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OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
COBERTURA
PRAZO PARA A DEDUÇÃO DOS EMBARGOS
Sumário
I – Constitui fundamento superveniente de oposição à execução os pagamentos, realizados depois da extinção da execução por força da celebração de um acordo de pagamento em prestações, que não tenham sido considerados no requerimento de renovação da execução. II – Quando a matéria da oposição à execução seja superveniente, o prazo para a dedução dos embargos conta-se a partir do dia em que ocorra o respetivo facto ou dele tenha conhecimento o executado (cfr. artigo 728.º, n.º 2, do CPC); mas, se no momento em que aquele facto ocorreu ou chegou ao conhecimento do executado a execução estava extinta por força da celebração de um acordo de pagamento em prestações, o prazo para a dedução dos embargos apenas se inicia no momento em que a renovação da execução seja notificada ao executado. III – Para ilidir a presunção iuris tantum consagrada no artigo 249.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, compete ao destinatário da notificação postal alegar e provar, no momento da prática do acto aparentemente intempestivo, que não recebeu a carta ou que não a recebeu na data presumida, por razões que não lhe são imputáveis, só assim logrando a exclusão da presunção que lhe possibilita a prática válida daquele do acto.
Texto Integral
Processo: 10702/15.1T8PRT-A.P1 Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Execução do Porto – Juiz 2
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
Por apenso à execução que Banco 1..., S.A. move contra AA e BB, vieram os executados deduzir oposição à execução mediante embargos, ao abrigo do disposto no artigo 728.º, n.º 2, do CPC.
O Tribunal a quo proferiu despacho liminar, com o seguinte teor: «Compulsados os autos de que estes são apensos verifico que os executados foram citados para os termos da execução e para, querendo, deduzirem oposição por meio de embargos de executado por carta registada com aviso de recepção em Maio de 2015 – vide refª 4939826 e 4939831 Assim, quando os presentes embargos entram em juízo em 23.05.2023 há muito decorrera o prazo de 20 dias previsto no artº 728º, do C.P.C. Os embargantes aparentam o entendimento de que a renovação da instancia a que se refere o artº 850º configura uma nova execução, mas não é o caso, uma vez que titulo executivo é o mesmo e as partes, dum ponto de vista da sua qualidade as mesmas (impugnar a cessão de créditos teria de ocorrer pelo meio processual adequado que não é o presente). Porém, como resulta da notificação que lhes foi dirigida, foram notificados não para deduzirem embargos de executado, mas apenas oposição à penhora realizada nos autos principais) Pelo exposto, indefiro liminarmente os presentes embargos- artº 732º, nº1, do C.P.C. Custas pelos embargantes.»
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Inconformados, os embargantes apelaram deste decisão, formulando as seguintes conclusões:
«I - O presente recurso versa sobre matéria de direito vertida no despacho proferido pelo Tribunal a quo a 29-05-2023 (ref. 448897361) por via do qual foram os embargos liminarmente indeferidos com fundamento na extemporaneidade da respetiva apresentação.
II - Na esteira do alegado no requerimento inicial (itens 7.º, 8.º; 7.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º do Requerimento Inicial de Embargos) os Apelantes apenas tiveram conhecimento da decisão da renovação da instância executiva depois do dia 02/05/2023.
III - Os presentes embargos deram entrada a 23/05/2023.
IV - Com efeito, a questão a decidir na presente Apelação tem a ver com a tempestividade da oposição à execução. Para o Tribunal recorrido, os executados foram citados em Maio de 2015 para deduzir oposição à execução, logo a petição apresentada é manifestamente extemporânea, em face do disposto no 728.º do CPC. Para os executados, aqui recorrentes, o que está em causa é a oposição à requerida e decidida renovação da instância executiva, sendo que na petição inicial de oposição apresentada apelam à aplicação do disposto no art. 728.º n.º 2 do C.P.C.
V - A decisão recorrida entendeu que não havia renovação do prazo para deduzir oposição à execução pela circunstância de haver renovação da instância executiva e, por isso, entendeu que o prazo de 20 dias estaria, há muito, precludido.
VI - Com a presente oposição os executados pretendem demonstrar que a dívida exequenda se mostra paga no âmbito da execução coerciva do seu património realizada neste processo e que, portanto, nada mais devendo à exequente. Pelo que, os factos em que se sustenta a oposição são de verificação posterior à citação para deduzir oposição à execução por embargos.
VII - Para a situação concreta deste tipo de fundamento de oposição à execução, estabelece o Art. 728.º n.º 2 do C.P.C. que: «[q]uando a matéria da oposição seja superveniente, o prazo [de oposição à execução] conta-se a partir do dia em que ocorra o respetivo facto ou dele tenha conhecimento o executado». VIII - Sendo a “matéria da oposição” superveniente ao decurso do prazo para deduzir oposição por embargos de executado, e tendo a oposição por objeto a decisão de renovação da instância, o prazo de 20 dias, previsto no Art. 728.º n.º 2 do CPC conta-se a partir do momento em que os executados têm conhecimento da renovação da execução (vide jurisprudência citada no corpo destas alegações).
IX - Sempre com todo o respeito, mas o Tribunal a quo equivocou-se na interpretação do art. 728.º n.º 2 do CPC. Note-se, pois, que os Embargantes alegaram os factos atinentes à superveniência da oposição (itens 5.º a 16.º da petição inicial), bem como, por ser verdade, alegaram não estar em qualquer incumprimento (item 22.º da petição inicial) perante a exequente.
X - Em suma, a decisão recorrida viola o disposto nos arts. 728.º n.º 2 e 856.º do CPC, pois não interpretou as mencionadas normas nos precisos termos que indicámos (o que deveria)».
Terminaram pugnando pela revogação da decisão recorrida e pela sua substituição por outra que dê normal andamento ao processo.
Não foi apresentada resposta à alegação dos recorrentes.
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II. Objecto do Recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, como decorre do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), não podendo o Tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC). Não obstante, o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do citado diploma legal).
A única questão a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela recorrente, diz respeito à tempestividade dos presentes embargos de executado.
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III. Fundamentação 1. O prazo para a dedução de oposição à execução por embargos é de 20 dias, contados da citação do executado para os termos da execução (cfr. artigo 728.º, n.º 1, do CPC), não se aplicando, no caso de pluralidade de executados, o disposto no artigo 569.º, n.º 2, do CPC.
Porém, fundando-se os embargos em factos posteriores, aquele prazo conta-se a partir do dia da sua ocorrência ou do seu conhecimento pelo executado, conforme preceitua o n.º 2, do mesmo artigo 728.º.
No presente caso, como se afirma na decisão recorrida, a citação dos executados para a execução ocorreu em Maio de 2015, conforme atestam os avisos de recepção juntos a esses autos em 28.05.2015.
Tendo deduzido os presentes embargos apenas em 23.05.2023, cerca de 8 anos após as referidas citações, os embargantes vieram invocar expressamente aquela norma especial do artigo 728.º, n.º 2, do CPC.
O Tribunal a quo, considerando que os embargantes fundamentaram a tempestividade da sua oposição no entendimento de que a renovação da instância configura uma nova execução, dando origem ao início de um novo prazo de oposição por embargos, limitou-se a refutar esse entendimento, acrescentando apenas que, após a aludida renovação da instância, os executados não foram notificados para se oporem à execução por embargos, mas apenas para se oporem à penhora entretanto realizada.
Não questionamos a afirmação de que a renovação, ao abrigo dos artigos 808.º e 850.º, n.º 4, do CPC, da execução extinta por força disposto no artigo 806.º, n.º 2, do mesmo código, não configura uma nova execução, ainda que tenha sido entretanto requerida a habilitação do adquirente do crédito exequendo, pelo que aquele renovação, por si só, não dá origem ao início de um novo prazo para o executado deduzir embargos. O citado artigo 850.º, n.º 4, é perfeitamente claro a esse respeito ao preceituar que, renovada a execução extinta, não se repetem as citações e aproveita-se tudo o que tiver sido processado relativamente aos bens em que prossegue a execução, exigindo apenas que os demais credores e o executado sejam notificados do requerimento de renovação, para que possa exercer o contraditório a respeito dessa renovação e, naturalmente, para que fiquem cientes do prosseguimento da execução.
Contudo, a leitura que o Tribunal a quo fez dos fundamentos dos presentes embargos revela-se enviesada. Embora a petição de embargos não prima pela clareza, antes potenciando o aludido viés, a sua leitura mais atenta e contextualizada revela que os recorrentes baseiam os embargos em dois fundamentos posteriores à sua citação e ao fim do prazo previsto no artigo 728.º, n.º 1, do CPC: a cessão do crédito exequendo à sociedade A..., S.A., que no entender dos embargantes retira legitimidade ao exequente para requerer a renovação da execução, e o cumprimento do acordo de pagamento em prestações que esteve na origem da extinção da execução ao abrigo do artigo 806.º, n.º 2, do CPC.
Para além de invocarem estes fundamentos enquadráveis na previsão do artigo 728.º, n.º 2, do CPC, os ora recorrentes procuraram demonstrar o cumprimento do prazo de 20 dias previsto na mesma norma, alegando que o mesmo se iniciou na data em que tiveram conhecimento da renovação da execução (citando jurisprudência neste sentido) e que tal ocorreu depois de 02.05.2023.
Mas porque dos autos resulta que os executados foram notificados do pedido de renovação da execução, nos termos previstos no artigo 850.º, n.º 4, do CPC, no dia 04.10.2022, os embargantes vieram ainda alegar que nunca receberam esta notificação, tal como nunca receberam a notificação de 09.02.2023 (efectuada nos termos do disposto nos artigos 784.º e 785.º do CPC, para deduzirem oposição à penhora, querendo), tendo recebido apenas em 02.05.2023 a notificação datada de 18.04.2023 (efectuada ao abrigo do disposto no artigo 812.º, n.º 1, do CPC, para se pronunciarem sobre a modalidade da venda).
Fica, assim, claro que a decisão recorrida não chegou a apreciar os fundamentos invocados pelos embargantes para justificar quer a superveniência dos fundamentos da oposição quer a tempestividade dos embargos deduzidos, revelando-se a argumentação expendida naquela decisão claramente insuficiente para sustentar a intempestividade e a consequente rejeição liminar destes embargos, pelo que tal argumentação não pode ser mantida.
Nestes termos, atenta a regra da substituição ao tribunal recorrido consagrada no artigo 665.º do CPC, importa apreciar a superveniência da matéria da oposição e a tempestividade dos embargos, sem perder de vista que estas questões não se confundem. 2. Julgamos não suscitar qualquer dúvida que a superveniência do fundamento dos embargos tanto pode ser objectiva como subjectiva. Como afirma Rui Pinto (A Acção Executiva, Lisboa, 2020, p. 418), o artigo 728.º, n.º 2, do CPC aceita que possa haver oposição à execução deduzida depois do momento definido no seu n.º 1, quando ela se baseie em «factos que ocorreram ou foram conhecidos depois do prazo inicial». No mesmo sentido, vide Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2.ª ed., Coimbra, 2022, p. 728.
No caso concreto, já vimos que os fundamentos da oposição agora deduzida são objectivamente supervenientes. No que concerne à cessão do crédito exequendo, alegadamente geradora da ilegitimidade do banco exequente, os embargantes remetem para o requerimento apresentado nos autos principais de execução em 03.08.2022 pela própria A..., S.A., onde esta alega que o crédito exequendo lhe foi cedido em 27.06.2022, juntamento com outros, e requer a sua habilitação como cessionária desse crédito (requerimento que nunca chegou a ser apreciado). Quanto ao alegado cumprimento do acordo de pagamento em prestações que esteve na origem da extinção da execução, decorre desse mesmo acordo, junto aos autos principais de execução em 03.01.2017, que o pagamento deveria fazer-se em 31 prestações, com início no dia 29.11.2016. Assim, em ambos os casos, os factos alegados ocorreram muito depois de expirado o prazo de 20 dias previsto no artigo 728.º, n.º 1 do CPC, que remonta ao ano de 2015. Acresce que, em tese, tanto a ilegitimidade do exequente como o pagamento da quantia exequenda configuram fundamentos de oposição à execução à execução enquadráveis na previsão dos artigos 729.º e 731.º do CPC, independentemente da concreta procedência ou improcedência da alegação dos embargantes.
Maiores dúvidas se suscitam a respeito da tempestividade dos embargos deduzidos com os referidos fundamentos, ou seja, quanto ao cumprimento do prazo de 20 dias previsto no artigo 728.º, n.º 2, do CPC.
Embora esta norma determine que esse prazo se conta a partir do dia em que ocorreram os factos que servem de fundamento à oposição ou do dia em que o executado teve conhecimento dos mesmos (sendo estas datas naturalmente coincidentes no caso do cumprimento do plano de pagamentos acordado), estando a execução extinta no momento daquela ocorrência e/ou do seu conhecimento pelo executado, impõe-se considerar que o prazo para a dedução dos respectivos embargos apenas se inicia no momento em que a renovação da execução é notificada ao executado.
Note-se que não é legalmente admissível a dedução de oposição a uma execução que se encontra extinta. Mesmo tratando-se de uma extinção potencialmente provisória, por se basear no artigo 806.º, nº 2, do CPC, a dedução de embargos sem que a execução se renove não se afigura legalmente admissível, muito menos com fundamento no cumprimento do plano de pagamentos que conduziu àquela extinção, sob pena de total subversão do regime processual consagrado nos artigos 806.º e seguintes e da simplificação e agilização processual que o mesmo visou.
Deste modo, o prazo de 20 dias para deduzir embargos com fundamento em factos supervenientes, ocorridos durante o período em que a execução esteve extinta, não pode começar a contar-se no dia dessa ocorrência ou no dia em que o executado teve conhecimento da mesma, se tal conhecimento for anterior à renovação da execução, sob pena de se permitir que aquele prazo se esgote ainda antes de o respectivo direito poder ser legalmente exercido.
Deve, assim, rejeitar-se uma interpretação puramente literal da norma do artigo 728.º, n.º 2, a qual deve ser lida em consonância com o espírito da mesma, nos termos aqui preconizados.
Neste sentido se pronunciaram os arestos citados na alegação dos recorrentes, designadamente o acórdão desta Relação de 20.02.2020 (proc. n.º 3806/09.1YYPRT-A.P1, rel. Joaquim Correia Gomes), onde se refere que «que tendo sido extinta a ação executiva, em virtude de ter sido fixado um plano de pagamento da quantia exequenda e havendo renovação da ação executiva, na sequência do incumprimento desse plano, é possível que possam ocorrer fundamentos de oposição, designadamente “quaisquer outros que possam ser invocados como defesa no processo de declaração” (artigo 731.º NCPC), os quais são supervenientes ao título executivo inicial. Tendo os devedores invocado a realização de outras prestações monetárias ocorridas posteriormente ao plano de pagamento da quantia exequenda, que agora serve como “título executivo renovado”, os quais não foram tidos em consideração no requerimento de renovação da execução, estamos perante um dos possíveis fundamentos de embargos. Não possibilitar essa oposição mediante embargos, atingiria e violava o referenciado direito fundamental a um processo justo e equitativo, na vertente da proibição da indefesa, o qual deverá orientar a interpretação do preceituado no artigo 728.º, n.º 1 e n.º 2 do NCPC. Daí que na conjugação deste bloco normativo, esta Relação considere que tendo havido renovação da ação executiva por incumprimento de um plano de pagamento em prestações da dívida exequenda, seja admissível a oposição mediante embargos com base em factos supervenientes a esse plano que sejam susceptíveis de integrar um dos fundamentos de defesa, podendo fazê-lo no prazo de vinte (20) dias após o executado ser notificado do requerimento de renovação».
Voltando ao caso concreto, consta dos autos principais de execução que os executados foram notificados da renovação da execução, nos termos e para os efeitos do artigo 850.º do CPC, por cartas registadas de 04.10.2022.
Mais decorre daqueles autos que os executados foram notificados, nos termos do disposto nos artigos 784.º e 785.º do CPC, para deduzirem, querendo, oposição à penhora dos bens ali aludidos, por cartas registadas de 09.02.2023.
Resulta ainda dos autos principais de execução que os executados foram notificados para se pronunciarem sobre a modalidade da venda dos bens penhorados, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 812.º, n.º 1, do CPC, por cartas registadas de 18.04.2023.
Face a o exposto, maxime face à notificação de 04.10.2022, presume-se que os executados tiveram conhecimento da renovação da execução no dia 07.10.2022, por força do disposto no artigo 249.º, n.º 1, do CPC.
Não sendo afastada esta presunção, será manifesta a intempestividade dos presentes embargos, deduzidos apenas em 23.05.2023.
Vieram, porém, os embargantes alegar que nunca receberam as notificações de 04.10.2022 e de 09.02.2023 e que apenas receberam a notificação datada de 18.04.2023 em 02.05.2023, pelo que só após esta data tonaram conhecimento da renovação da execução, razão pela qual só então se iniciou o prazo para deduzir embargos com fundamento nos factos supervenientes.
É pacífico na doutrina e na jurisprudência que o artigo 249.º, n.º 1, do CPC, consagra uma presunção iuris tantum, que pode ser ilidida mediante prova em contrário, nos ternos do preceituado no artigo 350.º, n.º 2, do CPC. Neste sentido, afirma-se no ac. do STJ, de 19.06.2019 (proc. n.º 19449/08.4YYLSB-B.L1.S1, rel. Olindo Geraldes), que «para efeitos do afastamento da presunção, o interessado deve efetuar a prova de que não foi notificado ou foi notificado em data posterior, por motivo não imputável a si».
Mas, como também logo se acrescenta no mesmo acórdão, a alegação deve ser apresentada logo que o interessado intervenha em acto processual.
Como aí se refere, «face à presunção legal, compete ao interessado, intervindo no processo, alegar e provar a situação de exclusão da presunção que lhe possibilita a prática válida do ato.
Essa alegação tem de ser concretizada logo que o interessado intervém no processo, para o juiz, como lhe compete, poder ajuizar, desde logo, da tempestividade da pretensão jurídica. De outro modo, tal não era possível, podendo perturbar ainda a marcha normal do processo, com os inconvenientes daí decorrentes, o que seria inaceitável.
Podendo ser a situação excludente da presunção da notificação postal apenas do conhecimento do interessado, justifica-se, igualmente, que a sua alegação e prova decorra nos mesmos termos da alegação e prova do justo impedimento (art. 140.º do CPC).
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, aliás, tem seguido no sentido referido, designadamente os acórdãos de 14 de março de 2019 (602/15.0T8AGH.L1.S1), 18 de outubro de 2012 (36044/06.5YYLSB-A.L1.S1) e 21 de fevereiro de 2006 (05B4290), os dois últimos acessíveis em www.dgsi.pt».
Em suma, como se afirma no último dos acórdãos citados, a parte que pretender ilidir a presunção, tem de alegar a notificação tardia (ou a falta de notificação) e oferecer a respectiva prova, no momento da prática do acto, se o fizer já fora do prazo fixado pela data da notificação presumida.
Foi, precisamente, o que fizeram os ora recorrentes no presente caso: apresentaram-se a deduzir embargos de executado no dia 23.05.2023, alegando, como questão prévia, os factos que, no seu entender, demonstram que apenas tiveram conhecimento da renovação da execução em data posterior a 02.05.2023, tendo em vista ilidir a presunção de que foram notificados daquela renovação em 07.10.2022, juntando a prova documental que julgou pertinente.
Sucede que a alegação e a prova apresentadas não se mostram suficientes para ilidir a referida presunção, pelas razões que passamos a expor.
Já vimos que, nos termos do disposto no artigo 249.º, n.º 1, do CPC, as notificações efectuadas por carta registada, dirigidas para a residência ou sede da parte ou para o domicílio por si escolhido para o efeito de as receber – no caso dos ora recorrentes, a morada onde foram citados, sem que até hoje tenha comunicado qualquer alteração dessa morada –, se presume feita no terceiro dia posterior ao do registo da carta ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.
Acrescenta o n.º 2 do mesmo artigo que a notificação efetuada por carta registada não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para a residência ou a sede da parte ou para o domicílio escolhido para o efeito de a receber; nesse caso, ou no de a carta não ter sido entregue por ausência do destinatário, juntar-se-á ao processo o sobrescrito, presumindo-se a notificação feita no dia a que se refere a parte final do número anterior.
O legislador deixou, assim, claro que a presunção de notificação opera mesmo que o notificando não tenha recebido a carta, por estar ausente no momento em que os serviços dos correios tentaram a sua entrega e por não a ter levantado no prazo fixado no aviso que é deixado quando o destinatário não é encontrado na residência. Esta opção legislativa assente, claramente, no pressuposto de que o notificando se terá furtado ao recebimento da carta ou, pelo menos, não terá agido com a diligência necessária para assegurar a sua recepção.
Concomitantemente, o regime jurídico assim instituído revela que, para se ilidir a presunção de notificação, não basta alegar e provar que a carta não chegou ao destinatário, ou que não chegou na data presumida, exigindo-se ainda que se alegue e demonstre que tal não lhe é imputável, ainda que a título meramente negligente.
Esta conclusão gera consenso na jurisprudência. A título de exemplo vide, a propósito da presunção que vimos analisando e de outras análogas, como a prevista no artigo 113.º do Código de Procedimento Administrativo aprovado pelo DL n.º 4/2015, de 7 de Janeiro, os seguintes arestos: acórdãos do TRP, de 08.01.2008 (proc. n.º 0726381, rel. Guerra Banha, proferido à luz dos artigos 254.º, n.ºs 3, 4 e 6, e 255.º, n.º 1, do CPC, na versão anterior à da reforma deste código de 2013), de 13.07.2016 (proc. n.º 1369/13.2TTVNG.P1, rel. Jerónimo Freitas) e de 13.06.2018 (proc. n.º 2302/17.8T8AGD-A.P1, rel. Domingos Morais); acórdão do TRL, de 02.06.2020 (proc. n.º 7060/17.0T8ALM-A.L1-7, rel. Cristina Coelho); acórdãos do TRE, de 22.09.2016 (proc. n.º 571/11.6TBSSB-C.E1, rel. Albertina Pedroso), e de 03.12.2020 (proc. n.º 69/06.4TBAVS-B.E1, rel. Cristina Dá Mesquita).
Pode ler-se o seguinte neste último acórdão: «Como se ilide aquela presunção da notificação? Mediante a prova, pelo destinatário da carta, de que a notificação não foi efetuada por motivos que não lhe são imputáveis. Assim, resultando dos autos que a carta em causa foi enviada para a morada onde a executada foi citada para a execução, a presunção contemplada no art. 249.º, n.º 2 do CPC só seria ilidida caso a executada tivesse provado que não foi ela quem deu causa à falta de notificação». Coerentemente, conclui-se assim no respectivo sumário: «A presunção de notificação prevista no artigo 249.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, é suscetível de ilisão, mediante prova, a efetuar pelo destinatário da notificação, de que aquela não foi efetuada por razões que não lhe são imputáveis».
No caso concreto, os embargantes alegaram que as notificações para se pronunciarem sobre a renovação da execução por incumprimento do acordo estabelecido, datadas de 04.10.2022, nunca chegaram ao seu conhecimento. Para prova desta alegação juntaram aos autos impressões (prints, na gíria dos utilizadores da internet) extraídas da página electrónica dos CTT, das quais resulta que o correio com os registos ... e ..., correspondentes às notificações de 04.10.2022 documentadas do processo, não foram entregues, acrescentando o seguinte: «A entrega do envio não foi conseguida. Motivo. Os dados da entrega foram alterados. Loja CTT ...».
Como vemos, apenas foi alegado e demonstrado que as notificações da renovação da execução não foram recebidas pelos executados. Mas nada foi alegado ou demonstrado a respeito das razões deste não recebimento, o que impede o Tribunal de constatar que a não realização da notificação não pode ser imputada aos próprios executados. Com efeito, em face da alegação e da prova apresentadas, o Tribunal nunca poderá descartar a possibilidade de as notificações não terem chegado aos seus destinatários porque estes se furtaram ao seu recebimento ou, pelo menos, porque não tomaram as medidas exigíveis para que a correspondência remetida para a sua residência, nomeadamente a proveniente do Tribunal, chegasse até si. À semelhança do que sucedeu na situação apreciada no acórdão desta Relação de 08.01.2088, já antes citado, os recorrentes, em vez de tentarem provar que o não recebimento das cartas não lhes é imputável, para ilidir a presunção, tentaram antes iludir o ónus de alegação de prova que sobre si impendia, partindo do pressuposto de que bastaria alegar e demonstrar que não se mostra efectuada a sua notificação, quando isso não basta, como vimos.
Nestes termos, não logrando os recorrentes ilidir a presunção de que as cartas remetidas em 04.10.2022 lhe foram entregues no dia 07.10.2023, este facto presumido mantém-se. E tanto basta para atestarmos a manifesta extemporaneidade dos embargos, apenas deduzidos em 23.05.2023, mais de sete meses após aquelas notificações, quando estava há muito decorrido o prazo de 20 dias previsto no artigo 728.º, n.º 2, do CPC.
De todo o modo, ainda que os recorrentes tivessem logrado ilidir a presunção relativa às notificações de 04.10.2022, a tempestividade dos embargos sempre estaria dependente da ilisão das presunções relativas à realização das notificações de 09.02.2023 e à data da realização das notificações de 18.04.2023, visto que tais notificações também lhes dariam a conhecer que a execução prosseguia os seus termos.
No que concerne às cartas de 18.04.2023, por via das quais os executados foram notificados para se pronunciarem sobre a modalidade da venda, estes apenas alegaram que a opoente recebeu a respectiva carta em 02.05.2023, não apresentando ou requerendo qualquer prova a este respeito e, mais uma vez, nada alegando que permita afastar a sua culpa por este recebimento tardio.
Quanto às notificações a que respeitam os ofícios juntos aos autos com data de 09.02.2023, com os registos ... e ..., por via dos quais os recorrentes foram notificados para deduzirem, querendo, oposição à penhora efectuada, os recorrentes limitaram-se a alegar que estas nunca chegaram ao seu conhecimento, acrescentando apenas que “tal notificação parece nunca ter dado, sequer, entrada nos CTT”. Mas, para além da falta de assertividade desta alegação, a mesma parece estribar-se exclusivamente em dois prints da página electrónica dos CTT, dos quais resulta que os números de registo pesquisados não foram encontrados. Desconhecemos se a única razão para a frustração da pesquisa é a falta de envio das cartas para os serviços dos CTT, afigurando-se que outras se podem equacionar, como uma falha no sistema informático/no tratamento dos dados. De todo o modo, a ilisão da presunção não pode assentar numa mera hipótese, mas apenas em factos reais. Isso mesmo se afirma no já citado acórdão desta Relação de 08.01.2088: «Não pode constituir razão não imputável ao notificado, susceptível de ilidir a presunção legal de notificação, a alegação de uma mera possibilidade de engano por parte do carteiro quanto ao número da porta, do prédio ou do andar, mas tão só a prova de que o carteiro se enganou. O que se aplica, por identidade de razão, a qualquer outra hipotética causa que seja invocada. Porque é necessário que a causa seja real, e não meramente hipotética ou virtual».
Seja como for, a indagação daquela hipótese sempre seria irrelevante, perante a persistência das presunções relativas às notificações de 04.10.2023 e 18.04.2023.
Pelas razões expostas, concluímos que a oposição à execução por embargos deduzida pelos ora recorrentes é manifestamente intempestiva. Consequentemente, ainda que com argumentos inteiramente distintos, impõe-se confirmar a decisão recorrida e, na total improcedência da apelação, condenar os recorrentes nas respectivas custas (artigo 527.º, n.º 1, do CPC).
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IV. Decisão
Pelo exposto, os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto julgam improcedente a apelação e confirmam a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.
Registe e notifique.
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Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do CPC):
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Porto, 21 de Novembro de 2023
Artur Dionísio Oliveira
Alberto Taveira
Anabela Miranda