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EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
COMUNICAÇÃO AO ARRENDATÁRIO
FIADOR
Sumário
1.–O contrato de arrendamento acompanhado da comunicação ao arrendatário do montante em dívida a título de rendas constitui título executivo nos termos e ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 14º-A, nº 1, do NRAU e 703º, nº 1, al. d), do CPC, e constituirá também título em relação aos fiadores que nessa qualidade subscreveram o contrato de arrendamento, se aos mesmos for feita idêntica comunicação.
2.–É de concluir pela não formação do título, e, consequentemente, pela sua inexistência, quando em execução proposta apenas contra os fiadores o exequente apresente tão só o contrato de arrendamento e a comunicação que lhes fez sobre a quantia em dívida a título de rendas.
3.–A falta de documento consubstanciando a comunicação feita ao arrendatário sobre as quantias devidas a título de rendas não pode ser colmatada pela invocação da sua existência na formação de título executivo que serve de base a execução independente - proposta contra o arrendatário – e tendo por referência, inclusivamente, valores distintos dos que são reclamados dos fiadores.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
Relatório
A..R.., A..M..R.., A..R.. e J..R.., executados no processo nº (…), em que é exequente “Fundação ….”, vieram por apenso à dita ação, nos termos e ao abrigo do disposto nos arts.. 728.º e 731.º do CPC, apresentar oposição à execução por meio de embargos e oposição à penhora, invocando, para tanto, em primeiro lugar, a prescrição das rendas de janeiro a novembro de 2013; em segundo, a inexequibilidade do título dado à execução. A este respeito, dizem que o art. 14.º-A, n.º 1 do NRAU deverá ser interpretado como abrangendo exclusivamente a formação do título executivo contra o arrendatário, não prevendo a formação de título executivo contra o fiador, pelo que a exequente não possui título executivo para demandar os executados, e ainda que se entenda que o art. 14.º-A, n.º 1 do RAU também permite a formação de título executivo contra o fiador, não basta para a formação de título executivo a notificação ao fiador, sendo indispensável a notificação ao arrendatário, o que nos autos não está demonstrado, sendo que a arrendatária não, é sequer executada nos autos.
Os títulos executivos que o exequente junta aos autos compõe-se de: contrato de arrendamento e comunicações ao fiador e herdeiros da fiadora, faltando a comunicação à arrendatária A..C.., sendo, assim, manifesta a falta de título, o que conduz, inclusivamente, ao indeferimento liminar do requerimento executivo, nos termos do art. 726.º n.º 2, al. a) do CPC. Finalmente, em sede de oposição à penhora invocam a impossibilidade de serem penhorados bens pessoais do executado A..R.., e terminam, pedindo:
a)- Seja julgada procedente a exceção perentória de prescrição, com a consequente absolvição dos executados/embargantes do pedido;
b)- Caso assim se não considere, seja a oposição provada e procedente e, em consequência, serem os executados absolvidos do pedido;
c)- Seja a oposição à penhora declarada procedente, por provada, e em consequência seja ordenado o levantamento das penhoras que incidem sobre bens pessoais do executado A..R...
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Os embargos foram recebidos liminarmente.
A exequente contestou e pugnou pela improcedência dos embargos.
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Foi dispensada a realização da audiência preliminar e proferido saneador-sentença, precedido da audição das partes, tendo, a final, sido tomada a seguinte decisão:
“Assim sendo, pelo exposto: A)-Julgo os presentes Embargos de Executado improcedentes por não provados e consequentemente determino o prosseguimento da execução nos precisos termos em que foi instaurada. B)-Julgo a oposição à penhora procedente por provada relativamente ao Herdeiro habilitado A..R.., determinando o imediato levantamento das penhoras que incidam sobre os bens que não recebeu da autora da herança (M..R..), e a imediata restituição dos mesmos ao Embargante.
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Custas por Embargantes e Embargada, na proporção de 9/10 para os Embargantes e 1/10 para a Embargada.
Registe e notifique.
(…)”.
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Os embargantes não se conformaram com a decisão e dela vieram recorrer, tendo formulado as seguintes conclusões:
“a)- Os executados (…) deparam-se com a prova de um facto negativo – a inexistência de citação processo n.º (…);
b)- O artigo 342.º, n.º 2 do CC prevê uma inversão do ónus da prova quando esteja em causa a prova de factos negativos;
c)- A invocação por parte dos executados (…) que não foram citados no processo (…), inverte o ónus da prova, competindo, nos presentes autos, à exequente provar que os executados foram citados;
d)- A exequente não apresentou qualquer prova da citação e não existe nos presentes autos qualquer prova da citação dos executados (…) no processo n.º (…);
e)- A sentença faz uma afirmação errada porque confunde notificação com citação e confunde a notificação para um acto e respetivo prazo com a chamada ao processo através da citação, com prazo de resposta diferente do prazo da notificação;
f)- O tribunal a quo esquece que a "citação" é o acto processual pelo qual se dá conhecimento aos executados da acção e se chama os mesmos a se defenderem. Trata-se de formalidade essencial para a validade do processo – art. 219.º CPC;
g)- Na sentença consta que os executados (…) “Após, foram notificados para a referida execução em 23.03.2016”;
h)- Em 23.03.2016 no processo n.º (…), os executados (…), foram notificados das “NOTIFICAÇÃO APÓS PENHORA” e para “Nos termos do disposto nos artigos 784º e 785º do Código Processo Civil (CPC), fica pela presente notificado para, no prazo de 10 (dez) dias deduzir, querendo, oposição à penhora dos bem(s) ……”
i)- Os executados não foram citados para oposição à execução mediante embargos no prazo de 20 dias, nos termos do art. 728.º CPC;
j)- O que os executados ficaram a saber com as notificações de 23.03.2016 no processo n.º (…) é que tinham sido penhorados bens e que, se quisessem, se podiam opor;
k)- Não ficaram a saber nesse dia qual o teor do requerimento executivo e do pedido contra si formulado;
l)- O tribunal a quo se tivesse analisado com atenção as notificações de 23.03.2016 no processo n.º (…) teria aferido que estas se destinavam a que em 10 dias os executados apresentassem oposição à penhora, nos termos dos art. 784.º e 785.º do CPC e não para apresentarem oposição à execução mediante embargos no prazo de 20 dias, nos termos do art. 728.º CPC;
m)- É errado o tribunal a quo considerar que as notificações para oposição à penhora, nos termos dos arts. 784.º e 785.º do CPC correspondem à chamada à execução, nos termos do art. 728.º CPC;
n)- O facto provado no ponto 19 da sentença foi incorrectamente julgado;
o)- As notificações aos executados (…) de 23.03.2016 no processo n.º (…) impunham decisão diferente.
p)- O tribunal recorrido confunde os arts. 784.º e 785.º com o art. 728.º do CPC;
q)- A decisão acertada a proferir sobre esta matéria de facto é: 19 – Nos autos de Execução Sumária (Ag.Execução) (…), os executados, (…) foram citados para a Habilitação de Herdeiros em 20.05.2013, 23.05.2013 e 22.05.2013, respectivamente; Não foram citados para a execução; E o executado (…), foi citado para a referida execução em 12.12.2013;
r)- O erro da sentença recorrida ao confundir notificação para oposição à penhora com citação, leva a que não tenha percebido que só o executado (…) fora citado no processo (…) e, por conseguinte, só ele podia apresentar oposição mediante embargos, que a sentença da 1.ª instância só podia julgar essa oposição e que só este executado podia ter recorrido e que o Tribunal da Relação só podia proferir acórdão sobre o recurso do executado (…);
s)- E como se não fosse suficiente o erro de se confundir notificação com citação, a sentença ainda considera todos os executados citados e até diz quando: 11.11.2013!
t)- Ou seja, não citados passam a citados e o único citado, o executado (…), que no ponto 19 dos factos provados é considerado citado em 12.12.2013 passa a citado em 11.11.2013!;
u)- Trata-se de uma inovadora decisão jurisprudencial: o réu, executado, etc., considera-se citado para um processo logo que decorram cinco dias após a entrada da acção/pedido;
v)- Entendimento que viola as regras processuais relativas à citação previstas nos art. 219.º e segs. do CPC;
w)- Nos presentes autos, no requerimento executivo, a exequente alega a falta de pagamento das rendas de Janeiro a Novembro de 2013;
x)- A exequente dá à execução, como título executivo, quatro cartas enviadas aos executados em 28 de Março de 2019;
y)- Dispõe o art. 310.º, al. b) do CC que prescrevem no prazo de cinco anos as rendas pagas pelo locatário;
z)- Quando a exequente procedeu à notificação dos executados em Março de 2019, já se encontravam prescritas as rendas de Janeiro a Novembro de 2013, pelo decurso do prazo de cinco anos previsto na citada norma lega, pelo a sentença erra ao não considerar a prescrição, art. 310.º, al. b) do CC;
aa)- Sem conceder e caso assim não se entenda, a exequente sabendo da prescrição das rendas que reclama, invoca, no requerimento executivo (art. 20.º), a interrupção da prescrição por força de uma citação dos executados operada no processo executivo que correu termos sob o n.º (…), Juiz 3 do Juízo de Execução de Almada, invocando o disposto no art. 327.º, n.º 1 do CC;
bb)- Porém, a citação do executado (…) nesse processo n.º (…) ocorreu no dia 12 de Dezembro de 2013 (facto provado nos presentes autos);
cc)- Os executados (…) não foram citados no processo n.º (…);
dd)- As citações que a exequente refere que estes executados receberam em Maio de 2014 não são citações para a execução n.º (…), mas sim para um apenso de habilitações de herdeiros (facto provado nos presentes autos);
ee)- A tese baseada no art. 327.º, n.º 1 do CC não procede quanto aos executados (…), porque não existe qualquer citação judicial para a execução n.º (…) que conduza à interrupção do prazo da prescrição;
ff)- Não existindo qualquer acto/facto que levasse à interrupção do prazo da prescrição, a mesma verifica-se quanto aos executados (…), pelo a sentença erra ao não considerar a prescrição, art. 310.º, al. b) do CC;
gg)- Sem conceder, na execução n.º (…) os executados foram absolvidos porque a exequente não possuía título executivo que lhe permitisse demandar os executados, conforme acórdão do Tribunal da Relação e a decisão ambas juntas aos autos;
hh)- Dispõe o art. 327.º, n.º 2 do CC que se, porém, se verificar a desistência ou a absolvição da instância, ou esta seja considerada deserta, ou fique sem efeito o compromisso arbitral, o novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interruptivo;
ii)- Ou seja, se como alega a exequente e consta da sentença recorrida a citação judicial (art. 323.º n.º 1 do CC) tivesse a virtude de interromper a prescrição, por força do disposto no art. 327.º, n.º 2 do CC, e da absolvição dos executados, o novo prazo prescricional começou a correr logo após o acto interruptivo, ou seja, com as citações no processo n.º 6363/13.0TBALM;
jj)- Assim, o novo prazo de cinco anos começou a correr em 12 de Dezembro de 2013 com a citação do executado (…) (o único citado);
kk)- O que significa que a 13 de Dezembro de 2018 prescreveu o direito da exequente em pedir as rendas de Janeiro a Novembro de 2013, pelo decurso do prazo de cinco anos previsto no art. 310.º, al. b) do CC;
ll)- A sentença viola o disposto no art. 327.º, n.º 2 do CC;
mm)- Os executados desconhecem, por não constar das citações dos presentes autos, a data em que a presente execução deu entrada, mas pelo documento de pagamento da taxa de justiça pela exequente (pagamento de 03 de Dezembro de 2019) conclui-se que a execução ou deu entrada a 03 de Dezembro de 2019 ou em data posterior;
nn)- Quando a exequente deu entrada dos presentes autos já se encontrava prescrito o direito a exigir o pagamento de rendas de Janeiro a Novembro de 2013;
oo)- Sem conceder, a citação do executado (…) na execução n.º (…) não teve sequer o condão de interromper a prescrição, porque a exequente não tinha título para demandar o(s) executado(s);
pp)- A exequente citou o executado para uma acção para a qual não o podia demandar;
qq)- Por isso, não pode prevalecer-se de uma citação num processo em que não podia demandar o(s) executado(s) para interromper a prescrição;
rr)- Consta também na sentença sob recurso que “o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido nos autos de embargos de Executado (…) reconhece a obrigação de pagamento de rendas …… Daí que, nos termos do artigo 311º, nº 1 do Código Civil, o prazo de prescrição passaria a ser de 20 anos.”;
ss)- Porém, no citado Acórdão não consta a obrigação de pagamento de rendas, nem das rendas reclamadas nos presentes autos ou seja, as rendas de Janeiro a Novembro de 2013;
tt)- E, como consta do citado Acórdão não se formou título executivo;
uu)- Assim, ao contrário da decisão sob recurso, o art. 311.º, n.º 1 do CC não se aplica porque não existe sentença (Acórdão) que reconheça o pagamento das rendas de Janeiro a Novembro de 2013 e porque não existia título executivo;
vv)- Finalizando, quando a exequente deu entrada dos presentes autos já se encontrava prescrito o direito a exigir o pagamento de rendas de Janeiro a Novembro de 2013;
ww)- A sentença recorrida julgou improcedente a alegação dos executados de que a exequente não possui título executivo para os demandar;
xx)- O art. 14.º-A, n.º 1 do NRAU tem a seguinte redação: O contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário;
yy)- Esta norma legal não indica contra quem se forma o título executivo aí previsto. A norma refere os documentos que devem reunir-se para em conjunto formarem o título executivo, todavia não refere quem fica abrangido pela força executiva desses documentos, ou seja, se havendo vários intervenientes no contrato – por exemplo arrendatário e fiador, com ou sem renúncia ao benefício da excussão prévia – se todos eles se devem considerar abrangidos pela força executiva ou apenas o arrendatário que é o devedor principal das rendas;
zz)- No âmbito do art.14.º-A, n.º 1 do NRAU não pode constituir-se título executivo extrajudicial contra o fiador;
aaa)- O contrato de arrendamento, acompanhado da notificação ao arrendatário ou inclusive ao fiador, nunca constitui título executivo contra este;
bbb)- O artigo 703.º, n.º 1 do CPC enumera taxativamente os títulos executivos que podem servir de fundamento a uma acção executiva e como se verifica pelo emprego de “apenas” no início da norma, só têm natureza de título executivo os constantes desse elenco. Este carácter taxativo dos títulos executivos não admite a interpretação extensiva ou por analogia;
ccc)- De acordo com o art. 703.º, n.º 1, al. d) são título executivo os documentos que, por disposição especial, seja atribuída força executiva;
ddd)- Um dos títulos que a lei por disposição especial atribui força executiva é aquele que é formado pelo contrato de arrendamento acompanhado pela notificação do arrendatário – art. 14.º-A, n.º1 do NRAU. Porém, este título apenas se forma e tem exequibilidade contra o arrendatário e não também contra o fiador. O legislador não quis a formação de título executivo contra o fiador, mesmo que ocorra a notificação deste, porque a notificação do fiador não está prevista na lei e não pode ser o senhorio ou o tribunal a atribuir-lhe uma força executiva que a lei não atribui, ou a fazer uma interpretação extensiva ou por analogia que lhes estão vedadas;
eee)- O art. 14.º-A, n.º 1 do NRAU deverá ser interpretado como abrangendo exclusivamente a formação do título executivo contra o arrendatário, não prevendo a formação de título executivo contra o fiador;
fff)- Assim, a exequente não possui título executivo para demandar os executados, pelo que sentença viola o disposto no art..14.º-A, n.º do NRAU e no art. 703.º, n.º 1, al. d) do CPC;
ggg)- Sem conceder, na execução para cobrança de rendas vencidas e não pagas, nos termos do art. 14.º-A, n.º 1 do NRAU é título executivo para a execução o contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida;
hhh)- Os pretensos títulos dados à presente execução são notificações aos ora executados, na qualidade de fiador e herdeiros da fiadora;
iii)- De acordo com o citado art. 14.-A do NRAU é necessária a comunicação ao arrendatário para a formação do título executivo;
jjj)- Se se entender que o art. 14.º-A, n.º 1 do RAU também permite a formação de título executivo contra o fiador (o que não se admite), não basta para a formação de título executivo a notificação ao fiador. É também necessária, indispensável, a notificação ao arrendatário;
kkk)- Nos presentes autos não se encontra demonstrada a notificação da arrendatária, pelo que apenas a comunicação ao fiador e herdeiros da fiadora não permite a formação de título contra estes, por faltar a comunicação à arrendatária, a qual não é executada nos presentes autos;
lll)- Os títulos executivos que exequente junta aos autos compõem-se de: contrato de arrendamento e comunicações ao fiador e herdeiros da fiadora. Faltando a comunicação à arrendatária (…). O que a lei impõe para constituição do título executivo é a comunicação à arrendatária – art. 14.º-A, n.º 1 do NRAU;
mmm)- E sem a efectivação dessa comunicação não existe, não se obtêm, título executivo, inclusive contra os fiadores. A exequente não cumpriu os requisitos legais necessários à obtenção do título executivo para pagamento de rendas, sendo, assim, manifesta a falta do título que deveria ter conduzido ao indeferimento liminar do requerimento executivo, nos termos do art. 726.º n.º 2, al. a) do CPC;
nnn)- Os títulos executivos que servem de base à execução carecem de força executiva, por não terem sido respeitadas as exigências legais, pelo que a execução deveria ter sido declarada extinta;
ooo)- A sentença viola o disposto no art..14.º-A, n.º do NRAU e não cumpriu o disposto no art. 726.º n.º 2, al. a) do CPC;
ppp)- A sentença é contraditória ao citar Acórdãos do STJ no sentido do defendido pelos executados, e da mesma consta que “Adere-se, pois, ao entendimento perfilhado na jurisprudência e doutrina maioritária de que o artigo 14º-A do N.R.A.U. confere força executiva para efeitos de execução para pagamento de quantia certa relativamente às rendas em dívida, contra o arrendatário e o fiador, desde que o requerimento executivo seja acompanhado do contrato de arrendamento escrito e do documento comprovativo de comunicação feita aos dois obrigados …”;
qqq)- Porém, a sentença julga o contrário do que disse ser o entendimento que perfilha!;
rrr)- Por fim, na sentença recorrida surge uma outra inovação jurisprudencial: um título executivo existente num outro processo (no caso concreto no processo n.º …) pode ser utilizado nos presentes autos, sem que a exequente o tenha alegado ou sequer junto;
Obrigando os executados a “adivinhar” que o título executivo de outro processo está também a ser utilizado nos presentes autos;
sss)- Acresce que, a sentença recorrida nem reparou que o, eventual, título executivo, existente no processo n.º (…) não diz respeito às mesmas rendas! O que nos permite concluir que para a sentença recorrida se pode utilizar como título executivo a notificação à arrendatária de rendas diferentes das que depois se exigem na execução;
ttt)- A sentença viola no disposto nos art. 703.º e 724.º do CPC.
Termos em que nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve a decisão da 1.ª instância ser revogada e, em consequência, ser a oposição à execução por meio de embargos julgada procedente, com o que fará sã, serena e objectiva JUSTIÇA”.
Os apelantes juntaram quatro documentos com o recurso, admitindo, ao longo das alegações recursivas que os mesmos já constam dos autos.
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A exequente não apresentou resposta ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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Questão prévia
Segundo a regra geral contida no art. 423º, nº 1, do Código de Processo Civil, os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
E de acordo com o disposto no art. 425º, do Código de Processo Civil, “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”.
Dispõe, por seu turno, o nº 1, do art. 651º, do mesmo Código, que “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1º instância”.
No caso, os apelantes apresentaram quatro documentos com as alegações de recurso que, segundo reconhecem, já se encontravam nos autos inexistindo, por conseguinte, qualquer fundamento para serem novamente apresentados.
Deste modo, sem necessidade de fundamentação acrescida e tendo também como suporte jurídico o sobredito regime legal, não se admite a junção dos documentos apresentados com as alegações recursivas.
Notifique, desentranhe e remeta aos apresentantes os documentos ora recusados.
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Objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. arts. 635º, nº 4, 639º, nº 1, e 662º, nº 2, todos do Código de Processo Civil), sendo que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5º, nº3 do mesmo Código).
No caso, as questões a decidir são as seguintes:
a)- Impugnação da decisão de facto;
b)- Falta de título executivo;
c)- Prescrição da obrigação exequenda.
Fundamentação de Facto
Em 1ª instância foram julgados como provados os seguintes factos:
1.– A Exequente é proprietária do prédio urbano sito na Av. (…), Almada, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 736.
2.– Em 23 de janeiro de 2004, a Exequente, na qualidade de senhoria, deu de arrendamento a (…) e a (…) o terceiro andar direito do prédio identificado em 1, que se obrigaram, como contrapartida pelo arrendamento, ao pagamento de uma renda mensal, a efetuar no primeiro dia do mês anterior a que respeitar, no montante de 500,00 euros. - Cfr. Contrato de arrendamento junto ao requerimento executivo como doc. n.º 1.
3.– O referido contrato de arrendamento foi subscrito por (…) e pela sua mulher (…) na qualidade de fiadores e principais pagadores de todas as obrigações assumidas por (…) e (…), tendo aqueles se comprometido solidariamente com estes ao fiel cumprimento do contrato de arrendamento celebrado, renunciando ao benefício da excussão prévia.
4.– Os arrendatários não cumpriram a obrigação de pagamento da renda relativamente aos meses de janeiro a novembro de 2013, pelo que ficou em dívida, a título de rendas, a quantia total de € 5.500,00 (€ 500,00 x 11 meses).
5.– Em 05 de novembro de 2013, a Exequente intentou ação executiva contra os arrendatários e os fiadores para pagamento das referidas rendas e legais acréscimos em dívida, que correu termos sob o n.º (…), no Juiz 3 do Juízo de Execução de Almada, Comarca de Lisboa.
6.– A fiadora (…) faleceu no dia 01 de abril de 2012, pelo que, face ao seu falecimento, foram habilitados como seus herdeiros, no âmbito do Apenso B aos identificados autos executivos, os ora Executados:
- (…), na qualidade de cônjuge sobrevivo da fiadora;
- (…), na qualidade de filhos da fiadora. - Cfr. Sentença junta como doc. n.º 2 ao requerimento executivo.
7.– Por Acórdão da Relação de Lisboa de 14 de fevereiro de 2019, proferido nos embargos de executado que correram termos sob o Apenso A aos identificados autos executivos, foi declarada extinta a execução contra o fiador (…), ali recorrente, com fundamento na inexistência de título executivo contra o fiador, por ter considerado que o fiador não foi regularmente notificado nos termos dos artigos 9.º e 10.º do NRAU, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto.
8.– O sobredito Acórdão transitou em julgado em 19 de fevereiro de 2019.
9.– Nessa sequência, por missivas datadas de 28 de março de 2019, a Exequente, através do seu mandatário, comunicou aos ora Executados os montantes de rendas em dívida, fixando um prazo de 10 dias para estes virem proceder ao pagamento das mesmas. - Cfr. Cartas juntas como docs. n.ºs 3, 4, 5 e 6 ao requerimento executivo.
10.– As cartas dirigidas aos Executados (…) foram recebidas pelos próprios. - Cfr. Avisos de recepção juntos como docs. n.ºs 7, 8 e 9 ao requerimento executivo.
11.– A carta dirigida ao Executado (…) foi recebida por terceiro. - Cfr. Aviso de recepção junto como doc. n.º 10 ao requerimento executivo.
12.– Por cartas datadas de 08 de abril de 2019, os quatro Executados remeteram ao mandatário da Exequente as respetivas cartas de resposta, juntas como docs. n.ºs 11, 12, 13 e 14 ao requerimento executivo.
13.– A Exequente remeteu uma segunda comunicação ao Executado (…), datada de 02 de maio de 2019, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 10.º, n.ºs 3 e 4, do NRAU. - Cfr. Carta junta como doc. n.º 15 ao requerimento executivo.
14.– A carta junta como doc. n.º 15 veio devolvida, por não ter sido reclamada. - Cfr. Informação dos CTT junta como doc. n.º 16 ao requerimento executivo.
15.– Por cartas datadas de 12 de abril de 2019, a Exequente respondeu às cartas dos Executados (…). - Cfr. Cartas juntas como docs. n.ºs 17, 18 e 19 ao requerimento executivo.
16.– Pelo Requerimento (Data: 04-11-2021 Documento: g24D91as9DK Referência interna do processo: PE/31/2019) o Agente de Execução informou que:
- procedeu o Agente de execução à penhora de dois veículos automóveis um em nome do executado - Arrendatário (…) e o outro em nome do Executado (…), conforme requerimento e auto de penhora junto aos autos em 02/10/2020: Veículo Motociclo, Marca: Keeway, Modelo: LJ125T-18, Gasolina, Cor: Branco e outras, Ano: 2020, Matrícula: (…), na qual se apurou um valor de mercado à volta dos 1250,00€; e Veículo Automóvel Ligeiro Passageiros, Marca: Renault, Modelo: B56 Laguna, Gasolina, Cor: Encarnado, Ano: 1997, Matrícula: (…), com um valor de mercado de 200,00€.
- Relativamente ao Executado (…), no Banco Espírito Santo / Novo Banco, SA, foi efectuado um bloqueio e não penhora no dia 01-10-2020 12:01 da conta à ordem: (…) - no valor de EUR 538,68; Em 20.10.2020, procedeu o Agente de execução à penhora da conta bancaria Banco Espírito Santo / Novo Banco, SA, no valor de EUR 538,68, e em resposta de 22.10.2020 veio a instituição bancária que o saldo no valor de 538.68€ se encontrava penhorado.
17.– Face à insuficiência dos bens penhorados e ao valor da quantia exequenda, o Agente de Execução notificou a entidade empregadora do executado (…) a empresa (…), para proceder à penhora de salário/vencimento ou outros rendimentos periódicos devidos ao executado até ao valor de 11.927,28€, tendo em atenção ao disposto ao artigo 738º do CPC., a referida entidade empregadora informou que o Executado já era alvo de duas penhoras, o que impossibilitava a penhora no âmbito dos presentes autos, conforme requerimento junto aos autos em 23/10/2020.
18.– A entidade patronal (…), sem qualquer aviso ao Agente de execução, começou a proceder ao desconto no vencimento do executado (…), na conta Agente de Execução, no dia 09.04.2021, assim, começando a vigorar a penhora sobre o vencimento, a qual em Setembro de 2021 era impenhorável, face à existência de mais duas penhoras que já recaiam sobre o vencimento do executado, e apesar de não ser o Agente de execução notificado pela respectiva entidade empregadora da possibilidade de penhora, e face à entrada de valores em nome do executado, procedeu o Agente de execução à elaboração do auto de penhora e notificações ao executado após penhora de salário no dia 12.04.2021.
19.– Nos autos de Execução Sumária (Ag.Execução) (…), os executados, (…) foram citados para a Habilitação de Herdeiros em 20.05.2013, 23.05.2013 e 22.05.2013, respectivamente; Após, foram notificados para a referida execução em 23.03.2016; E o executado (…), foi citado para a referida execução em 12.12.2013.
20.– A presente execução deu entrada em juízo em 03.12.2019.
21.– Os herdeiros até à data não procederam a partilha por óbito da fiadora (…).
22.– Os bens da herança são os que constam do comprovativo da participação de transmissão gratuitas – doc. 8 junto com a petição inicial de embargos.
23.– Por carta remetida pelos mandatários da exequente, datada de 07.05.2013, dirigida à executada (…), tendo esta última declarado por escrito que teve conhecimento da mesma em 31.05.2013, a aqui exequente comunicou-lhe que a quantia global em dívida ascendia a € 4.500,00, respeitante às rendas de Janeiro a Junho de 2013, acrescidas da indemnização de 50% prevista no nº 1 do artigo 1041º do Código Civil, mais declarando que deveria a executada proceder ao pagamento da referida quantia no prazo máximo de 10 dias, sob pena de, não o fazendo, ser intentada de imediato a competente acção executiva (cfr. ponto 5. dos factos provados constantes da sentença proferida nos embargos de executado nº (…) reproduzidos no Acórdão do TRL de 28.06.2018, junto aos autos com a petição inicial de embargos).
*
Consignou-se inexistirem factos não provados.
a)- Da impugnação da decisão de facto
Dizem os embargantes que as notificações feitas aos executados (…), em 23.03.2016 no processo n.º (…) – nos termos resultantes dos documentos a que se reportam e que se encontram nos autos - impunham decisão diferente daquela que foi feita constar sob o nº 19, requerendo, assim, que tal ponto da decisão de facto passe a ter a seguinte redação: Nos autos de Execução Sumária (Ag.Execução) (…), os executados, (…) foram citados para a Habilitação de Herdeiros em 20.05.2013, 23.05.2013 e 22.05.2013, respetivamente; Não foram citados para a execução; E o executado (…), foi citado para a referida execução em 12.12.2013.
Sob 19 dos factos provados, considerou-se assente que:
Nos autos de Execução Sumária (Ag.Execução) (…), os executados (…) foram citados para a Habilitação de Herdeiros em 20.05.2013, 23.05.2013 e 22.05.2013, respetivamente; Após, foram notificados para a referida execução em 23.03.2016; E o executado (…), foi citado para a referida execução em 12.12.2013.
A descrita matéria factual encontra apoio na certidão emitida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo de Execução de Almada Juiz 3 – referente ao processo de execução sumária nº (…), e que foi junta aos autos em 18 de março de 2022 (cf. referência citius 32016922). Deste modo, em termos factuais, temos de ter como demonstrado o que se encontra certificado, nomeadamente, os atos processuais efetivamente praticados no referido processo e naqueles outros que a ele foram apensos (habilitações de herdeiros). Saber se tais atos correspondem àqueles cuja prática se impunha ou, se, porventura, seria necessário a prática de outros, constitui já matéria de direito, a analisar, se necessário, em sede e lugar próprios, e daí retirar, então, eventuais consequências jurídicas.
Improcede, assim, a impugnação relativa à decisão de facto.
*
Em face do exposto, tem-se por assente o quadro factual fixado em 1ª instância, ao qual se acrescenta o seguinte facto, nos termos e ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 607º, nº 4, e 663º, nº 2, do Código de Processo Civil (cf. requerimento executivo do processo principal, que se encontra acessível eletronicamente para consulta):
- O processo mencionado supra, sob o nº 20, iniciou-se com o requerimento executivo, onde, além do mais, vem expresso, o seguinte:
“(…)
Título Executivo: Artigo 14º A NRAU
Factos:
1- A Exequente é possuidora e legítima proprietária do prédio urbano sito na Av. (…) concelho de Almada, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 736.
2- Em 23 de Janeiro de 2004, a Exequente, na qualidade de senhoria, deu de arrendamento a (…) e a (…) o terceiro andar direito do prédio melhor identificado em 1, que se obrigaram, como contrapartida pelo arrendamento, ao pagamento de uma renda mensal, a efectuar no primeiro dia do mês anterior a que respeitar, no montante de 500,00 euros. - Cfr. Contrato de arrendamento que aqui se junta como doc. n.º 1.
3- O referido contrato de arrendamento foi subscrito pelo Executado (…) e pela sua mulher (…) na qualidade de fiadores e principais pagadores de todas as obrigações assumidas por (…) e (…), tendo aqueles se comprometido solidariamente com estes ao fiel cumprimento do contrato de arrendamento celebrado, renunciando ao benefício da excussão prévia. - Cfr. doc. n.º 1.
4- Sucede que os arrendatários não cumpriram a obrigação de pagamento da renda relativamente aos meses de Janeiro a Novembro de 2013, pelo que ficou em dívida, a título de rendas, a quantia total de € 5.500,00 (€ 500,00 x 11 meses).
5- Sobre cada renda em dívida, acresce a indemnização de 50% prevista no n.º 1 do artigo 1041.º do Código Civil, ou seja, € 2.750,00 (€ 250,00 x 11 meses).
6- Em conformidade, relativamente ao período temporal em apreço, encontra-se em dívida a quantia global de € 8.250,00, a título de rendas vencidas e demais acréscimos.
7- Em 05 de Novembro de 2013, a Exequente intentou acção executiva contra os arrendatários e os fiadores para pagamento das referidas rendas e legais acréscimos em dívida, que corre termos sob o n.º (…), no Juiz 3 do Juízo de Execução de Almada, Comarca de Lisboa.
8- Teve a Exequente, entretanto, conhecimento de que a fiadora (…) havia falecido no dia 01 de Abril de 2012, pelo que, face ao seu falecimento, foram habilitados como seus herdeiros, no âmbito do Apenso B aos identificados autos executivos, os ora Executados:
- (…), na qualidade de cônjuge sobrevivo da fiadora;
- (…), na qualidade de filhos da fiadora. - Cfr. Sentença que aqui se junta como doc. n.º 2.
9- Por douto Acórdão proferido pela Veneranda Relação de Lisboa em 14 de Fevereiro de 2019 nos embargos de executado que correram termos sob o Apenso A aos identificados autos executivos, foi, contudo, declarada extinta a execução contra o fiador (…) e os sucessores da fiadora (…), com fundamento na inexistência de título executivo contra os fiadores, por ter considerado que os fiadores não foram regularmente notificados nos termos dos artigos 9.º e 10.º do NRAU, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto.
10- O sobredito Acórdão transitou em julgado em 19 de Fevereiro de 2019.
11- Nessa sequência, por missivas datadas de 28 de Março de 2019, a Exequente, através do seu mandatário, comunicou aos ora Executados os montantes de rendas em dívida, fixando um prazo de 10 dias para estes virem proceder ao pagamento das mesmas. - Cfr. Cartas que aqui se juntam como docs. n.ºs 3, 4, 5 e 6.
(…)
18- Face ao exposto, as comunicações das rendas em dívidas efectuadas pela Exequente, aqui juntas como docs. n.ºs 3, 4, 5 e 6, consideram-se válidas e eficazes para os efeitos previstos no artigo 14.º-A do NRAU.
19- Justamente, nos termos do artigo 14.º-A do NRAU, é título executivo bastante para demandar os ora Executados, o contrato de arrendamento - junto como doc. n.º 1 – acompanhado das comunicações feitas a estes do montante em dívida a título de rendas vencidas e não pagas - juntas como docs. n.ºs 3, 4, 5, 6 e 15.
(…)
23- Por importante, se refere que, na sequência do douto Acórdão acima identificado e após efectuar as comunicações referidas em 11 a 17, a Exequente apresentou novo Requerimento Executivo contra os aqui Executados, em cumulação à acção executiva n.º (…), o qual, contudo, não foi admitido, por o Tribunal ter entendido que, à data, a identificada execução já não pendia contra os ora Executados e que in casu não existia «outro» título para efeitos de preenchimento dos pressupostos da cumulação pretendida.
(…)
Na qualidade de fiador e de sucessores da fiadora originária no Contrato de Arrendamento em análise, os Executados não cumpriram a obrigação de pagamento da renda, não tendo procedido ao pagamento das rendas vencidas entre Janeiro e Novembro de 2013, no montante global de 5.500,00 euros.
Assim sendo, sobre cada renda em dívida acresce a indemnização de 50% prevista no n.º 1 do artigo 1041.º do Código Civil (ie. 2.750,00 euros), pelo que o valor total em dívida ascende à quantia de 8.250,00 euros.
(…)”
Fundamentação de Direito
a)- Da falta de título executivo
As ações executivas são fundadas em títulos, que delimitam os seus fins e limites (cf. art. 10º, nº 5, CPC), bem como a legitimidade ativa e passiva para a execução (art. 53º, nº 1, CPC.
“O título executivo é o documento do qual resulta a exequibilidade de uma pretensão material e, portanto, a possibilidade de realização coactiva e, eventualmente, coerciva da correspondente prestação através de um processo executivo. A particularidade do título executivo reside em que o documento em que se materializa incorpora um direito à prestação e, ao mesmo tempo, atribui um direito à execução, ou seja, o direito do credor a que o Estado agrida o património do devedor ou de um terceiro para lhe facultar o exercício do seu direito de execução contra esse devedor ou terceiro (…)”.[1]
O princípio da tipicidade dos títulos executivos (do qual resulta a proibição do recurso à analogia para atribuir valor executivo a um documento que a lei não qualifica como título – cf. art. 10º CC), está patente no art. 703º do CPC, que sob a epígrafe “espécies de títulos executivos”, dispõe o seguinte:
“1–À execução apenas podem servir de base: a)- As sentenças condenatórias; b)- Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação; c)- Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo; d)- Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva. 2–Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante.” – sublinhado nosso.
A execução para pagamento de quantia certa de que os presentes autos constituem apenso, foi intentada contra os executados tendo por base título constituído nos termos e ao abrigo do disposto no art. 14º-A, nº 1, do NRAU, que sob a epígrafe “Título para pagamento de rendas, encargos ou despesas”, e na parte que importa considerar, prevê, o seguinte: “1- O contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário. (…)”.
A referida norma dita como se forma o título executivo destinado a obter o pagamento coercivo, entre outros, de rendas.
A questão que desde logo se coloca nos autos, é a de saber se o título pode também ser formado contra os fiadores - nomeadamente, quando no âmbito do contrato de arrendamento se assumam como garantes do pagamento das rendas - apesar de a lei a eles não se referir.
A sentença recorrida discorreu longamente sobre o assunto, de forma clara e exaustiva, com apoio na doutrina e jurisprudência atuais, respondendo de forma positiva à questão formulada, que no essencial sufragamos, e que, nessa medida, aqui transcrevemos parcialmente:
“(…)
O STJ já se pronunciou sobre a matéria em vários acórdãos, nomeadamente três acórdão, cujos sumários se transcrevem:
- Acórdão do STJ, de 26.11.2014 (relator Granja da Fonseca), no processo n. 1442/12.4TCLRS-B.L1.S1:
«I- O artº. 15.º, n.º 2, do NRAU, conjugado com o artº. 46.º, n.º 1, al. d), do CPC, confere força executiva ao contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante das rendas em dívida.
II- A comunicação ao arrendatário, a que alude o artº. 15.º, n.º 2, do NRAU, funciona como requisito complementar de exequibilidade do título
III- O título executivo referido em I, tendo natureza complexa, integra dois elementos: (i) o contrato onde a obrigação foi constituída; (ii) a demonstração da realização da comunicação ao arrendatário da liquidação do valor das rendas em dívida.
IV- A identidade do obrigado pelo título resulta do próprio contrato de arrendamento e abrange quem nele se obrigou, perante o senhorio, ao pagamento das rendas em dívida.
V- Não obstante o artº. 15.º, n.º 2, do NRAU apenas fazer referência à comunicação ao arrendatário, a mesma – por identidade de razões e enquanto condição de exequibilidade do título – deve ser feita também aos fiadores.
VI- Constitui título executivo, tanto em relação ao arrendatário como em relação aos fiadores, o contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo da comunicação referida em V.
VII- A força executiva referida em VI abrange as rendas indicadas na comunicação, como sendo rendas em dívida, e já não as rendas vincendas, as não mencionadas na comunicação, bem como as demais obrigações imputadas, como sejam a indemnização pela mora.»[2]
- Acórdão do STJ, de 17.11.2020 (relatora Fátima Gomes), no processo n. 3794/18.3T8SNT-A.L1.S1:
«I- O contrato de arrendamento é título executivo para a acção de pagamento de renda quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida.
II- Tendo os embargantes sido fiadores dos arrendatários, figurando a fiança no contrato de arrendamento e não tendo aqueles sido notificados das rendas em atraso, nem da resolução do contrato pelo senhorio, ainda que este tenha notificado o arrendatário, não pode a execução avançar contra os embargantes, por falta de título.»
- Acórdão do STJ, de 20.05.2021 (relator Manuel Capelo) no processo n. 8520/20.4T8PRT-B.P1.S1:
«I- Em contrato de arrendamento em que os executados intervieram como terceiros contraentes e declararam-se solidariamente como principais pagadores de todas as obrigações emergentes do referido contrato, renunciando ao benefício de excussão prévia, esse contrato e a sua interpelação constitui título executivo para poderem ser accionados nos termos do artº. 14.º-A do NRAU.
II- A notificação do fiador para permitir a obtenção contra ele de título justifica-se por razões de equilíbrio e proporcionalidade, atendendo à natureza das próprias obrigações tripartidas e ao facto de se tratar da criação de um título executivo cuja norma refere esse requisito para o arrendatário garantido.»
A jurisprudência do STJ encontra-se alinhada, assim, num único sentido. Diferentemente, na jurisprudência dos tribunais da Relação têm sido seguidos entendimentos divergentes. Para além de se encontrarem decisões em sentido coincidente com o que tem sido sustentado pelo STJ, ou seja, entendendo que o artº. 14º-A também se aplica ao fiador desde que este tenha sido directamente notificado, encontram-se acórdãos que vão mais além nesse alinhamento, dispensando até a notificação ao fiador (considerando suficiente a notificação ao arrendatário para que exista também título executivo contra o fiador). E encontram-se decisões em sentido contrário, ou seja, entendendo que o titulo executivo previsto no artº.14º-A da Lei n.6/2006 não poderá formar-se contra o fiador.
Também na doutrina publicada sobre o tema se identificam teses em sentidos diversos, coincidindo, em maior ou menor medida, com o argumentário que tem sido sustentado nas diferentes correntes jurisprudenciais.
(…)
Nenhuma das soluções que têm sido defendidas sobre a interpretação do artº. 14º-A é isenta de dúvidas, na medida em que, por um lado, o elemento literal parece favorecer uma interpretação, mas, por outro lado, o elemento teleológico parece abrir caminho à interpretação oposta.
Porém, tendo-se a jurisprudência do STJ firmado em determinado sentido, como no presente caso, em matéria de natureza essencialmente adjectiva, os valores da segurança e da previsibilidade decisória merecerão ser preservados quando a solução interpretativa não conduza a um resultado injusto do ponto de vista da tutela dos interesses do recorrente.
Cabe, assim, perguntar se a opção interpretativa coincidente com a jurisprudência que se firmou no STJ conduzirá a uma supressão ou compressão significativa dos direitos de defesa do fiador, por confronto com as possibilidades de tutela processual que teria numa acção declarativa (caso se defendesse a interpretação oposta).
(…)
No que respeita à amplitude dos direitos de defesa do executado quando a execução se baseia nesta tipologia de título executivo vale o disposto no artº.731º do CPC (com a epígrafe “Fundamentos de oposição à execução baseada noutro título”):
«Não se baseando a execução em sentença ou em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, além dos fundamentos de oposição especificados no artigo 729.º, na parte em que sejam aplicáveis, podem ser alegados quaisquer outros que possam ser invocados como defesa no processo de declaração.»
Conclui-se, assim, que o facto de o fiador ser demandado numa acção executiva tendo por base o título executivo formado nos termos do artº.14º-A não implicará uma significativa afectação dos seus direitos de defesa, por confronto com a tutela que lhe caberia numa acção declarativa.
Tem-se argumentado que a inclusão do fiador no âmbito dos sujeitos em relação aos quais o título executivo previsto no artº. 14º-A da Lei n.6/2006 poderá ser feito valer constituiria uma violação do numerus clausus dos títulos executivos previstos no artº.703º do CPC.
Porém, em rigor, o referido artº.14º-A não enuncia, em termos excludentes, o sujeito em relação ao qual o título executivo pode ser feito valer. Essa norma define a estrutura constitutiva do título (integrado por dois documentos: contrato de arrendamento e comunicação do montante em dívida) e delimita a tipologia de débitos relativamente aos quais tal título se torna normativamente operativo (rendas, encargos, despesas que corram por conta do arrendatário).
Sendo óbvio que o sujeito responsável pelo pagamento desses valores é o arrendatário, por constituir a sua obrigação principal, como previsto no artº.1038º, alínea a) do CC, será lógico que a comunicação dos montantes em dívida seja dirigida ao devedor – o arrendatário, até para que este, querendo, proceda ao pagamento voluntário dos montantes reclamados, evitando a propositura da acção executiva. Por outro lado, terá o arrendatário a possibilidade de discutir extrajudicialmente a exactidão dos valores reclamados pelo locador ou, eventualmente, a possibilidade de invocar a compensação, caso tenha algum crédito face ao locador, evitando-se o recurso a tribunal (com os inerentes custos).
Estando o pagamento dos débitos referidos no artº. 14º-A garantido por fiador, tem-se entendido que a comunicação referida nessa norma também tem de ser dirigida a este sujeito por identidade de razões face ao arrendatário e porque, nos termos do artº. 631º do CC, o fiador não deverá ficar em condições mais onerosas do que as do devedor principal.
(…)
No caso dos presentes autos encontra-se assente (e os fiador e herdeiros habilitados da fiadora não o negam) que foram notificados pela senhoria credora para proceder aos pagamentos reclamados.
(…)
Adere-se, pois, ao entendimento perfilhado na jurisprudência e doutrina maioritária de que o artigo 14º-A do N.R.A.U. confere força executiva para efeitos de execução para pagamento de quantia certa relativamente às rendas em dívida, contra o arrendatário e o fiador, desde que o requerimento executivo seja acompanhado do contrato de arrendamento escrito e do documento comprovativo de comunicação feita aos dois obrigados (entre outros, Acórdãos da Relação de Lisboa de 12.03.2019 e de 14.03.2019, com súmula de jurisprudência e doutrina, disponíveis na base de dados do IGFEJ).
Assim, transcreve-se a este propósito a fundamentação do Acórdão de 18 de Janeiro de 2018, (disponível na base de dados citada):
«Sendo questão controversa quer na doutrina, quer na jurisprudência, conforme acima referido, a nosso ver, do teor do artº. 14-A do NRAU não se retira que o contrato de arrendamento acompanhado da respectiva comunicação não constitua título executivo também contra o fiador.
Não revestindo por si, o contrato de arrendamento, enquanto mero documento particular, a qualidade de título executivo, esta qualidade foi-lhe atribuída expressamente pelo artº.º 703 nº1 d) do C.P.C., sendo este um título de natureza complexa, composto pelo contrato de arrendamento e pela notificação ao arrendatário (e fiador) dos montantes em dívida.
Com efeito, existindo fiadores, estes também poderão ser demandados, desde que tenham sido notificados pelo senhorio do montante em dívida. (neste sentido vide ainda Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, A Acão executiva Anotada e Comentada, págs. 147).
Não se pode extrair da menção efectuada neste preceito à exigência de comunicação ao arrendatário dos montantes em dívida, como uma exclusão da sua extensão ao fiador, mas antes a de “obrigar o exequente a proceder a uma espécie de liquidação aritmética extrajudicial prévia dos montantes em dívida, de forma a conferir maior grau de certeza quanto ao montante peticionado, tendo em conta a potencial vocação duradoura do contrato” (Decisão singular desta Relação, proferida em 12.12.2008, Relator Manuel Tomé Soares Gomes, www.dgsi.pt)
Assim sendo, neste contrato/título constam como obrigados/executados os nele contraentes devedores, ambos responsáveis pelo pagamento das rendas devidas ao credor senhorio.
Nem na letra do preceito nem nas razões para a criação deste título executivo, se vê qualquer motivo para afastar o fiador do seu âmbito, de acordo aliás com o disposto nos artº.s 627, 631 e 634 do C.C. que consagra a responsabilidade do fiador de assegurar com o seu património o cumprimento de obrigação alheia, ficando pessoalmente obrigado perante o respectivo credor.
(…)
Consequentemente, arrendatário e fiador respondem solidariamente pela prestação inicial, bem como pelas consequências legais e contratuais do não cumprimento, incluindo a mora.
(…)
… a exigência do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante das rendas em dívida não tem em vista demonstrar a constituição da dívida exequenda, pois ela decorre do próprio contrato, nem se destina a interpelar o devedor, já que se está perante uma obrigação pecuniária de montante determinado e prazo certo (renda – cfr. artº. 805.º, n.º 2, al. a) do Cód. Civil), mas destina-se a obrigar o exequente a proceder à liquidação prévia das rendas em dívida, de forma a conferir um grau de certeza quanto ao montante da dívida exequenda, face à vocação tendencialmente duradoura do contrato de arrendamento e ao carácter periódico das rendas.
Concluindo, não restringindo a norma do NRAU o título ao arrendatário, deve entender-se que também existe título contra o fiador que tenha intervindo no contrato, assim se poupando a necessidade de instauração de uma ação declarativa contra o fiador. (Ac. deste Tribunal da Relação de 27/10/16, proferido no Proc. nº 4960/10.5TCLRS.L1-6, relator Eduardo Petersen Silva; José Henrique Delgado de Carvalho, Ação Executiva para Pagamento de Quantia Certa, Quid Juris, pág. 263)».
(…)”.
Partilhamos, como dissemos anteriormente, deste entendimento profusamente discutido em 1ª instância, que, por isso, dispensa fundamentação acrescida.
Tal como ali se concluiu, e em casos como o dos autos, o título executivo tem natureza complexa e é composto pelo contrato de arrendamento, pela notificação ao arrendatário e ao(s) fiadores, relativamente aos montantes em dívida, que têm de ser liquidados pelo exequente.
Retomando o caso sub judice, está demonstrado que o título executivo apresentado pelo exequente é composto pelos seguintes elementos: contrato de arrendamento e notificação ao fiador (…), que teve intervenção pessoal e direta no contrato de arrendamento nos termos evidenciados pelo respetivo texto, bem como pela notificação dos sucessores de … (fiadora original e que teve idêntica intervenção à de seu marido … no mesmo contrato), que assumiram a posição daquela, na qualidade de executados na execução em causa.
Nas notificações dirigidas aos fiadores, é reclamada a falta de pagamento de rendas de janeiro a novembro de 2013, no montante global de € 5.500,00, e sobre cada renda em dívida a indemnização de 50% prevista no n.º 1 do artigo 1041.º do Código Civil (€ 2.750,00 euros), tudo no total de € 8.250,00.
Evidenciam os autos que o título executivo não é integrado pela notificação da arrendatária para pagamento das referidas rendas e respetivos acréscimos.
A propósito desta questão, foi decidido em 1ª instância o seguinte:
“Todavia, não podemos esquecer a especificidade da presente execução. A Exequente não se limita, tout court, a instaurar a execução apenas contra os fiadores. A Exequente instaurou uma execução previamente contra os arrendatários e os fiadores, sendo certo que, um dos fiadores e ora Embargante, interpôs recurso da sentença proferida nos embargos e na decisão do mesmo, o Tribunal da Relação veio a dar razão a esse fiador, uma vez que a Exequente não tinha juntado aos autos, para formação do título executivo complexo, a devida notificação a esse fiador.
Acontece que, nessa execução, a Exequente juntou a notificação enviada aos arrendatários, a qual não sofreu qualquer impugnação.
Todavia, após ter procedido à legal notificação do fiador ora Embargante e Herdeiros Habilitados da fiadora entretanto falecida, não foi possível prosseguir a Execução nº … contra os mesmos, face ao decidido pelo Tribunal da Relação.
Assim, foi a Exequente e ora Embargada obrigada a instaurar uma execução separada apenas contra os fiadores (rectius, fiador e Herdeiros habilitados da fiadora falecida).
Acrescem as mesmas exigências?
A nosso ver, não.
A execução nº … corre os seus termos e, do acórdão do Tribunal da Relação proferido nos autos de embargos nº … decorre expressamente que por carta remetida pelos mandatários da exequente, datada de 07.05.2013, dirigida à executada (…), tendo esta última declarado por escrito que teve conhecimento da mesma em 31.05.2013, a aqui exequente comunicou-lhe que a quantia global em dívida ascendia a € 4.500,00, respeitante às rendas de Janeiro a Junho de 2013, acrescidas da indemnização de 50% prevista no nº 1 do artigo 1041º do Código Civil, mais declarando que deveria a executada proceder ao pagamento da referida quantia no prazo máximo de 10 dias, sob pena de, não o fazendo, ser intentada de imediato a competente acção executiva (cfr. ponto 5. dos factos provados constantes da sentença proferida nos embargos de executado nº (…) reproduzidos no Acórdão do TRL de 28.06.2018, junto aos autos com a petição inicial de embargos).
Daí que se encontra provada a comunicação à arrendatária, não sendo exigível a junção aos autos de cópia da referida comunicação, a qual já se encontra junta aos autos de execução nº ….
Temos assim que, por tudo o exposto, improcede a excepção alegada de “inexequibilidade do título executivo”.”
Salvo o devido respeito, não podemos confirmar tal decisão.
O processo executivo funda-se no título apresentado à execução.
No caso, e como decorre de tudo quanto foi explanado em 1ª instância, e que se corroborou, o título executivo formado nos termos e ao abrigo do art.14º-A, nº 1, do NRAU é composto pelo contrato de arrendamento, pela comunicação ao arrendatário do montante em dívida a título de rendas, e pelo comprovativo de idêntica comunicação aos fiadores que garantiram o pagamento das rendas.
A formação do título não pode prescindir de qualquer destes elementos/documentos.
Cada processo é único. Assentando a execução num título complexo, não podemos concluir pela existência de título se pelo menos um dos seus componentes está em falta, pois qualquer deles é imprescindível à sua formação.
Por isso, no caso, o tribunal não pode concluir pela existência de título quando - e porque - um dos elementos necessários, mas em falta, compõe (aparentemente) o título executivo que constitui a base de outro processo executivo, distinto e totalmente autónomo deste de que ora nos ocupamos. E dizemos “aparentemente”, porque, na realidade, e como resulta dos elementos factuais apurados (com base em mero facto fixado em acórdão do Tribunal da Relação proferido naquele outro processo) a comunicação à arrendatária para pagamento do montante em dívida a título de rendas junta ao dito processo é inclusivamente distinta da comunicação remetida aos fiadores e aqui executados (nessa comunicação, datada de 07.05.2013, foi comunicado à arrendatária que estavam em dívida as rendas de janeiro a junho de 2013, acrescidas da indemnização de 50% prevista no nº 1 do artigo 1041º do Código Civil; neste processo, foi comunicado aos fiadores que a dívida a título de rendas correspondia às devidas de janeiro a novembro de 2013, acrescidas de indemnização calculada naqueles mesmos termos).
A outra execução foi julgada extinta contra o fiador … por este não ter sido notificado do montante em dívida a título de rendas, em conformidade com o regime jurídico aplicável. Tratou-se, porventura, de um lapso do exequente aquando da efetivação de tal comunicação, mas tal lapso não pode ser “remendado” com a instauração de execução apenas contra os fiadores, sem que integre o título a comunicação à arrendatária dos montantes devidos a título de rendas e que se pretendem ver pagos coercivamente.
Concluindo, não é possível ficcionar a existência do título executivo expressamente invocado nos autos de execução de que estes embargos constituem apenso, por apelo à existência de um documento que materializa a comunicação feita à arrendatária quanto ao valor de rendas em dívida, não coincidentes, sequer, com aquelas que aqui são reclamadas, e que integra a composição de título autónomo que serve de base a ação executiva independente.
A conclusão alcançada a este propósito em 1ª instância, afigura-se, inclusivamente, a nosso ver, contraditória com o que foi anterior e abundantemente explanado a propósito da formação do título executivo a que alude a sobredita norma do NRAU.
Verificando-se a inexistência de título, fica prejudicado o conhecimento da prescrição da obrigação exequenda.
Decisão
Em consequência do exposto, acordam os Juízes desta 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar procedente a apelação, e em consequência, revogar a decisão recorrida e julgar extinta a execução contra os executados/embargantes (arts. 729º, al. a) e 731º, CPC).
As custas da execução, dos embargos e da apelação ficam a cargo da exequente/embargada, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 527º, nº 1, CPC.
Notifique.
Lisboa, 14 de dezembro de 2023
Cristina Lourenço - (Relatora) Carla Figueiredo - (1ª Adjunta) Rui Manuel Pinheiro de Oliveira - (2º Adjunto)
[1]João de Castro Mendes, Miguel Teixeira de Sousa, “Manual de Processo Civil, Vol. II, AAFDL Editora, 2022, pág. 550. [2]Acórdão foi proferido na vigência do artº. 15º, n. 2 da Lei 6/2006 - redação originária - que consagrava a situação hoje prevista no artº. 14º-A por força da Lei nº 31/2012.