INVENTÁRIO POR DIVÓRCIO
INVENTÁRIO NOTARIAL
TRANSIÇÃO PARA O TRIBUNAL
ADEQUAÇÃO DA TRAMITAÇÃO
DESPACHO DE FORMA À PARTILHA
NULIDADE POR ININTELIGIBILIDADE
PASSIVO
MÚTUOS - ACTUALIZAÇÃO
Sumário


I – Em inventário para partilha dos bens comuns, subsequente a divórcio, o despacho que determina: “Elabore o mapa à partilha de acordo com a forma dada pelo CC e pela AI…”, padece de obscuridade, determinando a sua nulidade por ininteligibilidade, porquanto, compulsados os requerimentos apresentados pelo cabeça de casal e pela administradora de insolvência, constata-se que não há identidade entre eles, ficando-se, assim, sem saber, quais os exactos termos em que a forma à partilha deve ser elaborada.
II – Invocada a nulidade de uma decisão, é possível declará-la com base em diferente qualificação do vício que lhe é imputado.
III – Em inventário, iniciado no cartório notarial, em cujo âmbito foi realizada a conferência de interessados, mas em que não se chegou à fase da prolação do despacho determinativo da partilha e que, entretanto, transitou para o tribunal, pese embora estivesse ultrapassada a fase para, no inventário judicial e à luz do novo paradigma, proferir despacho determinativo da partilha (após o despacho de saneamento do processo e antes da conferência de interessados), impunha-se adequar a tramitação subsequente do processo de modo a conciliar o respeito pelos efeitos dos atos processuais já regularmente praticados no inventário notarial com o ulterior processamento do inventário judicial e, assim, uma vez que não pode haver mapa de partilha, sem despacho determinativo da mesma, impunha-se fosse dado cumprimento ao disposto no art.º 1110º, n.º 1, alínea b) – notificar os interessados para proporem a forma da partilha – e não, como foi feito, para apresentarem proposta de mapa da partilha.
IV - Tendo sido relacionado como passivo, de que é credor uma instituição de crédito, dívidas emergentes de contratos de mútuo, pelas quais os ex-cônjuges são solidariamente responsáveis, a aprovação do passivo, pelos mesmos, significa o reconhecimento de que aquela instituição é credora dos ex-cônjuges, em virtude de com eles ter celebrado os contratos de mútuo, de determinadas quantias e de os mesmos se terem obrigado a amortizar tais mútuos em determinado número de prestações, que incluem restituição de capital, juros e imposto de selo e não a aprovação de um montante fixo em dívida.
V – Neste tipo de situações o montante em dívida está sujeito a permanente actualização, quer as obrigações estejam a ser cumpridas – situação em que o capital em dívida vai diminuindo em função das prestações pagas -, quer as obrigações deixem de ser cumpridas – o capital em dívida, no momento do incumprimento, mantém-se inalterado, mas vencem-se juros de mora e sobretaxas, imposto de selo e despesas para cobrança do crédito, que acrescem àquele capital.
VI - Destarte e neste tipo de situações, os interessados não aprovam e muito menos fixam, de modo a nunca mais ser alterado, o montante em dívida, mas as obrigações, a que se vincularam, quer em caso de cumprimento, quer em caso de incumprimento.
VII – E tanto assim é, que os interessados, na conferência de interessados, reconheceram que as obrigações que haviam assumido perante a instituição de crédito, eram obrigações cuja quantificação estava sujeita a actualização.
VIII – E, assim, tendo a referida instituição de crédito reclamado na insolvência da ex-cônjuge o valor actualizado da dívida e tendo a referida ex-cônjuge requerido no inventário que fosse o mesmo considerado como sendo o passivo, valor aquele que não foi colocado em crise pelo outro interessado, deve o mesmo ser considerado como o valor actualizado do passivo.

Texto Integral


ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

1. Relatório

A 28/07/2014 BB instaurou inventário notarial para partilha, por divórcio, contra AA.

Foi nomeado cabeça de casal o requerente do inventário, que a 18/09/2014 prestou declarações como tal, tendo declarado que a .../.../1983 contraiu casamento com AA, sem convenção antenupcial e em primeiras núpcias de ambos; o casamento foi dissolvido por decisão proferida e transitada em julgado a .../.../2013, pela Conservatória do Registo Civil ..., no processo de divórcio por mútuo consentimento que ali correu termos sob o n.º .../2013; existe passivo comum e os bens a partilhar são um veículo automóvel e três imóveis, todos adquiridos, a título oneroso, na constância do matrimónio.

E apresentou relação de bens, onde constam ... dívidas ao Banco 1..., SA, todas relativas a contratos de empréstimos, cada uma nos seguintes valores: 1ª - € 22.596,58; 2ª - € 107.355,42; 3ª - € 27.486,34; 4ª – 9.340,66; 5ª – 23.447,24, no total de € 190.226.24.

Por despacho de 29/09/2014 foi ordenada a notificação do cabeça de casal para apresentar nova relação de bens que, relativamente às dívidas comuns, indicasse as garantias que as acompanham.

A 03/10/2014 o cabeça de casal veio apresentar nova relação de bens onde, relativamente às verbas do passivo, indica as garantias nos seguintes termos:
- verba n.º 1 – garantido por hipoteca voluntária sobre o prédio urbano relacionado sob a verba número 4 do activo (vivenda unifamiliar, composta de rés-do-chão, 1.º andar e sótão, com logradouro e anexos, destinado a habitação, descrito na Conservatória do Registo Predial ... ...69)
- verba n.º 2 - garantido por hipoteca voluntária sobre o prédio urbano relacionado sob a verba n.º 3 do activo (vivenda unifamiliar, composta por cave, rés-do-chão e andar, com logradouro, destinado a habitação, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...31).
- verba n.º 3 - garantido por hipoteca voluntária sobre o prédio urbano relacionado sob a verba n.º 2 do activo (fracção autónoma designada pelas letras ..., habitação nascente, apartamento do tipo T-4 B, correspondente ao ... andar, sito na Rua ..., União das freguesias ... (..., ... e ...), concelho ..., descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...11).
- verba n.º 4 - garantido por hipoteca voluntária sobre o prédio urbano relacionado sob a verba n.º 3 do activo (já acima referida);
- verba n.º 5 - garantido por hipoteca voluntária sobre o prédio urbano relacionado sob a verba n.º 2 do activo (já acima referida);

Citada a requerida, nada disse.

Citado o Banco 1..., SA veio dizer, em síntese, que celebrou com os interessados os contratos de mútuo que indica, que para garantia do pagamento da quantia mutuada, juros e acessórios emergentes desses mútuos, os referidos interessados declararam constituir hipoteca, a favor do reclamante, sobre os imóveis que indica.

Assim [tomando-se aqui por referência as verbas do passivo indicadas na Relação de bens] indicou que os interessados no inventário são devedores das quantias a seguir indicadas, as quais estão garantidas nos termos que também se indicam:
- relativamente à verba n.º 2: i) da quantia de € 107.355,42; ii) dos juros, à taxa global contratualizada em vigor de 1,107% contados sobre o capital em dívida desde 26/09/2014, acrescidos da sobretaxa de 4% ao ano em caso de mora e a título de cláusula penal, bem como do respetivo imposto de selo sobre tais juros, até efectivo e integral pagamento; iii) das despesas havidas e relacionadas com a execução deste contrato, com vista à recuperação do crédito mutuado e que são no valor de € 4.600,00; iv) garantido por hipoteca voluntária sobre o prédio urbano composto por cave, rés-do-chão e andar, com logradouro, destinado a habitação, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...31.
- relativamente à verba n.º 4: i) da quantia de € 9.340,66; ii) dos juros, à taxa global contratualizada em vigor de 1,307% contados sobre o capital em dívida desde 26/09/2014, acrescidos da sobretaxa de 4% ao ano em caso de mora e a título de cláusula penal, bem como do respetivo imposto de selo sobre tais juros, até efectivo e integral pagamento; iii) das despesas havidas e relacionadas com a execução deste contrato, com vista à recuperação do crédito mutuado e que são no valor de € 997,00; iv) garantido por hipoteca voluntária sobre o prédio urbano composto por cave, rés-do-chão e andar, com logradouro, destinado a habitação, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...31;
- relativamente à verba n.º 3: i) da quantia de € 27.486,34; ii) dos juros, à taxa global contratualizada em vigor de 2,450% contados sobre o capital em dívida desde 05/10/2014, acrescidos da sobretaxa de 4% ao ano em caso de mora e a título de cláusula penal, bem como do respetivo imposto de selo sobre tais juros, até efectivo e integral pagamento; iii) das despesas havidas e relacionadas com a execução deste contrato, com vista à recuperação do crédito mutuado e que são no valor de € 1.235,68; iv) garantido por hipoteca sobre a fracção autónoma designada pelas letras ..., habitação nascente, apartamento do tipo T-4 B, no piso ... ou ... andar, sito na Rua ..., União das freguesias ... (..., ... e ...), concelho ..., descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...11.
- relativamente à verba n.º 5: i) da quantia de € 23.447,24; ii) dos juros, à taxa global contratualizada em vigor de 2,450% contados sobre o capital em dívida desde 05/10/2014, acrescidos da sobretaxa de 4% ao ano em caso de mora e a título de cláusula penal, bem como do respetivo imposto de selo sobre tais juros, até efectivo e integral pagamento; iii) das despesas havidas e relacionadas com a execução deste contrato, com vista à recuperação do crédito mutuado e que são no valor de € 997,60; iv) garantido por hipoteca sobre a fracção autónoma designada pelas letras ..., habitação nascente, apartamento do tipo T-4 B, no piso ... ou ... andar, sito na Rua ..., União das freguesias ..., ... e ...), concelho ..., descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...11;
- relativamente à verba n.º 1: i) da quantia de € 22.511,31; ii) dos juros, à taxa global contratualizada em vigor de1,305% contados sobre o capital em dívida desde 26/09/2014, acrescidos da sobretaxa de 4% ao ano em caso de mora e a título de cláusula penal, bem como do respetivo imposto de selo sobre tais juros, até efectivo e integral pagamento; iii) das despesas havidas e relacionadas com a execução deste contrato, com vista à recuperação do crédito mutuado e que são no valor de € 1.396,63; iv) garantido por hipoteca voluntária sobre o prédio urbano composto de rés-do-chão, 1.º andar e sótão, barracão, pátio e quintal, destinado a habitação, descrito na Conservatória do Registo Predial ... ...69.

O cabeça de casal apresentou nova relação de bens, em que ao montante do capital em dívida, fez acrescer ”as despesas havidas e relacionadas com a execução deste contrato, com vista à recuperação do crédito mutuado”, relativamente a cada um dos empréstimos, ou seja:
- verba n.º 1: € 22.511,31 + € 1.396,63;
- verba n.º 2: € 107.355,42 + € 4.600,00;
- verba n.º 3: € 27.486,34 + € 1.235,68;
- verba n.º 4: € 9.340,66 + € 997,00;
- verba n.º 5: € 23.447,24 + € 997,60.

A requerida, notificada, nada disse.

A Sra. Notária, considerando estar determinado o objecto da partilha e as dívidas a submeter a aprovação, designou data para Conferência Preparatória.

A 15 de Abril de 2015 teve lugar a referida Conferência Preparatória, tendo requerente e requerida deliberado por unanimidade aprovar as dívidas ao credor hipotecário Banco 1..., SA no valor total de € 199.368,48, dívidas essas (de pagamento prestacional e ainda não vencidas), das quais os ex-cônjuges são solidariamente responsáveis, tendo, assim, sido reconhecidas por ambos.
E acordaram que o quinhão do interessado requerente seria preenchido com a verba n.º 1 da Relação de bens, a que atribuíram o valor de € 1.500,00.
Relativamente às demais verbas do activo, os interessados não chegaram a acordo sobre a composição das suas meações, pelo que foi designada data para Conferência de interessados.

Entretanto o credor Banco 1..., SA veio, nos termos do art.º 41º do Regime do Processo de Inventário, aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 05 de Março, exigir o pagamento imediato da dívida, invocando que a mesma estava em incumprimento e, portanto, totalmente vencida e aprovada, sendo os valores em dívida os seguintes [tomando-se aqui por referência as verbas do passivo indicadas na Relação de bens]:
- verba n.º 2 - Capital: € 107.355,42; Juros: € 4.955,57; Imposto de selo: € 200,40; Despesas: € 4.600,00.
- verba n.º 4 - Capital: € 10.000,00; Juros: € 450,05; Imposto de selo: € 18,20; Despesas: € 997,60.
- verba n.º 3 – Capital: € 27.486,34; Juros: € 1.268,78; Imposto de selo: € 51,31; Despesas: € 1.235,68.
- verba n.º 5 – Capital: € 23.330,10; Juros: € 1.478,83; Imposto de selo: € 59,80; Despesas: € 997,60.
- verba n.º 1 – Capital: € 22.425,95; Juros: € 1.123,16; Imposto de selo: € 45,42; Despesas: € 1.396,63.

A 29/04/2016 realizou-se a Conferência de interessados, constando da respetiva Ata (que no processo electrónico consta a 04/05/2016) o seguinte [o bold é nosso], no que releva:
“ Iniciada a diligência, e antes de dar início às adjudicações mediante proposta em carta fechada, dos bens relacionados (ainda não adjudicados na conferência preparatória), foi dado conhecimento aos interessados e respectivos mandatários e patrono nomeado, da junção efectuada na data de ontem pelo credor do património comum, Banco 1..., S.A., do documento registado na plataforma informática de gestão de processos de inventário sob o nº ...87, cujo conteúdo suscita manifesta influência na partilha.
Notificados neste acto do seu teor, foi o mesmo colocado à sua consideração, e dada a palavra aos presentes.
Ambos os interessados pronunciaram-se no sentido de confirmar o montante do passivo actualmente em dívida, constante do mencionado documento, actualizando o valor do passivo comum, que já havido obtido aprovação na conferência preparatória.”

Por despacho de 11 de Maio de 2017, foi ordenada a venda das restantes verbas do activo (2, 3 e 4).

A 10/11/2020 a interessada AA requereu a remessa do inventário para os meios comuns.

Por despacho de 02/12/2020 foi deferida a requerida remessa para os meios comuns, cumprida a 04/12/2020, tendo os autos sido distribuídos ao J ... do Juízo de Família e Menores ..., sob o n.º 6024/20.....

Prosseguiram os autos tendo em vista a venda das verbas n.ºs 2, 3 e 4 do activo.

Entretanto, por sentença proferida a 03/05/2021 no processo 1285/21.... do Juízo de Comércio ... foi declarada a insolvência da aqui interessada AA.

A 01/06/2021 a Sra. AI nomeada no processo de insolvência, apresentou requerimento no processo de inventário, invocando a declaração de insolvência e a apreensão do direito da insolvente a tornas que venham a ser apuradas no inventário e pedindo e lhe fosse notificada a declaração do cabeça de casal com a relação de bens apresentada, de forma a promover a avaliação dos bens e a tomar posição quanto aos valores que se venham a apurar e fosse associada  presentes autos, para os efeitos a que alude o n.º 3 do artigo 85.º do CIRE, por passar a representar a insolvente no que toca à disposição do s/ património, o que tudo foi deferido por despacho de 12/07/2021.

A 21/07/2021 a Sr. AI apresentou requerimento no processo de inventário, pedindo fosse autorizada a venda do património comum do casal, no processo de insolvência.

Por ofício de 14/12/2021, do 1285/21.... foi solicitada a remessa dos autos de inventário para apensação àqueles autos, o que foi determinado na mesma data.

Prosseguiram os autos (de inventário) para a venda das verbas n.ºs 2, 3 e 4 da Relação de bens.

A 31/03/2023 a Sra. AI veio juntar aos autos a escritura pública de vendas das verbas n.ºs 2, 3 e 4 pelos valores de, respectivamente, € 66.500,00, € 120.000,00 e € 63.500,00.

A 24/04/2023 a secretaria procedeu à notificação dos interessados, nos seguintes termos:
Fica V. Exª notificado, relativamente ao processo supra identificado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1120º nº 1 do CPC

O interessado BB apresentou forma à partilha, nos seguintes termos: a) soma-se o valor da venda dos bens comuns constantes da relação de bens e abate-se o valor do passivo comum; b) ao valor resultante desta operação, procede-se á divisão do restante em partes iguais; c) cada uma das partes caberá a cada interessado

A Sra. AI veio dizer que: havia sido notificada para apresentar mapa de partilha; foram relacionadas quatro verbas que integravam o activo e ... verbas que integravam o passivo comum; o passivo foi fixado no valor de € 199.348,48; as tornas devidas à interessada (que identifica incorrectamente como sendo CC) AA foram apreendidas a favor da massa insolvente; o credor do passivo relacionado neste inventário, Banco 1..., SA, reclamou o crédito no processo de insolvência, a que este inventário está apenso; a verba n.º 1 do activo foi adjudicada ao cabeça de casal por € 1.500,00; as restantes verbas do activo foram vendidas na insolvência por € 250.000,00; os crédito reconhecidos no processo de insolvência totalizam € 244.131,35; o passivo é comum e está reconhecido no processo de insolvência e este consome, particamente, todo o valor do produto da venda do activo, a forma à partilha deve ser a seguinte:
Valor dos Bens
Bem móvel:
Verba n.º 1: adjudicada por €1.500,00 ao cabeça de casal
Bens Imóveis:
Verba n.º 2: vendida por €66.5000,00;
Verba n.º 3: vendida por €120.000,00;
Verba n.º 4: vendida por 63.500,00.
Valor total da partilha após adjudicação e venda por leilão eletrónico: €251.500,00
Do valor dos bens imóveis, €250.000,00, é pago o passivo.
Considerando que:
a) todos os bens móveis e imóveis eram comuns,
b) o passivo, de que é titular o credor hipotecário com hipoteca que onerava os bens imóveis, está reconhecido e graduado no processo de insolvência com 98,85% dos créditos, requer a Vossa Excelência se digne autorizar que se faça o rateio no âmbito do processo de insolvência e que, apenas depois, se distribua o valor sobrante restante em partes iguais entre a massa insolvente e o cabeça de casal.

A 18/05/2023 a interessada AA veio pronunciar-se quanto ao requerimento apresentado pela Sra. AI dizendo, além do mais, que dos créditos reconhecidos no processo de insolvência, € 241.395,98 são passivo comum do casal e não € 199.368,48, pelo que a partilha deve respeitar tal facto, nada tendo a opor ao pagamento do passivo pelo valor dos bens imóveis (€ 250.000,00) desde que o valor do passivo a considerar seja de € 241.395,98 e apresentou forma à partilha nos seguintes termos:
Somar-se o valor da venda dos bens constantes da relação de bens, abatendo o valor do passivo comum (no valor de 241.395,98€).
Seguidamente, ao valor da operação suprarreferida, deverá proceder-se à divisão do restante,
Sendo certo que deverá descontar-se o valor do veículo automóvel já adjudicado ao cabeça-de-casal, no valor de 1.500,00€, à parcela a atribuir a este.

O interessado BB veio pronunciar-se dizendo que a relação de bens foi aceite por ambos, quer quanto ao activo, quer quanto ao passivo, o passivo que ficou fixado é de € 199.368,48, o cabeça de casal não foi considerado nos autos de insolvência e não lhe pode ser imputado o que nesses autos ficou demonstrado, o mapa da partilha deve ser o apresentado pelo cabeça de casal e pela AI.

A 09/06/2023 foi proferido o seguinte despacho:
“Expediente que antecede:
Visto.---

*
Elabore o mapa à partilha de acordo com a forma dada pelo CC e pela AI, a qual atende à relação dos bens comuns apresentada nos presentes autos, que foi oportunamente aceite por ambos os interessados quer quanto ao ativo quer quanto ao passivo.---
D.n..---

A interessada AA interpôs recurso do citado despacho, pedindo a sua revogação e a sua substituição por outro que admita a atualização do valor do passivo, de acordo com a disciplina do artigo 265º, nº2 do CPC, fixando-o no montante de 241.395,98€, tendo concluído as suas alegações com as seguintes conclusões:

I. Objeto do Recurso.
1. O presente recurso tem por objeto o douto despacho proferido pelo Tribunal a quo, a qual decidiu que a elaboração do mapa à partilha seria “de acordo com a forma dada pelo CC e pela AI, a qual antecede à relação dos bens comuns apresentada nos presentes autos, que foi oportunamente aceite por ambos os interessados quer quanto ao ativo quer quanto ao passivo.”
2. Ora, no entendimento do cabeça de casal e da Exma. Administradora de Insolvência o mapa de partilha deve ter em conta o passivo declarado, inicialmente, no âmbito do processo de inventário, no valor de 199.368,48€ (cento e noventa e nove mil, trezentos e sessenta e oito euros e quarenta e oito cêntimos).
3. Contrariamente, entende a aqui recorrente, interessada no processo de inventário, que o passivo é de 241.395,98€ (duzentos e quarenta e um mil, trezentos e noventa e cinco euros e noventa e oito cêntimos) – conforme melhor explanaremos infra.
4. Entende a aqui recorrente que andou mal o Tribunal a quo ao desconsiderar por completo a alteração do passivo – conforme melhor explanaremos infra.

Posto isto,
II. DA APENSAÇÃO DO PROCESSO DE INVENTÁRIO AO PROCESSO DE INSOLVÊNCIA DA ORA RECORRENTE.
5. O presente processo de inventário, para partilha dos bens da ora requerente e do cabeça de casal - ex-cônjuges – corre por apenso ao processo de insolvência da ora requerente (Processo nº 1285/21....).
6. O processo de inventário remonta ao ano de 2014, ou seja, é muito anterior ao processo de insolvência, que teve inícios em 2021 - facto relevante para o que alegaremos infra.

Ora,
III. DA NULIDADE DO DESPACHO POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO E OMISSÃO DE PRONÚNCIA.
7. Da análise do despacho ora em crise verifica-se que o mesmo padece de dois vícios: por um lado, é nulo por falta de fundamentação, e por outro, há uma e verdadeira omissão de pronúncia, que gera também a nulidade.

A. DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO.
8. Para que se mostrasse verificado o vício de falta de fundamentação do despacho recorrido, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. b), do C.P.C, como resulta pacífico na nossa doutrina e jurisprudência, era necessário que se verificasse uma situação de ausência de fundamentação de facto ou de direito, não bastando, assim, uma mera situação de insuficiência, mediocridade ou erroneidade de tal fundamentação.
9. Da análise do despacho recorrido é impossível perceber o que levou o tribunal a quo a tomar tal decisão, ou seja, não nos é possível entender o porquê de o mapa de partilha ter de ser elaborado “de acordo com a forma dada pelo CC e pela AI”.
10. Não estamos sequer perante uma parca fundamentação, ou uma fundamentação deficiente, mas sim de uma falta TOTAL de fundamentação.
11. Apenas a falta absoluta de fundamentação (fáctica ou jurídica) – que é o caso - conduz à nulidade da decisão.
12. Assim, salvo melhor entendimento, entendemos que o douto despacho padece de um vício de nulidade por falta de fundamentação, à luz da disciplina do artigo 615º, nº1, alínea b) do C.P.C., nulidade esta que expressamente se invoca e deve ser decretada, com as legais consequências.

B. DA OMISSÃO DE PRONÚNCIA.
13. A omissão de pronúncia é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre questões com relevância para a decisão de mérito - e não quanto a todo e qualquer argumento aduzido.
14. Ora, os factos alegados pela ora recorrente que, como melhor explanaremos infra, configuram factos suscetíveis de integrar uma situação superveniente, que naturalmente levará a uma ampliação do pedido, nos termos do artigo 265º, nº2.
15. Significa, pois, que os argumentos invocados no requerimento apresentado a 18 de maio de 2023, não se trata de um mero argumento aduzido, mas sim de uma questão com inúmera relevância para a decisão de mérito.
16. Assim, entendemos que o douto despacho padece de um vício de nulidade por falta de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº1 alínea d) do Código Civil, nulidade esta que expressamente se invoca e deve ser decretada.

Ora,
IV. DOS CRÉDITOS RECONHECIDOS NO PROCESSO DE INSOLVÊNCIA E DO ... VALOR DO PASSIVO DA RELAÇÃO DE BENS.
17. A lista de credores, e respetivos créditos, foram devidamente reconhecidos – e não impugnados – no âmbito do processo de insolvência, no montante global de 244.131,35€ - cfr. Doc. ... e ... que ora se junta e se considera integralmente.
18. Para melhor esclarecer, importa realçar que os créditos reconhecidos no processo de insolvência da ora recorrente são (quase todos) comuns ao cabeça de casal.
19. Ou seja, a ora recorrente apresentou-se à insolvência pelo facto de: “se encontrar numa situação de falta de cumprimento de uma obrigação ou mais obrigações que, pelo seu montante, revelam a impossibilidade de satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações, (v.g. al. b) do nº 1 do artigo 20º do CIRE).” – Cfr. Doc. ... – petição inicial do processo de insolvência – que ora se junta e se considera integralmente reproduzido.
20. É ainda referido ao longo de toda a petição inicial que a ora recorrente foi casada com o aqui cabeça de casal, e que todas as dívidas – que levaram a ora recorrente a uma situação de insolvência – são comuns ao casal.
21. É também referido que devido à delongo do processo de inventário foram-se vencendo juros e comissões.
22. Foi assim decretada a insolvência da ora recorrente, por sentença transitada em julgado, a 3 de maio de 2021 – cfr. doc. ... que ora se junta e se considera integralmente reproduzido.
23. A 17 de março de 2023 foi homologada, por sentença transitada em julgado, a lista de credores reconhecidos.
24. Quase todos os créditos reconhecidos, no âmbito do processo de insolvência, são dívidas comuns ao casal, excetuando-se os relativos aos créditos do “Condomínio do Prédio Urbano sito na Rua ..., ...” (2.703,07€) e “Ministério Público (Fazenda Nacional) - ...” (32,30€).
25. Ou seja, em bom rigor, dos créditos reconhecidos na insolvência, 241.395,98€ são passivo comum do casal.
26. Aliás, concatenados os elementos constantes do processo de inventário com os do processo de insolvência, – mormente, a relação de bens daquele e a lista de créditos reconhecidos deste - facilmente se constata que se trata das mesmas dívidas, oriundas dos mesmos contratos e das mesmas relações jurídicas subjacentes.
27. É aqui que começa a divergência entre a ora recorrente e a decisão tomada pelo tribunal a quo.
28. Os valores do passivo da relação de bens do processo de inventário são diferentes aos valores dos créditos reconhecidos do processo de insolvência, apenas e somente, porque se encontram desatualizados, em função do vencimento de juros.
29. O valor de 241.395,98€ correspondente ao valor dos créditos reconhecidos, que como já referido, são, sem margem para dúvidas, comuns do ex-casal, motivo pelo qual a partilha deverá respeitar a este facto.
30. Aliás, sob pena de um enriquecimento injustificado do ex-marido, cabeça de casal, em relação à ex-mulher, aqui recorrente, e, portanto, ilícito.
31. Quer isto dizer que no entendimento da ora recorrente o valor do passivo do processo de inventário, e consequentemente a elaboração do mapa à partilha, deverá ser considerado no montante de 241.395,98€, uma vez que este é o ... valor do passivo comum do casal, encontrando-se devidamente atualizado.
32. Andou mal o Tribunal a quo ao não reconhecer este montante, e, consequentemente, ao proferir o despacho que aqui se recorre, onde é referido que o mapa à partilha deverá ter em conta tão somente o montante do passivo relacionado.

Ademais,
V. DA SUPERVENIÊNCIA DO VALOR DO PASSIVO
33. Cumpre referir que a aqui recorrente não pretende reclamar (extemporaneamente) da relação de bens, mas tão somente de atualizar o valor de numa verba já relacionada, que, supervenientemente à reclamação à relação de bens, se alterou.
34. Aquando da relação de bens apresentada pelo cabeça de casal, a ora recorrente não reclamou da mesma, uma vez que as verbas foram devidamente relacionadas, e o montante das mesmas correspondia, à data, à realidade.
35. Pretende a aqui recorrente que o valor do passivo seja simplesmente atualizado, de modo a refletir a realidade atual.
36. Tal atualização não devia ter sido indeferida liminarmente, como acabou por acontecer na prática, com base no efeito preclusivo de já ter havido reclamação à relação de bens.
37. Por outro lado, deverá atender-se à pretensão da aqui recorrente como uma consequência do decurso normal do tempo, relativamente à atualização do valor do passivo, algo acessório, que flui natural e inevitavelmente como um desenvolvimento ou uma ampliação das verbas 1,2,3,4 e 5 do passivo.
38. As reclamações contra a relação de bens têm de ser necessariamente deduzidas, salvo demonstração de superveniência objetiva ou subjetiva, na fase da oposição, com indicação de toda a prova.
39. Na presente situação estamos perante uma superveniência quer objetiva, quer subjetiva.
40. Objetiva, desde logo porque o facto – o ... valor do passivo, resultante do vencimento dos juros com o decurso do tempo – ocorreu após o prazo da reclamação à relação de bens.
41. E subjetiva, porque o conhecimento desse facto - do valor do passivo - apenas aconteceu com a cristalização da relação de créditos no processo de insolvência, ou seja, a partir do momento em que a relação de créditos se tornou definitiva, ficando a ora recorrente a conhecer do verdadeiro valor dos créditos – já com os juros atualizados.
42. Ora, o valor do passivo não ficou estático no tempo, isto é, foi (supervenientemente à relação de bens do inventário) evoluindo.
43. Foi dado conhecimento ao tribunal, com o requerimento apresentado pela ora recorrente a 18 de maio de 2023 (sendo certo que é do conhecimento oficioso do Tribunal tal facto, atento a que o processo de inventário se encontra apensão ao processo de insolvência) do ... valor do passivo,
44. Era do conhecimento do Tribunal a quo que o facto do montante do passivo da relação de bens ser 199.368,48€ ia conflituar com o montante dos créditos reconhecidos na relação de créditos.
45. Mais se refere que o requerimento apresentado pela ora recorrente, a 18 de maio de 2023, configura, embora de forma atípica e eventualmente simplificada, um articulado superveniente, na medida em que nele foram alegados factos supervenientes que o tribunal a quo, de forma simples e singela, ignorou.
46. Podemos assim referir que o Tribunal a quo indeferiu liminarmente o pedido de retificação do valor do passivo, tendo em conta o vencimento dos juros à data, o qual não nos parece admissível.

Acresce que,
VI. DA APLICAÇÃO DO PLASMADO NO ARTIGO 265º, Nº2 DO CPC À PRESENTE SITUAÇÃO.
47. Atento a tudo quanto foi referido, deveria o Tribunal a quo ter, em tudo, um raciocínio semelhante ao plasmado no artigo 265º, nº 2 do CPC, ao estatuir sobre a livre ampliação do pedido na 1ª instância.
48. Assim sendo, estamos perante uma verdadeira exceção ao princípio da estabilidade da instância – previsto no artigo 260º do CPC – o qual deverá ser tido em conta, sob pena de violação do dever de gestão processual e ainda do princípio da economia processual.
49. Assim sendo, deverá admitir-se o mapa de partilha apresentado pela ora recorrente, atento a tudo quanto foi exposto, e bem assim reconhecer-se o valor do passivo no montante de
50. Sem prescindir, caso a solução não passe pela aplicação do referido normativo legal, poderia a ora recorrente se socorrer de duas possibilidades: Partilha adicional ou Ação de enriquecimento sem causa, contra o cabeça de casal.

Assim,
A) DA PARTILHA ADICIONAL
51. Prevê o artigo 1129º do C.P.C que: “Quando se reconheça, depois de feita a partilha, que houve omissão de alguns bens, procede-se a partilha adicional dos mesmos.”
52. Ora, na situação in casu, ainda não foi feita a partilha, isto é, o processo de inventário ainda se encontra em curso, motivo pelo qual a partilha adicional não seria solução, sob pena de estarmos a violar o princípio da economia processual e de gestão processual.
53. Podendo resolver-se a situação nos presentes autos, não nos parece razoável, nem juridicamente aceitável, que tenha a ora recorrente de deitar mão de outro processo judicial para ver resolvida a presente situação.

B) DO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.
54. Caso o passivo não seja corrigido, atento a tudo quanto foi invocado pela ora recorrente, sempre se dirá que o cabeça de casal irá beneficiar injustificadamente, e bem assim, enriquecer sem causa, prejudicando a ora recorrente.
55. Ora, o enriquecimento sem causa constitui, no nosso ordenamento jurídico, uma fonte autónoma de obrigações e assenta na ideia de que pessoa alguma deve locupletar-se à custa alheia.
56. O enriquecimento tanto pode traduzir-se num aumento do ativo patrimonial, como numa diminuição do passivo, sendo certo que no presente caso estamos perante a diminuição do passivo do cabeça de casal, o qual não se pode conceder, pelo que não se pode aceitar a solução proposta pelo Tribunal a quo.
57. Em suma, e de forma a não deitar mão a ora recorrente de uma partilha adicional, ou de uma ação de enriquecimento sem causa – e bem assim entupir os Tribunais com mais um processo judicial – deverá aplicar-se a disciplina do artigo 265º, nº 2 do CPC, e bem assim ampliar-se o pedido,
58. Ou seja, atualizar-se o valor do passivo, nos termos e para os efeitos da elaboração do mapa de partilha, nomeadamente e tendo por base o valor de 241.395,98€ (duzentos e quarenta e um mil, trezentos e noventa e cinco euros e noventa e oito cêntimos), que deverá ser devidamente repartido pelos interessados.

Não consta tenham sido apresentadas contra-alegações.

A Sra. Juiz a quo admitiu o recurso e pronunciou-se quanto à nulidade por falta de fundamentação.

2. Questões a apreciar

O objecto do recurso, é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso, cuja apreciação ainda não se mostre precludida.

O Tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas (isto é, questão que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismo destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis” ( cfr. António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, Almedina, p. 139) (pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida).
 
As questões que cumpre apreciar são:
- o despacho proferido a 09/06/2023 é nulo por falta de fundamentação e omissão de pronúncia?
- o despacho proferido a 09/06/2023 deve ser revogado e substituído por outro que atualize o valor do passivo para € 241.395,98?

3. Fundamentação de facto
As incidências fácticas relevantes para a decisão são as indicadas no antecedente relatório, que aqui se dão por reproduzidas e ainda a seguinte factualidade:
1) - No processo de insolvência de AA, a Sra. AI apresentou lista de créditos reconhecidos, a qual não foi impugnada.
2) - Da referida lista constam como credores reconhecidos:
a) EMP01... – Empresa de Águas, Efluentes e Resíduos de ..., EM, com um crédito reconhecido como comum no valor de € 69,31;
b) Banco 1..., SA, com seis créditos reconhecidos, nos seguintes valores e com as seguintes garantias
i) € 28.815,06, sendo € 22.425,95 de capital e € 6.389,11 de juros, garantido por hipoteca sobre o prédio urbano composto por casa de habitação de rés-do-chão, 1.º andar e sótão, barracão, pátio e quintal, situado em ..., freguesia ..., concelho ... do sal, descrito na Conservatória do Registo Predial ... ...69/..., inscrito na matriz sob o artigo ...24.º.
ii) € 133.352,62, sendo € 107.335,42 de capital e € 26.017,20 de juros, garantido por hipoteca sobre o prédio urbano composto por casa de cave, rés-do-chão, e andar e com logradouro, situado no Lugar ... - ... - ... - ... ou Rua ..., ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nr.º ...74/..., inscrito na matriz sob o artigo ...16.
iii) € 12.318,75, sendo € 9340,66 de capital e € 2.978,009 de juros, garantido por hipoteca sobre o prédio urbano composto por casa de cave, rés-do-chão, e andar e com logradouro, situado no Lugar ... - ... - ... - ... ou Rua ..., ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nr.º ...74/..., inscrito na matriz sob o artigo ...16.
iv) € 34.205,49, sendo € 27.486,34 de capital e € 6.719,15 de juros, garantido por hipoteca sobre a Fracção autónoma designada pelas letras ..., habitação nascente, tipo T-4 b, no piso ..., sita na Rua ..., que faz parte integrante do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, situado na Rua ... e Rua ..., freguesia ... (...), concelho ..., descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o nr. ...2... da freguesia ... (...) e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ...23....
v) € 31.219,45, sendo € 23.330,10 de capital e € 7.889,35 de juros, garantido por hipoteca sobre a Fracção autónoma designada pelas letras ..., habitação nascente, tipo T-4 b, no piso ..., sita na Rua ..., que faz parte integrante do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, situado na Rua ... e Rua ..., freguesia ... (...), concelho ..., descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o nr. ...2... da freguesia ... (...) e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ...23....
vi) € 1.415,30 de capital, comum.
c) Condomínio do prédio urbano sito na Rua ..., ..., com um crédito reconhecido no valor de € 2.703,07, comum;
d) Fazenda Nacional, com um crédito reconhecido no valor de € 32,30, comum.
3) - A referida lista de credores reconhecidos foi homologada por sentença de 17/03/2022.

4. Fundamentação de direito
4.1. Da nulidade do despacho recorrido
4.1.1. Enquadramento jurídico
Dispõe o art.º 615º do CPC:
1. É nula a sentença quando:
(…)
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
(…)”

Nos termos do n.º 3 do art.º 613º, este normativo é aplicável aos despachos.

A sentença pode ser vista como trâmite ou como acto: no primeiro caso, atende-se à sentença no quadro da tramitação da causa; no segundo, considera-se o conteúdo admissível ou necessário da sentença.

As nulidades da sentença e dos acórdãos referem-se ao conteúdo destes actos, ou seja, estas decisões não têm o conteúdo que deviam ter ou têm um conteúdo que não podiam ter (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in O que é uma nulidade processual? in Blog do IPPC, 18-04-2018, disponível em https://blogippc.blogspot.com/search?q=nulidade+processual).

A alínea b) do n.º 1 do art.º 615º do CPC está correlacionada com o disposto:
- no art.º 205º n.º 1 da CRP - que dispõe que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei;
 - no art.º 154º do CPC - que dispõe, no n.º 1, que as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas e no n.º 2 que a justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo, quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade;

- e especificamente, no que respeita à sentença, com o disposto no art.º 607º do CPC, cujo n.º 3 dispõe que nos fundamentos, deve o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes. E os factos sobre os quais o tribunal se tem de pronunciar são os oportunamente alegados pelas partes.

Como referia Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, Coimbra Editora, p. 172/173 “A exigência de motivação é perfeitamente compreensível. Importa que a parte vencida conheça as razões por que o foi, para que possa atacá-las no recurso que interpuser. Mesmo no caso de não ser admissível recurso da decisão o tribunal tem de justificá-la, pela razão simples de que a decisão vale, sob o ponto de vista doutrinal, o que valerem os seus fundamentos. Claro que a força obrigatória da sentença ou despacho está na decisão; mas mal vai a força quando se não apoia na justiça e os fundamentos destinam-se precisamente a convencer de que decisão é conforme à justiça. A função própria do juiz é interpretar a lei e aplicá-la aos factos em causa; por isso, deixa de cumprir o dever funcional o juiz que se limita a decidir, sem dizer como interpretou e aplicou a lei ao caso concreto. A decisão é um resultado, é a conclusão dum raciocínio; não se compreende que se enuncie unicamente o resultado ou a conclusão, omitindo-se as premissas de que ela emerge”.

Ainda a propósito da especificação dos fundamentos de facto e de direito na decisão e utilizando a locução “motivação” no sentido de “fundamentos de facto e de direito”, locução que restringimos à justificação da decisão da matéria de facto, afirmava Alberto dos Reis, in CPC Anotado, V, 140: “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação, da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade”.

Na jurisprudência e a título meramente exemplificativo, o Ac. do STJ de 02/03/2021, processo 835/15.0T8LRA.C3.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj - “Só a absoluta falta de fundamentação - e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação - integra a previsão da nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil”.

Assim, a situação prevista na alínea b) só se verifica quando exista uma falta absoluta de fundamentação e não quando se considere:
- a decisão sobre determinados pontos de facto deficiente ou quando se considere necessária a ampliação da mesma, situação em que se aplica o disposto no art.º 662º, n.º 2, alínea c) do CPC;
-  que a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, não está devidamente fundamentada, caso em que se aplica o disposto no art.º 662º, n.º 2, alínea d) do CPC;
- a fundamentação de direito medíocre, insuficiente, incompleta, não convincente ou contrária à lei, caso em que há erro de julgamento.

A alínea c) tem dois fundamentos: a contradição e a ininteligibilidade.
Aqui apenas releva a segunda.
A ininteligibilidade verifica-se quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade, ou seja, respectivamente, quando da decisão – e é apenas à decisão/dispositivo que a norma se refere - se puder extrair mais de um sentido ou quando não se puder retirar um sentido lógico, racional e coerente

A alínea d) contempla duas situações: a) quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (omissão de pronúncia) ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (excesso de pronúncia).

A primeira está correlacionada com a 1ª parte do n.º 2 do art.º 608º do CPC, que dispõe: “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras;…”

O normativo tem em vista as questões essenciais, ou seja, o juiz deve conhecer todos os pedidos, todas as causas de pedir e todas as excepções invocadas e as que lhe cabe conhecer oficiosamente (desde que existam elementos de facto que as suportem), sob pena da sentença ser nula por omissão de pronúncia.

As questões essenciais não se confundem com os argumentos invocados pelas partes nos seus articulados. O que a lei impõe, sob pena de nulidade, é que o juiz conheça as questões essenciais e não os argumentos invocados pelas partes (sendo abundante a jurisprudência em que esta questão é suscitada, a título meramente exemplificativo o Ac. do STJ de 21/01/2014, proc. 9897/99.4TVLSB.L1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jst).

4.1.2. Em concreto
O despacho recorrido tem o seguinte teor:
Elabore o mapa à partilha de acordo com a forma dada pelo CC e pela AI, a qual atende à relação dos bens comuns apresentada nos presentes autos, que foi oportunamente aceite por ambos os interessados quer quanto ao ativo quer quanto ao passivo.---
D.n..---

O despacho recorrido afirma, num primeiro momento: “Elabore o mapa à partilha…
E a seguir refere: “….de acordo com a forma dada pelo CC e pela AI…”.

E termina da seguinte forma: “…a qual [a forma dada pelo CC e pela AI] atende à relação dos bens comuns apresentada nos presentes autos, que foi oportunamente aceite por ambos os interessados quer quanto ao ativo quer quanto ao passivo.---“

Decorre do n.º 3 do art.º 607º, aplicável aos despachos com as devidas adaptações, que primeiro discriminam-se os fundamentos ou justificação (que não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo, quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade – art.º 154º, n.º 2 do CPC) e só depois se consigna a decisão “final” – cfr. n.º 3 do art.º 607º do CPC.

No caso, o despacho recorrido inverte a lógica das decisões judiciais, pois, num primeiro momento surge o dispositivo e num segundo momento a justificação.

O primeiro segmento do despacho recorrido e que constitui o dispositivo, apresenta um vício, mas não é a falta de fundamentação, como inadequadamente qualificou a recorrente, mas a obscuridade, determinando a sua ininteligibilidade.
E isto porque o mesmo remete a definição do seu conteúdo para “a forma [à partilha] dada pelo CC e pela AI”, quando, compulsados os requerimentos apresentados pelos mesmos, se constata que não são idênticas, ficando-se, assim, sem saber, quais os exactos termos (e daí a obscuridade) em que a forma à partilha deve ser elaborada.

Não existe falta de fundamentação, porque os mesmos constam no segundo segmento do despacho recorrido, que tem o seguinte teor: “…a qual [a forma dada pelo CC e pela AI] atende à relação dos bens comuns apresentada nos presentes autos, que foi oportunamente aceite por ambos os interessados quer quanto ao ativo quer quanto ao passivo.---“

É, certamente, uma justificação telegráfica
Pode haver erro de julgamento.
Mas existe e, portanto, o vício que se verifica não é a falta de fundamentação.

A questão que se coloca é a de saber se esta Relação pode declarar a nulidade do despacho recorrido, não com base na alínea b) – falta de fundamentação – que não se verifica, mas com base na alínea c) – ininteligibilidade -, que se verifica.

Uma vez que a recorrente invocou a nulidade, que apenas está em causa uma questão de qualificação jurídica e que nos termos do n.º 3 do art.º 5º do CPC, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, entende-se ser possível decretar a nulidade da decisão com base em diferente qualificação do vício que lhe é imputado.

Por outro lado, o segmento em crise – “….de acordo com a forma dada pelo CC e pela AI…” – é o cerne do mesmo e é incindível do restante conteúdo do despacho.

Neste contexto, a sua nulidade por ininteligibilidade contamina todo o despacho.

Em face de tudo o exposto, declara-se a nulidade do despacho recorrido por ininteligibilidade do mesmo (art.º 615º, n.º 1, alínea c) do CPC).

No entanto, como decorre do n.º 1 do art.º 665º do CPC, ainda que declare nula a decisão, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação.

Quanto à omissão de pronúncia, a recorrente alega que o tribunal não se pronunciou sobre a questão suscitada no requerimento de 18/05/2023, ou seja, dos os créditos reconhecidos no processo de insolvência, € 241.395,98 são passivo comum do casal e não € 199.368,48, pelo que a partilha deve respeitar tal facto.

A questão foi suscitada pela recorrente na sequência do requerimento da Sra. AI, que afirmava que o passivo havia sido fixado no valor de € 199.368,48.

Muito embora o primeiro segmento do despacho recorrido seja ininteligível no sentido em que não permite saber quais os exactos termos da forma à partilha, verifica-se que o mesmo acolhe a posição da Sra. AI, que considerou que o passivo havia sido fixado no valor de € 199.368,48, rejeitando, assim, implicitamente, a posição da recorrente, que entendia que o passivo a considerar era de € 241.395,98, por corresponder ao montante dos créditos reconhecidos no processo de insolvência, que são passivo comum do casal. E essa rejeição depreende-se, ainda, da fundamentação porque ali se refere que “atende à relação dos bens comuns apresentada nos presentes autos, que foi oportunamente aceite por ambos os interessados quer quanto ao ativo quer quanto ao passivo.---“

Em face do exposto, improcede a invocada nulidade por omissão de pronúncia.

4.2. Contextualização do recurso
Estamos perante um processo de inventário para partilha dos bens comuns em virtude de divórcio, que se iniciou no domínio da Lei n.º 23/2013, de 05 de Março, que aprovou o regime jurídico do processo de inventário e que então era da competência dos cartórios notariais.

Entretanto foi publicada a Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro, que entrou em vigor a 01/01/2020 e que alterou o Código de Processo Civil, em matéria de processo executivo, recurso de revisão e processo de inventário, reintroduzindo no CPC o regime do processo de inventário (art.ºs 3º, 4º e 5º) e revogou o regime jurídico do processo de inventário aprovado em anexo à Lei n.º 23/2013, de 5 de março (art.º 10º).

A referida Lei contém um conjunto de normas transitórias.

Assim, o art.º 11º n.º 1 da referida Lei dispõe que o nela disposto também se aplica aos processos de inventário que, na data da entrada em vigor da mesma, estejam pendentes nos cartórios notariais, mas sejam remetidos ao tribunal nos termos do disposto nos artigos 11.º a 13.º

No que respeita ao regime a seguir no caso de processos remetidos a tribunal, dispõe o n.º 3 do art.º 13º que é aplicável à tramitação subsequente do processo remetido a juízo nos termos dos números anteriores, o regime estabelecido para o inventário judicial no Código de Processo Civil.

Finalmente, nos termos do n.º 4, o juiz, ouvidas as partes e apreciadas as impugnações deduzidas ao abrigo do n.º 2, determina, com base nos poderes de gestão processual e de adequação formal, a tramitação subsequente do processo que se mostre idónea para conciliar o respeito pelos efeitos dos atos processuais já regularmente praticados no inventário notarial com o ulterior processamento do inventário judicial.

Destas normas decorre que os efeitos dos atos processuais já regularmente praticados no inventário notarial se mantêm e quanto à tramitação subsequente aplica-se a nova Lei.

No caso dos autos, em momento algum foi proferido despacho nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 4 do art.º 13º da Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro.

Sucede que é imprescindível à cabal apreciação do recurso, aferir em que ponto se encontravam os autos no momento em que transitaram para o tribunal e compaginar esse momento com a tramitação prevista para o actual modelo de inventário judicial

Para tal há que, sumariamente, verificar qual a tramitação a que obedecia o processo de inventário no âmbito da Lei n.º 23/2013, de 05 de Março e verificar depois qual a tramitação do inventário no âmbito da Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro.

4.2.1. Tramitação do inventário no âmbito da Lei n.º 23/2013, de 05 de Março - Enquadramento jurídico
 Nos termos do art.º 79º n.º 3, do regime do inventário para partilha dos bens na sequência de divórcio, no âmbito da Lei n.º 23/2013, de 05 de Março, aplicam-se as normas aplicáveis ao inventário destinado a pôr termo à comunhão hereditária.

Assim, apresentado o requerimento inicial (art.º 21º) era designado o cabeça de casal (art.º 22º) e tomadas declarações ao mesmo (art.º 24º), que, além de outros elementos, apresentava a relação de bens (art.º 25º).

De seguida procedia-se à citação dos interessados (art.º 28º), que podiam deduzir oposição ao inventário (art.º 30º) e reclamação contra a relação de bens (art.º 32º), a que o cabeça de casal podia responder (art.º 35º).

Relativamente ao passivo, o art.º 38º, n.º 1 dispunha que as dívidas que fossem aprovadas pelos interessados maiores e por aqueles a quem compete a aprovação em representação dos menores ou equiparados consideravam-se reconhecidas, devendo o seu pagamento ser ordenado por decisão do notário.
E nos termos do art.º 41º, n.º 1, se o credor exigir o pagamento, as dívidas vencidas e aprovadas por todos os interessados devem ser pagas imediatamente. Se
quisesse receber em pagamento os bens indicados para a venda, os mesmos eram-lhe adjudicados pelo preço que se ajustar. Não querendo receber os bens não havendo, aqui nos bens comuns, dinheiro suficiente e não acordando os interessados noutra forma de pagamento imediato, procedia-se à venda de bens para esse efeito, designando o notário os bens a serem vendidos, quando não exista acordo a tal respeito entre os interessados.

Resolvidas as questões suscitadas que fossem suscetíveis de influir na partilha e determinados os bens a partilhar, o notário designava dia para a realização de conferência preparatória da conferência de interessados (art.º 47º, n.º 1), no âmbito da qual os interessados podem deliberar, por unanimidade, que a composição dos quinhões se realizasse por algum dos modos referidos no n.º 1 do art.º 48º, cabendo ainda aos interessados deliberar sobre a aprovação do passivo e da forma de cumprimento dos legados e demais encargos da herança e, ainda sobre quaisquer questões cuja resolução possa influir na partilha ( art.º 48º, n.ºs 3 e 4).

De seguida tinha lugar a conferência de interessados, destinada à adjudicação dos bens (art.º 49º) a qual era realizada por propostas em carta fechada (art.º 50º).

Realizada a conferência de interessados os advogados dos interessados eram ouvidos sobre a forma da partilha (art.º 57º, n.º 1).
E, no prazo de 10 dias após a audição dos advogados, o notário proferia despacho determinativo do modo como devia ser organizada a partilha, devendo ser resolvidas todas as questões que ainda o não tenham sido e que seja necessário decidir para a organização do mapa da partilha, podendo o notário mandar proceder à produção da prova que julgue necessária (art.º 57º, n.º 2), regendo o art.º 58º sobre a composição dos quinhões.

Nos termos do art.º 59º, n.º 1, proferido o despacho sobre a forma da partilha, o notário organizava, no prazo de 10 dias, o mapa da partilha, em harmonia com o mesmo despacho e com o disposto no artigo anterior, regendo o n.º 2 sobre as regras que deviam ser observadas na formação do mapa.

Finalmente e resolvidas todas as questões que se suscitassem entretanto, era proferida pelo juiz territorialmente competente sentença homologatória da partilha (art.º 66º).

4.2.2. Tramitação do inventário na sequência da Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro - Enquadramento jurídico
Nos termos do disposto no art.º 1082º do CPC o inventário cumpre diversas funções, entre as quais a partilha dos bens comuns do casal, nomeadamente na sequência do divórcio dos cônjuges (art.º 1083º alínea d) do CPC).

Ao inventário com a referida finalidade aplica-se o disposto nos artigos 1133º e 1134º e em tudo o que não estiver especificamente regulado, o regime definido para o inventário destinado a fazer cessar a comunhão hereditária (art.º 1084º n.º 2 do CPC).

Os art.ºs 1133º e 1134º não contêm quaisquer normas sobre a tramitação, pelo que há que recorrer ao regime definido para o inventário destinado a fazer cessar a comunhão hereditária.

Assim o inventário pode iniciar-se por requerimento do cabeça de casal (art.º 1097º, n.º 1), que, além do mais, deverá apresentar relação e bens (art.º 1097º, n.º 3 e 1098º) ou pode iniciar-se por requerimento de outro interessado (art.º 1099º).

Tal requerimento é submetido a despacho liminar (art.º 1100º).
Se o processo houver de prosseguir o juiz: a) Se verificar que o exercício de funções de cabeça de casal cabe ao requerente e que este prestou compromisso de honra válido, procede à sua designação e ordena a citação de todos os interessados diretos na partilha; b) Se verificar que o cargo de cabeça de casal compete a outrem que não o requerente, ordena a citação daquele; c) Sempre que se justifique a sua intervenção, ordena a citação do Ministério Público (art.º 1100º, n.º 2).

Se o requerimento inicial não tiver sido entregue pelo cabeça de casal, o mesmo é citado, nomeadamente, para entregar relação de bens (art.º 1102º, 1, b).

Os interessados diretos na partilha e o Ministério Público, quando tenha intervenção principal, podem, na sequência da sua citação:
a) Deduzir oposição ao inventário;
b) Impugnar a legitimidade dos interessados citados ou alegar a existência de outros;
c) Impugnar a competência do cabeça de casal ou as indicações constantes das suas declarações;
d) Apresentar reclamação à relação de bens;
e) Impugnar os créditos e as dívidas da herança (art.º 1104º)

Se for deduzida oposição, impugnação ou reclamação, os interessados que tenham legitimidade para se pronunciar sobre a questão suscitada podem responder (art.º 1105º).

Relativamente ao passivo, o art.º 1106º, n.º 1 dispõe que as dívidas relacionadas que não hajam sido impugnadas pelos interessados diretos consideram-se reconhecidas, devendo a sentença homologatória da partilha condenar no respetivo pagamento.
E o n.º 5 dispõe que as dívidas vencidas, que hajam sido reconhecidas por todos os interessados ou se mostrem judicialmente reconhecidas, devem ser pagas imediatamente, se o credor exigir o pagamento.
Se não houver na herança dinheiro suficiente e se os interessados não acordarem noutra forma de pagamento imediato, procede-se à venda de bens para esse efeito, designando o juiz os que hão de ser vendidos, quando não haja acordo entre os interessados. (n.º 6).
Se o credor quiser receber em pagamento os bens indicados para a venda, são-lhe os mesmos adjudicados pelo preço que se ajustar. (n.º 7)

Se o juiz considerar conveniente, pode convocar uma audiência prévia, nomeadamente por se lhe afigurar possível a obtenção de acordo sobre a partilha ou acerca de alguma ou algumas das questões controvertidas, ou quando entenda útil ouvir pessoalmente os interessados sobre alguma questão (art.º 1109º).

Haja ou não audiência prévia e depois de realizadas as diligências instrutórias necessárias, o juiz profere despacho de saneamento do processo em que:

a) Resolve todas as questões suscetíveis de influir na partilha e na determinação dos bens a partilhar;
b) Ordena a notificação dos interessados e do Ministério Público que tenha intervenção principal para, no prazo de 20 dias, proporem a forma da partilha. (1110º, n.º 1).
As questões suscetíveis de influir na partilha e na determinação dos bens a partilhar, são as suscitadas oficiosamente e as controvertidas em consequência da dedução de oposição, impugnação ou reclamação que, no exercício do respectivo contraditório, tenha sido deduzida e respondida pelos interessados na oposição (art.º 1104º e 1105º do CPC) (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres in ob. cit., pág. 101).

E, findo o referido prazo de 20 dias, o juiz:
a) Profere despacho sobre o modo como deve ser organizada a partilha, definindo as quotas ideais de cada um dos interessados;
b) Designa o dia para a realização da conferência de interessados (art.º 1110º, n.º 2).

Uma das questões objecto da conferência de interessados é o acordo quanto à composição dos quinhões e deliberar sobre o passivo e a forma do seu pagamento, bem como sobre a forma de cumprimento dos legados e demais encargos da herança (art.º 1111º).

Na falta de acordo entre os interessados quanto à composição dos quinhões, procede-se, na própria conferência de interessados, à abertura de licitação entre eles (art.º 1113º).

Concluídas as diligências reguladas nos artigos 1113º a 1119º, dispõe o art.º 1120º do CPC (bold nosso):
1 - Concluídas as diligências reguladas nas secções anteriores, procede-se à notificação dos interessados e do Ministério Público, quando este tenha intervenção principal, para, no prazo de 20 dias, apresentarem proposta de mapa da partilha, da qual constem os direitos de cada interessado e o preenchimento dos seus quinhões, de acordo com o despacho determinativo da partilha e os elementos resultantes da conferência de interessados.
2 - Decorridos os prazos para a apresentação das propostas de mapa de partilha, o juiz profere despacho a solucionar as divergências que existam entre as várias propostas de mapa de partilha e determina a elaboração do mapa de partilha pela secretaria, em conformidade com o decidido.
3 - Para a formação do mapa determina-se, em primeiro lugar, a importância total do ativo, somando-se os valores de cada espécie de bens conforme as avaliações e licitações efetuadas e deduzindo-se as dívidas, legados e encargos que devam ser abatidos, após o que se determina o montante da quota de cada interessado e a parte que lhe cabe em cada espécie de bens, e por fim faz-se o preenchimento de cada quota com referência às verbas ou lotes dos bens relacionados.
4 - No preenchimento dos quinhões observam-se as seguintes regras:
a) Os bens licitados são adjudicados ao respetivo licitante e os bens doados ou legados são adjudicados ao respetivo donatário ou legatário;
b) A quota dos não conferentes ou não licitantes é integrada de acordo com o disposto no artigo 1117.º
5 - Os interessados são notificados do mapa de partilha elaborado, podendo apresentar reclamações contra o mesmo.

E, finalmente, nos termos do artigo 1122.º, depois de decididas todas as questões, o juiz profere sentença homologatória da partilha constante do mapa.

4.2.3. Em concreto
Face ao que consta do Relatório supra, no âmbito notarial teve lugar:
- a Conferência Preparatória, em que os interessados directos na partilha deliberaram por unanimidade: i) aprovar as dívidas ao credor hipotecário Banco 1..., SA no valor total de € 199.368,48, dívidas essas (de pagamento prestacional e ainda não vencidas), das quais os ex-cônjuges são solidariamente responsáveis, tendo, assim, sido reconhecidas por ambos; ii) que o quinhão do interessado requerente fosse preenchido com a verba n.º 1 da Relação de bens.
- requerimento do credor Banco 1..., SA exigindo o pagamento imediato da dívida, por totalmente vencida, divida essa que totaliza € 209 476,84;
- a Conferência de interessados, em que os interessados directos na partilha, confrontados com o requerimento do Banco 1..., SA, confirmaram o montante do passivo actualmente em dívida, actualizando o valor do passivo comum, que já havido obtido aprovação na conferência preparatória;
- por despacho de 11 de Maio de 2017, foi ordenada a venda das restantes verbas do activo (2, 3 e 4).

E foi nesta fase que os autos foram remetidos a tribunal.

Posteriormente e no âmbito judicial:
- os presentes autos foram apensados ao processo de insolvência da interessada AA, onde:
- foram reconhecidos créditos que totalizam € 244.131,35;
- as verbas 2, 3 e 4 do activo foram vendidas por € 250.000,00.

Após a venda, a secretaria procedeu à notificação dos interessados para, no prazo de 20 dias, apresentarem proposta de mapa da partilha.

Nos termos do n.º 1 do art.º 1120º, do referido mapa deve constar os direitos de cada interessado e o preenchimento dos seus quinhões, de acordo com o despacho determinativo da partilha.

Se já não decorresse da lógica do sistema, decorre do normativo citado que não pode haver mapa de partilha, sem haver despacho determinativo da partilha.

Sucede que no âmbito notarial o processo não chegou a essa fase, ou seja, não chegou à fase em que o notário proferia despacho determinativo do modo como devia ser organizada a partilha.

E no âmbito judicial, a fase em que é proferido aquele despacho mostra-se “ultrapassada”, pois, em virtude de uma mudança de paradigma, o despacho determinativo da partilha é proferido:
- depois de os interessados serem notificados para proporem a forma à partilha depois de ter sido realizada, eventualmente, a audiência prévia, depois de realizadas as diligências instrutórias necessárias, depois do juiz proferir despacho de saneamento do processo em que resolve todas as questões suscetíveis de influir na partilha e na determinação dos bens a partilhar (art.º 1110º);
- e antes da realização da conferência de interessados.

No caso, e no âmbito notarial, realizou-se a conferência de interessados.

Impunha-se, portanto, adequar a tramitação subsequente do processo que se mostre idónea para conciliar o respeito pelos efeitos dos atos processuais já regularmente praticados no inventário notarial com o ulterior processamento do inventário judicial.

E, uma vez que não pode haver mapa de partilha, sem haver despacho determinativo da partilha, impunha-se dar cumprimento ao disposto no art.º 1110º, n.º 1, alínea b) – notificar os interessados para proporem a forma da partilhae não, como foi feito, para apresentarem proposta de mapa da partilha.

No entanto, as partes, notificadas, compreenderam a notificação que lhes foi como sendo para proporem a forma à partilha e actuaram em conformidade.

Analisando agora o despacho recorrido, o mesmo começa por determinar: “Elabore o mapa à partilha…”
Se fosse apenas este o conteúdo do referido despacho, o mesmo não seria suscetível de impugnação autónoma. Só poderia ser impugnado com o recurso interposto da sentença homologatória da partilha (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres in O novo regime do processo de inventário e outras alterações na legislação processual civil, Almedina, 2020, pág. 128).

 Mas o despacho em causa refere a seguir: “…de acordo com a forma dada pelo CC e pela AI…”
Neste segmento, (ainda que ininteligível quanto ao concreto conteúdo) o despacho recorrido constitui-se como “despacho sobre o modo como deve ser organizada a partilha” e, nessa estrita medida, é susceptível de impugnação autónoma (cfr. a alínea b) do n.º 2 do art.º 1123º, onde se dispõe que cabe ainda apelação autónoma: b) Das decisões (…) da forma da partilha.

Destarte, tendo em consideração que o despacho recorrido foi declarado nulo e que se impõe a este tribunal conhecer do objecto da apelação, face ao contexto do recurso, tal objecto é única e exclusivamente o “despacho sobre o modo como deve ser organizada a partilha”, cabendo a este tribunal definir a forma à partilha, em cujo âmbito se coloca a questão de saber qual o valor do passivo a considerar.

Só em função desta forma à partilha é que haverá lugar, então, à notificação dos interessados para apresentarem proposta de mapa da partilha.

4.3. Da forma à partilha
Procede-se a inventário para partilha do património comum do casal que foi constituído pelo cabeça-de-casal e pela interessada AA, na sequência da sua dissolução por divórcio.

O cabeça-de-casal e a interessada casaram entre si a .../.../1983, sem convenção antenupcial e em primeiras núpcias de ambos, pelo que o casamento considera-se celebrado sob o regime da comunhão de adquiridos (art.º 1717º do CC).

Na Conservatória do Registo Civil ... e no processo de divórcio por mútuo consentimento que correu termos sob o n.º .../2013, a .../.../2013 foi decretado o divórcio por mútuo consentimento entre o aqui cabeça de casal e a aqui interessada e declarado dissolvido o casamento, tendo as partes declarado renunciar ao prazo do recurso e/ou reclamação.

O cabeça de casal apresentou uma primeira relação de bens, entretanto completada na sequência de despacho da Sra. Notária e novamente completada, em virtude de reclamação do Banco 1..., SA, nenhuma tendo sido impugnada pela interessada AA e aqui recorrente.

Realizou-se a Conferência Preparatória, tendo o cabeça de casal e a interessada deliberado por unanimidade aprovar as dívidas ao credor hipotecário Banco 1..., SA no valor total de € 199.368,48, dívidas essas (de pagamento prestacional e ainda não vencidas), das quais os ex-cônjuges são solidariamente responsáveis, tendo, assim, sido reconhecidas por ambos.

E acordaram que o quinhão do interessado requerente seria preenchido com a verba n.º 1 da Relação de bens, a que atribuíram o valor de € 1.500,00.

Foi designada data para conferência de interessados.

Entretanto o credor Banco 1..., SA veio, nos termos do art.º 41º do Regime do Processo de Inventário, aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 05 de Março, exigir o pagamento imediato da dívida, invocando que a mesma estava em incumprimento e, portanto, totalmente vencida e aprovada, sendo o valor total em dívida (que inclui o capital, juros, imposto de selo e despesas) de € 209.476,84.

Realizou-se a Conferência de interessados, constando da respetiva Ata (que no sistema consta a 04/05/2016) o seguinte [o bold é nosso], no que releva:
“ Iniciada a diligência, e antes de dar início às adjudicações mediante proposta em carta fechada, dos bens relacionados (ainda não adjudicados na conferência preparatória), foi dado conhecimento aos interessados e respectivos mandatários e patrono nomeado, da junção efectuada na data de ontem pelo credor do património comum, Banco 1..., S.A., do documento registado na plataforma informática de gestão de processos de inventário sob o nº ...87, cujo conteúdo suscita manifesta influência na partilha.
Notificados neste acto do seu teor, foi o mesmo colocado à sua consideração, e dada a palavra aos presentes.
Ambos os interessados pronunciaram-se no sentido de confirmar o montante do passivo actualmente em dívida, constante do mencionado documento, actualizando o valor do passivo comum, que já havido obtido aprovação na conferência preparatória.”

Foi ordenada a venda das restantes verbas do activo (2, 3 e 4) para dar pagamento ao credor Banco 1..., SA

Na sequência da publicação da Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro e por ter sido requerido pela interessada AA, foram autos de inventário remetidos para o tribunal.

Entretanto, por sentença proferida a 03/05/2021 no processo 1285/21.... do Juízo de Comércio ... foi declarada a insolvência da aqui interessada AA.

Foi autorizada a venda dos bens do activo no processo de insolvência.

Entretanto, foi ordenada a apensação dos autos de inventário aos autos de insolvência.

As verbas n.ºs 2, 3 e 4 foram vendidas na insolvência pelo valor total de € 250.000,00.

A 24/04/2023 a secretaria procedeu à notificação dos interessados, nos seguintes termos:
Fica V. Exª notificado, relativamente ao processo supra identificado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1120º nº 1 do CPC

O interessado BB apresentou forma à partilha, nos seguintes termos: a) soma-se o valor da venda dos bens comuns constantes da relação de bens e abate-se o valor do passivo comum; b) ao valor resultante desta operação, procede-se á divisão do restante em partes iguais; c) cada uma das partes caberá a cada interessado

A Sra. AI veio dizer que: havia sido notificada para apresentar mapa de partilha; foram relacionadas quatro verbas que integravam o activo e cinco verbas que integravam o passivo comum; o passivo foi fixado no valor de € 199.348,48; as tornas devidas à interessada (que identifica incorrectamente como sendo CC) AA foram apreendidas a favor da massa insolvente; o credor do passivo relacionado neste inventário, Banco 1..., SA, reclamou o crédito no processo de insolvência, a que este inventário está apenso; a verba n.º 1 do activo foi adjudicada ao cabeça de casal por € 1.500,00; as restantes verbas do activo foram vendidas na insolvência por € 250.000,00; os crédito reconhecidos no processo de insolvência totalizam € 244.131,35; o passivo é comum e está reconhecido no processo de insolvência e este consome, particamente, todo o valor do produto da venda do activo, a forma à partilha deve ser a seguinte:
Valor dos Bens
Bem móvel:
Verba n.º 1: adjudicada por €1.500,00 ao cabeça de casal
Bens Imóveis:
Verba n.º 2: vendida por €66.5000,00;
Verba n.º 3: vendida por €120.000,00;
Verba n.º 4: vendida por 63.500,00.
Valor total da partilha após adjudicação e venda por leilão eletrónico: €251.500,00
Do valor dos bens imóveis, €250.000,00, é pago o passivo.
Considerando que:
a) todos os bens móveis e imóveis eram comuns,
b) o passivo, de que é titular o credor hipotecário com hipoteca que onerava os bens imóveis, está reconhecido e graduado no processo de insolvência com 98,85% dos créditos, requer a Vossa Excelência se digne autorizar que se faça o rateio no âmbito do processo de insolvência e que, apenas depois, se distribua o valor sobrante restante em partes iguais entre a massa insolvente e o cabeça de casal.

A 18/05/2023 a interessada AA veio pronunciar-se quanto ao requerimento apresentado pela Sra. AI dizendo, além do mais, que dos créditos reconhecidos no processo de insolvência, € 241.395,98 são passivo comum do casal e não € 199.368,48, pelo que a partilha deve respeitar tal facto, nada tendo a opor ao pagamento do passivo pelo valor dos bens imóveis (€ 250.000,00) desde que o valor do passivo a considerar seja de € 241.395,98 e apresentou forma à partilha nos seguintes termos:
Somar-se o valor da venda dos bens constantes da relação de bens, abatendo o valor do passivo comum (no valor de 241.395,98€).
Seguidamente, ao valor da operação suprarreferida, deverá proceder-se à divisão do restante,
Sendo certo que deverá descontar-se o valor do veículo automóvel já adjudicado ao cabeça-de-casal, no valor de 1.500,00€, à parcela a atribuir a este.

O interessado BB veio pronunciar-se dizendo que a relação de bens foi aceite por ambos, quer quanto ao activo, quer quanto ao passivo, o passivo que ficou fixado é de € 199.368,48, o cabeça de casal não foi considerado nos autos de insolvência e não lhe pode ser imputado o que nesses autos ficou demonstrado, o mapa da partilha deve ser o apresentado pelo cabeça de casal e pela AI.
 
Na partilha deverá observar-se o seguinte:

1.º - Cálculo do valor do património comum
Para tanto, soma-se o ativo dos bens relacionados, que neste caso será de € 1.500,00 relativamente à verba n.º 1 do activo (valor porque foi adjudicado ao cabeça de casal) mais € 250,000,00, que constitui o produto da venda das verbas n.ºs 2, 3 e 4 do activo.

2.º - Dedução do passivo comum
Neste ponto importa ter em consideração o seguinte.

O cabeça de casal relacionou sob o passivo quatro dívidas emergentes de contratos de empréstimos, garantidas por hipotecas sob os imóveis identificados sob as verbas n.ºs 2, 3 e 4 da Relação de bens, pelas quais os ex-cônjuges são solidariamente responsáveis, como ficou a constar da Ata da Conferência preparatória e que não é, nem nunca foi impugnado e que foram aprovadas por ambos os interessados.

Impõe-se que nos detenhamos nesta aprovação e, concretamente, que perguntemos qual a sua dimensão e, concretamente, se a mesma fixa, sem qualquer possibilidade de alteração ou actualização, o valor da dívida.

Salvo melhor e diferente opinião, entendemos que a aprovação da dívida significa, no caso concreto, o reconhecimento de que o Banco 1..., SA é credor dos ex-cônjuges, em virtude de com eles ter celebrado cinco contratos de mútuo, de determinadas quantias, tendo-se os mesmos obrigado a amortizar tais mútuos em determinado número de prestações, que incluem restituição de capital, juros e imposto de selo e não a aprovação de um montante fixo em dívida.
E isto porque, neste tipo de situações, o montante em dívida só em cada momento pode ser determinado ou dito de outra forma, está sujeito a permanente actualização, quer as obrigações estejam a ser cumpridas – situação em que o capital em dívida vai diminuindo em função das prestações pagas -, quer as obrigações deixem de ser cumpridas – o capital em dívida, no momento do incumprimento, mantêm-se inalterado, mas vencem-se juros de mora e sobretaxas, imposto de selo e despesas para cobrança do crédito, que acrescem àquele capital.
Destarte e neste tipo de situações, os interessados não aprovam e muito menos fixam, de modo a nunca mais ser alterado, o montante em dívida, mas as obrigações, a que se vincularam, quer em caso de cumprimento, quer em caso de incumprimento.

Aliás, tanto assim é que, tendo o credor Banco 1..., SA exigido o pagamento imediato da dívida, invocando que a mesma estava em incumprimento e, portanto, totalmente vencida, na conferência de interessados “ambos os interessados pronunciaram-se no sentido de confirmar o montante do passivo actualmente em dívida, constante do mencionado documento, actualizando o valor do passivo comum, que já havido obtido aprovação na conferência preparatória.”

Ou seja: os interessados reconheceram que as obrigações que haviam assumido perante o Banco 1..., SA, eram obrigações cuja quantificação estava sujeita a actualização.

Tal princípio – de actualização - deve aplicar-se no momento da forma à partilha, ou seja, deve apurar-se qual o montante efectivamente em dívida.

Como referido a aqui interessada AA foi declarada insolvente e os presentes autos foram apensos àqueles.

Na insolvência o Banco 1..., SA reclamou seis créditos.
Mas apenas cinco deles correspondem aos mútuos relacionados no passivo dos presentes autos, mútuos esses que, como alegado pelo Banco 1..., SA e reconhecido pelos interessados, entraram em incumprimento.

E é possível estabelecer a correspondência entre os créditos reclamados na insolvência e as dívidas relacionadas nos autos, uma vez que os valores de capital reclamados na insolvência - € 22.425,95, € 107.335,42, € 9.340,66, € 27.486,34 e € 23.330,10 – são praticamente idênticos aos valores de capital em dívida na data em que o Banco 1..., SA veio requerer o pagamento da dívida - € 22.425,95, € 107.355,42, € 10.000,00 (este é o único relativamente ao qual há divergência); € 27.486,34; € 23.330,10.

Além disso verifica-se haver identidade entre os imóveis indicados na Relação de bens e os imóveis indicados na lista de credores reconhecidos, sobre os quais incidem hipotecas para garantia de tais créditos.

Importa, no entanto, considerar os argumentos do mesmo.

Assim, o mesmo invocou que o passivo se fixou em € 199.368,48.
Mas sem razão.
Como já ficou referido, na situação dos autos, em que as dívidas relacionadas têm origem em cinco contratos de empréstimo, a aprovação do passivo não é a aprovação de uma determinada quantia, mas das obrigações a que as partes se vincularam, quer em caso de cumprimento, quer em caso de incumprimento, pelo que o montante em dívida só em cada momento pode ser determinado ou dito de outra forma, está sujeito a permanente actualização.

Além disso, nunca seria aquele o valor do passivo, pois o cabeça de casal olvida que na sequência do pedido do credor Banco 1..., SA para ser pago imediatamente, porque a dívida estava vencida e em incumprimento, na conferência de interessados “pronunciaram-se no sentido de confirmar o montante do passivo actualmente em dívida, constante do mencionado documento, actualizando o valor do passivo comum, que já havido obtido aprovação na conferência preparatória”, valor esse de € 209 476,84.

O cabeça de casal invoca ainda que não foi considerado nos autos de insolvência e não lhe pode ser imputado o que nesses autos ficou demonstrado.
É um facto que o cabeça de casal não é parte na insolvência.
Mas não é isso que está em causa.
O que está em causa é que nos presentes autos a interessada AA invocou que dos créditos reconhecidos no processo de insolvência, € 241.395,98 são passivo comum do casal.
O cabeça de casal não colocou em causa, de forma alguma, que aquele valor tem origem nos empréstimos celebrados com o Banco 1..., SA e relacionados sob a verbas 1 a 5 do passivo, ou seja, não colocou em causa que aquele montante diz respeito a obrigações pelas quais os ex-cônjuges são solidariamente responsáveis.
O valor de € 241.395,98 é resultado da soma dos valores de capital e juros reclamados pelo Banco 1..., SA na insolvência e reconhecidos pela Sra. AI, os quais têm a mesma origem que o passivo relacionado nos presentes autos.
Finalmente, o cabeça de casal não colocou em causa que aquele é o valor actualizado da dívida, ou seja, não colocou em causa aquela liquidação.

Em face de tudo o exposto, o valor actualizado do passivo a considerar é de € 241.395,98, o qual se deduz ao valor do activo - € 251.000,00.

3.º - Cálculo do valor das meações
Deduzido o passivo - € 241.395,98 – ao activo - € 251.000,00 – e apurada a diferença - € 9.604,02 -, acha-se o valor da respetiva metade - € 4.802,01 -, que é igualmente o valor da meação de cada um dos cônjuges.

4.º - Preenchimento das meações
A meação do cabeça de casal será preenchida com a verba n.º 1 do activo, que lhe foi adjudicada por acordo na conferência preparatória.

Oportunamente (naturalmente em 1ª instância) dar-se-á então cumprimento ao disposto no art.º 1120º, n.º 1 do CPC.

4.4. Custas
Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º, do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção, ou, não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito.

No caso em análise, não foram apresentadas contra-alegações.

Assim, conclui-se que não há parte vencida.

Há assim que recorrer ao critério do proveito, pelo que as custas devem ficar a cargo da recorrente, pois obteve proveito do recurso – art.º 527º n.º 1 do CPC.

5. Decisão
Termos em que acordam os Juízes que compõem a 1ª secção da Relação de Guimarães em julgar o recurso procedente e em consequência:
- declara-se nulo o despacho recorrido (despacho de 09/06/2023);
- conhecendo do objecto de apelação determina-se que:
a) na partilha observar-se-á o que consta do ponto 4.3. da fundamentação e que em síntese se traduz no seguinte:
1.º - Cálculo do valor do património comum
Soma-se o ativo dos bens relacionados - € 1.500,00 relativamente à verba n.º 1 do activo, valor porque foi adjudicado ao cabeça de casal, mais € 250,000,00, que constitui o produto da venda das verbas n.ºs 2, 3 e 4 do activo.
2.º - Dedução do passivo comum
O valor actualizado do passivo a considerar é de € 241.395,98, o qual se deduz ao valor do activo - € 251.000,00.
3.º - Cálculo do valor das meações
Deduzido o passivo - € 241.395,98 – ao activo - € 251.000,00 – e apurada a diferença - € 9.604,02 -, acha-se o valor da respetiva metade - € 4.802,01 -, que é igualmente o valor da meação de cada um dos cônjuges.
4.º - Preenchimento das meações
A meação do cabeça de casal será preenchida com a verba n.º 1 do activo, que lhe foi adjudicada por acordo na conferência preparatória.
b) oportunamente e em 1ª instância, dar-se-á, então, cumprimento ao disposto no art.º 1120º, n.º 1 do CPC.

Custas da apelação pela recorrente.

Notifique-se.
Guimarães, 07/12/2023
(O presente acórdão é assinado electronicamente)

Relator: José Carlos Pereira Duarte
1º Adjunto: Maria João Marques Pinto de Matos    
2º Adjunto: Gonçalo Oliveira Magalhães