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CONTRATO DE GARANTIA FINANCEIRA
PENHOR FINANCEIRO
INDEMNIZAÇÃO
Sumário
I) O contrato de garantia financeira, regulado no D.L. n.º 105/2004, de 8 de maio, é o contrato celebrado entre uma instituição de crédito ou entidade para o efeito equiparada e uma pessoa coletiva (artigo 3.º), visando assegurar o cumprimento de quaisquer obrigações cuja prestação consista numa liquidação pecuniária ou na entrega de instrumentos financeiros (artigo 4.º), que recaiam sobre numerário ou instrumentos financeiros (artigo 5.º) e que as partes tenham decidido submeter a um regime especial de desapossamento (artigo 6.º e 7.º), constituindo o penhor financeiro uma das modalidades deste tipo contratual. II) No D.L. n.º 105/2004, de 8 de maio admitem-se três modalidades de penhor financeiro: o penhor financeiro simples, o penhor financeiro com direito de disposição e o penhor financeiro com direito de apropriação. O penhor financeiro simples corresponde à observância dos requisitos a que se referem os artigos 3.º a 7.º do D.L. n.º 105/2004. O penhor financeiro será com direito de disposição se tal tiver sido convencionado entre as partes, caso em que, previsto esse direito de disposição, o beneficiário da garantia poderá, nos termos do artigo 9.º, n.º 2, do D.L. n.º 105/2004, alienar o objeto da garantia prestada nos termos previstos no contrato, como se fosse o seu proprietário. III) O penhor financeiro com direito de apropriação, trata-se do meio mais célere de execução da garantia, mediante o estabelecimento do denominado “pacto marciano”, segundo qual, a transferência do bem dado em garantia para o credor se fará mediante o pagamento de um preço justo, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 11.º do D.L. n.º 105/2004, de 8 de maio. IV) A apropriação apenas poderá licitamente ocorrer se: a) No contrato de penhor financeiro forem claramente identificados os critérios a que deve obedecer a avaliação e os prazos dentro dos quais a mesma deverá realizar-se; b) Tais critérios sejam objetivos e conformes com os ditames da boa fé; e c) O direito de apropriação for exercitado até ao montante das obrigações garantidas que se encontre em dívida. V) Em conformidade com a previsão do n.º 1 do artigo 666.º do CC, vencida a obrigação, o credor adquire o direito – não o dever – de se pagar pelo produto da venda executiva da coisa empenhada, podendo a venda ser feita extraprocessualmente (fora do processo executivo), se as partes nisso o tiver convencionado, conforme decorre do n.º 1 do artigo 675.º do CC. VI) Admite-se assim, no âmbito do penhor, que, ao abrigo de convenção das partes celebrada aquando da constituição do penhor, a venda seja realizada extraprocessualmente, sem necessidade de propositura de ação executiva. VII) A alienação do objeto da garantia pignoratícia pelo credor encontra determinados limites, designadamente, os que decorrem do princípio da boa fé no cumprimento das obrigações (artigo 762.º, n.º 2, do CC). VIII) Prevendo-se no contrato de financiamento celebrado entre as partes que, “[p]ara cumprimento do disposto na alínea b) do n.º 1 do referido artigo 11.º, fica expressamente acordado que a avaliação das Acções REN corresponderá à média das cotações da semana anterior à data em que for declarado o vencimento antecipado das obrigações da EPI ou, nos outros casos, à data em que se vença a obrigação pecuniária e a mesma não seja cumprida”, esta estipulação reporta-se às condições de exercício pelo credor pignoratício do direito de apropriação que ali também foi conferido. IX) Para a hipótese de mera atuação pelo credor do direito de disposição, as partes limitaram-se a prever que a autorização para alienação ou oneração das ações seria efetuada pelo credor “como se fosse seu proprietário”, expressamente remetendo para a previsão dos “artigos 9.º e 10.º” do D.L. n.º 105/2004, onde um tal direito (de disposição) se encontra regulado. X) Nos termos dos artigos 9.º e 10.º do D.L. n.º 105/2004, o direito de disposição confere ao beneficiário da garantia financeira os poderes de alienar ou onerar o objeto da garantia prestada, nos termos previstos no contrato, como se fosse seu proprietário (cfr. artigo 9.º, n.º 2) e exercido o direito de disposição, deve o beneficiário da garantia, até à data convencionada para o cumprimento das obrigações financeiras garantidas: a) Restituir ao prestador objeto equivalente ao objeto da garantia financeira original, em caso de cumprimento das obrigações financeiras garantidas por parte deste; ou b) Quando o contrato de penhor financeiro o preveja e em caso de cumprimento pelo prestador da garantia, entregar-lhe quantia em dinheiro correspondente ao valor que o objeto da garantia tem no momento do vencimento da obrigação de restituição, nos termos acordados pelas partes e segundo critérios comerciais razoáveis; ou c) Quando o contrato de penhor financeiro o preveja, livrar-se da sua obrigação de restituição por meio de compensação, sendo o crédito do prestador avaliado nos termos da alínea anterior. XI) Não contraria a boa fé que lhe era exigível na execução extraprocessual do penhor, a conduta do credor que, perante a verificação de uma situação de não pagamento no vencimento das obrigações do financiamento pelo devedor e dador de garantia pignoratícia (consistente em ações de empresa cotada em bolsa de valores) - e depois de ter informado o devedor de que iria, caso não fosse paga a quantia em dívida, executar as garantias constituídas - , por forma a satisfazer, com a maior eficiência, a reposição do seu direito de crédito e atendendo ao elevado número de ações objeto do penhor constituído em seu benefício (26.700.000, correspondendo a 5% do capital social da empresa a quem as ações empenhadas respeitavam), lança mão do processo de recolha de intenções de investimento junto de terceiros, com vista a concretizar a venda das ações empenhadas, o que faz, por intermédio de instituições financeiras contratadas para o efeito, segundo o denominado processo de “acellerated bookbuilding”, pelo qual se concretizou a venda extrajudicial das ações empenhadas, pelo melhor preço conseguido pelos “bookrunners” e que, inclusive, equivaleu ao valor de cotação médio que as ações tiveram na semana que antecedeu a data de não pagamento do financiamento concedido.
Texto Integral
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
* 1. Relatório:
*
1. OLIREN, SGPS, S.A., identificada nos autos, instaurou contra NOVO BANCO, S.A., também identificada nos autos, a presente ação declarativa, com processo comum, pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de:
- €4.272.000,00, correspondente ao valor que deveria ter sido restituído, a mais, à Autora, considerando que as Acções REN deveriam ter sido vendidas ao valor da cotação de Novembro de 2015;
Caso assim não se entenda:
- €801.000,00, correspondente ao valor que deveria ter sido restituído, a mais, à Autora, considerando que as Acções REN deveriam ter sido vendidas ao valor da cotação de Setembro de 2015.
Deverá a Ré, em qualquer caso, ser condenada a pagar à Autora:
- O valor correspondente ao acréscimo de 5% sobre o valor de avaliação das acções REN utlizado para a venda; e
- €676.305,00, correspondentes ao valor que foi ilicitamente retido pela Ré; e
- Juros de mora vencidos e vincendos desde 6 de Novembro de 2015 até efectivo e integral pagamento.
A Autora alegou, para tal, em síntese, que:
- Foi constituída com o escopo de deter uma participação de 5.340.000 acções representativas do capital social da REN - Redes Energéticas Nacionais, SGPS, S.A.;
- Certos activos, passivos e elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco Espírito Santo, S.A. foram transferidos para a Ré, entre os quais a posição contratual do BES emergente do contrato de financiamento no montante de €74.000.000,00 celebrado em 30 de Junho de 2008 entre o BES, na qualidade de mutuante, a EPI, na qualidade de mutuaria, a Autora, na qualidade de garante e a OLINERG, também na qualidade de garante;
- Em virtude do Contrato de Financiamento, a Ré concedeu à EPI um financiamento no montante de €74.000.000,00 e o montante mutuado destinava-se exclusivamente a ser utilizado pela EPI para a liquidação de todas as responsabilidades resultantes de um conjunto de financiamentos intercalares contraídos junto da Ré, com vista a dotar o grupo encabeçado pela OLINERG com parte dos meios financeiros necessários à aquisição da participação social na REN, no quadro do processo de reprivatização desta empresa;
- No Contrato de Financiamento, foi estipulado que o capital financiado seria posto à disposição da EPI na data da respetiva assinatura e esta deu, através do contrato, instruções à Ré para proceder à liquidação de todas as responsabilidades emergentes dos referidos financiamentos intercalares, no montante global de €74.000.000,00.
- Autora e Ré acordaram que o capital financiado deveria ser reembolsado até 30 de Junho de 2013;
- Para garantia das obrigações da EPI, Autora constitui a favor da Ré um penhor sobre 26.700.000 acções que detinha no capital social da REN:
- Conexamente com a constituição do Penhor, foram conferidos à Ré poderes para:
i. Executar extraprocessualmente o penhor constituído, podendo inclusivamente, em nome e representação da OLIREN, alienar as acções em qualquer mercado ou junto de qualquer entidade competente, nos termos, condições, a quem e por intermédio de quem entender conveniente;
ii. Dispor das acções empenhadas, ficando o BES autorizado a alienar ou onerar tais valores mobiliários como se fosse seu proprietário;
iii. Fazer seus os valores mobiliários empenhados; e
iv. Praticar todos e quaisquer actos e formalidades necessários à constituição do Penhor e à sua plena eficácia face à Autora e a terceiros;
- As Partes acordaram que a avaliação das acções REN correspondera a média das cotações da semana anterior à data em que for declarado o vencimento antecipado das obrigações da EPI ou, nos outros casos, à data em que se vença a obrigação pecuniária e a mesma não seja cumprida;
- Em 15 de Julho de 2013, as Partes celebraram um aditamento ao Contrato de Financiamento, pelo qual acordaram na prorrogação do prazo de reembolso, que passou de 30 de Junho de 2013 para 30 de Junho de 2015 e acordaram na alteração da taxa de juro;
- Por força desse Aditamento, o montante do financiamento foi reduzido para €67.500.000,00 em consequência da amortização voluntária de €6.500.000,00;
- Em 9 de Janeiro de 2015, a Ré enviou à Autora uma mensagem alertando para o facto de, com referência às acções REN, a média ponderada das cotações de fecho das cinco sessões da Euronext Lisboa ocorridas em 16, 17, 18, 19, e 22 de Dezembro de 2014 ser de €2.429, daí decorrendo que o rácio de cobertura do montante das responsabilidades da EPI decorrentes do Contrato de Financiamento era de 96,10%, o que configurava um incumprimento do rácio previsto no Contrato de Financiamento, que era de 100%, pelo que exigiu que Autora procedesse ao cumprimento de tal rácio ou através da entrega de 1.084.638 acções representativas do capital social da REN ou da constituição de depósito caução no montante de €2.635.020,00;
- Neste seguimento, as Partes encetaram negociações tendo em vista o reforço da garantia do Contrato de Financiamento e a prorrogação do prazo de reembolso previsto no mesmo;
- Em 29-05-2015, a Ré confirmou a disponibilidade para renovar o financiamento da EPI e para prorrogar o prazo de reembolso até Julho de 2018 mediante a prestação de garantias adicionais, nomeadamente de penhor de depósito bancário;
- A Autora manifestou concordância quanto à prorrogação, mas, em 12-06-2015, sugeriu alterações às condições de refinanciamento propostas pela Ré;
- A Ré entendeu que as condições contrapropostas pela Autora não apresentavam um nível de garantias adequado às características da operação, pelo que não aceitou a prorrogação do prazo até Julho de 2018 nos moldes propostos pela Autora, mas decidiu prorrogar o prazo de reembolso por noventa dias, ou seja, até 30-09-2015;
- Nesta sequência, por comunicação de 23-06-2015, foi enviada à Autora uma minuta de um segundo aditamento ao Contrato de Financiamento para formalizar a prorrogação do prazo de reembolso até 30-09-2015 que havia sido decidida no dia anterior, prorrogação que a Autora aceitou em 26-06-2015;
- A Ré pretendia o envio de elementos devidamente assinados e com as formalidades por si discriminadas, condições que a Autora cumpriu;
- O segundo aditamento foi assinado pelos legais representantes da Autora, da EPI e da OLINERG;
- A Ré nunca conotou o envio do contrato de mandato como uma condição da prorrogação do prazo, pelo que a assinatura do mesmo era irrelevante para efeito da prorrogação e o mesmo nunca chegou a ser celebrado pelas partes;
- No dia 05-11-2015, sem comunicar previamente a Autora, a Ré desencadeou o processo de venda das Acções REN fora de bolsa, através do lançamento de uma oferta particular das Acções REN através de um processo denominado de “accelerated bookbuilding" e que se destinava exclusivamente a investidores qualificados;
- Esse processo de “accelerated bookbuilding" jamais havia sido antes acordado com a Autora;
- Sem que fosse necessário o contrato de mandato, a Ré procedeu à venda das Acções REN a 06-11-2015 através do processo de “accelerated bookbuilding" ao preço de €2,62;
- A Ré apenas deu conhecimento à Autora sobre a execução extrajudicial do Penhor no dia 10-11-2015;
- O produto da alienação das Acções REN foi de €69.954.000,00, dos quais a Ré afectou €69.490.482,73 ao pagamento das responsabilidades da EPI emergentes do Contrato de Financiamento, tendo restituído à Autora €463.517,27;
- Nada justificava o processo acelerado de venda escolhido nem a venda das Acções REN por tão baixo preço, pois não existia qualquer receio fundado de que as Acções REN empenhadas se perdessem ou deteriorassem para justificar a sua venda em menos de 24 horas, tanto mais que a cotação das acções representativas na bolsa nos dias que precederam o lançamento da oferta pública era bastante positivo;
- Se as Acções REN tivessem sido vendidas pelo preço correspondente à média das cotações da semana anterior ao lançamento da oferta pública, teriam sido vendidas pelo montante de €74.226.000,00;
- A Ré ignorou deliberadamente que o Contrato de financiamento havia sido prorrogado até 30 de Setembro de 2015, pelo que jamais poderia a data de referência para a avaliação das Acções REN ser 30 de Junho de 2015 e ignorou o valor muito superior das cotações das Acções REN no momento em que procedeu à sua venda, em Novembro de 2015.
*
2. Citada, a ré apresentou contestação, aceitando a celebração do contrato de financiamento e o seu aditamento de 15-07-2013 e impugnando a restante matéria de facto alegada pela Autora, dizendo, em síntese:
- Procedeu à execução do penhor financeiro de forma profissional e em estrito cumprimento das disposições contratuais e legais que regulavam a matéria;
- As minutas do contrato de penhor sobre depósito bancário de 21 de Janeiro de 2015 e a minuta de um segundo aditamento ao contrato de financiamento de 23 de Junho de 2015 surgem apenas rubricadas e assinadas pela Autora, nunca tendo sido entregues ao Réu;
- Não aceitou prorrogar o financiamento até 30 de Setembro de 2015, tendo apenas associado a possibilidade de prorrogação do prazo de financiamento por 90 dias à concessão de um mandato para venda das acções dadas de garantia, bem como fazia depender a prorrogação da entrega dos contratos de penhor de depósito bancário e do segundo aditamento ao contrato devidamente assinados;
- Informou a Autora que perante o não cumprimento das condições indicadas, o prazo de reembolso do valor mutuado ocorreria no dia 30 de Junho de 2015;
- Não existe qualquer violação do princípio da boa-fé por ter exigido um mandato de venda das acções empenhadas por forma a prorrogar o prazo de vencimento das obrigações garantidas no Contrato de Financiamento e também não existiria violação desse principio, caso tivesse rejeitado tal possibilidade;
- O processo de "accelerated bookbuilding" é um processo de colocação de valores mobiliários no mercado, visando a obtenção do melhor preço possível por essas acções, mediante a recolha de ordens de compra por parte de investidores institucionais;
- No processo de "accelerated bookbuilding", a Ré não tem qualquer intervenção no processo de formação dos preços das acções a alienar;
- A Ré poderia executar o penhor financeiro nos termos e nas condições que considerasse mais convenientes, podendo aliená-las em qualquer mercado e junto de qualquer entidade competente;
- À data da execução do penhor, a obrigação da Autora de reembolso do valor mutuado encontrava-se vencida há mais de quatro meses.
Concluiu pela improcedência da acção.
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3. Teve lugar audiência prévia, com prolação de despacho saneador, fixação do valor da causa, identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.
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4. Decidida reclamação da autora e os requerimentos probatórios apresentados pelas partes, teve lugar audiência de discussão e julgamento.
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5. Em 09-05-2023 foi proferida sentença julgando a ação improcedente e absolvendo a ré dos pedidos formulados pela autora.
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6. Não se conformando com a referida sentença, dela apela a autora, pugnando pela sua revogação, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1. A prorrogação por 90 dias do prazo de vencimento do financiamento contraído pela Recorrente por Contrato de Financiamento celebrado em 30.06.2008 e aditado em 15.07.2013 foi uma decisão tomada pela Recorrida e comunicada à Recorrente por LO, interlocutor da Recorrida junto da Recorrente, nos termos e para os fins do artigo 800.º, n.º 1 do Código Civil, através do email de 22 de junho de 2015, junto aos presentes autos como documento 6-A com a Petição Inicial.
2. Esta prorrogação por 90 dias foi perentoriamente confirmada por LO no seu depoimento como testemunha, ao referir que a decisão tinha sido tomada em Conselho de Crédito, do qual a testemunha fazia parte, com o objetivo de evitar a execução imediata do penhor financeiro das ações REN.
3. Além disso, do teor de tal email de 22 de junho de 2015, cujo conteúdo é substancial, também não se pode retirar qualquer outra conclusão, porquanto os representantes da Recorrente, em declarações de parte, foram perentórios e assertivos a afirmar que interpretaram tal email como concedendo a dita prorrogação dos 90 dias, sem quaisquer condicionantes.
4. O declaratário normal, colocado na situação do concreto declaratário, interpretaria tal email como sendo uma mera comunicação da decisão de prorrogação do prazo por 90 dias, pelo que é este o entendimento que prevalece, nos termos do disposto no artigo 236.º, n.º 1 do Código Civil.
5. A referida prorrogação do prazo de vencimento do financiamento por 90 dias não estava sujeita a quaisquer condições, apesar do conteúdo do email de 23 de junho de 2015, remetido por SA, e que consta dos autos como documento 7 junto com a Petição Inicial, que tem um cariz meramente procedimental.
6. A própria SA declara no seu depoimento que as suas funções estavam unicamente relacionadas com os procedimentos de operacionalidade interna da Recorrida, designadamente a formalização de contratos ou acordos, de forma a poder "carregar” a operação no sistema da Recorrida - o que, como é por demais evidente, nada tem que ver com a implementação ou exigência de condições para a prorrogação dos 90 dias.
7. O próprio LO refere no seu depoimento que as pretensas condições referidas por SA no seu email de 23 de junho de 2015 nada têm que ver com a prorrogação dos 90 dias, pelo que não pode existir outra conclusão que não aquela que considera as alegadas condições como meros formalismos e procedimentos.
8. Mais ficou provado nos presentes autos que a prorrogação do prazo de vencimento do financiamento por 90 dias pretendia alargar no tempo as negociações com vista à chegada a um acordo entre as Partes que permitisse o refinanciamento ou a liquidação do financiamento, para evitar a execução do penhor financeiro das ações REN, dadas em garantia pela Recorrente.
9. É a este refinanciamento, e não à dita prorrogação do prazo por 90 dias, que se reportam as negociações que constam dos variados emails juntos aos presentes autos - ao contrário do que o Tribunal a quo confusamente entende, confusão ou pré-juízo este que se mantém desde a Audiência Prévia e que inquina toda a sentença.
10. Em consequência, deverá ser aditado à matéria de facto dada como provada o seguinte facto: "49. O prazo do Contrato de Financiamento foi prorrogado, em 22.06.2015, por 90 dias, transferindo-se o seu termo para o dia 30.09.2015”.
11. Acresce que, o Decreto-Lei n.º 105/2004, de 8 de maio, regula exclusiva e especificamente o regime do penhor financeiro, constituindo lei especial em relação à lei geral estabelecida nos artigos 666.º e seguintes do Código Civil.
12. Em consequência, a execução extraprocessual do penhor realizada pela Recorrida tinha necessariamente que cumprir com o disposto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 105/2004, de 8 de maio, tal como acordado entre as Partes na Cláusula 8.º, n.º 9 do Contrato de Financiamento - o que não sucedeu.
13. Com efeito, a Recorrida estava obrigada, em cumprimento do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 105/2004, de 8 de maio, a, na execução extraprocessual do penhor, avaliar as ações penhoradas pela forma acordada entre as Partes no n.º 9 da Cláusula 8.º do Contrato de Financiamento.
14. Sucede, porém, que a Recorrida não utilizou o método de avaliação acordado entre as Partes quando procedeu à execução extraprocessual do penhor financeiro, através do recurso ao processo de accelerated bookbuilding, não tendo, aliás, utilizado qualquer método de avaliação das ações antes de proceder à sua venda.
15. Resultou provado nos presentes autos, pelos depoimentos das testemunhas RP, JJ e AD que o método de formação do preço no processo de accelerated bookbuilding é feito por quem pretende adquirir as ações, pelos investidores interessados, sendo estes quem forma o preço consoante o preço que oferecerem.
16. O próprio Tribunal a quo é perentório a afirmar - embora não inclua o facto no elenco dos factos não provados - que “não ficou provado que a Ré tivesse feito qualquer (prévia) avaliação do valor das referidas Acções antes da sua colocação em venda através do ABB ou que tivesse havido qualquer interferência da Ré no valor de venda das Acções” - o que, mais uma vez, demonstra que a Recorrida não procedeu à avaliação das ações conforme estipulado entre as Partes.
17. Por conseguinte, tendo procedido à execução extraprocessual do penhor nos termos em que o fez, sem proceder à prévia avaliação das ações nos termos acordados no Contrato de Financiamento, a Recorrida violou o artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do Decreto- Lei n.º 105/2004, de 8 de maio, uma norma imperativa, o que torna a venda das ações REN nula, nos termos do disposto no artigo 294.º do Código Civil.
18. Com tal conduta, ao não respeitar o método de avaliação acordado entre as Partes no n.º 9 da Cláusula 8.º do Contrato de Financiamento, a Recorrida incorreu em claro incumprimento contratual, presumindo-se a culpa da Recorrida em tal incumprimento, nos termos do disposto no artigo 799.º, n.º 1 do Código Civil.
19. Além do referido incumprimento contratual por violação do disposto no n.º 9 da Cláusula 8.- do Contrato de Financiamento e da nulidade da venda que a Recorrida originou com a violação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 105/2004, de 8 de maio, a Recorrida violou ainda os deveres de boa fé e diligência, previstos no artigo 762.º do Código Civil, a que estava obrigada, nomeadamente o dever de procurar vender as ações REN ao melhor preço possível, i.e., ao preço de mercado.
20. Tal origina igualmente o incumprimento contratual da Recorrida, presumindo-se, mais uma vez, a sua culpa em tal incumprimento, nos termos do disposto no artigo 799.º, n.º 1 do Código Civil.
21. Com o devido respeito, e ao contrário do que pugna o Tribunal a quo, não é à Recorrente que cabe provar que a Recorrida agiu sem a diligência necessária, mas a esta que cabe provar que o fez, sob pena de a Recorrente ficar onerada com a prova diabólica do facto negativo.
22. A falta de preocupação da Recorrida com a diligência e boa fé a que estava obrigada, mas não cumpriu, está confessada na arrogância expressa nos artigos 70.º e 71.º da sua contestação, onde expressa uma exclusiva e egoísta preocupação com a sua própria sustentabilidade financeira.
23. O processo escolhido pela Recorrida para proceder à venda das ações (accelerated bookbuilding) e o resultado conseguido são claramente reveladores da falta de cuidado, zelo e diligência na sua atuação, consubstanciando uma violação do princípio da boa fé, na medida em que a Recorrida demonstrou perseguir apenas a satisfação integral e célere do seu crédito, com manifesta indiferença pelo respeito pelos interesses legítimos da Recorrente, que consistiam em ver as ações penhoradas vendidas ao melhor preço.
24. Com efeito, tal é confessado pela própria Recorrida nos artigos 91.º e 92.º da sua contestação, ao afirmar perentoriamente que bem sabia que a utilização do processo de acceleranted bookbuilding implicaria, como implicou, necessariamente a venda das ações com desconto, o que foi corroborado pelas testemunhas RP e JJ.
25. Ademais, o incumprimento contratual pela violação dos deveres de boa fé e de diligência da Recorrida, com o recurso ao processo de accelerated bookbuilding, obtendo uma satisfação célere do seu crédito em claro prejuízo dos interesses da Recorrente, não foi sequer motivado ou justificado por qualquer fator de receio ou perigo de perda da garantia do seu crédito, conforme resulta dos depoimentos das testemunhas RP e LO.
26. Quer pela nulidade da venda - particularmente atento o facto de a restituição das ações REN à Recorrente se mostrar inexequível -, quer pelo incumprimento contratual, a Recorrida está obrigada a indemnizar a Recorrente, restituindo-a na situação em que a mesma se encontraria, caso a venda realizada pela Recorrida não fosse nula e em claro incumprimento contratual (artigo 562.º do Código Civil).
27. Atento o que resulta dos factos provados 44. e 37., constantes do elenco dos factos provados da sentença de que ora se recorre, bem como do depoimento da testemunha JJ, a Recorrida vendeu as ações REN com um desconto de 5,9% relativamente ao valor médio da sua cotação na semana anterior à alienação.
28. Em consequência, tal foi o prejuízo causado à Recorrente, pelo que, para a Recorrida restituir a Recorrente na situação em que se encontraria caso não tivesse procedido à venda da forma como o fez, terá que indemnizar a Recorrente pelo valor correspondente a tal desconto de 5,9%, que se cifra em €4.272.000,00 (quatro milhões e duzentos e setenta e dois mil euros), acrescido de juros vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.
29. Além disso, não é correto o entendimento do Tribunal a quo quando considera que não se provou nos autos que o recurso a outro processo de venda que não o accelerated bookbuilding levasse à obtenção de um valor superior ao de €2,62 por ação.
30. Na verdade, além de ser notório que a venda pode ser feita fora de bolsa - como, aliás, sucedeu -, foi por diversas vezes referido, nomeadamente pelo representante da Recorrente, PA, e pela testemunha RP, que podia ser feita uma venda direta a um investidor interessado, em detrimento da venda com recurso ao processo de accelerated bookbuilding.
31. Assim, devem ser aditados à matéria de facto dada como provada os seguintes factos: "50. A Ré, antes de proceder à venda extraprocessual, não realizou a avaliação das ações penhoradas seguindo o método de avaliação acordado pelas Partes na Cláusula 8.-, n.º 9 do Contrato de Financiamento, por força do disposto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 105/2004, de 8 de maio. 51. A Ré, na venda das Ações REN, recorreu ao processo de accelerated bookbuilding, sabendo de antemão que, neste processo de venda, o valor das ações estaria necessariamente sujeito a um desconto. 52. No processo de venda chamado de accelerated bookbuilding, o preço de venda das ações é fixado de acordo com a oferta dos compradores, como foi no caso dos autos. 53. A Ré, com recurso ao processo de accelerated bookbuilding teve como única preocupação obter um valor suficiente para pagar, de forma célere, o seu crédito, apesar de não existir qualquer razão de urgência, nomeadamente por não existir perigo de depreciação dos bens dados em garantia, sem qualquer preocupação em obter o melhor preço na venda das ações. 54. A venda das ações penhoradas poderia ter sido feita de forma a maximizar o seu preço, designadamente através da venda, fora de bolsa, a um dos investidores interessados que existiam.”
32. Em consequência das conclusões anteriores, deverá a Recorrida ser condenada a pagar à Recorrente uma indemnização correspondente aos 5,9% de desconto com que as ações penhoradas foram vendidas, correspondente à diferença de valor entre o preço por que as ações foram vendidas e o preço médio de cotação das mesmas ações na semana precedente à sua venda, que perfaz €4.272.000,00 (quatro milhões e duzentos e setenta e dois mil euros), acrescido dos juros vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.
33. Por fim, e atento tudo quanto ficou exposto, a Recorrida cobrou ilícita e indevidamente, a título de juros de mora contabilizados entre 30.06.2015 e 21.10.2015, data da interpelação da Recorrida para que a Recorrente procedesse ao pagamento, o montante de €676.305,00 (seiscentos e setenta e seis mil trezentos e cinco euros), acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.
34. A sentença do Tribunal a quo, ao ter decidido como decidiu, violou o disposto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 105/2004, de 8 de maio, o n.º 9 da Cláusula 8.- do Contrato de Financiamento, os deveres de boa fé e diligência decorrentes do artigo 762.º do Código Civil, e os artigos 294.º e 236.º, n.º 1 do Código Civil”.
*
7. A ré contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida, tendo concluído que:
“A. A Decisão Recorrida deve permanecer inalterada, sendo inatacável no plano do julgamento que faz quanto à matéria de facto e quanto à matéria de direito, tendo a Mma. Juiz do Tribunal a quo identificado todo o percurso que percorreu para apreciar e decidir o caso dos autos, abordando aprofundadamente todas as questões que a OLIREN suscitou na petição inicial quanto às putativas atuações desconformes do NOVOBANCO na preparação e na execução do penhor financeiro sobre as ações da REN.
B. O caso dos autos não é um caso de David contra Golias, que opõe uma parte forte (a instituição de crédito) contra uma parte fraca (o devedor). A OLIREN é detida por uma das famílias mais poderosas de Portugal e não estava numa posição desfavorecida, o que é também demonstrado pela estrutura das sociedades envolvidas: a OLIREN, entidade que prestou a garantia ao financiamento e Autora nos autos, é uma sociedade portuguesa detida pela sociedade holandesa European Power Investments, B.V. (a mutuária no contrato de financiamento), a qual por sua vez é detida por outra sociedade portuguesa, a Olinerg, SGPS, S.A..
C. O NOVOBANCO cumpriu todas as suas obrigações e agiu, com respeito ao princípio da boa-fé, num caso de incumprimento contratual, como agiria com qualquer cliente, recusando-se a ideia de que à OLIREN deveria ser dado um tratamento de exceção.
D. O financiamento em causa nos autos (inicialmente de €74.000.000,00) foi concedido, à data pelo Banco Espírito Santo, para que a OLIREN (sociedade constituída especificamente para este efeito e sem qualquer outro património - ponto 4 da matéria de facto provada) adquirisse 5% do capital social da REN, oferecendo como garantia do empréstimo as próprias ações da REN. Caso as ações valorizassem, os mutuários beneficiariam das mais-valias (dividendos e mais tarde, lucro obtido com a venda das ações), pagando apenas postecipadamente juros ao NOVOBANCO; caso contrário (i.e, se as ações não gerassem proveitos suficientes para pagar os juros), o banco tinha apenas as ações como colateral e encaixaria as perdas sofridas.
E. Os legais representantes da OLIREN, FO e PP, e a testemunha SC entraram, nas suas inquirições, em diversas contradições, motivo pelo qual as transcrições incluídas nas alegações da OLIREN devem ser analisadas com cautela e à luz da integralidade dos seus depoimentos.
F. O prazo de vencimento do contrato de financiamento manteve-se inalterado em 30 de junho de 2015, não tendo sido prorrogado por 90 dias, motivo pelo qual a Decisão Recorrida se deve manter inalterada.
G. A tese inicial da OLIREN (incluída na petição inicial) de que o segundo aditamento ao contrato de financiamento havia sido assinado e devolvido ao NOVOBANCO foi contrariada pelas testemunhas LO, SA e CP. De igual forma, os legais representantes da OLIREN, FO e PP, e bem assim a testemunha SC, não confirmaram que tal aditamento foi devolvido ao NOVOBANCO. O facto de a OLIREN ter começado por defender nos presentes autos que o segundo aditamento ao contrato de financiamento havido sido assinado pelos seus representantes legais (e pelos representantes legais da mutuária) e devolvido ao NOVOBANCO demonstra que a Recorrente conhecia que a assinatura do segundo aditamento era condição essencial à prorrogação daquele prazo.
H. Ficou demonstrado que o segundo aditamento nunca foi assinado pelas partes nem recebido pelo NOVOBANCO.
I. Quanto à tese alternativa apresentada pela OLIREN de que o e-mail de LO de 22 de junho de 2015 deveria ser interpretado no sentido de a prorrogação do prazo de vencimento do contrato de financiamento por 90 dias ter sido concedida pelo NOVOBANCO, a mesma é indefensável, desde logo à luz das regras contratuais estabelecidas entre as partes, mas também à luz das regras da experiência do setor bancário.
J. O contrato de financiamento previa expressamente nas cláusulas 10.a e 15.a que quaisquer alterações ao contrato teriam de ser feitas por escrito. Num contrato de €74.000.000,00 celebrado por um banco com contrapartes sofisticadas é evidente que qualquer alteração ao referido contrato dependia da celebração de um aditamento devidamente assinado por todas as partes. Os interesses em presença e as necessidades de segurança jurídica exigiam que assim fosse.
K. Ao contrário do que defende a OLIREN a propósito desta tesa alternativa, o momento da estabilização das condições contratuais para a prorrogação do prazo de vencimento do contrato de financiamento não se confunde com a sua formalização.
L. O NOVOBANCO aquando das negociações para prorrogação do prazo de vencimento do contrato de financiamento por 90 dias, impôs as condições que, no seu entender e ao abrigo do princípio da autonomia privada, eram necessárias a tal prorrogação.
M. O funcionário do NOVOBANCO, LO, propôs à OLIREN (após aprovação interna), através do e-mail de 22 de junho de 2015 (Doc. n.º 6 junto com a petição inicial), a prorrogação do prazo de vencimento do contrato de financiamento por 90 dias, estando essa prorrogação sujeita ao cumprimento das condições comunicadas pela gestora de conta SA no dia 23 de junho de 2015 (e-mail junto como Doc. n.º 7 com a petição inicial), condições essas comunicadas antes de qualquer aceitação da proposta por parte da OLIREN.
N. Uma das condições impostas pelo NOVOBANCO para aceitar prorrogar o prazo de vencimento do contrato de financiamento por 90 dias era a constituição de um mandato de venda, cujo propósito era conciliar os interesses de preservação das relações comerciais com o cliente ao invés de liquidar a operação através da execução unilateral do penhor. Este mandato de venda das ações da REN nunca chegou a ser concedido pela OLIREN ao NOVOBANCO.
O. A proposta de LO para prorrogação do prazo de vencimento do contrato de financiamento por 90 dias foi apresentada depois de o NOVOBANCO ter recusado estender o contrato por mais 3 anos e depois de a OLIREN e a mutuária terem recusado reforçar as garantias, tal como era pretendido pelo NOVOBANCO. Nesse momento foram interrompidas as negociações quanto à prorrogação do contrato por mais três anos.
P. O histórico das negociações demonstra que as exigências impostas pelo NOVOBANCO para prorrogação do prazo de vencimento do contrato de financiamento diziam respeito à prorrogação por 90 dias e não à prorrogação por três anos.
Q. Os documentos juntos aos autos e demais prova produzida demonstram que (i) a OLIREN solicitou ao NOVOBANCO, na sequência do incumprimento do rácio de cobertura do financiamento em janeiro de 2015, que procedesse ao refinanciamento do valor em dívida (cf. Doc. n.º 3 junto com a petição inicial); (ii) em 19 de maio de 2015, a OLIREN propôs ao NOVOBANCO condições para o refinanciamento e prorrogação por três anos do contrato de financiamento existente (cf. Doc. n.º 4 junto com a petição inicial); (iii) enquanto tentava negociar a alteração do prazo de vencimento do contrato de financiamento para julho de 2018 com o NOVOBANCO, a OLIREN tentou refinanciar a operação junto do Deutsche Bank e Banco BIG; e que (iv) não tendo as partes chegado a um acordo quanto a este refinanciamento, o NOVOBANCO propôs a prorrogação por 90 dias.
R. Tudo quanto discutido após o envio do email de LO de 22 de junho de 15 (Doc. n.º 6 junto com a petição inicial), era relativo à prorrogação por 90 dias e já não refinanciamento por três anos.
S. A OLIREN manifestou, em 26 de junho de 2015, o interesse em aceitar a prorrogação por 90 dias mediante uma redução da taxa de juro em vigor. Nos termos do artigo 233.º do Código Civil, tal resposta da OLIREN equivale a uma rejeição da proposta do NOVOBANCO (ou, no melhor cenário, à apresentação de uma nova proposta, a qual não foi aceite pelo NOVOBANCO).
T. A exigência de celebração de um segundo aditamento escrito ao contrato de financiamento para que o prazo de vencimento pudesse ser alterado não constitui uma formalidade ad probationem. A necessidade de alterações ao contrato de financiamento serem acordadas por escrito por todos os contraentes resulta do próprio contrato de financiamento, o que nos termos do artigo 223.º do Código Civil constitui uma convenção de forma especial para a declaração, presumindo-se nesses termos que as partes não querem vincular-se senão pela forma convencionada. Esta presunção não foi elidida pela OLIREN.
U. O artigo 800.º do Código Civil, não regulando a vinculação das entidades através de atos praticados pelos seus auxiliares (mas apenas a sua responsabilização), não tem aplicabilidade ao caso dos autos.
V. Não restam dúvidas de que o prazo de vencimento do contrato de financiamento se manteve inalterado em 30 de junho de 2015, pelo que o aditamento do facto 49. requerido pela OLIREN não pode proceder, devendo manter-se a matéria de facto, e bem assim a Decisão Recorrida, inalteradas.
W. Tendo o prazo de vencimento do contrato permanecido inalterado, os juros devem ser calculados desde a data de vencimento do contrato, ou seja, 30 de junho de 2015.
X. A discussão de saber se o prazo de vencimento do contrato de financiamento era 30 de junho de 2015 ou 30 de setembro de 2015 teria apenas impacto no cálculo dos juros de mora, uma vez que o penhor financeiro apenas veio a ser executado pelo NOVOBANCO em novembro de 2015.
Y. A tese da Recorrente, para defender que o NOVOBANCO violou os deveres a que estava adstrito enquanto credor pignoratício, assenta na ideia errada de que ao caso dos autos se aplica o estabelecido no n.º 9 da cláusula 8.a do contrato de financiamento e que os n.ºs 8 e 9 da referida cláusula são indissociáveis, tendo por objeto a aplicação do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 105/2004, de 8 de maio, para que o NOVOBANCO pudesse recorrer a qualquer das modalidades de execução do penhor descrito nos ditos n.ºs 8 e 9 da cláusula 8.a.
Z. O método de avaliação das ações previsto no n.º 9 da cláusula 8.a do contrato de financiamento não se aplica ao caso dos autos, uma vez que o NOVOBANCO não exerceu o direito de apropriação que lhe foi conferido no contrato de financiamento e não fez suas as ações empenhadas, tendo ao invés alienado as ações a um terceiro.
AA. O credor pignoratício ou vende extraprocessualmente as ações ou apropria-se delas, não havendo apropriação através de venda. São meios de execução diferentes, que não se confundem. No contrato de financiamento as partes regularam autónoma e diversamente cada uma destas situações: (i) a execução através de venda no n.º 8 da cláusula 8.a, e (ii) a execução através de apropriação no n.º 9 da cláusula 9.a.
BB. É compreensível que o regime da execução por venda seja distinto do regime da apropriação. No caso da apropriação pelo credor este assume simultaneamente o papel de executante e adquirente, sendo natural que, atendendo à potencial situação de conflito de interesses em presença, se preveja a necessidade de estabelecer critérios específicos para a avaliação do ativo dado em garantia, não devendo deixar-se essa avaliação nas mãos do credor.
No caso da execução por venda a situação de conflito de interesses não se verifica já que o ativo é vendido a terceiro, motivo pelo qual não existe a necessidade de estabelecer critérios específicos para a avaliação do ativo.
CC. O NOVOBANCO não estava obrigado a seguir o método de avaliação das ações da REN prescrito na cláusula 8.a, n.º 9 do contrato de financiamento, pelo que não incumpriu o contrato de financiamento, não se verificando a alegada nulidade da venda das ações.
DD. Aquilo a que o NOVOBANCO estava obrigado era, caso entendesse executar o penhor financeiro (como aconteceu), a fazê-lo (como fez) em obediência ao princípio da boa-fé, nos termos do disposto no artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil.
EE. O Tribunal a quo concluiu - e bem - que a OLIREN não logrou provar quaisquer violações do princípio da boa-fé na execução extraprocessual do penhor das ações da REN. E essa era uma prova que cabia à OLIREN (não sendo essa uma prova, ao contrário do que diz a Recorrente, de um facto negativo).
FF. Ficou demonstrado que o NOVOBANCO conferiu à OLIREN e à mutuária European Power Investments, B.V. múltiplas oportunidades para sanar o incumprimento existente e que o método de venda das ações escolhido pelo NOVOBANCO - o accelerated bookbuilding (ou ABB) - foi o método adequado de alienação das ações da REN e execução do penhor financeiro em condições de mercado.
GG. O NOVOBANCO pretendia alienar um número muito significativo de ações (equivalentes a 5% do capital social da REN) e não era possível antecipar se as referidas ações iriam valorizar ou desvalorizar. O NOVOBANCO escolheu, no estrito cumprimento do acordado e das suas obrigações, o processo de venda que maiores garantias oferecia para alcançar um cenário da menor deterioração do valor do ativo e consequentemente a maior recuperação do valor do crédito - os interesses do NOVOBANCO e da OLIREN estavam perfeitamente alinhados nesta matéria.
HH. A testemunha RP afirmou, a um tempo e perentoriamente, não colocar em causa a execução do penhor através do ABB, esclarecendo a outro tempo que alienar todos os dias uma parcela da REN em bolsaria estaria fora de questão.
II. As testemunhas LO e JJ confirmaram que na execução do penhor o NOVOBANCO priorizou sempre o valor do ativo e a obtenção do valor mais elevado que o mercado permitisse.
JJ. Atendendo ao número de ações que estavam a ser alienadas (perto de 27 milhões de ações de uma sociedade cotada), o NOVOBANCO não as poderia ter vendido em bolsa (como confirmaram as testemunhas RP, JJ e AD), já que uma venda em bolsa demoraria mais de 160 sessões a concretizar e comportaria um risco de oscilações relevantes do valor de mercado das referidas ações. Enquanto as ações estivessem a ser vendidas em sessões sucessivas no mercado bolsista, a OLIREN estaria obrigada a pagar ao NOVOBANCO juros remuneratórios e de mora, os quais ascenderiam a mais de €2.000.000,00.
KK. Relativamente ao procedimento seguido pelo NOVOBANCO na execução do penhor, este deu conhecimento do incumprimento contratual à OLIREN em janeiro de 2015 - cf. Doc. n.º 3 junto com a petição inicial. Após as negociações malogradas para a prorrogação do prazo de vencimento do contrato de financiamento, o NOVOBANCO voltou a sinalizar à OLIREN a situação de incumprimento através de e-mail de 15 de outubro de 2015 enviado por LO para FO (cf. Doc. n.º 1 junto com a contestação). Em 21 de outubro de 2015, o NOVOBANCO voltou a enviar uma nova comunicação à OLIREN dando nota de que iria executar extrajudicialmente o penhor (cf. Doc. n.º 13 junto com a petição inicial). O NOVOBANCO nunca recebeu qualquer resposta a estas comunicações e avançou com a execução extrajudicial do penhor 4 meses após o vencimento do contrato de financiamento.
LL. A OLIREN não conseguiu vender as ações a nenhum potencial interessado (matéria não alegada na petição inicial e, como tal, não sujeita ao contraditório do NOVOBANCO e relativamente à qual (i) não constam quaisquer documentos nos autos (ii) nem os representantes legais da OLIREM referiram nas suas inquirições ter dado conhecimento desse alegado interesse de terceiros ao NOVOBANCO).
MM. O NOVOBANCO, antes de avançar com a execução do penhor, solicitou ao seu departamento financeiro a avaliação das possíveis formas de execução do penhor e a alienação do lote de ações da REN representativas de 5% do capital social.
NN. As ações foram vendidas pelo preço que o mercado ofereceu atendendo ao volume de ações que estava a ser transacionado. Não é verdade que o NOVOBANCO tenha escolhido o ABB apenas porque privilegiou a satisfação integral e célere do seu crédito. Quando o NOVOBANCO optou por alienar as ações através do método de ABB desconhecia em absoluto qual o valor que iria obter com a venda das ações.
OO. A OLIREN não logrou provar que teria sido possível vender 26 milhões e 700 mil ações da REN pelo mesmo preço da sessão de negociação do dia 5 de novembro de 2015 (€2,78 por ação) ou pelo preço a que são vendidas diariamente 400.000 ações em bolsa. Como ficou demonstrado - pelos boletins de cotação juntos aos autos pelo NOVOBANCO (Docs. n.ºs 18 a 36 juntos com a contestação e Docs. n.ºs 4 a 6 juntos com o requerimento do NOVOBANCO de 23 de março de 2021) -, nos 160 dias (número de sessões que seriam necessárias para vender todas as ações da REN, assumindo 20% do volume diário da transação) a seguir à execução do penhor, o valor das ações da REN oscilou entre os €2,80 e os €2,40.
PP. O ABB é um método recorrente de alienação de participações qualificadas e ainda que os vendedores saibam que vão provavelmente obter um valor inferior ao da última sessão, não quer isso dizer que o valor obtido não seja um valor de mercado. O desconto de 5,9% a que foram vendidas as ações da REN é semelhante ao desconto praticado noutros ABBs. O desconto na venda das ações é por referência à cotação da sessão anterior e não ao valor relativamente ao qual seria possível vender em mercado bolsista.
QQ. Para que se pudesse concluir pela existência de um alegado dano da OLIREN, esta teria de ter demonstrado qual o valor que seria obtido com uma venda em bolsa do lote de ações em causa (e refere-se esta forma de venda por ter sido aquela que foi alegada pela OLIREN na petição inicial. A OLIREN não cumpriu esse ónus.
RR. Caso o NOVOBANCO tivesse optado pela venda das ações em bolsa (i.e. venda de aproximadamente 27 milhões de ações, correspondentes a 5% do capital da
REN), teria existido um excesso de oferta destes títulos no mercado, o que evidentemente teria afetado a liquidez do ativo e pressionado o preço das ações, interferindo com o normal funcionamento do mercado e as regras da oferta e da procura.
SS. Na execução do penhor, o NOVOBANCO estava também obrigado a dar cumprimento à obrigação de defesa do mercado prevista no artigo 311.º do Código dos Valores Mobiliários.
TT. O penhor financeiro é uma garantia privilegiada do setor bancário que responde às necessidades de limitação dos riscos sistémicos e de aumento da liquidez nos mercados financeiros. No caso dos autos, bastaria uma desvalorização das ações dadas em garantia para que o devedor incumprisse o rácio de cobertura do financiamento e se verificasse uma deterioração da relação entre o valor do mútuo e o valor do bem dado em garantia.
UU. Num financiamento com as supra descritas características, havendo valorização das ações, o devedor fica numa posição em que, ocorrendo a execução através da venda das ações, vê o empréstimo amortizado e ainda recebe o remanescente do valor de venda; pelo contrário, caso as ações desvalorizem, o banco corre o risco de o valor de venda das ações não ser suficiente para pagar o serviço da dívida. Atendendo a que o património da devedora era constituído exclusivamente pelas ações dadas em garantia, o risco de desvalorização das ações corria, na prática, por conta do NOVOBANCO. O regime do penhor financeiro permitiu ao NOVOBANCO gerir o referido risco e proteger a sua posição creditícia, através da venda célere e eficiente dos ativos dados em garantia.
VV. Resulta da prova produzida, que o processo de ABB utilizado pelo NOVOBANCO para venda das ações da REN foi adequado, tendo o NOVOBANCO agido no estrito cumprimento dos seus deveres enquanto credor pignoratício.
WW. A Decisão Recorrida não merece qualquer censura, devendo a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo manter-se inalterada, sendo o presente recurso julgado totalmente improcedente.”.
*
8. Nos termos do despacho proferido em 26-10-2023 foi admitido o requerimento recursório.
*
9. Foram colhidos os vistos legais.
* 2. Questões a decidir:
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artigo 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do artigo 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).
Em face do exposto, identificam-se as seguintes questões a decidir:
* I) Impugnação da decisão de facto:
A) Se deve ser aditada ao rol dos factos provados a seguinte matéria:
"49. O prazo do Contrato de Financiamento foi prorrogado, em 22.06.2015, por 90 dias, transferindo-se o seu termo para o dia 30.09.2015”?
B) Se deve ser aditada ao rol dos factos provados a seguinte matéria:
"50. A Ré, antes de proceder à venda extraprocessual, não realizou a avaliação das ações penhoradas seguindo o método de avaliação acordado pelas Partes na Cláusula 8.-, n.º 9 do Contrato de Financiamento, por força do disposto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 105/2004, de 8 de maio.
51. A Ré, na venda das Ações REN, recorreu ao processo de accelerated bookbuilding, sabendo de antemão que, neste processo de venda, o valor das ações estaria necessariamente sujeito a um desconto.
52. No processo de venda chamado de accelerated bookbuilding, o preço de venda das ações é fixado de acordo com a oferta dos compradores, como foi no caso dos autos.
53. A Ré, com recurso ao processo de accelerated bookbuilding teve como única preocupação obter um valor suficiente para pagar, de forma célere, o seu crédito, apesar de não existir qualquer razão de urgência, nomeadamente por não existir perigo de depreciação dos bens dados em garantia, sem qualquer preocupação em obter o melhor preço na venda das ações.
54. A venda das ações penhoradas poderia ter sido feita de forma a maximizar o seu preço, designadamente através da venda, fora de bolsa, a um dos investidores interessados que existiam.”?
* II) Impugnação da decisão de direito:
C) Se a decisão recorrida violou o disposto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 105/2004, de 8 de maio, o n.º 9 da Cláusula 8.ª do Contrato de Financiamento, os deveres de boa fé e diligência decorrentes do artigo 762.º do Código Civil, e os artigos 294.º e 236.º, n.º 1 do Código Civil e se deve a recorrida ser condenada a pagar a indemnização peticionada e declarado que cobrou ilícita e indevidamente juros de mora?
* 3. Fundamentação de facto:
* A DECISÃO RECORRIDA CONSIDEROU COMO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE:
1. A Autora é uma sociedade gestora de participações sociais constituída no ano de 2007 e dedicada à gestão de participações sociais de outras sociedades como forma indirecta de exercício de actividades económicas.
2. As acções representativas do capital social da Autora são integralmente detidas pela sociedade EUROPEAN POWER INVESTMENTS, BV. (EPI), que detém também a totalidade dos direitos de voto inerentes a tais acções.
3. O capital social da EPI é integralmente detido pela sociedade OLINERG, SGPS, S.A..
4. A Autora foi constituída pelo grupo encabeçado e dominado pela OLINERG com o escopo de deter uma participação de 5.340.000 acções representativas do capital social da REN - REDES ENERGÉTICAS NACIONAIS, SGPS, S.A..
5. A Ré é uma instituição de crédito constituída por deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal tomada em reunião extraordinária de 3 de Agosto de 2014.
6. Na reunião do Conselho de Administração do Banco de Portugal acima referida, certos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do BANCO ESPÍRITO SANTO, S.A. (BES), foram transferidos para a Ré.
7. De entre os quais a posição contratual do BES emergente do contrato de financiamento no montante de €74.000.000,00 [atendendo-se, nos termos dos artigos 663.º, n.º 2 e 607.º, n.º 4, do CPC, à menção ao valor do financiamento concedido, que resulta, desde logo, do contrato de financiamento – artigo 1.º - celebrado entre as partes], celebrado em 30 de Junho de 2008 entre o BES, na qualidade de mutuante, a EPI, na qualidade de mutuária, a Autora, na qualidade de garante, e a OLINERG, também na qualidade de garante.
8. Em virtude do Contrato de Financiamento, a Ré concedeu à EPI um financiamento no montante de €74.000.000,00.
9. O montante mutuado destinava-se exclusivamente a ser utilizado pela EPI para a liquidação de todas as responsabilidades resultantes de um conjunto de financiamentos intercalares contraídos junto da Ré, com vista a dotar o grupo encabeçado pela OLINERG com parte dos meios financeiros necessários à aquisição da predita participação social na REN, no quadro do processo de reprivatização desta empresa.
10. No Contrato de Financiamento, foi estipulado que o capital financiado seria posto à disposição da EPI na data da respectiva assinatura, 30 de Junho de 2008, e esta deu, através do contrato, instruções à Ré para proceder à liquidação, com data-valor de 30 de Junho de 2008, de todas as responsabilidades emergentes dos referidos financiamentos intercalares, no montante global de €74.000.000,00.
11. Autora e Ré acordaram que o capital financiado deveria ser reembolsado até 30 de Junho de 2013.
12. Ficou acordado o vencimento de juros a favor da Ré, dia a dia, a uma taxa correspondente à Euribor a 1 ano, acrescida de 1,10 pontos percentuais, taxa essa a que acresceria, em caso de atraso no pagamento, a sobretaxa máxima permitida pela lei.
13. Para garantia das obrigações da EPI, Autora constitui a favor da Ré um penhor sobre 26.700.000 acções que detinha no capital social da REN (Acções REN), sendo o teor da cláusula 8.ª do Contrato de Financiamento o seguinte:
"(penhor das Acções REN)
1. Para garantia do bom pagamento de todas as responsabilidades que advêm para a EPI do não cumprimento pontual e integral de qualquer obrigação resultante do presente contrato, bem como de suas alterações, prorrogações, aditamentos, reestruturações, nomeadamente, e entre outras, o reembolso do capital, o pagamento de juros remuneratórios e moratórios, despesas judiciais e extrajudiciais, honorários de advogados, solicitadores e custas, bem como saldos devedores de quaisquer contas bancárias de que a EPI seja titular ou co-titular que tenham como origem obrigações resultantes do presente contrato, a Oliren constitui a favor do BES primeiro penhor sobre 26.700.0000 acções representativas de 5% do capital social e dos direitos de voto da REN, que estão registadas na conta de registo e depósito de valores mobiliários n.º …, de que a REN é titular junto do BES.
2. (…)
3. (…)
4. (…)
5. (…)
6. (…)
7. (…)
8. O BES fica mandatado para executar extraprocessualmente o penhor constituído, podendo inclusivamente, em nome e representação da Oliren, alienar as acções em qualquer mercado ou junto de qualquer entidade competente, nos termos, condições, a quem e por intermédio de quem entender conveniente.
9. Ao penhor ora constituído aplica-se ainda o disposto no DL 105/2004, nomeadamente no que expressamente (i) confere ao BES o poder de disposição sobre as acções empenhadas, ficando o BES autorizado a alienar ou onerar tais valores mobiliários como se fosse seu proprietário (artigos 9º e 10º) e (ii) reconhece e aceita que o BES poderá em caso de incumprimento do presente contrato, fazer seus os valores mobiliários empenhados (artigo 11º). Para cumprimento do disposto na alínea b) do referido artigo 11.º, fica expressamente acordado que a avaliação das Acções REN corresponderá à média das cotações da semana anterior à data em que for declarado o vencimento antecipado das obrigações da EPI ou, noutros casos, à data em que se vença a obrigação pecuniária e a mesma não seja cumprida.
10. (…)
11. O BES fica mandatado a praticar todos e quaisquer actos e formalidades necessários à constituição do penhor de Acções REN e à sua plena eficácia face à Oliren ou a terceiros, podendo nomeadamente requerer registos e averbamentos, proceder a comunicações e publicações, solicitar o levantamento das acções empenhadas e proceder ao respectivo depósito, solicitar a emissão de certidões ou certificados e tudo o mais que entender necessário ou conveniente à plena e incondicional eficácia do penhor de que é beneficiário e à conservação da coisa empenhada."
14. Em 15 de Julho de 2013, as Partes celebraram um aditamento ao Contrato de Financiamento (Aditamento).
15. As Partes acordaram que o Aditamento começaria a produzir efeitos a 1 de Julho de 2013.
16. Por força do Aditamento, as Partes acordaram na prorrogação do prazo de reembolso previsto na clausula 4a, n.º 1 do Contrato de Financiamento, que passou de 30 de Junho de 2013 para 30 de Junho de 2015.
17. O n.º 1 da clausula 4.a do Contrato de Financiamento passou a ter a seguinte redacção: "O montante do saldo em dívida será reembolsado ao BES no dia 30 de Junho de 2015".
18. Por força do Aditamento, o montante do financiamento foi reduzido para €67.500,00 em consequência da amortização voluntária de €6.500.000,00
19. As Partes acordaram ainda na alteração da taxa de juro, que passou a ser Euribor a 1 ano acrescida da margem de 3,5% ao ano.
20. Em 9 de Janeiro de 2015, a Ré enviou à Autora uma mensagem de telecópia com o seguinte teor:
“O Novo Banco, S.A. (...), vem pela presente comunicar a V. Exas. que, com referência às Acções REN (tal como definidas no Contrato), a média ponderada das cotações de fecho, das cinco sessões da Euronext Lisboa ocorridas em 16, 17, 18, 19, e 22 de Dezembro de 2014, respectivamente, é de 2.429 Euros, pelo que, o rácio de cobertura do montante das responsabilidades da EPI decorrentes do Contrato, calculado nos termos da cláusula 9ª do Contrato, é de 96,10% (...), o que configura uma situação de incumprimento do rácio de cobertura estabelecido na cláusula 9a do Contrato.
Neste contexto, o Novo Banco solicita que, no prazo de 5 (cinco) dias, V. Exas. procedam ao cumprimento do acima mencionado rácio de cobertura, nomeadamente, através da entrega de 1.084.638 ações representativas do capital social da REN (...) ou da constituição de depósito caução no montante de 2.635.020 Euros, nos termos previstos no Contrato."
21. Em 29 de Maio de 2015, a Ré remeteu email à Autora, com o seguinte teor:
“No seguimento de anterior contacto telefónico e como combinado, vimos por este meio confirmar a disponibilidade para renovar o financiamento que a European Power Investment BV tem actualmente a decorrer junto da nossa sucursal em Londres, cujo vencimento ocorrerá em 30/06/2015, nos seguintes termos:
• Mutuária: European Power Investment BV
• Mutuante: NB Sucursal em Londres
• Modalidade: Mútuo
• Montante: 67.500.000€
• Tipo de reembolso: Bullet
• Data de Reembolso: 2 de Julho de 2018
• Taxa de Juro: Euribor 12M + 3,5%
• Pagamento de juros: 30/junho/2015, 30/junho/2016, 30/junho/2017 e 2/julho/2018
• Garantias: Penhor de 26.700.000 ações da REN e Penhor de DP no montante suficiente para que o LTV desta operação seja de 80%, com a introdução de uma stop-loss se atingir os 90%. A verificação deste LTV será feita semanalmente.
Validade da proposta: 15 dias."
22. Em 12 de Junho de 2015, a Autora remeteu email à Ré, com o seguinte teor:
"Agradecendo de antemão a disponibilidade demonstrada pelo Novo Banco, na vossa proposta abaixo copiada e as explicações por via telefónica, gostaríamos de contrapor ao Novo Banco a renovação do financiamento, mas nas condições elencadas a Verde, que a nosso ver se ajustam melhor á situação actual da empresa;
• Mutuária: European Power Investment BV/ OK
• Mutuante: NB Sucursal em Londres / OK
• Modalidade: Mútuo / OK
• Montante: 67.500.000€/ 62.500.000€
• Tipo de reembolso: Bullet / Com possibilidade de amortizações de capital parcial ou total, antecipadas, sem penalidades
• Data de Reembolso: 2 de Julho de 2018 / OK
• Taxa de Juro: Euribor 12M + 3,5% / Euribor 12M + 2,5%
• Pagamento de juros: 30/junho/2015, 30/junho/2016, 30/junho/2017 e 2/julho/2018 / 30/junho/2015?? Não entendo.
• Garantias: Penhor de 26.700.000 ações da REN e Penhor de DP no montante suficiente para que o LTV desta operação seja de 80%, com a introdução de uma stop-loss se atingir os 90%. A verificação deste LTV será feita semanalmente / Penhor de 26.700.000 ações da REN, o LTV desta operação será de 80%, com a introdução de uma stop-loss se atingir os 90%. A verificação será feita trimestralmente.
Em resumo;
Amortização de 5.000.000€ao montante actual, spread de 2.5% e a manutenção do penhor de 26.700.000 ações da REN."
23. Em resposta, em 22 de Junho de 2015, a Ré remeteu à Autora o email, com o seguinte teor:
“Analisada a vossa contraproposta constante do email abaixo, o Novo Banco entendeu que a mesma não apresenta um nível de garantias adequado às características da operação, pelo que não será possível equacionar a sua prorrogação nesses moldes.
A operação em causa vence-se em 30.06.15 e, como tal, deveria ser liquidada nessa data.
Não obstante, a fim de permitir encontrara uma solução que evite a execução do penhor das acções da REN dadas em garantia, foi decidido prorrogar a operação por 90 dias, prazo durante o qual nos deverá ser facultado um mandato de venda das referidas acções.
Caso tal não se venha a verificar, e não ocorrendo a liquidação do financiamento, o Novo Banco não poderá aceitar novas prorrogações da operação com o quadro de garantias atualmente existente."
24. A 23 de Junho de 2015, a Ré enviou comunicação electrónica à Autora com o seguinte teor:
"Na sequência de conversa com o Dr. LO venho pela presente remeter contrato que visa a prorrogação da operação da EPI por 90 dias e o Contrato de Mandato para Venda.
Aproveito para relembrar que o Contrato de Penhor Deposito que foi remetido para o Dr. SC em 30/03/2015 ainda não nos foi devolvido e que torna-se essencial a entrega deste contrato para que a postecipação do vencimento da operação seja alterada para 30/09/2015.
Para a correta formalização dos contratos enviados terão de ter em atenção;
• O cumprimento das condições precedentes, em especial a obrigação de elaboração de atas das sociedades envolvidas (...),
• Uma das vias de cada um dos contratos deverá ser entregue reconhecida notarialmente, ou por outras formas legalmente admissíveis (...) com a indicação expressa da qualidade em que assinam e confirmação dos poderes para o ato, ou seja, o reconhecimento deverá ser por semelhança e não presencial. O reconhecimento deve ser sempre acompanhado do respectivo registo informático, ou em alternativa do link que ateste a sua realização, quando feito por Advogado ou Solicitador.
• Cópia autenticada/certificada da procuração irrevogável efetuada em sede de Cartório Notarial.
Para podermos carregar a operação necessitamos que nos sejam remetidos os contratos de penhor e segundo aditamento contratual até final da presente semana, bem como os documentos que dão cumprimento as condições precedentes. No que diz respeito ao Mandato, o mesmo deverá ser formalizado até 15/07/2015.".
25. Consta da minuta do "Segundo Aditamento ao Contrato de Financiamento" remetida pela Ré à Autora, o seguinte:
"(…)
CONSIDERANDO QUE:
A. (...)
B. (…)
C. A EPI, com o prévio conhecimento e acordo da OLIREN e a OLINERG, solicitou ao BANCO, que aceitou, a alteração do prazo de reembolso do saldo em dívida emergente do contrato;
D. (…)
3.2. REEMBOLSO DE CAPITAL
Pelo presente instrumento, os contraentes acordam na alteração da Cláusula 4a (reembolso de capital) do Contrato, que passa a ter a seguinte redação:
Cláusula 4ª (reembolso de capital)
8. O montante do saldo em dívida será reembolsado ao Banco no dia 30 de Setembro de 2015.
26. No email de 23 de Junho de 2015, a Ré enviou ainda à Autora uma minuta de "Contrato de Mandato para Venda de Valores Mobiliários", ao abrigo do qual se pretendia que a Autora conferisse mandato à Ré para esta praticar quaisquer actos necessários para a venda das Ações REN a terceiros, podendo a Ré, no exercício desse mandato, alienar as acções nos termos, a quem e por intermediário de quem entendesse conveniente, no seu exclusivo critério.
27. A Autora remeteu à Ré email datado de 26 de Junho de 2015, com o seguinte teor:
“E do interesse das nossas empresas aceitar a prorrogação de 90 dias proposta pelo Novo Banco, em esclarecimento às disponibilidades das empresas, para a data de 30-6-2015, elas são as seguintes:
1- Pagamento integral dos juros, Aprox. 2.730.000,00€
2- Redução do montante de capital em divida em 3.170.000,00€, remanescendo 64.400.000€ para prorrogação.
Fico a aguardar resposta á nossa solicitação de redução da Taxa de Juro, Euribor 12M + 3,5% para Euribor 12M + 2,5%.".
28. A Ré remeteu email, a 29 de Junho de 2015, à Autora, com o seguinte teor:
"Atendendo que o vencimento da operação da European Power Investment BV é amanhã (30/06), agradecemos que nos informem de um ponto de situação dos contratos remetidos na semana passada com a maior brevidade."
29. A Autora remeteu, a 30 de Junho de 2015, informação sobre a EPI.
30. O "Contrato de Penhor", cuja redacção e condições foram propostas pela Ré à Autora, previa que a Autora constituísse a favor do Banco um penhor financeiro de primeiro grau sobre o depósito bancário no montante de €1.000.000,00, associado à conta de depósito com o número 000224597972, titulada pela Autora junto da Ré.
31. O Contrato de Mandato nunca chegou a ser celebrado pelas Partes.
32. A Ré remeteu à Autora, a 15 de Outubro de 2015, um email com o seguinte teor:
"Como é do seu conhecimento, o financiamento da European Power Investment (EPI) junto da sucursal de Londres do Novo Banco, encontra-se vencido desde 30.06.2015.
Como é igualmente do seu conhecimento, o Novo Banco acedeu em prorrogar a operação até 30.09.2015, se lhe fosse conferido um mandato de venda das ações da REN, que se encontram penhoradas para garantia do financiamento em questão.
O contrato que formalizava, quer este mandato, quer a prorrogação da operação para 30.09.15, não nos foi devolvido pela EPI, razão pela qual o financiamento se encontra vencido desde 30.06.15. Recebemos recentemente uma carta da Oliren solicitando a inclusão de uma cláusula no contrato, que impeça o Novo Banco de vender as ações da REN abaixo de determinado preço.
Analisado esse pedido, entendeu o Novo Banco não aceitar qualquer limitação à venda das ações. Assim, cumpre-me informá-lo de que, na impossibilidade de obtenção do mandato de venda e de serem reforçadas as garantias da operação nos termos estabelecidos pelo banco para a sua prorrogação, iremos desencadear os procedimentos previstos contratualmente para as situações de incumprimento."
33. Em 21 de Outubro de 2015, a Ré enviou uma carta à OLINERG cujo conteúdo, parcialmente se transcreve:
“(…)
Tendo-se vencido no passado dia 30 de Junho de 2015 a obrigação de pagamento do Financiamento concedido à European Power Investment figura como mutuária, e não tendo sido pago até à presente data, vimos interpelar a European Power Investment, através de V. Exas., de acordo com o estabelecido na cláusula 16a, ponto 1. do Financiamento para proceder ao pagamento do capital em dívida, nesta data no montante de €67.500.000,00 (sessenta e sete milhões e quinhentos mil euros), ao qual acrescem juros remuneratórios, juros de mora, comissões e impostos que sejam devidos até 2 de Novembro de 2015 através da Vossa Conta à Ordem n.º 427620002 junto do Novo Banco Sucursal de Londres.
Caso a quantia em dívida nesta data não seja paga no prazo indicado, o Novo Banco irá executar as garantias constituídas e recorrer aos mecanismos contratuais e legais ao seu dispor para obter o pagamento do Financiamento, acrescido do demais que se mostrar devido".
34. Tendo a Ré, nessa mesma data, enviado cópia da carta acima referida à Autora.
35. Por comunicado de 5 de Novembro de 2015, a Ré informou sobre o lançamento de uma oferta particular de acções da REN através de um processo de accelerated bookbuilding, com o seguinte teor:
“O NOVO BANCO, S.A. (“NOVO BANCO") pretende proceder à alienação de 26.700.000 ações representativas de cerca de 5% do capital social da REN - Redes Energéticas Nacionais, SGPS, S.A. (as “Ações") que são detidas pela OLIREN, SGPS, S.A, no âmbito de um contrato que lhes confere poderes para o efeito.
Em conformidade, o NOVO BANCO anuncia que irá proceder ao lançamento de uma oferta particular das Ações através de um processo de accelerated bookbuilding dirigido exclusivamente a investidores qualificados (a “Oferta").
O Caixa - Banco de Investimento e o Haitong Bank atuam como Joint Bookrunners da Oferta.
Os termos finais da oferta serão anunciados após a conclusão do processo de accelerated bookbuilding, que deverá ocorrer em 6 de novembro de 2015".
36. A Ré não acordou expressamente com a Autora a utilização do processo de accelerated bookbuilding como forma de execução do penhor de acções.
37. No dia 6 de Novembro de 2015, as Acções REN foram alienadas através do processo de accelerated bookbuilding ao preço de €2,62 por acção.
38. Tendo o montante global da alienação sido de €69.954.000,00.
39. Do comunicado à CMVM intitulado "NOVO BANCO INFORMA SOBRE A CONCLUSÃO DE UMA OFERTA PARTICULAR DE AÇÕES DA REN ATRAVÉS DE UM PROCESSO DE ACCELERATED BOOKBUILDING", consta:
"O NOVO BANCO, S.A. ("NOVO BANCO") anuncia que concluiu a alienação de 26.700.000 ações representativas de cerca de 5% do capital social da REN - Redes Energéticas Nacionais, SGPS, S.A. (as "Ações"), que são detidas pela OLIREN, SGPS, S.A, no âmbito de um contrato que lhe confere poderes para o efeito.
A colocação das Ações foi realizada através de um processo de accelerated bookbuilding dirigido em exclusivo a investidores qualificados (a "Oferta"), ao preço de EUR 2,62 por Ação. É estimado que a receita total resultante da Oferta seja de EUR 69.95 milhões e que a liquidação da Oferta ocorra em 10 de novembro de 2015".
40. A Ré deu conhecimento à Autora sobre a execução extrajudicial do Penhor, concretizado através da venda das Ações REN acima referida, no dia 10 de Novembro de 2015, “considerando o incumprimento da obrigação da EPI de pagamento da quantia devida, no montante de capital de €67.500.000,00 (...), a que acrescem os juros remuneratórios e de mora devidos e quaisquer despesas que o Novo Banco tenha de fazer para assegurar o pagamento do crédito em questão".
41. Mais comunicando que:
"O produto da alienação das ações objeto do Penhor, no montante global de €69.954.000,00 (...), foi afeto ao pagamento das responsabilidades da EPI emergentes do Contrato, conforme descrito no Anexo da presente comunicação (...).
Considerando que na sequência da execução do Penhor, o Novo Banco recebeu um valor superior ao do montante das obrigações garantidas pelo Penhor, o Novo Banco, em 10/11/2015 restituiu, por depósito na conta bancária (...) aberta junto do Novo Banco, com o NIB (...), da titularidade da Oliren (...), o montante de €463.173,51 (...)."
42. A Ré afectou €69.490.482,73 ao pagamento das responsabilidades da EPI emergentes do Contrato de Financiamento, resultado do somatório das seguintes parcelas:
i. €67.500.000,00, a título de capital;
ii. €913.211,25, a título de juros remuneratórios;
iii. €748.125,00, a título de juros de mora;
iv. €329.146,48, a título de comissões emergentes da execução extraprocessual.
43. A Ré calculou os juros de mora vencidos durante o período compreendido entre 30 de Junho de 2015 e 2 de Novembro de 2015.
44. A média das cotações da semana que precedeu o lançamento da venda das Ações REN foi de €2,78 por acção.
45. Tendo atingido o seu valor máximo no dia 4 de Novembro de 2015: €2,80, com arredondamento à casa centesimal.
46. Na semana que antecedeu o dia 30 de Junho de 2015, a média das cotações foi de €2,62.
47. Na semana precedente a 30 de Setembro de 2015, a média das cotações das Acções REN foi de €2,65.
48. O valor de cotação média das acções no período entre 6 de Novembro de 2015 e 24 de Junho de 2016 foi de €2,68.
* A DECISÃO RECORRIDA CONSIDEROU COMO NÃO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE:
Nada mais se provou com relevância para a boa decisão da causa, designadamente os alegados na petição inicial e na contestação e que:
a) O Segundo Aditamento assinado pelos legais representantes da Autora, da EPI e da Olinerg foi remetido à Ré.
b) O Contrato de Penhor de Depósito assinado pelos legais representantes da Autora, da EPI e da Olinerg foi remetido a Ré.
c) O Contrato de Mandato proposto pela Ré continha, como parte integrante, uma procuração irrevogável a seu favor, conferindo poderes para executar a venda das Acções REN.
d) A Autora apenas teve conhecimento do lançamento da oferta particular das Acções REN através desse processo às 18:08 do próprio dia 05.11.2015, através de um email que foi enviado a FO por MA, Diretora dos Serviços Jurídicos da REN.
e) A Ré, para o efeito da avaliação do valor das Ações REN, valeu-se da média das cotações atingidas na semana anterior ao dia 30 de Junho de 2015, por considerar que foi esta a data do incumprimento.
f) A detenção de acções representativas de 5% do capital social conferia ao seu titular o direito a assento do Conselho de Administração da REN.
g) Aquando da venda das Acções da REN pela Ré, o administrador da REN indicado pela Autora foi forçado a abandonar o seu lugar no Conselho de Administração.
* 4. Fundamentação de Direito:
* I) Impugnação da decisão de facto:
Na sequência da alegação que desenvolve, conclui a recorrente que deve ser aditada aos factos provados a seguinte factualidade:
"49. O prazo do Contrato de Financiamento foi prorrogado, em 22.06.2015, por 90 dias, transferindo-se o seu termo para o dia 30.09.2015”
"50. A Ré, antes de proceder à venda extraprocessual, não realizou a avaliação das ações penhoradas seguindo o método de avaliação acordado pelas Partes na Cláusula 8.-, n.º 9 do Contrato de Financiamento, por força do disposto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 105/2004, de 8 de maio.
51. A Ré, na venda das Ações REN, recorreu ao processo de accelerated bookbuilding, sabendo de antemão que, neste processo de venda, o valor das ações estaria necessariamente sujeito a um desconto.
52. No processo de venda chamado de accelerated bookbuilding, o preço de venda das ações é fixado de acordo com a oferta dos compradores, como foi no caso dos autos.
53. A Ré, com recurso ao processo de accelerated bookbuilding teve como única preocupação obter um valor suficiente para pagar, de forma célere, o seu crédito, apesar de não existir qualquer razão de urgência, nomeadamente por não existir perigo de depreciação dos bens dados em garantia, sem qualquer preocupação em obter o melhor preço na venda das ações.
54. A venda das ações penhoradas poderia ter sido feita de forma a maximizar o seu preço, designadamente através da venda, fora de bolsa, a um dos investidores interessados que existiam.” (cfr. conclusões 1 a 31 das alegações da recorrente).
Esta alegação encontra-se desenvolvida na motivação das alegações, onde a recorrente convoca os meios de prova que, em seu entender, determinam tal conclusão probatória.
Com tal invocação, a recorrente visa colocar em crise a matéria de facto selecionada pelo Tribunal recorrido.
Vejamos:
Prescreve o artigo 639.º do CPC – sobre o ónus de alegar e de formular conclusões - nos seguintes termos:
“1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
3 - Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.
4 - O recorrido pode responder ao aditamento ou esclarecimento no prazo de cinco dias.
5 - O disposto nos números anteriores não é aplicável aos recursos interpostos pelo Ministério Público, quando recorra por imposição da lei.”.
Por sua vez, dispõe o artigo 640.º do CPC que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.
Assim, aos concretos pontos de facto, concretos meios probatórios e à decisão deve o recorrente aludir na motivação do recurso (de forma mais desenvolvida), sintetizando-os nas conclusões.
As exigências legais referidas têm uma dupla função: Delimitar o âmbito do recurso e tornar efetivo o exercício do contraditório pela parte contrária (pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo).
O recorrente deverá apresentar “um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17-03-2014, Processo nº 3785/11.5TBVFR.P1, relator ALBERTO RUÇO, em www.dgsi.pt, respeitando a esta base de dados todos os acórdãos infra citados, salvo indicação diversa).
Os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (cfr. o Acórdão do STJ de 28-04-2014, P.º nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1, rel. ABRANTES GERALDES).
Não cumprindo o recorrente os ónus do artigo 640º, n.º 1 do C.P.C., dever-se-á rejeitar o seu recurso sobre a matéria de facto, uma vez que a lei não admite aqui despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, face ao disposto no art.º 639º, nº 3 do C.P.C. (cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-06-2014, P.º n.º 1458/10.5TBEPS.G1, rel. MANUEL BARGADO).
Dever-se-á usar de maior rigor na apreciação da observância do ónus previsto no n.º 1 do art.º 640.º (de delimitação do objeto do recurso e de fundamentação concludente do mesmo), face ao ónus do n.º 2 (destinado a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado em exigência ao longo do tempo, indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes) (neste sentido, Ac. do STJ de 29-10-2015, P.º n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, rel. LOPES DO REGO).
O ónus atinente à indicação exata das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, pelo que a falta de indicação, com exatidão, só será idónea a fundamentar a rejeição liminar se dificultar, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, ou o exame pelo tribunal, sob pena de ser uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável (cfr. Acs. do STJ, de 26-05-2015, P.º nº 1426/08.7CSNT.L1.S1, rel. HÉLDER ROQUE, de 22-09-2015, P-º nº 29/12.6TBFAF.G1.S1, rel. PINTO DE ALMEIDA, de 29-10-2015, P.º n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, rel. LOPES DO REGO e de 19-01-2016, P.º nº 3316/10.4TBLRA-C1-S1, rel. SEBASTIÃO PÓVOAS).
A apresentação de transcrições globais dos depoimentos das testemunhas não satisfaz a exigência determinada pela al. a) do n.º 2 do art.º 640.º do CPC (neste sentido, Ac. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 405/09.1TMCBR.C1.S1, rel. MARIA DOS PRAZERES BELEZA), o mesmo sucedendo com o recorrente que procede a uma referência genérica aos depoimentos das testemunhas considerados relevantes pelo tribunal para a prova de quesitos, sem única alusão às passagens dos depoimentos de onde é depreendida a insuficiência dos mesmos para formar a convicção do juiz (cfr. Ac. do STJ de 28-05-2015, P.º n.º 460/11.4TVLSB.L1.S1, rel. GRANJA DA FONSECA).
Nas conclusões do recurso devem ser identificados os pontos de facto que são objeto de impugnação, bastando que os demais requisitos constem de forma explícita da motivação (neste sentido, Acs. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, rel. TOMÉ GOMES, de 01-10-2015, P.º nº 824/11.3TTLRS.L1.S1, relatora ANA LUÍSA GERALDES, de 11-02-2016, P.º nº 157/12-8TVGMR.G1.S1, rel. MÁRIO BELO MORGADO).
Contudo, firmou-se jurisprudência no sentido de que “nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa” (assim, o Acórdão do STJ n.º 12/2023, D.R, 1.ª Série, n.º 220, p. 44 e ss.).
Note-se, todavia, que atenta a função do tribunal de recurso, este só deverá alterar a decisão sobre a matéria de facto se concluir que as provas produzidas apontam em sentido diverso ao apurado pelo tribunal recorrido. Ou seja: “I. Mantendo-se em vigor, em sede de Recurso, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efectuado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. II: Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação, quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14-06-2017, Pº 6095/15T8BRG.G1, rel. PEDRO DAMIÃO E CUNHA).
A insuficiência da fundamentação probatória do recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação, por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação (neste sentido, Ac. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, rel. TOMÉ GOMES).
Contudo, “não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica para a solução da causa ou mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-09-2015, Pº 6871/14.6T8CBR.C1, rel. MOREIRA DO CARMO), sob pena de se praticar um acto inútil proibido por lei (cfr. artigo 130.º do CPC).
Estas as linhas gerais em que se baliza a reapreciação da matéria de facto na Relação.
No caso dos autos, a recorrente visa impugnar os factos selecionados pelo Tribunal recorrido, nos termos sobreditos, pugnando pela inclusão no rol dos factos provados, daqueles que enuncia.
Conforme se evidenciou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-10-2021 (Pº 4750/18.7T8BRG.G1.S1, rel. FÁTIMA GOMES), “[a]inda que não constitua uma impugnação de matéria de facto, no sentido típico, pode o recorrente entender que a matéria de facto provada e não provada não está completa, para a boa decisão da causa, invocando essa desconformidade em recurso. Com essa pretensão o recorrente quer ver incluídos factos alegados e sobre os quais versou o julgamento na matéria de facto, a partir de alegações e meios de prova, o que significa que o tribunal de recurso carece de ter elementos concretos sobre a indicada pretensão – quais os factos a aditar e porquê; quais os meios de prova que sustentam o aditamento”.
Ora, no presente caso, constam das alegações da apelante, quer os concretos pontos de facto a que se dirige a sua impugnação, com indicação da decisão que, em concreto, deveria ser proferida, bem como, mostram-se indicados os meios de prova que, em seu entender, justificam uma tal decisão, pelo que, se mostram observados os ónus impugnatórios contidos no artigo 640.º do CPC.
Cumpre, pois, apreciar a impugnação de facto deduzida.
* A) Se deve ser aditada ao rol dos factos provados a seguinte matéria: "49. O prazo do Contrato de Financiamento foi prorrogado, em 22.06.2015, por 90 dias, transferindo-se o seu termo para o dia 30.09.2015”?
Especificamente sobre a reapreciação probatória, importa referir que “o recorrente que pretenda contrariar a apreciação crítica da prova feita pelo Tribunal a quo terá de apresentar razões objectivas para contrariar a prevalência dada a um meio de prova sobre outro de sinal oposto, ou o maior crédito dado a um depoimento sobre outro contrário, não sendo suficiente para o efeito a mera transcrição de excertos de alguns dos depoimentos prestados, já antes ouvidos pelo julgador sindicado e ponderados na sua decisão recorrida (art.º 640º do C.P.C.)” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02-11-2017 (Processo n.º 501/12.8TBCBC.G1, rel. MARIA JOÃO MATOS).
O artigo 607.º, n.º 4, do CPC impõe ao julgador que na fundamentação da sentença declare “quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.”
“A exigência de fundamentação da matéria de facto provada e não provada com a indicação dos meios de prova que levaram à decisão, assim como a fundamentação da convicção do julgador, devem ser feitas com clareza, objectividade e discriminadamente, de modo a que as partes, destinatárias imediatas, saibam o que o Tribunal considerou provado e não provado e a fundamentação dessa decisão reportada à prova fornecida pelas partes e adquirida pelo Tribunal” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-02-2019, Pº 1316/14.4TBVNG-A.P1.S2, rel. FONSECA RAMOS).
Lebre de Freitas (A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil, 3.ª ed., p. 315) refere, a este respeito, que: “No novo código, a sentença engloba a decisão de facto, e já não apenas a decisão de direito. Na decisão de facto, o tribunal declara quais os factos, dos alegados pelas partes e dos instrumentais que considere relevantes, que julga provados (total ou parcialmente) e quais os que julga não provados, de acordo com a sua convicção, formada no confronto dos meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador; esta convicção tem de ser fundamentada, procedendo o tribunal à análise crítica das provas e à especificação das razões que o levaram à decisão tomada sobre a verificação de cada facto (art.º 607, n.º 4, 1.ª parte, e 5) ”.
Conforme se sublinhou no já citado Acórdão do STJ de 26-02-2019, Pº 1316/14.4TBVNG-A.P1.S2, rel. FONSECA RAMOS): “Sendo os temas da prova enunciados de maneira sucinta, ainda que pressuponham ampla matéria de facto, a exigência de fundamentação desta justifica-se, de modo mais acentuado, porquanto não acontece, como no passado, quando a análise da peça processual onde se respondia aos quesitos permitia, em regra, saber de modo discriminado (os quesitos eram enumerados) o que tinha ficado provado e não provado e a fundamentação, que sempre se reputou não ter que ser exaustiva, mas devendo dar a conhecer os meios de prova em que acentuou a convicção quanto à prova submetida a julgamento”.
Por seu turno, refere Francisco Manuel Lucas de Ferreira de Almeida (Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, pp. 350-351) que: “A estatuição do citado nº4 do art.º 607º (1º- segmento) é, contudo, meramente indicadora ou programática, não obrigando o tribunal a descrever de modo exaustivo o iter lógico-racional da apreciação da prova submetida ao respectivo escrutínio; basta que enuncie, de modo claro e inteligível, os meios e elementos de prova de que se socorreu para a análise crítica dos factos e a razão da sua eficácia em termos de resultado probatório. Trata-se de externar, de modo compreensível, o itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pelo tribunal na apreciação da realidade ou irrealidade dos factos submetidos ao seu escrutínio. Deve, assim, o tribunal enunciar os meios probatórios que hajam sido determinantes para a emissão do juízo decisório, bem como pronunciar-se: - relativamente aos factos provados, sobre a relevância deste ou daquele depoimento (de parte ou testemunhal), designadamente quanto ao seu grau de isenção, credibilidade, coerência e objectividade; - quanto aos factos não provados, indicar as razões pelas quais tais meios não permitiram formar uma convicção minimamente segura quanto à sua ocorrência ou convencer quanto a uma diferente perspectiva da sua realidade ou verosimilhança […].Não impõe, contudo, a lei que a fundamentação das conclusões fácticas decisórias seja indicada separadamente por cada um dos factos, isolada e autonomamente considerado (podendo sê-lo por conjuntos ou blocos de factos sobre os quais a testemunha se haja pronunciado)”.
Conforme se assinalou no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-10-2020 (Pº 258/18.9T8PNF-A.P1, rel. EUGÉNIA CUNHA): “Podendo ser objeto de instrução tudo quanto, de algum modo, possa interessar à prova dos factos relevantes para a decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, vedado está aquilo que se apresenta como irrelevante (impertinente) para a desenhada causa concreta a decidir, devendo, para se aferir daquela relevância, atentar-se no objeto do litígio (pedido e respetiva causa de pedir e matéria de exceção); Havendo enunciação dos temas de prova, o objeto da instrução são os temas da prova formulados, densificados pelos respetivos factos, principais e instrumentais (constitutivos, modificativos, impeditivos ou extintivos do direito afirmado) – v. art.ºs 410º, do CPC e 341º e seguintes, do Código Civil e, ainda, artigo 5º, daquele diploma legal”.
Nesta linha é, pois, crucial que seja feita a indicação e especificação dos factos provados e não provados e a indicação dos fundamentos por que o Tribunal formou a sua convicção acerca de cada facto que estava em apreciação e julgamento.
Conforme referem Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (Manual de Processo Civil, 2.ª Ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1985, p. 436), para que um facto – sujeito a livre apreciação do julgador - se considere provado é necessário que, à luz de critérios de razoabilidade, se crie no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto. A prova “assenta na certeza subjectiva da realidade do facto, ou seja, no (alto) grau de probabilidade de verificação do facto, suficiente para as necessidades práticas da vida”.
Essa certeza subjetiva, com alto grau de probabilidade, há-de resultar da conjugação de todos os meios de prova produzidos sobre um mesmo facto, ponderando-se a coerência que exista num determinado sentido e aferindo-se esse resultado convergente em termos de razoabilidade e lógica. Se pelo contrário, existir insuficiência, contradição ou incoerência entre os meios de prova produzidos, ou mesmo se o sentido da prova produzida se apresentar como irrazoável ou ilógico, então haverá uma dúvida séria e incontornável quanto à probabilidade dos factos em causa serem certos, obstando a que se considere o facto provado.
O ordenamento processual probatório português combina o sistema livre apreciação ou do íntimo convencimento com o sistema da prova positiva ou legal, dado que, “a partir da prova pessoal obtida e da análise do teor dos documentos existentes nos autos ou doutra fonte probatória relevante, tomando em consideração a análise da motivação da respectiva decisão, importa aferir se os elementos de convicção probatória foram obtidos em conformidade com o princípio da convicção racional, consagrado pelo artigo 607º, nº 5, do Código de Processo Civil” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 06-10-2016, Pº 1306/12.1TBSSB.E1, rel. JOSÉ TOMÉ DE CARVALHO).
Assim, conforme se sintetizou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-03-2018 (Pº 3831/15.3T8LRA.L1-6, rel. MANUEL RODRIGUES), “[n]a decisão sobre a matéria de facto, o juiz deve reconstituir toda a realidade passada (realidade histórica), alegada no processo e controvertida, através da análise ou exame crítico, quer da prova documental carreada para o processo, quer da prova representativa, como é o caso do testemunho de quem percepcionou os factos, e sempre que possível deverá conjugar os factos apurados com regras de experiência, estas operando a partir de relações de causalidade ou finalísticas, de modo a poder concluir, por ilação, que os factos controvertidos desconhecidos existiram (artigos 607º, n.º 4, do Código de Processo Civil e 349º do Código Civil)”.
Entende a autora, ao longo da extensa motivação constante das alegações de apelação, que deve ser aditado aos factos provados facto onde se verta que o prazo do contrato de financiamento foi prorrogado, em 22-06-2015, por 90 dias, transferindo-se o seu termo para o dia 30-09-2015.
Vejamos:
Na petição inicial, a autora alegou, nomeadamente que:
“(…) 30.º Mas decidiu prorrogar o prazo de reembolso por noventa dias, ou seja, até 30.09.2015, tendo dito, em 22.06.2015, que:
“a fim de permitir encontrar uma solução que evite a execução do penhor das ações da REN dadas em garantia, foi decidido prorrogar a operação por 90 dias, prazo durante o qual nos deverá ser facultado um mandato de venda das referidas ações.
Caso tal não se venha a verificar, a não ocorrendo a liquidação do financiamento, o Novo Banco não poderá aceitar novas prorrogações da operação com o quadro de garantias atualmente existente”. – cf. comunicação eletrónica enviada por LO, colaborador da Ré, a FO, administrador da Autora, junta como documento n.º 6.
31.º Nesta sequência, por comunicação eletrónica datada de 23.06.2015, foi enviada à Autora uma minuta de um segundo aditamento ao Contrato de Financiamento para formalizar a prorrogação do prazo de reembolso até 30.09.2015 que havia sido decidida no dia anterior - cf. comunicação eletrónica que se junta como documento n.º 7.
32.º Prorrogação esta que a Autora aceitou por email datado de 26.06.2015, onde se pode ler que: “É do interesse das nossas empresas aceitar a prorrogação de 90 dias proposta pelo Novo Banco” – Cf. comunicação eletrónica que se junta como documento n.º 8.
33.º Das referidas comunicações resulta que houve acordo das Partes em alterar a data de vencimento da obrigação de liquidação do Contrato de Financiamento para 30.09.2015, data esta que, para todos os efeitos, substituiu a anteriormente acordada (30.06.2015).
34.º Este acordo de prorrogação da data de vencimento tornou-se imediatamente eficaz, dado o encontro de vontades das Partes nesse sentido e o facto de o mesmo constar de documento escrito (in casu, as comunicações eletrónicas trocadas entre as Partes), em observância do disposto na cláusula 10.ª do Contrato de Financiamento e no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 105/2004, de 08.05, que aprova o Regime Jurídico dos Contratos de Garantias Financeiras (doravante, “DL 105/2004”) (…)”.
Em sede de saneamento dos autos, o Tribunal recorrido identificou como objecto do litígio, o seguinte: “Da responsabilidade contratual da Ré na execução extrajudicial do penhor e alineação das acções da REN”. E, como temas da prova, enunciou os seguintes:
“• Do acordo das partes quanto ao segundo aditamento.
• Da modalidade de venda das acções;
• Da oportunidade da alienação das acções;
• Do cálculo de devolução do montante excedente à Autora”.
A autora reclamou de tal seleção, na medida em que o Tribunal recorrido entendeu, nessa fase processual, “não relevar e não autonomizar um facto essencial alegado pela Autor, designadamente nos artigos 30 e seguintes da petição inicial, ou seja, que a Autora invoca como um facto essencial integrador do seu direito e da sua causa de pedir e justificadora do pedido, que se traduz na prorrogação do prazo do reembolso do financiamento por 90 dias, ou seja até 30-09-2015, a partir de 22-06-2015”.
O Tribunal recorrido veio a indeferir tal reclamação decidindo o seguinte:
“Quanto ao primeiro tema da prova, o Tribunal, salvo melhor opinião, entendeu, conforme resulta da petição inicial, que esta prorrogação do prazo esteve sempre inserida na formalização de um segundo aditamento.
Tal como refere a Autora, o artigo 30.º refere-se a um mail de 22 de Junho de 2015, mas logo no artigo 31.º refere-se a uma comunicação electrónica de 23 de Junho de 2015 e inicia esse artigo dizendo “nesta sequência”, apontando para uma minuta de segundo aditamento ao contrato de financiamento para formalizar a prorrogação do prazo de reembolso até 30-09-2015.
Até a própria Autora refere a negrito a palavra formalizar.
Entende, assim, o Tribunal que o mail de 22-06-2015, com base na leitura da petição inicial, que o mesmo era o pontapé de saída para a formalização de um segundo aditamento, sendo esta a questão em discussão nos autos.
Pelo exposto, não tendo a Autora autonomizado a prorrogação do prazo por si só, o tribunal não entende alterar este tema da prova, e consequentemente indefere-se a reclamação”.
Tendo tido lugar audiência de discussão e julgamento, com produção probatória, o Tribunal recorrido, em sede de julgamento dos factos, deu, nomeadamente, como assente o envio das comunicações de 22-06-2015 (facto provado n.º 23), de 23-06-2015 e dos documentos que com esta foram enviados (factos provados n.ºs. 24, 25 e 26), de 26-06-2015 (facto provado n.º 27) e de 29-06-2015 (facto provado n.º 28), assinalando que o contrato de mandato nunca chegou a ser celebrado pelas partes (facto provado n.º 31), mais tendo resultado não demonstrado ou não provado que o Segundo Aditamento e o Contrato de Penhor de Depósito, assinados pelos legais representantes da autora, da EPI e da OLINERG tenham sido remetidos à ré (factos não provado nas als. a) e b) ).
E, na motivação da convicção probatória alcançada, o Tribunal recorrido enunciou – conforme consta da sentença recorrida –, a este propósito, que:
“(…) A convicção do Tribunal (artigo 607.º, nº 4 do Código de Processo Civil), espelhada nos factos provados e não provados, foi adquirida com base na apreciação crítica, conjugada e concatenada, dos depoimentos de parte e das declarações de parte dos Legais Representantes da Autora, dos depoimentos das testemunhas e dos documentos juntos aos autos.
De referir que os factos provados de 1 a 19, 26, 31, 33, 34, 36 a 38, 42 a 45 foram expressamente admitidos pela Ré ou não foram impugnados.
O Tribunal teve em consideração (…), o documento de fls. 101 para prova do facto em 23, o documento de fls. 104 para prova do facto em 24, o documento de fls. 114 a 118 para prova do facto em 25, o documento de fls. 108 para prova do facto em 27, o documento de fls. 137 para prova do facto em 28 (…).
Dito isto, resulta que o Tribunal atentou essencialmente à aceitação por parte da Ré ou à falta de impugnação dos factos alegados pela Autora e aos documentos juntos pelas partes para fundamentar a matéria de facto provada.
Quanto aos factos não provados, a Autora não alegou e também não provou que tivesse remetido o Segundo Aditamento e o contrato de penhor à Ré, cingindo-se a juntar esses documentos assinados pelas partes excepto a Ré (factos não provados em a) e b)). Em declarações de parte e depoimento de parte, FO refere que ''sinceramente" não sabe se o mesmo foi enviado ou não. PA não convenceu o Tribunal nessa parte, porquanto quando questionado sobre essa questão refere que "tem a certeza" que foi enviado, mas afirma que não foi ele que o remeteu, para depois referir que "acha" que foi o primo que disse que o contrato foi enviado.
Também SC referiu que não se recordava que alguém lhe tivesse dito que os contratos tivessem sido enviados para o Banco.
Por outro lado, a testemunha LO, director Coordenador do Corporate Banking, referiu de forma clara que tem a certeza que nunca foram entregues no Banco. A testemunha CP, bancário da Ré, também referiu de forma isenta que nenhum dos contratos foi recebido (aditamento, penhor e mandato). De igual forma depôs a testemunha SA, gestora, à data, da conta da Autora na Ré (…)”.
Ora, considerando a alegação produzida pelas partes em sede de articulados, bem como, os temas da prova enunciados, sem dúvida que, constituía objeto de apreciação e julgamento a questão de saber se ocorreu a formação de acordo das partes quanto ao Segundo Aditamento, questão que foi apreciada, decisivamente, na sentença recorrida, conforme resulta da respetiva fundamentação jurídica, no ponto “IV-ENQUADRAMENTO JURÍDICO”, tendo-se expendido as seguintes considerações:
“(…) Se foi formalizado um segundo aditamento ao contrato inicialmente celebrado:
Algumas das questões suscitadas pelas partes, passa por saber se foi formalizado um Segundo Aditamento ao contrato inicialmente celebrado (o que tem reflexo na data do incumprimento e nessa sequência no cálculo do montante devolvido à Autora e na oportunidade da alienação).
Da leitura da petição inicial, a Autora fundamenta a sua acção com o pressuposto que o Contrato de Financiamento vigorou até 30 de Setembro de 2015, por as Partes terem acordado na prorrogação do mesmo até essa data.
Em contraposição, a Ré afasta esse entendimento referindo que os contratos não lhe foram remetidos e que esse Segundo Aditamento estava sujeito a uma série de condições que não foram cumpridas pela Autora.
Cumpre apreciar face à matéria de facto apurada.
Ora, resulta do facto provado em 24 e 25 que o Segundo Aditamento foi remetido pela Ré à Autora. No entanto, não resultou provado que o mesmo tivesse sido devolvido à Ré devidamente assinado e rubricado.
Aqui surge logo a primeira questão. Não tendo sido remetido o referido Segundo Aditamento não se pode concluir pelo acordo de vontade, nomeadamente o eventual conhecimento por parte da Ré da alegada aceitação por parte da Autora quanto à prorrogação do financiamento. A Autora não logrou provar que essa aceitação por via da assinatura do documento chegou ao conhecimento da Ré (não logrou fazer prova do seu envio), prova essa que lhe incumbia.
Refere ainda a Autora que da comunicação electrónica provada em 27 se formalizou o acordo quanto ao segundo aditamento.
Ora, salvo melhor entendimento, independentemente das "condições" referidas no email constante em 24, da comunicação electrónica provada em 27 não existe uma aceitação mas apenas uma intenção ("E do interesse das nossas empresas aceitar a prorrogação (...)"), indicando um valor de pagamento integral de juros, com uma redução do capital em dívida e com uma proposta de alteração da taxa de juro. No entanto, do texto do Segundo Aditamento, não resulta a alteração do capital em dívida, nem a alteração da taxa de juro. Para além disso, e que poderia consubstanciar a aceitação, a Autora não alega, nem prova que à data de 30 de Junho de 2015 tenha procedido ao pagamento integral dos juros aproximadamente de €2.730.000,00, nem tenha reduzido o capital em dívida em €3.170.000,00.
Ainda de referir que da comunicação electrónica referida em 24, não restam dúvidas que o Contrato de Penhor Depósito tinha de ser devolvido pela Autora e que essa devolução era essencial para a alteração da data de vencimento para 30/09/2015. No entanto, também nessa parte, a Autora não prova que tenha devolvido esse contrato de Penhor Depósito à Ré (minuta essa datada de Janeiro de 2015).
Para além disso, na comunicação referida em 24 consta o envio de um Contrato de Mandato para Venda e que o mesmo deveria ser formalizado até 15 de Julho de 2015. Ora, independentemente de ser uma condição ou não da prorrogação do vencimento do financiamento e que a Ré tenha indicado uma data posterior a 30 de Junho de 2015 (pelo que não poderia ser uma condição), a própria Autora admite que não subscreveu tal Contrato de Mandato.”.
Atenta a alegação produzida pela autora e a contraposição expressa pela ré na contestação que apresentou, não havia que proceder à seleção factual sobre se “o prazo do contrato de financiamento foi prorrogado, em 22-06-2015, por 90 dias, transferindo-se o seu termo para 30-09-2015”, uma vez que, tal afirmação não redunda, senão, numa conclusão, que é decorrência – ou não – dos elementos probatórios que, se alegados, a poderiam demonstrar.
Mostra-se, pois, legítima a não inclusão no rol dos factos provados de tal matéria.
Contudo, mesmo que assim não se entendesse, e se encontrasse um conteúdo fáctico na aludida matéria, não nos parece, o que se adianta desde já, que a mencionada matéria tenha resultado demonstrada.
Vejamos:
Considera a recorrente que o termo do financiamento foi prorrogado para 30-09-2015, facto a que o Tribunal não teria atendido, invocando, em suma, que:
- O “Tribunal a quo (…) confunde a decisão e respetiva comunicação de uma prorrogação do prazo de vencimento do financiamento por parte da Recorrida com a sua formalização”, bem como, “as negociações tecidas entre as Partes para um novo financiamento a longo prazo com pretensas negociações relativas à prorrogação do prazo por 90 dias”;
- “Ao contrário do Tribunal a quo, a prorrogação dos 90 dias – (…) concedida com a comunicação constante do email de 22-06-2015- não ficou sujeita a quaisquer condições, independentemente do que veio a ser comunicado posteriormente por SA”;
- Ocorreu a “perfeição da decisão de prorrogação do prazo de vencimento do financiamento por 90 dias, até 30.09.2015, e o que claramente demonstra que o email enviado em 22 de junho de 2015 se tratava de uma mera comunicação, não sujeita à aceitação da outa parte (…)”;
- “(…) nas audiências de julgamento foi produzida prova neste sentido”, convocando, para o efeito – nos termos que extratou – os depoimentos prestados por FO e PA;
- a Recorrente “principalmente atentas as relações que mantinha há longos anos com a Recorrida, e o facto de os procedimentos de formalização dos acordos realizados não serem céleres, criou a expectativa, mais do que fundada, de que, com a comunicação de que a Recorrida decidiu prorrogar o prazo de vencimento do financiamento por mais 90 dias – até 30.09.2015 - , tal prorrogação era certa, independentemente da formalização que viesse subsequentemente” e “qualquer declaratário normal, colocado na concreta situação da Recorrente, teria a mesma interpretação (…)”;
- A “forma escrita foi observada, atento o facto de a comunicação da prorrogação do prazo de vencimento do financiamento por 90 dias ter sido feita através de email, ficando, assim, reduzida a escrito a decisão tomada” e “a formalidade prescrita no (…) n.º 2 da Cláusula 15.ª do Contrato de Financiamento é uma formalidade ad probationem”, em que “a sua falta pode ser suprida por outros meios de prova”, concluindo que as testemunhas LO e SA confessaram que a prorrogação por 90 dias foi concedida;
- “(…) as alegadas e pretensas “condições” constantes do email de 23-06-2015, remetido por SA, não eram condições para a prorrogação do prazo de financiamento por 90 dias, mas circunstâncias procedimentais de operacionalidade interna da Recorrida, tendo em vista a formalização da decisão tomada pelo banco e comunicada à Recorrente de prorrogar o prazo de vencimento do financiamento para 30.09.2015”; e
- “As negociações patentes nos emails juntos aos autos, particularmente as que se referiam a uma alteração da taxa de juro e ao pagamento dos juros e redução do capital, referem-se a uma negociação do refinanciamento a longo prazo, previsivelmente até junho de 2018, e não à prorrogação já concedida de 90 dias (…)”, o que resultaria dos depoimentos de FO, SC, PA e LO.
Apreciemos se, de algum modo, procedem os argumentos aduzidos pela recorrente, no sentido de determinar o aditamento da matéria invocada pela apelante aos factos provados.
Importa referir que, a dificuldade inerente ao julgamento de facto, assenta na conjugação de fragmentos de factos probatórios, de índole diversa, por vezes, contraditória, uns apontando num sentido, outros noutro, fragmentos esses que o julgador terá de compatibilizar, apreciando criticamente as provas.
Como dá nota Marta João Dias (“A fundamentação do juízo probatório – breves considerações”, in Julgar, n.º 13, 2011, p. 176): “Julgar de facto é a complexa operação de interpretação da realidade trazida ao processo pelas partes, isto é, permitindo às partes fazer prova dos factos alegados nos articulados, com o respeito pelo princípio do contraditório, tendo em conta as regras de repartição do ónus da prova e fazendo uso dos poderes de investigação que a lei lhe confere, o julgador afere a verdade dos factos, julgando-os provados ou não provados, e assim demarcando a realidade objecto do litígio (o thema decidendum)”.
Conforme decorre do n.º 5 do artigo 607.º do CPC, o critério de julgamento – relativamente aos meios de prova não tarifados - assenta na livre apreciação das provas, segundo a prudente convicção do julgador.
A convicção é o estado de certeza ou incerteza na verdade de um facto.
“No que toca à valoração da prova no âmbito de um processo judicial, este estado não pode ser um estado de fé, impõe-se que seja um estado crítico, formado de acordo com critérios de prudência. Assim, poderemos dizer que o julgador é livre na valoração da prova (na apreciação e na formação da convicção), na justa medida em que os meios de prova sujeitos à sua apreciação não têm um valor legal predeterminado, mas a decisão não o é, ou seja, a convicção exteriorizável pela decisão não pode ser uma “íntima convicção” compreendida como um feeling. Por outro lado, também não é uma “pura objectividade” lógico-racional, que se possa demonstrar. O estado de certeza da verdade, que há-de corresponder sempre a uma probabilidade, manifesta-se num juízo de certeza prático-emocional que, não obstante a inapagável nota pessoal, não cai num subjectivismo arbitrário, mas é antes marcada pela “objectividade da vida”, isto é, no decidir, o julgador convoca a sua experiência ou vivência pessoal, o que mais não é do que o património de saberes e experiências comum ou da comunidade em que se insere e que viabiliza o nosso conviver, pelo que a verdade a emergir há-de ser a intersubjectivamente partilhada e experimentada” (cfr. Marta João Dias; “A fundamentação do juízo probatório – breves considerações”, in Julgar, n.º 13, 2011, pp. 178-179).
A prudente convicção traduzirá, assim, a verificação dos seguintes postulados mínimos, para o controlo racional da decisão (cfr. Michele Taruffo; La prova dei fatti giuridici, Giuffrè Editore, Milão, 1992, p. 395 e ss.):
— A decisão sobre os factos não pode assentar em critérios irracionais (v.g. intuições, palpites ou crenças);
— A decisão tem de assentar na prova produzida no processo;
— A decisão não pode importar uma violação das regras probatórias;
— Os raciocínios ou inferências derivadas da relação dos meios de prova entre si e destes com os factos devem ser lógicos e coerentes;
— Os raciocínios devem apelar a um consenso, a máximas comummente aceites, por forma a que possam ser considerados verdadeiros fundamentos;
— O julgador deverá fazer uma valoração conjunta ou ponderação dos diferentes meios de prova, confrontando-os, por forma a que, ainda que de sentido contrário, daí resulte uma decisão linear e unívoca.
Na sindicância do julgamento operado em 1.ª instância, o Tribunal de 2ª instância “não deve subverter o principio da livre apreciação da prova devendo, apreciar os elementos de prova produzida e apurar da razoabilidade da convicção probatória do primeiro grau dessa mesma jurisdição, face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos e, a partir deles procurar saber se a convicção expressa pelo tribunal de 1ª instância tem suporte razoável naquilo que a prova testemunhal gravada e em outros elementos objetivos neles constantes, pode exibir perante si, sendo certo, que se impõe ao julgador que indique, os fundamentos suficientes para que, através das regras de ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento de facto como provado ou não provado.
Na verdade, só perante uma situação de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão é que se deverá considerar a existência de erro de julgamento; situação essa que não ocorre quando estamos na presença de elementos de prova contraditórios, pois nesse caso deve, em princípio, prevalecer a resposta dada pelo tribunal “a quo”, por estarmos então no domínio e âmbito da convicção e da liberdade de julgamento, que não compete a este tribunal “ad quem “ sindicar (art.º 607º, nº 5, do CPC)” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 07-11-2019, Processo 1642/15.5T8PTG.E1, rel. CONCEIÇÃO FERREIRA).
A respeito da gravação da prova e sua reapreciação cumpre considerar que, funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, “tem autonomia decisória”, o que significa que deve fazer uma apreciação crítica das provas que motivaram a nova decisão, de acordo especificando, tal como o tribunal de 1ª instância, os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (assim, Abrantes Geraldes; Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2013, p. 22).
Nessa apreciação, o Tribunal da Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão, ou que conflituem ou interfiram, sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Decorre deste regime legal que o Tribunal da Relação tem acesso direto à gravação oportunamente efetuada, mesmo para além dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente e por este transcritos nas alegações, o que constitui uma forma de atenuar a quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, ao mesmo tempo que corresponderá a uma solução justificada por razões de economia e celeridade processuais (assim, Abrantes Geraldes; Temas da Reforma de Processo Civil, vol. II, Coimbra, Almedina, 3.ª Ed., 2000, p. 272).
Cumpre ainda considerar, a respeito da reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos pessoais, que, neste âmbito, vigora o princípio da livre apreciação, salvo se ocorrer confissão das partes, conforme decorre do disposto nos artigos 358.º, 389.º e 396.º do CC e, 466.º, n.º 3 e 607.º, n.º 5, do CPC.
E, “[…] prova […] livre, quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei” (assim, Alberto dos Reis; Código de Processo Civil Anotado, vol. IV, p. 569).
Daí impor-se ao julgador o dever de fundamentação das respostas à matéria de facto, quer sobre os factos provados, quer sobre os factos não provados (cfr. artigo 607.º, n.º 4, do CPC).
Esta exigência de especificar os fundamentos decisivos para a convicção quanto a toda a matéria de facto é essencial para o Tribunal da Relação, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, poder alterar ou confirmar essa decisão, pois, é através da fundamentação de facto que o tribunal de recurso vai controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do Tribunal de 1ª instância.
Contudo, nesta apreciação, não pode o Tribunal da Relação ignorar que, na formação da convicção do julgador de 1ª instância, poderão ter entrado elementos que são intraduzíveis e subtis, como a mímica e todo o processo exterior do depoente que influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe, existindo, assim, actos comportamentais ou reações dos depoentes que apenas podem ser percecionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que não podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal, que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-05-2009, P.º 4303/05.0TBTVD.S1, rel. SANTOS BERNARDINO).
Por outro lado, porque se mantêm vigentes no Tribunal da Relação os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deverá restringir-se aos casos em que, os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, determine decisão diversa da do tribunal recorrido e patenteiem um erro de julgamento ou de apreciação do julgador, que deva ser corrigido.
Sobre os termos de reapreciação da matéria de facto pela 2.ª instância, sintetizou-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07-09-2017 (Processo 959/09.2TVLSB.L1.S1, rel. TOMÉ GOMES) o seguinte:
“1. É hoje jurisprudência corrente, mormente do STJ, que a reapreciação, por parte do tribunal da 2.ª instância, da decisão de facto impugnada não se deve limitar à verificação da existência de erro notório, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, pelo tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa.
2. No âmbito dessa apreciação, dispõe o Tribunal da Relação de margem suficiente para, com base na prova produzida, em função do que for alegado pelo impugnante e pela parte contrária, bem como da fundamentação do tribunal da 1.ª instância, ajustar o nível de argumentação probatória de modo a revelar os fatores decisivos da reapreciação empreendida.
3. Todavia, a análise crítica da prova a que se refere o n.º 4 do artigo 607.º do CPC, mormente por parte do Tribunal da Relação, não significa que tenham de ser versados ou rebatidos, ponto por ponto, todos os argumentos do impugnante nem que tenha de ser efetuada uma argumentação exaustiva ou de pormenor de todo o material probatório. Afigura-se bastar que dessa análise se destaquem ou especifiquem os fundamentos que foram decisivos para a formação da convicção do tribunal.
4. Também nada obsta a que o tribunal de recurso secunde ou corrobore a fundamentação dada pela 1.ª instância, desde que esta se revele sólida ou convincente à luz da prova auditada e não se mostre fragilizada pela argumentação probatória do impugnante, sustentada em elementos concretos que defluam da prova produzida, em termos de caracterizar minimamente o erro de julgamento invocado ou que, como se refere no artigo 640.º, n.º 1, aliena b), do CPC, imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto diversa da recorrida.
5. O nosso regime de sindicância da decisão de facto pela 2.ª instância tem em vista não um segundo julgamento latitudinário da causa, mas sim a reapreciação dos juízos de facto parcelares impugnados, na perspetiva de erros de julgamento específicos, o que requer, por banda do impugnante, uma argumentação probatória que, no limite, os configure”.
Conforme se mencionou no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 31-05-2004 (Processo 1861/04-1, rel. RICARDO SILVA), “a motivação de facto não tem de ser ou tentar ser uma recriação do julgamento, devendo antes de assegurar que o processo de decisão seja inteligível, de forma sucinta, ainda que tão completa quanto possível, o que importará maiores e melhores informações e explicações sempre que a complexidade do “thema decidendum“ e da prova que sobre ele tenha versado tal imponham, sendo certo que não se deve complicar o que é simples sob pena de se obscurecer o que já está claro”.
Ou seja: “O tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade adequada daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através dessa fundamentação, o juiz deve passar de convencido a convincente” (assim, Miguel Teixeira de Sousa; Estudos sobre o Novo Processo Civil; Lex, Lisboa, 1998, p. 348).
Verifica-se do excurso processual acima identificado que, ao invés do pugnado pela recorrente, não se anota alguma “confusão” por banda do Tribunal recorrido, relativamente à apreciação probatória levada a efeito ou, muito menos, algum “pré-juízo” cuja fonte nem sequer se mostra invocada.
Com efeito, não se mostra abalada por alguma das considerações tecidas pela apelante, a circunstância de, por um lado, face ao alegado em sede de articulados, o Tribunal recorrido ter dado como assente o teor literal escrito constante do registo das comunicações eletrónicas (e-mails) trocadas entre as partes e de não ter assentado, no âmbito da enunciação dos factos provados, na formulação de um juízo conclusivo no sentido de que ocorreu, em face delas, a decisão e comunicação de uma prorrogação do prazo de vencimento do financiamento.
Do mesmo modo, também não se alcança algum vício no juízo probatório levado a efeito pelo Tribunal recorrido que tenha por objeto a formalização de um acordo de prorrogação, pois, conforme deriva, com toda a clareza, do facto não provado constante da alínea a), não se apurou que o “Segundo Aditamento”, ou seja, a formalização do modelo contratual de prorrogação do financiamento, tenha sido concluída, pois, não se apurou que o respetivo documento, assinado pela autora, pela EPI e pela OLINERG, tenha sido remetido à ré, culminando no envio de aceitação sobre tal quadro contratual.
E, na fundamentação jurídica acima transcrita, constante da decisão recorrida, alcança-se que, o Tribunal recorrido explicitou que, em face dos elementos apurados – factos 24 e 25 - , embora o “Segundo Aditamento”, ou seja, a respetiva minuta, tenha sido remetida pela ré à autora, não ficou provado que o documento, após aposição de assinaturas dos legais representantes da autora, da mutuária EPI e da OLINERG – sendo que, de um dos documentos juntos à petição inicial consta, efetivamente, uma “versão” desse documento, assinada por tais “contraentes” – tenha sido devolvido, assim assinado, à ré, de modo a produzir os efeitos decorrentes da conclusão ou finalização de um contrato.
E, perante tal circunstância, o Tribunal recorrido concluiu que não se poderia ter por concluído o acordo de vontades, traduzido em novo acordo de prorrogação.
Contrapõe a recorrente que, da comunicação eletrónica referida no facto provado n.º 27, se retira a conclusão do dito acordo de prorrogação (que seria objeto de ulterior formalização no documento intitulado “Segundo Aditamento”).
Sobre a questão da existência, ou não, de um acordo de vontades resultante do envio, pela ré, do email de 22-06-2015 (facto provado n.º 23) e da resposta da autora efetuada no dia seguinte (facto provado n.º 27), o Tribunal recorrido foi claro e perentório em afirmar que, não obstante tal troca de comunicações, não se verificou o consenso necessário para se poder concluir pela celebração de um acordo de vontades no sentido da prorrogação:
“(…) da comunicação eletrónica provada em 27 não existe uma aceitação mas apenas uma intenção (“É do interesse das nossas empresas aceitar a prorrogação (…)”), indicando um valor de pagamento integral de juros, com uma redução do capital em dívida e com uma proposta de alteração da taxa de juro (…)”.
Também não se alcança, ao invés do invocado pela apelante, que o Tribunal recorrido tenha “confundido” negociações tecidas pelas partes para refinanciamento a longo prazo e para prorrogação do prazo por 90 dias, sendo certo que, de todo o modo, em nenhum momento, uma tal especificação ou distinção factual -gizada em sede de alegações de recurso - foi introduzida nos autos, previamente ao momento de apresentação do presente recurso.
De facto, no regime processual civil vigente, os factos principais essenciais têm se ser alegados na petição inicial (cfr. artigo 552.º do CPC). Por seu turno, o réu deve tomar posição sobre os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor (n.º 1 do art. 574.º do CPC).
“Os factos essenciais são os que apresentam, perante o quadro jurídico em que se fundamenta a acção ou a defesa, natureza constitutiva, impeditiva, modificativa ou extintiva do direito” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-04-2019, Pº 3755/15.4T8LRA.C2.S1, rel. HENRIQUE ARAÚJO).
Alterações posteriores apenas serão admitidas nos estritos condicionalismos que o Código estabelece.
No caso, de acordo com a pretensão que a autora formulou, a invocação de que tiveram lugar negociações para refinanciamento a longo prazo e negociações para prorrogação do financiamento por mais 90 dias, traduz uma distinção factual que não ocorreu em sede de dedução dos articulados das partes.
Como se mostra patente, não tendo sido objeto de alegação nos articulados, a matéria atinente, não se incluindo no leque de factos essenciais alegados, nem também, constituindo facto notório ou de que o tribunal tivesse conhecimento em virtude do exercício das suas funções, apenas poderia ser considerada, caso se considerasse verificada a previsão do n.º 2 do artigo 5.º do CPC, como “factos instrumentais que resultem da instrução da causa” (cfr. al. a)) ou como “factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar” (cfr. al. b)).
Conforme se referiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-07-2017 (Pº 442/15.7T8PVZ.P1.S1, rel. FONSECA RAMOS), “factos não alegados pelas partes podem (…) ser considerados pelo juiz. Esses factos, são os factos instrumentais que resultarem da instrução da causa (nº 2 al. a) do art.5º), e os que sejam complementares ou concretizadores dos que as partes alegaram, quando resultarem da instrução causa, desde que sobre eles as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciar - al. b). Os factos que resultam da discussão da causa, como decorre da formulação do nº2 do art.º 5º do Código de Processo Civil - “Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz” - são factos, passe a expressão, que só foram descobertos, que só chegaram ao conhecimento do Tribunal na fase instrutória da causa. Os factos instrumentais, mesmo que não constem da alegação das partes, podem ser tidos em consideração pelo julgador se resultarem da instrução da causa”.
Ora, a factualidade em questão (pressupondo uma distinção entre a existência de negociações de refinanciamento “a longo prazo” e de negociações para prorrogação “por 90 dias”) teria - considerando a causa de pedir invocada, visando o apuramento de responsabilidade da ré na execução extrajudicial do penhor e de alienação das ações que eram da autora – quando muito, a natureza de facto complementar, para a demonstração da conclusão de um acordo adicional ao contrato inicialmente celebrado.
Contudo, para que tal facto pudesse ser introduzido nos autos, com tal natureza complementar – e ressalvada qualquer circunstância superveniente, que não se verifica - , teria de o ter sido até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, e o mesmo deveria ter sido anunciado às partes, com vista a sobre ele poderem exercer o respetivo contraditório. Não tendo tal introdução tido lugar e não tendo sido viabilizado efetivo contraditório – não se afigurando suficiente para tal efeito, a mera presença das partes em audiência de julgamento, uma vez que não ocorreu algum anúncio de que o facto poderia vir a ser utilizado – até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento em 1.ª instância, precludida ficou a possibilidade da sua consideração nestes autos, não pode tal factualidade ser objeto de inclusão nesta instância de recurso.
No caso, a apelante não desencadeou, oportunamente, tal ampliação fáctica, nem o mesmo foi utilizado oficiosamente pelo tribunal, pelo que está precludida, neste momento e nesta sede, a ampliação da matéria de facto com tal fundamento, o que corresponderia ao conhecimento de uma questão nova, não se destinando os recursos a criar decisões novas, mas, antes, a reapreciar questões já decididas.
Note-se que, a ampliação da matéria de facto (artigo 662º, n.º 2, al. c), in fine, do Código de Processo Civil) tem por limite a factualidade tempestivamente alegada pelas partes, não constituindo um mecanismo sucedâneo do artigo 5º, n.º 2, al. b), do Código de Processo Civil).
Assim, nos termos expostos, compreende-se a não inclusão de uma tal factualidade na seleção factual empreendida pelo Tribunal, não se vislumbrando, algum erro ou “confusão” do Tribunal recorrido, a este respeito.
A recorrente apresenta, ainda, a “tese” de que ocorreu a “perfeição da decisão de prorrogação” por 90 dias, até 30-09-2015, o que, em seu entender, resulta do teor do email de 22-06-2015, uma mera “comunicação”, sem carecer de aceitação da contraparte, para o que teriam concorrido – segundo a apelante – os depoimentos de FO e PA, legais representantes da autora. De acordo com a apelante, o acordo de vontades teria resultado da confluência do comunicado no email de 22-06-2015, remetido por LO à autora e da sequente comunicação eletrónica de 26-06-2015, remetida por FO à ré.
Não nos parece, como se verá, que a aludida “tese” da recorrente tenha, contudo, alguma plausibilidade, no âmbito das relações havidas entre as partes e ponderado os meios de prova produzidos, quer documentalmente, quer pessoalmente.
Antes de avançarmos importa ter em conta, para efeitos de apreciação da impugnação de facto em apreço, a distinção entre questão de facto e questão de direito (ou questão não integrada por factos).
Em termos sucintos e parafraseando o referido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21-11-2019 (Pº 1541/11.0TVLSB.L3-8, rel. LUÍS CORREIA DE MENDONÇA):
“(…) Não vamos desenvolver este ponto pois não será este o lugar adequado para o fazer. Diremos apenas que a «questão-de-facto» e a «questão-de-direito» não são duas entidades em si, de todo autónomas e independentes, antes mutuamente se condicionam, além de que também mutuamente se pressupõem e remetem uma à outra.
Não quer isto, porém, dizer que tudo se confunda num sincrético e monista facto jurídico.
A doutrina e a jurisprudência têm, de resto, evitado fazê-lo. De uma forma muito geral e simples podemos assentar que tudo o que respeita ao apuramento das ocorrências da vida real é questão de facto; tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei ou de negócios jurídicos é questão de direito.
No que se refere, especificamente, à interpretação dos negócios jurídicos, na vigência do Código liberal de 1876 era pacífico o entendimento de que era matéria de direito, da competência do tribunal de revista, determinar a intenção ou vontade das partes nos contratos e testamentos.
No domínio do Código de 39, a situação inverteu-se: passou a considerar-se que a interpretação das cláusulas contratuais ou disposições testamentárias era matéria de facto, insusceptível de ser censurada pelo Supremo.
Em 1953, Alberto dos Reis, tomando posição sobre a matéria, pronunciou-se no sentido de que «a questão é essencialmente de facto, e, portanto, da competência exclusiva dos tribunais de instância, a não ser que, na determinação da vontade das partes ou na enunciação das consequências jurídicas, esses tribunais tenham violado a lei» (Código Processo Civil, Anotado, Vol VI:58).
Compulsando a jurisprudência dos últimos anos, verifica-se que o Supremo tem entendido que a interpretação dos negócios jurídicos constitui matéria de direito em duas circunstâncias:
i)- sempre que a interpretação da declaração negocial haja de realizar-se nos termos dos artigos 236.º, n.º 1, e 238.º, n.º 1, do CC (Acs. STJ, de 25.01.74, BMJ 233:179, de 29.05.80, BMJ 297:330, 06.07.82:310, 04.03.83, BMJ 325:465, de 03.05.84, BMJ 337:343, de 11.01.85, BMJ 343:292, de 05.03.85, BMJ 345:382, de 25.11.86, BMJ 361:527, de 02.02 de 1988, BMJ 374:436, de 30.10. 89, BMJ 385:503, de 06.07.89, BMJ 389:556, de 25.11.90, BMJ 399:486, de 08.05.91, BMJ 407:487, de 27.11. 91, BMJ 411:513, de 11.11.92, BMJ 421:364, de 29.04.93, CJ/STJ, T 2:73, de 12.01.94, CJ/STJ, T 1:31, de 26.09.95, CJ/STJ, T 3:22, de 03.03.98, CJ/STJ, T 1:102, de 15.01.00, CJ/STJ, T 1:85, de 24.10.00, CJ/STJ, T 3:93, de 15.05.03, Revista n.º 2754/02, de 24.06.04, Revista n.º 1860/04, de 17.04.08, CJ/STJ, T 2:33, Revista n.º 4572/09, de 10.12.2015;
ii)- sempre que haja de interpretar-se o sentido jurídico de expressões ou conceitos utilizados nos actos negociais (Acs. STJ de 18.05.73, BMJ 227:187 e de 16.02.83, BMJ 324:597; Miguel Teixeira de Sousa, «Os Poderes do Supremo Tribunal de Justiça na interpretação dos negócios jurídicos», Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1994:209 ss.; Antunes Varela, anotação ao Ac. STJ, de 17.01.85, RLJ 122.º:301 ss.).
Será, porém, questão de facto, subtraída à censura do Supremo, «a apreciação dos factos determinantes para a averiguação da vontade real dos declarantes, e esta mesma vontade».
É neste âmbito que se circunscrevem as considerações ulteriores, respeitantes à apreciação dos pressupostos de análise sobre a procedência, ou não, da impugnação deduzida.
Assim, tendo as negociações decorrido por escrito, as declarações não podem valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto dos respetivos documentos, ainda que imperfeitamente expresso, salvo se corresponder à vontade real das partes (cfr. artigo 238º, 1, do CC).
E, de acordo com o disposto no artigo 236.º do CC, não conhecendo o declaratário a vontade real do declarante, releva na interpretação da declaração negocial o sentido apreendido por uma pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente em face dos termos da declaração e de todas as circunstâncias situadas dentro do horizonte concreto do declaratário.
O sentido da declaração, assim apurado, só não será atendido se o declarante não puder razoavelmente contar com ele, conforme decorre da parte final do n.º 1 do artigo 236.º do CC.
Ou seja: Da parte final do n.º 1 do artigo 236.º do CC resulta que “não pode ser atendido qualquer sentido objectivo da declaração; é preciso que esse sentido seja imputável ao declarante. Por outras palavras, torna-se necessário que o declarante, actuando com a diligência imposta pelo ónus de adequada declaração, devesse contar com a possibilidade de ao seu comportamento declarativo ser atribuído aquele sentido objectivo” (assim, Carvalho Fernandes; Teoria Geral do Direito Civil; Vol. II, 2.ª ed., Lex, 1996, p. 348).
Vejamos, a esta luz, primeiramente, o conteúdo da correspondência eletrónica em causa.
Por um lado, importa considerar que, o referido no email de 22-06-2015, surge no âmbito de negociações já entabuladas ou iniciadas entre as partes, não correspondendo, tal email, a uma “proposta” inicial, mas sim, a uma resposta da ré decorrente da não aceitação da proposta de financiamento, nos termos em que, até aí a autora pugnava.
Conforme resulta dos factos provados e foi salientado nos depoimentos de FO, PA, LO e SA, bem como, no de SC, o tema do “refinanciamento” pretendido pela autora era uma questão que vinha sendo objeto de comunicações trocadas entre autora e ré desde maio de 2015.
Nessas comunicações, cada uma das partes foi assinalando os respetivos interesses, consubstanciados nas indicações que constam mencionadas nos emails de 29-05-2015 (facto provado n.º 21) e de 12-06-2015 (facto provado n.º 22).
É nesse contexto, que a ré afirma, no email de LO, de 22-06-2015, que “analisada a vossa contraproposta”, “o Novo Banco entendeu que a mesma não apresenta um nível de garantias adequado às características da operação, pelo que não será possível equacionar a sua prorrogação nesses moldes”.
Afirma-se, também, nesse email de 22-06-2015, o seguinte: “[n]ão obstante, a fim de permitir encontrar uma solução que evite a execução do penhor das ações da REN dadas em garantia…”.
Ou seja: Visava o banco não proceder, desde logo, à execução do penhor, procurando, como afirmou LO, não partir logo para uma “venda hostil”: “Antes de fazer uma venda hostil, tentou-se por todas as formas, resolver o problema com o cliente…”.
E segue tal comunicação:
“…foi decidido prorrogar a operação por 90 dias…”.
Resulta expresso da comunicação eletrónica de 22-06-2015 que a decisão do Banco foi a de “prorrogar a operação”, não se podendo ler, do teor literal deste trecho, que o Banco acedeu a “prorrogar o contrato de financiamento”, como pretende, agora, a apelante, sem outra formalidade ou condição.
Ou seja: Vislumbrando a proximidade da data de vencimento do financiamento existente – 30-06-2015 – a ré disponibilizou-se a “prorrogar a operação” para permitir “encontrar uma solução” que evitasse a execução do penhor.
E, neste âmbito, acede o Banco a considerar, em alternativa, o prazo de 30-09-2015, como data para vencimento do financiamento, desde que, nesse prazo, a autora facultasse à ré “um mandato de venda das referidas ações” e não deixando de assinalar que: “Caso tal não se venha a verificar, e não ocorrendo a liquidação do financiamento, o Novo Banco não poderá aceitar novas prorrogações da operação com o quadro de garantias atualmente existente”.
E, ainda antes da resposta da autora, a ré remeteu, por SA, a comunicação de 23-06-2015, mencionada no facto provado n.º 24, onde a ré:
- Remete “contrato que visa a prorrogação da operação da EPI por 90 dias e o Contrato de Mandato para Venda”;
- Relembra que “o Contrato de Penhor Depósito que foi remetido para o Dr. SC em 30/03/2015 ainda não nos foi devolvido e que torna-se essencial a entrega deste contrato para que a postecipação do vencimento da operação seja alterada para 30/09/2015”; e
- Menciona outros elementos que deverão ser “preparados” pela autora para “correta formalização dos contratos”.
Mostra-se perfeitamente claro que, para ter lugar a “postecipação do vencimento da operação” para 30-09-2015, se mostrava “essencial” a entrega do “Contrato de Penhor Depósito” que, conforme se refere no email de 23-06-2015, não tinha sido devolvido ainda à ré.
Esta comunicação – conjugada com a de LO de 22-06-2015 - não poderá deixar de ser entendida, para um declaratário normal, colocado na posição em que se encontrava o real declaratário (cfr. artigo 236.º, n.º 1, do CC), neste âmbito, como uma precisão dos termos em que a prorrogação para 30-09-2015 poderia vir a ter lugar, convidando a contraparte a contratar nos moldes aí preconizados (e complementados com a comunicação de SA de 23-06-2015), o que se compreende, pois, o Banco pretendia um reforço das garantias que tinham sido prestadas e, dado que, não obstante, “cativado 1 milhão de euros” (o que foi confirmado por LO), tal cativo não representava mais do que um “alerta” para o Banco no caso de os valores serem movimentados, pelo que se mostrava necessária a subscrição do “contrato” de penhor, a qual não tinha chegado ao poder da ré.
Neste âmbito, cumpre dilucidar se as comunicações eletrónicas de 22 e 23 de junho de 2015, remetidas pela ré à autora traduzem, ou não, uma verdadeira proposta contratual.
A proposta contratual poderá ser definida como “a declaração feita por uma das partes e que, uma vez aceite pela outra ou pelas outras partes, dá lugar ao aparecimento de um contrato” (assim, Menezes Cordeiro; Tratado de Direito Civil Português; I, Parte Geral, Tomo I, 2.ª ed., Almedina, 2000, p. 348).
A proposta contratual terá, pois, de ter a virtualidade de levar à conclusão de um contrato entre ausentes, pelo que, nessa situação, envolverá, pelo menos, duas declarações de vontade: a proposta e a aceitação.
Na proposta, o proponente formulará uma oferta de contrato, completa, firme e formalmente suficiente, para cuja conclusão seja suficiente a simples aceitação da pessoa a quem a mesma é dirigida. A proposta tem, de facto, de constituir um projecto completo de contrato, que se destina a ser transformado em contrato, mediante a simples aceitação do destinatário. É um acto finalisticamente orientado à conclusão de um contrato nos precisos moldes em que está formulada e, como acto jurídico, tem de ser idónea a esse fim.
A proposta contratual tem, assim, a natureza de um negócio jurídico unilateral que constitui no destinatário um direito potestativo a aceitar, fechando o contrato proposto, e no proponente a correspondente sujeição.
Daí que, a proposta contratual, para o ser efectivamente, deve reunir três requisitos essenciais:
“-deve ser completa;
- deve revelar uma intenção inequívoca de contratar;
- deve revestir a forma requerida para o negócio em jogo.
Deve ser completa no sentido de abranger todos os pontos a integrar no futuro contrato: ficam incluídos quer os aspectos que devam, necessariamente, ser precisados pelos contratantes – por exemplo, identidade das partes, objecto a vender, montante do preço – quer o que, podendo ser supridos pela lei, através de normas supletivas, as partes entendam moldar segundo a sua autonomia. Faltando algum elemento e ainda que a outra parte o viesse a completar, não haveria, sobre ele, o consenso necessário.
Deve revelar uma intenção inequívoca de contratar: não há proposta quando a declaração do “proponente” seja feita em termos dubitativos ou hipotéticos: a proposta deve ser firme, uma vez que a sua simples aceitação dá lugar ao aparecimento do contrato, sem que ao declarante seja dada nova oportunidade de exteriorizar a vontade.
Deve revestir a forma requerida para o contrato cuja formação se trate: repare-se que a forma do contrato – como a de qualquer negócio – mais não é do que a forma das declarações em que ele assente.
No fundo, como foca LARENZ, a proposta deve surgir de tal modo que uma simples declaração de concordância do seu destinatário faça, dela, um contrato” (assim, Menezes Cordeiro; Tratado de Direito Civil Português; I, Parte Geral, Tomo I, 2.ª ed., Almedina, 2000, pp. 348-349).
Ora, na troca de correspondência em causa, o e-mail de 22-06-2015 em que a ré manifesta à autora “prorrogar a operação por 90 dias”, exigindo que, nesse prazo, lhe seja facultado um mandato de venda das referidas ações, afigura-se-nos que o mesmo traduz um convite a contratar, nos moldes aí consignados.
Traduz tal comunicação uma declaração de que a ré visa um acordo no sentido de prolongar o período do financiamento existente, no que se refere ao prazo do seu vencimento, desde que a autora efetuasse um reforço das garantias existentes, cuja concretização passava por entrega de contrato de mandato de venda das ações, cujos termos não se achavam, no âmbito dessa comunicação, definidos.
Neste âmbito, o que se lê nos emails de 22 e 23-06-2015 da ré não corresponde, juridicamente, a uma proposta contratual, porque não comunga, desde logo, do requisito da completude.
Importa notar, desde já, que se mostram espúrios os esforços da autora para concluir no sentido de que a prorrogação assinalada nas comunicações de 22-06-2015 e de 23-06-2015, não se encontraria dependente de quaisquer condições, por considerar plenamente eficaz e incondicional a “decisão” comunicada no email de 22-06-2015 que lhe remeteu LO.
Na realidade, considerando a posição manifestada pela ré à autora, nesse quadro de negociações, mostrava-se essencial para a conclusão de um acordo no sentido da prorrogação que a autora observasse as prescrições contidas nas mencionadas comunicações de 22-06-2015 e de 23-06-2015, que provinham da contraparte da autora.
Até lá, não se pode considerar que houvesse o necessário consenso contratual, caraterístico de um contrato vinculante para autora e ré.
Conforme deriva do artigo 232.º do CC, “o contrato não fica concluído enquanto as partes não houverem acordado em todas as cláusulas sobre as quais qualquer delas tenha julgado necessário o acordo”.
Ora, é indubitável que a ré considerava essencial que a autora observasse as prescrições referenciadas nas aludidas comunicações eletrónicas, nomeadamente, o envio de mandato de venda das ações, sendo que, no email de 23-06-2015, remetido por SA, era ainda mencionado como essencial a entrega do contrato de penhor, que tinha sido remetido para SC (contabilista da autora) em 30-03-2015, tudo elementos que a ré fez saber à autora e que, logicamente, esta conhecia.
Mas, mesmo que se admitisse encontrarmo-nos perante uma verdadeira proposta contratual da ré, ainda assim, não se encontra a sequente aceitação da autora relativamente à mesma.
De facto, apreciando a sequente posição da autora, expressa na comunicação de 26-06-2015 (facto provado n.º 27) pronuncia-se esta sobre as comunicações da ré, nos seguintes termos:
“É do interesse das nossas empresas aceitar a prorrogação de 90 dias proposta pelo Novo Banco (…)”.
Ora, como bem se refere na decisão recorrida, mesmo na “tese” da recorrente verifica-se que, “da comunicação eletrónica provada em 27 não existe uma aceitação mas uma intenção”.
A aceitação é uma declaração de vontades recipienda, que tem como conteúdo a concordância, pura e simples, com a proposta contratual e que tem como eficácia a vigência do contrato proposto, nos precisos moldes da proposta aceite.
Assim, a aceitação deve ser conforme, tempestiva e com suficiência formal. A conformidade significa a adesão total e completa à proposta. A tempestividade é uma consequência da limitação de tempo de vinculação conferida pelo proponente, nos termos em que o rege o referenciado artigo 228º do Código Civil. E a suficiência formal implica que a aceitação revista a forma que, pelo menos, seja suficiente para o contrato ficar concluído (cfr., Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 6ª ed., p. 466).
Conforme se expressou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05-03-2020 (Pº 8185/16.8T8LSB.L1-2, rel. NELSON BORGES CARNEIRO), “da aceitação resulta o contrato; não haver[á], pois, verdadeira aceitação quando a competente declaração surja dubitativa ou condicionada”.
Ora, não se encontra na formulação expressa na comunicação eletrónica de 26-06-2015, a aceitação pura e simples, mas sim, uma mera exteriorização, na comunicação, do interesse do grupo empresarial onde a autora se insere, de pretender (ou poder) vir a aceitar a prorrogação para 30-09-2015, carecendo, como é claro, de uma sequência negocial, para que o acordo de vontades se concluísse (sedimentando o correspondente teor ou conteúdo contratual) e, logicamente, também, para que essa aceitação se efetuasse.
Sucede que, efetuado o julgamento da causa e analisados os factos ocorridos em retrospetiva, verifica-se que a autora não forneceu os elementos que se mostravam essenciais para que a aludida prorrogação pudesse vir a concretizar-se e a materializar-se no “Segundo Aditamento”.
Deste excurso, resulta que a troca de correspondência entre as partes se situou, para efeitos de finalização de uma nova contratação (que prorrogasse a vigência da anterior), numa fase anterior a tal finalização, meramente preliminar ou pré-contratual, sem que a manifestação exteriorizada pela ré chegasse a ter aceitação inequívoca (para além da manifestação de uma “intenção”) por parte da autora.
É inequívoco que ocorreu entre as partes uma fase de discussão e negociação que tinha em vista a manutenção no tempo do financiamento existente, mas que não resultou numa conclusão de acordo de vontades contratual (quer se encare na perspetiva de um acordo final, quer na de um eventual acordo intermédio – cfr., sobre os diversos tipos destes últimos, como sejam, o “acordo de negociação”, o “acordo parcial” e o “acordo instrumental de transição”, vd. E. Santos Júnior; “Acordos Intermédios: Entre o início e o termo das negociações para a celebração de um contrato”, in R.O.A., Ano 57.º, Vol. II, 1997, pp. 565 e ss.), vinculante.
Mas, para além destes elementos documentais, vejamos os depoimentos prestados, criticamente apreciados, apurando se os mesmos poderão conduzir a diversa conclusão.
FO afirmou, nos moldes extratados pela apelante, que, em seu entender, “a prorrogação foi aceite, mas agora começamos a trabalhar no refinanciamento... Não se pôs em dúvida que o vencimento da dívida, que era em 30-06-2015, tenha sido prorrogado por 90 dias…. A prorrogação estava tratada…o mandato já era um extra à prorrogação”.
Em termos semelhantes, mas mais opinativo do que explicando alguma fonte concreta de conhecimento, PA referiu não ter dúvidas quanto à prorrogação ter sido concedida: “Tomámos como certo os 90 dias. Ao mesmo tempo, íamos trabalhando na prorrogação para 2018”. Acabou por desabafar que “devidos às boas relações que tínhamos com o BES que passou para o Novo Banco e uma vez que não tínhamos o mínimo de incumprimentos, nunca nos passou pela cabeça que “nos deixassem cair…”.
Ora, estes depoimentos, provenientes dos interessados legais representantes da autora, mostram-se em oposição com o relatado por LO e SA, os quais se mostraram perfeitamente claros, objetivos e desinteressados, nos testemunhos que prestaram.
Assim, precisou LO – não deixando de salientar que “o cliente sempre tratou isto (este assunto) de forma ligeira” - que “o mandato de venda das ações (ou seja, o seu envio devidamente assinado à ré) era condição para prorrogar por 90 dias”, sendo que, segundo também afirmou, “a EPI estava em incumprimento desde 30-06-2015, não era passados 90 dias…”.
Explicou que tal sucedeu porque “o cliente não assinou o contrato de prorrogação”.
Quanto ao teor do email de 22-06-2015, LO sublinhou que “a decisão do banco tem de ser formalizada…quando aprovamos internamente uma operação elas não acontecem automaticamente…o cliente não formalizou as coisas…o banco não pode chegar a uma operação que está vencida e fazer uma prorrogação sem ter contrato”, claramente apontando para que a prorrogação da operação para a data de 30-09-2015 estava dependente das condições que assinalou (explicando, com todo o detalhe, que a prorrogação ficou condicionada a que o cliente assinasse e entregasse o mandato para venda das ações, sendo que, “dadas as relações que tínhamos com o cliente, o banco partiu do princípio que o cliente iria enviar o mandato”) e, bem assim, da formalização do “Segundo Aditamento” que corporizasse uma tal prorrogação.
Referiu não dispor de poderes para vincular o banco, afirmando que “ninguém no banco tem poderes sozinho para assinar o que quer que fôr”, sendo que, FO e PA tinham conhecimento da qualidade que LO tinha no banco, não sendo administrador deste.
SA referiu, igualmente, com plena objetividade, que, enquanto trabalhou para a ré, os contratos eram assinados e o normal era haver “follow-up” quando são remetidos para o banco, cabendo-lhe os procedimentos inerentes para a respetiva formalização. Referiu, nomeadamente, que o mandato para venda das ações não foi recebido pela ré, sendo que as atas também não foram devolvidas assinadas.
Ora, ao contrário do pugnado pela autora, não se encontra nos testemunhos de SA e de LO alguma admissão sobre a efetividade da concessão da prorrogação por 90 dias por banda da ré, limitando-se estas testemunha a explicar, coerentemente, os termos em que as trocas de comunicações entre as partes, segundo a respetiva participação, tiveram lugar e o que, em seu entender, significaram, salientando a necessidade, para a conclusão dos termos de aceitação de vinculação contratual pela ré, de, nomeadamente, o contrato de mandato de venda das ações ser remetido à ré assinado pelo grupo empresarial da autora, para além da própria submissão do acordo no sentido da prorrogação, num instrumento documental assinado por ambos os contraentes.
A formalização do acordo de prorrogação – a que se referia a minuta do “Segundo Aditamento” – era, pois, essencial para que se pudesse considerar ter sido celebrada e acordada, entre autora – e com a vinculação societária das demais empresas que firmaram o primitivo financiamento – e a ré.
Essa formalização não ocorreu, não se provando que o “Segundo Aditamento” tenha sido remetido, subscrito com as assinaturas da autora, da EPI e da OLINERG, à ré.
Neste ponto, importa ter presente que, do “CONTRATO DE FINANCIAMENTO”, datado de 30-06-2008, que quadrava as obrigações dos contraentes e os subsequentes aditamentos e alterações consta do n.º 1 da cláusula 10.ª (sob a epígrafe “alterações ao contrato”) que, “Qualquer alteração ao presente contrato terá de ser acordada por escrito entre todos os contraentes” e, do n.º 2 da cláusula 15.ª (sob a epígrafe “disposições diversas”) que, “O presente contrato apenas poderá ser alterado mediante acordo expresso, por escrito, das partes”.
Ora, por um lado, não se pode haver como consubstanciando tal acordo “expresso”, “escrito”, de todos os contraentes, a subscrição de uma comunicação eletrónica remetida por um diretor da instituição financeira financiadora e a subsequente comunicação eletrónica remetida por um dos representantes da autora, desconhecendo-se – nem nada foi alegado nesse sentido – os termos de vinculação ou de representação para a conclusão de um acordo contratual, nessa forma.
Mas, por outro lado, as estipulações contratuais apontam, claramente, para que a formalização de alterações contratuais obedeça a uma forma: A conclusão de um acordo escrito das partes, ou seja, um único instrumento que traduza as posições das partes, determinando-as a contratar “entre presentes”.
Só assim se compreende que a ré tenha remetido à autora a “minuta” intitulada “Segundo Aditamento”, que se destinaria a reunir num único instrumento documental, as posições das partes a respeito da alteração que preconizassem, mas a que a autora não deu sequência, nomeadamente, remetendo à autora alguma via assinada por sua parte.
Não nos revemos, pois, na conclusão expressa pela apelante, no sentido de que foi observada a forma contratualmente estipulada.
Conforme deriva do artigo 223.º, n.º 1, do CC, as partes podem estipular uma forma especial para a declaração, sendo que, nesse caso, se presumirá que não se querem vincular senão pela forma convencionada, ou seja, mediante acordo expresso por escrito, entabulado entre todos os contraentes, o que, no caso, não se mostra verificado perante a singeleza da troca de comunicações eletrónica havida entre autora e ré.
Como se viu, entende, porém, a recorrente que, “(…) as alegadas e pretensas “condições” constantes do email de 23-06-2015, remetido por SA, não eram condições para a prorrogação do prazo de financiamento por 90 dias, mas circunstâncias procedimentais de operacionalidade interna da Recorrida, tendo em vista a formalização da decisão tomada pelo banco e comunicada à Recorrente de prorrogar o prazo de vencimento do financiamento para 30.09.2015”.
Na decisão recorrida escreveu-se, a dado passo, que:
“(…) Para além disso, na comunicação referida em 24 consta o envio de um Contrato de Mandato para Venda e que o mesmo deveria ser formalizado até 15 de Julho de 2015. Ora, independentemente de ser uma condição ou não da prorrogação do vencimento do financiamento e que a Ré tenha indicado uma data posterior a 30 de Junho de 2015 (pelo que não poderia ser uma condição), a própria Autora admite que não subscreveu tal Contrato de Mandato (…)”.
Perante este parágrafo, a recorrente vem invocar a “confusão” do Tribunal recorrido, dizendo que: “(…) se o próprio Tribunal a quo entende que o Contrato de Mandato não era uma condição para a prorrogação dos 90 dias, não se percebe como é que chega à conclusão de que, uma vez que tal Contrato não foi assinado e enviado, não houve prorrogação (…)”.
Afigura-se-nos claro que, o que o Tribunal recorrido pretendeu expressar, foi que, por o contrato de mandato dever ser formalizado até 15-07-2015 (veja-se, nesse sentido, a comunicação de SA de 23-06-2015: “(…) No que diz respeito ao mandato, o mesmo deverá ser formalizado até 15/07/2015”), a entrega do mesmo – que se deveria processar até dia 15-07-2015 – não era, de facto, uma condição para o vencimento ou não da operação de financiamento existente, mas sim, para que a ré acedesse a concluir um acordo no sentido de que tal data de vencimento passasse para 90 dias após a data de 30-06-2015, ou seja, para 30-09-2015, assinalando que tal subscrição não ocorreu.
Por fim, ao invés do pretendido pela recorrente, não se alcança dos elementos de prova produzidos, com a necessária e suficiente segurança, concludência no sentido de que as negociações patentes nos emails respeitassem a uma negociação do refinanciamento a longo prazo e, não, à prorrogação de 90 dias.
Em diversas comunicações, as partes mostram-se alertadas para a urgência na resolução da questão, uma vez que, sem refinanciamento ou alteração do acordado, o vencimento do financiamento tinha lugar a 30-06-2015.
Isso resulta, desde logo, da menção da data de vencimento da operação no dia 30-06-2015, constante do email de LO, datado de 22-06-2015, 14:36.
Veja-se, também, o email de 22-06-2015, às 16:01, remetido por FO a GO, JO, PA e XO, onde aquele menciona a outros interessados da “família Oliveira” que “o Novo Banco voltou a afirmar o pouco interesse em renovar este financiamento, para além destes 90 dias, anexo a posição do D.B., ao qual também não conseguimos satisfazer, falta o BIG BANCO e 9 dias”.
Tal comunicação é reveladora de que, em 22-06-2015, a autora procurava renegociar, com urgência, o financiamento (preferivelmente, por sua banda, para prazo mais alargado do que 90 dias), mas as instituições de crédito contactadas (mencionadas no email, o Novo Banco, o Deutsche Bank e o Banco Big) não tinham correspondido ao pretendido.
A urgência é igualmente salientada na comunicação de SA, de 29-06-2015, 12:54, remetida à autora, assinalando a ocorrência do “vencimento da operação da European Power Investment BV… amanhã (30/06)”.
No mais, as demais comunicações eletrónicas trocadas entre SA e SC nos dias 29 e 30 de junho de 2015 apontam para a procura de resolução dos temas necessários para que ocorresse a formalização de acordo de prorrogação por 90 dias, sem alguma referência a possível refinanciamento por outro prazo.
Dos depoimentos prestados em audiência não se retira outra conclusão, não sendo convincente o que foi afirmado por FO, SC, PA e LO, designadamente, com referência aos excertos dos respetivos depoimentos, extratados pela apelante, sendo que, perante os elementos documentais juntos aos autos, se verifica que a ré pretendia um reforço das condições de garantia do financiamento pelo valor que se encontrava financiado, que a autora não se dispôs a satisfazer.
Pode, pois, dizer-se que a questão do financiamento a prazo mais longo do que 90 dias era uma pretensão da autora, mas que não obteve acolhimento nas negociações entabuladas entre as partes, o que, logo, foi comunicado por LO à autora, em 22-06-2015.
É nesse conspecto que tem de ser entendida a referência à pretensão de “redução da Taxa de Juro” expressa na comunicação eletrónica remetida por FO, em 26-06-2015, 12:34, inexistindo cabal demonstração de que a mesma se referisse a alguma negociação que não aquela a que LO tinha dado continuação (a prorrogação por 90 dias do prazo de vencimento do financiamento).
Neste contexto, as afirmações, transcritas nas alegações da apelante, de que a autora se concentrou, desde então, em negociar o refinanciamento a “longo prazo” não merecem credibilidade, não tendo consistência ou compatibilidade com os documentos carreados para os autos.
Por tudo o exposto, conclui-se que não se mostra que deva ser incluído no rol dos factos provados, a matéria supra assinalada pretendida aditar a tal rol pela apelante.
A impugnação de facto correspondente, soçobra.
* B) Se deve ser aditada ao rol dos factos provados a seguinte matéria: "50. A Ré, antes de proceder à venda extraprocessual, não realizou a avaliação das ações penhoradas seguindo o método de avaliação acordado pelas Partes na Cláusula 8.-, n.º 9 do Contrato de Financiamento, por força do disposto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 105/2004, de 8 de maio. 51. A Ré, na venda das Ações REN, recorreu ao processo de accelerated bookbuilding, sabendo de antemão que, neste processo de venda, o valor das ações estaria necessariamente sujeito a um desconto. 52. No processo de venda chamado de accelerated bookbuilding, o preço de venda das ações é fixado de acordo com a oferta dos compradores, como foi no caso dos autos. 53. A Ré, com recurso ao processo de accelerated bookbuilding teve como única preocupação obter um valor suficiente para pagar, de forma célere, o seu crédito, apesar de não existir qualquer razão de urgência, nomeadamente por não existir perigo de depreciação dos bens dados em garantia, sem qualquer preocupação em obter o melhor preço na venda das ações. 54. A venda das ações penhoradas poderia ter sido feita de forma a maximizar o seu preço, designadamente através da venda, fora de bolsa, a um dos investidores interessados que existiam.”?
Depois de efetuar extensas e laboriosas considerações sobre a temática da “escolha pela Recorrida da modalidade da venda das ações e o preço da venda das ações”, a que dedicou a parte “III” das suas alegações de recurso, a apelante conclui que deverá ser aditada aos factos provados, a matéria acima assinalada.
Vejamos:
Como já se salientou, à luz do vigente CPC, os factos principais essenciais da pretensão do autor têm se ser alegados na petição inicial (cfr. artigo 552.º do CPC), devendo o réu, por sua vez, tomar posição, na contestação, sobre os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor (cfr. n.º 1 do artigo 574.º do CPC).
Os factos essenciais são os que apresentam, perante o quadro jurídico em que se fundamenta a ação ou a defesa, natureza constitutiva, impeditiva, modificativa ou extintiva do direito.
Alterações posteriores apenas serão admitidas nos estritos condicionalismos que o Código estabelece.
Os factos não principais dividem-se, na terminologia do Código, em factos instrumentais (“os que interessam indirectamente à solução do pleito, por servirem para demonstrar a verdade ou falsidade dos factos pertinentes; não pertencem à norma fundamentadora do direito e são-lhe, em si, indiferentes, servindo apenas para, da sua existência, se concluir pela existência dos próprios factos fundamentadores do direito ou da excepção” – assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-09-2003, Pº 03B1987, rel. SANTOS BERNARDINO), complementares (cobrindo “as situações em que a pretensão do autor assenta em causa de pedir complexa, relativamente à qual se tenham alegado determinados factos, omitindo-se outros cuja prova se mostre necessária para a procedência da acção”- assim, Abrantes Geraldes; Temas da Reforma do Processo Civil, I Volume, 2.ª edição, p. 65) e concretizadores (“os factos que melhor traduzam certas afirmações de cariz conclusivo, desde que tenham algum conteúdo fáctico, e também aqueles que sirvam para clarificar determinadas imprecisas ou dubitativas”, assim, Abrantes Geraldes; Temas da Reforma do Processo Civil, I Volume, 2.ª edição, p. 65).
Nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alíneas a) e b), do CPC, os factos instrumentais, os factos complementares e os factos concretizadores podem ser adquiridos para o processo (quer através de alegação das partes, quer através de iniciativa oficiosa do juiz) até ao encerramento da discussão, na medida em que é este o momento que encerra a instrução do processo.
Assim, como sintetiza Mariana França Gouveia (“O princípio dispositivo e a alegação de factos em processo civil: A incessante procura da flexibilidade processual”, in R.O.A., ano 73.º, vol. II/III, p. 611): “Em resumo, temos o seguinte quadro: factos principais alegados nos articulados, fixação neste momento do objeto do processo (dada a regra da inadmissibilidade posterior de alteração), factos instrumentais, complementares ou concretizadores alegados ou adquiridos para o processo até ao encerramento da discussão.
Mantém-se, portanto, o efeito preclusivo quanto aos factos principais — a sua não alegação inicial impede a alegação posterior; mantém-se a não preclusão em relação aos outros factos, reforçando-se esta não preclusão relativamente aos factos instrumentais já que o efeito probatório da não impugnação é meramente provisório, podendo ser afastada por contraprova.
Assim, os factos principais têm de ser alegados na fase inicial, nos articulados, enquanto os factos instrumentais podem ser alegados ou adquiridos oficiosamente até ao fim do julgamento. Também os factos complementares e concretizadores podem ser adquiridos até ao fim do julgamento.”.
De facto, conforme decorre do n.º 1 do artigo 5.º do CPC, às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.
Tal alegação resultará efetuada nos articulados apresentados pelas partes (conforme resulta do n.º 1 do artigo 147.º do CPC, “os articulados são as peças em que as partes expõem os fundamentos da ação e da defesa e formulam os correspondentes pedidos”) ou, se for o caso, em sede de articulado superveniente para tal efeito (cfr. artigo 588.º do CPC).
Conforme salientam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª ed., Almedina, 2022, p. 31), “[o]s factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções (isto é, todos os factos de que depende o reconhecimento das pretensões deduzidas) devem ser vertidos nos articulados das partes, a isso respeitando o ónus de alegação imposto pelo n.º 1”.
De facto, conforme bem se assinalou no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14-03-2019 (Pº 415/11.9TBAVV.G1, rel. ANA CRISTINA DUARTE) “em processo civil mantém-se o princípio dispositivo no que toca à alegação dos factos que constituem a causa de pedir. Cabe às partes alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir. Os factos complementares a que se refere o artigo 5.º, n.º 2 b) do CPC, são factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das exceções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros oportunamente alegados pelas partes (…)”.
Ora, ponderada a matéria pretendida aditar pela apelante, nela encontra-se a seguinte:
- Que a ré, antes de proceder à venda extraprocessual, não avaliou as ações penhoradas pelo método de avaliação acordado pelas Partes na Cláusula 8.ª, n.º 9 do Contrato de Financiamento, por força do disposto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 105/2004, de 8 de maio;
- Que a ré, na venda das ações, recorreu ao processo de accelerated bookbuilding, sabendo de antemão que, neste processo de venda, o valor das ações estaria necessariamente sujeito a um desconto;
- Que nesse processo de venda, o preço de venda das ações é fixado de acordo com a oferta dos compradores, como foi no caso dos autos;
- Que a ré, com recurso ao processo de accelerated bookbuildingteve como única preocupação obter um valor suficiente para pagar, de forma célere, o seu crédito, apesar de não existir qualquer razão de urgência, nomeadamente por não existir perigo de depreciação dos bens dados em garantia, sem qualquer preocupação em obter o melhor preço na venda das ações; e
- Que a venda das ações poderia ter sido feita de forma a maximizar o seu preço, designadamente através da venda, fora de bolsa, a um dos investidores interessados que existiam.
Segundo a recorrente, o método de formação do preço no âmbito de um processo de accelerated bookbuilding, resultou claro dos diversos depoimentos prestados em audiência de julgamento, procurando concluir que a recorrida não utilizou o método de avaliação das ações contratualmente fixado, convocando a apelante, para ilustrar tais afirmações, excertos dos depoimentos de RP, JJ e AD.
Ora, verificamos que, todos e a cada um, dos segmentos pretendidos incluir no rol dos factos provados pela apelante - quando não conclusivos (“não avaliou”, “sabendo de antemão”, “necessariamente sujeito a desconto”, “a venda das ações poderia ter sido feita de forma a maximizar o seu preço”) ou quando não contenham matéria de direito (como sucede com a referência constante da parte final do ponto 50 pretendido aditar) - , correspondem a factos principais, porque fundamentais ou essenciais para a procedência da pretensão da autora, integradores da causa de pedir complexa – responsabilidade civil da ré perante si pela venda de ações a que procedeu – invocada.
Tais factos deveriam, pois, ser objeto de alegação no articulado inicial, o que não sucedeu.
Quando muito, não tendo sido alegados no articulado inicial, poderiam vir a ser ulteriormente considerados, na perspetiva da causa de pedir complexa invocada, como complementares, de outros oportunamente alegados, pelos quais a autora visa sustentar a responsabilização civil da ré.
Sucede que, conforme já se adiantou supra, para que a matéria pretendida incluir pela recorrente fosse introduzida nos autos, com tal natureza complementar – e ressalvada qualquer circunstância superveniente, que não se verifica - , teria de o ter sido até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, e o mesmo deveria ter sido anunciado às partes, com vista a sobre ele poderem exercer o respectivo contraditório.
Não tendo tal introdução tido lugar e não tendo sido viabilizado efetivo contraditório – não se afigurando suficiente para tal efeito, a mera presença das partes em audiência de julgamento, uma vez que não ocorreu algum anúncio de que o facto poderia vir a ser utilizado – até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento em 1.ª instância, precludida ficou a possibilidade da sua consideração nestes autos, não pode tal factualidade ser objeto de inclusão nesta instância de recurso.
Conforme se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 07-11-2017 (Processo 1335/13.8TBCBR.C1, relator MANUEL CAPELO): “I- Os factos complementares ou concretizadores dos essenciais que compõem a causa de pedir nos termos do art.º 5º do CPC, para poderem ser tomados em consideração pelo tribunal têm que ser considerados como provados na sentença e previamente a tal ser dado conhecimento às partes que irão ser acrescentados. II- Para que se possam dar como provados os factos complementares ou concretizadores é necessário que os factos essenciais de que eles sejam complemento ou concretização tenham ficado provados, não sendo de admitir que não sendo provados esses factos essenciais da causa de pedir, se julgue a acção procedente com base nos ditos complementares ou concretizadores mas que afinal substituam os da causa de pedir que não se tenham provado”.
É que: ”1.- Os factos complementares ou concretizadores são aqueles que especificam e densificam os elementos da previsão normativa em que se funda a pretensão do autor - a causa de pedir - ou do reconvinte ou a excepção deduzida pelo réu como fundamento da sua defesa, e, nessa qualidade, são decisivos para a viabilidade ou procedência da acção/reconvenção/defesa por excepção.
2.- Se não forem oportunamente alegados e se nem as partes nem o tribunal, ao longo da instrução da causa, os introduzirem nos autos, garantindo o contraditório, a decisão final de mérito será desfavorável àquele a quem tais factos (omitidos) beneficiavam.
3. Sem prejuízo de às partes caber a formação da matéria de facto, mediante a alegação, nos articulados, dos factos principais que integram a causa de pedir, a reforma do processo civil atribuiu ao Tribunal a assunção de uma posição muito mais activa, por forma a aproximar-se da verdade material e alcançar uma posição mais justa do processo.
4. Reconhecendo-se agora ao Juiz, para além da atendibilidade dos factos que não carecem de alegação e de prova a possibilidade de considerar, mesmo oficiosamente, os factos instrumentais, bem como os essenciais à procedência da pretensão formulada, que sejam complemento ou concretização de outros que a parte haja oportunamente alegado e de os utilizar quando resultem da instrução e da discussão da causa e desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório.
5. Os factos essenciais, a que se refere o art.º 5º nCPC, têm necessariamente de ser complementares ou concretizantes de outros factos essenciais oportunamente alegados em fundamento do pedido ou da excepção.
6. Essa complementaridade ou concretização tem de ser aferida pela factualidade alegada na petição inicial, isto é, pela causa de pedir invocada pelo autor, ou pela factualidade que fundamenta a excepção invocada na contestação.
7. Só são atendíveis os factos essenciais não alegados nos articulados e os instrumentais, desde que tenham sido submetidos ao regime de contraditório e de prova durante a discussão da causa” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23-02-2016, Processo 2316/12.4TBPBL.C1, relator ANTÓNIO CARVALHO MARTINS).
No caso, a apelante não desencadeou tal mecanismo de ampliação fáctica, nem o mesmo foi utilizado oficiosamente pelo tribunal, pelo que está precludida, neste momento e nesta sede recursória, a ampliação da matéria de facto com tal fundamento, o que corresponderia ao conhecimento de uma questão nova, não se destinando os recursos a criar decisões novas, mas sim, a reapreciar questões já decididas.
Note-se que a ampliação da matéria de facto (artigo 662º, n.º 2, al. c), in fine, do Código de Processo Civil) tem por limite a factualidade tempestivamente alegada pelas partes, não constituindo um mecanismo sucedâneo do artigo 5º, n.º 2, al. b), do Código de Processo Civil).
Mas será que é admissível a consideração da factualidade em questão em conformidade com o disposto no artigo 5.º, n.º 2, al. a) do CPC?
Por via deste normativo, o juiz deve considerar os factos instrumentais que resultem da discussão da causa.
Conforme se assinalou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-05-2016 (processo 272/13.0YXLSB.L1-2, relator EZAGÜY MARTINS): “Os factos instrumentais servem para a prova indiciária dos factos essenciais, porquanto através deles se poderá chegar, por via de presunção judicial, à demonstração dos factos essenciais correspondentes. Desempenham, pois, em exclusivo, uma função probatória e não uma função de preenchimento e substanciação jurídico-material das pretensões e da defesa”.
Ora, nenhuma destas funções se assinala perante a factualidade indicada pela apelante, desempenhando, ao invés, a função de complementaridade de alegação de outros factos essenciais que integram a causa de pedir invocada.
Como se referiu, a ampliação da matéria de facto (artigo 662º, n.º 2, al. c), in fine, do Código de Processo Civil) tem por limite a factualidade tempestivamente alegada pelas partes, não constituindo um mecanismo sucedâneo do artigo 5º, n.º 2, al. b), do Código de Processo Civil), inexistindo motivo para a inclusão na seleção factual (quer como matéria provada, quer como matéria não provada) de algum dos segmentos invocados pela apelante.
Conforme, elucidativamente, se mencionou no assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-04-2023 (Pº 1205/19.6T8VCD.P1.S1, rel. GRAÇA AMARAL), “não cabe nos poderes de cognição do tribunal da Relação aditar facto essencial não alegado e integrante da causa de pedir, ainda que o mesmo possa resultar do depoimento das testemunhas”.
E, nesta medida, não tendo sido oportunamente alegados, nem oportunamente considerados pelo Tribunal a quo, não pode, agora, nesta sede, ser introduzida na matéria factual, a factualidade ora mencionada pela autora/apelante.
De facto, compulsada a petição inicial, nos 103 artigos de tal articulado que a autora dedica à enunciação dos factos que alegou, não se encontra referência à matéria que, agora, nesta sede recursória, pretende fazer incluir no processo.
Veja-se, por exemplo, no que toca à avaliação das ações, o que consta alegado nos artigos 16.º, 94.º e 95.º de tal articulado, onde a autora contesta apenas a data de referência para a avaliação.
Veja-se, igualmente, o que foi vertido nos artigos 72.º a 103.º da petição inicial, onde a autora se dedica à temática “Da venda das Ações REN”. Ali, a autora limitou-se a invocar ter a ré ter enviado uma carta à OLINERG em 21-10-2015, bem como, na mesma data, cópia da mesma à autora e, que, desencadeou o processo de venda das ações no dia 05-11-2015, nos termos que referiu e concretizou.
A ré pronunciou-se sobre a mencionada alegação da autora, nos artigos 79.º e ss. da contestação.
A correspondente matéria de facto, expurgada dos elementos conclusivos, de conceitos de Direito e de impertinência, foi considerada, pelo Tribunal recorrido, na seleção factual a que procedeu, conforme decorre da leitura do que consta nos factos provados n.ºs. 33 a 48 e nos factos não provados constantes das alíneas d) e e).
Foi esse o objeto do julgamento realizado, atenta a conformação factual decorrente da exposição apresentada nos articulados pelas partes, no que à questão em apreço se reporta, não existindo, em face do exposto, motivo para a alteração do mesmo por este Tribunal de recurso.
Por fim, convoca a recorrente o alegado nos artigos 91.º e 92.º da contestação para afirmar que é confessado pela recorrida que bem sabia que a utilização do processo de “accelerated bookbuilding” implica necessariamente a venda das ações com desconto.
Ora, o alegado nos artigos 91.º e 92.º da contestação tem, também, inegável conteúdo conclusivo ou genérico – ali se afirmando: “91.º É precisamente por isso que é sabido por qualquer vendedor de ações num processo de accelerated bookbuilding que, salvo alguma circunstância excecional, as suas ações serão vendidas por um preço abaixo do valor de cotação verificado na última sessão; 92.º Aliás, em todos os processos de accelerated bookbuilding acima indicados (no mercado nacional e nas praças estrangeiras) os valores de venda foram inferiores ao valor de cotação de fecho da sessão precedente, circunstância que era previamente conhecida dos vendedores dessas ações, que nem por isso deixaram de as vender” - conteúdo esse que é, de todo, imprestável para a necessária concreta demonstração fáctica que se imporia quanto ao caso em apreço, não relevando os termos de concretização de outras operações de alienação de valores mobiliários para alguma demonstração referente ao processo de venda de ações da REN, promovido por conta da ré, no que concerne à forma como esta venda foi concretizada.
Em consequência, a impugnação de facto correspondentemente deduzida pela apelante, improcederá.
* II) Impugnação da decisão de direito:
* C) Se a decisão recorrida violou o disposto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 105/2004, de 8 de maio, o n.º 9 da Cláusula 8.ª do Contrato de Financiamento, os deveres de boa fé e diligência decorrentes do artigo 762.º do Código Civil, e os artigos 294.º e 236.º, n.º 1 do Código Civil e se deve a recorrida ser condenada a pagar a indemnização peticionada e declarado que cobrou ilícita e indevidamente juros de mora?
Estabilizados os factos, em moldes idênticos aos constantes da decisão recorrida, cumpre apreciar do acerto da decisão jurídica tomada pelo Tribunal recorrido, atenta o recurso da apelante nesse âmbito.
Invoca a recorrente que a sentença sob recurso violou o disposto nos preceitos legais supra mencionados, sustentando uma tal conclusão nas alegações onde a recorrente discorreu sobre a matéria.
Procura a apelante que este Tribunal venha a proferir decisão substitutiva da recorrida, no sentido de condenação da recorrida a pagar-lhe “uma indemnização correspondente aos 5,9% de desconto com que as ações penhoradas foram vendidas, correspondente à diferença de valor entre o preço por que as ações foram vendidas e o preço médio de cotação das mesmas ações na semana precedente à sua venda, que perfaz €4.272.000,00 (quatro milhões e duzentos e setenta e dois mil euros), acrescido dos juros vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento”.
Vejamos:
Na sentença recorrida, a respeito da apreciação de uma tal pretensão, discorreu-se, desde logo, nos seguintes termos:
“(…) 2 - Da escolha pela Ré da modalidade de venda das acções e o preço de venda das acções:
A Autora funda a sua pretensão numa conduta manifestamente ilícita e reveladora de diversas e flagrantes violações ao princípio da boa-fé e de outras disposições legais, conduta que, segundo alega, se verifica na forma como a Ré procedeu à venda das Acções REN - escolha da modalidade, timing da alienação e preço praticado.
Afirma a Autora que nos termos do Contrato de Financiamento, na sua clausula 8.a, n.º 8, a Ré tinha o direito de executar extraprocessualmente o Penhor e alienar as Acções REN, mas que teria de obedecer aos princípios da boa-fé.
A Autora não nega esse direito da Ré face ao seu incumprimento do Contrato de Financiamento.
O primeiro aspecto, seria que a Ré se encontrava obrigada a vender as Acções REN ao melhor preço possível.
Ficou apurado que na semana anterior ao lançamento da venda, a média das cotações das Acções REN tinha sido de €2,78 por acção.
Ora, sabemos que as acções foram efectivamente vendidas ao valor de €2,62.
Mas será que a Autora consegue demonstrar que seria possível obter um preço superior, nomeadamente €2,78?
O Tribunal entende que face aos elementos apurados, não resulta que a Ré tenha violado qualquer princípio. De referir que a Ré se encontrava dotada do direito de executar extraprocessualmente o Penhor e que face ao número de acções a ser colocadas em venda (5% do capital social da REN), optou (como se verificou) pelo processo de ABB (accelerated bookbuilding), não tendo a Autora logrado provar que a venda com outro processo teria obtido um valor superior a €2,62 (sendo certo que colocando à venda as acções de forma paulatina, alteraria o mercado e traria sem dúvidas oscilações ao valor das acções e demoraria um largo período a obter-se a venda da totalidade das acções). Para além disso, havendo uma informação prévia ao mercado (sendo que o processo ABB é realizado entre o fecho da sessão e a abertura da sessão seguinte) ou à própria Autora teria efeitos imediatos no valor das acções, diminuindo o seu valor.
A Autora não logrou provar que outro processo de venda fosse passível de obter um valor superior por acção, nem que a Autora tivesse violado princípios de boa-fé (…)”
E, prosseguindo na sua análise, o Tribunal recorrido considerou que:
“(…) Para além disso, a Autora invoca que nos termos da cláusula 8.ª, n.º 9 do Contrato de Financiamento, a avaliação das Acções REN corresponderá à média das cotações da semana anterior (...) à data em que se vença a obrigação pecuniária e a mesma não seja cumprida.
Ora, salvo melhor opinião, a cláusula referida pela Autora e que consta do Contrato de Financiamento não se aplica à situação nos autos, porquanto de um lado o n.º 8 concede à Ré o direito de executara extraprocessualmente o penhor (o que ocorreu no caso dos autos) e o n.º 9 refere-se ao Réu poder dispor das acções empenhadas e a alínea b) do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 105/94 quando o beneficiário procede à sua execução, fazendo seus os instrumentos financeiros dados em garantia. Assim, a Ré nunca fez seus o objecto da garantia, tendo optado pela sua execução extraprocessual.
Assim, da factualidade apurada, não resulta qualquer conduta censurável da Ré na execução extraprocessual do Penhor e na alienação das Acções REN, nem quanto à modalidade de venda, nem quanto ao preço, nem sequer quanto ao timing escolhido pela Ré par a venda”.
Entende, porém, a recorrente que, “a execução extraprocessual do penhor realizada pela Recorrida tinha necessariamente que cumprir com o disposto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 105/2004, de 8 de maio, tal como acordado entre as Partes na Cláusula 8.ª, n.º 9, do Contrato de Financiamento – o que não sucedeu…a Recorrida estava obrigada, em cumprimento do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º (…) a, na execução extraprocessual do penhor, avaliar as ações penhoradas pela forma acordada entre as Partes no n.º 9 da Cláusula 8ª do Contrato de Financiamento” (cfr. conclusões 12.ª e 13.ª das alegações), mais afirmando que a recorrida não utilizou qualquer método de avaliação antes de proceder à venda das ações (cfr. conclusão 14.ª das alegações), concluindo que foi violada norma imperativa, que torna a venda nula e incorrendo em incumprimento contratual e que deverá proceder a pretensão indemnizatória que formulou (cfr. conclusões 17.ª a 26.ª das alegações).
Contrapõe o recorrido que na cláusula 8.ª, n.º 9 do contrato de financiamento as partes convencionaram, através de remissão para os artigos do D.L. n.º 105/2004, a aplicação de duas das especificidades introduzidas por esse regime jurídico, a saber, o direito de disposição (previsto nos artigos 9.º e 10.º) e o direito de apropriação (previsto no artigo 11.º), sendo que, o recorrido não fez suas as ações empenhadas e, portanto, não é aplicável a referida cláusula 8.ª, n.º 9, nem o método de avaliação aí previsto, uma vez que o recorrido não exerceu o direito de apropriação e não fez suas as ações empenhadas, tendo ao invés alienado as ações a terceiro. O recorrido estava obrigado era, caso entendesse executar o penhor, fazê-lo de harmonia com o princípio da boa fé, nos termos do artigo 762.º, n.º 2, do CC, o que fez (cfr. alíneas Y a EE das conclusões expendidas pelo recorrido nas contra-alegações de recurso).
Vejamos:
A autora fundamenta a ação – visando a responsabilidade da ré na execução extrajudicial do penhor e alienação das ações REN – no pressuposto de que o “Contrato de Financiamento” – datado de 30-06-2008 e com primeiro aditamento em 2013 - em vigorou até 30-09-2015, por as partes terem acordado na prorrogação do mesmo até esta data.
Conforme resulta do dito “Contrato de Financiamento”, o então Banco Espírito Santo, S.A.(BES) concedeu à European Power Investments BV (EPI) um financiamento de €74 milhões de euros, destinado a ser utilizado por esta para liquidação de responsabilidades resultantes de financiamentos intercalares contraídos, junto do BES, pelo grupo encabeçado e dominado pela OLINERG para aquisição das ações RE, então detidas pela EPI (cfr. Considerando A e cláusula 1.ª), sendo que, no dito contrato intervieram também, a OLINERG e a OLIREN.
Para além de outras estipulações contratuais, lê-se na cláusula 8.ª (com a epígrafe “penhor das Acções REN”) o seguinte:
“1. Para garantia do bom pagamento de todas as responsabilidades que advêm para a EPI do não cumprimento pontual e integral de qualquer obrigação resultante do presente contrato, bem como de suas alterações, prorrogações, aditamentos ou reestruturações, nomeadamente e, entre outras, o reembolso de capital, o pagamento de juros remuneratórios e moratórios, despesas judiciais ou extrajudiciais, honorários de advogados, solicitadores e custas, bem como de saldos devedores de quaisquer contas bancárias de que a EPI seja titular ou co-titular que tenham como origem obrigações resultantes do presente contrato, a Oliren constitui a favor do BES primeiro penhor sobre 26.700.000 acções representativas de 5% do capital social e dos direitos de voto da REN, que estão registadas na conta de registo e depósito de valor mobiliários n.º …. de que a Oliren é titular junto do BES.
2. O penhor abrange todos os direitos inerentes às acções empenhadas, embora:
a) O direito de voto apenas passe a ser exercido pelo BES, em caso de mora por prazo superior a cinco dias ou incumprimento definitivo, e após notificação à Oliren para o efeito;
b) O montante correspondente aos dividendos, uma vez creditado na Conta D/O, poderá ser livremente movimentado pela Oliren, caso o presente contrato esteja a ser pontualmente cumprido.
3. A Oliren declara e garante ao BES que as Acções REN estão livres de anteriores ónus, encargos ou responsabilidades, de qualquer natureza, não apresentam qualquer limitação física ou jurídica à respectiva constituição e são sua propriedade plena.
4. A Oliren obriga-se a não praticar qualquer acto que diminua ou possa levar à diminuição do objecto do penhor ou do respectivo valor, bem como a comunicar de imediato ao BES qualquer facto que possa ter esse efeito.
(…)
7. O penhor ora constituído é indivisível, subsistindo por inteiro sobre cada uma das acções oneradas, ainda que as responsabilidades garantidas se encontrem parcialmente satisfeitas.
8. O BES fica mandatado para executar extraprocessualmente o penhor constituído, podendo, inclusivamente, em nome e representação da Oliren, alienar as acções em qualquer mercado ou junto de qualquer entidade competente, nos termos, condições, a quem e por intermédio de quem entender conveniente.
9. Ao penhor ora constituído aplica-se ainda o disposto no DL 105/2004, nomeadamente no que respeita à liquidação e saneamento; ainda ao abrigo do mesmo normativo legal, a Oliren expressamente (i) confere ao BES o poder de disposição sobre as acções empenhadas, ficando o BES autorizado a alienar ou onerar tais valores mobiliários como se fosse seu proprietário (artigos 9.º e 10.º) e (ii) reconhece e aceita que o BES poderá em caso de incumprimento do presente contrato, fazer seus os valores mobiliários empenhados (artigo 11.º). Para cumprimento do disposto na alínea b) do n.º 1 do referido artigo 11.º, fica expressamente acordado que a avaliação das Acções REN corresponderá à média das cotações da semana anterior à data em que for declarado o vencimento antecipado das obrigações da EPI ou, nos outros casos, à data em que se vença a obrigação pecuniária e a mesma não seja cumprida (…)”.
Conforme resulta do aludido contrato, foi constituído, para garantia do financiamento contraído junto do BES, penhor consistente em 26.700.000 ações representativas de 5% do capital social e dos direitos de voto da empresa REN, operação que se pode enquadrar no âmbito dos denominados “contratos de garantia financeira”.
O regime jurídico destes contratos consta do D.L. n.º 105/2004, de 8 de maio, lendo-se no preâmbulo deste diploma que, o mesmo consagra, em Portugal (diploma que transpôs, para a ordem jurídica interna, a Diretiva nº 2002/47/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 6 de junho, relativa aos acordos de garantia financeira), “o contrato de garantia financeira, que se define e caracteriza a partir dos elementos previstos nos artigos 3.º a 7.º do presente diploma (sujeitos do contrato, objeto das garantias, necessidade de desapossamento e requisitos probatórios), sendo desses elementos contratuais que se depreende a sua natureza financeira”.
Para Calvão da Silva (Banca, Bolsa e Seguros – Direito Europeu e Português, Tomo I, Parte Geral, 4.ª ed., Almedina, 2013, p. 219), os contratos de garantias financeira “são contratos de garantias especiais das obrigações, em regra celebrados entre sujeitos financeiros para reforço preferencial do direito do credor ao cumprimento de obrigações financeiras do devedor sobre instrumentos financeiros”.
Nas palavras de Hugo Ramos Alves (“Breves notas sobre o penhor financeiro”, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Ano LXI, 2020, n.º 2, p. 355), “o contrato de garantia financeira é o contrato celebrado entre uma instituição de crédito ou entidade para o efeito equiparada e uma pessoa coletiva (artigo 3.º), visando assegurar o cumprimento de quaisquer obrigações cuja prestação consista numa liquidação pecuniária ou na entrega de instrumentos financeiros (artigo 4.º), que recaiam sobre numerário ou instrumentos financeiros (artigo 5.º) e que as partes tenham decidido submeter a um regime especial de desapossamento (artigo 6.º e 7.º)”.
A garantia financeira tem por objetivo garantir que o acordo entre garante e o credor garantido não afete direitos de terceiro, estando o seu âmbito circunscrito ao mercado financeiro.
Como modalidades, a lei não forneceu um elenco rígido de contratos de garantia financeira, podendo estes traduzir-se em alienação fiduciária em garantia (se ocorrer a transmissão da propriedade com função de garantia), em penhor financeiro (se não ocorre tal transmissão) ou em contratos de reporte (cfr. artigos 477.º e 478.º do Código Comercial e 284.º, n.º 3, do Código dos Valores Mobiliários).
A celebração destes contratos de garantia financeira mostra-se circunscrita, desde logo, em função dos sujeitos (de acordo com as previsões do artigo 3.º do D.L. n.º 105/2004, de 8 de maio), do objeto das obrigações financeiras garantidas e do objeto das garantias financeiras (cfr. artigos 4.º e 5.º do D.L. n.º 105/2004) e, bem assim, das circunstâncias do “desapossamento” (cfr. artigo 6.º do D.L. n.º 105/2004).
O denominador comum às modalidades de contratos de garantia financeira radica no facto de ocorrer a transferência do direito de propriedade sobre os objetos da garantia, seja através da criação de uma garantia real a favor do beneficiário, seja através da conservação da plena propriedade sobre o objeto da garantia, a qual pode ser limitada pela atribuição do direito de disposição ao beneficiário.
De acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 666.º do CC, “o penhor confere ao credor o direito à satisfação do crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou outros direitos não suscetíveis de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro”.
Assim, constituindo um direito real de garantia, o penhor é um direito que existe para garantir ao seu titular especialmente a cobrança de um crédito. “É um direito instrumental na medida em que visa a satisfação de um direito de crédito, de que constitui um direito acessório. Confere ao credor o poder de se pagar pelo montante do seu crédito pelo valor de coisas certas e determinadas do devedor ou de terceiro, de preferência aos outros credores, comuns ou não preferencialmente garantidos através da mesma coisa, do devedor ou desse terceiro” (assim, Maria João Vaz Tomé, em anotação ao artigo 669.º do CC, no Comentário ao Código Civil – Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral; Universidade Católica Editora, 2018, p. 884).
A garantia do penhor evoluiu no sentido de uma diversificação significativa, determinada em função do respetivo âmbito e objeto, consagrando a lei, para além do penhor civil (cfr. artigo 666.º e ss. do CC), o penhor mercantil (artigo 397.º do Código Comercial), o penhor bancário (artigo 1.º do D.L. n.º 29833, de 17 de agosto de 1939 e artigo único do D.L. n.º 32032, de 22 de maio de 1942), o penhor de participações sociais (artigos 23.º, n.º 4, 337.º e 340.º do CSC e artigo 81.º e 103.º do Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo D.L. n.º 486/99, de 13 de novembro, sucessivamente alterado- abreviadamente, CVM) e o penhor financeiro (D.L. n.º 105/2004, de 8 de maio).
A respeito do penhor financeiro, figura de inegável relevância prática na atividade bancária e financeira, salienta Hugo Ramos Alves (“Breves notas sobre o penhor financeiro”, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Ano LXI, 2020, n.º 2, p. 367) que, “no penhor financeiro o credor pignoratício adquire um poder direto e imediato sobre o direito de crédito, destinado a permitir a atuação da preferência e, posteriormente à do crédito, a satisfação sobre o objeto. Dito de outro modo, o quid empenhado é um quid de satisfação preferencial”.
No D.L. n.º 105/2004, de 8 de maio admitem-se três modalidades de penhor financeiro: o penhor financeiro simples, o penhor financeiro com direito de disposição e o penhor financeiro com direito de apropriação.
No penhor financeiro simples, o mesmo corresponde à observância dos requisitos a que se referem os artigos 3.º a 7.º do D.L. n.º 105/2004.
Por seu turno, o penhor financeiro será com direito de disposição se tal tiver sido convencionado entre as partes, caso em que, previsto esse direito de disposição, o beneficiário da garantia poderá, nos termos do artigo 9.º, n.º 2, do D.L. n.º 105/2004, alienar o objeto da garantia prestada nos termos previstos no contrato, como se fosse o proprietário.
Conforme salienta Hugo Ramos Alves (“Breves notas sobre o penhor financeiro”, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Ano LXI, 2020, n.º 2, p. 370), “no que ao direito de disposição diz respeito, a atribuição do direito de disposição não importa a atuação do credor por conta de outrem, mas, outrossim, por sua conta e no seu interesse, pelo que temos por indesmentível que o credor pignoratício age numa qualidade análoga à de um mandatário, motivo pelo qual, a priori, lhe deverá ser aplicável o regime do artigo 1181.º e do artigo 1184.º do CC”.
Nos termos do artigo 10.º do D.L. n.º 105/2004, no exercício do direito de disposição, deve o beneficiário da garantia, até à data convencionada para o cumprimento das obrigações financeiras garantidas:
a) Restituir ao prestador objeto equivalente ao objeto da garantia financeira original, em caso de cumprimento das obrigações financeiras garantidas por parte deste; ou
b) Quando o contrato de penhor financeiro o preveja e em caso de cumprimento pelo prestador da garantia, entregar-lhe quantia em dinheiro correspondente ao valor que o objeto da garantia tem no momento do vencimento da obrigação de restituição, nos termos acordados pelas partes e segundo critérios comerciais razoáveis; ou
c) Quando o contrato de penhor financeiro o preveja, livrar-se da sua obrigação de restituição por meio de compensação, sendo o crédito do prestador avaliado nos termos da alínea anterior.
No penhor financeiro com direito de disposição, “o credor, porque “autorizado” a dispor da coisa, pode, por sua iniciativa e em função dos seus próprios interesses, aliená-la ou onerá-la. Mas, não há aqui, se bem vemos as coisas, uma transferência da propriedade para o credor (…). Proprietário dos valores mobiliários empenhados, enquanto não é exercido o direito de disposição é, então, o devedor pignoratício. Mas, uma vez que sejam alienados, o devedor torna-se titular do direito de exigir do credor bens equivalentes aos alienados até ao momento do cumprimento da obrigação garantida” (assim, Margarida Costa Andrade; O penhor financeiro com direito de disposição de valores mobiliários; 2010, pp. 21-22, em: https://estudogeral.uc.pt/bitstream/10316/13012/1/penhor%20financeiro%20final.pdf).
No que respeita ao penhor financeiro com direito de apropriação, trata-se do meio mais célere de execução da garantia, mediante o estabelecimento do denominado “pacto marciano” (cfr., neste sentido, entre outros, Hugo Ramos Alves; Do Penhor, Almedina, 2010, p. 281; Isabel Andrade de Matos; O Pacto Comissório – Contributo para o Estudo do Âmbito da sua Proibição; Almedina, 2006, p. 156; Diogo Macedo da Graça; Os Contratos de Garantia Financeira; Almedina, 2010, p. 62; Alexandre Jardim, “Acordos de garantia financeira: O Respectivo Regime Jurídico face ao Decreto-Lei n.º 105/2004, de 8 de Maio, Algumas Questões”, in Revista da Banca, n.º 62, Julho/Dezembro 2006, p. 155; Catarina Monteiro Pires; “A execução extraprocessual do penhor – os casos particulares dos penhores de acções e de quotas”, in O Direito, 142.º, 2010, III, p. 552 e ss.), segundo qual, a transferência do bem dado em garantia para o credor se fará mediante o pagamento de um preço justo.
Com efeito, embora a epígrafe do artigo 11.º do D.L. n.º 105/2004 (na sua redação inicial, anterior à conferida pelo D.L. n.º 85/2011, de 29 de junho) e o preâmbulo do diploma se reportem à figura do “pacto comissório” (figura que, como é sabido, em geral, se encontra vedada, nos termos do artigo 694.º do CC e que assenta o fundamento da respetiva proibição em “evitar que o credor obtenha do devedor bens de valor superior ao do crédito, enriquecendo-se, assim, à sua custa” – cfr. Pedro Pais de Vasconcelos; Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, Coimbra, 2008, p. 648), o que está em questão na previsão do artigo 11.º do D.L. n.º 105/2004 é, antes, a possibilidade de estipulação de um “pacto marciano”.
Nesse sentido, o n.º 1 do artigo 11.º do D.L. n.º 105/2004, de 8 de maio (na redação dada pelo D.L. n.º 85/2011, de 29 de junho) estabelece que, “no penhor financeiro, o beneficiário da garantia pode proceder à sua execução, fazendo seu o objeto da garantia, mediante venda ou apropriação, quer compensando o seu valor, quer aplicando-o para liquidação das obrigações financeiras garantidas:
a) Se tal tiver sido convencionado pelas partes;
b) Se houver acordo das partes relativamente à avaliação dos instrumentos financeiros e dos créditos sobre terceiros dados em garantia”.
Prevêem-se, no aludido n.º 1 do artigo 11.º três condições para a validade do “pacto marciano”:
- Previsão do acordo apropriativo;
- Acordo das partes relativamente à avaliação dos instrumentos financeiros; e
- Restituição ao prestador do montante correspondente à diferença entre o valor do objeto da garantia e o montante das obrigações financeiras garantidas (assim, Catarina Monteiro Pires; “A execução extraprocessual do penhor – os casos particulares dos penhores de acções e de quotas”, in O Direito, 142.º, 2010, III, p. 554).
O beneficiário da garantia fica, pois, obrigado a restituir ao prestador o montante correspondente à diferença entre o valor objeto da garantia e o montante das obrigações financeiras garantidas (cfr. artigo 11.º, n.º 2, do D.L. n.º 105/2004).
Por outras palavras: “De modo a garantir a licitude da cláusula prevendo a apropriação dos bens dados em garantia, reveste especial importância a concretização dos termos através dos quais será efetuada a avaliação da operação. Salvo melhor opinião, a apropriação apenas poderá ocorrer se forem observados determinados pressupostos, designadamente (i) que no contrato de penhor financeiro sejam claramente identificados os critérios a que deve obedecer a avaliação e os prazos dentro dos quais a mesma deverá realizar-se, (ii) que tais critérios seja objetivos e conformes com os ditames da boa fé, e (iii) que o credor só possa exercitar o seu direito de apropriação até ao montante da obrigações garantidas que se encontre em dívida” (assim, Hugo Ramos Alves; “Breves notas sobre o penhor financeiro”, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Ano LXI, 2020, n.º 2, p. 374).
A verificação destes pressupostos visa salvaguardar os interesses do devedor e de terceiros (sendo que, enquanto empenhadas, as ações perdem a sua fungibilidade, conforme resulta, a contrario sensu, do disposto na alínea a) do n.º 2, do artigo 204.º do Código dos Valores Mobiliários - cfr., neste sentido, Tiago Soares da Fonseca; O Penhor de Acções; Almedina, 2ª ed., 2007, pp. 72-73), podendo afirmar-se a existência de preço de mercado se, para objetos ou direitos similares aos empenhados, puder ser determinado um preço médio no conjunto de transações efetuadas por outros operadores, mas, no caso de o bem empenhado ser negociado em mercado regulamentado, a determinação do respetivo valor será mais fácil, porquanto é possível obter um valor objetivo, refletido na cotação do bem à data do incumprimento.
Em conformidade com a previsão do n.º 1 do artigo 666.º, vencida a obrigação, o credor adquire o direito – não o dever – de se pagar pelo produto da venda executiva da coisa empenhada, podendo a venda ser feita extraprocessualmente (fora do processo executivo), se as partes nisso o tiver convencionado, conforme decorre do n.º 1 do artigo 675.º do CC.
Admite-se assim, no âmbito do penhor, que, ao abrigo de convenção das partes celebrada aquando da constituição do penhor, a venda seja realizada extraprocessualmente, sem necessidade de propositura de ação executiva. “De acordo com o princípio da boa-fé, esta venda deve ser efetuada com as cautelas necessárias e de forma comercialmente mais adequada para que se possa obter o preço mais elevado que as condições de mercado, nas circunstâncias concretas, permitirem. O credor pignoratício deve atender aos interesses do autor da garantia (…).
A venda extraprocessual apresenta a vantagem da celeridade e impede o concurso de credores. Em contrapartida, é suscetível de representar uma diminuição das garantias do devedor. O legislador não sujeita essa venda a quaisquer requisitos. Contudo, a doutrina tem entendido que essa venda não pode ser feita arbitrariamente e em detrimento do devedor, não havendo razões substanciais passíveis de justificarem um tratamento diverso entre a venda a terceiro e a adjudicação ao credor” (cfr., Maria João Vaz Tomé, em anotação ao artigo 675.º do CC, no Comentário ao Código Civil – Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral; Universidade Católica Editora, 2018, p. 895).
Conforme salienta Catarina Monteiro Pires; (“A execução extraprocessual do penhor – os casos particulares dos penhores de acções e de quotas”, in O Direito, 142.º, 2010, III, p. 555 e ss.), “(…) apesar de a letra da lei apenas aludir à convenção da faculdade de venda extraprocesual, há que ter em conta duas circunstâncias.
Por um lado, apesar de a lei não o exigir, pode ser conveniente, do ponto de vista da segurança jurídica e da certeza dos direitos do credor, a redução a escrito das condições por que a referida venda será feita.
Por outro lado, a execução extraprocessual deve ser escrutinada à luz do princípio da boa fé no cumprimento das obrigações (artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil) e da repressão do abuso do direito (cf. artigo 334.º do CC) que impõe, desde logo, que o credor execute a garantia de modo a não lesar os direitos do prestador da garantia. Estas imposições do sistema poderão limitar o âmbito de discricionaridade do credor, atribuindo um novo sentido ao artigo 675.º, n.º 1, não apreensível numa leitura isolada da letra do preceito.
Esta interpretação restritiva do artigo 675.º, n.º 1, coaduna-se com o restante regime jurídico da execução da garantia — maxime perante a proibição do pacto comissório — e ainda com a disciplina relativa às restantes fases da garantia, nomeadamente à pendência da garantia”.
Assim, a alienação do objeto da garantia pignoratícia pelo credor encontra determinados limites, designadamente, os que decorrem do princípio da boa fé no cumprimento das obrigações (artigo 762.º, n.º 2, do CC).
A respeito das estipulações contratuais mais frequentemente utilizadas para previsão da execução do penhor, Catarina Monteiro Pires (loc. cit., p. 557) enumera cinco hipóteses:
“(i) Cláusula que permite a venda do bem. empenhado pelo credor pignoratício, de acordo com o respectivo valor real, determinado por um terceiro independente, nomeadamente por um banco de investimento independente das partes;
(ii) Cláusula que possibilita a venda pelo credor pignoratício de acordo pelo valor de mercado, atendendo às circunstâncias em que a garantia é executada;
(iii) Cláusula que prevê a venda pelo melhor preço, dadas as circunstâncias;
(iv) Cláusula que possibilita a venda pelo valor mais elevado oferecido pelos potenciais adquirentes; e
(v) Cláusula que refere que a venda será realizada pelo valor do crédito garantido”.
E, salienta a referida Autora que:
“As hipóteses (i) a (iv) são, em princípio, formas de execução válidas, e nada impedirá que as partes as incluam no contrato de penhor ou que as sigam, aquando da execução. Com efeito, em qualquer uma delas intercede um juízo de avaliação por um terceiro independente ou pelo mercado, pelo que não se coloca o risco de o credor determinar discricionariamente o valor da garantia, visando apenas uma execução rápida, em detrimento do valor patrimonial residual que caberia ao prestador da garantia.
Já a hipótese (v), será duvidosa. Com efeito, esta cláusula estabelece que a execução se fará por um valor fixo, correspondente ao valor da do crédito garantido, com irrelevância do valor real da garantia e das circunstâncias que rodeiam a execução. Poderá, assim, privar o devedor de um valor que integra o seu património, sem causa justificativa (…)”.
No caso, nos termos da Cláusula 8.ª do Contrato de Financiamento dos autos, o banco financiador ficou mandatado para “executar extraprocessualmente o penhor constituído, podendo, inclusivamente, em nome e representação da Oliren, alienar as acções em qualquer mercado ou junto de qualquer entidade competente, a quem e por intermédio de quem entender conveniente” (n.º 8), prevendo-se que se aplicasse, ao penhor constituído, “ainda o disposto no DL 105/2004, nomeadamente no que respeita à liquidação e saneamento; ainda ao abrigo do mesmo normativo legal, a Oliren expressamente (i) confere ao BES o poder de disposição sobre as acções empenhadas, ficando o BES autorizado a alienar ou onerar tais valores mobiliários como se fosse seu proprietário (artigos 9º e 10º) e (ii) reconhece e aceita que o BES poderá em caso de incumprimento do presente contrato, fazer seus os valores mobiliários empenhados (artigo 11.º)”.
Estipulou-se, assim, no contrato em questão, que o penhor financeiro constituído conferia o direito de execução extraprocessual do penhor, bem como, se estabeleceu que o penhor financeiro atribuía ao banco financiador o direito de disposição dos valores empenhados e, bem assim, em caso de incumprimento, o direito de apropriação dos mesmos.
No n.º 9 da referida Cláusula 8.ª ficou ainda previsto que: “Para cumprimento do disposto na alínea b) do n.º 1 do referido artigo 11.º, fica expressamente acordado que a avaliação das Acções REN corresponderá à média das cotações da semana anterior à data em que for declarado o vencimento antecipado das obrigações da EPI ou, nos outros casos, à data em que se vença a obrigação pecuniária e a mesma não seja cumprida”.
Decorre desta estipulação que, no caso de o beneficiário da garantia pretender proceder à execução do penhor “fazendo seu o objeto da garantia” (cfr. n.º 1 do artigo 11.º do D.L. n.º 105/2004), mediante venda ou apropriação, o valor de referência a ter em conta (avaliação) deveria corresponder “à média das cotações da semana anterior à data em que for declarado o vencimento antecipado das obrigações da EPI” ou, “nos outros casos”, “à data em que se vença a obrigação pecuniária e a mesma não seja cumprida”.
Da expressa alusão à alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do D.L. n.º 105/2004, constante da referida estipulação, resulta, efetivamente, que o estabelecimento do valor de referência com apelo “à média das cotações da semana anterior à data em que for declarado o vencimento antecipado” se destinava a atuar, tão só, no caso de o credor pretender fazer seus os bens objeto do penhor.
Mas, ao contrário do que pretende a recorrente, também se afigura inequívoco, pela integração de tal previsão no segmento da parte final do n.º 9 da mencionada Cláusula 8.ª que, os “outros casos” a que se reporta tal estipulação, se reconduzem aqueles em que, o credor, pretendendo exercer o direito de apropriação, não entenda declarar o vencimento antecipado das obrigações da EPI.
Efetivamente, para a hipótese de mera atuação pelo credor do direito de disposição, as partes limitaram-se a prever que a autorização para alienação ou oneração das acções seria efetuada pelo credor “como se fosse seu proprietário”, expressamente remetendo para a previsão dos “artigos 9.º e 10.º” do D.L. n.º 105/2004, onde um tal direito (de disposição) se encontra regulado.
Ora, nos termos destes preceitos – artigos 9.º e 10.º do D.L. n.º 105/2004, o direito de disposição confere ao beneficiário da garantia financeira os poderes de alienar ou onerar o objeto da garantia prestada, nos termos previstos no contrato, como se fosse seu proprietário (cfr. artigo 9.º, n.º 2) e exercido o direito de disposição, deve o beneficiário da garantia, até à data convencionada para o cumprimento das obrigações financeiras garantidas: a) Restituir ao prestador objeto equivalente ao objeto da garantia financeira original, em caso de cumprimento das obrigações financeiras garantidas por parte deste; ou b) Quando o contrato de penhor financeiro o preveja e em caso de cumprimento pelo prestador da garantia, entregar-lhe quantia em dinheiro correspondente ao valor que o objeto da garantia tem no momento do vencimento da obrigação de restituição, nos termos acordados pelas partes e segundo critérios comerciais razoáveis; ou c) Quando o contrato de penhor financeiro o preveja, livrar-se da sua obrigação de restituição por meio de compensação, sendo o crédito do prestador avaliado nos termos da alínea anterior.
Ora, no caso dos autos, que fez a recorrida?
Remeteu, em 15-10-2015, à autora o email onde - perante a proposta de inserção de cláusula da autora no sentido de impedir que o Novo Banco vendesse as acções empenhadas “abaixo de determinado preço” - entendeu “não aceitar qualquer limitação à venda das acções” e informar que, “na impossibilidade de obtenção do mandato de venda e de serem reforçadas as garantias da operação nos termos estabelecidos pelo banco para a sua prorrogação, iremos desencadear os procedimentos previstos contratualmente para as situações de incumprimento”.
E, em 21-10-2015, a ré remeteu à OLINERG carta onde alertou a destinatária de que iria, caso não fosse paga a quantia em dívida, executar as garantias constituídas, dela constando, nomeadamente, o seguinte:
“(…)
Tendo-se vencido no passado dia 30 de Junho de 2015 a obrigação de pagamento do Financiamento concedido à European Power Investment figura como mutuária, e não tendo sido pago até à presente data, vimos interpelar a European Power Investment, através de V. Exas., de acordo com o estabelecido na cláusula 16a, ponto 1. do Financiamento para proceder ao pagamento do capital em dívida, nesta data no montante de €67.500.000,00 (sessenta e sete milhões e quinhentos mil euros), ao qual acrescem juros remuneratórios, juros de mora, comissões e impostos que sejam devidos até 2 de Novembro de 2015 através da Vossa Conta à Ordem n.º 427620002 junto do Novo Banco Sucursal de Londres.
Caso a quantia em dívida nesta data não seja paga no prazo indicado, o Novo Banco irá executar as garantias constituídas e recorrer aos mecanismos contratuais e legais ao seu dispor para obter o pagamento do Financiamento, acrescido do demais que se mostrar devido".
Nessa data, o Novo Banco remeteu à autora cópia desta carta.
E, em 05-11-2015, a recorrida informou o mercado, por comunicado de 5 de Novembro de 2015, sobre o lançamento de uma oferta particular de acções da REN através de um processo de accelerated bookbuilding, vindo aquelas ações a ser alienadas por tal processo, em 06-11-2015, pelo preço de €2,62 por acção (tendo o montante global da alienação correspondido a €69.954.000,00). Este valor corresponde ao que a média de cotações das acções tiveram na semana que antecedeu o dia 30-06-2015.
Mais resultou apurado que, a ré deu conhecimento à autora sobre a execução extrajudicial do Penhor, concretizado através da venda das Ações REN acima referida, no dia 10 de Novembro de 2015, “considerando o incumprimento da obrigação da EPI de pagamento da quantia devida, no montante de capital de €67.500.000,00 (...), a que acrescem os juros remuneratórios e de mora devidos e quaisquer despesas que o Novo Banco tenha de fazer para assegurar o pagamento do crédito em questão", mais comunicando que: "O produto da alienação das ações objeto do Penhor, no montante global de €69.954.000,00 (...), foi afeto ao pagamento das responsabilidades da EPI emergentes do Contrato, conforme descrito no Anexo da presente comunicação (...). Considerando que na sequência da execução do Penhor, o Novo Banco recebeu um valor superior ao do montante das obrigações garantidas pelo Penhor, o Novo Banco, em 10/11/2015 restituiu, por depósito na conta bancária (...) aberta junto do Novo Banco, com o NIB (...), da titularidade da Oliren (...), o montante de €463.173,51 (...)."
Nessa conformidade, a ré afectou €69.490.482,73 ao pagamento das responsabilidades da EPI emergentes do Contrato de Financiamento, resultado do somatório das seguintes parcelas:
i. €67.500.000,00, a título de capital;
ii. €913.211,25, a título de juros remuneratórios;
iii. €748.125,00, a título de juros de mora;
iv. €329.146,48, a título de comissões emergentes da execução extraprocessual.
A ré calculou os juros de mora vencidos entre 30-06-2015 e 02-11-2015.
O Tribunal recorrido entendeu, a este respeito que:
“(…) face aos elementos apurados, não resulta que a Ré tenha violado qualquer princípio. De referir que a Ré se encontrava dotada do direito de executar extraprocessualmente o Penhor e que face ao número de acções a ser colocadas em venda (5% do capital social da REN), optou (como se verificou) pelo processo de ABB (accelerated bookbuilding), não tendo a Autora logrado provar que a venda com outro processo teria obtido um valor superior a €2,62 (sendo certo que colocando à venda as acções de forma paulatina, alteraria o mercado e traria sem dúvidas oscilações ao valor das acções e demoraria um largo período a obter-se a venda da totalidade das acções). Para além disso, havendo uma informação prévia ao mercado (sendo que o processo ABB é realizado entre o fecho da sessão e a abertura da sessão seguinte) ou à própria Autora teria efeitos imediatos no valor das acções, diminuindo o seu valor.
A Autora não logrou provar que outro processo de venda fosse passível de obter um valor superior por acção, nem que a Autora tivesse violado princípios de boa-fé.
Para além disso, a Autora invoca que nos termos da cláusula 8.a, n.º 9 do Contrato de Financiamento, a avaliação das Acções REN corresponderá à média das cotações da semana anterior (...) à data em que se vença a obrigação pecuniária e a mesma não seja cumprida.
Ora, salvo melhor opinião, a cláusula referida pela Autora e que consta do Contrato de Financiamento não se aplica à situação nos autos, porquanto de um lado o n.º 8 concede à Ré o direito de executara extraprocessualmente o penhor (o que ocorreu no caso dos autos) e o n.º 9 refere-se ao Réu poder dispor das acções empenhadas e a alínea b) do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 105/94 quando o beneficiário procede à sua execução, fazendo seus os instrumentos financeiros dados em garantia. Assim, a Ré nunca fez seus o objecto da garantia, tendo optado pela sua execução extraprocessual.
Assim, da factualidade apurada, não resulta qualquer conduta censurável da Ré na execução extraprocessual do Penhor e na alienação das Acções REN, nem quanto à modalidade de venda, nem quanto ao preço, nem sequer quanto ao timing escolhido pela Ré par a venda”.
Ora, estas considerações do Tribunal recorrido não merecem algum reparo.
De facto, conforme resulta da estipulação contratual contida nos n.ºs. 8 e 9 da Cláusula 9.ª do Contrato de Financiamento, a ré tinha a possibilidade de dispor do objeto da garantia, por forma a ver-se paga dos valores em dívida, sendo certo que, não tendo ocorrido algum acordo de prorrogação que protraísse no tempo as obrigações da autora, o financiamento deveria ter sido satisfeito ou reembolsado até 30-06-2015, o que não sucedeu (cfr. factos provados n.ºs. 11 e 14 a 17).
E, nessa medida, a ré poderia dispor da garantia empenhada “como se fosse seu proprietário”, vindo, por intermédio de terceiro que mandatou para o efeito, a vender as ações empenhadas.
Como se disse, na execução do penhor, o credor deve respeitar o princípio da boa fé no cumprimento das obrigações – artigo 762.º, n.º 2, do CC – reprimindo-se situações de abuso do direito (cfr. artigo 334.º do CC).
Estas exigências encontram-se presentes também na execução extraprocessual do penhor financeiro, não se podendo concluir que a referência constante do artigo 8.º do D.L. n.º 105/2004 determine que a execução extraprocessual do penhor seja discricionária. “A segurança jurídica aconselha à cuidadosa previsão das condições de execução extraprocessual da garantia pignoratícia, no sentido de, dentro das limitações legais, acautelar o direito do credor pignoratício e assegurar a rapidez e eficiência na execução da garantia pelo melhor preço possível” (cfr. Catarina Monteiro Pires; “A execução extraprocessual do penhor – os casos particulares dos penhores de acções e de quotas”, in O Direito, 142.º, 2010, III, pp. 561 e 575).
Ora, ao invés do pugnado pela recorrente, afigura-se-nos que – em conformidade com o juízo expresso na sentença recorrida - a ré observou, na execução do penhor, o respeito pelos mencionados princípios.
Com efeito, apurando-se que a ré alertou a autora de que iria, caso não fosse paga a quantia em dívida, executar as garantias constituídas, que ulteriormente informou o mercado, por comunicado, sobre o lançamento de uma oferta particular de acções da REN através de um processo de “accelerated bookbuilding”, vindo aquelas ações a ser alienadas por tal processo, em 06-11-2015, pelo preço de €2,62 por ação (tendo o montante global da alienação correspondido a €69.954.000,00) – valor que corresponde à média de cotações que as ações tiveram na semana que antecedeu a data de não pagamento do financiamento concedido – e que lhe deu conhecimento sobre a execução extrajudicial do Penhor, concretizado através da referida venda, o que fez em 10-11-2015, imputando o valor obtido às quantias de capital em falta, juros remuneratórios, juros de mora e comissões, disponibilizando à autora o montante remanescente, a conduta da autora não se mostra violadora da boa fé que lhe era exigível, em sede de execução extraprocessual do penhor.
De facto, não sendo caso de apropriação da garantia, a ré não se encontrava vinculada a alienar as ações estabelecendo como preço de venda a média das cotações da semana anterior à data de vencimento antecipado (que não ocorreu) ou à data em que se verificou o vencimento e não cumprimento da obrigação pelo devedor, mas sim, a alienar as ditas ações “segundo critérios comerciais razoáveis” (cfr. artigo 10.º, n.º 1, als. b) e c) do D.L. n.º 105/2004).
Neste sentido, não pode afirmar-se, como o faz a recorrente, que estivesse vedado à ré, para a obtenção do valor de realização da garantia (em termos adequados, equitativos e eficientes), o recurso ao método de “acellerated bookbuilding”.
Conforme refere Madalena Perestrelo de Oliveira (Tutela do Investidor perante o Emitente no Mercado de Capitais – Um modelo dinâmico de proteção; Coleção Teses, Almedina, 2021, pp. 176-177): “Verifica-se uma prática comum de mercado segundo a qual um prospeto aprovado não inclui o preço definitivo da oferta nem o montante dos valores mobiliários a oferecer ao público, expresso em número de valores mobiliários ou como montante nominal agregado. Não raramente, o preço das ofertas ou da admissão à negociação depende de processos de bookbuilding (…)”, correspondendo a um método no qual se diminui o período de tempo durante o qual os investidores podem submeter ofertas, cuja utilização também tem sido ponderada nas admissões no mercado regulamentado.
Salienta a referida Autora (ob. cit., p. 178, nota 618) que, “[e]m Portugal, o enquadramento legal do processo de recolha e intenções de investimento encontra-se previsto nos artigos 164.º a 167.º do CVM. Para além do papel (…) como mecanismo útil na determinação do preço dos valores mobiliários em oferta já lançada com recurso ao esquema de preço aberto, o bookbuilding assume-se, também, como etapa preparatória e eventual que surge antes de uma oferta pública de distribuição e serve o propósito de formação da decisão de lançamento da oferta pública, bem como de definição dos seus contornos”.
O processo de alienação de valores mobiliários por “acellerated bookbuilding” (designado na terminologia anglo-saxónica pelo acrónimo “ABO” – “Acellerated Bookbuilding Offering” – sobre o tema vd., entre outros, Lorena Bernardi; “Managing material information around equity accelerated bookbuilding offering”, in Journal of Financial Compliance, n.º 4 (1), 2020, p. 6 e ss.), supõe a aprovação de prospeto preliminar e “torna irrelevante, para a colocação do valor da oferta, a vontade do intermediário financeiro encarregue da colocação (underwriter), partindo, antes, da recolha, junto de investidores institucionais, de intenções de aquisição ou subscrição, respetivas quantidades e preços. Num primeiro momento, com o apoio de relatórios de peritos e de informação obtida em contactos informalmente mantidos com intermediários financeiros na fase de pré-marketing, o emitente ou oferente determinam os preços mínimo e máximo pelo qual os valores mobiliários deverão ser disponibilizados ao público. Num segundo momento, constrói-se (building) um livro (book) de expressões de interesse que é, posteriormente, editado por um coordenador que analisa a quantidade e qualidade das propostas recebidas. Por último, estas são utilizadas para, dentro dos limiares previamente estabelecidos, se definir o preço de colocação dos valores oferecidos ao público. Na fixação desse preço toma-se em consideração não apenas a quantidade e qualidade das expressões de interesse recebidas no processo de bookbuilding, mas também, entre outros aspetos, as condições do mercado de capitais doméstico e internacional e o volume da procura no âmbito da oferta pública (…)” (assim, Madalena Perestrelo de Oliveira; Tutela do Investidor perante o Emitente no Mercado de Capitais – Um modelo dinâmico de proteção; Coleção Teses, Almedina, 2021, pp. 178-179).
Conforme salienta Margarida Perestrelo de Oliveira (ob. cit., p. 180), “[à] determinação do preço dos instrumentos mobiliários pelo emitente aplica-se, nessa medida, o artigo 400.º do Código Civil, o que significa que esta não é deixada ao arbítrio de uma das partes, antes depende de juízos de razoabilidade com base objetiva, valendo por analogia, quanto ao ato jurídico de determinação do preço, as regras dos negócios jurídicos, incluindo a possibilidade de anulação com os fundamentos contratuais gerais”.
No presente caso, não está em questão a atuação de alguma responsabilidade pelo conteúdo da informação disponibilizada pelos emitentes (cfr. artigo 29.º-P do CVM), pelo prospeto (cfr. artigo 149.º e ss. do CVM) ou por alguma circunstância atinente à concretização da venda das ações – e das fases (de escolha das entidades de colocação ou “bookrunners”, de formação do preço no livro de ordens ou de seleção do comprador) em que o respetivo procedimento se concretizou - pelo processo utilizado, não tendo sido demandado algum das instituições intermediárias nesse processo, mas sim, o saber se a recorrida, enquanto titular do direito de execução do penhor, poderia, como o fez, nas concretas circunstâncias, promover que a venda se realizasse por “acellerated bookbuilding”, por intermédio de terceiras entidades (conforme referido no comunicado mencionado no facto provado n.º 35).
Ora, como vimos, não se mostrava vedado à recorrida que, em situação de incumprimento das obrigações do financiamento – o que, repita-se, sucedia à data em que a ré promoveu a venda das acções empenhadas – e por forma a satisfazer, com a maior eficiência, a sua posição de credora, e atendendo ao elevado número de ações em questão (26.700.000), que lançasse mão do processo de recolha de intenções de investimento junto de terceiros.
Afigura-se que, tal processo de concretização da venda das ações (alienação que a autora terá também tentado, sem êxito, como o salientou, no depoimento que prestou, o legal representante da autora, PA) era – e foi - adequado à satisfação do interesse do credor, de obter a realização, pela venda da garantia que possuía, o valor necessário para colmatar a dívida da autora, que então subsistia.
A este respeito, cumpre sublinhar que, ao invés do que menciona a recorrente, não se pode afirmar alguma “ilegitimidade” ou contraditoriedade com a boa fé, na circunstância de a recorrida lançar mão do processo de “acellerated bookbuilding”, com a invocação da ausência de “urgência” na concretização da venda das ações.
Importa sublinhar que, “[q]uando o devedor não adopte um comportamento conforme, porque não realiza prestação nenhuma, o princípio (da prioridade) do cumprimento significa que o credor tem a faculdade de exigir que aprestação seja realizada.
Em primeira linha, voluntariamente. Em segunda linha, coercivamente (…)” (assim, Nuno Manuel Pinto Oliveira; Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, 2011, p. 495).
É que, de facto, o direito do credor ao recebimento do valor financiado mostrava-se - quer na data em que terá sido iniciado o procedimento de “acellerated bookbuilding”, quer na data em que a intenção de venda veio a ser publicitada (05-11-2015) – insatisfeito, sem que incidisse sobre o credor alguma obrigação de não promover a execução do penhor.
Pelo contrário, como se viu, vencida que estava a obrigação, a recorrida tinha o direito de se pagar pelo produto da venda da coisa empenhada (cfr. artigo 675.º, n.º 1, do CC), legitimando, por isso, que a tutela dos direitos do credor se efetuasse do modo que, de melhor forma e com a melhor celeridade e eficiência, pudesse colmatar a insatisfação da posição jurídica da recorrida.
Não se afigura que haja desconformidade ou abuso por banda da recorrida, a este respeito, no exercício destes direitos por banda do credor.
Note-se que, a grande quantidade de acções – correspondente a 5% do capital social da REN – inviabilizaria a concretização de uma venda em bolsa de uma só vez ou em curto prazo, por que tal influiria, de forma sensível, na cotação do título (sendo que, o dever de defesa do mercado – a que se reporta o disposto no artigo 311.º do CVM - veda a abstenção dos intermediários financeiros e dos demais membros do mercado de participarem em operações ou praticarem atos suscetíveis de pôs em risco a regularidade de funcionamento, a transparência e a credibilidade do mercado), pelo que se mostra adequada a opção tomada pela recorrida a respeito do processo de venda das ações, o qual – sublinhe-se – não se mostrava vedado por alguma estipulação contratual.
Não estando em causa o exercício do direito de apropriação – que, no caso, também tinha sido conferido contratualmente ao credor, mas que a recorrida não atuou – não tem aplicação, à forma de exercício do direito de disposição que a recorrida promoveu, a aludida estipulação da parte final do n.º 9 da Cláusula 8.ª do contrato de financiamento.
Note-se que, mesmo que, na tese da recorrente, se se considerasse poder ter aplicação à determinação do preço, a aferição da média das cotações da semana anterior “à data em que se vença a obrigação pecuniária e a mesma não seja cumprida”, se verifica que o preço alcançado pelo processo de alienação de “acellerated bookbuilding” satisfez uma tal prescrição, uma vez que o preço de venda - €2,62 por ação – equivaleu ao da média de cotações das ações da REN na semana anterior a 30-06-2015 (cfr. facto provado n.º 46), data em que teve lugar o incumprimento da autora, na decorrência da não satisfação ou reembolso do financiamento concedido.
Não se alcança, pois, que tenha sido defraudada a estipulação contratual contida no n.º 9 da Cláusula 8.ª do Contrato de Financiamento dos autos e o respetivo sentido interpretativo da mesma (cfr. artigo 236.º do CC), nem, igualmente, o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do D.L. n.º 105/2004, de 8 de maio, ou que, por outro modo, tenham sido postergados os deveres de boa fé e de diligência decorrentes do artigo 762.º do Código Civil, a cargo da recorrida.
Em suma: Não contraria a boa fé que lhe era exigível na execução extraprocessual do penhor, a conduta do credor que, perante a verificação de uma situação de não pagamento no vencimento das obrigações do financiamento, pelo devedor e dador de garantia pignoratícia (consistente em ações de empresa cotada em bolsa de valores) - e depois de ter informado o devedor de que iria, caso não fosse paga a quantia em dívida, executar as garantias constituídas - , por forma a satisfazer, com a maior eficiência, a reposição do seu direito de crédito e atendendo ao elevado número de ações objeto do penhor constituído em seu benefício (26.700.000, correspondendo a 5% do capital social da empresa a quem as ações empenhadas respeitavam), lança mão do processo de recolha de intenções de investimento junto de terceiros, com vista a concretizar a venda das ações empenhadas, o que faz, por intermédio de instituições financeiras contratadas para o efeito, segundo o denominado processo de “acellerated bookbuilding”, pelo qual se concretizou a venda extrajudicial das ações empenhadas, pelo melhor preço conseguido pelos “bookrunners” e que, inclusive, equivaleu ao valor de cotação médio que as ações tiveram na semana que antecedeu a data de não pagamento do financiamento concedido.
Não se verificando existir causa para a declaração de nulidade da venda operada, intocado também se mostra, pela decisão recorrida, o disposto no artigo 294.º do CC.
Quanto ao mais, soçobram as demais conclusões recursórias, não existindo fundamento – afastada que está a invocada contrariedade ao Direito do processo de venda extrajudicial das ações da REN realizado - para reconhecer à autora assistir-lhe a indemnização que peticionou, com fundamento na invalidade de um tal processo.
Do mesmo modo, soçobra a pretensão atinente aos juros de mora, uma vez que, a contabilização dos mesmos pela recorrida, na decorrência da execução do penhor, se fundou dentro dos limites em que uma tal pretensão é legalmente admissível, com aderência ao prescrito nos artigos 804.º, 805.º, n.º 2, al. a) e 806.º do CC, tendo tido por referência, como termo inicial, a data de vencimento das obrigações do contrato de financiamento – 30-06-2015 – e como termo final, a data de 02-11-2015 (cfr. factos provados n.ºs. 40 a 43). Sufragam-se, no mais, pelo seu acerto, as considerações expendidas, a respeito do “cálculo de devolução do montante excedente à autora”, constantes da decisão recorrida (ponto 3, a fls. 26 e 27).
A questão colocada merece, pois, resposta negativa.
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A apelação deverá ser julgada improcedente, em conformidade com o exposto, com manutenção da decisão recorrida.
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De acordo com o estatuído no n.º 2 do artigo 527.º do CPC, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual.
Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
“Vencidos” são todos os que não obtenham na causa satisfação total ou parcial dos seus interesses.
Conforme se escreveu no Acórdão do STJ de 06-12-2017 (Pº 1509/13.1TVLSB.L1.S1, rel. TOMÉ GOMES), cujo entendimento se subscreve: “O juízo de procedência ou improcedência da pretensão recursória não é aferível em função do decaimento ou vencimento parcelar respeitante a cada um dos seus fundamentos, mas da respetiva repercussão na solução jurídica dada em sede do dispositivo final sobre essa pretensão”.
Em conformidade com o exposto, a responsabilidade tributária incidirá, in totum, sobre a apelante (autora), que decaiu integralmente na presente instância recursória – cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
* 5. Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem o coletivo desta 2.ª Secção Cível, em julgar improcedente a apelação e, em consequência, manter a decisão recorrida.
Custas pela autora/apelante.
Notifique e registe.
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Lisboa, 14 de dezembro de 2023.
Carlos Castelo Branco
Pedro Martins
Higina Castelo