RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
DECISÃO PENAL CONDENATÓRIA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
QUEIXA
BURLA INFORMÁTICA
MEDIDA DA PENA
CONDIÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
CONDIÇÕES PESSOAIS
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
OMISSÃO
NULIDADE
Sumário


I - Tendo o acórdão recorrido condenado a recorrente pela prática de um crime de burla informática, e afirmado em sede de pedido de indemnização civil, a inexistência de qualquer relação contratual estabelecida entre a recorrente/demandada e a assistente/demandante, e o consequente direito desta em ser ressarcida dos danos sofridos pela conduta delituosa daquela, a verificação da invocada litigância de má-fé da assistente na dedução do pedido de indemnização, por ser incompatível com aquela afirmação, deve considerar-se tacitamente indeferida pela Relação, não padecendo, pois, o acórdão recorrido de nulidade por omissão de pronúncia.
II - A condição económica a cuja verificação fica sujeita a substituição da pena de prisão pela suspensão da respectiva execução, deve ser fixada em quantitativo que, atentas as reais e potenciais condições económico-financeiras e sociais da condenada, mantenha abertas nesta, perspectivas minimamente fiáveis do seu cumprimento, deste modo a incentivando a desenvolver esforços para atingir esse fim.
III - A omissão, no Dispositivo do acórdão recorrido, de decisão sobre o pedido de indemnização civil deduzido, conduz à sua nulidade, quanto a este segmento.

Texto Integral



RECURSO Nº 754/11.9TAALQ.L2.S1


Recorrente: AA.


Recorridos: Ministério Público e Caixa Geral de Depósitos, SA.


*


Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça


I. RELATÓRIO


No Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte – Juízo Central Criminal de ... – J... ., mediante despacho de pronúncia, foi a arguida AA, com os demais sinais nos autos, submetida a julgamento em processo comum, com intervenção tribunal colectivo, pela prática, em autoria material, de um crime de burla informática, p. e p. pelo art. 221º, nºs 1 e 5 do C. Penal, com referência ao art. 202º, b) do mesmo código, vindo, por acórdão de 12 de Outubro de 2021, a ser absolvida da prática do imputado crime, mais tendo sido absolvida do pedido civil de condenação no pagamento à assistente e demandante civil Caixa Geral de Depósitos, SA, da quantia de € 135835,67, por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora desde a data em que ocorreu o desapossamento até integral pagamento.


Inconformados com a decisão, recorreram o Ministério Público e a assistente e demandante civil Caixa Geral de Depósitos, SA, para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 22 de Junho de 2022, decidiu,


«Conceder provimento aos recursos interpostos e, aditando os seguintes factos dados como não provados, aos factos provados,


“a) A gerente da agência da CGD da ..., não tivesse conhecimento ou não tivesse autorizado as operações bancárias descritas na matéria de facto provada, e efectuadas pela arguida com recurso a password que aquela lhe havia cedido para o desempenho das funções que a arguida desempenhava, algumas delas informalmente delegadas pela gerente,


b) A arguida tivesse agido com intenção de causar prejuízo patrimonial à queixosa”.


condena-se a arguida como autora material de um crime de burla informática na pena de 3 anos de prisão cuja execução será suspensa por 4 anos com a condição de liquidar a quantia em dívida, e respectivos juros, à ofendida no período de tempo a que corresponde a suspensão da pena.


Sem custas por a elas não haver lugar.».


*


Inconformada com a decisão da Relação, recorre a arguida para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando no termo da motivação, as seguintes conclusões:


1) A arguida/recorrente foi pronunciada e julgada pela prática, autoria material e sob a forma consumada, da prática de um crime de burla informática, previsto e punido pelo artigo 221.º, n.º 1 e 5 do Código Penal, com referência ao artigo 202.º, alínea b) do referido diploma legal, em 1.º Instância;


2) Realizada a audiência de discussão e julgamento, o Tribunal de 1ª Instância “a quo” em 30 de Junho de 2015, decidiu:


- Absolver a arguida AA da prática de um crime de burla informática, pp. pelos arts 221ºnº1 e 5 do código Penal de que vinha, acusada


- Absolver a demandada AA do pedido de indemnização civil contra si formulado por Caixa Geral de Depósitos S.A.


3) Inconformada com tal decisão veio a Assistente CGD interpor recurso da decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa.


4) A 19 Abril de 2016, foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, tendo resultado do mesmo a seguinte decisão:


“Acordam, em conferência, os juízes da 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em declarar a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, devendo o julgamento ser repetido para apuramento da factualidade supra indicada, nos termos do art. 426.º, CPP.”


5) Em cumprimento do douto acórdão foi o julgamento repetido apenas para prova dos valores em causa.


6) E pelo Tribunal de 1ª Instância “a quo” foi proferido o seguinte acórdão: Realizada a audiência de julgamento, em obediência ao decidido no Acórdão do Tribunal da Relação, o Tribunal de 1.ª Instância, em 12 de Outubro de 2021, decidiu manter a decisão anteriormente proferida de:


- Absolver a arguida AA da prática de um crime de burla informática, pp. pelos arts 221º nº 1 e 5 do código Penal de que vinha, acusada


- Absolver a demandada AA do pedido de indemnização civil contra si formulado por Caixa Geral de Depósitos.


7) Por não se conformar com esta douta decisão, recorreu o MP e a Assistente CGD, para o Tribunal da Relação de Lisboa, invocando:


“Foram dados como não provados os seguintes pontos: "a) A gerente da agência da CGD da ..., não tivesse conhecimento ou não tivesse autorizado as operações bancárias descritas na matéria de facto provada, efectuadas pela arguida com recurso a password que aquela lhe havia cedido para o desempenho das funções que a arguida desempenhava, algumas delas informalmente delegadas pela gerente.


b) A arguida tivesse agido com intenção de causar prejuízo patrimonial à queixosa.".


Discorda-se desta decisão, considerando terem sido incorretamente julgados os aludidos pontos da matéria de facto considerada como não provada, atenta a prova produzida em julgamento e as regras da experiência, que conduzia necessariamente à condenação da arguida pela prática do referido crime.”


8) Decidiu o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa:


“Conceder provimento aos recursos interpostos e, aditando os seguintes factos dados como não provados, aos factos provados


"a) A gerente da agência da CGD da ..., não tivesse conhecimento ou não tivesse autorizado as operações bancárias descritas na matéria de facto provada, efetuadas pela arguida com recurso a password que aquela lhe havia cedido para o desempenho das funções que a arguida desempenhava, algumas delas informalmente delegadas pela gerente


b) A arguida tivesse agido com intenção de causar prejuízo patrimonial à queixosa.".


condena-se a arguida como autora material de um crime de burla informática na pena de 3 anos de prisão cuja execução será suspensa por 4 anos com a condição de liquidar a quantia em divida, e respetivos juros, à ofendida no período de tempo a que corresponde a suspensão da pena.


9) Acórdão do qual a arguida está a recorrer com os seguintes fundamentos:


10) Nulidade do Acórdão recorrido, art. 379º nº 1, al. c) C.P.P.:


Pois, o não conhecimento pelo Tribunal da Relação, sobre questões que devesse apreciar, nomeadamente, sobre o pedido de litigância de má-fé formulado pela arguida, uma vez que o mesmo consagra uma causa extintiva do procedimento e que em consequência põe, imediatamente, termo ao processo, constitui uma clara violação dos artigos 417º nº 3 do C.P.P. e 32º nº 1 da Constituição da Republica Portuguesa;


11) A assistente alegou nas suas motivações de recurso, junto do Tribunal da Relação, que o seu pedido de indemnização se baseava no prejuízo causado pela arguida, pela prática de um crime, certo é que a atuação referida assistente em sede civil, trouxe, à luz, a verdade sobre os valores peticionados, conforme alegado e demonstrado por prova documental, pela arguida em sede de contra-alegações, ao requerer a litigância de má- fé da assistente e sobre a qual o Tribunal da Relação não se pronunciou e que deveria ter-se pronunciado, uma vez que a assistente no:


- Processo de insolvência, em que é insolvente a aqui arguida – 237/17.3... T8VFX que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte – Juízo de Comércio de... – J... ., reclamou créditos dos saldos dos cartões de crédito objeto dos presentes autos e respectivos juros.


- Processo de injunção n.º 71635/21.5..., contra BB, (familiar da arguida) à data do pedido de litigância de má-fé, corria os seus termos no Balcão Nacional de Injunções, actualmente, que corre os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte – ... – Juízo ..... ..... – J... ., peticionou o mesmo valor em dívida, relativo à utilização do planfond dos mesmos cartões de crédito utilizados pela arguida e que são objeto dos presentes autos


- Processo de injunção n.º 75754/21.0..., contra CC (familiar da arguida) à data do pedido de litigância de má-fé, corria os seus termos no Balcão Nacional de Injunções, atualmente, corre os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte – ... – Juízo ..... ..... – J... .- peticionou o mesmo valor em dívida, relativo à utilização do planfond dos mesmos cartões de crédito utilizados pela arguida e que são objeto dos presentes autos.


11) Lamentavelmente, o Tribunal da Relação no seu douto extenso acórdão apenas deu relevância ao alegado na motivação de recurso do MP, não apreciando qualquer outra questão ou documento, o que era sua função tendo em conta que é dever desse Tribunal ou de qualquer outro tribunal conhecer oficiosamente de todas as questões que sejam relevantes para a descoberta da verdade, pois, nos termos do art. 32º nº 1 da CRP, “o processo criminal assegura as garantias de defesa incluindo o recurso”. Tratam-se de Direitos, Liberdades e Garantias dos cidadãos, constitucionalmente consagrados, e que neste caso em concreto foram violados.


13) O Tribunal da Relação ao não ter apreciado o pedido de litigância de má-fé em conjugação com o pedido de indemnização civil peticionado pela CGD, originou assim, a nulidade do acórdão.


14) No entanto, esta nulidade não fica por aqui, tal falta de apreciação vai mais longe…., pois, em sede de decisão o Tribunal da Relação decidiu o seguinte:


“condena-se a arguida como autora material de um crime de burla informática na pena de 3 anos de prisão cuja execução será suspensa por 4 anos com a condição de liquidar a quantia em divida, e respetivos juros, à ofendida no período de tempo a que corresponde a suspensão da pena”. (itálico e negrito nosso)


15) A decisão supra citada em nada refere o pedido de indemnização, apenas refere “a quantia em dívida”


16) Quantia esta que resulta, como já se provou, de uma dívida civil e não de um prejuízo causado em virtude de um crime, o que significa que não existe prejuízo patrimonial o que nos leva para o crime pelo qual a arguida foi pronunciada:


-Burla informática - agravada em razão do valor- p. p. pelo art. 221.º, n.º 1 e 5.º do C. Penal.


porém, não existe prejuízo patrimonial, porque estamos perante uma dívida contratual, então, conforme supra se provou, o crime de burla informática não pode ser agravado, é apenas um crime de burla informática simples então,


17) Este crime reveste a natureza semi-pública, conforme dispõe o n.º 4 do citado art.º 221.º C. Penal, pelo que, o respetivo procedimento criminal está dependente de apresentação de queixa por parte da ofendida.


18) O que sucedeu a 29/12/2011, com a queixa apresentada pela “Caixa Geral de Depósitos, S.A.”,.


19) E, que nos termos do disposto no art.º 115.º n.º 1 do Código Penal, tal direito de queixa extingue-se no prazo de 6 meses a contar da data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores.


20) No caso sub judice, a ofendida teve conhecimento dos factos que configuram a prática deste tipo de ilícito, em Outubro de 2010, conforme vertido no art.1.º da sua queixa, “Na sequência de uma auditoria presencial efectuada pela Direcção de Auditoria Interna da Caixa Geral de Depósitos, S.A. à sua Agência de ... ocorrida durante o mês de Outubro de 2010 …”


21) Contudo, apenas, apresentou a queixa em 29 de Dezembro de 2011, ou seja, decorridos mais de 13 meses sobre o conhecimento de tais factos.


22) Nesta conformidade, em 29 de Dezembro de 2011, já estava extinto o direito de queixa por parte da ofendida, Caixa Geral de Depósitos, S.A., pelo que, naquela o Ministério Público já não tinha legitimidade para promover o exercício da acção penal, por efeito da extinção. (artigo 115.º C.P.)


23) Como a extinção do direito de queixa é do conhecimento oficioso e tem como consequência a extinção do procedimento criminal, já que o Tribunal da Relação não teve em conta os supra elencados elementos extintivos do procedimento, deve o acórdão proferido ser declaro nulo.


24) No entanto, e como estamos perante uma extinção do direito de queixa e tal é do conhecimento oficioso, então requer-se a este Venerando Tribunal que em consequência de tal extinção ordene, imediatamente, o arquivamento dos presentes autos.


Caso V. Exas. assim não entendam, e sem prescindir, entendeu a arguida que existe por parte do Venerando Tribunal da Relação um


25) Erro notório na apreciação da prova, nos termos do art. 410º, nº 2 al. c) C.P.P.:


A arguida alegou, sempre, ao longo de todo o processo, que a gerente DD tinha conhecimento e autorizou as alterações efetuadas pela arguida nos plafons dos seus cartões de crédito, utilizando para o efeito a password facultada pela própria gerente, para o exercício da função desta.


26) A gerente da Agência da Caixa Geral de Depósitos, testemunha DD, invoca, precisamente, o contrário, que facultou a password à arguida AA para esta poder desempenhar determinadas funções de gerência, mas não autorizou e desconhecia tais alterações dos plafons dos cartões de crédito.


27) Uma vez que existiram versões contraditórias o Tribunal da Relação tinha que ter em conta todas as provas, como teve o Tribunal de 1.ª Instância e que permitiram absolver a arguida, nomeadamente, contradições/incongruências, no depoimento da testemunha DD, em conjugação com a prova documental junto aos autos, bem deviam ter sido atendidos os depoimentos de EE, inspector de auditoria na Direcção de Auditoria Interna (DAI) da Caixa Geral de Depósitos, FF e GG, provas essas que não foram tidas em conta.


28) Resulta da conjunção dos depoimentos supra transcritos que, pese embora, a gerente DD tenha adoptado em julgamento uma postura de desconhecimento total do que se passava na Agência, o que é de lamentar, porque a Sra. Gerente aos 57 anos de idade, requereu a pré-reforma, que lhe foi concedida e como excelente funcionária que era (já que esta atingiu o topo da carreira, devido às promoções que foi conseguindo pelo seu desempenho profissional), o seu depoimento que em nosso entender não mereceu credibilidade.


29) Pois, da referida análise verifica-se que a testemunha DD manteve ao longo de todo o julgamento uma posição firme e que consta da transcrição supra de que tratava diariamente do incumprimento do crédito,


30) Incumprimento esse que não poderia ser alterado pois o mapa saia centralmente diariamente sem possibilidade de ser alterado.


31) Ora, uma vez que a testemunha DD via diariamente tal mapa de incumprimento então não poderá afirmar que desconhecia a situação da alteração dos plafons, pois de acordo com o auditor GG, bastou-lhe ao verificar que existiu um incumprimento num dos itens, descoberto na conta à ordem para desencadear todo o processo de verificação do aumento do plafond dos cartões de crédito titulados pela arguida e pelos seus familiares.


32) Então, a testemunha DD, verificava diariamente os incumprimentos de crédito, como ela referiu sob juramento então podemos concluir que ao ter conhecimento do incumprimento, automaticamente, teve conhecimento das alterações dos plafons dos cartões, através da referida ficha, até porque estes a dada altura também tiveram incumprimentos, conforme resulta do depoimento do referido auditor GG.


33) Outra prova de que a testemunha tinha conhecimento do incumprimento dos cartões e obviamente por consulta aos mesmos das alterações de plafond efetuadas é o depoimento do inspector EE


34) Por último, e tendo em conta a prova documental e da confrontação da mesma, à testemunha, Sra. Gerente, ficou provado que esta, a dada altura, imprimiu mapas referentes aos saldos e plafonds de cerca de 15 cartões da arguida e seus familiares e que colocou anotações manuscritas nos mesmos, com mencionando as alterações dos plafons que ela própria autorizou.


35) Resta assim, concluir que tanto a testemunha DD enquanto Gerente e o Sr. Diretor Regional tinham conhecimento dos incumprimentos das alterações dos plafons dos cartões, e como sempre se referiu estes últimos autorizados pela gerente, mas mesmo que não tivessem sido autorizados, bastava o conhecimento de tal para resultar na anuem de tal situação.


36) Por todas as provas concretamente acima elencadas, entende a arguida que o Tribunal da Relação ao considerar como provados os seguintes factos;


a) A gerente da agência da CGD da ..., não tivesse conhecimento ou não tivesse autorizado as operações bancárias descritas na matéria de facto provada, efetuadas pela arguida com recurso a password que aquela lhe havia cedido para o desempenho das funções que a arguida desempenhava, algumas delas informalmente delegadas pela gerente


b) A arguida tivesse agido com intenção de causar prejuízo patrimonial à queixosa.".


os mesmos foram incorretamente julgados e por isso devem tais factos constar novamente nos factos não provados, por erro notório de apreciação da prova, impondo assim, uma decisão inversa da recorrida, ou seja, a absolvição da arguida.


37) Violação do princípio da Livre apreciação da prova (art. 127º do CPP)


A prova é apreciada segundo as regras de experiência e a livre convicção do Tribunal, conforme consta no douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação


38) Porém, como supra explanado e provado, a CGD, reclamou créditos junto do processo de insolvência da aqui recorrente e também instaurou processos judiciais com vista à cobrança dos valores em dívida, referentes ao incumprimento do pagamento dos cartões de crédito titulados por CC e por BB, invocando para tal a existência de um contrato.


39) Ora, tendo o Tribunal invocado que “Resulta das regras da experiência e da lógica…”, a não existência de um contrato nem uma relação negocial, quando foram apresentadas provas documentais e nessas provas é a própria CGD que demonstra por A+B, que estamos perante uma pura relação contratual, só podemos concluir que o Tribunal da Relação agiu em clara violação do princípio da livre apreciação da prova.


40) Impugnação da determinação da moldura penal aplicada à arguida, por violação do art. 71º do C.P..


O Tribunal da Relação proferiu a seguinte decisão:


“condena-se a arguida como autora material de um crime de burla informática na pena de 3 anos de prisão cuja execução será suspensa por 4 anos com a condição de liquidar a quantia em divida, e respetivos juros, à ofendida no período de tempo a que corresponde a suspensão da pena.”


41) Em primeiro lugar e tendo em conta o acima explanado, entende-se que a arguida deveria ter sido absolvida mantendo-se a decisão da 1.ª instância, mas caso não seja o entendimento de V. Exa, então se dirá que:


“a liquidar a quantia em divida “- qual valor????- assim como juros - quais juros??? A que taxa legal???- como condição de suspensão da pena de prisão é uma clara violação do princípio da igualdade consagrado no art. 13.º da CRP, pois se considerarmos o valor de € 135.835,67, que não sabemos se é este por não constar da decisão, a dividir por quatro anos resulta de tal divisão, o valor de € 2.829,90 por mês, uma vez que a arguida apenas aufere o salário mínimo nacional, então só nos resta concluir que o Tribunal proferiu uma condenação sabendo de ante mão que a arguida não tinha condições financeiras para a cumprir, o mesmo será dizer que tal decisão configura uma prisão efetiva.


42) Acresce que, consta do processo as condições socio económicas da arguida, e muito nos espanta dado toda a fundamentação da decisão que estas condições não tenham sido alvo de análise ou será que o Tribunal não teve conhecimento das mesmas???


43) Consta do processo que a arguida está insolvente! O que é que isto significa???


44) Que tendo existido um processo de insolvência e por sua vez um pedido de exoneração do passivo restante, não pode a arguida pagar qualquer montante fora do estipulado por lei em tal processo.


45) Acresce que, se o fizesse incorria num crime, pois tendo a CGD, reclamado créditos a arguida ao efetuar pagamentos estaria a beneficiar tal credor em detrimento de outros.


46) Nos termos do art. 202.º da CRP :


“1. Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo.


2. Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.”


47) Mais uma vez, nos questionamos, onde é que o Tribunal assegurou a defesa dos direitos da arguida?????


48) Só nos resta concluir que estamos perante uma extinção do procedimento criminal ou em última análise uma nulidade do acórdão a que V. Exas não poderão ficar alheios e que conduzirá à absolvição da arguida.


Termos em que, sempre sem prescindir do Douto Suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência ser declarada a extinção do procedimento criminal ou em última análise a nulidade do acórdão e mantendo-se a decisão de absolvição da arguida.


Vossas Excelências, porém farão como for de JUSTIÇA!


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O recurso foi admitido.


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Respondeu ao recurso a assistente Caixa Geral de Depósitos, SA, formulando no termo da contramotivação, as seguintes conclusões:


1) Inexiste qualquer nulidade do Acórdão recorrido por omissão de pronúncia, atendendo a que o Tribunal da Relação pronunciou-se expressamente sobre o prejuízo patrimonial causado pela arguida, sobre o pedido cível e sobre a questão da alegada “responsabilidade contratual” suscitada pela arguida nas suas alegações recursórias;


2) Com efeito, tendo a Relação decidido – e bem – que a conduta criminosa da arguida gerou prejuízos para a CGD e que os mesmos tiveram origem nessa sua conduta criminosa há que concluir que o Tribunal se pronunciou expressamente sobre esta questão, inexistindo a invocada nulidade;


3) Por outro lado, ao considerar que os danos sofridos pelo banco são consequência da atividade criminosa da arguida o Tribunal a quo desconsiderou implicitamente o pedido de litigância de má-fé apresentado pela arguida nas suas alegações de recurso direcionadas à Relação, constituindo hoje jurisprudência e doutrina pacíficas que não há omissão de pronúncia sempre que a matéria tida por omissa ficou implícita ou tacitamente decidida no julgamento da matéria com ela relacionada;


4) Subsidiariamente, para o caso de, por absurdo, assim não ser entendido, tendo a arguida procedido à junção de documentos nas suas alegações para a Relação para prova da alegada má-fé (que não foram notificados à assistente), documentos este destinados alegadamente a fazer prova de que existiu uma relação contratual entre banco e arguida quanto à emissão destes cartões, sempre cabe agora a esta pronunciar-se sobre os mesmos, desde já se avançando que nos termos o art. 165º do CPP a junção de documentos só pode, por regra, realizar-se até ao encerramento da audiência de julgamento em primeira instância, sublinhando-se que a arguida nem sequer invocou superveniência relativamente a tais documentos pelo que os mesmos sempre seriam de considerar extemporâneos não podendo assim ser considerados, como aliás não foram, pelo Tribunal da Relação;


5) Ainda subsidiariamente, para o caso de, por absurdo, assim não ser entendido e tais documentos venham a ser admitidos em juízo, então a arguida não pode ignorar que o que alega é totalmente falso, o que resulta desde logo do próprio texto da reclamação de créditos junta pela própria arguida, na qual consta que esta se aproveitou da sua qualidade de empregada da CGD, para emitir de forma abusiva as contas de utilização de cartões de crédito às quais foram atribuídas os nºs .... ....63, ...... ..90, ....... ..94, ....... ..67, ...... ...97, ...... ...85, .........08, ...... ...93 e ...... ...35 assim tendo auferido ganhos ilícitos por força da utilização ilícita que deu aos cartões por si própria emitidos, pelo que afirmar que a assistente fundou a sua reclamação de créditos não na prática dos crimes (pelos quais a arguida veio a ser condenada), mas ao invés numa pretensa “dívida civil” resultante da “outorga de contratos” só pode resultar de não ter lido a reclamação de créditos apresentada pela CGD,


6) E, relativamente às duas injunções apresentadas pela CGD contra familiares da arguida, a saber BB, e CC o sistema informático de contencioso da CGD não detetou que estes cartões titulados por estas familiares da arguida estavam associados ao processo-crime aqui em causa e tratou-os, por lapso, como se se tratasse de cartões negociados e não pagos, mas logo que o lapso foi detetado a CGD não prosseguiu com as injunções, conforme, aliás, não pode deixar de ser do conhecimento da arguida, que, todavia, omitiu dolosamente esta informação no intuito de tentar convencer o Tribunal desta sua “realidade alternativa”, não podendo deixar de se sublinhar que estas suas familiares na respetiva oposição às injunções que apresentaram vieram expressamente invocar que nunca pediram quaisquer cartões, e que foi a aqui arguida que criou fraudulentamente os cartões e se apropriou das quantias que através dos mesmos foram mobilizadas;


7) Também não colhe o argumento de que tratando-se de uma “dívida civil e não de um prejuízo causado em virtude de um crime não existe prejuízo patrimonial”, o que no entendimento da arguida implicaria a inexistência do crime de burla informática p.p. no artº 221º nºs 1 e 5 alínea b) do CP, pelo qual foi condenada, mas antes um crime de burla informática simples, cujo procedimento criminal depende de queixa nos termos do nº 4 dessa citada norma, encontrando-se alegadamente prescrito o procedimento criminal atendendo a que a queixa-crime teria sido instaurada apenas 13 meses após a prática dos factos, atendendo a que a premissa na qual a arguida assenta a sua pretensão (a tal “dívida civil”) não tem qualquer respaldo na matéria de facto considerada provada pelo Tribunal ad quem pelo que estando demonstrados os requisitos do ilícito criminal pelo qual foi condenada, na forma agravada do tipo – que vai de dois a oito anos de prisão – cai por terra a pretensa prescrição do procedimento criminal invocada pela arguida;


8) A arguida pretende, ainda, censurar o juízo emitido pelo Tribunal a quo quanto à apreciação da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, transcrevendo novamente os mesmos trechos de depoimentos testemunhais que já antes havia indicado em sede das contra-alegações que apresentou ao recurso da CGD, olvidando o entendimento reiterado e uniforme do STJ segundo o qual os sempre referidos erros-vícios do art.º 410º n.º 2 do CPP não podem constituir fundamento autónomo de recurso da Relação para o STJ, sem prejuízo de poderem aí ser sindicados, mas por própria iniciativa do Tribunal, mas apenas naquelas situações em que não seja possível tomar uma decisão (ou uma decisão correta e rigorosa) sobre a questão de direito, por a matéria de facto se revelar ostensivamente insuficiente, por se fundar em manifesto erro de apreciação ou, ainda, por assentar em premissas que se mostram contraditórias, e por fim quando se verifiquem nulidades que não se devam considerar sanadas, o que não é o caso;


9) Aliás, a arguida não consegue sequer indicar ou precisar qual foi o vício de raciocínio que a seu ver determinou o alegado erro notório na apreciação da prova de que alegadamente enferma o juízo prolatado pelo Tribunal a quo, limitando-se tão-somente a apresentar trechos cirúrgicos extratados de alguma prova testemunhal por si selecionada e a concluir que de acordo com os mesmos não poderia a Relação ter considerado provados os factos que aditou, pelo que a arguida pretende substituir à convicção do Tribunal a sua própria convicção, que, a seu ver, resulta dos trechos testemunhais que transcreve, o que é realidade que não se confunde com o conceito de erro notório na apreciação da prova, pelo que improcede a invocação do vício da al. c) do nº 2 do art. 410º do CPP;


10) Inexiste qualquer violação do princípio da livre apreciação da prova (art. 127º do CPP), sendo certo que o Tribunal da Relação de Lisboa no âmbito da apreciação da matéria de facto em apreço, procedeu a uma pormenorizada análise crítica dos meios de prova, fundamentou devidamente a decisão que deu à matéria de facto, referindo, de forma crítica, a prova em que se alicerçou, sendo esta análise e conclusão o resultado encontrado segundo o princípio da livre convicção e apreciação da prova que aqui já não cabe censurar, não havendo erro algum no seu julgamento;


11) Quanto à alegada impugnação da determinação da moldura penal aplicada à arguida, por alegada violação do art. 71º do CP esta nada alega quanto à medida da pena concretamente aplicada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, insurgindo-se “apenas” contra o facto de a Relação ter decidido suspender por 4 anos a execução da pena de prisão (de 3 anos) com a condição de liquidar a quantia em divida, e respetivos juros, invocando alegada condição de insolvente, de existir um pedido de exoneração do passivo restante não podendo a arguida pagar qualquer montante fora do estipulado por lei em tal processo, e, ainda, de que não tem hipótese de pagar aquela quantia (que refere nem saber quanto é), pelo que a decretada suspensão encobre de facto uma prisão efetiva;


12) Ora, em primeiro lugar nesta sua alegação a arguida dá aqui por assente/provada matéria que nunca submeteu ao crivo da primeira instância e que não consta do elenco dos factos provados pelas instâncias, seja a existência de um processo de insolvência seja o seu alegado pedido de exoneração do passivo restante, seja qualquer eventual decisão tomada a tal respeito;


13) Por outro lado o próprio CIRE, no seu art. 245º nº 2 prevê que a exoneração do passivo restante não se aplica a casos em que o crédito resulte da prática de um crime, sendo certo que a arguida em momento algum do processo demonstrou ter interiorizado o desvalor criminal da sua conduta, continuando aliás a defender que “nunca agiu com o intuito de causar qualquer prejuízo patrimonial à recorrente”, e que “quanto ao pedido de indemnização civil deve improceder porquanto o mesmo tem por base a existência de um contrato”, ou seja continua a defender que não praticou crime algum, não revelando qualquer arrependimento pelo que fez, o que reforça a necessidade de proteção do bem jurídico violado, na sua dupla vertente de prevenção geral e de prevenção especial;


14) Seguramente o que legislador penal não pretendeu foi que um(a) arguido(a) pudesse sair economicamente beneficiado pela prática de um crime, não existindo aqui quaisquer dúvidas face à matéria dada como provada que a arguida efetivamente se locupletou com a quantia que ilicitamente obteve através da prática em autoria material do crime que lhe foi imputado;


15) O pagamento da indemnização, imposta nos termos do artigo 51.º, n.º 1, al. a), do CP, embora não constitua um efeito penal da condenação, assume manifesta natureza penal, na medida em que se integra no instituto da suspensão da execução da pena, no quadro do qual o dever de indemnizar, destinado a reparar o mal do crime, assume uma função adjuvante da realização da finalidade da punição;


16) A suspensão da execução da pena de prisão decorre de um juízo de prognose que o Tribunal fez relativamente à pessoa da arguida, e pode ser acompanhada da imposição de deveres (artigo 50.°, nºs 2 e 3, do CP) como aliás sucedeu, e constitui uma verdadeira pena autónoma, conforme tem vindo a ser entendido de forma homogénea pela jurisprudência dos nossos Tribunais superiores;


17) Por último não existe dúvida razoável quanto à quantia a indemnizar seja quanto ao capital seja quanto aos juros atenta a matéria de facto provada no ponto 54 dos factos provados (“A divida resultante de capital e juros das quantias utilizadas pela arguida decorrentes os aumentos de plafond do limite de crédito dos cartões em posse da arguida e do aumento do limite de descoberto da conta à ordem da arguida ascende ao montante de € 135.506,68”), e no ponto 55, no qual se deu como provado que a divida de capital da arguida ascende a 77.177,67 €, sendo que este montante de capital e de juros foi o que resultou apurado da prova pericial realizada – cfr. relatório do sr. perito junto em 13.12.2020 aos autos – constando do mesmo que os montantes foram apurados à data de 17.06.2016 , por ser essa a data das notas de débito que lhe foram disponibilizadas para a elaboração do seu relatório;


Termos em que deve o douto acórdão do Tribunal da Relação ser mantido, na íntegra.


Assim se fará Justiça !


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Também o Exmo. Procurador-Geral adjunto junto da Relação de Lisboa respondeu ao recurso, aderindo integralmente aos argumentos que a assistente Caixa Geral de Depósitos, SA levou à sua resposta, e concluiu pela improcedência do recurso.


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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste mais Alto Tribunal emitiu parecer, no termo do qual formulou as seguintes conclusões:


- Quanto à questão prévia que a recorrente levanta – estar a decisão afetada de nulidade nos termos do disposto no artº 379º, nº 1, al. c), do CPP, por omissão de pronúncia acerca de questões que devesse apreciar – não se verifica, pois que, ao concluir pela prática do ilícito criminal, necessariamente afastou qualquer má-fé por parte da assistente;


- Tendo-se entendido pela prática do crime agravado, de natureza pública, é indiferente a ultrapassagem do prazo de 6 meses previsto na lei para apresentação de queixa, não se podendo assim invocar o que constituiria ilegitimidade do Ministério Público para o exercício da ação penal;


- Não se verificou o invocado erro notório na apreciação da prova, nos termos do art. 410º, nº 2 al. c) C.P.P., sendo que a recorrente pretende é que, com base na prova que reproduz parcialmente, seja alterada a convicção dos julgadores no sentido por si pretendido;


- Estando à arguida veada a possibilidade de recorrer acerca da matéria de facto, como claramente decorre do artº 434º do CPP;


- Não se verificou a violação do princípio da liberdade de apreciação da prova (art. 127º do CPP), apenas pretendendo a arguida alterar, mais uma vez, a matéria de facto dada como provada, sem que para tal indique qualquer fundamento e estando-se perante acórdão que justificou de forma adequada a formação da sua convicção quanto aos factos dados como provados e que integram a prática do crime pelo qual se verificou a condenação;


- Condenação em pena adequada, atentas as razões aduzidas na decisão recorrida, sendo que relativamente à indemnização estabelecida como condição para a suspensão, [não obstante alguma deficiência na redação do acórdão possa implicar a necessidade de correção (passível de ser efetuada por este STJ)], nada há a censurar, tendo sido plenamente compreendida pela recorrente;


- Sendo que o não ter sido tida em conta a sua alegada situação de insolvência se justificou por ser desconhecida do tribunal;


- Mas que, sendo confirmada, não justifica a alteração da decisão recorrida, antes a possibilidade de ser solicitada pela arguida condenada, no processo, após trânsito, a alteração da condição ou do tempo do seu cumprimento, nos termos legalmente previstos no Código Penal.


- Sendo parecer do Ministério Público que a decisão recorrida deverá ser integralmente mantida, julgando-se improcedente o recurso.


Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal, não tendo havido resposta.


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Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.


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II. FUNDAMENTAÇÃO


A matéria de facto provada que provém da 1ª instância, com a modificação operada pelo acórdão da Relação recorrido [assinalada a negrito], é a seguinte:


“(…).


1. A arguida titula uma conta à ordem com o n° .............00, onde é creditado o seu vencimento, e que utiliza frequentemente, tendo associada uma conta à margem (ou conta ordenado) de € 1.000,00.


2. Este "plafond" vigora na conta desde 2008.10.23, tendo a sua atribuição sido efectuada pelo utilizador .....78 (HH), funcionário da CGD, e à data do facto, colocado na Agência desta sita à ....


3. No período compreendido entre 2009.02.09 e 2010.09.09 foram efectuadas diversas operações de criação, alteração e anulação à conta à margem e ao limite de descoberto negociado (LDN) da conta titulada pela arguida.


4. O quadro seguinte sintetiza essas operações e contextualiza-as com os movimentos que lhes sucederam na conta à ordem:


(ver quadro inserido na decisão que aqui não foi possível inserir)


(...)


Total de crédito concedido inicialmente: € 10,250,00 10.


10. As contas cartão n°s .........85,.........17, .........08, .........93 e .........35, têm os respectivos documentos de suporte, designadamente despacho superior a sancionar a concessão das mesmas,


11. Relativamente às contas cartão atribuídas até 2006.05.22 não foi possível obter documentos de suporte atendendo a que estes não existem.


12. As contas cartão Leve, Caixa Woman e LA Card, domiciliadas na Agência da ..., tiveram os seus limites de crédito aumentados de forma progressiva e significativa, no período compreendido entre 2008.07.29 e 2010.10.13, nos termos que se discriminam:


(ver quadro inserido na decisão que aqui não foi possível inserir)


5. A arguida utilizou, também, a "password" da Gerente DD, e a "password" .....01, que pertencia ao funcionário II, gerente bancário, para aumentar os limites de crédito das contas cartão LEVE e Caixa Woman, em 2009.02.18.


6. Esta situação ocorreu na ausência da Gerente da ..., em que a gestão do balcão era assumida pelo Gerente II.


7. A arguida utilizou os limites de crédito das contas cartão por si tituladas, no período compreendido entre Março de 2008 e Outubro de sendo o montante global em dívida em 2011.03.14 de € 51.627.44.


5. A arguida apropriou-se das quantias monetárias acima descritas, que utilizou em seu próprio benefício sendo que logrou obtê-las prevalecendo-se do seu acesso ao sistema informático da CGD atenta a sua qualidade de funcionário desta instituição, apropriação esta que bem sabia que efetuava de forma irregular.


6. CC é Cliente da CGD desde 1999.12.13, e tem como órgão gestor a Agência da ... da CGD, e como morada principal na Base de Dados de Clientes a residência da aqui arguida, morada esta que era dada pela arguida para poder controlar os extractos que assim lhe eram enviados para sua casa.


8. Em 1999.12.13, foi aberta a conta n.º .............30, titulada pela mãe da arguida e pela Sra. CC.


9. Da análise ao respectivo extracto, que entre 2003 e Dezembro de 2007 verifica-se que aquela foi utilizada pela aqui arguida quase exclusivamente para efectuar operações de "cash advance" e amortizações de contas cartão.


10. Na sequência dessa movimentação relacionada com cartões de crédito, a conta apresentava, em 2011.03.16, um saldo negativo de € 7.489.0, referente aos pagamentos dos valores mensais de um cartão Caixa Woman (titulado pela cliente CC), e respectivas comissões de cobrança a descoberto.


11. Em 2009.06.02, foi atribuída uma conta cartão "LA Card" à cliente CC, com o nº .........35, e um limite de crédito de € 2.500.00.


12. Este limite foi sendo, sucessivamente, aumentado, nos termos que se seguem:


(ver quadro inserido na decisão que aqui não foi possível inserir)


13. Estas alterações foram efetuadas pela arguida, que, para esse efeito, utilizou, a "password' da Gerente DD.


14. Em 2009.07.09 foi, também, atribuída à Sra. CC uma conta cartão “Caixa Woman", com o nº .........14 e limite de crédito de € 4.250,00.


15. A proposta de adesão à referida conta cartão, subscrita pela cliente Sra. CC, não tem qualquer despacho de decisão superior por parte da CGD, como é necessário, encontrando-se apenas o documento certificado informaticamente com a "password" da arguida AA, .....76. Esta proposta foi assim autorizada pela própria arguida, com a "password' da Gerente (.....18).


26. Sem documentos físicos de suporte e com recurso à mesma "password", a arguida, logrou assim aumentar o limite de crédito daquela conta para € 5.000,00, em 2010.05.07.


27. Em 2011.03.16, os valores em dívida da conta à ordem e contas cartão em nome da CC eram os seguintes.


28. (ver quadro inserido na decisão que aqui não foi possível inserir)


(...)


Total = € 26.047.56


29. Estes valores foram utilizados em proveito próprio da arguida ou desta sua familiar, sendo certo que a arguida apenas logrou aceder aos mesmos prevalecendo-se do seu acesso ao sistema informático da CGD atenta a sua qualidade de funcionaria desta instituição, apropriação esta que bem sabia que efectuava de modo irregular.


30. BB é cliente da CGD desde 1991.05.30, tem como morada principal na Base de Dados a da aqui arguida, morada esta que era dada por esta para poder controlar os extractos, que assim lhe eram enviados pela CGD para sua casa.


31. Titula duas contas à ordem, a conta n.º .............30 (referenciada a propósito das intervenções da cliente CC, que é segunda titular) e a nº .............00, que, em 2011.03.16, tinha saldo € 0,00, e que foi utilizada, maioritariamente, para operações de "cash advance" e amortização de contas cartão.


32. Em 2005.10.06, foi atribuída à cliente uma conta cartão "Impar", com o nº .........08 e limite de crédito de € 1.500,00. Este cartão está associado à conta da Agência da CGD de ....


33. Também em 2005.10.06, foi atribuída à cliente Sra. BB uma conta cartão "Caixa Classic Visa", com o nº .........30 e limite de crédito de € 1.500,00. A conta cartão Classic está associada à conta à ordem domiciliada na Agência de ....


34. Em 2009.04.16, foi atribuída à aludida cliente, na Agência da ..., a conta cartão "Caixa Classic Master Card" nº .........44, com limite de crédito de € 2.000,00.


35. Esta atribuição foi efectuada pela arguida, com recurso à "password" da Gerente da agência da ....


36. A conta teve o respectivo "plafond" aumentado, nos termos que se seguem:


(...)


36. Os aumentos dos limites de crédito foram, igualmente, efectuadas na Agência da Merceana pela arguida, utilizando a "password" da Gerente da Agência, sem qualquer documento físico de suporte que autorizasse tais aumentos.


37. Em 2011.03.16, os valores em dívida das contas titulada por BB eram


(...)


(ver quadro inserido na decisão que aqui não foi possível inserir)


Total = € 17.398,00


38. Estes valores foram utilizados em proveito próprio da arguida ou desta sua familiar, sendo certo que a arguida apenas logrou aceder aos mesmos prevalecendo-se do seu acesso ao sistema informático da CGD atenta a sua qualidade de funcionaria desta instituição, apropriação esta que bem sabia que efectuava de modo irregular.


JJ, pai da arguida, era cliente desde 1991.05.30, tem como morada principal na Base de Dados a da denunciada AA, morada esta que era dada pela arguida para poder controlar os extractos que assim lhe eram enviados para sua casa.


39. Titula duas contas à ordem, nomeadamente a nº ............00 (que utiliza regularmente para crédito da pensão, compras e pagamentos e que, em 2011.03.16, tinha o saldo zero) e a nº .............00 (de que é co-titular com BB, mãe da arguida).


40. Em 2005.09.08, foi atribuída ao cliente uma conta cartão "Impar", com o nº .........93 e limite de crédito de € 1.000,00. O órgão gestor onde foi registada e aprovada foi a Agência de ....


41. Em 2005.10.06, mas na Agência da ..., foi atribuída ao mesmo cliente a conta cartão “Caixa Classic Visa", com o nº .........39 e limite de crédito de € 1.500,00.


42. Aquele limite foi aumentado, em 2009.09.23, para € 3.000,00, e a "password' utilizada para o efeito foi a da Gerente, com o nº ".....18".


43. Já em 2009.08.21, na Agência da ..., foi atribuída ao dito cliente a conta cartão “Caixa Classic Master Card", com o nº .........27 e limite de crédito de € 4.000,00.


44. A atribuição dos cartões e alteração dos limites de crédito foi da autoria da arguida, com recurso à "password" da Gerente da agência da CGD da... e sem documentos físicos de suporte.


45. Aquele limite foi aumentado duas vezes, a saber: (ver quadro)


(...)


46. Os aumentos dos limites de crédito foram, igualmente, efectuados na Agência da ...pela arguida, utilizando a "password" da Gerente da Agência e sem qualquer documento de suporte que autorizasse tais aumentos.


47. Em 2009.10.07, igualmente na Agência da ..., foi atribuída ao Sr. JJ a conta cartão “Leisure", com o nº .........06 e limite de crédito de € 3.500,00. Foi adoptado pela arguida o mesmo procedimento na atribuição da conta cartão anterior.


48. Aquele limite foi sendo aumentado de forma sucessiva, conforme o seguinte quadro:


49. (ver quadro inserido na decisão que aqui não foi possível inserir)


(...)


50. Os aumentos dos limites de crédito foram, igualmente, efectuados na Agência da ... pela aqui arguida, utilizando a "password" da Gerente da Agência, sem qualquer documento de suporte que autorizasse tais aumentos.


51. Em 2011.3.16., os valores em dívida das contas cartão em nome do cliente JJ eram os seguintes:


(...)


(ver quadro inserido na decisão que aqui não foi possível inserir)


Total: 30.512.67 euros.


52. Estes valores foram utilizados em proveito próprio da arguida ou deste seu familiar, sendo certo que a arguida apenas logrou aceder aos mesmos prevalecendo-se do seu acesso ao sistema informático da CGD atenta a sua qualidade de funcionária desta instituição, apropriação esta que bem sabia que efectuava de forma irregular.


53. A arguida ao agir nos termos supra descritos agiu com intenção de obter benefício patrimonial directo para si, através das sucessivas alterações aos limites de crédito dos cartões a que tinha acesso, e aumento dos limites de descoberto, por forma a criar disponibilidades financeiras rápidas e de que necessitava, para poder fazer face aos seus encargos pessoais.


54. E actuou desse modo, de forma livre e deliberada, com recurso a uma "password' que lhe havia sido confiada pela Gerente, DD, para a execução de tarefas da Agência, que careciam de uma "password" superior para esse efeito.


A dívida resultante de capital e juros das quantias utilizadas pela arguida decorrentes os aumentos de plafond do limite de crédito dos cartões em posse da arguida e do aumento do limite de descoberto da conta à ordem da arguida ascende ao montante de € 135.506,68,


55. A dívida de capital da arguida ascende a 77.177,67 €.


56. A arguida agiu livre, deliberada e com perfeito conhecimento da ilicitude da sua conduta.


57. Em data anterior à apresentação de queixa, a arguida procedeu ao pagamento do montante que tinha a descoberto na conta à ordem.


58. A arguida trabalha presentemente como administrativo, auferindo o vencimento mensal de 750 euros. Reside em casa cedida pela qual não paga qualquer prestação, com 2 filhos. Recebe mensalmente a quantia de 300 Euros de pensão de alimentos dos filhos.


59. A arguida não tem antecedentes criminais.


Facto não provado 1, que passou a facto provado:


- A gerente da agência da CGD da ... não tivesse conhecimento ou não tivesse autorizado as operações bancárias descritas na matéria de facto provada, efectuadas pela arguida com recurso à password que aquela lhe havia cedido para o desempenho das funções que a arguida desempenhava, algumas delas informalmente delegadas pela gerente.


Facto não provado 2, que passou a facto provado:


- A arguida tivesse agido com intenção de causar prejuízo patrimonial à queixosa.


(…)”.


Com a modificação da matéria de facto provada operada pelo acórdão da Relação recorrido, deixaram de existir factos não provados.


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Âmbito do recurso


Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.


As conclusões constituem, pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.


Consistindo as conclusões num resumo do pedido, portanto, numa síntese dos fundamentos do recurso levados ao corpo da motivação, entre aquelas [conclusões] e estes [fundamentos] deve existir congruência.


Assim, as questões que integram o corpo da motivação só podem ser conhecidas pelo tribunal ad quem se também se encontrarem sumariadas nas respectivas conclusões. Quando tal não acontece deve entender-se que ocorreu uma restrição tácita do objecto do recurso.


O mesmo modo, também não deve ser conhecida questão referida nas conclusões, que não tenha sido tratada no corpo da motivação (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, Vol. 3, 2020, Universidade Católica Editora, pág. 335 e seguintes).


Por conseguinte, atentas as conclusões formuladas pela recorrente, as questões a decidir no presente recurso, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, por ordem de precedência lógica, são:


- A nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia;


- A existência de erro notório na apreciação da prova;


- A modificação da decisão de facto pela via da impugnação ampla da matéria de facto;


- A violação do princípio da livre apreciação da prova;


- A caducidade do exercício do direito de queixa;


- A incorrecta determinação da pena aplicada por violação do art. 71º do C. Penal.


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Da nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia


1. O regime específico da nulidade da sentença penal encontra-se previsto no art. 379º do C. Processo Penal, sendo o mesmo, como se dispõe no nº 4 do art. 425º do referido código, aplicável aos acórdãos proferidos em recurso.


O nº 1 do mencionado art. 379º enumera as três nulidades da sentença penal, a saber: na alínea a) a falta de fundamentação; na alínea b) a condenação por factos diversos dos descritos na acusação ou a pronúncia, se a houver, e; na alínea c) a omissão e o excesso de pronúncia.


In casu, a recorrente invoca a nulidade do acórdão da Relação por omissão de pronúncia.


Existe omissão de pronúncia quando o tribunal não conheça de questões que devesse apreciar.


Nas questões a apreciar incluem-se as questões de conhecimento oficioso e as questões que foram submetidas à sua apreciação pelos sujeitos processuais, desde que sobre elas não esteja legalmente impedido de se pronunciar.


Por questão deve entender-se o problema concreto, de facto ou de direito, a decidir, e não, os motivos, os argumentos, os pontos de vista e as posições doutrinárias convocados pelos sujeitos processuais em abono da pretensão formulada, por isso que, quanto a estes [motivos, argumentos, pontos de vista e posições doutrinárias] não se coloca nunca a possibilidade de o tribunal omitir pronúncia (Oliveira Mendes, Código de Processo Penal Comentado, obra colectiva, 2014, Almedina, pág. 1182, José Mouraz Lopes, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo IV, 2022, Almedina, pág. 801, e acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Janeiro de 2018, processo nº 388/15.9GBABF.S1, de 24 de Outubro de 2012, processo nº 2965/06.0TBLLF.E1 e de 16 de Setembro de 2009, processo nº 08P2491, in www.dgsi.pt)


A recorrente sustenta a invocada nulidade, em síntese, nos termos seguintes:


- Tendo a 1ª instância proferido decisão absolutória, a assistente Caixa Geral de Depósitos, SA, no recurso que interpôs para o Tribunal da Relação de Lisboa, visando a sua [da recorrente] condenação no pedido de indemnização que deduziu, alegou que este se fundava nos prejuízos causados pela prática de um crime, quando a actuação da assistente nos tribunais civis revela que o valor peticionado tem a sua fonte numa relação contratual, circunstância esta impeditiva do seu conhecimento no âmbito do processo penal;


- Com efeito, no processo de insolvência da recorrente, a assistente reclamou como créditos os saldos dos cartões de crédito que integram o objecto dos presentes autos e respectivos juros, da mesma forma que nos processos de injunção em que demandou as suas [da recorrente] familiares, peticionado os plafonds de cartões de crédito que igualmente integram o objecto dos presentes autos, correspondendo o somatório destas saldos e plafonds ao montante do pedido civil deduzido, daqui decorrendo a requerida litigância de má-fé da assistente;


- Porém, o acórdão da Relação recorrido apenas relevou o recurso do Ministério Público, não tendo conhecido de qualquer outra questão, designadamente, a do pedido de litigância de má-fé, em conjugação com o pedido de indemnização da assistente, assim dando causa à sua nulidade;


- Nulidade esta que se estende ao Dispositivo da decisão da Relação onde nada é referido sobre o pedido de indemnização e apenas se contempla a quantia em dívida, em sede de fixação de condição da suspensão da pena de prisão decretada.


A assistente e recorrida Caixa Geral de Depósitos, SA, na resposta apresentada ao recurso, e quanto à nulidade, alega, em síntese:


- Não assiste razão à arguida pois o acórdão da Relação recorrido pronunciou-se expressamente sobre o prejuízo patrimonial causado por aquela, sobre o pedido civil e sobre a questão da alegada responsabilidade contratual, afirmando, além do mais, que a conduta criminosa da arguida gerou prejuízos à assistente;


- Face a esta afirmação do acórdão recorrido, ficou implicitamente prejudicado o pedido de litigância de má-fé, sendo pacificamente entendido pela doutrina e pela jurisprudência não existir, nesta situação, omissão de pronúncia;


- Aliás, se, em tese, a Relação concluísse pela existência de má-fé da assistente, entraria em contradição com a fundamentação do pedido civil, ao considerar estarem verificados danos causados pela conduta criminosa da arguida;


- Acresce que a arguida, para suportar o pedido de litigância de má-fé, juntou com a alegação de recurso diversos documentos, junção manifestamente tardia atento o disposto no art. 165º do C. de Processo Penal, e que, por isso, não foram considerados pela Relação;


- Acresce ainda que, a assistente, no processo de insolvência da arguida, deu nota de que esta aguardava o julgamento pela prática de crime de burla informática, decorrente da utilização abusiva dos cartões de crédito, enquanto nos processos de injunção, porque a arguida não era a titular dos cartões envolvidos mas, apenas, a sua real beneficiária, o sistema informático não detectou que tais cartões estavam associados ao processo crime, tratando-os como cartões negociados e não pagos, mas mal foi detectado o erro, a assistente não prosseguiu com as injunções;


- Assim, cai por terra a pretendida contratualização dos cartões e a alegada litigância de má-fé.


Vejamos, então.


2. O instituto da litigância de má-fé, com relevância, essencialmente, no âmbito do processo civil, resulta da necessidade de sancionar de forma especial o litigante temerário, impondo-lhe a condenação em multa e em indemnização à parte contrária, se esta a pedir (art. 542º, nº 1 do C. Processo Civil).


Naturalmente que o tribunal só estará em condições de saber se o pedido do autor e/ou a defesa do réu têm fundamento legal quando profere a decisão. Só no momento da prolação da sentença pode o juiz aferir se a parte agiu no convencimento de que tinha razão, portanto, se agiu de boa-fé, ou se, pelo contrário, actuou com dolo ou negligência grave, portanto, se actuou de má-fé, caso em que a sua conduta ilícita justifica a agravação da sua responsabilidade (José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 3ª Edição – Reimpressão, 1981, Coimbra Editora, pág. 255 e seguintes e António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 2ª Edição, 2020, Almedina, pág. 615 e seguintes).


A má-fé, dolosa ou com negligência grave, pode ser substancial, quando a parte deduza pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não deva ignorar, altere a verdade dos factos ou omita factos relevantes para a decisão da causa (alíneas a) e b) do nº 1 do art. 542º do C. Processo Civil), e pode ser instrumental, quando a parte omita de forma grave o dever de cooperação, ou tenha feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, visando alcançar um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão (alíneas c) e d) do mesmo número e artigo).


Sabido que é que da prática de um crime pode resultar a violação de direitos de terceiros, designadas, em sentido amplo, por ofendidos, torna-se necessário o estabelecimento de regras disciplinadoras das relações entre a entre a acção penal e a acção civil emergentes do mesmo ilícito típico.


Neste âmbito, vigora o princípio da adesão, com assento no art. 71º do C. Processo Penal, nos termos do qual, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.


A opção do legislador por este sistema – temperado, no entanto, por diversas excepções, previstas no art. 72º do mesmo código – radica em motivos de economia processual, de uniformização de julgados e de maior celeridade e eficácia na efectivação do direito
à indemnização.


Dito isto.


3. A recorrente foi pronunciada pela prática, em autoria material, de um crime de burla informática, p. e p. pelo art. 221º, nºs 1 e 5 do C. Penal, com referência ao art. 202º, b) do mesmo código.


Nesta decorrência, a assistente Caixa Geral de Depósitos, SA deduziu pedido de indemnização civil contra a recorrente, com vista à sua condenação no pagamento da quantia de € 135835,67, por danos patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora desde a data em que ocorreu o desapossamento até integral pagamento.


Depois de vicissitudes várias – a recorrente foi absolvida por acórdão da 1ª instância de 30 de Junho de 2015, da prática do imputado crime e do pedido de indemnização civil contra si deduzido, vindo a Relação de Lisboa, por acórdão de 19 de Abril de 2016, a ordenar o reenvio parcial do processo para novo julgamento – foi em 12 de Outubro de 2021 proferido acórdão da 1ª instância que absolveu a recorrente, na matéria penal e na matéria civil.


Interposto recurso para a Relação de Lisboa pelo Ministério Público e pela assistente Caixa Geral de Depósitos, SA, foi proferido em 22 de Junho de 2022 o acórdão recorrido, do qual consta a seguinte argumentação:


“(…).


E actuou desse modo, de forma livre e deliberada, com recurso a uma "password' que lhe havia sido confiada pela Gerente, DD, que a convidara para trabalhar com ela por nela confiar, para a execução de tarefas da Agência, que careciam de uma "password" superior para esse efeito.


A divida resultante de capital e juros das quantias utilizadas pela arguida decorrentes os aumentos de plafond do limite de crédito dos cartões em posse da arguida e do aumento do limite de descoberto da conta à ordem da arguida ascende ao montante de € 135.506,68,


A divida de capital da arguida ascende a 77.177,67 €.


A arguida é nitidamente autora do crime pelo qual vinha acusada provando-se claramente o dolo que resulta de toda a sua actuação e sendo absolutamente indiferente que a gerente soubesse ou não o que ela fazia com a password e com o cartão.


(…).


A intenção foi sempre a de obter para si e para terceiro enriquecimento ilegítimo utilizando incorreta e indevidamente dados, aumentando plafons e efetuando a cobertura dos saldos negativos de umas contas com o aumento de plafons nas outras contas. Ou seja criando várias contas que, com saldo negativo, ou seja com gastos já acima do plafon autorizado pela CGD, ao fim de um tempo teria de pagar juros ao Banco sobre o crédito concedido, a arguida não o fazia porque , aumentando os plafons de outras contas, também sem autorização da CGD, cobria o saldo negativo sem ter de avançar com juros, manuseando assim quantias monetárias, não autorizadas com as quais o Banco não contava que fossem manuseadas.


(…).


Ora utilizando indevidamente um cartão profissional que deveria ter utilizado apenas como funcionária da CGD, praticou actos que não lhe competia praticar em seu proveito próprio e, que sabia não poder praticar como muito bem se diz no voto de vencido e, causou prejuízo à CGD.


É absolutamente consciente e intencional a conduta da arguida, utilizando e introduzindo dados vai-se locupletando á custa dos dinheiros depositadas na CGD e por esta administrados e geridos, sem as autorizações necessárias.


A arguida agiu representando a realização de prejuízo patrimonial à ofendida, como consequência necessária da sua conduta de obter enriquecimento ilegítimo.


A atuação da arguida gerou um prejuízo patrimonial à ofendida no valor de € 135.835,67 (cento e trinta e cinco mil oitocentos e trinta e cinco euros e sessenta e sete cêntimos).


É evidente e resulta como consequência direta da atuação da arguida a intenção de enriquecimento patrimonial desejada pela própria, a qual proporcionou um aumento da liquidez que a mesma necessitava, determinando um prejuízo patrimonial CGD que foi apurado e resulta da prova produzida em audiência e da documentação junta aos autos.


Obviamente que tinha consciência da censurabilidade da sua conduta, que se traduz na cognoscibilidade de que, estava a actuar contra o direito, tendo em conta as funções que exercia e o conhecimento dos mecanismos necessários para a concessão de plafon e abertura de contas.


(…).


E não se argumente que existia um contrato e uma relação negocial, não existia nada disso, já que a CGD desconhecia completamente o que se passava.


É verdade que a emissão de cartão de crédito tem subjacente um negócio jurídico bilateral, misto, oneroso, intuitu personae, de trato sucessivo, de adesão. À data da emissão de cartões de crédito e do aumento do limite de crédito, a ofendida não havia formado e manifestado uma vontade negocial juridicamente relevante.


Havia? Sim, mas individualmente e variadas, no entanto apenas unilaterais ou se bilaterais, em nome da CGD sem para tanto estar mandatada ou autorizada.


Na verdade e como muito bem diz o Mmo Juiz que votou vencido, não existem duas ou mais declarações de vontade, contrapostas entre si mas perfeitamente harmonizáveis. Não existe contrato de cartão de crédito porque a ofendida não quis, nem emitiu vontade que juridicamente a vinculasse.


Inexistindo tal contrato - cuja validade formal impõe a forma escrita e, por isso, de todo o modo seria nulo (cfr. artigos 220 e 286, do Código Civil) significa que a relação de crédito resultante ativamente para a ofendida não é enformada pelas cláusulas e nomas jurídicas típicas de um contrato de crédito ou de cartão de crédito.


Ou seja, se é reconhecido o direito de crédito da ofendida, tal deve-se a um dano (elemento típico da responsabilidade civil extracontratual, mas também criminal, denominado como prejuízo patrimonial, típico com crime de burla informática.


O direito da ofendida vence, assim, juros civis, porque resultante da indemnização a que tem direito por facto ilícito extracontratual, já que contrato não há nenhum, pois pressupunha a existência de uma vontade livre e esclarecida na sua génese.


Verifica-se o preenchimento do crime de burla informática p.p.p. artº 221º CP que implica a aplicação de uma pena concreta.


E demonstram-se provados os factos dados como não provados referidos pelo MP.


A arguida agiu com intenção de se apropriar dos montantes referidos sabendo que com a sua actuação iria causar prejuízo patrimonial à queixosa CGD, como causou e actuou sem que a gerente que lhe forneceu o cartão e a password, soubesse da sua actuação em proveito próprio.


Mas mesmo que soubesse, como já dissemos, a sua conduta não deixa de preencher o tipo, não deixa de estar claramente demonstrada face às funções desempenhadas.


A arguida é funcionária da CGD, trabalha com dinheiros com contas, com movimentos de contas, autorizações de contas sabe tudo o que é necessário para proceder ao aumento de plafons e as consequências de descer abaixo dos plafons assim como ao requisito para obter aumento dos ditos e os ditos.


A arguida preencheu com a sua conduta o tipo legal de crime pelo qual foi acusada.


(…).


Dos segmentos transcritos resulta o entendimento da Relação de que a provada conduta da recorrente preenche o tipo, objectivo e subjectivo, do crime de burla informática, que a assistente, por via de tal conduta, sofreu um dano patrimonial, pressuposto da responsabilidade civil extracontratual, no montante de € 135.835,67, e que, entre a recorrente e a assistente, devido à conduta abusiva da primeira, e a ausência de uma vontade expressa da segunda, não se formou qualquer contrato válido tendo por objecto os cartões de crédito que integram o objecto dos autos.


Tendo a Relação reconhecido o direito da assistente a ser indemnizada pela recorrente, pelos danos patrimoniais que com a sua conduta lhe causou, bem como, o direito aos respectivos juros, e tendo considerado provado como valor de danos e juros, um valor muito próximo do montante peticionado pela assistente no pedido de indemnização civil deduzido, evidente se torna que nunca poderia considerar a conduta processual desta como litigância de má-fé, dada a impossibilidade de a subsumir à previsão de qualquer das alíneas do nº 2 do art. 542º do C. Processo Civil.


É certo que a Relação não fez qualquer referência expressa ao pedido da recorrente de condenação da assistente como litigante de má-fé, mas a existência de omissão de pronúncia relativamente a uma questão como esta, de natureza claramente marginal – sendo, aliás, estranho que a recorrente, na conclusão 10) formulada, qualifique o pedido de litigância de má-fé como causa extintiva do procedimento, apta a por termo imediato ao processo – passa pela interpretação da decisão na sua globalidade.


Nesta decorrência, convocando para tal efeito a posição da Relação quanto à tipicidade da conduta da recorrente, quanto ao direito da assistente a ser indemnizada pelos danos causados pela conduta daquela, e quanto à inexistência de qualquer relação contratual validamente estabelecida entre ambas, podemos concluir que a questão da pretendida litigância de má-fé da assistente, porque completamente antagónica e incompatível com aqueles aspectos, foi tacitamente desconsiderada e indeferida (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Setembro de 2020, processo nº 2774/17.0T8STR.E1.S1, in www.dgsi.pt), inexistindo, pois, a apontada nulidade.


Deste modo, concluímos que o acórdão da Relação de Lisboa recorrido não padece da nulidade por omissão de pronúncia que lhe imputa a recorrente.


*


Da existência de erro notório na apreciação da prova


4. O C. Processo Penal coloca na disponibilidade dos sujeitos processuais dois distintos instrumentos para sindicar a matéria de facto fixada na sentença, os vícios da decisão e a impugnação ampla da matéria de facto.


Os vícios da decisão, elencados nas alíneas a) a c) do nº 2 do art. 410º do referido código, traduzem-se em defeitos lógicos da sentença e não, do julgamento, razão pela qual a sua demonstração, como estabelece a lei, só pode ser feita através do respectivo texto, por si só, ou conjugado com as regras da experiência comum, o que vale dizer que, para tal efeito, não é admissível lançar mão de elementos alheios à sentença, ainda que constem do processo.


O regime legal dos vícios da decisão não contempla a reapreciação da prova, limitando-se a actuação do tribunal ad quem à detenção do vício e a, não sendo viável a sua sanação, determinar o reenvio, total ou parcial, do processo para novo julgamento (art. 426º, nº 1 do C. Processo Penal).


Existe erro notório na apreciação da prova – vício previsto na alínea c) do nº 2 do art. 410º do C. Processo Penal – quando o tribunal a valora contra as regras da experiência comum, contra as leges artis ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito notoriedade pela circunstância de o erro não passar despercebido ao cidadão comum, por ser ostensivo. Trata-se, portanto, da adopção de um raciocínio viciado na apreciação da prova, que se torna evidente aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste, basicamente, em dar-se como provado o que não pode ter acontecido (Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 9ª Edição, 2020, Rei dos Livros, pág. 81 e seguintes).


5. Aqui chegados, cumpre esclarecer uma questão relacionada com a cognoscibilidade do fundamento do recurso em análise, pelo Supremo Tribunal de Justiça. Vejamos.


Com a epígrafe «Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça», dispõe o art. 432º do C. Processo Penal:


1. Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:


a) Das decisões das relações proferidas em 1ª instância, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 410º;


b) Das decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400º;


c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 410º;


d) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores.


2. Nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso prévio ara a relação, sem prejuízo do nº 8 do artigo 414º.


Com a epígrafe «Poderes de cognição», dispõe o art. 434º do mesmo código:


O recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do nº 1 do artigo 432º.


A regra do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça é pois, a de que ele tem por fim exclusivo o reexame da matéria de direito.


A excepção é integrada pelos casos ressalvados nas alíneas a) e c) do nº 1 do art. 432º do C. Processo Penal. Assim, sendo admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, das decisões das relações proferidas em 1ª instância, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos nºs 2 e 3 do art. 410º do mesmo código (alínea a), referida), e dos acórdãos finais proferido pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a cinco anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos nºs 2 e 3 do art. 410º do mesmo código (alínea c), referida), deve o tribunal supremo conhecer, além do mais, dos vícios da decisão invocados pelo recorrente.


A recorribilidade do acórdão da Relação de 22 de Junho de 2022 não se funda, nem na alínea a), nem na alínea c) do nº 1 do art. 432º do C. Processo Penal, mas na alínea b) do mesmo número e artigo, conjugada com o disposto nos arts. 399º e 400º, nº 1, e), parte final, do referido compêndio legal. Com efeito, trata-se de um acórdão da Relação, proferido em recurso, que aplicou pena de prisão não superior a cinco anos, substituída pela pena de suspensão da respectiva execução, com sujeição a condições.


Não se tratando, portanto, de situação subsumível à previsão das referidas alíneas a) e c) do nº 1 do art. 432º do C. Processo Penal, é-lhe aplicável a regra geral do art. 434º do mesmo diploma legal, sem a ressalva da sua parte final, o que significa, in casu e pelas sobreditas razões, que a recorrente não pode fundamentar o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça na invocação da existência do vício de erro notório na apreciação da prova, previsto na alínea c) do nº 2 do art. 410º do mesmo código.


Por outro lado, e tendo por horizonte o disposto no corpo do nº 1 do art. 410º referido e a jurisprudência fixada pelo Acórdão nº 7/95, de 19 de Outubro (Diário da República I-A, de 28 de Dezembro de 1995), só quando a correcta decisão de direito seja impossibilitada pela presença de vício decisório ou nulidade, é que o Supremo Tribunal de Justiça pode e deve deles oficiosamente conhecer.


Porém, não é esta a situação verificada nos autos.


Improcede, pois, a pretensão da recorrente.


*


Da modificação da decisão de facto pela via da impugnação ampla da matéria de facto


6. Apesar da invocação expressa pela recorrente, da presença do vício do erro notório na apreciação da prova no acórdão recorrido, analisando a argumentação apresentada para o efeito fácil é concluir que, verdadeiramente, o que pôs em causa foi o acerto da decisão de facto proferida, pretendendo agora, em recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, e lançando mão de concretos meios de prova por declarações, obter a sua modificação, ao abrigo da impugnação ampla da matéria de facto.


Já sabemos que a recorribilidade do acórdão da Relação de 22 de Junho de 2022 se funda na alínea b) do nº 1 do art. 432º do C. Processo Penal, conjugada com o disposto nos arts. 399º e 400º, nº 1, e), parte final, do mesmo código.


Por isso, nos termos do disposto no art. 434º do C. Processo Penal, o recurso só pode visar o reexame da matéria de direito, não sendo, deste modo, admissível o conhecimento pelo Supremo Tribunal de Justiça da impugnação ampla da matéria de facto deduzida.


Em suma, improcede esta pretensão da recorrente.


*


Da violação do princípio da livre apreciação da prova


7. Alega, singelamente, a recorrente que, tendo ficado provado, através de prova documental da própria assistente Caixa Geral de Depósitos, SA, que esta reclamou créditos no seu [da recorrente] processo de insolvência e também instaurou processos judiciais visando a cobrança dos valores em dívida, relativos ao incumprimento do pagamento dos créditos dos cartões de crédito titulados por CC e BB, invocando a existência de contrato, a afirmação que consta do acórdão recorrido de que resulta das regras da experiência e da lógica a não existência de um contrato ou relação negocial só permite concluir ter a Relação violado de forma clara o princípio da livre apreciação da prova.


Vejamos.


Embora não o afirme expressamente, a prova documental a que a recorrente se refere será a que juntou com a resposta que apresentou aos recursos interpostos pelo Ministério Público e pela assistente, do acórdão da 1ª instância de 12 de Outubro de 2021.


Sucede que, atento o disposto no art. 165º, nº 1 do C. Processo Penal, tal junção, já na fase de recurso, sempre seria tardia.


Por outro lado, a matéria de facto que a recorrente agora convoca, não consta dos factos provados elencados no acórdão recorrido.


Assim, e sem necessidade de maiores considerações, indemonstrada fica a alegada violação, pelo tribunal da Relação, do princípio previsto no art. 127º do C. Processo Penal.


*


Da caducidade do exercício do direito de queixa


8. Alega a recorrente que no Dispositivo do acórdão recorrido, no que à condição da suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi imposta respeita, apenas foi referida a «quantia em dívida», quantia que, como se provou, resulta de uma dívida civil, e não, de um dano causado pela prática de um crime, o que significa que, não havendo prejuízo patrimonial que conduza à prática do crime de burla informática agravada em razão do valor, p. e p. pelo art. 221º, nºs 1 e 5 do C. Penal, apenas está em causa a prática de um crime de burla informática simples, que tem natureza semi-pública, nos termos do nº 4 do artigo citado. Ora, continua, a assistente Caixa Geral de Depósitos, SA, apresentou a queixa a 29 de Dezembro de 2011, quando teve conhecimento dos factos em Outubro de 2010, , como da queixa consta, pelo que, quando a apresentou já tinham decorrido mais de treze meses sobre tal conhecimento, estando o direito extinto, carecendo o Ministério Público de legitimidade para promover o processo. E conclui pelo conhecimento oficioso da extinção do direito de queixa, com a consequente declaração de extinção do procedimento criminal, e declaração de nulidade do acórdão recorrido e imediato arquivamento dos autos.


Vejamos.


A recorrente foi pronunciada pela prática, em autoria material, de um crime de burla informática, p. e p. pelo art. 221º, nºs 1 e 5 do C. Penal, com referência ao art. 202º, b) do mesmo código, e foi condenada no acórdão da Relação recorrido, pela prática do imputado crime, na pena de três anos de prisão, suspensa na respectiva execução pelo período de quatro anos, condicionada ao pagamento à assistente, no mesmo período, da quantia em dívida e respectivos juros.


Sendo verdade que o crime de burla informática, p. e p. pelo art. 221º, nº 1 do C. Penal tem natureza semi-pública, atento o teor do nº 4 do mesmo artigo, é igualmente verdade que o crime de burla informática agravado, p. e p. pelo 221º, nºs 1 e 5 do C. Penal tem natureza pública, pois sufragamos o entendimento de que o disposto no referido nº 4 só é aplicável aos números que o antecedem (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 3ª edição actualizada, 2015, Universidade Católica Editora, pág. 862 e Almeida Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, 1999, Coimbra Editora, pág. 332).


Tutelando o bem jurídico património, tem o crime de burla informática os seguintes elementos constitutivos do respectivo tipo matricial:


[Tipo objectivo]


- Que o agente interfira no resultado de tratamento de dados, ou através de estruturação incorrecta de programa informático, utilização incorrecta ou incompleta de dados, utilização de dados sem autorização ou intervenção, por qualquer outro modo não autorizado no processamento;


- A causação de prejuízo patrimonial a terceiro;


[Tipo subjectivo]


- O dolo, o conhecimento e vontade de praticar o facto, com consciência da sua censurabilidade, aqui se incluindo, a intenção de o agente obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo.


Por fim, o crime é agravado, além do mais, quando o prejuízo causado for de valor consideravelmente elevado (alínea b) do nº 5 do art. 221º do C. Penal), portanto, quando o prejuízo exceder 200 unidades de conta avaliadas no momento da prática da infracção (alínea b) do art. 202º do mesmo código) portanto, o que exceder € 20400.


Pois bem.


Como dissemos, tem-se a matéria de facto provada por definitivamente fixada nos termos em que o foi pela Relação, no acórdão recorrido.


Não merece reparo a qualificação jurídico-penal que dela foi feita, pois que a apurada conduta da recorrente preenche, quer o tipo, objectivo e subjectivo, do crime de burla informática, quer a circunstância qualificativa do mesmo.


Assim, e sempre com ressalva do respeito devido, mostra-se infundada a afirmação da recorrente no sentido de que se provou que a «quantia em dívida» resulta de uma dívida civil, e não da prática de um crime.


Tendo a recorrente praticado um crime de burla informática agravada, p. e p. pelo art. 221º, nºs 1 e 5, b) do C. Penal, e sendo este um crime público, tem o Ministério Público legitimidade para promover o respectivo procedimento (art. 48º do C. Processo Penal), carecendo, por isso, de fundamento, a invocada extinção do direito de queixa e suas consequências.


Em suma, improcede esta pretensão da recorrente.


*


Da incorrecta determinação da pena aplicada por violação do art. 71º do C. Penal


9. Embora a recorrente, na parte final do corpo da motivação, confira à questão a tratar o título, «Impugnação da determinação da moldura penal aplicada à arguida, por violação do art. 71º do C.P.», que repetiu na conclusão 40 formulada, lida a argumentação apresentada, fácil é concluir não ser este, exactamente, o objecto de tal questão.


Com efeito, depois de questionar os termos em que a substituição da pena de três anos de prisão pela pena de suspensão da respectiva execução foi explicitada, o que a recorrente sindica é a fixação da condição imposta, face ao volume dos seus rendimentos, concluindo ter sido violado o princípio constitucional da igualdade e a imposição, na prática, de uma pena de prisão efectiva, afirmando não ter o tribunal assegurado os seus direitos, conforme lhe é imposto pelo art. 202º da Lei Fundamental, o que determina a nulidade do acórdão.


A determinação da medida concreta da pena de prisão e da sua substituição [conjuntamente tratadas], mereceu a atenção do acórdão recorrido, nos termos que seguem:


“(…).


De acordo com o disposto no artigo 50º CP o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.


A suspensão da execução da pena de prisão é um meio em si mesmo autónomo de reação jurídico-criminal, configurada como pena de substituição, que se baseia em juízo de prognose favorável ao condenado, desde que não fiquem prejudicadas as finalidades de punição.


O primeiro pressuposto indispensável para a suspensão da execução da pena de prisão é a circunstância de ao arguido ter sido aplicada uma pena inferior a cinco anos de prisão, sendo então obrigatório equacionar essa substituição no cumprimento de um poder-dever ou poder vinculado [No sentido de que se trata de um poder dever, MAIA GONÇALVES, MANUEL LOPES: “(..) Trata-se de um poder- dever, ou seja de um poder vinculado do julgador que terá que decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os pressupostos. ( ..)". -in ob. citada supra, pág. 201 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.03.2004, disponível in www.dgsi.pt.]


Para além do requisito de ordem formal referente ao tempo de prisão aplicado ao arguido, é necessário que se verifiquem os requisitos de ordem material (pressuposto material) indicados na segunda parte do n.º 1 daquele artigo 50.º e que fundamentam um juízo de prognose favorável, ou seja, a conclusão de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.


O primeiro pressuposto indispensável para a suspensão da execução da pena de prisão é a circunstância de ao arguido ter sido aplicada uma pena inferior a cinco anos de prisão, sendo então obrigatório equacionar essa substituição no cumprimento de um poder-dever ou poder vinculado. [No sentido de que se trata de um poder dever, MAIA GONÇALVES, MANUEL LOPES: “(..) Trata-se de um poder- dever, ou seja de um poder vinculado do julgador que terá que decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os pressupostos. ( ..)". -in ob. citada supra, pág. 201 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.03.2004, disponível in www.dgsi.pt.]


Para além do requisito de ordem formal referente ao tempo de prisão aplicado ao arguido, é necessário que se verifiquem os requisitos de ordem material (pressuposto material) indicados na segunda parte do n.º 1 daquele artigo 50.º e que fundamentam um juízo de prognose favorável, ou seja, a conclusão de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.


A suspensão da pena tem, pois, um sentido pedagógico e reeducativo, sentido norteado, por sua vez, pelo desiderato de afastar, tendo em conta as concretas condições do caso, o delinquente da senda do crime.


Em suma, desde que as exigências de prevenção especial fiquem asseguradas, a pena de prisão só não deve ser suspensa na sua execução se a esta decisão se opuserem as exigências mínimas de prevenção.


No caso dos autos a arguida não tem antecedentes criminais, tem família pela qual é responsável e estamos em crer que tudo não passou de um mau momento em que não teve em conta as responsabilidades a que está vinculada.


Ponderadas todas estas circunstâncias, entende o tribunal que é de fixar à arguida a pena de prisão de 3 anos de prisão numa medida abstrata entre 2 a 8 anos e tendo em conta que cometeu o ilícito em causa como funcionária da CGD.


Entende-se também que será de suspender a execução da pena à arguida porque, apesar de grave, tudo isto terá sido uma fase infeliz da sua vida, e que irá pagar as quantias com que indevidamente se locupletou.


Considerando o comportamento da arguida anterior aos factos, no que respeita às necessidades de prevenção especial, importa emitir um sério aviso para obviar que estes factos jamais se venham a repetir, colocando sob a sua pessoa uma ameaça, de modo sério, que a motive a levar a cabo, com sucesso, o seu processo de reconstituição da sua posição na sociedade e comunidade em que vive e a que pertence, em liberdade, para tal reforçando a sua vontade em não delinquir.


Entendemos que não se colocará em risco nenhuma das finalidades das penas, que têm de ser efetivamente asseguradas, sem comprometer o êxito do processo de reintegração da arguida, pelo contrário, visando assegurá-lo plenamente.


Através da ameaça da execução da pena de prisão, a arguida reforçará a sua vontade e evitará actos semelhantes, assim se afastando, definitivamente, da prática de futuros ilícitos destas ou outras naturezas como se diz no voto de vencido.


Nos termos do disposto no n.º 1 e 5, do artigo 50, do Código Penal, por se entender que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, suspender-se-á a execução da pena de prisão em que a arguida é condenada pelo período de 4 anos.


Condicionada, no entanto, a regime de prova a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do n.º 2, do referido preceito legal, artigos 51, 53 e 54, do Código Penal, por considerar-se conveniente e adequado para facilitar a integração da arguida na comunidade, devendo a D.G.R.S.P. apresentar plano de reinserção social.


(…)”.


Esta questão foi ainda incidentalmente abordada, em sede de conhecimento do pedido civil deduzido pela assistente Caixa Geral de Depósitos, SA, nos seguintes termos:


“(…).


Ora no caso em análise deduziu a CGD pedido de indemnização no montante do prejuízo sofrido que deve ser pago como condição da suspensão da execução da pena - € 135 835,67(cento e trinta e cinco mil oitocentos e trinta e cinco euros e sessenta e sete cêntimos), acrescido de juros até integral e efetivo pagamento que pode começar a ser feito mensalmente no montante de 200 euros.


(…)”.


Vejamos.


No Dispositivo do acórdão recorrido, a explicitação da condição a que ficou sujeita a substituição da pena de prisão fixada, pela pena de suspensão da respectiva execução, foi assim efectuada: «… na pena de 3 anos de prisão cuja execução será suspensa por 4 anos com a condição de liquidar a quantia em divida, e respetivos juros, à ofendida no período de tempo a que corresponde a suspensão da pena.».


Com ressalva do respeito devido, devemos reconhecer que, tratando-se do estabelecimento de uma condição de natureza económica, a fórmula seguida não é modelar. Com efeito, não dependendo o estabelecimento do pagamento da indemnização devida ao lesado, enquanto condição da aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, da dedução do pedido de indemnização civil nem da sua procedência, o perfeito entendimento de tal condição impõe a indicação do quantitativo exacto a liquidar para a sua verificação.


Não obstante, os pontos 54 […A dívida resultante de capital e juros das quantias utilizadas pela arguida decorrentes os aumentos de plafond do limite de crédito dos cartões em posse da arguida e do aumento do limite de descoberto da conta à ordem da arguida ascende ao montante de € 135.506,68] e 55 [A dívida de capital da arguida ascende a 77.177,67 €] dos factos provados contemplando esta matéria, deixam completamente esclarecida qualquer dúvida sobre o que deva entender-se por «quantia em dívida» referida no Dispositivo do acórdão recorrido, sendo certo que a recorrente revela tê-la compreendido, no essencial, considerando a subsequente argumentação crítica que apresentou.


Insurge-se a recorrente com a condição fixada para a suspensão da execução da pena de prisão porque, estando em causa, como diz, a quantia de € 135835,67, da divisão da mesma por quatro anos [ou quarenta e oito meses], resulta o valor mensal de € 2.829,90, quantia impossível de satisfazer, para quem aufere o ordenado mínimo nacional e tem as suas condições sócio-económicas, estando insolvente e tendo no respectivo processo sido formulado pedido de exoneração do passivo restante, não podendo, por isso, efectuar qualquer pagamento fora do âmbito do mesmo processo, sob pena de incorrer na prática de um crime, de tudo isto concluindo que a fixação da questionada condição significa uma condenação em prisão efectiva e a violação do princípio da igualdade, previsto no art. 13º da Constituição da República Portuguesa.


Pois bem.


a. Não consta dos factos provados que a recorrente se encontra insolvente, como também não consta que no respectivo processo tenha existido pedido de exoneração do passivo restante, o que determina a não atendibilidade da alegação feita quanto a este circunstancialismo.


b. A pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão pode revestir duas modalidades a saber, simples ou com imposição de deveres ou regras de conduta (art. 50º, nº 2 do C. Penal).


A subordinação da aplicação desta pena de substituição ao cumprimento de deveres está prevista no art. 51º do C. Penal, que dispõe:


1. A suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime, nomeadamente:


a) Pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado, ou garantir o seu pagamento por meio de caução idónea;


b) Dar ao lesado satisfação moral adequada;


c) Entregar a instituições, públicas ou privadas, de solidariedade social ou ao Estado, uma contribuição monetária ou prestação de valor equivalente.


2. Os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir.


3. Os deveres impostos podem ser modificados até ao termo do período de suspensão sempre que ocorrerem circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o tribunal só posteriormente tiver tido conhecimento.


4. O tribunal pode determinar que os serviços de reinserção social apoiem e fiscalizem o condenado no cumprimento dos deveres impostos.


Visando a suspensão da execução da pena de prisão afastar o condenado da prática futura de novos crimes e, portanto, prevenir a sua reincidência, mediante a formulação de um juízo de prognose favorável sobre a sua ressocialização em liberdade (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crimes, Aequitas/Editorial Notícias, 1993, pág. 343 e seguintes), com a imposição [ao condenado] do cumprimento de deveres pretende a lei conferir-lhe a possibilidade de reparar o mal causado pelo crime e também, fazê-lo sentir o peso da condenação, reforçando o juízo de censura e a ameaça da prisão.


Os deveres impostos não podem, como se determina no nº 2 do artigo transcrito, representar uma obrigação cujo cumprimento não seja razoável exigir ao condenado,


Assim, quando estão em causa deveres de natureza económica, torna-se necessária a formulação de um juízo de razoabilidade sobre a capacidade do condenado para dar cumprimento à condição imposta, em razão da sua situação económica e financeira. A análise a efectuar para este efeito, deve ter em conta as reais possibilidades do condenado que, contudo, não deverão ater-se apenas aos seus rendimentos certos e conhecidos, mas também, à aptidão deste para, futuramente, os poder incrementar e/ou diversificar.


No acórdão recorrido, este aspecto, mereceu duas referências. Uma, quando trata da aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, justificando-a por considerar a conduta da recorrente como o resultado de uma fase infeliz da sua vida e porque ela irá pagar as quantias de que indevidamente se apropriou. Outra, quando cuida do pedido civil, onde é determinado que o pedido de indemnização formulado pela assistente, correspondente ao prejuízo sofrido, deve ser pago, como condição de suspensão da pena, podendo começar a ser feito mensalmente, no montante de € 200.


A abordagem feita é claramente escassa e equívoca, além do mais, porque, para o pagamento total de uma indemnização que excede os € 135000, propõe uma amortização mensal de € 200, o que significa um somatório de € 9600, no termo do período quatro anos de suspensão da execução de pena de prisão.


Vejamos.


As provadas condições pessoais da recorrente, que constam do ponto 58 dos factos provados [A arguida trabalha presentemente como administrativa, auferindo o vencimento mensal de 750 euros. Reside em casa cedida pela qual não paga qualquer prestação, com dois filhos. Recebe mensalmente a quantia de 300 Euros de pensão de alimentos dos filhos] permitem concluir que tem uma situação económica modesta. Com efeito, estamos perante um agregado familiar composto por três pessoas, com um rendimento mensal global de € 1050, sem encargos com habitação, mas com as despesas que, notoriamente, resultam da satisfação de necessidades básicas, como alimentação, vestuário, educação, saúde, energia, água e cultura.


A situação económica e financeira da recorrente, objectivamente considerada, mantendo-se as referidas circunstâncias, não permitirá a restituição à assistente Caixa Geral de Depósitos, SA, da quantia de € 135835,67 [que a própria recorrente considerou], correspondente ao montante indicado pela assistente no pedido civil deduzido, ao longo de quatro anos, em parcelas mensais de € 2.829,90, e também não lhe permitirá restituir a quantia devida, de acordo com os factos provados, de 135.506,68 – sendo de € 77177,67 o montante correspondente ao capital [o que significa que a diferença – € 58328,01 – respeita a juros remuneratórios] –, à razão de uma parcela mensal de € 2823,05.


Claro fica, pois, que as actualmente conhecidas possibilidades económicas e financeiras da recorrente só permitem, com razoabilidade, a satisfação de uma ‘prestação’ mensal em quantitativo modesto, pouco superior, diríamos mesmo, aos € 200 adiantados no acórdão recorrido.


Contudo, a recorrente é uma cidadã de meia-idade [consta do Relatório do acórdão da 1ª instância de 12 de Outubro de 21, ter nascido a ...de Novembro de 1971], com anterior experiência profissional na actividade bancária, sendo razoável admitir que tem potencial para lograr alcançar posição profissional mais favorável em termos remuneratórios, melhorando a sua situação económica e financeira.


Bem sabemos que ter potencial não é a garantia de ser alcançada a meta desejada, mas a prognose favorável que permitiu à Relação decretar a pena de substituição pressupõe, como expectável, uma atitude interior da recorrente, no sentido de fazer tudo o que estiver humanamente ao seu alcance, para remediar, na medida do possível, o mal causado pela sua conduta.


Fixar a condição económica numa fasquia que se afigura inalcançável, frustrará, ab initio, o fim pedagógico e socializador visado pela suspensão da execução da pena de prisão, levando o condenado a nada fazer para reparar o mal causado.


Deste modo, deve a condição económica fixada ser reduzida para um quantitativo que mantenha abertas, para a recorrente, perpsectivas minimamente fiáveis do seu cumprimento e, nessa medida, a incentive a desenvolver esforços para atingir esse desiderato.


c. Em conclusão, atentas as presentes condições sócio-económicas e financeiras da recorrente e as eventuais melhorias que lhe poderão advir, considera-se mais adequado e razoável fixar a condição económica em quantitativo situado ainda acima de metade do capital indevidamente apropriado, mais concretamente, em € 45000.


O cumprimento da condição deverá ocorrer no período de suspensão da execução da pena de prisão.


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10. O pedido civil deduzido pela assistente Caixa Geral de Depósitos, SA e o tratamento que mereceu no acórdão da Relação recorrido, suscita uma outra problemática. Explicando.


A assistente peticionou nos autos, como sabemos, a condenação da recorrente no pagamento da quantia de € 135 835,67, acrescida de juros, até integral pagamento.


Por acórdão da 1º instância de 12 de Outubro de 2021 foi a recorrente absolvida da prática do crime imputado e do pedido de indemnização civil deduzido pela assistente.


O Ministério Público e a assistente recorreram da decisão absolutória para a Relação de Lisboa, tendo a assistente expressamente submetido – conclusão 10 – ao conhecimento do tribunal ad quem, a questão da procedência do pedido civil deduzido.


O acórdão da Relação recorrido, de 22 de Junho de 2022, conheceu desta questão, na parte final da fundamentação de direito, sob o título, Quanto ao pedido cível, nos seguintes termos:


«O pedido de indemnização civil deduzido em processo penal tem de ser sempre fundado na prática de um crime. É o caso. O que, desde logo, significa que o facto constitutivo da sentença condenatória em matéria de responsabilidade civil se há de poder incluir no âmbito do facto criminoso que ao arguido é imputado, de tal forma que, se não existirem ou simplesmente não se provarem os pressupostos da punição penal, a condenação em indemnização civil possa ainda subsistir sustentada na verificação dos pressupostos da ilicitude civil permitida pela apreciação da realidade factual em causa. Fora do alcance consentido pelo sistema manter-se-á, consequentemente, a responsabilidade contratual, a qual, não assentando em causa de pedir que se possa incluir ainda no facto criminoso imputado, não poderá vir a ser conhecida ao abrigo do consagrado princípio da adesão. O que vale por dizer que a responsabilidade civil que no âmbito do processo penal pode ser apreciada é apenas e tão só a responsabilidade civil extracontratual, pelo risco ou com fundamento na prática de facto ilícito, estando consequentemente excluído o conhecimento da responsabilidade contratual eventualmente resultante do incumprimento de vínculos creditícios existentes entre as partes (cfr. Ac. do STJ de 9 de Julho de 1997, CJSTJ, T. II, pg.260). Ora no caso em análise deduziu a CGD pedido de indemnização no montante do prejuízo sofrido que deve ser pago como condição da suspensão da execução da pena - € 135 835,67(cento e trinta e cinco mil oitocentos e trinta e cinco euros e sessenta e sete cêntimos), acrescido de juros até integral e efetivo pagamento que pode começar a ser feito mensalmente no montante de 200 euros.».


Porém, o Dispositivo do acórdão da Relação recorrido foi fixado nos termos que seguem:


«Assim sendo decide-se:


Conceder provimento aos recursos interpostos e, aditando os seguintes factos dados como não provados, aos factos provados


"a) A gerente da agência da CGD da ..., não tivesse conhecimento ou não tivesse autorizado as operações bancárias descritas na matéria de facto provada, efetuadas pela arguida com recurso a password que aquela lhe havia cedido para o desempenho das funções que a arguida desempenhava, algumas delas informalmente delegadas pela gerente


b) A arguida tivesse agido com intenção de causar prejuízo patrimonial à queixosa.".


condena-se a arguida como autora material de um crime de burla informática na pena de 3 anos de prisão cuja execução será suspensa por 4 anos com a condição de liquidar a quantia em divida, e respetivos juros, à ofendida no período de tempo a que corresponde a suspensão da pena.


Sem custas por a elas não haver lugar. DN».


Como se vê, o Dispositivo do acórdão recorrido é completamente omisso quanto à decisão, condenatória ou absolutória, referente ao pedido de indemnização civil.


Dispõe o art. 374º do C. Processo Penal, com a epígrafe «Requisitos da sentença», no seu nº 3:


A sentença termina pelo dispositivo que contém:


a) As disposições legais aplicáveis;


b) A decisão condenatória ou absolutória;


c) A indicação do destino a dar a animais, coisas ou objectos relacionados com o crime, com a expressa menção das disposições legais aplicadas;


d) A ordem de remessa de boletins ao registo criminal;


e) A data e as assinaturas dos membros do tribunal.


A omissão das indicações previstas nas alíneas a) e c) a e) origina a irregularidade da sentença, susceptível de correcção, nos termos do disposto no art. 380º, nº 1, a) do C. Processo Penal.


Já a omissão da indicação prevista na alínea b) conforma uma nulidade de conhecimento oficioso, nos termos do disposto no art. 379º, nºs 1, a) e 2 do mesmo código, o que bem se compreende, pois a decisão condenatória ou absolutória é elemento essencial da fixação do objecto do caso julgado.


Quando no processo penal tenha sido deduzido pedido de indemnização civil, e tendo este chegado à fase do julgamento, deve, evidentemente, constar do dispositivo da sentença a proferir a decisão, condenatória ou absolutória, sobre tal pedido.


Assim, quando neste circunstancialismo, é omitida decisão sobre o pedido civil deduzido é, quanto a ele, nula a sentença, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 374º, nº 3, b) e 379º, nº 1, a) do C. Processo Penal.


Deste modo, e porque são aplicáveis aos acórdãos proferidos em recurso o disposto nos arts. 379º e 380º do C. Processo Penal (art. 425º, nº 4 do mesmo código), o acórdão da Relação recorrido é nulo, quanto ao pedido de indemnização civil, porque não contém a respectiva decisão.


Na sequência do que fica dito, deixa-se nota de que o acórdão recorrido, igualmente em sede de pedido de indemnização civil, omitiu a condenação em custas, da parte ou das partes civis por elas responsáveis (art. 377º, nºs 3 e 4 do C. Processo Penal).


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III. DECISÃO


Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem este coletivo da 5.ª Secção Criminal, em julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, decidem:


A) Matéria penal


1. Revogar o acórdão da Relação recorrido, na parte em que condicionou a suspensão da execução da pena de prisão fixada à arguida AA, à liquidação da quantia em dívida, e respetivos juros, à ofendida no período de tempo a que corresponde a suspensão da pena.


2. Condicionar a suspensão da execução da pena de prisão fixada à arguida AA, ao pagamento da quantia de € 45000 (quarenta e cinco mil euros) à assistente Caixa Geral de Depósitos, SA, no decurso do período de suspensão da execução da pena de prisão.


3. Confirmar, quanto ao mais, o acórdão recorrido.


4. Sem custas, por não serem devidas, atenta a parcial procedência (art. 513º, nº 1, a contrario, do C. Processo Penal).


B) Matéria civil


1. Declarar verificada a nulidade do acórdão da Relação recorrido, prevista no art. 379º, nº 1, a), com referência ao art. 374º, nº 3, b), ambos, do Processo Penal, por omissão de decisão sobre o pedido de indemnização civil deduzido.


2. Ordenar a prolação de novo acórdão, suprindo a apontada nulidade.


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(O acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado pelos signatários, nos termos do art. 94.º, n.º 2 do C.P.P.).


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Lisboa, 23 de Novembro de 2023


Vasques Osório (Relator)


Orlando Gonçalves (1º Adjunto)


Leonor Furtado (2ª Adjunta)