INSOLVÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
QUESTÃO PREJUDICIAL
PENDÊNCIA DE PROCESSO CRIME
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
Sumário


Não se reconhecem os pressupostos de que depende a aplicação do art.92º/2 ou 272º/1 do CPC, para suspender a apreciação da impugnação de créditos reconhecidos num processo de insolvência até à decisão a proferir num processo-crime, por necessidade da decisão deste para aquela decisão, quando: não foi alegada a conexão entre os factos alegados na impugnação e os factos objeto do processo-crime; não foi demonstrada a conexão entre os factos alegados na impugnação (ainda que objeto do processo-crime) e os fundamentos de reconhecimento do crédito.

Texto Integral


As Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam no seguinte
ACÓRDÃO

I. Relatório:
No processo de reclamação de créditos nº...1..., apenso ao processo de insolvência nº...1... de AA e de BB:
1. A 22.12.2022 os insolventes pediram a suspensão da instância nos seguintes termos:
«1. No passado dia 23.11.2022, o Ministério Público solicitou a consulta eletrónica dos presentes autos.
2. Tal pedido ocorreu na sequência da participação-crime apresentada pelos Insolventes juntos do DIAP deste mesmo Tribunal por factos suscetíveis de integrar a prática do crime de falsificação de documentos, nomeadamente, dos contratos de mútuo celebrados entre sociedade comercial denominada EMP01... da qual os ora Autores eram sócios e gerentes e que suportam o alegado crédito da credora/reclamante Banco 1..., CRL.
3. Além da referida participação, a Insolvente BB comunicou os mesmos factos ao Banco de Portugal, que, uma vez questionado sobre o estado da denúncia apresentada se escudou no sigilo de supervisão para não divulgar os resultados das averiguações por si realizadas – vide doc. nº ... e ...,
4. o que motivou a que os Insolventes já tivessem requerido ao DIAP que notificasse o Banco de Portugal para comunicar aos autos de processo-crime as suas conclusões.
5. Estatui o art. 92º do CPC que “se o conhecimento do objeto da ação depender da decisão de uma questão que seja da competência do tribunal criminal ou do tribunal administrativo, pode o juiz sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie”.
6. Como nos ensina o Prof. Lebre de Freitas, a referida norma aplica-se “quando para o conhecimento autónomo de alguma dessas questões, indispensável para a decisão de outra que constitui objeto de ação instaurar perante o tribunal judicial, no âmbito da jurisdição civil, é competente o tribunal criminal ou administrativo” (In José Lebre de Freitas, Código do Processo Civil Anotado, vol I Coimbra Editora, 199, pág. 174)
7. Assim sendo, estando em curso um inquérito crime onde se investiga a falsidade do teor e assinaturas apostas nos contratos que titulam alegados créditos da credora ora em causa sobre os Insolventes,
8. existe uma relação de prejudicialidade entre o referido processo-crime e os presentes autos.
9. Posto isto, e porque a decisão que vier a ser proferida no processo-crime que corre termos neste mesmo Tribunal sob o nº 1677/21.9T9VCT constitui causa prejudicial relativamente aos presentes autos,
10. requer-se a V/. Ex.a se digne ordenar a suspensão dos presentes autos de reclamação de créditos até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo ao processo- crime acima identificado.» (bold aposto nesta Relação).
2. Por decisão de 01.02.2023 foi indeferido o requerimento de I-1 supra, nos seguintes termos:
«(…) O art.º 92.º do CPC dispõe nos seguintes termos: (…)
Podendo definir-se a questão prejudicial como sendo aquela cuja resolução constitui um pressuposto necessário da decisão de mérito que importa proferir em determinada acção, o que se determina na norma supra citada é que, caso a decisão dessa questão seja da competência do tribunal criminal ou do tribunal administrativo, o juiz tem a faculdade de sobrestar na decisão – suspendendo a instância – até que tal questão seja decidida pelo tribunal competente. Trata-se, no entanto, de uma faculdade do juiz – como decorre da utilização da expressão “pode” – pelo que, ao invés de sobrestar na decisão, também lhe será permitido conhecer dessa questão com vista à decisão da causa e ficando mesmo obrigado a tal apreciação, caso se verifique a situação prevista no n.º 2, ainda que, nessa parte, a decisão não produza efeitos fora do processo (cfr. nº 2 da norma citada).
De qualquer forma, ainda que esteja em causa uma faculdade que o juiz pode ou não exercer, a suspensão decretada ao abrigo da norma citada pressupõe necessariamente a existência de uma questão prejudicial que seja da competência do tribunal criminal ou do tribunal administrativo.
Refira-se que a questão prejudicial, para efeitos da norma que estamos a analisar, não corresponde a causa ou acção prejudicial, já que, para efeitos de suspensão ao abrigo do art. 92º, não é necessário que se encontre pendente, no tribunal competente (criminal ou administrativo) uma qualquer causa ou acção que tenha como objecto essa questão; o que releva, para efeitos de funcionamento da norma citada, é a mera existência de uma questão que deva ser qualificada como prejudicial e que esta seja da competência do tribunal criminal ou administrativo; verificada esta situação, pode o juiz sobrestar na decisão, remetendo as partes para o tribunal competente, onde deverão requerer a resolução da questão (caso ainda não o tenham feito) no prazo de um mês (porquanto, não o fazendo nesse prazo, a suspensão fica sem efeito e a questão será apreciada pelo juiz da acção, embora com eficácia limitada a esse processo).
Ora, salvo o devido respeito, não nos parece que exista aqui uma qualquer questão prejudicial que seja da competência do tribunal criminal.
Na perspectiva dos Devedores, a questão prejudicial que seria do conhecimento do tribunal criminal corresponde aos factos invocados nos autos como causa de pedir dos créditos que impugnam. Ora, sendo evidente que a responsabilidade criminal eventualmente decorrente da alegada prática de factos ilícitos, mormente os entretanto denunciados, é da competência do tribunal criminal, a verdade é que a existência ou não de crime e a inerente responsabilidade criminal não é condição necessária para a decisão da presente causa. Além do mais, e atendendo ao prazo de suspensão previsto pela própria norma que temos vindo a analisar, a par da urgência que não pode deixar de presidir aos presentes autos entendemos que qualquer questão prejudicial sempre teria se nestes apreciada, embora com eficácia limitada a este processo.
Pelo exposto, improcede a pretendida suspensão da instância, ao abrigo do disposto no art.º 92º do CPC até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo ao processo- crime que corre termos neste mesmo Tribunal sob o nº 1677/21.9T9VCT.
Sem custas.»
3. Os insolventes interpuseram recurso a 22.02.2023, apresentando as seguintes conclusões:
«1. Por despacho datado de 1 de Fevereiro de 2022, indeferiu o Tribunal Recorrido o pedido de suspensão da instância formulado pelos Insolventes.
2. Através de requerimento datado de 22.12.2022 os ora Insolventes requereram a suspensão da instância com fundamento na pendência nos Serviços do Ministério Público dos autos de inquérito nº 1677/21.9T9VCT em que os Insolventes imputam entre outros, ao credor Banco 1..., CRL factos suscetíveis de integrar a prática do crime de falsificação de documentos, nomeadamente, dos contratos de mútuo celebrados entre sociedade comercial denominada EMP01... da qual os ora Autores eram sócios e gerentes e que suportam o alegado crédito da credora/reclamante Banco 1..., CRL, alicerçando tal pedido na existência de uma relação de prejudicialidade entre o referido processo-crime e os presentes autos.
3. O referido pedido de suspensão da instância foi indeferido por despacho proferido pelo Tribunal a quo a 01.02.2023 por considerar que não existe uma relação de prejudicialidade entre as questões suscitadas no processo-crime acima identificado e nos presentes autos.
4. Ao contrário do que resulta da decisão recorrida existe entre os presentes autos e os autos do processo de processo-crime ao qual foi atribuído o nº 1677/21.9T9VCT uma relação de prejudicialidade, uma vez que nos autos de inquérito nº 1677/21.... está a ser investigada, entre outros factos, a falsificação dos contratos que titulam o crédito reclamado pela Banco 1..., CRL no âmbito dos presentes autos.
5. Estando em curso um inquérito crime onde se investiga a falsidade do teor e das assinaturas aposta nos documentos que titulam os contratos de mútuo bancário alegadamente celebrados entre Insolventes e o credor/reclamante Banco 1..., CRL, a decisão que vier a ser proferida no processo-crime pode contender com a validade dos referidos contratos, e consequentemente, com a questão da existência do crédito reclamado pelo referido credor nos presentes autos.
6. Sendo os tribunais criminais os tribunais materialmente competentes para decidir da alegada falsificação dos contratos que servem de causa de pedir à reclamação de créditos apresentada pelo credor/reclamante Banco 1..., CRL é manifesto que estamos perante uma questão prejudicial, ou seja, perante uma situação em que o conhecimento do objecto (fundo ou mérito da causa) se encontra dependente da resolução prévia de uma outra questão que integra o encadeamento lógico da sentença a proferir.
7. A questão da falsificação e, consequentemente, da validade dos contratos de mútuo ora em crise é uma questão que forçosamente tem de ser apreciada para que o Tribunal possa prover, ou não, o pedido do credor reclamante em apreço, pelo que, existe uma relação de prejudicialidade entre os presentes autos e o processo-crime acima identificado, uma vez que, a decisão a proferir no âmbito do processo-crime é essencial para a decisão a proferir no âmbito dos presentes autos, evitando-se, assim, ao posição de julgados.
8. A leitura do art. 92º, nº 1, do CPC não pode ser feita sem ter em consideração o  disposto no art. 272º, nº 1, do CPC pois este abrange os casos de a acção prejudicial ter por objecto a apreciação dum facto criminoso ou dum acto administrativo, como o de ter por objecto o julgamento duma questão da competência do tribunal comum ou de qualquer outro tribunal especial, e de outras normas do CPC, designadamente do disposto no art. 623º e 624º do CPC, onde se estatui o valor das decisões proferidas em processo penal.
9. Atendendo a que as partes foram notificadas para se pronunciarem sobre a possibilidade de o Tribunal recorrido estar em condições de proferir decisão de mérito, tal permite concluir que o Tribunal a quo dispensará a produção de prova e, como tal, não apreciará a questão da falsidade e, consequentemente, a validade dos contratos de mútuo juntos aos presentes autos, ou seja, não apreciará a questão prejudicial em discussão no processo-crime 1677/21.9T9VCT, havendo, assim, o risco de contradição de julgados.
10. A suspensão da instância impõe-se, desta feita, não para evitar a oposição de julgados dentro do mesmo processo mas para evitar oposição de julgados entre estes e a decisão que vier a ser proferida no âmbito do processo-crime acima identificado, e, por estar em causa o prestígio das decisões os Tribunais, não pode igualmente colher o argumento do caráter urgente dos presentes autos, atendendo a que, a presente instância já esteve suspensa por idêntico motivo.
A decisão recorrida violou os art.s 92º, nº 1, 272º, 623º e 624º do CPC.
Termos em que
Deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, pois só assim se fará
JUSTIÇA!».

4. A Banco 1... contra-alegou a 16.03.2023, apresentando as seguintes conclusões:
«A argumentação anterior permite formular as seguintes conclusões:
1.ª - A suspensão da presente instância apenas é possível excepcionalmente, nos casos expressamente previstos no CIRE, a saber, os previstos nos artigos 4.º, 10.º, n.º 1, b), 98.º, 255.º e 264.º, sendo que o caso aqui em apreço não se enquadra em nenhuma das hipóteses legais- art.º 8.º do CIRE
2.ª - Deste modo, não sendo a presente instância passível de suspensão, afigura-se desde logo que o recurso apresentado pelos recorrentes é inadmissível.
3.ª - Caso assim não se entenda, considerando que o caso sub judice não tem enquadramento em nenhuma das hipóteses legais de excepção, é manifesto que não é admissível a suspensão da instância requerida pelos recorrentes- cfr. n.º 1 art.º 8.º do CIRE
4.ª - O conhecimento do objecto da presente acção não está dependente de qualquer decisão a proferir no âmbito do inquérito n.º 1677/21.9T9VCT, não havendo, pois, prejudicialidade entre estes processos que visam diferentes finalidades.
5.ª - Aliás, a apreciação das questões suscitadas na impugnação dos insolventes atinentes à inexistência do crédito da aqui recorrida ficou prejudicada pela procedência do caso julgado, valendo nos presentes autos de reclamação de créditos a decisão proferida no processo principal que reconheceu à requerente da insolvência, ora recorrida, a existência do crédito cujo pagamento reclama, o qual serviu de fundamento à declaração de insolvência e que é objecto da reclamação de créditos por si apresentada neste apenso.
6.ª -Transitada em julgado a sentença de declaração de insolvência dos recorrentes não existe qualquer questão prejudicial da competência do tribunal criminal que possa contender com a questão objecto dos presentes autos.
7.ª – Os recorrentes não apresentaram ao tribunal a quo a questão da requerida suspensão tendo por base / fundamento o específico condicionalismo previsto no art.º 272.º, n.º 1 do CPC, razão pela qual, por este prisma, sempre constituiria questão nova suscitada apenas no recurso e por isso subtraída à apreciação do Tribunal da Relação.
8.ª - De todo o modo, ainda que assim não se entenda, apenas é admitida a suspensão da instância nos casos expressamente previstos no CIRE não sendo consequentemente admissível a aplicação do regime do art.º 272.º do CPC ao abrigo do artigo 17.º do CIRE- vd., neste sentido, CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, Lisboa, 2008, pág. 95 e Acs. TRL de 22/10/2009, proferido no proc. 456/09.6TYLSB-C.L1-2 e ainda de 12/03/2009 (proc. 10556/2008-7) e de 06/10/2011 (proc. 1034/09.5TYLSB-C.L1-8), todos publicados em www.direitoemdia.pt
9.ª - Tendo como pano de fundo a natureza e finalidade do processo de insolvência e o caráter urgente do mesmo e de todos os incidentes, apensos e recursos, visando-se a satisfação do interesse dos credores, tendo já transitado em julgado a sentença de declaração de insolvência e tendo também em consideração o douto acórdão do TRG proferido nestes autos em 22.09.2022, não há qualquer fundamento para a requerida suspensão da instância.
EM CONFORMIDADE COM AS RAZÕES EXPOSTAS DEVE NEGAR-SE PROVIMENTO À APELAÇÃO, CONFIRMANDO-SE A SENTENÇA PROFERIDA».
5. O Tribunal a quo, a 22.03.2023:
5.1. Admitiu o recurso como recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
5.2. Saneou o processo e dispensou a realização da audiência prévia.
5.3. Proferiu sentença em que julgou improcedente a impugnação apresentada pelos insolventes à lista de créditos reconhecidos apresentada pelo administrador da insolvência, relativamente ao crédito reclamado e reconhecido da Banco 1..., CRL, no valor total de 872 195, 73.       
6. Subido o recurso a esta Relação, foi o mesmo recebido nos mesmos termos da 1ª instância, colheram-se os vistos e realizou-se a conferência.

II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objeto, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso não decididas por decisão transitada em julgado e da livre qualificação jurídica dos factos pelo Tribunal, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 608º/ 2, ex vi do art. 663º/2, 635º/4, 639º/1 e 2, 641º/2- b) e 5º/ 3 do Código de Processo Civil, doravante CPC.
Define-se como questão a decidir saber se a decisão recorrida incorreu em erro de direito, com violação dos arts.92º/1, 272º, 623º e 624º do CPC, por a pendência de processo crime (onde se investiga a falsidade dos contratos de mútuo bancário alegadamente celebrados entre a sociedade em que os insolventes eram gerentes e o credor reclamante Banco 1..., CRL e das assinaturas) corresponder a uma causa prejudicial, cuja decisão contende com a validade dos contratos e a existência do crédito reclamado.

III. Fundamentação:
1. Matéria de facto provada, com base nos documentos juntos aos presentes autos e apensos, aditada por esta Relação, nos termos do art.607º/4-2ª parte, ex vi do art. 663º/2 do CPC:
1.1. No processo de insolvência n.º 808/18.... do Juiz ... juízo de competência genérica ...:
1.1.1. Por sentença de 18.03.2019 foi declarada a insolvência dos ora requeridos AA e mulher BB.
1.1.2. Os insolventes apresentaram plano da insolvência, no qual, nomeadamente:
a) Declararam:
«5.3. Especialmente quanto à Banco 1..., CRL, crédito hipotecário
Os devedores propõem o seu pagamento nas seguintes condições:
_ Propõe-se a consolidação do crédito em € 700.000, 00 (setecentos mil euros).
_ Venda de todos os imóveis garantidos por hipoteca a favor da Banco 1..., CRL, sendo o produto da venda integralmente destinado ao pagamento de 100% do capital em dívida.».
b) Juntaram mapa, no qual consta o ano de 2020 para o pagamento da dívida referida em 5.3. supra.
1.1.3. A 11.07.2020, em conclusão com data de 13.07.2020, foi proferida sentença de homologação do plano referido em 1.1.2. supra.
1.1.4. A 04.01.2021, em conclusão datada de 5.01.2021, foi proferida sentença e despacho final, nos seguintes termos:
«Uma vez transitada em julgado a sentença homologatória do Plano de Insolvência proferida nos presentes autos, não se opondo o conteúdo da mesma, declara-se encerrado o processo de insolvência, nos termos do disposto no art.º230.º, n.º1, al. b) do CIRE.
(…)
Uma vez nada obstando ao encerramento do processo nos termos supra determinados, sem prejuízo de qualquer credor pedir a declaração de insolvência com base no incumprimento do plano de insolvência que nestes autos tenha sido homologado, importando tal pedido a interposição de nova acção, nada mais haverá a determinar nos presentes autos.»
(arts.1º a 2º da petição inicial do processo de insolvência nº...1..., aceites expressamente pelos insolventes no art.1º da contestação; aditamento e clarificação de factos com teor da certidão junta com a petição inicial da insolvência, sob o documento nº... e ...). 
1.2. No processo de insolvência n.º...1... do Juízo de Comércio ..., instaurado pela Banco 1..., CRL contra AA e mulher BB:
1.2.1. Por petição inicial de 04.05.2021 a requerente pediu a declaração de insolvência dos requeridos, alegando, em síntese:
a) Os factos referidos em 1.1. supra; o incumprimento do plano referido em 1.1.2 e 1.1.3. supra (por o mapa do plano prever o pagamento do valor de € 700 000,00 em 2020 e por não lhe terem feito); a interpelação dos requeridos a 08.03.2021 para, no prazo de 15 dias, pagarem à requerente o referido valor de € 700 000,00, acrescido dos juros moratórios, com a advertência que se não o fizessem, ficaria sem efeito o perdão concedido pela requerente de parte do seu crédito, previsto no plano de insolvência.
b) Ser detentora de um crédito global sobre os insolventes (que liquidou nos totais de «€ 691 490,89, acrescido dos juros de mora que se vencerem até efectivo e integral pagamento, no valor diário de € 79,42 e ainda das despesas que a requerente comprovadamente venha a suportar até ao final do processo, tudo garantido pelas hipotecas que oneram os imóveis descritos no ponto 36.º desta petição; € 81 958,36, a que acresce o juro diário, no valor de € 40,37, até efectivo e integral pagamento da quantia em dívida, garantido pelas hipotecas que oneram os imóveis descritos no ponto 52.º desta petição.»), decorrentes das seguintes fontes e liquidação:
b1) É titular de um crédito decorrente do empréstimo n.º ...81, no valor global de € 691 490,89, garantido por hipoteca (sendo € 675 944,39 de capital mutuado em dívida de € 539 498,15, de juros de mora sobre capital em atraso de € 131 289,95, de imposto de selo de € 5 156,29, a que acresce o juro diário até pagamento efetivo e integral da quantia em dívida, no montante de € 79,42), alegando para o efeito: que a 25.07.2012 celebrou com a sociedade “EMP01..., Lda” um contrato de mútuo com aval, no montante global de € 1 536 366,46, conforme consta do doc. ... junto com a petição inicial (para reestruturação dos empréstimos em contencioso, com utilização única), contrato no qual também outorgou AA, que se assumiu como avalista solidariamente responsável perante a requerente pelo pagamento da dívida, em caso de incumprimento por parte da sociedade mutuária (contrato com previsão de mora, vencimento antecipado de prestações, assunção de despesas extrajudiciais e judiciais com o incumprimento); que a sociedade mutuária apenas fez a liquidação de € 996 868,31 do capital mutuado, não fazendo esta ou o seu avalista qualquer outro pagamento prestacional desde 26.10.2015; que a requerente incorreu em despesas (com os honorários que se viu obrigada a suportar com o mandatário que constituiu para efeito da ação de insolvência n.º 808/18.... e com as despesas de contencioso relacionadas com a insolvência anterior dos requeridos n.º 13/14....) e com os honorários de advogado desta ação; que recuperou parte  do crédito no processo de insolvência n.º174/13...., juiz ..., do Tribunal ..., relativa à sociedade “EMP01..., Lda”, de que o requerido AA era sócio gerente, que dispunham de garantia pessoal de aval dos ora requeridos AA e mulher; que no processo de insolvência n.º 13/14...., juiz ..., em que foram insolventes os ora requeridos AA e mulher, do juízo local ..., os requeridos apresentaram um plano de recuperação, que foi aprovado pela assembleia de credores e homologado pelo tribunal, onde ficou estabelecido que os ora requeridos ficavam responsáveis pelo pagamento do valor remanescente dos créditos da Banco 1... que não chegasse a ser pago no processo de insolvência referidonº174/13; que para garantia desse valor, em 18.03.2016, os requeridos constituíram hipoteca a favor da requerente sobre 8 imóveis (fração autónoma ... da  freguesia ..., ..., descrita no registo predial ...76; fração autónoma ... da freguesia ..., ..., descrita no registo predial sob o n.º ...14; fração autónoma ... da freguesia ..., ..., descrita no registo predial sob o n.º ...66; fração autónoma  ... da  freguesia e concelho ..., descrita no registo predial sob o n.º ...83; fração autónoma ... da freguesia e concelho ..., descrita no registo predial sob o n.º ...83; prédio urbano da freguesia ... e ..., concelho ..., descrito no registo predial sob o n.º ...5; prédio rústico da freguesia ... e ..., concelho ..., descrito no registo predial sob o n.º ...81; prédio misto da freguesia ..., concelho ..., descrito no registo predial sob o n.º ...96) para garantir o pagamento do remanescente do crédito em dívida à Banco 1... que não viesse a ser pago por efeito da liquidação do ativo da sociedade “EMP01..., Lda.”, até ao montante de € 400 000,00, respetivos juros remuneratórios, despesas (incluindo honorários de advogados ou outros mandatários, feitas ou a fazer pela Banco 1... para haver o seu crédito).
b2) É titular de um crédito decorrente do descoberto na conta de depósitos à ordem n.º ...12, no valor global de € 81 958,36 (saldo em dívida de € 58 562,30 e juros de € 22 396,06), alegando: que a conta foi aberta a pedido de AA de janeiro de 2014, com acordo de manter o saldo positivo e que sobre qualquer saldo negativo seria aplicada a taxa de juro que viesse a ser praticada pela requerente, desde a data em que o mesmo se verificasse até ao seu efetivo e integral pagamento; que a 1 .12.2019 a conta apresentava um saldo negativo de € 59 562,30, valor ao qual acrescem os juros de mora, que à data de 31.03.2021, ascendiam ao valor de € 21 184,96; que desde então e até 30.04.2021 venceram-se também juros no valor diário de € 40,37, perfazendo o valor de € 1 211,10; que este crédito beneficia também de garantia hipotecária, uma vez que 13.02. 2004, no cartório notarial ..., constituíram hipoteca a favor da requerente sobre 2 imóveis (prédio urbano da freguesia ... e ..., concelho ..., descrito no registo predial sob o n.º ...5; prédio rústico da freguesia ... e ..., concelho ..., descrito no registo predial sob o n.º ...81), na qual declararam que essa hipoteca se destinava a garantir todas e quaisquer responsabilidades ou obrigações assumidas ou a assumir pelos requeridos perante a aqui requerente, independentemente da sua natureza ou origem, até ao montante de capital de € 400 000,00, os respectivos juros remuneratórios à taxa que viesse a ser praticada pela requerente e todas as despesas que viessem a ser suportadas pela Banco 1..., incluindo-se com honorários de advogados, para assegurar o seu crédito.
c) Factos com vista a demonstrar a insolvência dos requeridos.
1.2.2. Os requeridos apresentaram oposição à insolvência, a 21.05.2021, na qual defenderam que a requerente não era titular do crédito invocado, face a vicissitudes que alegam em relação a contratos e ações, no quadro da oposição que veio a ser apresentada posteriormente na impugnação de III-1.3.2. infra.
1.2.3. Por sentença de 09.06.2021 foi declarada a insolvência dos requeridos, sentença na qual:
a) Julgaram-se provados, em referência ao plano homologado no processo de insolvência n.º 808/18.... (referido em 1.1. supra):
«3.5. Os Requeridos não deram cumprimento às condições fixadas no mesmo quanto à liquidação do crédito da Requerente.
3.6. Face a tal incumprimento, em 08.03.2021, a Requerente, por intermédio do respectivo mandatário, interpelou os Requeridos para, no prazo de 15 dias, pagarem à requerente o referido valor de € 700 000,00, acrescido dos juros moratórios, com a advertência de que, se tal pagamento não fosse efectuado, ficaria sem efeito o perdão parcial entretanto concedido nos termos previstos para efeitos do plano de insolvência.
3.7. Não obstante a interpelação e advertência da Requerente, os Requeridos não diligenciaram pelo pagamento do referido valor.»
b) Foi definida como questão a decidir:
«Questão a decidir: saber se os Requeridos incumpriram o Plano de Insolvência, homologado por sentença transitada em julgado nos autos com o n.º 808/18.... e se estos mesmos se encontram em situação de insolvência.»
c) Concluiu:
«Assim, resultando indiscutível o integral preenchimento da alínea f) do art.º 20.º, n.º 1 do CIRE, e, em contrapartida, nada impedindo o funcionamento da presunção dali decorrente resulta que os Requeridos se encontra em situação de impossibilidade de cumprir as suas obrigações vencidas.».
1.2.4. Após interposição sucessiva de recursos:
a) O acórdão desta Relação de Guimarães de 21.10.2021 julgou improcedente o recurso e confirmou a sentença recorrida, acórdão no qual considerou que não existia omissão de pronúncia relativamente aos aspetos da defesa do requerido não apreciados pela 1ª instância mas que foram alegados de forma inepta na contestação (sem questionar o plano da insolvência invocado como incumprido, nem a assinatura do contrato de 2012).
b) O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.04.2022 decidiu não tomar conhecimento do recurso, por manifesta inadmissibilidade do mesmo.
c) O acórdão do Tribunal Constitucional de 27.09.2022 decidiu não tomar conhecimento do recurso, decisão sujeita a reclamação que não veio a ser atendida.
(atos processuais do processo de insolvência nº...1... e do processo de recurso nº1315/21....)
1.3. No processo de reclamação de créditos nº1315/21....:
1.3.1. O administrador da insolvência apresentou a 11.10.2021 a lista de créditos reconhecidos, na qual fez constar como créditos reconhecidos da Banco 1..., CRL, no valor total de € 872 195,73, com as seguintes especificações:
a) Quanto a montante e à sua natureza, indicou: que € 832 220,73 correspondiam a créditos garantidos e que € 39 975,00 correspondiam a créditos sob condição.
b) Quanto à discriminação dos créditos, indicou: o valor de € 709 067,95 de capital e o valor de € 163 127,78 de juros; o fundamento de Aval e descoberto bancário.
c) Como notas:
«€ 749.367,56 - Crédito garantido por hipotecas em 1º grau sobre os seguintes imóveis: Fração ..., do prédio descrito na CRP sob o n.º ...14 da freguesia ... (...); ... descrito na CRP ...76 da freguesia ... (...); Fração ... do prédio descrito sob o n.º ...66 da freguesia ... (...); Frações ... e ... do prédio descrito sob o n.º ...83 da freguesia ...; Prédio urbano, descrito sob o n.º ...96 da freguesia ...; e por hipotecas em 2º grau sobre o prédio urbano, descrito sob o n.º ...5 da freguesia ... e prédio urbano, descrito sob o n.º ...81 da freguesia ...;
Montante Máximo Assegurado: € 512.000,00
€ 82.853,17 - Crédito Garantido por hipotecas em 1º grau sobre o prédio urbano, descrito sob o n.º ...81 da freguesia ... e sobre o prédio urbano, descrito sob o n.º ...5 da freguesia ...;
Montante Máximo Assegurado: € 524.000,00
€ 39.975,00 - Crédito sob condição que somente se efetivará como crédito garantido com a junção aos autos dos respetivos documentos comprovativos dos gastos com honorários e despesas de acompanhamento do presente processo de insolvência e seus apensos.
€ 51.000,00 - Privilégio mobiliário geral nos termos do n.º 1 do artigo 98.º do CIRE.
Ao montante reclamado relativo ao empréstimo n.º ...81 acresce juro diário de € 64,84, até pagamento efetivo e integral da quantia em dívida.
Ao montante reclamado emergente do descoberto bancário da conta de DO n.º ...12 acresce juro diário de € 25,81, até pagamento efetivo e integral da quantia em dívida.»
1.3.2. Os insolventes apresentaram, a 21.10.2021, impugnação do crédito referido em 1.3.1. supra:
«1. O Sr. Administrador de insolvência reconheceu um crédito reclamado pela Banco 1..., CRL no valor total de € 872 195, 73 (oitocentos e setenta e dois euros e setenta e três cêntimos) que, segundo a mesma, resulta de avales prestados pelos Insolventes e descobertos bancários.
2. Sucede que, o crédito reclamado pela alegada credora não existe como infra se verá.
3. Com efeito, no dia 8 de Junho de 2012, a sociedade de advogados que representa a Banco 1..., CRL, nos presentes autos,
4. e que, nessa mesma data, representava os Insolventes e a sociedade da qual os mesmos eram sócios EMP01..., L.da no Proc. nº ...01 que correu termos no extinto Tribunal judicial da Comarca ... -vide doc. nº ... a ...,
5. munida de uma procuração que lhe foi outorgada a 09.05.2011 pela referida Banco 1..., ou seja, um ano antes da entrada em juízo dos autos de insolvência 6. e seis meses após a referida Banco 1... ter levado a cabo, com a concordância do Insolvente marido de uma avaliação de todo o seu património e da sociedade de que o mesmo era sócio conjuntamente com a Insolvente mulher,
7. cujo valor foi estimado em € 4 605 960, 00- vide doc. nº ....
8. requereu judicialmente a insolvência da sociedade EMP01..., L.da, alegando para o efeito, ser titular de um crédito sobre a referida sociedade no total de € 3 723 408, 36 – vide doc. nº ....
9. e, uma semana depois, instaurou uma acção executiva contra os ora Insolventes onde reclamou apenas o pagamento de € 471 338, 26, referentes a 4 empréstimos alegadamente feitos pela Banco 1... à sociedade EMP01..., L.da avalizados pelos ora Insolventes.- vide doc. nº....
10. Conforme resulta quer do requerimento executivo quer do requerimento inicial dos autos de insolvência, a Banco 1... procedeu ao preenchimento das referidas livranças sem previamente interpelar quer os Insolventes quer a sociedade EMP01... para proceder ao pagamento das quantias em dívidas,
11. E sem avisar os mesmos que iriam proceder ao preenchimento das livranças e em que montantes.
12. Os referidos processos terminaram por desistência da Banco 1....
13. No entanto, impõe-se, sobretudo, sublinhar nem os Insolventes nem a sociedade da qual foram sócios alguma vez receberam da Requerente nem in totum nem faseadamente algumas das quantias atrás referidas.
14. Na verdade, da análise atenta dos contratos juntos com a petição inicial que deu origem aos autos de insolvência da EMP01... e da ação executiva movida contra os ora Insolventes, facilmente se constata a falsidade das declarações neles ínsitas.
15. Com efeito, resulta do contrato a qual foi atribuído o nº ...34 que o mesmo foi celebrado a 29 de Outubro de 2010.
16. Porém, de acordo com os dizeres apostos no referido contrato a data da 1ª utilização da quantia mutuada foi realizada a 30 de Abril de 2009.
17. E a primeira prestação vencer-se-ia a 30 de Outubro de 2009, ou seja, um ano antes da celebração do próprio contrato – vide doc. nº ....
18. Importa referir que o suposto verso desse mesmo contrato é exactamente igual ao verso do contrato ao qual a Banco 1... atribuiu o nº ...69 que se mostra junto aos autos de execução supra identificados,
19. sendo por demais evidente, sobretudo, o erro na identificação do ano em que terá sido celebrado o contrato ...10.
20. E o mesmo se diga a propósito do contrato nº ...41.
21. Conforme resulta do referido contrato o mesmo teria sido outorgado a 30 de Abril de 2000,
22. e a primeira utilização de capital teria ocorrido 10 anos depois,
23. sendo que o mesmo deveria ser pago a 30.10.2010.
24. Igualmente inverosímeis são os dizeres apostos no contrato de apoio à tesouraria celebrado entre a Banco 1... e a sociedade EMP01..., L.da ao qual foi atribuído o nº ...93 no dia 30 de abril de 2009,
25. cujo dinheiro, segundo quer fazer crer a Banco 1... foi apenas disponibilizado à sociedade supra referida 1 ano depois e meio da data da celebração do contrato – vide doc. nº ...5.
26. Do supra exposto deflui assim claramente a falsidade das declarações ínsitas nos contratos ora em causa, uma vez que, as declarações nelas ínsitas são inverosímeis atenta a prática bancária de primeiro formalizar o contrato e, e só posteriormente, disponibilizar as verbas, e não o contrário.
27. Por outro lado, importa sublinhar que, pese embora quer os insolventes quer a sociedade de que os mesmos eram sócios tenham efetivamente estabelecido relações contratuais com a Banco 1...,
28. A verdade é que, os contratos que foram juntos quer aos autos de insolvência quer aos autos de execução acima referidos, não passam de “colagens” de outros efetivamente celebrados com entre Reclamante e reclamados,
29. sendo, por demais notório, que a Banco 1... aproveitando o verso de contratos que os ora Insolventes assinaram quer por si quer na qualidade de sócios-gerentes da EMP01..., L.da preencheu os dizeres de outros impressos, nomeadamente os relativos ao nº de empréstimo, aos montantes mutuados, e condições de atribuição, reembolso e prazos.
30. Mais, munida desses contratos, a Banco 1... não se absteve de requerer a insolvência da sociedade EMP01..., L.da e de mover uma acção executiva contra os Insolventes.
31. Importa referir que 4 dias antes da propositura da primeira dessas mesmas acções, o Insolvente marido sofreu um AVC, com graves sequelas a nível neurológico como o demonstram os seus registos clínicos- vide doc. nº ... a ...2, ...2. facto que, dada a exiguidade do meio onde os Insolventes se movem e o prestígio social de que os mesmos sempre gozaram junto da comunidade onde vivem,
33. foi amplamente comentado na localidade onde os mesmos residem.
34. Ora, tendo conhecimento do estado saúde do ora Insolvente marido, uma vez que sempre mantiveram como mesmo uma estreita relação, e sabendo que a Insolvente mulher nada sabia que acerca dos negócios do mesmo,
35. os representantes da Banco 1..., CC, DD, e EE gizaram um plano com o intuito de se apropriarem do património dos Insolventes e da sociedade de que os mesmos eram sócios.
36. E se, no inicio esse plano passou por instaurar os referidos processos executivo e de insolvência,
37. quando os mesmos se aperceberam que os boatos que corriam de que o Insolvente marido não sobreviveria ao AVC que tinha sofrido,
38. mas, tendo-se os mesmos apercebido das graves sequelas a nível neurológico de que o Insolvente marido ficou a padecer, nomeadamente uma leucoencefalopatia isquémica e lacunas isquémica na sequencia do AVC sofrido,
39. e se encontrar ainda em convalescença,
40. convenceram o Insolvente marido a munir-se de uma procuração outorgada por sua mulher, a ora Insolvente mulher
41. que tem apenas, tal como o Insolvente marido, o 4º ano de escolaridade, e nada sabe a respeito dos negócios levados a cabo pelo seu marido, 42. a dar de garantia para pagamento dos pequenos empréstimos contraídos pela sociedade EMP01..., L.da junto daquela instituição bancária e que aquela data ainda não estavam pagos e igualmente como garantia de um contrato de abertura de crédito para conclusão de um empreendimento que a sociedade EMP01... estava a construir na ..., os bens melhor descritos no doc. nº ...3.
43. bens esses que, a sociedade EMP01..., L.da, como sociedade que se dedica à mediação imobiliária não estaria inibida de os vender a terceiros e até seria responsável por vender os mesmos
44. Foi, então, nesse pressuposto, ou seja, de que parte substancial do património imobiliário que, até então, compunha o acervo patrimonial dos ora Requeridos, seria dado de garantia para assegurar o pagamento das dívidas da referida sociedade, nomeadamente as decorrentes dos empréstimos ainda tinha à data da outorga do contrato de dação em cumprimento e ainda como garantia de um contrato de abertura de crédito,
45. e não nas que estão plasmadas na escritura de dação em cumprimento e renúncia de hipotecas,
46. que o Insolvente marido outorgou a escritura de dação em cumprimento celebrada a 29 de Junho de 2012 no Cartório Notarial de FF,
47. escritura essa através da qual resulta que o ora Insolvente marido, por si e em representação da Insolvente mulher, deu em cumprimento os bens melhor descritos na referida escritura,
48. por valores muito inferiores ao seu valor de mercado,
49. e à avaliação feita pela própria Banco 1... . vide doc. nº ...3.
50. Com efeito, o prédio urbano que, de acordo com a referida escritura foi entregue para pagamento da quantia de € 115 990, 07, referente ao alegado empréstimo ...65 no montante de € 110 000, 00, 53. foi dado em pagamento à Banco 1... para pagamento do referido empréstimo.
51. Acontece que, o valor atribuído ao prédio quer na avaliação que dele foi feita quer no ato de celebração da dação em cumprimento é muito inferior ao seu valor de mercado.
52. A tudo isto acresce ainda o facto de os ora Insolventes terem conhecimento que o referido prédio foi vendido a GG que é familiar do gerente do balcão da Requerente de HH, II,
53. que já, na altura da respectiva avaliação pela Requerente, tinha manifestado interesse na sua aquisição – vide doc. nº ...4.
54. Quanto aos demais imóveis dados em pagamento do alegado empréstimo no montante de € 3 000 000, 00 a cujo contrato foi atribuído o número ...34, importa igualmente referir que referir, à semelhança do imóvel atrás referido, também esses imóveis foram dados em cumprimento por valores, nalguns casos inferiores ao seu valor patrimonial tributário – vide doc. nº ...4..
55. No entanto, impõe-se, sobretudo, sublinhar nem os Insolventes nem a sociedade da qual foram sócios alguma vez receberam da Banco 1.... nem in totum nem faseadamente algumas das quantias atrás referidas.
56. Cumpre ainda sublinhar que, tal como referido anteriormente, no mesmo dia em que adquiriu através de escritura de dação em cumprimento os imóveis elencados na escritura acima referida,
57. a Banco 1... celebrou com a sociedade EMP01..., L.da um contrato de mediação imobiliária para venda desses mesmos bens em regime de exclusividade, 58. por forma a fazer a ao Insolvente marido que o mesmo continuava a ser o proprietário do  bens e poderia ainda assim dispor do património que antes lhe pertencia.
59. Em suma, pese embora a sociedade de que os insolventes era sócios tenham, efetivamente e em tempos, sido devedores da Requerente, nunca estes nem a sociedade de que os mesmos foram sócios alguma vez foram devedores da mesma das quantias que a Banco 1... vem peticionando quer no processo de insolvência da EMP01..., L.da quer nos anteriores processos de insolvência dos Requeridos, e cujo pagamento igualmente peticiona nos presentes autos.
60. Na verdade, os referidos processos, nomeadamente a apresentação dos Requeridos à insolvência e da sociedade da qual era sócios a um PER,
61. processos esses que correram os seus termos sob os nº 13/14.... e 174/13...., 79. foram sugeridos pelos, à data, administradores da Banco 1... como solução para as dificuldades financeiras que os Insolventes e as sociedades da qual eram sócios enfrentavam,
62. dificuldades essas causadas pela atuação da Banco 1...
63. e pelas dificuldades dos Insolventes lograrem obter a satisfação dos seus créditos, nomeadamente, rendas não pagas, empréstimos feitos a terceiros, entre outros.
64. Todavia, na realidade, os referidos processos serviram apenas para que a Banco 1... adquirisse, através da via judicial, a quase totalidade do património da sociedade EMP01..., L.da por valores irrisórios – vide doc. nº ...6 a ...8.
65. e lograsse onerar o restante património dos Requeridos com hipotecas,
66. locupletando-se assim às custas dos Insolventes e causando-lhe graves problemas financeiros.
67. Sem prescindir sempre se referirá que os factos acima relatados, atenta a gravidade dos mesmos, foram já objecto de participação criminal conforme já reportado aos autos principais,
68. porquanto os mesmos são suscetíveis de integrar os crimes de falsificação de documentos e burla qualificada.» (bold aposto por esta Relação).
1.3.3. A 22.12.2022 os insolventes pediram a suspensão dos autos de reclamação até à decisão do processo crime onde se investiga a falsidade dos contratos de crédito, nos termos referidos em I-1 supra, para que se remete em adesão integral.
1.3.4. A 01.02.2023 foi indeferido o requerimento, nos termos referidos I-2 supra, para que se remete em adesão integral.
(atos processuais do processo nº1315/21....)

2. Apreciação do objeto do recurso:
Os insolventes/aqui recorrentes defenderam verificarem-se os pressupostos para ser determinada a suspensão da instância dos autos de reclamação de créditos, com a invocação genérica de uma conexão entre a investigação criminal e a decisão a proferir no processo-crime nº1677/21.9T9VCT e a defesa por si apresentada na impugnação à lista de créditos reconhecidos à Banco 1..., CRL dos autos de reclamação de créditos, nos termos do art.92º do CPC (indicado no requerimento de suspensão e neste recurso) e arts.272º, 624º e 625º do CPC (indicados neste recurso) (I-1 e 3 supra; III-13.1. e 1.3.2. supra).
A credora/aqui recorrida defendeu: que não era possível a suspensão da instância dos autos de reclamação face ao art.8º do CIRE; que, de qualquer forma, não existiria qualquer prejudicialidade entre a decisão do processo-crime e a apreciação da impugnação (que entendeu, de qualquer forma, estar prejudicada pelo caso julgado da decisão da insolvência que reconheceu o crédito da reclamante).
Impõe-se, assim, apreciar se estão verificados os pressupostos para a suspensão da instância, nos termos dos invocados arts.92º e 272º do CPC.
Por um lado, não obsta a esta apreciação, conforme pretendeu a requerida nas suas contra-alegações, nem o art.8º do CIRE, nem o caso julgado que se tiver formado com a sentença declaratória da insolvência.
De facto, a proibição da suspensão da instância do processo de insolvência prevista no art.8º do CIRE refere-se expressamente ao próprio processo de insolvência («1 - A instância do processo de insolvência não é passível de suspensão, excepto nos casos expressamente previstos neste Código. 2 - Sem prejuízo do disposto na alínea b) do n.º 3 do artigo 264.º, o tribunal ordena a suspensão da instância se contra o mesmo devedor correr processo de insolvência instaurado por outro requerente cuja petição inicial tenha primeiramente dado entrada em juízo. 3 - A pendência da outra causa deixa de se considerar prejudicial se o pedido for indeferido, independentemente do trânsito em julgado da decisão. 4 - Declarada a insolvência no âmbito de certo processo, deve a instância ser suspensa em quaisquer outros processos de insolvência que corram contra o mesmo devedor e considerar-se extinta com o trânsito em julgado da sentença, independentemente da prioridade temporal das entradas em juízo das petições iniciais. ») e não se refere aos processos autónomos que corram por apenso (neste sentido, pode ver-se o Ac. RC de 11.12.2012, proferido no processo nº1119/10.5TBPBL-L.C1, relatado por Maria Inês Moura, que admitiu a suspensão da instância num processo de reclamação ulterior de créditos, considerando, que «1. Não tem aplicação a disposição específica do art.º8 do CIRE, mas antes as normas do Código de Processo Civil, no âmbito da acção que corre termos por apenso à insolvência, intentada ao abrigo do art.º146 ss. do CIRE.»)[i].
Por sua vez, o caso julgado que se tiver formado com a sentença declaratória da insolvência, que considerou justificado o crédito do credor requerente, nos termos do art.20º do CIRE, não impede automaticamente a discussão sobre os termos concretos de reconhecimento e graduação desse mesmo crédito no processo de reclamação de créditos regulado nos arts.128º ss do CIRE, face à diversidade dos thema decidendum das duas fases de processos e das garantias dos mesmos (sobre esta diversidade pode ver-se o Ac. RG de 21.05.2020, proferido no processo nº737/17.15.5T8VNF-A.G1, e disponível in dgsi.pt, em que intervieram a aqui relatora e a 1ª Adjunta deste recurso).
Por outro lado, examinandos o fundamento do pedido de suspensão e os atos processuais provados em III-1 supra, em confronto com o regime legal aplicável (e a expor infra), não se pode deixar de entender que não se encontra alegada e demonstrada a existência de qualquer questão ou causa do tribunal criminal cuja decisão venha a ser necessária para o conhecimento da impugnação apresentada à reclamação e reconhecimento do crédito da Banco 1....
De acordo com o regime legal vigente, o Tribunal pode sobrestar numa decisão civil, em matéria administrativa ou criminal, até que o tribunal competente se pronuncie, nos termos do art.92º do CPC («1 - Se o conhecimento do objeto da ação depender da decisão de uma questão que seja da competência do tribunal criminal ou do tribunal administrativo, pode o juiz sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie. 2 - A suspensão fica sem efeito se a ação penal ou a ação administrativa não for exercida dentro de um mês ou se o respetivo processo estiver parado, por negligência das partes, durante o mesmo prazo; neste caso, o juiz da ação decidirá a questão prejudicial, mas a sua decisão não produz efeitos fora do processo em que for proferida.»). E pode, ainda, suspender a instância civil quando a decisão da mesma esteja dependente do julgamento de uma ação já proposta, nos termos do art.272º do CPC («1 - O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado. 2 - Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.»).
Alberto dos Reis, sobre o requisito de prejudicialidade e sobre a articulação entre a possibilidade de sobrestar uma decisão ou de suspender a instância (referindo-se aos arts.96º e 97º do CPC de 1939, correspondentes aos atuais arts. 91º e 92º do CPC de 2013, e ao art.284º do CPC de 1939, correspondente ao atual art.272º do CPC de 2013), referia: que é questão prejudicial «aquela cuja solução é necessária para se decidir uma outra»; que, quanto à referida articulação, «Entre a espécie regulada no art.96.º e a regulada no art.97.º há este ponto de contacto: a questão prejudicial tem o carácter de questão incidental, quer dizer, surge numa causa pendente, como condição ou requisito para se decidir a matéria fundamental da causa. Pelo contrário, no caso previsto no art.284.º a questão prejudicial constitui o objecto próprio duma causa distinta que pende no mesmo ou outro tribunal.»[ii].
Todavia, examinando a alegação dos requerentes/insolventes para fundamentar a suspensão da instância no seu requerimento de suspensão de 22.12.2022 e nas suas conclusões de recurso de 22.02.2023 (nº2 e 7 de I-1 supra; nº4, 5 e 7 de I-3 supra), verifica-se que não foram alegados factos concretos que permitam reconhecer a prejudicialidade pretendida.
De facto, os insolventes/recorrentes não identificaram quais os factos concretos que foram por si alegados na impugnação do crédito da Banco 1..., CRL (reconhecido pelo administrador da insolvência) e que estão a ser objeto de investigação ou julgamento no processo-crime, cuja decisão consideram necessária para a decisão da impugnação (limitando-se a afirmar, de forma absolutamente genérica e imprecisa: que foi apresentada uma participação criminal por factos passíveis de integrar a falsificação de documentos, nomeadamente dos contratos de mútuo celebrados com a sociedade de que os insolventes foram gerentes; que na mesma se investiga a falsidade das assinaturas apostas nos contratos de mútuo bancário alegadamente entre os insolventes e o credor/reclamante Banco 1...).
Por sua vez, comparando a causa de pedir do crédito da Banco 1..., invocado por esta no requerimento inicial (por não se conhecer os termos da reclamação por si apresentada ao abrigo do art.128º ss do CIRE), com o conteúdo do reconhecimento do crédito da Banco 1... (realizado pelo administrador da insolvência) e com os fundamentos da impugnação deste crédito reconhecido, verifica-se:
a) Que o administrador da insolvência reconheceu o crédito da credora com base no empréstimo com o nº...81 e no descoberto bancário da conta nº...12 (vide III-1.3.1. supra).
Estas duas fontes geradoras do crédito foram também aquelas indicadas pela credora no requerimento inicial do processo de insolvência, no qual fundamentou o seu crédito: no incumprimento do plano de pagamentos apresentado pelos insolventes no processo de insolvência nº808/18.... e homologado por sentença de 13.07.2020 (no qual assumiram o pagamento da dívida consolidada em € 700 000, 00 e a venda de património hipotecado para a pagar); na indicação que, subjacente a essa dívida incumprida no processo prévio de insolvência, estavam os contratos de empréstimo nº...81 de 25.07.2012 (junto sob o documento nº..., onde constam assinaturas com os nomes dos insolventes, no lugar dos representantes da sociedade e dos garantes da dívida) e o descoberto bancário da conta nº...12 (vide III-1.2.-1.2.1., em referência a III-1.1. supra).
b) Que os insolventes, na impugnação ao crédito reconhecido referido em a) (vide 1.3.2. de III supra), em coerência com o quadro da sua oposição inicial à insolvência (vide 1.2.2. de III supra):
b1) Não arguiram a falsidade dos atos do processo de insolvência prévio nº808/18...., com base nos quais a requerente do processo de insolvência invocou que não lhe foi paga a dívida assumida no plano de pagamento homologado por sentença aí proferida (tendo os insolventes expressamente aceitado o plano e a sentença desse processo, na sua oposição a este novo processo de insolvência), nem invocaram que esta dívida foi paga depois de julho de 2020, nomeadamente pelas vendas dos imóveis onerados com hipoteca, de acordo com o previsto no referido plano do processo nº808/18.....
b2) Não se opuseram à afirmação requerente/credora Banco 1... que a dívida do processo nº808/18...., referida em b1) tinha como fontes contratuais o contrato de empréstimo nº...81 de 25.07.2012 e o descoberto bancário da conta nº...12; não impugnaram as assinaturas deste contrato de empréstimo nº...81;
b3) Invocaram vários contratos celebrados com a credora, em relação aos quais imputaram falsificações e burlas. Estes contratos indicados na impugnação, todavia, têm numerações e datas distintas do contrato de empréstimo nº...81 de 25.07.2012 e do descoberto bancário da conta nº...12 referidos em b2). Por sua vez, não é compreensível (por falta de alegação) a relação dos contratos indicados na impugnação com este contrato de 2012 e descoberto bancário desde 2014, referidos em b2) supra, nem os termos em que estes são afetados por aqueles.
Assim, ainda que no processo-crime se discutam imputações de falsidade e burla em relação aos contratos indicados na impugnação referida em III-1.2.2. supra (e referidos em b3) supra), os factos alegados não permitem estabelecer o nexo entre essas invocadas falsidades e as fontes da dívida reclamada pela Banco 1... e reconhecida pelo administrador neste processo.
Estas faltas não permitem reconhecer qualquer necessidade de aplicar o art.92º/1 ou o art.272º/1 do CPC em relação à decisão do processo-crime, cujo caso julgado apenas é passível de operar presunções legais de culpabilidade ou de inocência, nos termos do art.623º CPC («A condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer ações civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infração.») ou do art.624º do CPC («1 - A decisão penal, transitada em julgado, que haja absolvido o arguido com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, constitui, em quaisquer ações de natureza civil, simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível mediante prova em contrário.»).
Desta forma, não se julgam verificados os requisitos que permitam admitir e decretar uma suspensão do processo de verificação e graduação de créditos até à sentença final do processo-crime nº1677/21.9T9VCT.

IV. Decisão:

Pelo exposto, as Juízes da 1ª Secção Cível e Comercial de Guimarães acordam em julgar improcedente o recurso de apelação.

*
Custas pelos recorrentes (art.527º/1 do CPC), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.    
Guimarães, 07 de dezembro de 2023

Elaborado, revisto e assinado eletronicamente
Alexandra M. Viana P. Lopes (Juiz Des. Relatora)
Maria Gorete Morais (Juiz Des. 1ª Adjunta)
Rosália Cunha (Juiz Des. 2ª Adjunta)
           


[i] Citado, também, por Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2013, Almedina, anotação 2 ao art.8º, pág.33.
[ii] Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 1º, Segunda Edição, Coimbra Editora, 1960, págs.286 e 287.