RECURSO PER SALTUM
MEDIDA DA PENA
PENA PARCELAR
PENA ÚNICA
FRAUDE FISCAL
ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL
FRUSTRAÇÃO DE CRÉDITOS
Sumário


I - I- Os crimes de fraude fiscal qualificada, de abuso de confiança fiscal e de frustração de créditos, integram o regime sancionatório das infrações tributárias previsto no RGIT, que desincentiva as condutas ilícitas dos contribuintes, de não cumprimento dos seus deveres fiscais.
II - A sua finalidade é, antes do mais, proteger o Estado Social, possibilitando através da arrecadação das receitas fiscais a satisfação das tarefas que lhe são exigidas, com justa repartição dos rendimentos e da riqueza (art.103.º, n.º1 da C.R.P.). Não ainda é alheio, ao regime sancionatório penal fiscal, a necessidade de garantir o funcionamento normal da economia e os princípios da igualdade e da equidade tributária.
III - Na determinação da medida da pena deve atender-se, sempre que possível, ao prejuízo causado pelo crime, em obediência ao disposto no art.13.º do RGIT.
IV - Perante as prementes e elevadas exigências de prevenção geral e especial e uma acentuada culpa da arguida, o Supremo Tribunal de Justiça considera que as penas parcelares fixadas na decisão recorrida, muito próximas do limite mínimo abstratamente aplicáveis, estão longe de ser excessivas.

Texto Integral



Proc. n.º 43/16.2IDAVR.P1.S1


Recurso Penal


*


Acordam, em Conferência, na 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça


I - Relatório


1. Pelo Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo Central Criminal de ... - J... ., sob pronúncia que recebeu a acusação do Ministério Público, foram submetidos a julgamento em processo comum, com intervenção de tribunal coletivo, os arguidos


1- “M..... ... ..... Comércio e Fabrico de Calçado Unipessoal”;


2- AA;


3- “D......... .. .... ..... . ....... Unipessoal, Lda”;


4- M.........., Unipessoal, Lda;


5- BB;


6- D.......... – Calçado Lda;


7- CC;


8- DD; e


9- EE;


imputando-se:


- à arguida “M..... ... .....” e AA, a prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 7.º e 103.º, n.º1, alínea c) e 104.º, n.º1 e 2, alínea a), do RGIT aprovado pela Lei 15/2001 de 05.06, de quatro crimes de fraude fiscal simples, p. e p. pelos artigos 7.º e 103.º, n.º1, alínea a) do RGIT, aprovado pela Lei 15/2001 de 05.06, de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelos artigos 7.º e 105.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4 do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, e de um crime de frustração de créditos, p. e p. pelos artigos 7.º e 88.º, n.ºs 1 do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de junho;


- ao arguido DD, na prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 7.º e 103.º, n.º1, alínea c) e 104.º, n.º1 e 2, alínea a) do RGIT, aprovado pela Lei 15/2001 de 05.06;


- ao arguido EE, na prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 7.º e 103.º, n.º1, alínea c) e 104.º, n.º1 e 2, alínea a) do RGIT, aprovado pela Lei 15/2001 de 05.06;


- aos arguidos M.......... e BB, na prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, de quatro crimes de fraude fiscal simples, p. e p. pelos artigos 7.º e 103.º, n.º1, alíneas a) e b) do RGIT, aprovado pela Lei 15/2001 de 05.06.


- aos arguidos D.........., BB e CC, na prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, de dois crimes de fraude fiscal simples, p. e p. pelos artigos 7.º e 103.º, n.º1, alínea a) do RGIT, aprovado pela Lei 15/2001 de 05.06 e de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelos artigos 7.º e 105.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4 do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho; e


- “D......... .. ....” e AA, na prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, de cinco crimes de fraude fiscal simples, p. e p. pelos artigos 7.º e 103.º, n.º1, alínea a) do RGIT, aprovado pela Lei 15/2001 de 05.06,


2. Realizada a audiência de julgamento – no decurso da qual se procedeu a uma alteração não substancial de factos descritos no despacho de pronúncia –, o Tribunal coletivo, por acórdão de 15 de março de 2023, decidiu, além do mais:


- Absolver a arguida AA da prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, de cinco crimes de fraude fiscal simples, p. e p. pelos artigos 7.º e 103.º, n.º1, alínea a) do RGIT, aprovado pela Lei 15/2001 de 05.06;


- Absolver a arguida AA da prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, de quatro crimes de fraude fiscal simples, p. e p. pelos artigos 7.º e 103.º, n.º1, alínea a) do RGIT, aprovado pela Lei 15/2001 de 05.06;


- Condenar a arguida AA pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 7.º e 103.º, n.º1, alínea c) e 104.º, n.º1 e 2, alínea a) do RGIT, aprovado pela Lei 15/2001 de 05.06, na pena de 1 ano e 5 meses de prisão. (factos 26 e ss.);


- Condenar a arguida AA pela prática, em autoria material, na forma consumada de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelos artigos 7.º e 105.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4 do RGIT na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão. (factos 54 e ss.)


- Condenar a arguida AA pela prática, em autoria material, na forma consumada um crime de fraude fiscal qualificada, - IRC; 2015 – p. e p. pelo artigo 104.º n.º3 do RGIT, aprovado pela Lei 15/2001 de 05.06, na pena de 3 (três) anos de prisão. (factos 64 a 80).


- Condenar a arguida AA pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de frustração de créditos, p. e p. pelos artigos 7.º e 88.º n.º1 do RGIT, aprovado pela Lei 15/2001 de 05.06, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão. (factos 81 a 96).


- Condenar a arguida AA pela prática, em autoria material, na forma consumada um crime de fraude fiscal qualificada, - IVA - (ano de 2013 e 2015) D......... .. .... emitiu nota de débito/despesa à M..... ... .....), p. e p. pelos artigos 7.º e 104.º n.º2 al. b) do RGIT, aprovado pela Lei 15/2001 de 05.06, na pena 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão. (facto 97 e facto 99).


- Condenar a arguida AA pela prática, em autoria material, na forma consumada um crime de fraude fiscal qualificada, - IVA - (ano de 2016) D......... .. .... emitiu nota de despesa à D..........) p. e p. pelos artigos 7.º e 104.º n.º2 al. b) do RGIT, aprovado pela Lei 15/2001 de 05.06, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão. (facto 104).


- Condenar a arguida AA pela prática, em autoria material, na forma consumada um crime de fraude fiscal qualificada, - IVA - (ano de 2015 e 2016) D......... .. .... emitiu nota de despesa à M........... p. e p. pelos artigos 7.º e 104.º n.º2 al. a) do RGIT, aprovado pela Lei 15/2001 de 05.06, na pena 1 (um) ano e 5 (cinco) meses de prisão. (facto 99 e facto 104).


- Condenar a arguida AA pela prática, em autoria material, na forma consumada de um crime de fraude fiscal qualificada, - IRC - (ano de 2015 e 2017) - D......... .. .... – p. e p. pelos artigos 7.º e 104.º n.º 3 do RGIT, aprovado pela Lei 15/2001 de 05.06, na pena 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão. (factos 108 a 124).


Em cúmulo jurídico, condenar a arguida AA, na pena única de 6 (seis) anos de prisão efetiva.


3. Inconformada com o acórdão dele interpôs recurso a arguida AA para o Tribunal da Relação do Porto, concluindo a sua motivação do modo seguinte (transcrição):


I – Vem o presente recurso interposto do douto acórdão proferido nos autos que levou à


condenação da arguida pela prática, em autoria material, na forma consumada de:


1) um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelos artigos 7.º e 105.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4 do RGIT na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão.


2) um crime de fraude fiscal qualificada, - IRC; 2015 - previsto e punido pelo artigo 104.º n.º 3 do Regime Geral das Infrações Tributárias aprovado pela Lei 15/2001 de 05.06, na pena de 3 (três) anos de prisão.


3) um crime de frustração de créditos, p. e p. pelos artigos 7.º e 88.º n.º 1 do Regime Geral das Infrações Tributárias aprovado pela Lei 15/2001 de 05.06, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão.


4) um crime de fraude fiscal qualificada, - IVA - (ano de 2013 e 2015) D......... .. .... emitiu nota de débito/despesa à M...... ... .....) previsto e punido pelos artigos 7.º e 104.º n.º 2 al. b) do Regime Geral das Infrações Tributárias aprovado pela Lei 15/2001 de 05.06, na pena 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão.


5) um crime de fraude fiscal qualificada, - IVA - (ano de 2016) D......... .. .... emitiu nota de despesa à D..........) previsto e punido pelos artigos 7.º e 104.º n.º 2 al. b) do Regime Geral das Infrações Tributárias aprovado pela Lei 15/2001 de 05.06, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão.


6) um crime de fraude fiscal qualificada, - IVA - (ano de 2015 e 2016) D......... .. .... emitiu nota de despesa à M........... previsto e punido pelos artigos 7.º e 104.º n.º 2 al. a) do Regime Geral das infrações Tributárias aprovado pela Lei 15/2001 de 05.06, na pena 1 (um) ano e 5 (cinco) meses de prisão.


7) um crime de fraude fiscal qualificada, - IRC - (ano de 2015 e 2017) - D......... .. .... - previsto e punido pelos artigos 7.º e 104.º n.º 3 do Regime Geral das Infrações Tributárias aprovado pela Lei 15/2001 de 05.06, na pena 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão.


Em cúmulo jurídico, condenar a arguida AA, na pena única de 6 (seis) anos de prisão efetiva.


II - Entende a Recorrente que embora o douto acórdão a tenha condenado em penas parcelares e unitária mais baixas, ainda as mesmas se mostram excessivas, desajustadas


e desproporcionais face aos factos provados dos autos, porquanto:


III - Para os crimes de:


Fraude Fiscal Qualificada, p. e p. pelos art.s 7.º e 104.º, n.º 1 e 2 alínea b) do RGIT encontra-se prevista uma moldura penal abstrata de prisão de 1 a 5 anos.


Fraude Fiscal Qualificada, p. e p. pelos art.s 7.º e 103.º, n.º 1, alínea c) e 104.º, n.ºs 1 e 2 alínea a) do RGIT encontra-se prevista uma moldura penal abstrata de prisão de 1 a 5 anos.


Abuso de confiança fiscal, p. e p. pelos art.s 7.º e 105.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4 do RGIT encontra-se prevista uma moldura penal abstrata de prisão até 3 anos ou multa até 360 dias.


Fraude Fiscal Qualificada, p. e p. pelo 104.º, n.º 3 do RGIT encontra-se prevista uma moldura penal abstrata de prisão de 2 a 8 anos.


Frustração de créditos, p. e p. pelos art.s 7.º e 88.º, n.º 1 do RGIT encontra-se prevista uma moldura penal abstrata de prisão de 1 a 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.


IV - No caso “sub judice”, dentro das referidas molduras penais abstratas, há que, para determinar a medida concreta das penas, atender à culpa do ora Recorrente e às exigências de prevenção, bem como a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo depuserem a favor ou contra ele – art.º 71.º, n.º 1 do C.P.P. – tendo por base o principio de que se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não privativa da liberdade, o Tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – art.º 70.º do C.P.P..


V - A culpa define o limite máximo da pena concreta dado que sem ela não há pena e esta não pode ultrapassar a sua medida.


VI - Relativamente às necessidades de prevenção, existe um fim preventivo geral ligado


à contenção da criminalidade e defesa da sociedade e um fim preventivo especial ligado


à reinserção social do agente.


VII - Assim, e em termos de prevenção geral, a medida da pena é dada pela necessidade


de tutela dos bens jurídicos concretos pelo que o limite inferior da mesma resultará de considerações ligadas à prevenção geral positiva ou reintegração, contraposta à prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente.


VIII - No que toca à prevenção especial há a ponderar a vertente de ressocialização do Arguido e a vertente de advertência individual para que não volte a delinquir.


IX - Tendo em conta estes limites, deve ainda o Tribunal atender a quaisquer outras circunstâncias que não fazendo parte do tipo, deponham contra ou a favor do Arguido (art.º 71.º, n.º 2 do C.P.).


X - Quanto à pena única, dir-se-á que o artigo 77.º, n.º 1, do C.P. estabelece que “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.


XI - E dispõe o n.º 2, que “A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-


se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.


XII - A medida da pena a atribuir em sede de cúmulo jurídico tem uma especificidade própria, sendo que por um lado está-se perante uma nova moldura penal mais abrangente e por outro lado há lugar a uma específica fundamentação, que acresce à decorrente do artigo 71.º do C.P., sendo, porém, as penas parcelares “guias” na fixação da pena do concurso.


XIII - A fixação da pena do concurso não se determina com a soma dos crimes cometidos e das penas respetivass, mas da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do Arguido, pois tem de ser considerado e ponderado um conjunto de factos e a sua personalidade.


XIV - Na avaliação da personalidade do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos de que é acusado é reconduzível a uma tendência criminosa, o que neste caso terá um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta, ou apenas a um caso isolado que não radica na personalidade.


XV - Por outro lado, relevante será aferir o efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).


XVI - Partindo para o caso dos autos, temos que:


- A Recorrente, embora tendo antecedentes criminais, os crimes foram cometidos e conforme a mesma referiu devido às dificuldades financeiras, que as empresas por si geridas, atravessavam;


- A Recorrente, desde a prática dos factos (ocorridos entre os anos de 2014 e 2016) e até


à presente data, volvidos cerca de 7 anos, não praticou mais factos de natureza criminal, o que revela que tem mantido uma conduta conforme o direito.


- Dos factos provados não resulta por parte da Recorrente a prática de atos de violência relevantes contra pessoas;


- A Recorrente actuou motivada por dificuldades financeiras que tinha à data dos factos e não por um desvalor em relação ao valor vida;


- A Recorrente, que tem 46 anos de idade, é ainda jovem, sendo mais fácil a sua ressocialização e o regresso ao trabalho;


- Do relatório social dos autos resulta, para além do mais, que:


a) a Recorrente tem dois filhos menores.


b) a Recorrente tem como habilitações literárias, o 9º ano de escolaridade.


c) a Recorrente, é encarregada, actualmente desempregada.


d) não obstante essa situação, a Recorrente tem o apoio incondicional da sua família, habita com familiares e vive da ajuda destes e do seu marido.


XVII - Ora, os fatores determinantes para se apurar a medida concreta das penas parcelares atrás elencados e, consequentemente, a medida da pena unitária a aplicar à Recorrente, não foram devidamente valorados no acórdão sob apreço.


XVIII - De facto, considerando tudo o que se deixou dito, nomeadamente e apesar de ter


antecedentes criminais, os mesmos se ficarem a dever a dificuldades económicas, a inexistência posterior, aos factos de que foi condenada, da prática de factos de natureza criminal, o apoio incondicional da família, ter dois filhos menores, a atuação criminosa motivada por dificuldades financeiras, sendo mais fácil a ressocialização e o regresso ao


trabalho, as penas parcelares concretas a aplicar à Recorrente devem aproximar-se do seu limite mínimo de 1 ano para cada um dos quatro crimes de fraude fiscal qualificada, p360 dias de multa para o crime de abuso de confiança fiscal, 2 anos para os dois crimes de fraude fiscal qualificada, 240 dias de multa para o crime de frustração de créditos (e não como foi fixado nos autos), e, consequentemente, a pena unitária a aplicar à Recorrente deve ser inferior a 5 anos de prisão, com possibilidade de aplicação do disposto no art.º 50.º, n.º 1 do C.P. – o que ora se requer.


XIX - Mesmo considerando ser de manter as penas parcelares aplicadas no douto acórdão recorrido, a pena unitária deve ser inferior a 5 anos de prisão, com possibilidade de aplicação do disposto no art.º50.º, n.º 1 do C.P. – o que ora se requer.


XX - Estatui o art.º50.º, n.º 1 do C.P. que a pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos deve ser suspensa na sua execução, sempre que, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao


crime e às circunstâncias deste, for de concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.


XXI - Ora, não são considerações de culpa que influem na questão da suspensão da execução da pena mas apenas razões ligadas às finalidades preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização, estas acentuadamente tidas em conta no instituto em análise, desde que satisfeitas as exigências de prevenção geral ligadas à necessidade de correspondência às


expectativas da comunidade na manutenção da validade das normas violadas.


XXII - A suspensão da pena é uma medida com um cariz pedagógico e reeducativo, visando proporcionar ao agente condições ao prosseguimento de uma vida à margem da


criminalidade e exigir-lhe que passe a pautar o seu comportamento pelos padrões ético-


sociais dominantes.


XXIII - Subjacente à aplicação desta medida existe um juízo favorável a que a socialização do Arguido, em liberdade, possa ser alcançada.


XXIV - A conclusão de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de


forma adequada e suficiente as finalidades da punição assenta no pressuposto de que, por um lado, o que está em causa não é qualquer “certeza” mas, tão-só, a “esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda” e de que “o Tribunal deve encontrar-se disposto a correr um certo risco - digamos: fundado e calculado - sobre a manutenção do agente em liberdade”.


XXV - No caso sub judice, como supra se referiu, a Recorrente tem antecedentes criminais, mas após a prática dos crimes de que foi condenada nos presentes autos, não mais cometeu qualquer tipo de infração penal e já se passaram sete anos.


XXVI - Acresce que, a Recorrente que tem 46 anos de idade, encontra-se inserida familiarmente, tendo dois filhos menores.


XXVII- Tais circunstâncias permitem a conclusão de que aquela ameaça e censura são suficientes para afastar a Recorrente da criminalidade.


XXVIII - Aconselhada, à luz das exigências de socialização, a pena substitutiva de suspensão de pena de prisão, afigura-se-nos que in casu esta não coloca em causa o conteúdo mínimo de prevenção geral que se impõe como limite das considerações de prevenção especial, sendo capaz de assegurar a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime.


XXIX - Afigura-se-nos, pois, que é possível formular um juízo favorável à socialização da Recorrente, podendo afirmar-se que a censura do facto e a ameaça da prisão efetiva por mais tempo realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, satisfazendo a pena substitutiva de suspensão da execução da prisão a finalidade primordial de restabelecer a confiança comunitária na validade da norma violada e na eficácia do sistema jurídico-penal.


XXX - Do exposto, devem as penas parcelares de prisão aplicadas à ora Recorrente, pela prática de quatro crimes de fraude fiscal qualificada, um crime de abuso de confiança fiscal, dois crimes de fraude fiscal qualificada um crime de frustração de créditos ser reduzidas para o seu limite mínimo, mais devendo ser fixada a pena unitária em prisão inferior a 5 anos de prisão, suspensa na sua execução – o que se requer.


XXX – O douto acórdão recorrido fez uma incorreta aplicação do disposto nos art.ºs 7.º,


8.º, 103.º, 104.º, 105.º todos do RGIT e dos art.ºs 70.º, 71.º 77.º e 50.º, n.º 1 do C.P.


Nestes termos e nos do mui douto suprimento de V. Exas., no provimento do presente recurso, deverá o douto acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que fixe as penas parcelares de prisão aplicadas à Recorrente AA pelos ilícitos por esta praticados em medida próxima do seu limite mínimo e, operando o cúmulo dessas penas parcelares, fixe a pena unitária em quantum inferior a 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução.


4. O Ministério Público no Juízo Central Criminal de S.... ..... .. ..... respondeu ao recurso interposto pela arguida, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção integral da decisão recorrida.


5. A Ex.ma Desembargadora relatora, no Tribunal da Relação do Porto, por despacho de 9 de outubro de 2023, decidiu: “Pese embora o recorrente tenha endereçado o recurso a este tribunal da Relação atento o seu objecto (matéria de direito) e a pena única aplicada (superior a 5 anos), nos termos dos artigos 427º e 432º, n.º 1, al. c), ambos do C.P.P., a competência para conhecer o presente recurso pertence ao S.T.J.. Assim, por este tribunal da Relação ser materialmente incompetente para conhecer do recurso, determino que os autos subam de imediato ao STJ. Notifique.».


6. O Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto, junto do Supremo Tribunal de Justiça, emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá ser julgado totalmente improcedente.


7. Dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do C.P.P., a arguida não respondeu.


8. Colhidos os vistos, foram os autos presentes à Conferência.


II - Fundamentação


9. Com relevo para a decisão do recurso, consigna-se no acórdão recorrido (transcrição):


Factos provados


1. A sociedade M..... ... ..... Comércio e Fabrico de Calçado Unipessoal, Lda (doravante mencionada apenas por M..... ... .....) foi constituída em 30.05.2012, tendo como objeto social o comércio e fabrico de calçado, exportação e importação, situando-se a sua sede na Rua da ..., em....


2. Desde a data da sua constituição era sócio único e seu gerente AA, vinculando-se a sociedade com a sua intervenção.


3. Efetivamente, incumbia à arguida AA a decisão sobre a vida e o destino financeiro da sociedade M..... ... ....., a realização de todos os atos de direção da respetiva atividade comercial, representando a empresa perante os fornecedores e clientes, com quem efetuava contatos, dispondo de todos os documentos bancários e contabilísticos, controlando as contas bancárias, emitindo e recebendo faturas e recibos e ao mesmo incumbindo o cumprimento das obrigações contabilísticas e fiscais, como liquidaçãoe pagamento de impostos.


4. A sociedade M..... ... ....., em termos fiscais, era contribuinte n.º .......44 e coletada no serviço de Finanças Feira 1 para o exercício da atividade de “comércio por grosso de calçado”, com o CAE ....22, estando enquadrada, para efeitos de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) no regime normal de periodicidade trimestral e em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas no regime geral de tributação.


5. A sociedade D......... .. .... ..... . ....... Unipessoal, Lda (doravante mencionada apenas por D......... .. ....) foi constituída em 27.04.2010, tendo como objeto social o corte e costura de calçado situando-se a sua sede na Rua..., ..., em....


6. Desde a data da sua constituição era sócio da mesma FF, sendo este e GG, seus gerentes, vinculando-se a sociedade com a sua intervenção.


7. Em 02.05.2012, GG renunciou à gerência, bem como FF em 27.11.2014, tendo nesta mesma data sido designado gerente AA que adquiriu a quota de Fatou Thiam.


8. Efetivamente, incumbia à arguida AA a decisão sobre a vida e o destino financeiro da sociedade D......... .. ...., a realização de todos os atos de direção da respetiva atividade comercial, representando a empresa perante os fornecedores e clientes, com quem efetuava contatos, dispondo de todos os documentos bancários e contabilísticos, controlando as contas bancárias, emitindo e recebendo faturas e recibos e ao mesmo incumbindo o cumprimento das obrigações contabilísticas e fiscais, como liquidação e pagamento de impostos.


9. A sociedade M.........., Unipessoal, Lda (doravante mencionada apenas por M........... foi constituída em 11.06.2013, tendo como objeto social a importação, exportação, representação, fabricação e comercialização de calçado situando-se a sua sede na Rua...., ..., ....


10. Desde a data da sua constituição era sócio da mesma BB, sendo esta que constava como gerente, vinculando-se a sociedade com a sua intervenção.


11.


12. A sociedade D.......... - Calçado Lda (doravante mencionada apenas por D..........) foi constituída em 29.05.2015, tendo como objeto social a importação, exportação, representação, fabricação e comercialização de calçado, importação, exportação, representação e comercialização de veículos automóveis ligeiros, situando-se a sua sede na Rua ..., ..., em ....


13. Desde a data da sua constituição eram sócios da mesma BB e CC, mãe de BB, sendo BB que constava como única gerente de direito, vinculando-se a sociedade com a sua intervenção.


14.


15. CC exercia funções como gerente de facto, decidindo também esta sobre a vida e o destino financeiro da sociedade D.........., realizando atos de direção da respetiva atividade comercial, representando a empresa perante os fornecedores e clientes, com quem efetuava contatos, dispondo de todos os documentos bancários e contabilísticos, controlando as contas bancárias, emitindo e recebendo faturas e recibos e à mesma incumbindo o cumprimento das obrigações contabilísticas e fiscais, como liquidação e pagamento de impostos.


16. Esta sociedade, contribuinte n.º .......88, encontra-se coletada para o


exercício da atividade de fabricação de calçado, enquadrada em IVA no regime normal de periodicidade trimestral e, em imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, no regime geral de tributação, da área do serviço de finanças de ....


17. Esta sociedade foi declarada insolvente no processo n.º 3405/18.7... por sentença datada de 12.09.2018.


18. A sociedade F....... .... ........., Sociedade Unipessoal, Lda foi constituída em 08.05.2013, tendo como objeto social o comércio de madeiras, comércio de peles e couros; comércio de máquinas industriais, manutenção e reparação automóvel, situando-se a sua sede na Rua ..., ....


19. Desde a data da sua constituição era sócio único e seu gerente DD, vinculando-se a sociedade com a sua intervenção.


20. Incumbia ao arguido DD a decisão sobre a vida e o destino financeiro da sociedade F....... .... ........., Sociedade Unipessoal, Lda, a realização de todos os atos de direção da respetiva atividade comercial, representando a empresa perante os fornecedores e clientes, com quem efetuava contatos, dispondo de todos os documentos bancários e contabilísticos, controlando as contas bancárias, emitindo e recebendo faturas e recibos e ao mesmo incumbindo o cumprimento das obrigações contabilísticas e fiscais, como liquidação e pagamento de impostos.


21. A sociedade S.............., Lda foi constituída em 05.02.2013, tendo como objeto social o forramento de saltos, cardamento químico e mecânico, situando-se a sua sede na Praça ..., ..., em ....


22. Desde a data da sua constituição era sócio único e seu gerente EE, vinculando-se a sociedade com a sua intervenção até 07.05.2013, data em que renunciou a este cargo, tendo em 05.04.2013 esta sociedade sido convertida em sociedade pluripessoal por quotas, passando a ter também como sócia HH e, em 07.05.2013 passou a ser seu único gerente II.


23. Porém, apesar de estatutariamente II constar como gerente daquela sociedade, não era ele que, de facto e na realidade, geria a sociedade Surpresaglamour, Lda, mas continuava a ser o arguido EE, mesmo após a renúncia à gerência.


24.


25. Efetivamente, sempre incumbiu ao arguido EE, a decisão sobre a vida e o destino financeiro da sociedade S.............., Lda, a realização de todos os atos de direção da respetiva atividade comercial, representando a empresa perante os fornecedores e clientes, com quem efetuava contatos, dispondo de todos os documentos bancários e contabilísticos, controlando as contas bancárias, emitindo e recebendo faturas e recibos e ao mesmo incumbindo o cumprimento das obrigações contabilísticas e fiscais, como liquidação e pagamento de impostos.


26. No ano de 2014, a arguida AA decidiu que iria inscrever na contabilidade da sociedade M..... ... ..... diversas faturas, que não correspondiam a qualquer transação real, como se se tratasse do comprovativo de recebimento do dinheiro relativo a essas transações, o que na realidade não sucedia, para, desse modo, beneficiar da dedução do IVA respetivo, como se o tivesse pago, o que, por não ter sido celebrado qualquer negócio, efetivamente não sucedeu.


27. Para tanto, nesse período temporal, a arguida AA acordou com DD e com o arguido EE que estes através das sociedades DD, Unipessoal, Lda e S.............., Lda, iriam emitir faturas como se se tratasse do comprovativo de recebimento do dinheiro relativo a transações ou prestações de serviços, o que na realidade não sucedia, para que a arguida AA as introduzisse na contabilidade da sociedade M..... ... ..... e, desse modo, beneficiasse da dedução do IVA respetivo, como se o tivesse pago.


28. Em cumprimento deste plano, no ano de 2014, DD, através da sociedade DD Unipessoal, Lda emitiu as seguintes faturas não correspondentes a qualquer transação real nas datas e montantes que a seguir melhor se discriminam que entregou à arguida AA para que este as introduzisse na contabilidade e na declaração fiscal da sociedade M..... ... .....:

Fatura nºDataBase tributávelIVA
5429-08-2014€55.323,98€12.724,52
5629-08-2014€53.690,97€12.348,92
TOTAL€109,014,95€25.073,44
29. A sociedade M..... ... ..... inseriu na sua contabilidade as faturas acima identificadas, bem como nas suas declarações de IVA respetivas, atendendo às datas nelas inscritas, como se se tratasse de dinheiro que tivesse efetivamente pago a título de IVA em troca das transações nelas descritas.


30. Porém, os valores de IVA declarados e acima diferenciados não foram pagos pela sociedade M..... ... ..... a F....... .... ......... Unipessoal, Lda por não terem ocorrido os negócios subjacentes à emissão daquelas faturas, isto é, nem F....... .... ......... Unipessoal, Lda entregou aqueles bens ou prestou aqueles serviços, nem a sociedade M..... ... ..... pagou os montantes nelas referidos, ou seja, trata-se de faturas falsas, como os arguidos sabiam.


De facto,


31. F....... .... ......... Unipessoal, Lda e DD nunca exerceram qualquer atividade de natureza comercial ou industrial, nomeadamente no ano de 2014.


32. Na verdade, a morada indicada como sede da empresa corresponde à morada de outra pessoa, familiar de DD, nunca ali tendo sido exercida qualquer atividade, nomeadamente relacionada com madeiras.


33. Essa empresa nunca teve trabalhadores ao seu serviço, nem uma estrutura empresarial que lhe permitisse prestar serviços e fornecer bens como os faturados.


34. Não existe nenhuma entidade que tenha declarado vendas de bens ou serviços a F....... .... ......... Unipessoal, Lda em 2013 de valor superior a €25.000,00. 35. Para além disso, o endereço fiscalmente declarado como residência de DD não existe.


36. A empresa no ano de 2013 emitiu faturas relativas a venda de madeira e cortiça e, em 2014, já passou a faturar serviços diversos relacionados com o fabrico de calçado.


37. Finalmente, os serviços faturados não eram indispensáveis à produção da empresa M..... ... ......


Acresce que,


38. O arguido EE, através da S.............., Lda emitiu ainda as seguintes faturas não correspondentes a qualquer transação real nas datas e montantes que a seguir melhor se discriminam que entregou à arguida AA para que este as introduzisse na contabilidade e na declaração fiscal da sociedade M..... ... .....:

Fatura n.ºDataValor LíquidoIVA liquidado
26509.09.2014€20.503,30€4.715,76
26622.09.2014€46.636,90€10.726,49
TOTAL DO 3.ºTRÍMESTRE DE 2014€67.140,20€15.442,25
30708.12.2014€41.916,70€9.640,84
31219.12.2014€25.995,55€5.978,98
TOTAL DO 4.º TRIMESTRE DE 2014€67.912,25€15.619.82
39. A sociedade M..... ... ..... inseriu na sua contabilidade as faturas acima identificadas, bem como nas suas declarações de IVA respetivas, atendendo às datas nelas inscritas, como se se tratasse de dinheiro que tivesse efetivamente pago a título de IVA em troca das transações nelas descritas.


40. Porém, os valores de IVA declarados e acima diferenciados não foram pagos pela sociedade M..... ... ..... a S.............., Lda por não terem ocorrido os negócios subjacentes à emissão daquelas faturas, isto é, nem Surpresaglamour, Lda entregou aqueles bens ou prestou aqueles serviços, nem a sociedade M..... ... ..... pagou os montantes nelas referidos, ou seja, trata-se de faturas falsas, como os arguidos sabiam.


De facto,


41. A sede da empresa S.............., Lda, na altura destes factos, consistia numa loja em centro comercial situada num piso subterrâneo que nunca entrou em funcionamento, tendo o chão inacabado e estando vazia, tanto que o acesso a esse piso estava fechado com gradeamento e sem eletricidade ligada, nunca tendo tal loja sido usada.


42. Da análise das faturas emitidas pela S.............. entre 2013 e 2014, verificou-se que, a par de trabalhos em saltos, palmilhas e solas e corte de pancada ao balancé de peles, passou a faturar costura mecanicamente assistida e, em Novembro de 2014, serviços de limpeza.


43. Em Setembro de 2014 a sociedade S.............., Lda tinha apenas 8 trabalhadores a seu cargo, em Outubro 4, em Novembro 3 e em Dezembro 2, sendo ao longo deste tempo EE um deles, tanto que em Dezembro de 2014 os únicos trabalhadores seriam os dois sócios.


44. Apesar deste decréscimo do número de funcionários a faturação da sociedade ..............., Lda aumentou exponencialmente:

      Meses
JanFev
      Mar
AbrMaiJunJuiAgosSetOutNovDez
      Valores

      facturados

      (em €)

6.05414. 77113.0437.899
      13 785
19.60215. 8387.445119.19886.186129.071366. 658
N.º

trabalhadores

1512
      17
18201616
      11
8432
Racio valores

facturados

por

trabalhador

(em €)

4041.231
      767
4386891.22599067714.90021.54743.024183.329
45. Significa isto que a sociedade S.............., Lda entre Setembro e Dezembro de 2014 não tinha uma estrutura empresarial e produtiva que lhe permitisse prestar os serviços e fornecer os bens inerentes àquelas faturas, dado que não tinha trabalhadores suficientes e, os serviços subcontratados a DD também não existiram dado que este não exercia atividade real, como acima mencionado.


46. Finalmente, os serviços faturados não eram indispensáveis à produção da empresa M..... ... ......


47. Em suma, a arguida AA introduziu na contabilidade e na declaração fiscal da sociedade M..... ... ..... as seguintes faturas falsas no 3.º trimestre de 2014:

Fatura n.ºDataBase

Tributável

IVAEmitente
5429.08.2014€55.323,98€12.724,52F....... .... .........

Unipessoal Lda

5629.08.2014€53.690,97€12.348,92F....... .... .........

Unipessoal, Lda

26509.09.2014€20.503,30€4.715,76S.............., Lda
26622.09.2014€46.636,90€10.726,49S.............., Lda
TOTAL

i

€40.515,69
48. E no 4.º trimestre de 2014 as seguintes faturas:
Fatura nDataBase tributávelIVAEmitente
30708.12.2014€41.916,70€9.640,84S.............., Lda
31219.12.2014€25.799,55€5.978,98S.............., Lda
TOTAL€15.619,82
49. Pelo que a sociedade M..... ... ..... no 3.º trimestre de 2014 obteve uma vantagem patrimonial ilícita no valor de €40.515,69 e no 4.º trimestre de 2014 no montante de €15.619,82, relativa ao IVA indevidamente deduzido nas respetivas declarações, vantagens totais estas que os arguidos que emitiram aquelas faturas sabiam que iriam ser obtidas.


50. Os arguidos sabiam que, em sede de IVA, o apuramento do montante de imposto devido em cada período é efetuado pela dedução ao imposto liquidado do imposto suportado no pagamento das aquisições, isto é, que o operador económico pode deduzir em cada período o IVA que consta mencionado nas faturas de aquisição de bens e serviços, sendo o imposto a entregar ao Estado o que resulta da diferença entre o IVA liquidado nas faturas de venda e o IVA mencionado nas faturas de aquisição de bens e serviços.


51. Assim, sabia a arguida AA que se apresentasse na contabilidade da sociedade M..... ... ..... que geria, aquelas faturas documentando o pagamento de valores que na realidade não tinha suportado, como efetivamente sucedeu, assim agindo faziam com que, tratando-se de montantes superiores ao IVA que a sociedade tinha recebido em transações que efetuou, pela diferença anularia o valor que tinha recebido a título de IVA e que devia entregar ao Estado ou excedendo-o não teria de entregar esse valor, ainda recebendo em caso de excesso, sabendo que assim agindo induziam em erro a Administração Fiscal e, por essa forma, à custa do Estado e da comunidade contribuinte, recebiam vantagens patrimoniais e benefícios fiscais indevidos, pela dedução indevida do referido imposto, ocasionando dessa forma uma diminuição das receitas tributárias do Estado em igual medida.


52. A arguida AA, através da sociedade M..... ... ..... agiu de forma livre, voluntária e consciente, no seguimento de plano que traçou em conjunto com os arguidos DD e EE, enquanto gerentes das empresas acima identificadas emitentes das faturas, introduzindo-as na contabilidade da empresa que geria e nas declarações periódicas de IVA, não obstante saber que as mencionadas faturas não correspondiam a transações ou a prestações de serviços efetivas, titulando tão-só negócios simulados, com o objetivo de obter, como obteve, benefícios fiscais e patrimoniais indevidos, por a sociedade M..... ... ..... ter deixado de entregar nos cofres do Estado o montante de IVA que deveria pagar, após utilizando as importâncias monetárias assim obtidas em seu proveito, não obstante saber que não lhe pertencia, o que representou e quis.


53. Os arguidos DD e EE enquanto representante das sociedades F....... ......... Unipessoal Lda e S....... ......., Lda agiram de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que tinha emitido e entregue faturas para serem usadas em declarações periódicas de IVA sem que dissessem respeito a transações reais, a fim de ser deduzido o IVA nelas mencionado, nos moldes acima referidos, com o objetivo de permitir que fossem recebidos benefícios fiscais que não eram devidos, causando prejuízo em igual medida à Fazenda Nacional, como veio efetivamente a suceder, ciente que para o utilizador dessas faturas adviria vantagem patrimonial de valor superior a €15.000,00 por cada declaração fiscal de IVA que fosse apresentada, o que os arguidos representaram e quiseram.


Para além disso,


54. No exercício da sua atividade, a sociedade M..... ... ....., através da arguida AA, sua gerente, transmitiu bens e prestou serviços a título oneroso aos seus clientes, atos estes sujeitos a IVA, cujo montante foi calculado aquando da faturação dos serviços em questão e incluído no preço global dos mesmos pago pelos seus adquirentes.


55. Os arguidos estavam obrigados a apurar trimestralmente o imposto devido a título de IVA e a entregar as declarações periódicas, bem como os montantes respetivos até ao dia 15 do segundo mês seguinte a que se reportava.


56. A sociedade arguida M..... ... ....., dirigida pela arguida, no período do segundo trimestre de 2015, apurou Imposto sobre o Valor Acrescentado no montante de €24.944,43 (vinte quatro mil novecentos e quarenta e quatro euros e quarenta e três cêntimos), no período do terceiro trimestre de 2015, apurou Imposto sobre o Valor Acrescentado no montante de €45.317,21 (quarenta e cinco mil trezentos e dezassete euros e vinte e um cêntimos), no período do quarto trimestre de 2015, apurou Imposto sobre o Valor Acrescentado no montante de €52.146,90 (cinquenta e dois mil cento e quarenta e seis euros e noventa cêntimos), no período do primeiro trimestre de 2016, apurou Imposto sobre o Valor Acrescentado no montante de €35.576,64 (trinta e cinco mil quinhentos e setenta e seis euros e sessenta e quatro cêntimos), no período do segundo trimestre de 2016, apurou Imposto sobre o Valor Acrescentado no montante de €43.500,87 (quarenta e três mil e quinhentos euros e oitenta e sete cêntimos), conforme declarações periódicas que apresentou à administração tributária através de remessa ao Serviço de Administração do IVA.


57. Dos montantes acima indicados relativos aos montantes de IVA apurados e declarados à administração tributária a sociedade arguida recebeu efetivamente dos seus clientes até ao termo do prazo para entrega da declaração todos os valores declarados:

PeríodoIVA

liquidado a clientes

IVA apurado

e declarado à

AT

IVA

recebido de

clientes

2.» trimestre de 2015€24.944,43€24.944,43€24.944,43
3.5 trimestre de 2015€45.317,21€45.317,21€45.317,21
4.º trimestre de 2015€52.149,90€52.149,90€52.149,90
1.º trimestre de 2016€35.576,64€35.576,64€35.576,64
2.º trimestre de 2016€43.500,97€43.500,97€43.500,97
58. Porém, os arguidos, apesar de terem entregue as respetivas declarações periódicas com os valores acima descritos, não entregaram ao Estado, no prazo estabelecido para a apresentação das declarações periódicas de IVA, nem posteriormente nos 90 dias após o termo deste prazo, os montantes acima referidos de imposto apurado, relativo às quantias que liquidou e recebeu a titulo de IVA, quantias que a sociedade integrou no seu património.


59. A arguida AA sabia que a sociedade arguida M..... ... ....., enquanto sujeito passivo de IVA, tinha de liquidar trimestralmente o imposto devido ao Estado, deduzindo ao imposto por si faturado o imposto suportado nas aquisições efetuadas, competindo-lhe igualmente entregar aos Cofres do Estado, juntamente com a declaração relativa às operações, a liquidação do imposto, o que, não obstante, não fizeram.


60. Os arguidos foram notificados em 28.09.2016 e 20.11.2018 para, no prazo de 30 dias, procederem ao pagamento das quantias referidas em 52) e 53) dos respetivos juros e coima aplicável, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 105.º, n.º 4, alínea b) do R.G.I.T.


61. No entanto, esse pagamento não foi efetuado.


62. Em consequência desta conduta, os arguidos obtiveram as vantagens patrimoniais de €201.486,05 (duzentos e um mil quatrocentos e oitenta e seis euros e cinco cêntimos), correspondente ao valor liquidado, recebido e não entregue aos cofres do Estado referente ao IVA supra descrito, causando ao Estado português um prejuízo patrimonial de igual montante.


63. A arguida AA atuou de forma livre, voluntária e consciente, na qualidade de representante da sociedade arguida, em nome e no interesse desta, bem como no seu próprio interesse, com o propósito, conseguido, de não entregar aquelas quantias a título de IVA ao Estado, como sabiam estar obrigados, quantias que receberam dos clientes e que integraram no património da sociedade, bem sabendo que tais montantes não lhes pertenciam e que atuando desse modo diminuíam a receita fiscal da Fazenda Nacional, prejudicando o Estado e obtinham uma vantagem patrimonial a que não tinham direito.


64. Acresce que nos anos de 2013 e 2015, a arguida M..... ... ..... incluiu na sua contabilidade despesas que estão suportadas por documentos que não traduzem a efetiva realização dos serviços pelos valores neles indicados, assim tendo incrementado indevidamente os custos dos exercícios de 2013 e 2015, fazendo com que o resultado tributável declarado para efeitos de tributação em sede de IRC se reduzisse.


65. Esses documentos apresentam um descritivo genérico e abstrato apenas referindo “cedência de pessoal e outros custos correntes” e “cedência de pessoal”, não indicando qualquer critério quantitativo para o apuramento do montante imputado a essa cedência de pessoal, designadamente identificação dos funcionários, tempo de trabalho efetivo, especificação dos trabalhos alegadamente realizados, nem nada se especificando igualmente quanto aos alegados custos correntes, nem no próprio documento, nem em documento anexo.


66. Esses documentos são, em concreto, os seguintes:


- No exercício de 2013, a nota de débito n.º1, no montante de €309.742,53 e


- no exercício de 2015, a nota de despesa n.º2, no montante de €406.100,00.


67. Em 31.12.2013, a sociedade D......... .. .... emitiu à M..... ... ..... a nota de débito n.º1, no montante de €309.742,53 supostamente relativa a “cedência de pessoal e outros custos correntes”, o que na verdade não sucedia por não ter sido efetuado qualquer pagamento.


68. Em função da apresentação deste documento, no exercício de 2013, relativamente à tributação em sede de IRC, a sociedade M..... ... ..... apresentou um prejuízo fiscal de €30.311,65, o que determinou a ausência de tributação em sede de IRC e não sucederia se não tivesse sido apresentada aquela nota de débito.


69. De facto, procedendo-se às correções em sede de IRC significaria que a sociedade, no exercício de 2013, teria um resultado tributável corrigido de €279.430,88 e, consequentemente, o valor de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas a pagar no montante de €69.857,72 e de €3.185,51 de derrama municipal, pelo que, ao agir daquele modo, a sociedade obteve uma vantagem patrimonial de €73.043,23, relativo ao imposto que deixou de ser pago ao Estado.


70. Do mesmo modo, em 31.12.2015, a sociedade D......... .. .... emitiu para a M..... ... ..... a nota de despesa n.º2, no montante de €406.100,00 supostamente relativa a “cedência de pessoal”, o que na verdade não sucedia por não ter sido efetuado qualquer pagamento.


71. Em função da apresentação deste documento, no exercício de 2015, relativamente à tributação em sede de IRC, a sociedade M..... ... ..... apresentou um prejuízo fiscal de €193,14, o que determinou a ausência de tributação em sede de IRC e não sucederia se não tivesse sido apresentada aquela nota de débito.


72. Ora, procedendo-se às correções em sede de IRC nos termos acima referidos, significaria que a sociedade, no exercício de 2015, teria um resultado tributável corrigido de €406.209,30 e, consequentemente, o valor de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas a pagar no montante de €84.703,95 e de €5.890,03 de derrama municipal, pelo que, ao agir daquele modo, a sociedade obteve uma vantagem patrimonial de €90.593,98, relativo ao imposto que deixou de ser pago ao Estado.


A que acresce o seguinte:


73. Ainda de modo a reduzir o resultado tributável declarado para efeitos de tributação em sede de IRC, no ano de 2015, a sociedade M..... ... ..... procedeu aos registos na sua contabilidade através do lançamento a débito da conta “SNC 11.1 – Caixa”, quando se trata da entrada de valores e através do lançamento a crédito pela saída de valores.


74.


75. Em virtude do acima descrito esta conta, na contabilidade da sociedade M..... ... ..... em 31.12.2015 apresentava um saldo devedor de €492.361,39 e, na mesma data, tendo sido efetuada contagem física dos valores efetivamente existentes em caixa, apurou- se que ascendiam ao montante de €4.000,00, em numerário.


76. Para além disso, pela análise daquela conta e dos seus documentos de suporte, deveriam ter sido acrescidos ao saldo acima indicado de €492.361,39, os lançamentos n.º2015-11-30 002 000001, 2015-11-30 002 000007, 2015-11-30 002 000008 e 2015-11-30 002 000010 por respeitarem a uma data posterior à data da contagem (13.11.2015), pelo que à data de 13.11.2015, de acordo com os registos contabilísticos a sociedade deveria ter €492.627,28 em caixa, mas apenas detinha €4.000,00.


77. Significa isto que foram retirados da empresa meios monetários líquidos no valor de €488.627,28 (isto é, €492.627,28 - €4.000,00), valor este subtraído ao seu património pelos seus gerentes e que por isso, por se tratar de despesas/gastos não documentados, nos termos do Código do IRC, devem ser tributados autonomamente à taxa de 50%, pelo que a arguida, em virtude desta conduta, obteve uma vantagem patrimonial ilegítima pela falta de pagamento de IRC no montante de €244.313,64, calculado do seguinte modo:

ExercícioDespesas não

Documentadas

TaxaIRC em falta nos cofres do Estado
2015€488.627,2850%€244.313,64
78. A sociedade tinha assim registos contabilísticos que não têm qualquer relação com a realidade, colocando em causa a credibilidade da contabilidade e frustrando as suas finalidades, tendo agido desde modo de forma voluntária e consciente com intenção de ocultar e alterar factos e valores que deveriam constar da sua contabilidade, dos registos e das declarações fiscais, assim impedindo o correto apuramento da matéria coletável, bem como a sua fiscalização e controlo pela autoridade tributária.


79. Em virtude destas condutas que tiveram reflexo no IRC do ano de 2015, a sociedade obteve uma vantagem patrimonial ilícita no valor global de €334.907,62, ou seja, os acima referidos €244.313,64, acrescidos do montante de €84.703,95 de IRC a pagar nesse ano após correções e mais o valor de €5.890,03 de derrama municipal.


80. A arguida atuou de forma livre, voluntária e consciente, na qualidade de representante da sociedade arguida M..... ... ....., em nome e no interesse desta, bem como no seu próprio interesse, com o propósito, conseguido, de não pagar a quantia a título de IRC a que estavam obrigadas ao Estado nos anos de 2013 e 2015, cientes de que se apresentassem na contabilidade da sociedade que geria aqueles documentos relativos ao pagamento de valores que na realidade não tinham suportado, como efetivamente sucedeu, assim agindo faziam com que o seu prejuízo fiscalmente declarado aumentasse e, em consequência, não fosse tributada em sede de IRC, como sucedeu, sabendo que assim agindo induziam em erro a Administração Fiscal alterando factos que devem constar da sua contabilidade e das declarações fiscais, e, por essa forma, à custa do Estado e da comunidade contribuinte, recebiam vantagens patrimoniais e benefícios fiscais indevidos, pela dedução indevida no referido imposto, ocasionando dessa forma uma diminuição das receitas tributárias do Estado em igual medida.


81. No ano de 2015, corria termos no Serviço de Finanças de ... os processos de execução fiscal n.º ..............67, ..............85, ..............58, ........... ...00, ..............23, ..............59 e em que era executada principal a sociedade M..... ... ......


82. A dívida total nestes processos de execução fiscal, em 12.10.2015, totalizava o montante de €13.269,08.


83. Nesses processos foi determinada a penhora de bens da executada e, em consequência, emitido mandado de penhora para o efeito, tendo sido penhorados em 12.10.2015 diversos bens móveis da executada, melhor descritos a fls. 6 a 7 do apenso B, como mobiliário, artigos de escritório e decoração e máquinas, aos quais foi atribuído o valor de €15.300,00.


84. Em 12.11.2015 foi efetuado o pagamento voluntário do montante acima indicado relativo aos processos fiscais aludidos em 81).


85. Nesse ano de 2015, corria ainda termos no Serviço de Finanças de ... o processo de execução fiscal n.º..............42 em que era principal executada a sociedade M..... ... ..... totalizando a dívida, à data de 17.11.2015, o montante de €44.780,08.


86. No âmbito deste processo foi determinada a penhora de bens da executada e, em consequência, emitido mandado de penhora para o efeito, mas quando os funcionários do serviço de Finanças em 19.11.2015 se deslocaram às instalações da sociedade M..... ... ....., verificaram que ali não existiam qualquer bens penhoráveis.


87. De facto, todos os bens existentes nas instalações da sociedade M..... ... ..... tinham sido vendidos em 16.10.2015 à sociedade M.........., apesar de se encontrarem todos em uso nas mesmas instalações e pela sociedade M..... ... ......


88. De acordo com o contrato de compra e venda, datado de 12.10.2015, a M.......... declarou que iria liquidar a quantia exequenda e valores acrescidos em dívida nos processos de execução fiscal n.º ..............67, ..............85, ..............58, ..............00, ..............23 e ..............59, bem como outra dívida da responsabilidade da sociedade M..... ... ..... no valor de €9.000,00, declarando esta que venderia àquela todos os bens móveis aí melhor descriminados, pelo preço de €22.500,00 aquando do pagamento daquelas dívidas.


89. Como garantia, a M.......... deu, no imediato, em penhor, à M..... ... ..... os referidos bens móveis.


90. Na data da penhora, foi ainda apresentado contrato de aluguer de bens móveis, datado de 08.01.2015 pelo qual a M.......... declarou que cedia o uso à M..... ... ..... dos vários bens ali descritos nos termos constantes de fls. 14 a 15 do apenso B que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, durante o período de 12 meses, renovável por igual período no silêncio das partes, vencendo-se a primeira renda a 08.01.2016, embora não se mencione o valor da renda anual, pelo que se trataria de uma cedência de uso gratuita que visava apenas impedir a penhora daqueles bens.


91. À data de 19.11.2015 a M..... ... ..... era devedora da Autoridade Tributária do montante global de €182.322,78, quantia exequenda em vários outros processos de execução fiscal e que ficaram por pagar por não serem conhecidos outros bens suscetíveis de penhora pertencentes à executada.


92. As arguidas M.......... e M..... ... ..... tinham conhecimento da existência daqueles processos de execução fiscal e que a dívida à Autoridade Tributária da M..... ... ..... ascendia a €182.322,78 tendo acordado entre si que, para que a autoridade tributária não conseguisse penhorar os bens da executada e, consequentemente, vendê-los para obter o pagamento coercivo dos montantes em dívida, iriam simular a celebração daqueles contratos assim impedindo a satisfação daquele crédito tributário, dado que a M..... ... ..... não tinha outros bens penhoráveis.


93. Nunca as sociedades deram pagamento dos montantes acima referidos, nunca tendo, efetivamente os bens sido transferidos da posse de uma sociedade para a outra, tanto que nunca foi essa a sua intenção, mas antes impedir a penhora e, consequentemente, a satisfação dos créditos tributários da responsabilidade da sociedade M..... ... ......


94. Na verdade, estas duas empresas tinham à data estritos laços e que iam para além de uma parceria económica, tanto que os vencimentos dos funcionários da sociedade M..... ... ....., eram pagos por cheques emitidos pela sociedade M.......... e que ascendiam ao montante de €314.500,00, tendo igualmente sido transferido o montante de €883.420,31 da esfera da M.......... para a M..... ... ..... sem qualquer justificação, isto é, sem que exista documento de suporte de quaisquer serviços eventualmente prestados, sendo, por sua vez, no ano de 2014, os gastos da M..... ... ..... e da M.......... suportados pela D......... .. .....


95. Existia estreitas relações entre estas três sociedades e as pessoas que as geriam, sendo esse o objetivo do documento por elas firmado e que designaram de “memorando de entendimento”.


96. A arguida M..... ... ..... e a arguida AA atuaram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que tinham de efetuar o pagamento das quantias acima referidas que se encontravam em execução fiscal e de que os únicos bens suscetíveis de penhora e, consequentemente, aptos a satisfazer aquele pagamento eram os bens móveis acima melhor identificados e, não obstante, simularam a celebração daquele acordo, com o intuito de dissipar o seu património e impossibilitar à Fazenda Pública o pagamento do seu crédito, o que conseguiram.


97. No ano de 2013, a arguida D......... .. .... emitiu duas notas de débito, n.º1 e n.º2, emitidas a primeira a favor da sociedade M..... ... ....., no montante de €309.742,53 e a segunda a favor da sociedade M.......... no montante de €7.597,18, ambas datadas de 31.12.2013.


A vantagem patrimonial obtida com a emissão da nota de débito n.º1 corresponde a 71.240,78€.


A vantagem patrimonial obtida com a emissão da nota de débito n.º2 corresponde a 1.747,35€.


98. Ambas, na respetiva descrição mencionam apenas o seguinte “cedência de pessoal e outros custos correntes” e, sobre o valor debitado não incidiu IVA, contendo a seguinte indicação: “a) não sujeito; não tributado”.


99. No ano de 2015, a arguida D......... .. .... emitiu duas notas de despesa n.º1 e n.º2, emitidas a primeira a favor da sociedade M.........., no montante de €74.711,25 e a segunda a favor da sociedade M..... ... ..... no montante de €406.100,00, ambas datadas de 31.12.2015, na primeira designando-se “cedência de pessoal/Reembolso de cedência de espaço/EDP/água” e na segunda “Cedência de Pessoal” nas quais não foi liquidado o respetivo IVA, tendo ambas as sociedades as incluído na sua contabilidade.


A vantagem patrimonial obtida com a emissão da nota de despesa n.º1 corresponde a 17.183,59€.


A vantagem patrimonial obtida com a emissão da nota de despesa n.º2 corresponde a 93.403,00€.


100. Estas operações tinham subjacente um documento intitulado de “memorando de entendimento”, assinado entre as três sociedades.


101. O que sucedeu foi uma relação de subcontratação, tendo a M.......... e a M..... ... ....., não tendo meios que lhe permitissem fazer face à produção, recorrido aos serviços da D......... .. ...., o que significa que, na verdade, se trata de operações sujeitas a IVA.


102. Assim, ao agir deste modo as sociedades M.......... e a M..... ... ..... pretenderam dissimular a existência daquele contrato, apresentando aquelas notas, que não correspondiam à verdade e que inseriram na sua contabilidade, para deste modo ocultar e alterar factos e valores que deveriam constar da sua contabilidade e das declarações fiscais, assim impedindo o correto apuramento da matéria coletável, bem como a sua fiscalização e controlo pela autoridade tributária.


103. A arguida AA actuou, agindo de modo livre, voluntária e consciente, na qualidade de representante das sociedades arguidas M..... ... ..... . .......... .. ....em nome e no interesse daquela, bem como no seu próprio interesse, com o propósito, conseguido, de não pagar a quantia a título de IVA dos anos de 2013 e 2015 a que estavam obrigadas ao Estado, ciente de que se apresentasse na contabilidade das sociedades que geria aqueles documentos e não declarasse o verdadeiro facto que lhes estava subjacente e que era a subcontratação, assim agindo fazia com que não tivessem de pagar a respetiva quantia devida a título de IVA, como sucedeu, sabendo que assim agindo induziam em erro a Administração Fiscal alterando factos que devem constar da sua contabilidade e das declarações fiscais, e, por essa forma, à custa do Estado e da comunidade contribuinte, recebiam vantagens patrimoniais e benefícios fiscais indevidos, ocasionando dessa forma uma diminuição das receitas tributárias do Estado em igual medida.


104. No ano de 2016, a arguida D......... .. .... emitiu duas notas de despesa n.º1 e n.º2, emitidas a primeira a favor da sociedade M.........., no montante de €192.471,45 e a segunda a favor da sociedade D.......... ......., Lda no montante de €232.738,56, ambas datadas de 31.12.2016, designando-se nas suas descrições “cedência de pessoal/Reembolso de cedência de espaço/EDP/água”, nas quais não foi liquidado o respetivo IVA, tendo ambas as sociedades as incluído na sua contabilidade.


A vantagem patrimonial obtida com a emissão da nota de despesa n.º1 corresponde a 44.268,43€.


A vantagem patrimonial obtida com a emissão da nota de despesa n.º2 corresponde a 53.529,87€.


105. O que sucedeu foi uma relação de subcontratação, tendo a M.......... e a D.........., não tendo meios que lhe permitissem fazer face à produção, recorrido aos serviços da D......... .. .....


106. Assim, ao agir deste modo as sociedades M.......... e a D.......... [e não, como lapso notório se fez constar “M..... ... .....”] pretenderam dissimular a existência daquele contrato, apresentando aquelas notas, que não correspondiam à verdade e que inseriram na sua contabilidade, para deste modo ocultar e alterar factos e valores que deveriam constar da sua contabilidade e das declarações fiscais, assim impedindo o correto apuramento da matéria coletável, bem como a sua fiscalização e controlo pela autoridade tributária.


107. As arguidas AA e CC atuaram de forma concertada, executando um plano que traçaram em comum, agindo de modo livre, voluntária e consciente, na qualidade de representantes das sociedades arguidas, D.......... . .......... .. .... em nome e no interesse das duas primeiras, bem como no seu próprio interesse, com o propósito, conseguido, de não pagar a quantia a título de IVA dos anos de 2016 a que estavam obrigadas ao Estado, cientes de que se apresentassem na contabilidade das sociedades que geriam aqueles documentos e não declarassem o verdadeiro facto que lhes estava subjacente e que era a subcontratação, assim agindo faziam com que não tivessem de pagar a respetiva quantia devida a título de IVA, como sucedeu, sabendo que assim agindo induziam em erro a Administração Fiscal alterando factos que devem constar da sua contabilidade e das declarações fiscais, e, por essa forma, à custa do Estado e da comunidade contribuinte, recebiam vantagens patrimoniais e benefícios fiscais indevidos, ocasionando dessa forma uma diminuição das receitas tributárias do Estado em igual medida.


108. Ainda de modo a reduzir o resultado tributável declarado para efeitos de tributação em sede de IRC, no ano de 2015, a sociedade D......... .. .... procedeu aos registos na sua contabilidade através do lançamento a débito da conta “SNC 11.1 – Caixa”, quando se trata da entrada de valores e através do lançamento a crédito pela saída de valores.


109.


110. Em virtude do acima descrito esta conta, na contabilidade da sociedade D......... .. .... em 30.11.2015 apresentava um saldo devedor de €48.230,65 e, em 13.11.2015, tendo sido efetuada contagem física dos valores efetivamente existentes em caixa apurou-se que ascendiam ao montante de €500,00.


111. Para além disso, pela análise daquela conta e dos seus documentos de suporte, deveriam ter sido acrescidos ao saldo acima indicado de €48.230,65, o lançamentos n.º2015-11-30 002 000003, no montante de €42,46 por respeitarem a uma data posterior à data da contagem (13.11.2015), pelo que à data de 13.11.2015, de acordo com os registos contabilísticos a sociedade deveria ter €48.273,11 em caixa, mas apenas detinha €500,00.


112. Foram retirados da empresa meios monetários líquidos no valor de €47.773,11 (isto é, €48.273,11 - €500,00), valor este subtraído ao seu património pelos seus gerentes e que por isso, por se tratar de despesas/gastos não documentados devem ser tributados autonomamente à taxa de 50%, pelo que a arguida, em virtude desta conduta, obteve uma vantagem patrimonial ilegítima pela falta de pagamento de IRC no montante de €23.886,56, calculado do seguinte modo:

ExercícioDespesas não

documentadas

TaxaIRC em falta nos cofres do Estado
2015€47.773,11
      50%
€23.886,56
113. A sociedade tinha assim registos contabilísticos que não têm qualquer relação com a realidade, colocando em causa a credibilidade da contabilidade e frustrando as suas finalidades, tendo agido desde modo de forma voluntária e consciente com intenção de ocultar e alterar factos e valores que deveriam constar da sua contabilidade, dos registos e das declarações fiscais, assim impedindo o correto apuramento da matéria coletável, bem como a sua fiscalização e controlo pela autoridade tributária.


114. Também no exercício de 2015, a arguida D......... .. ...., contabilizou indevidamente um gasto na conta 6381, através do documento n.º7 que corresponde a uma nota de lançamento contabilístico, no montante de €9.000,00 com o seguinte descritivo “indemnização p/ desp.”.


115. Este gasto foi contabilizado por contrapartida da conta “...11 – Valores a pagar a Sindicatos”, sem que conste qualquer documento que justifique o lançamento contabilístico.


116.


117. A sociedade D......... .. .... ocultou e alterou os factos ou valores que deveriam constar da contabilidade, dos registos e das declarações fiscais, assim impedindo o correto apuramento da matéria coletável, bem como a sua fiscalização e controlo pela autoridade tributária.


118. Em virtude destas condutas, a sociedade D......... .. ...., no exercício de 2015 obteve uma vantagem patrimonial ilícita de €25.475,38, calculado do seguinte modo:

      Descrição
Exercício de 2015
      Resultado Tributável declarado (prejuízo fiscal)
€-173,22
      Correções efetuadas pela Autoridade Tributária
€9.000,00
      Resultado Tributável corrigido
€8,826,78
      IRC a pagar
€1.500,55
      Derrama municipal
€88.27
      Tributação autónoma
€23.886.56
Total a pagar ao Estado€25.475,38
119. Quanto ao exercício de 2017, verificou-se que, em 14.07.2017, efetivamente, a sociedade “D......... .. ....” não apresentava qualquer valor em caixa, mas na conta “11-Caixa” referente a esse ano, apresentava à data de 31.07.2017 um saldo devedor no montante de €406.594,08.


120. Analisados os movimentos da referida conta, verificou-se que em 14.07.2017, data em que foi efetuada a contagem de caixa, o saldo contabilístico era de €445.650,98.


121. Assim, considerando que o montante de €47.773,11 já foi tomado em consideração acima no que se refere ao período de 2015, no exercício de 2017 haveria lugar à tributação da diferença, ou seja, de €397.877,87.


122. Foram retirados da empresa meios monetários líquidos no valor de €397.877,87, valor este subtraído ao seu património pelos seus gerentes e que por isso, por se tratar de despesas/gastos não documentados, nos termos do Código do IRC, devem ser tributados autonomamente à taxa de 60%, pelo que a arguida, em virtude desta conduta, obteve uma vantagem patrimonial ilegítima pela falta de pagamento de IRC no montante de €238.726,72, calculado do seguinte modo:


Processo Comum (Tribunal Coletivo)

ExercícioDespesas

não documentadas

TaxaIRC em falta nos cofres do Estado
2017

. __________ :

      €397.877,87
60%€238.726,72
123. A sociedade tinha assim registos contabilísticos que não têm qualquer relação com a realidade, colocando em causa a credibilidade da contabilidade e frustrando as suas finalidades, tendo agido desde modo de forma voluntária e consciente com intenção de ocultar e alterar factos e valores que deveriam constar da sua contabilidade, dos registos e das declarações fiscais, assim impedindo o correto apuramento da matéria coletável, bem como a sua fiscalização e controlo pela autoridade tributária.


124. A arguida AA atuou de forma livre, voluntária e consciente, na qualidade de representante da sociedade arguida D......... .. ...., em nome e no interesse desta, bem como no seu próprio interesse, com o propósito, conseguido, de não pagar a quantia a título de IRC a que estavam obrigadas ao Estado nos anos de 2015 e 2017, cientes de que assim agindo faziam com que o seu prejuízo fiscalmente declarado aumentasse e, em consequência, não fosse tributada em sede de IRC, como sucedeu, sabendo que assim agindo induziam em erro a Administração Fiscal alterando factos que devem constar da sua contabilidade e das declarações fiscais, e, por essa forma, à custa do Estado e da comunidade contribuinte, recebiam vantagens patrimoniais e benefícios fiscais indevidos, pela dedução indevida no referido imposto, ocasionando dessa forma uma diminuição das receitas tributárias do Estado em igual medida.


125. A sociedade M.......... inseriu na sua contabilidade, no exercício de 2015 as seguintes faturas:


a) a fatura n.º1500/000003, emitida pela sociedade D......... .. ...., no montante de €63.038,73, sobre a qual exerceu o direito à dedução do IVA nela inscrito no montante de €11.787,73;


b) a fatura n.º 1500/000008 emitida pela sociedade M..... ... ....., no montante de €303.502,50, sobre a qual exerceu o direito à dedução do IVA nela inscrito no montante de €56.752,50.


126.


127. As duas referidas faturas contêm uma descrição vaga e genérica dos serviços alegadamente prestados, não especificando, em concreto, a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados.


128. Significa isto que a sociedade deduziu indevidamente, no 4.º trimestre de 2015, IVA no montante total de €68.540,23 e em concreto nos seguintes montantes:

N.º faturaFornecedorDataMontante
3Desempenho de topo11.12.2015€11.787,73
8Missão sem rival22.12.2015€56.752,50
      €68.540,23
129. A contabilização destas duas faturas teve também implicações em sede de IRC pois a sociedade M.......... inclui na sua contabilidade despesas suportadas pelos referidos documentos, os quais não traduzem a efetiva realização dos serviços pelos valores neles indicados.


130. Com efeito os documentos em causa apresentam um descritivo genérico e abstrato, apenas referindo “serviços prestados corte e costura”, no caso da fatura 1500/000003 e “serviços prestados corte/costura/montagem e acabamento”, no caso da fatura 1500/000008, não indicando qualquer critério quantitativo para o apuramento dos respetivos montantes imputados a cada uma, nem existe qualquer documento onde pudesse estar uma justificação para os montantes mencionados nos documentos em causa.


131.


132. Em função disto, o resultado tributável do ano de 2015 deve ser corrigido pelos montantes correspondentes às respetivas bases tributáveis das faturas em causa, respetivamente de €51.251,00 e de €246.750,00, totalizando €298.001,00.


133. Ao agir deste modo a sociedade adulterou o resultado tributável do exercício de 2015, incrementando os respetivos gastos do exercício e a consequente obtenção de uma vantagem patrimonial traduzida no não pagamento do imposto daí decorrente, calculado do seguinte modo:

      Descrição
Exercício de 2015
      Resultado Tributável declarado (prejuízo fiscal)
€-112.41
      Correções efetuadas pela Autoridade Tributária
€579 763.41
      Resultado Tributável corrigido
€579651.00
      IRC liquidado
€121.126.71
      Pagamento por conta (a dedu2ir)
€296.74
      IRC a pagar
€120.829.97
      Derrame municipal
€8.694,77
Total a pagar ao Estado€129.524,74
134. Porém, do total acima indicado de €579.651,00 do resultado tributável corrigido, tomando em consideração apenas €410.690,14, a vantagem patrimonial obtida com a conduta, em proporção a estes valores, corresponderá a €91.755,33.


135. No exercício de 2015, a sociedade M.......... contabilizou as faturas n.º 2015/44 e n.º 2015/47 emitidas pela sociedade T.... ........, Unipessoal, Lda, relativas a alegadas compras de peles para fabricação de calçado, respetivamente nos montantes de €18.603,03 acrescido de IVA de €4.278,70 e de €19.374,86 acrescido de IVA de €4.456,22, nos termos a seguir indicados:

N.ºDataDesignaçãoQuantidadePreçoMontanteIVATotal
Faturauntt.
2015/4418.05,2015
      Lote anilina
vaca

castanho.

preto, camel

5.724.013,25€18.603.03€4,278.70€22.881.73
Natur5.083.002.85€14537.38
2015/4704 06.2015nobuck€4.456.22€23,831.08
Forro de5.435.370.89€4.837.48
crute
      Total
€37.977.89€8.734.92€46.712,81
136. A sociedade M.......... inseriu na sua contabilidade as faturas acima identificadas, bem como nas suas declarações fiscais, como se se tratasse de dinheiro que tivesse efetivamente pago em troca das transações nelas descritas.


137. Porém, os valores acima diferenciados não foram pagos pela sociedade M.......... à sociedade T.... ........ Unipessoal, Lda por não terem ocorrido os negócios subjacentes à emissão daquelas faturas, isto é, nem T.... ........ Unipessoal, Lda entregou aqueles bens e prestou aqueles serviços, nem a sociedade M.......... pagou os montantes nelas referidos.


De facto,


138. A sociedade T.... ........ Unipessoal, Lda foi constituída em 03.10.2014, tendo estado coletada no serviço de Finanças de ..., para o exercício de uma atividade que nada tem a ver com os fornecimentos alegadamente efetuados, ou seja, comércio por grosso de cortiça.


139. O domicílio fiscal do gerente desta sociedade JJ, é também sede da empresa, situada na Rua ..., ..., em ..., local onde não existiam nenhuns indícios do exercício de qualquer atividade.


140. Apenas foi possível apurar que esta empresa, em 09.09.2015, apesar de estar registada com o CAE de comércio de cortiça, operava na área das telecomunicações.


141. Nenhuma das viaturas identificadas nas guias de remessa timbradas em nome da sociedade emitidas em 2015 efetuou os alegados transportes de mercadoria, nem nenhum operador comercial declarou ter vendido à T.... ........ Unipessoal, Lda os materiais alegadamente por ela vendidos (peles ou tecidos).


142. Para além disso, os movimentos das contas bancárias não evidenciam movimentos compatíveis com o alegado nível de atividade exercida, dada a faturação emitida.


143. O pagamento destas duas faturas foi realizado através de um mero movimento contabilístico de “regularização de saldos”, reportado ao último dia do ano (31.12.2015), suportados apenas com uma nota de lançamento em que é debitada a conta “.....26-Outros devedores e credores” por contrapartida da conta “111-Caixa”, ou seja, não existe qualquer documento que comprove o efetivo pagamento destas faturas.


144. Nas guias de remessa destas faturas é indicado como local de descarga “Porto”, local onde a M.......... tem sede e que corresponde também à residência fiscal da sua sócia gerente, mas nunca foi exercida qualquer atividade nesse local, já que corresponde a imóvel destinado a habitação.


145.


146. Para além disso, no ano de 2015, a sociedade M.......... inseriu na sua contabilidade a nota de despesa n.º1 emitida pela sociedade D......... .. ...., no montante total de €74.711,25 e que contém o seguinte descritivo “cedência de pessoal”, “reembolso de cedência de espaço”, “EDP” e “Água”.


147.


148.


149.


150.


151. A sociedade, ao contabilizar esta fatura, adulterou o resultado tributável declarado, com o objetivo de reduzir ou mesmo suprimir a tributação em sede de IRC, como conseguiu, dado que, por força desta conduta, no exercício de 2015, não foi aplicado imposto dado que foi declarado prejuízo fiscal no montante de €112,41.


152. O representante da sociedade arguida M.........., em nome e no interesse desta, bem como no seu próprio interesse, com o propósito, conseguido, de não pagar a quantia a título de IRC e IVA a que estavam obrigadas ao Estado no ano de 2015, cientes de que assim agindo faziam com que o seu prejuízo fiscalmente declarado aumentasse e, em consequência, não fosse tributada em sede de IRC, como sucedeu, sabendo que assim agindo induziam em erro a Administração Fiscal alterando factos que devem constar da sua contabilidade e das declarações fiscais, e, por essa forma, à custa do Estado e da comunidade contribuinte, recebiam vantagens patrimoniais e benefícios fiscais indevidos, pela dedução indevida no referido imposto, ocasionando dessa forma uma diminuição das receitas tributárias do Estado em igual medida.


153. Para além disso, no ano de 2016, a sociedade D.......... inseriu na sua contabilidade a nota de despesa n.º2 emitida pela sociedade D......... .. ...., no montante total de €232.738,56 e que contém o seguinte descritivo “cedência de pessoal”, “reembolso de cedência de espaço”, “EDP” e “Água”.


154. Esta nota de despesa foi contabilizada na respectiva conta “62112” pelo montante de €233.538,56.


155.


156. Assim, a sociedade, ao contabilizar esta fatura, adulterou o resultado tributável declarado, com o objetivo de reduzir ou mesmo suprimir a tributação em sede de IRC, como conseguiu, dado que, por força desta conduta, no exercício de 2016, foi declarado lucro tributável substancialmente inferior ao real e, por isso, reduzido o montante de tributação.


157. Também nesse ano de 2016, a sociedade D.......... inseriu na sua contabilidade a nota de despesa n.º3 emitida pela sociedade M..... ... ....., no montante total de €96.497,04 e que contém o seguinte descritivo “cedência de pessoal”, “reembolso de cedência de espaço”, “EDP” e “Água”.


158. Esta nota de despesa foi contabilizada na respetiva conta SNC “...12” pelo referido montante.


159.


160. A sociedade, ao contabilizar esta fatura, adulterou o resultado tributável declarado, com o objetivo de reduzir ou mesmo suprimir a tributação em sede de IRC, como conseguiu, dado que, por força desta conduta, no exercício de 2016, foi declarado lucro tributável substancialmente inferior ao real e, por isso, reduzido o montante de tributação.


161. Em virtude destas condutas, a sociedade D.........., no exercício de 2016 obteve uma vantagem patrimonial ilícita de €71.626,47, calculado do seguinte modo:

      Descrição
Exercício de 2016
      Resultado Tributável declarado (prejuízo fiscal)
€-8.897.24
      Correções efetuadas pela Autoridade Tributária
€330.035,60
      Resultado Tributável corrigido
€339.107,08
      IRC Liquidado
€68.744,06
      IRC a pagar
€68.744,06
      Derrama municipal
€2.882,41
Total de imposto a pagar ao Estado€71.626,47
162. A arguida CC atuou de forma livre, voluntária e consciente, na qualidade de representante da sociedade arguida D.........., em nome e no interesse desta, bem como no seu próprio interesse, com o propósito, conseguido, de não pagar a quantia a título de IRC a que estava obrigada ao Estado no ano de 2016, ciente de que assim agindo fazia com que o seu prejuízo fiscalmente declarado aumentasse e, em consequência, não fosse tributada em sede de IRC, como sucedeu, sabendo que assim agindo induzia em erro a Administração Fiscal alterando factos que devem constar da sua contabilidade e das declarações fiscais, e, por essa forma, à custa do Estado e da comunidade contribuinte, recebia vantagens patrimoniais e benefícios fiscais indevidos, pela dedução indevida no referido imposto, ocasionando dessa forma uma diminuição das receitas tributárias do Estado em igual medida.


163. No exercício da sua atividade, a sociedade D.........., através da arguida CC, transmitiu bens e prestou serviços a título oneroso aos seus clientes, atos estes sujeitos a IVA, cujo montante foi calculado aquando da faturação dos serviços em questão e incluído no preço global dos mesmos pago pelos seus adquirentes.


164.


165. A sociedade arguida, dirigida pela arguida CC, no período do 3.º trimestre de 2017, apurou Imposto sobre o Valor Acrescentado no montante de €26.822,82 e no período do 4.º trimestre de 2017, apurou Imposto sobre o Valor Acrescentado no montante de €21.137,27.


166. Dos montantes acima indicados relativos aos montantes de IVA apurados e declarados à administração tributária a sociedade arguida recebeu efetivamente dos seus clientes até ao termo do prazo para entrega da declaração os seguintes valores:

Período
      IVA

      liquidado a clientes

IVA apurado

e declarado à

AT

      IVA recebido de
      3.º trimestre de 2017
€38.821,31€26 822,82€38.256,59
      4.º trimestre de 2017
€21.137,27€21.137,27€21.137,27
TOTAL€59.958,58€47.960,09€59.393,86
167. Porém, a arguida, apesar de ter entregue as respetivas declarações periódicas com os valores acima descritos, não entregaram ao Estado, no prazo estabelecido para a apresentação das declarações periódicas de IVA, nem posteriormente nos 90 dias após o termo deste prazo, os montantes acima referidos de imposto apurado, relativo às quantias que liquidou e recebeu a titulo de IVA, quantias que a sociedade integrou no seu património.


168. A arguida sabia que a sociedade arguida, enquanto sujeito passivo de IVA, tinha de liquidar trimestralmente o imposto devido ao Estado, deduzindo ao imposto por si faturado o imposto suportado nas aquisições efetuadas, competindo-lhe igualmente entregar aos Cofres do Estado, juntamente com a declaração relativa às operações, a liquidação do imposto, o que, não obstante, não fez..


169. A arguida CC, em seu nome individual e em representação da sociedade D.........., foi notificada em 20.12.2018 para, no prazo de 30 dias, procederem ao pagamento das quantias referidas em 153) e 154), dos respetivos juros e coima aplicável, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 105.º, n.º 4, alínea b) do R.G.I.T.


170. A arguida BB, em seu nome individual e em representação da sociedade D.........., foi notificada em 02.10.2019 para, no prazo de 30 dias, procederem ao pagamento das quantias referidas em 153) e 154), dos respetivos juros e coima aplicável, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 105.º, n.º 4, alínea b) do R.G.I.T.


171. No entanto, esse pagamento não foi efetuado.


172. Em consequência desta conduta, a arguida obteve a vantagem patrimonial de €47.960,09 correspondente ao valor liquidado, recebido e não entregue aos cofres do Estado referente ao IVA supra descrito, causando ao Estado português um prejuízo patrimonial de igual montante.


173. A arguida atuou de forma livre, voluntária e consciente, na qualidade de representante da sociedade arguida, em nome e no interesse desta, bem como no seu próprio interesse, com o propósito, conseguido, de não entregar aquelas quantias a título de IVA ao Estado, como sabia estar obrigada, quantias que recebeu dos clientes e que integrou no património da sociedade, bem sabendo que tais montantes não lhes pertenciam e que atuando desse modo diminuía a receita fiscal da Fazenda Nacional, prejudicando o Estado e obtinha uma vantagem patrimonial a que não tinham direito.


174. Os arguidos AA, CC, DD e EE, sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.


Mais se provou que:


Antecedentes criminais:


(…)


179. A arguida AA tem os seguintes antecedentes criminais:


i) Foi condenada pela prática em 1/9/2009, de um crime de abuso de confiança fiscal, por sentença datada de 13/2/2013, transitada em 5/3/2013, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de cinco euros (processo 83/10.5...).


ii) Foi condenada pela prática em 2008, de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, por sentença datada de 4/10/2013, transitada em 4/11/2013, na pena de 210 dias de multa à taxa diária de dez euros (processo 1567/11.3...).


iii) Foi condenada pela prática no ano de 2012, de um crime de abuso de confiança fiscal, por sentença datada de 24/4/2014, transitada a 26/5/2014, na pena de 60 dias de multa a taxa diária de cinco euros (processo 93/13.0...).


iv) Foi condenada pela prática em 16/8/2013, de um crime de abuso de confiança fiscal, por sentença datada de 28/6/2016, transitada a 23/9/2016, na pena de 150 dias de multa à taxa diária de cinco euros (processo 183/14.2...).


v) Foi condenada pela prática em Janeiro de 2018, de um crime de encerramento ilícito, p. e p. pelo art.º 465.º da Lei 35/2004, de 29 de Julho, e e Novembro de 2017, pela prática de um crime de encerramento ilícito, p. e p. pelo art.º 311.º e 312.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009, de 12/2 e punível pelo art.º 316.º n.º1 do mesmo diploma, por sentença datada de 13/3/2019, transitada a 30/9/2019, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de 120 dias de multa (processo 442/18.5...).


vi) Foi condenada pela prática a Junho de 2010, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, por sentença datada de 7/11/2019, transitada a 9/12/2019, na pena de 2 anos de prisão suspensa pelo período de cinco anos (processo 1459/15.7...).


vii) Foi condenada pela prática a 6/10/2016, de seis crimes de burla simples e de seis crimes de falsificação de documentos, por sentença datada de 4/2/2020, transitada a 5/3/2020, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão suspensa por igual período (processo 592/16.2...).


(…)


181. (Das condições sócio económicas):


(…)


184. A arguida AA em termos de declaração na Segurança Social, teve como data da última remuneração da sociedade M..... ... ..... Comércio e fabrico de Calçado Unipessoal, Ldª em Outubro de 2018, tendo auferido o valor de 580,00€.


Não se encontra como beneficiária no sistema da CGA.


A arguida AA é encarregada, actualmente desempregada.


Não aufere qualquer subsídio;


Habita com familiares e vive da ajuda destes e do seu marido, o qual se encontra no Senegal;


Tem dois filhos menores que se encontram a residir com a mãe da arguida.


Tem como habilitações literárias o 9.º ano de escolaridade.


(…)”.


10. Âmbito do recurso


O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação (art.412.º, n.º1 do Código de Processo Penal). São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso.1


Como bem esclarecem os Simas Santos e Leal-Henriques, «Se o recorrente não retoma nas conclusões, as questões que suscitou na motivação, o tribunal superior, como vem entendendo o STJ, só conhece das questões resumidas nas conclusões, por aplicação do disposto no art. 684.º, n.º3 do CPC. [art.635.º, n.º 4 do Novo C.P.C.]» (in Código de Processo Penal anotado, 2.ª edição, Vol. II, pág. 801).


No mesmo sentido refere Germano Marques da Silva, que “As conclusões resumem a motivação, e por isso, que todas as conclusões devem ser antes objeto de motivação. É frequente, na prática, o desfasamento entre a motivação e as correspondentes conclusões ou porque as conclusões vão além da motivação ou ficam aquém. Se ficam aquém a parte da motivação que não é resumida nas conclusões torna-se inútil porque o tribunal de recurso só pode considerar as conclusões; se vão além também não devem ser consideradas porque as conclusões são o resumo da motivação e esta está em falta”.2


No caso, embora a recorrente comece por anunciar na motivação que “o presente recurso tem como fundamento, e sob o ponto de vista do recorrente, o erro notório na apreciação da prova e a insuficiência para a matéria de facto provada e contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, conforme resulta de uma análise atenta, cuidada e crítica da Douta Sentença”, não retoma nas conclusões da motivação a existência dos vícios a que alude o n.º2 do art.410.º do Código de Processo Penal, como questão objeto do presente recurso.


Nem a recorrente concretizou e desenvolveu na motivação do recurso os termos em que ocorreriam os citados vícios, nem o Supremo Tribunal de Justiça os vislumbra a partir do texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, pelo que o objeto do recurso se vai cingir às conclusões da motivação do recurso.


Face às conclusões da motivação do recurso da arguida AA a questão a decidir é a seguinte: saber se as penas, parcelares e única, são excessivas, e a pena unitária deve ser fixada em medida inferior a 5 anos de prisão, suspensa na sua execução.


10. Apreciando.


10.1. Previamente ao conhecimento do objeto do recurso, impõe-se fazer uma breve consideração sobre a competência do Supremo Tribunal de Justiça para o conhecimento do recurso, na medida em que a arguida dirigiu o recurso ao Tribunal da Relação do Porto, mas a Ex.ma Juíza Desembargadora, por despacho de 9 de outubro de 2023, determinou a sua remessa ao Supremo Tribunal de Justiça por o considerar competente para o conhecimento do recurso, nos termos dos artigos 427º e 432º, n.º 1, al. c), ambos do C.P.P., atento o seu objeto (matéria de direito) e a pena única aplicada (superior a 5 anos).


O direito ao recurso constitui uma das mais importantes dimensões das garantias de defesa do arguido em processo penal, tendo passado a constar expressamente, na 4.ª revisão constitucional (1997), do art.32.º, n.º 1, da Constituição da República, com o aditamento do inciso «incluindo o recurso».


O que esta norma constitucional não consagra é a garantia de um duplo grau de recurso ou de um triplo grau de jurisdição, em relação a quaisquer decisões condenatórias.


O atual Código de Processo Penal, na sua versão originária, estabelecendo como pedra de toque para a determinação da competência do tribunal de recurso a natureza do tribunal recorrido, atribuía a competência ao Tribunal da Relação para conhecer das decisões de tribunais singulares e a competência ao Supremo Tribunal de Justiça para conhecer das decisões de conhecer das decisões dos tribunais coletivos e do júri.


Perante as críticas desta solução legislativa, no que respeita ao recurso direto para o Supremo Tribunal de Justiça para conhecer das decisões de conhecer das decisões dos tribunais coletivos e do júri, na medida em que eliminaria a garantia de recurso relativamente à reapreciação da matéria de facto por um tribunal de recurso, foram introduzidas alterações no regime dos recursos pela Lei n.º 59/98 de 25 de agosto e pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, estabeleceram-se novas vias de recurso para a Relação e para o STJ.


A Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, alterou o texto da alínea c), n.º1, do art.432.º do C.P.P. e aditou-lhe n.º2.


O art.432.º do Código de Processo Penal, que estabelece taxativamente os casos em que tem lugar recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, passou a estabelecer, designadamente:


«1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:


(…)


c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito;


(…)


2 - Nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso prévio para a relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 414.º.».


A revisão do Código Penal de 2007, em função do estabelecido no n.º 2 do artigo 432.º do CPP, evidencia claramente a obrigatoriedade do recurso per saltum, desde que o recorrente tenha em vista a reapreciação de pena aplicada em medida superior a 5 anos de prisão e vise exclusivamente a reapreciação da matéria de direito.


A Relação passou a só ter competência para o conhecimento do recurso de pena aplicada em medida superior a 5 anos de prisão se o recorrente, ao provocar a reapreciação do caso penal, quiser abranger a própria matéria de facto.


A Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro, aditou, entretanto, no final da alínea c), n.º1, do art.432.º do C.P.P., a redação «…ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º», ampliando os fundamentos do recurso per saltum, dos acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo de 1.ª instância com a alegação de existência de erro-vícios e/ou nulidade insanável da decisão.


No acórdão de fixação de jurisprudência n.º5/2017, o S.T.J. decidiu que «A competência para conhecer do recurso interposto de acórdão do tribunal do júri ou do tribunal coletivo que, em situação de concurso de crimes, tenha aplicado uma pena conjunta superior a cinco anos de prisão, visando apenas o reexame da matéria de direito, pertence ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, do CPP, competindo-lhe também, no âmbito do mesmo recurso, apreciar as questões relativas às penas parcelares englobadas naquela pena, superiores, iguais ou inferiores àquela medida, se impugnadas.».3


No caso em apreciação, o objeto do recurso é um acórdão condenatório, proferido por um tribunal coletivo, em que foi aplicada à recorrente uma pena de 6 anos de prisão – e a essa dimensão se deve atender para definir a competência material –, pelo que, estando em equação uma deliberação final de um tribunal coletivo, visando o recurso apenas o reexame de matéria de direito (circunscrita à redução da medida das penas de prisão, parcelares e única), cabe efetivamente ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer do recurso.


Conclui-se assim que, neste caso, o recurso interposto pelo arguido é direto, per saltum, sendo o Supremo Tribunal de Justiça o competente para o conhecer, nos termos do art.432.º, n.ºs 1, alínea c) e 2, do Código de Processo Penal.


10.2. A recorrente AA defende que o acórdão recorrido fez uma incorreta aplicação do disposto nos artigos 7.º, 8.º, 103.º, 104.º, 105.º do RGIT e 70.º, 71.º 77.º e 50.º, n.º 1, do Código Penal, pelo que deve ser revogado e substituído por outro que reduza as penas parcelares aplicadas para o seu limite mínimo, que sejam escolhidas as penas de multa em detrimento das penas de prisão aplicadas pelos crimes de abuso de confiança fiscal e de frustração de créditos e que, operado o cúmulo das penas parcelares se fixe a pena unitária em quantum inferior a 5 anos de prisão, suspensa na sua execução.


Apela para o efeito e em síntese, às seguintes circunstâncias: (i) embora tendo antecedentes criminais, os crimes foram cometidos devido às dificuldades financeiras que as empresas, por si geridas, atravessavam; (ii) desde a prática dos factos (ocorridos entre os anos de 2014 e 2016) e até à presente data, não praticou mais factos de natureza criminal, o que revela que tem mantido uma conduta conforme o direito; (iii) não praticou atos de violência relevantes contra pessoas; (iv) atuou motivada por dificuldades financeiras que tinha à data dos factos e não por um desvalor em relação ao valor vida; (v) tem 46 anos de idade; (vii) dois filhos menores; (viii) e como habilitações literárias o 9º ano de escolaridade; (ix) é encarregada, encontra-se desempregada, tem o apoio incondicional da sua família, habita com familiares e vive da ajuda destes e do seu marido; (x) a manterem-se as penas parcelares aplicadas, a pena unitária deve ser inferior a 5 anos de prisão, e suspensa na execução, por as circunstâncias referidas permitirem a conclusão que a ameaça e censura da pena são suficientes para afastar a recorrente da criminalidade.


Vejamos se assim é.


10.2.1. A recorrente não questiona que com a sua conduta, descrita nos factos dados como provados, praticou os crimes de fraude fiscal qualificada, de abuso de confiança fiscal e de frustração de créditos, pelos quais foi condenada na decisão recorrida.


Todos os tipos penais supra referidos, integram o regime sancionatório das infrações tributárias previsto no RGIT, que desincentiva as condutas ilícitas dos contribuintes, de não cumprimento dos seus deveres fiscais.


A sua finalidade é, antes do mais, proteger o Estado Social, possibilitando através da arrecadação das receitas fiscais a satisfação das tarefas que lhe são exigidas, com justa repartição dos rendimentos e da riqueza (art.103.º, n.º1 da C.R.P.). Não ainda é alheio, ao regime sancionatório penal fiscal, a necessidade de garantir o funcionamento normal da economia e os princípios da igualdade e da equidade tributária.


No caso, a arguida praticou 6 crimes de fraude fiscal qualificada, que no tipo fundamental do art.103.º do RGIT, abrange os comportamentos de ocultação, alteração de factos ou valores, celebração de negócio jurídico simulado, com vista à «não liquidação, entrega ou pagamento não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais suscetíveis de causarem diminuição das receitas tributárias».


Praticou um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo art.105.º do RGIT, que tutela a arrecadação das prestações tributárias do Estado, deduzidas nos termos da Lei. Pune-se por meio deste tipo penal o agente por ficar na posse de uma quantia que não lhe pertencia e que estava, por obrigação legal a entregar ao Estado, violando uma relação fiduciária pré-existente.


E praticou, ainda, um crime de frustração de créditos, p. e p. pelo art.88.º do RGIT, em que se prevê a punição do agente que, sabendo estar já liquidado o tributo ou sido iniciado o procedimento com vista à respetiva liquidação, dolosamente, procede à alienação, danificação ou ocultação, ao desaparecimento ou oneração do seu património, com vista à frustração parcial ou total do crédito tributário.


O RGIT estabelece no seu art.3.º, alínea a), que são subsidiariamente aplicáveis aos crimes tributários as disposições do Código Penal.


É no art.70.º do Código Penal que se encontra estabelecido o critério de orientação geral para a escolha da pena:


«Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade , o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.».


O requisito de que sejam levadas em conta, na escolha da pena, as «finalidades da punição», remete-nos para o art.40.º, n.º1, do Código Penal, onde se dispõe que a aplicação das penas (e das medidas de segurança) visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.


O objetivo último das penas é a proteção, o mais eficaz possível, dos bens jurídicos fundamentais.


Esta proteção implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, servindo primordialmente para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal (prevenção geral positiva ou de integração).


A prevenção geral radica no significado que a “gravidade do facto” assume perante a comunidade, isto é, no significado que a violação de determinados bens jurídico-penais tem para a comunidade e visa satisfazer as exigências de proteção desses bens na medida do necessário para assegurar a estabilização das expectativas na validade do direito.


A reintegração do agente na sociedade está ligada, por sua vez, à prevenção especial ou individual, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida.


A escolha entre a pena de prisão e a pena alternativa (ou de substituição) depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial.


A culpa, entendida como juízo de censura que é possível dirigir ao agente por não se ter comportado, como podia, de acordo com a norma , não tem relevância no problema da escolha da pena.4


Para determinação da medida concreta, dispõe o art.71.º, n.º1 do Código Penal que ela é feita, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.


O juízo de censura, ou desaprovação, é suscetível de se revelar maior ou menor sendo, por natureza, graduável e dependendo sempre das circunstâncias concretas em que o agente desenvolveu a sua conduta, traduzindo igualmente um juízo de exigibilidade determinado pela vinculação de cada um a conformar-se pela atuação de acordo com as regras estipuladas pela ordem jurídica superando as proibições impostas.


É a prevenção geral positiva que fornece uma moldura de prevenção geral positiva dentro de cujos limites podem e devem atuar considerações de prevenção especial.


Entre o ponto ótimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida de tutela dos bens jurídicos, podem e devem atuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo estes que vão determinar, em último termo a medida da pena.


Nesta tarefa, importa atender aos fatores de medida da pena, que na linguagem do art.71.º, n.º2 do Código Penal «…depuserem a favor do agente ou contra ele», considerando, designadamente, as suas várias alíneas.


As circunstâncias gerais enunciadas exemplificativamente no n.º2 do art.71.º do Código Penal, são, no ensinamento de Figueiredo Dias, elementos relevantes para a culpa e para a prevenção e, “ por isso, devem ser consideradas uno actu para efeitos do art.72.º-1; são numa palavra, fatores relevantes para a medida da pena por força do critério geral aplicável.”.


Para o mesmo autor, esses fatores podem dividir-se em “Fatores relativos à execução do facto”, “Fatores relativos à personalidade do agente” e “Fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto”.


Como expende Maria João Antunes, podem ser agrupados nas alíneas a), b), c) e e), parte final, do n.º 2 do art.71.º, do Código Penal, os “fatores relativos à execução do facto”; nas alíneas d) e f), os “fatores relativos à personalidade do agente”; e na alínea e), os “fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto”. 5


Por respeito à eminente dignidade da pessoa a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa (art.40.º, n.º 2 do C.P.), designadamente por razões de prevenção.


A culpa tem, pois, aqui, uma função limitadora do intervencionismo estatal.


Na determinação da medida da pena deve, ainda, atender-se, sempre que possível, ao prejuízo causado pelo crime, em obediência ao disposto no art.13.º do RGIT. Como ensina Paulo Pinto de Albuquerque, “Terá o legislador pretendido conferir especial enfoque a tal aspeto, como reforço da eficácia de tal componente na medida concreta da pena, enquanto instrumento dissuasor e reforço da validade da norma violada, num trajecto de sentido pragmático de sistema coercivo de satisfação de créditos tributários e de «eticização» do Direito Penal Tributário”.6


10.2.1. Feitas estas considerações jurídicas de âmbito genérico retomemos o caso concreto.


Na determinação da medida das penas parcelares, o Tribunal recorrido considerou particularmente o seguinte:


No âmbito da ilicitude do facto é de atender ao valor da vantagem patrimonial ilícita obtida em cada um dos casos.


- O dolo foi intenso – dolo direto, modalidade mais grave da culpa, em qualquer uma das situações.


No tocante ao crime de fraude fiscal envolvendo a utilização de facturas falsas, mercê da banalização da sua prática, são destacadas e prementes as necessidades de prevenção geral, o que reclama uma atitude firme e exigente por parte do Estado, no sentido de ser efectivado o cumprimento dos deveres fiscais. (…)


E, obviamente, o Tribunal tomará em consideração, em relação aos arguidos, os antecedentes criminais (os quais se dão como reproduzidos, atento o supra provado), ponderando os que existiam à data da prática dos factos (o que agrava consideravelmente a sua culpa pois já tinha existido uma censura jurídica) bem como os que foram praticados posteriormente, pois revela que não têm mantido uma conduta conforme o direito, o que não lhes é, de igual modo, favorável.


Pelo que tudo ponderado o Tribunal conclui pelo seguinte (com determinadas precisões relativamente a cada um dos arguidos).


Relativamente à arguida AA no que concerne ao crime de fraude fiscal qualificada (factos 26 e ss.) (1 a 5 anos):


Verificamos que se tratou de dois trimestres (do ano de 2014) sendo que num deles a vantagem patrimonial ascendeu a 40.515,69€ e noutro a 15.619,82€. Não se podendo olvidar os seus antecedentes criminais.


Pelo que se considera justo uma pena de prisão de um 1 ano e 5 meses


Do crime de abuso de confiança fiscal (pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias) – IVA – (factos 54 e ss.).


Salientaremos que o Tribunal opta, nos termos do art.º 70.º do Código Penal, pela aplicabilidade de uma pena de prisão, em detrimento de uma pena de multa porquanto não se poderá ignorar os antecedentes criminais da arguida, supra descritos, e sem olvidar, obviamente, o número de crimes praticados nos presentes autos. Razão pela qual as exigências de prevenção especial e geral não se encontram salvaguardados com uma pena de multa.


Aplicar-se-á, pois uma pena de prisão.


Tratam-se de 3 trimestre do ano de 2015 e 2 trimestres do ano de 216.


Obteve a vantagem patrimonial total de 201.486,05 euros.


Entendemos reputado e proporcional aplicar uma pena de prisão de 1 (um) ano e 10 (dez) meses


Do crime de fraude qualificada, p. e p. pelo artº 104.º n.º3 do RGIT – IRC (2015) (2 a 8 anos de prisão) - factos 64 a 80


Anos de 2013 (vantagem patrimonial de 73.043,23€) e 2015 (vantagem patrimonial de € 90.593,98 ao que acresce por ocorrência de despesas/gastos não documentadas (com o tributo autónomo de 50%) uma vantagem patrimonial de € 244.313,64.


E ponderando os seus antecedentes criminais, o Tribunal considera adequado uma pena de 3 anos de prisão.


Do crime de frustração de créditos (pena de prisão de um a dois anos ou com pena de multa até 240 dias) – (factos 81 a 96).


Salientaremos que o Tribunal opta, nos termos do art.º 70.º do Código Penal, pela aplicabilidade de uma pena de prisão, em detrimento de uma pena de multa porquanto não se poderá ignorar os antecedentes criminais da arguida, supra descritos, e sem olvidar, obviamente, o número de crimes praticados nos presentes autos. Razão pela qual as exigências de prevenção especial e geral não se encontram salvaguardados com uma pena de multa.


Aplicar-se-á, pois uma pena de prisão.


Ano de 2015:


Ficou por pagar 182.322,78 euros e ponderando a conduta levada a cabo (uma operação activa de simulação de contratos), bem como os seus antecedentes criminais, o Tribunal considera adequado a aplicabilidade de uma pena de 1 ano e 4 meses de prisão.


Do crime de fraude fiscal qualificada, p. e .p. pelo art.º 104.º n.º2 al. b) do RGIT – IVA - (prisão de 1 a 5 anos) - D......... .. .... emitiu nota de débito/despesa à M..... ... ..... (factos 97 e 99).


Vantagem patrimonial: 71.240,78€ (ano de 2013 – uma única nota de débito) + (93.403,00€ – uma única nota de despesas do ano de 2015)


Tudo conjugado, e ponderando que se tratou de duas notas de débito – ou seja não foi um comportamento repetitivo, não se olvidando, claro, o respectivo montante, será adequado a aplicabilidade de uma pena de 1 ano de prisão e 10 meses.


Do crime de fraude fiscal qualificada p. e .p. pelo art.º 104.º n.º2 al. b) do RGIT – IVA - (prisão de 1 a 5 anos) – IVA – (ano 2016) – facto 104.


(ano de 2016 – D......... .. .... que emitiu uma nota de despesas a D.........., sendo a vantagem patrimonial no montante de 53.529,87€


Considera-se, assim, tratando-se de uma nota de despesa, justo e adequado a pena de 1 ano e quatro meses de prisão.


Do crime de fraude fiscal qualificada p. e .p. pelo art.º 104.º n.º2 al. b) do RGIT – IVA - (prisão de 1 a 5 anos) – IVA – (ano 2015 e 2016) – facto 99 e 104. - D......... .. .... emitiu duas notas de despesa à M..........


Vantagem patrimonial: (2015: 17.183,59€; 2016: 44.268,43€).


Considera-se justo e adequado a pena de 1 ano e 5 meses de prisão


Do crime de fraude qualificada, p. e p. pelo art.º 104.º n.º3 do RGIT – IRC (2015 e 2017) (2 a 8 anos de prisão) - factos 108 a 124


Anos de 2015 (vantagem patrimonial de 23.886,56€ - facto 112; e 25.475,38€ - facto 118) e 2017 – facto 122 (vantagem patrimonial de € 238.726,72.


O Tribunal aplicará por proporcional, uma pena de 2 anos e dez meses de prisão.”.


10.2.2. O Supremo Tribunal de Justiça subscreve, no geral, a fundamentação do acórdão recorrido no que respeita, quer à escolha, quer à determinação da medida concretas das penas parcelares.


Em primeiro lugar, não nos merece qualquer censura a escolha, pelo Tribunal a quo, da pena de prisão, em alternativa à pena de multa, prevista nos crimes de abuso de confiança fiscal (pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias) e de frustração de créditos (pena de prisão de um a dois anos ou pena de multa até 240 dias).


A arguida tem longos antecedentes criminais, com sucessivas condenações ao longo de anos pela prática de crimes tributários e, ainda, pela prática de crimes de encerramento ilícito, de burla simples e de falsificação de documentos, sendo a grande maioria das penas aplicadas constituídas por penas de multa.


Por outro lado, estão em causa, nos presentes autos, um não despiciendo número de crimes tributários (oito crimes), dois dos quais são crimes de fraude qualificada, de elevada gravidade, como se retira da moldura penal de 2 a 8 anos de prisão que aos mesmos é aplicável.


Nestas circunstâncias, aplicar à arguida, mais uma pena de multa, pela prática de um crime abuso de confiança fiscal e de um crime de frustração de créditos não só gorava as expectativas da comunidade na confiança na validade das normas jurídicas, como elemento dissuasor, como em nada contribuiria para a ressocialização da ora recorrente


Em conclusão, como bem refere a decisão recorrida, no caso concreto, “as exigências de prevenção especial e geral não se encontram salvaguardados com uma pena de multa.”.


10.2.3. Passando à determinação das penas parcelares, importa recordar:


- o crime de abuso de confiança fiscal é punível com pena de prisão até 3 anos;


- o crime de frustração de créditos é punível com pena de prisão de 1 a 2 anos;


- dois dos crimes de fraude qualificada são puníveis com pena de 2 a 8 anos de prisão; e


- quatro dos crimes de fraude qualificada são puníveis com pena de 1 a 5 anos de prisão.


Sem pretender repetir a fundamentação de direito do acórdão recorrido, nesta parte, salientamos:


Nos «fatores relativos à execução do facto» para determinação da pena, quer no que respeita aos dois crimes de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelo art.104.º, n.º 3 do RGIT, em que a vantagem patrimonial é de valor superior a € 200.000,00, quer quanto aos quatro crimes de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelo art.104.º, n.º2, alínea a) e/ou b), do RGIT, cometidos com fraude mediante a utilização de faturas que não correspondiam a transações reais ou com vantagem patrimonial de valor superior a € 50.000,00, consideramos razoavelmente elevado o grau de ilicitude dos factos atentas as concretas vantagens patrimoniais obtidas pela arguida e o prejuízo que causou ao Estado, com as suas várias condutas.


Considerando, ainda, as vantagens patrimoniais que advieram para a arguida com a prática do crime de abuso de confiança fiscal, e a quantia que ficou por pagar em resultado da prática do crime de frustração de créditos, entendemos que é também razoavelmente elevado o grau de ilicitude destes factos.


A arguida agiu com dolo direto e intenso na prática dos factos, ocorridos entre os anos de 2014 e 2016.


A motivação que presidiu à sua atuação foi a obtenção de vantagens patrimoniais ilícitas para si, à custa do Estado.


Ao nível das consequências da conduta da arguida, não deixam os valores descritos na factualidade provada de revestir um impacto razoavelmente significativo para o Estado Social.


No que respeita aos «Fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto», depõe contra a arguida AA o seu longo passado criminal pela prática, de crimes tributários, entre outros, pelos quais foi condenada em penas de multa e, ultimamente, em penas de prisão, suspensas na execução.


É inverídica a afirmação da recorrente de que desde a prática dos factos (ocorridos entre os anos de 2014 e 2016) e até à presente data, não praticou mais factos de natureza criminal, pois resulta do ponto n.º 179, v), que em janeiro de 2018 e em novembro de 2017, praticou dois crimes de encerramento ilícito.


Por outro lado, da factualidade dada como provada não consta que a arguida atuou motivada por dificuldades financeiras que as empresas, por si geridas, atravessavam à data dos factos, mas sim para enriquecimento patrimonial.


A afirmação de que os crimes tributários pelos quais foi condenada nos presentes autos, não integram “atos de violência relevantes contra pessoas”, nem traduzem “um desvalor em relação ao valor vida”, não têm sentido, uma vez que os tipos penais fiscais pelos quais foi condenada não têm como bem jurídico a proteção da vida ou a integridade física das pessoas.


Não beneficia a recorrente de circunstâncias relevantes como reparação ou tentativa de reparação dos prejuízos causados ao Estado, através das quais poderia demonstrar que no futuro não voltaria a cometer novos ilícitos criminais, particularmente de natureza tributária.


Nos “Fatores relativos à personalidade do agente”, a que aludem as alíneas d) e f), n.º2 do art.71.º do Código Penal, assumem preponderância a mediana escolaridade (9º ano), e condição social da arguida, bem como a sua fraca situação económica e razoável inserção familiar, embora não deixe de se realçar que os seus dois filhos menores não residem consigo, mas com a avó materna.


A idade invocada pela arguida (46 anos de idade), não é motivo de atenuação da sua responsabilidade criminal, pois está longe de ser jovem e de ser pessoa idosa.


Com respeito às exigências de prevenção geral, reafirmamos, com o acórdão recorrido, que elas são prementes, particularmente “no tocante ao crime de fraude fiscal envolvendo a utilização de faturas falsas, mercê da banalização da sua prática (…) o que reclama uma atitude firme e exigente por parte do Estado, no sentido de ser efetivado o cumprimento dos deveres fiscais.”.


Considerando o número de crimes praticados pela arguida, objeto de apreciação nos presentes autos e, particularmente, às circunstâncias descritas nos “fatores relativos à conduta da arguida anterior e posterior aos factos” e à “sua personalidade”, consideramos elevadas as exigências de prevenção especial, de reinserção social.


Também a culpa da arguida é de reputar como de gravidade acentuada, face ás circunstâncias em que, sucessivamente e com dolo intenso, praticou os factos em causa entre os anos de 2014 a 2016.


Perante as prementes e elevadas exigências de prevenção geral e especial e uma acentuada culpa da arguida, o Supremo Tribunal de Justiça considera que as penas parcelares fixadas na decisão recorrida, muito próximas do limite mínimo abstratamente aplicáveis, estão longe de ser excessivas.


Pelo contrário, cada uma das penas parcelares fixada mostra-se adequada e proporcional às exigências de prevenção geral e especial, e não ultrapassa a elevada medida da culpa, pelo que não se reconhece a violação pelo Tribunal recorrido de qualquer das normas invocadas pela arguida na escolha e determinação da sua medida.


10.2.2. Importa agora decidir se deve manter-se ou não o cúmulo jurídico das penas fixado pelo Tribunal a quo em 6 anos de prisão.


Nas situações em que o agente praticou vários crimes, o concurso efetivo de crimes impõe que se tenham em consideração as regras da punição do concurso, estabelecidas no art.77.º Código Penal, nos seguintes termos:


«1. Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.


2. A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.».


A doutrina vem entendendo que o modelo de punição do concurso de crimes consagrado no art.77.º do Código Penal, sendo um sistema de pena conjunta, não é construído, porém, de acordo com o princípio de absorção puro, nem com o princípio da exasperação ou agravação, mas sim de acordo com um sistema misto, que vem sendo chamado de sistema do cúmulo jurídico.7


Também a jurisprudência segue este caminho, consignando-se, entre outros, no acórdão do S.T.J. de 3 de outubro de 2012, que o modelo de punição do nosso Código Penal é um sistema misto de pena conjunta “erigido não de conformidade com o sistema de absorção pura por aplicação da pena concreta mais grave, nem de acordo com o princípio da exasperação ou agravação, que agrega a si a punição do concurso com a moldura do crime mais grave, agravada pelo concurso de crimes.”8.


Doutrina e jurisprudência coincidem em especificar que no cúmulo jurídico, a pena conjunta é definida dentro de uma moldura cujo limite mínimo é a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e o limite máximo resulta da soma das penas efetivamente aplicadas, emergindo a medida concreta da pena da imagem global do facto imputado e da personalidade do agente. O agente é sancionado, não apenas pelos factos individualmente considerados, numa visão atomística, mas especialmente pelo conjunto dos factos, enquanto reveladores da gravidade da ilicitude global da conduta do agente e da sua personalidade.


A pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art.71º.º, n.º1, um critério especial estabelecido no art.77.º, nº 1, 2ª parte, ambos do Código Penal.9


Os parâmetros indicados no art.71.º do Código Penal, servem apenas, porém, de guia para a operação de fixação da pena conjunta, não podendo ser valorados novamente, sob pena de se infringir o princípio da proibição da dupla valoração, a menos que tais fatores tenham um alcance diferente enquanto referidos à totalidade de crimes.10


Na busca da pena do concurso, explicita Figueiredo Dias, na obra que vimos seguindo, que “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”. E acrescenta que “de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).”


Como refere ainda, na doutrina, Cristina Líbano Monteiro, com o sistema da pena conjunta, perfilhado neste preceito penal, deve olhar-se para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente.11


As conexões ou ligações fundamentais na avaliação da gravidade da ilicitude global, são as que emergem do tipo e número de crimes, dos bens jurídicos individualmente afetados, da motivação, do modo de execução, das suas consequências e da distância temporal entre os factos.


Ínsita nos factos ilícitos unificados no âmbito da pena de concurso, a personalidade do agente, é um fator essencial à formação da pena única.


A revelação da personalidade global do agente, o seu modo de ser e atuar em sociedade, emerge essencialmente dos factos ilícitos praticados, mas também das suas condições pessoais e económicas e da sensibilidade à pena e suscetibilidade de ser por ela influenciado.


A interiorização das condutas ilícitas e consequentes penas parcelares que lhe foram aplicadas traduzidas na vontade clara de alteração do comportamento antissocial violador de bens jurídico criminais, assente em factos que o demonstrem, relevam assim, particularmente, no apuramento das exigências de prevenção no momento de determinar a pena única.


Sendo as necessidades de prevenção mais exigentes quando o ilícito global é produto de tendência criminosa do agente, do que quando esse ilícito se reconduz a uma situação de pluriocasionalidade, a pena conjunta deverá refletir esta singularidade da personalidade do agente.


Presentes os critérios e finalidades que se acabam de expor, regressemos ao acórdão recorrido, sem esquecer os argumentos formulados pela recorrente AA visando a redução da pena única em que foi condenado em cúmulo jurídico e que, recordemos, são as mesmas circunstâncias que refere para efeitos de determinação da medida concreta das penas parcelares.


Observando o ilícito global, que emerge da análise unificada dos factos, não se pode deixar de qualificar o mesmo como de gravidade elevada.


Assim:


- São oito os crimes em concurso, todos de natureza tributária;


- Os crimes em concurso, de fraude fiscal qualificada, abuso de confiança fiscal e de frustração de créditos, foram praticados ao longo dos anos de 2014 a 2016;


A culpa global da arguida, que se retira da intensa vontade de praticar os factos em concurso, é acentuada.


Do conjunto dos factos em concurso, do seu passado criminal da arguida que se retira do CRC, e das condições socioeconómicas e laborais, resulta que a arguida tem uma personalidade unitária algo desconforme ao modo de ser suposto pela ordem jurídico-criminal, evidenciando alguma ausência de sensibilidade e suscetibilidade de ser influenciada pelas penas que lhe foram aplicadas nas várias condenações por crimes de natureza fiscal a que vem sendo sujeita.


No que toca à prevenção especial, a recorrente carece de forte ressocialização, uma vez que o ilícito global agora julgado, no que respeita aos crimes de natureza fiscal, se aproxima já de uma tendência criminosa. A personalidade da arguida, manifestada nos factos, postula a aplicação de uma pena que por ela possa ser interiorizada como dissuasora da prática de novos crimes e sirva de aviso para que adapte o seu comportamento às normas socialmente vigentes.


Não se podem esquecer, ainda, “as necessidades de prevenção geral”, que são elevadas, como já atrás se consignou.


Neste contexto de valoração do ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade da recorrente, entendemos que face às finalidades de prevenção, à culpa e à personalidade da arguida/recorrente, a pena conjunta fixada pelo Tribunal a quo em 6 anos de prisão, não se mostra excessiva, quando o limite mínimo da moldura abstrata do concurso é de 3 anos de prisão e o seu limite máximo de 15 anos de prisão.


Assim, mantém-se a pena conjunta fixada em cúmulo jurídico pelo Tribunal a quo,.


10.2.3. Da suspensão da pena de prisão.


Nos termos do art.50.º, n.º1 do Código Penal, a substituição da pena de prisão por pena não detentiva está sujeita a dois pressupostos: um formal, que consiste na medida concreta da pena aplicada ao arguido não ser superior a 5 anos e, outro, material, traduzido na existência dum prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.


No caso concreto, pressuposto da suspensão da execução pena de prisão, pretendida pela recorrente/arguida, nos termos do art.50.º, n.º1 do Código Penal, é a redução da pena única de prisão que lhe foi aplicada em 1.ª instância, para medida não superior a 5 anos.


Tendo em conta que se manteve, em cúmulo jurídico, a pena conjunta aplicada pela 1.ª instância, superior a 5 anos de prisão - mais concretamente 6 anos de prisão -, não se mostra verificado o pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão.


Por falta de verificação deste primeiro pressuposto, fica prejudicada a necessidade de apuramento de existência do pressuposto material desta pena de substituição não detentiva – que, aliás, manifestamente não se verificava face às descritas circunstâncias a levar em conta no juízo de prognose relativamente ao comportamento do arguido.


Improcede, nestes termos , o recurso interposto pela arguida.


III - Decisão


Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça, em negar provimento ao recurso interposto pela arguida AA e confirmar o acórdão recorrido.


Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 UCs (art.513º, nºs 1 e 3, do C. P.P. e art.8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa).


*


(Certifica-se que o acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.ºs 2 e 3 do C.P.P.).


*


Lisboa, 23 de novembro de 2023


Orlando Gonçalves (Juiz Conselheiro Relator)


Agostinho Torres (Juiz Conselheiro Adjunto)


Leonor Furtado (Juíza Conselheira Adjunta)

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1. Cf. entre outros, os acórdãos do STJ de 19-6-96 (BMJ n.º 458º, pág. 98) e de 24-3-1999 (CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.)↩︎

2. “Direito Processual Penal Português – Do Procedimento (Marcha do Processo)”, Universidade Católica Portuguesa, vol. 3, 2018, págs. 335/336.↩︎

3. Publicado no DR, Série I, de 2017-06-23.↩︎

4. Cf. Maia Gonçalves, in “Código Penal Português anotado” , 8ª edição , pág.354 e Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do crime”, Notícias Editorial, pág.332.↩︎

5. Cf. “Consequências Jurídicas do Crime”, Lições para os alunos da FDC, Coimbra, 2010-2011.↩︎

6. Cf. “Comentário das Leis Penais Extravagantes”, vol. 2, pág.395.↩︎

7. Cf. Figueiredo Dias, obra cit. págs. 282 a 284 e Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, pág. 283↩︎

8. Cf. proc. n.º 900/05.1PRLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.↩︎

9. Cf. “Direito Penal Português, “As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, 1993, pág.290/2.↩︎

10. Cf. Figueiredo Dias, obra cit., pág. 292.↩︎

11. Cf. “Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, Ano 16, n.º1, , pág. 155 a 166 e acórdão do STJ, de 09-01-2008, CJSTJ 2008, tomo 1.↩︎