão de uma transacção judicial com as Recorridas, não porque concordasse com esse desfecho ou com o sentido da douta sentença recorrida.
7-O termo do contrato de arrendamento não habitacional em apreço com efeitos em 16 de Abril de 2022 só poderia acontecer se o senhorio pudesse deduzir oposição à renovação durante os primeiros cinco anos de vigência do contrato. O que é expressamente proibido pela norma do artigo 1110.º n.º 4 do Código Civil.
8-Não pode o intérprete afirmar que “o que decisivamente põe termo ao contrato é o decurso do prazo”, quando o legislador impõe expressamente que “o contrato celebrado por prazo certo renova-se automaticamente no seu termo” e que o senhorio não se pode opor à renovação naquele período inicial.
9-A oposição à renovação imposta pelas Recorridas foi manifestamente ilegal e carecia de fundamentação legal para o efeito.
10-A douta sentença recorrida fez incorreta valoração e interpretação da norma constante do n.º 4 do artigo 1110.º do Código Civil, devendo esta ser interpretada como restringindo o direito de realizar uma acção - de oposição à renovação pelo senhorio no contrato de arrendamento urbano para fins não habitacionais, nos cinco primeiros anos após o início do contrato, independentemente do prazo estipulado.
11-Não pode o intérprete interpretar esta norma e aplicá-la com o mesmo teor do artigo 1097.º n.º do Código Civil, que limita no tempo o efeito legal de qualquer acção de oposição à renovação, mas não restringe o direito de realizar essa acção.
12-Foi intenção do legislador que a interpretação das duas normas citadas deverá resultar em aplicações e cominações diferenciadas – uma das quais limitando um efeito no tempo e a outra restringindo no tempo a possibilidade de realizar uma acção.
13-O intérprete não pode desconsiderar esse sentido e inverter a lógica normativa por não concordar com a mesma e aplicar a norma com um sentido diverso do que está estatuído na norma.
14-No caso sub judice (a) a oposição à renovação feita pelas Recorridas nunca poderia ter sido realizada antes de 16 de Abril de 2022 inclusive (correspondente ao termo do prazo inicial de 5 anos do contrato), (b) o Contrato de Arrendamento tinha sido renovado automaticamente por um período adicional de 5 anos, (c) o Contrato de Arrendamento não devia ter sido declarado cessado, (d) a restituição do Imóvel pela Recorrente não devia ter sido imposta, (e) a douta sentença recorrida deveria ter incluído no computo do valores em dívida aquele pago pela Recorrente a título de garantia e (f) as Recorridas devem emitir faturas correspondentes às rendas pagas entre Abril de 2022 e a restituição do Imóvel.
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As Recorridas apresentaram resposta, sem conclusões.
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II—Delimitação do Objecto do Recurso
A questão principal decidenda, delimitada pelas conclusões do recurso, consiste em reapreciar a questão de saber se o contrato de arrendamento, para fins não habitacionais, caducou por efeito da válida e eficaz oposição à renovação automática.
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III—FUNDAMENTAÇÃO
FACTOS PROVADOS (elencados na sentença)
1) Em 17 de Abril de 2017, as autoras e a ré celebraram um acordo, que reduziram a escrito e intitularam de “contrato de arrendamento para fins não habitacionais de duração limitada (termo certo)”, mediante o qual aquelas cederam a esta o gozo da fracção designada pela letra “B”, correspondente a uma loja com entrada pelo n.º ... do prédio sito na rua ..., no Porto, identificado como inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., para o exercício do comércio de artigos de vestuário, pelo prazo de cinco anos, renovável por iguais e sucessivos períodos, com início em 17 de Abril de 2017, mediante o pagamento da renda mensal de 750,00€ no primeiro ano de vigência do contrato e de 800,00€ no segundo ano de vigência do contrato, valor este actualizável nos anos subsequentes, pagável no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que dissesse respeito.
2) Ficou estipulado que:
- “Qualquer das partes que pretenda opor-se à renovação automática do presente contrato para o termo do seu período inicial, ou de qualquer uma das suas renovações, deve fazê-lo comunicando tal facto à parte contrária, com a antecedência mínima de 3 meses, através de carta registada com aviso de receção, dirigida ao domicílio convencionado do destinatário.” (cláusula segunda, ponto 2).
- “No termo do contrato o local arrendado será entregue pela Arrendatária às Senhorias totalmente devoluto de pessoas e bens, em perfeito estado de conservação e limpeza, (…).” (cláusula décima primeira, ponto1).
3) O valor da renda actual ascende a 800,00€, correspondendo à quantia líquida de 600,00€.
4) As autoras remeteram à ré uma carta datada de 31 de Março de 2021 e recepcionada a 31 de Março de 2021, pela qual declararam pretender pôr termo ao contrato com efeito no dia 16 de Abril de 2022.
5) As autoras enviaram à ré uma carta datada de 6 de Abril de 2022, com a qual remeteram um cheque no valor de 260,00€ com a indicação de corresponder à renda referente aos dias 18 de Abril de 2022 a 30 de Abril de 2022.
6) A ré pagou às autoras por transferência bancária no dia 30 de Março de 2022 a quantia de 600,00€ para pagamento da renda do mês de Maio de 2022.
7) As autoras remeteram à ré uma carta datada de 2 de Maio de 2022 pela qual declararam que iriam imputar o valor referido em 6) no valor da indemnização que entendem ser devida pela mora na restituição do imóvel locado.
8) A ré pagou ainda às autoras a quantia de 800,00€ por mês com referência aos meses de Junho, Julho, Agosto e Setembro de 2022.
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IV-DIREITO
A questão nuclear de direito que cumpre reapreciar consiste em saber se o contrato de arrendamento celebrado entre as partes, para fins não habitacionais, caducou em consequência da válida e eficaz manifestação de vontade do senhorio de não renovação do contrato por mais cinco anos.
A noção de locação consta expressamente do art.º 1022.º do C.Civil como o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição.
A Lei n.º 6/2006 de 27.02 aprovou um novo regime do arrendamento urbano (NRAU) e revogou o RAU (regime de arrendamento urbano), instituído na ordem jurídica pelo Dec.-Lei n.º 321-B/90 de 15.10, em vigor desde 18.11.1990.
Através da mencionada Lei n.º 6/2006, o artigo 1110.º do C.Civil, sob a epígrafe de “Duração, Denúncia ou oposição à renovação”, foi objecto de uma nova redacção nos seguintes termos:
1-As regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação.
2-Na falta de estipulação, o contrato considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de 10 anos, não podendo o arrendatário denunciá-lo com antecedência inferior a um ano.
Relativamente aos contratos de arrendamento para habitação regia o artigo 1094.º do C.Civil que possibilitava, no n.º 1, a celebração do contrato com prazo certo ou por duração indeterminada e, no n.º 3, previa-se que, no silêncio das partes, o contrato considerava-se celebrado por prazo certo, pelo período de cinco anos.
Os contraentes eram, assim, livres de estabelecer o prazo que entendessem, não estando sujeitos a observar um prazo mínimo de duração do contrato de arrendamento para habitação ou para fins não habitacionais.
Porém, o regime supletivo, para a hipótese de não ser estipulada a duração do contrato, implicava que se considerasse celebrado por 10 anos, se o fim fosse não habitacional e por 5 anos no contrato para habitação.
Qualquer das partes podia opor-se à renovação automática do contrato desde que respeitasse o pré-aviso estabelecido nos arts. 1097.º[1] e 1098.º do C.Civil.
Portanto, a título de exemplo o senhorio podia impedir a renovação do contrato com duração de cinco anos mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima de 120 dias-v. art. 1096.º e al. b) do art. 1097.º ex vi art. 1110.º, n.º 1 do C.Civil.
A Lei n.º 13/2019 de 12.02[2] adoptou “Medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade”[3] introduzindo, além de outras, alterações no artigo 1110.º do C.Civil.
No silêncio das partes, fixou, no n.º 2, o prazo contratual de cinco anos (em substituição do prazo de 10 anos) e aditou as seguintes disposições normativas:
3-Salvo disposição em contrário, o contrato celebrado por prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de cinco anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 1096.º.
4.Nos cinco primeiros anos após o início do contrato, independentemente do prazo estipulado, o senhorio não pode opor-se à renovação.” (sublinhado nosso)
No que tange ao arrendamento habitacional, mantiveram-se os prazos de antecedência para o senhorio impedir eficazmente a renovação automática do contrato e acrescentou-se no n.º 3 do art. 1097.º do C.Civil que “A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte.”
É justamente na interpretação do aditamento ao art. 1110.º do CC, concretamente do n.º 4, que reside o dissenso entre as partes e é discutido na doutrina e na jurisprudência: a Recorrente sustenta que é vedado ao senhorio impedir a renovação do contrato nos cinco primeiros anos de vigência e ao invés, na sentença, acolhendo a tese das Autoras, concluiu-se que se trata apenas de um prazo imperativo de cinco anos de duração do contrato e, como tal, o senhorio pode opor-se à renovação automática por igual período, sendo um direito exercitável antes de finalizados os cinco anos.
Sobre a interpretação da lei, devemos ter sempre presente as regras consagradas no artigo 9.º do C.Civil.
Assim, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (n.º 1 do art. 9.º CC).
Iniciando a nossa tarefa interpretativa relembrando o espírito do legislador e tendo presente a unidade da ordem jurídica desde logo emerge a ideia basilar consistente no propósito legislativo de reforço da estabilidade e segurança do arrendamento urbano e da protecção do arrendatário.
Estas finalidades subjazem às medidas através das quais o legislador impôs aos contraentes prazos mínimos de vigência contratual de cinco e três anos respectivamente no contrato de arrendamento para fins não habitacionais e para habitação, impedindo expressamente a oposição da renovação automática do contrato, pelo senhorio, antes do término desses prazos.
Ora, os mencionados objectivos que o legislador pretendeu alcançar ficam completamente assegurados, no âmbito do regime supletivo da renovação automática do contrato, desde que a oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas revista eficácia em termos extintivos, por caducidade, decorridos três ou cinco anos, consoante se trate de arrendamento para habitação ou para fins não habitacionais, mantendo-se, como refere o art. 1097.º, n.º 3 do CC, o contrato em vigor até essa data.
O que não impede, ou em bom rigor exige que o direito potestativo de oposição à renovação seja exercido, com a antecedência legal ou convencional, antes de se completar o prazo de cinco anos, no caso de arrendamento para fins não habitacionais.
A interpretação do art. 1096.º do C.Civil que regula a renovação do contrato para habitação, com prazo certo, tem igualmente gerado controvérsia na doutrina e na jurisprudência mais precisamente sobre a questão de saber se a supletividade da norma se estende aos períodos de renovação, como nos dá nota o Acórdão do STJ de 20/09/2023[4] que conclui da seguinte forma “O n.º 3 do art.º 1097.º obsta a que, estando um contrato de arrendamento renovável, com a duração inicial de um ano, sujeito à renovação mínima de três anos, cesse antes desse “tempo”, por oposição do senhorio à renovação.
A interpretação no sentido de que é permitido o exercício do direito à oposição da renovação automática desde que o contrato de arrendamento para fins não habitacionais cumpra uma vigência mínima de cinco anos respeita o objetivo anunciado no art.º 1.º da Lei n.º 13/2019 de “reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano”.
Por outras palavras, na hipótese do contrato para fins não habitacionais ter sido celebrado por um prazo inferior a cinco anos, só é permitido ao senhorio impedir a primeira renovação após ter decorrido um período de vigência de cinco anos mas permite-se, como é evidente, o exercício dessa manifestação de vontade extintiva, com a antecedência legal ou contratual relativamente ao termo dos primeiros cinco anos, com eficácia deferida para o termo desse período temporal.[5]
Pelo elemento sistemático chegamos igualmente à mesma conclusão, ou seja, através da leitura e interpretação articulada dos n.ºs 3 e 4 do art.º 1110.º do C.Civil.
Considerando que a norma do n.º 3 do art. 1110.º do CC determina a renovação automática do contrato celebrado por prazo certo, por cinco anos, mesmo que a duração seja inferior, consequentemente, a eficácia da oposição a essa renovação deduzida pelo senhorio, estabelecida no n.º 4, também não podia ser permitida antes de decorridos os cinco anos de vigência, sob pena de se prejudicar o objectivo de estabilidade contratual visado pelo legislador.
Por conseguinte, os princípios de interpretação designadamente a mens legis que auxiliam o intérprete nesta tarefa permitem-nos reconhecer que o contrato de arrendamento urbano para fins não habitacionais, pese embora a liberdade que assiste aos contraentes de fixarem o prazo que melhor convém aos respectivos interesses, deve imperativamente respeitar uma duração mínima de cinco anos.
Atendendo à disciplina que regula o direito do senhorio de impedir a renovação automática do contrato para habitação ou comercial (art. 1097.º e 1110.º do CC) não faria sentido a introdução de um regime significativamente mais gravoso no arrendamento urbano para fins não habitacionais que se traduziria, no caso concreto, na imposição de um período de duração do contrato de dez anos.
Ou seja, no caso em análise em que o contrato para fins não habitacionais foi celebrado pelo prazo de cinco anos, a sua duração, se fosse plausível a interpretação meramente literal do preceito, não era de cinco anos tal como as partes acordaram mas sim do dobro, i. é, passaria a ter dez anos de duração.
O regime, nesta matéria, é idêntico ao que é aplicável ao contrato de arrendamento para habitação : a oposição à primeira renovação apenas produz efeitos decorridos os prazos mínimos de vigência de 3 ou 5 anos consoante seja um contrato de arrendamento para habitação ou comercial.
Nesta conformidade, podemos seguramente concluir, tal como foi exposto fundamentadamente na sentença, que a expressão legal “não pode opor-se à renovação” nos primeiros cinco anos após o início do contrato, utilizada na redacção do n.º 4 do art.º 1110.º do CC deve ser interpretada no sentido de que o contrato de arrendamento para fins não habitacionais não pode ser extinto por oposição à renovação antes de se completar o prazo de cinco anos mas o senhorio não está impedido de comunicar ao arrendatário a sua vontade de não o renovar por mais cinco anos desde que observe a antecedência prevista para esse efeito.
Numa palavra, apelando às regras interpretativas e presumindo-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas (art.º 9.º, n.º 3 do CC) afigura-se-nos que o efeito extintivo do contrato consequente à manifestação da oposição à renovação automática deduzida pelo senhorio só se produz concluído que esteja o prazo de cinco anos, respeitando-se, desta forma, o mínimo de vigência do contrato e o espírito do legislador.[6]
Neste sentido, Jessica Ferreira reconhece que “A nosso ver, a solução que melhor se coaduna com o espírito da lei é a última, e que tem suporte na letra do art.º 1097.º, n.º 4. Ou seja, o que se pretende é deferir a produção de efeitos da primeira oposição à renovação deduzida pelo senhorio, de forma a garantir que o contrato de arrendamento habitacional dure pelo menos três/cinco anos, consoante seja habitacional ou não habitacional (salvo se o arrendatário pretender antes disso opor-se à sua renovação ou denunciá-lo) e não impedir que, durante esses três/cinco anos, o senhorio possa exercer o seu direito de oposição à renovação, coartação essa da qual poderia, na prática, resultar uma duração mínima do contrato de arrendamento bastante superior àquela que o legislador quis acautelar e que se reflete, também, nos novos prazos supletivos de duração dos períodos de renovação dos contratos.”[7]
Ana Isabel Afonso[8], citada pelas Recorridas, defende a mesma posição: “…cremos que o alcance do prazo mínimo de cinco anos para que o senhorio possa opor-se à renovação do contrato é idêntico ao da norma constante do arrendamento habitacional (art. 1097.º, n.º 3): a oposição à renovação não será eficaz antes de se terem completado cinco anos de duração do contrato, mas a declaração pode ser manifestada antes do decurso desse prazo para produzir os seus efeitos logo que este tenha decorrido. Não vemos qualquer razão para se defender uma interpretação mais rigorosa da solução normativa no domínio do arrendamento não habitacional. Sendo assim, o contrato de arrendamento para fins não habitacionais terá uma duração mínima de cinco anos, salvo se o contrato fixar a caducidade no fim do prazo inferior a cinco anos» - sublinhado nosso.
O contrato de arrendamento, nos termos do art.º 1079.º do C.Civil, pode cessar por acordo das partes, por resolução, por caducidade, por denúncia ou por outras causas previstas na lei.
A oposição, válida e eficaz (por ter observado os requisitos de forma e de antecedência) à renovação do contrato de arrendamento determina a caducidade do contrato (art.º 1051.º, al.a) do CC), como sucedeu no caso em apreço face à factualidade dada como provada.
Ora, tendo o contrato cessado no dia 16 de Abril de 2022, assistia às Recorridas o direito de exigir a restituição do locado (cfr. arts. 1038.º, al. i) e 1081.º, n.º 1 do CC).
Por último, sobre a questão da devolução da caução cumpre notar que não foi invocada nem discutida na 1.ª instância, por isso não foi apreciada na sentença.
Nas palavras de Abrantes Geraldes[9], os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, pelo que, dada a inadmissibilidade legal de apreciação da referida questão, decide-se não conhecer da mesma.
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V-DECISÃO
Pelo exposto, acordam as Juízas que constituem este Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso, e em consequência, confirmam a sentença.
Custas pela Recorrente.
Notifique.

Porto, 21/11/2023
Anabela Miranda
Anabela Dias da Silva
Ana Lucinda Cabral
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[1] Na redacção introduzida pela Lei n.º 31/2012 de 14.08.
[2] Aplicável à situação sub judice por força do art. 12.º, n.º 2 do C.Civil.
[3] V. art.º 1.º da Lei n.º 13/2019 de 12.02.
[4] Disponível em www.dgsi.pt
[5] Nesse sentido parece ser a posição de Edgar Alexandre Valente, Manual de Arrendamento e Despejo, Almedina, 2021, pág. 305.
[6] Na jurisprudência, em sentido contrário v. Acs. TRL de 29/09/2022 e 27/10/2022 disponíveis em www.dgsi.pt.
[7] Revista Electrónica de Direito, Fevereiro de 2020, Faculdade de Direito da Universidade do Porto, pág. 85, disponível em WWW.CIJE.UP.PT/REVISTARED e no mesmo sentido, v. Olinda Garcia, “Alterações em Matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019”, Julgar On Line, Março de 2019, p. 14.
[8] “Sobre as mais recentes alterações legislativas ao regime do arredamento urbano”, Estudos de Arrendamento Urbano, Vol. I, Universidade Católica Editora, pág. 30.
[9] Cfr. Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2.ª edição, Almedina, pág. 92.