GRAU DE IPP
CONHECIMENTO PELA RELAÇÃO
PERÍCIAS MÉDICAS CONTRADITÓRIAS
CONCLUSÕES DO LAUDO PERICIAL E PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
Sumário

I - A fase contenciosa do processo de acidente de trabalho destina-se, apenas, à discussão dos factos sobre os quais não tenha havido acordo, expresso, das partes na fase conciliatória.
II - Se a sinistrada, apenas, discordar do grau de IPP que lhe foi fixado no exame médico do INML e a seguradora aceitar conciliar-se, facto que ficou, expressamente, consignado no auto de “não conciliação”, nos termos do art. 112º, nº 1, do CPT, tendo o processo seguido para a fase contenciosa por falta de acordo, quanto à verificação, apenas, do grau de IPP que a sinistrada defende padecer, contendo os autos todos os elementos documentais e periciais necessários à determinação e fixação da natureza e grau de incapacidade daquela, nada impede que o Tribunal da Relação altere a decisão recorrida, no que toca ao grau de IPP, pois contém todos os elementos de facto necessários à decisão da questão da determinação e fixação da incapacidade da sinistrada.
III - A perícia médica constitui um meio de prova sujeito à livre apreciação do tribunal, do que resulta que o juiz não está vinculado ao resultado da perícia singular ou da perícia colegial, sendo que na fixação da incapacidade deverá ponderar e valorar, segundo o seu prudente juízo, todos os elementos constantes dos autos que permitam determinar a incapacidade de que é portadora a sinistrada.
IV - Existindo perícias médico-legais com resultados contraditórios, nada obsta a que o tribunal adira àquela que dê maiores garantias científicas, ainda que seja o laudo minoritário se o mesmo se mostrar devidamente fundamentado para suportar a formação da convicção do julgador quanto à fixação da natureza e grau de incapacidade da sinistrada.
V - O exame por junta médica tem em vista a percepção ou apreciação pelo Juiz de factos em relação aos quais o mesmo não dispõe dos necessários conhecimentos técnico-científicos, sendo os peritos médicos quem dispõem desse conhecimento especializado, cabendo-lhes a eles emitirem ”o juízo de valor que a sua cultura especial e a sua experiência qualificada lhe ditarem”, reflectido na formulação de conclusões fundamentadas em cumprimento do disposto no nº 8, das Instruções Gerais, do Anexo I, da TNI.
VI - As conclusões do laudo pericial, mesmo que unânimes, não vinculam o Juiz, dado estarem sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova (cfr. art.s 389º do CC e 607º do CPC).

Texto Integral

Proc. nº 3242/18.9T8VFR.P2
Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Juízo do Trabalho de Santa Maria da Feira - Juiz 1


Recorrente: AA
Recorrida: A.... SA



Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto


I – RELATÓRIO
Os presentes autos com processo especial emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrada AA e entidade responsável a A..., SA, tiveram início face à participação do acidente sofrido por aquela, em 11 de Agosto de 2018, dado, após a tentativa de conciliação realizada, ter havido discordância entre as partes, frustrando-se aquela, (conforme consta do auto junto, datado de 11.12.2019 – que, por o considerarmos relevante, aqui se reproduz, parcialmente, nos seguintes termos: «POSIÇÃO DOS INTERVENIENTES PROCESSUAIS
1 - A Sinistrada concorda com todos os dados atrás referidos, com excepção do grau final de I.P.P. atribuído pelo GML. E, uma vez que considera que o mesmo é maior. Assim, não se concilia, reclamando da seguradora:
— o pagamento da....
2 – A companhia de seguros concorda com todos os dados atrás referidos, pelo que se concilia, aceitando pagar à sinistrada:
- 410,76€, ...

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Face ao exposto, deu a Senhora Procuradora da República as partes por não conciliadas, e determinou que os autos fiquem a aguardar o prazo previsto no art. 119º, nº 1 do C.P.T.»), ou seja, por a sinistrada não ter aceite o resultado do exame médico singular (a que a mesma foi submetida em 17.04.2019, como consta dos autos) a que se reporta o art. 105º do CPT (diploma a que pertencerão os demais artigos a seguir mencionados, sem outra indicação de origem) e, oportunamente, a Magistrada do Ministério Público, em patrocínio da sinistrada, ao abrigo do disposto no art. 117º, nº 1 al. b), ter vindo requerer, exame por junta médica, formulando para o efeito, de acordo com o disposto no nº 2 daquele artigo, os seguintes quesitos:
………………………………….
………………………………….
………………………………….
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Conclusos os autos, foi proferida sentença, em 05.07.2023, que terminou com a seguinte decisão:
Nestes termos e ao abrigo das disposições legais citadas, julgando-se que AA foi vítima de um acidente de trabalho no dia 11/08/2018:
A) Declara-se que a sinistrada se encontra curada e sem desvalorização, não se fixando assim qualquer IPP pelo acidente em causa nestes autos.
B) Condena-se a A..., S.A. no pagamento à sinistrada:
1) €30,00 (trinta euros) a título de despesas com transportes ao GML de Santa Maria da Feira e ao Tribunal, acrescidos dos juros de mora, à taxa legal, desde 12/12/2019 até efectivo e integral pagamento.
2) €459,70 (quatrocentos e cinquenta e nove euros e setenta cêntimos), correspondente à indemnização pela diferença das incapacidades temporárias, acrescidos dos juros de mora, à taxa legal, desde 12/08/2018 até efectivo e integral pagamento.
A) Condena-se a seguradora no pagamento das custas processuais.
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Valor da acção – €489,70 - artigo 120.º, do Código de Processo do Trabalho.”.
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Inconformada a sinistrada interpôs recurso cujas alegações terminou com as seguintes CONCLUSÕES:
“1º Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, a 05-07-2023, na parte que decidiu “Declara-se que a sinistrada se encontra curada e sem desvalorização, não se fixando assim qualquer IPP pelo acidente em causa nestes autos.
2º Neste contexto, considera-se incorrectamente julgado o ponto J) dos factos provados, porquanto a prova documental e pericial existente nos autos é de molde a concluir pelo agravamento, de forma permanente, de patologia prévia da Sinistrada, devendo em consequência ser fixada uma IPP de 20%.
3º Com efeito, decorre dos autos que a Sinistrada, pelo menos na perícia singular realizada (fls. 46 e ss. e 124 e ss.), informou o Perito que padecia de dificuldade em permanecer de pé durante mais de 4/5h, realizar movimentos repetidos de flexão e extensão do tronco/coluna; que tinha fenómenos dolorosos, com episódios de lombalgia despoletados pelos esforços quando pega em panelas pesadas, em baldes com água, ao cortar peças de carne mais pesadas, quando permanece em pé por períodos prolongados e até em actividades da vida diária como aspirar a casa.
4º Por outro lado, no inquérito profissional e estudo do posto de trabalho da Sinistrada, declara-se que a mesma refere dor lombar relacionada com esforços (movimentar cargas e realizar movimentos repetitivos, ou até quando se mantém em bipedestação prolongada), assim como refere dor em repouso que alivia um pouco com medicação, esta dor é intensa, referida à região lombar e com irradiação pelo membro inferior direito ao pé.
5º Acresce que, da RMN realizada pela Sinistrada em 15-06-2021 resulta que existem “Sinais de fenestração osteoligamentar direita em L5-S1, definindo-se tecido captante, de natureza fibrocicatricial provável, no espaço epidural deste lado, rodeando a raiz S1 após a sua emergência tecal, raiz que revelam alguma retração posterior discreta.” Ou seja, existe uma cicatriz a rodear a raiz de S1 que provoca alguma tensão nessa mesma raiz e consequente sofrimento radicular.
6º O que é compatível com as queixas apresentadas pela Sinistrada na perícia singular e no inquérito profissional e estudo do posto de trabalho, de que apesar de ter sentido uma melhoria no seu estado de saúde após a intervenção cirúrgica de que foi alvo, o certo é que permanece com dores quando pega em pesos ou realiza movimento repetitivos, chegando a ter irradiação para o membro inferior direito, o que não sucedia anteriormente.
7º O supra citado inquérito profissional e estudo do posto de trabalho de 29-04-2022, salienta que “O maior impacto do acidente no desempenho profissional da examinanda encontra-se, como anteriormente referido, ao nível da dor persistente e recorrente na região lombar, e sua irradiação, condicionando o desempenho por parte da examinanda de funções profissionais (...) Pelo exposto, somos de parecer que a examinanda se encontra com incapacidade permanente parcial para o trabalho.” (o negrito é nosso)
8º Por outro lado, foi solicitado parecer ao Colégio da Especialidade de Ortopedia da Ordem dos Médicos, cujos membros, atendendo ao seu elevado grau de preparação na área da ortopedia – que é a que está aqui em causa – podiam dar um contributo decisivo para o esclarecimento das questões formuladas, referindo-se ali em resposta à questão 3ª, além do mais, que é “mais provável que tenha havido um agravamento da sintomatologia por patologia prévia da coluna vertebral.”
Não constando em lado algum do citado parecer que o agravamento é temporário. Sendo tal conclusão extraída daquele documento única e simplesmente pela Sra. Perita do Tribunal, a qual diga-se em abono da verdade, não é médica especialista de ortopedia.
10º Não se podendo negar o valor, nomeadamente técnico-científico, do parecer supra referenciado atenta a especificidade da matéria em discussão. Tanto mais que os membros do referido Colégio da Especialidade de Ortopedia são profissionais de elevada craveira e reconhecido mérito pelos seus pares.
11º E tendo em conta as respostas fornecidas por aquela entidade, crê-se, com o devido respeito, que oferece maiores garantias científicas ao julgador o parecer emitido pelo Colégio da Especialidade de Ortopedia da Ordem dos Médicos do que o juízo emitido pelo médico nomeado pelo tribunal que não possui tal especialidade médica.
12º Acresce que, refere-se na sentença recorrida que “Sendo que, quando haja disparidade entre os peritos do Tribunal e os outros, deve merecer preferência do julgador o laudo dos primeiros, pela maior garantia de imparcialidade que oferecem, aliada à competência técnica de presumir...
13º Sucede que, como supra mencionado, e salvo o devido respeito, que é muito, a Sra. Perita nomeada pelo tribunal não oferece uma maior competência técnica, tendo em conta o supra alegado quanto à não titularidade por parte da mesma da especialidade médica de ortopedia, não se colocando em causa a sua imparcialidade.
14º Encontrando-se assim afastada a presunção a que alude a decisão recorrida.
15º Ademais, do historial clínico da Sinistrada, posterior ao acidente de trabalho, consta que a mesma, após este, apresentou uma hérnia discal L5-S1 direita, extrusa, patologia confirmada por uma TAC, cfr. fls. 54 e 55, e por Ressonância Magnética realizada no B... – Centro de Diagnóstico, por ordem da Seguradora, cfr. fls. 18v.
16º Do historial clínico constante dos autos, anterior ao acidente de trabalho, não consta a existência de lombociatalgia ou períodos de baixa por esse motivo.
17º Tão-pouco a Sinistrada revelou até à ocorrência do sinistro quaisquer sintomas ou queixas que tenham levado à prescrição de qualquer TAC ou RMN para diagnóstico de tal patologia em data anterior ao acidente de trabalho.
18º No exame objectivo realizado pela Sinistrada na junta médica de 22-09-2020, refere-se que “O perito da sinistrada realizou perante o perito da seguradora e do tribunal o exame objetivo, que revelou e comprovou a existência de alterações sensitivas e motoras de acordo com o nível da lesão/hérnia discal.” (o negrito é nosso)
19º Não obstante o supra exposto, o certo é que a decisão recorrida sustenta que tal agravamento é temporário, declarando inclusive que com a intervenção cirúrgica a Sinistrada verificou uma melhoria do seu estado. Sendo certo que a melhoria do estado de saúde da Sinistrada nada tem a ver com a cura sem qualquer desvalorização.
20º Tendo o Tribunal a quo realizado uma errada apreciação do acervo probatório ao seu dispor. Ignorando as queixas da Recorrente após o acidente sofrido, mencionadas no relatório do exame de perícia singular e no inquérito profissional e estudo do posto de trabalho, as quais, como supra mencionado, se mantiveram nomeadamente e além do mais sempre que pegava em pesos ou realizava movimentos repetitivos.
21º Efectuando uma errada apreciação do parecer do Colégio da Especialidade da Ordem dos Médicos, no que ao agravamento de patologia pré-existente da Sinistrada diz respeito.
22º Devendo ter concluído que tal parecer admite uma maior probabilidade de agravamento da patologia pré-existente da Recorrente, e por via disso, concluir pela existência de um quadro sequelar, fixando a competente IPP.
23º Conclusão que encontra também respaldo na RMN, de 15-06-2021, como salienta o Perito da Sinistrada no auto de exame por junta médica de 01-02-2022, e que foi absolutamente descurada pela decisão recorrida, em detrimento da EMG, de 25-01-2021.
24º Pelo que a prova documental/pericial existente nos autos supra citada, assim como a constante da participação de acidente de trabalho de 26-09-2018; da informação clínica de fls. 6;, do relatório de Ressonância Magnética - B..., de 04-09-2018, de fls. 18v; do relatório Preliminar da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em direito do trabalho de fls. 46 e ss.; do relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em direito do trabalho de fls. 124 e ss.; dos registos Clínicos e Hospitalares de fls. 50 e ss.; do doc. de fls. 66 e 67; dos docs. de fls. 99 e 106; do doc. de fls. 138 e ss.; do relatório do Dr. BB de fls. 135 e ss.; do teor de fls. 146v; do auto de Exame por Junta Médica de 28-01-2020; do auto de Exame por Junta Médica de 22-09-2020; e do auto de Exame por Junta Médica de 01-02-2022, impunha uma decisão diversa da recorrida.
25º Nos termos do disposto n.º 2 do art. 11º da LAT, quando uma lesão ou doença consecutiva ao acidente é agravada por lesão ou doença anterior, ou a lesão ou doença anterior ao acidente for agravada pelo acidente, a incapacidade avalia-se como se tudo dele resultasse.
26º Devendo, assim, o aludido ponto J) dos factos provados passar a ter a seguinte redacção “Em consequência do acidente de trabalho e por causa exclusiva e directa deste, AA sofreu um agravamento da doença anterior, tendo ficado a padecer de sequelas que lhe determinaram uma IPP de 20%”.
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente e, por via disso, a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que determine que em consequência do acidente de trabalho sofrido pela Sinistrada a mesma sofreu um agravamento da doença anterior, tendo ficado a padecer de sequelas que lhe determinaram uma IPP de 20%, com todas as consequências daí emergentes, nomeadamente quanto à atribuição e cálculo da pensão anual a que a Recorrente tem direito. Assim decidindo, V. Exas. farão inteira Justiça!.”.
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A R., seguradora respondeu, nos termos das contra-alegações juntas aos autos, terminando com as seguintes: “CONCLUSÕES:
I. É por demais evidente que os Senhores Peritos, nas juntas médicas, devidamente sustentados na situação clínica anterior da Recorrente/Sinistrada e após examinarem a mesma, concluíram que esta última não apresenta qualquer sequelas e lesões permanentes advenientes do acidente de trabalho em apreço, encontrando-se
II. Sucede que, atendendo que a Recorrente/Sinistrada manteve a sua situação clínica anterior ao evento lesivo em apreço, tal como decorre dos elementos trazidos aos autos.
III. Mais ainda, o parecer do IEFP, segundo crê a Recorrida/Seguradora, apenas verifica se a Recorrente/Sinistrada, tendo em consideração as sequelas que apresenta, está limitada para desenvolver o seu posto de trabalho, não aferindo se tais sequelas têm relação com o evento lesivo em discussão, tendo sido, tal aferição, ponderada na junta médica.
IV. Assim, bem andou o Tribunal a quo ao criar a sua convicção no exame de junta médica e considerar que a Sinistrada se encontra curada e sem desvalorização, não fixando assim qualquer IPP pelo acidente em causa, conforme considerações de direito melhor explanadas na Sentença em crise.
Termos em que, pelas referidas razões, deve o recurso interposto ser objeto de decisão de indeferimento.”.
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Nos termos que constam do despacho de 11.09.2023, a Mª Juíza “a quo” admitiu a apelação, com efeito devolutivo e ordenou a subida dos autos a esta Relação.
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O Ministério Público teve vista nos autos, nos termos do art. 87º nº3, do CPT, tendo-se pronunciado no sentido de ser negado provimento ao recurso, no essencial, na consideração de que: “Examinado o processo e a intervenção da recorrente, verifica-se que subsequentemente à notificação de 01.06.2023 nada reclamou da deliberação da junta médica.
A recorrente diverge da decisão recorrida defendendo que nela deveria ter acolhido o entendimento expresso pelo Colégio da Especialidade de Ortopedia da Ordem dos Médicos. Da 8ª. conclusão e do parecer aí mencionado não resulta um juízo de certeza.
Contudo, a Mma. Juíza “a quo”, com o devido respaldo pericial da junta médica, com a sua opção pela perícia da junta médica, considerou que “não é possível concluir que a doença prévia de que a sinistrada padecia tenha sofrido um agravamento permanente com o acidente, pelo que se afasta a aplicação do artigo 11.º, n.º 2, da Lei n.º 98/2009, tanto mais que, ao exame objectivo, não evidencia sequelas susceptíveis de serem desvalorizadas.”.
Como tal, a ilustre julgadora “a quo” estava a habilitada a pronunciar-se sobre o mérito da causa no modo como decidiu.”.
Notificadas deste, apenas a A. veio responder, pugnando que deve ser dado provimento ao recurso.
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Dado cumprimento ao disposto no art. 657º, nº 2 do CPC, há que decidir.
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O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, cfr. art.s 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado.
Assim as questões a apreciar suscitadas pela recorrente resumem-se, a saber se a decisão recorrida deve ser revogada, atenta a impugnação deduzida quanto à decisão sobre a matéria de facto, por não se conformar com a resposta dada ao ponto J) dos factos assentes e, consequentemente, quanto à decisão sobre o direito, ser considerado provado que a Autora, em consequência do acidente dos autos, ficou afectada de uma IPP de 20%, como a mesma defende.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
Os factos a considerar são os que decorrem do relatório que antecede e que se encontram documentados nos autos.
E, ainda, os que a Mª Juíza “a quo” considerou: “Com relevo para a decisão da presente causa, pelos documentos juntos aos autos e por acordo das partes expresso no auto de tentativa de conciliação, mostram-se provados os seguintes factos:
A) AA nasceu a .../.../1976.
B) No dia 11/08/2018, pelas 12h30m, em ..., ..., AA foi vítima de um acidente quando trabalhava como cozinheira de 1.ª, por ordem, direcção e fiscalização da empregadora, CC, com sede na Urb. ..., ... ....
C) O acidente ocorreu quando a sinistrada tinha duas travessas de comida nas mãos e, ao fazer o movimento de rotação do tronco, sentiu uma dor na coluna lombar e logo de seguida escorregou e caiu no chão sobre o hemicorpo direito, do que resultou lombalgia.
D) A responsabilidade infortunística da empregadora por danos emergentes de acidentes de trabalho encontrava-se integralmente transferida para a seguradora, mediante contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...06.
E) À data, a sinistrada auferia a retribuição anual de €11.900,00 (€850x14 de vencimento base).
F) Em virtude do acidente descrito, a autora esteve afectada com incapacidade temporária absoluta para o trabalho entre 11/08/2018 e 12/09/2018.
G) AA teve alta clínica a 12/09/2018.
H) A seguradora reconheceu o acidente supra identificado como acidente de trabalho, o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente, a data da alta, o período de incapacidade temporária, bem como a sua responsabilidade na reparação em face da retribuição anual transferida.
I) A seguradora demandada pagou à sinistrada a quantia de €293,42, a título de indemnização pelo período de incapacidade temporária.
J) AA encontra-se curada, sem sequelas, não sendo portadora em consequência do acidente supra descrito de qualquer IPP. (Eliminado)
K) Em 11/12/2019, a sinistrada reclamou da seguradora o pagamento da quantia de €30,00, relativa a despesas de transporte suportadas nas deslocações ao GML de Santa Maria da Feira e ao Tribunal.”.
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B) O DIREITO
Vem o recurso interposto da decisão recorrida, pretendendo a A. a sua revogação, no que toca à atribuição de IPP e, consequente, condenação da R. no pagamento, nomeadamente, da pensão anual correspondente, com fundamento nos argumentos que supra se enunciaram na fixação do objecto deste.
Comecemos, então, pela parte da impugnação, em que a recorrente se insurge contra a decisão de facto, pugnando pela sua alteração, conforme consta das conclusões da sua alegação. Dizendo não se poder conformar com a decisão sobre a matéria de facto no que respeita ao ponto J), dos factos assentes da douta sentença.
Vejamos.
Dispõe o nº 1 do art. 662º do CPC, (diploma a que pertencerão os demais artigos a seguir referidos sem outra indicação de origem) que, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”.
Aqui se enquadrando, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão de facto feita pelos recorrentes.
Nas palavas de (Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, Coimbra, 2013, págs. 221 e 222) “… a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1ª instância”.
No entanto, como continua o mesmo autor (págs. 235 e 236), “… a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter.”.
Esta questão da impugnação da decisão relativa à matéria de facto e a sua apreciação por este Tribunal “ad quem” pressupõe o cumprimento de determinados ónus por parte do recorrente, conforme dispõe o art. 640º ex vi do art. 1º, nº 2, al. a) do C.P.T., nos seguintes termos:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”.
Resulta da análise deste dispositivo que, o legislador concretiza a forma como se processa a impugnação da decisão, reforçando, neste novo regime, os ónus de alegação impostos ao recorrente, impondo-se que especifique, em concreto, os pontos de facto que impugna e os meios probatórios que considera impunham decisão diversa quanto àqueles e deixe expressa a solução que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova.
Ou seja, tendo em conta os normativos supra citados, haverá que concluir que a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação, tendo que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância, já que só assim, (como se refere no Ac. STJ de 24.09.2013 in www.dgsi.pt (local da internet onde se encontrarão os demais acórdãos a seguir citados, sem outra indicação)) poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição, muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, não se basta com a mera alegação de que não se concorda com a decisão do Tribunal “a quo”, exigindo-se à parte que pretenda usar daquela faculdade, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efectivamente, no caso, foram produzidos, sem limitar porém o segundo grau de jurisdição sobre tais desconformidades, previamente, apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção - não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem, face ao princípio da livre apreciação da prova que impera no processo civil, art. 607º, nº 5 do CPC, cfr. (Ac. STJ de 28.05.2009).
Verifica-se, assim, que o cumprimento do ónus de impugnação da decisão de facto, não se satisfaz com a mera indicação genérica da prova que na perspectiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal “a quo”, impõe-lhe a concretização quer dos pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância como a especificação das provas produzidas que, por as considerar como incorrectamente apreciadas, imporiam decisão diversa, quanto a cada um dos factos que impugna sendo que, quando se funde em provas gravadas se torna, também, necessário que indique com exactidão as passagens da gravação em que se baseia, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
Além disso, nas palavras, novamente, de (Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, págs. 132 e 133), “O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto;”.
Sobre este assunto, no (Ac.STJ de 27.10.2016) pode ler-se: “… Como resulta claro do art. 640º nº 1 do CPC, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto. …”. E, do mesmo Tribunal no (Ac. de 07.07.2016) observa-se o seguinte: “… para que a Relação possa apreciar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, tem o recorrente que satisfazer os ónus que lhe são impostos pelo art. 640º, nº 1 do CPC, tendo assim que indicar: os concretos pontos de facto, que considera incorrectamente julgados, conforme prescreve a alínea a); os concretos meios de prova que impõem decisão diversa, conforme prescrito na alínea b); e qual a decisão a proferir sobre as questões de facto que são impugnadas, conforme lhe impõe a alínea c).”.
Neste mesmo sentido, lê-se no (Ac. desta Relação de 15.04.2013, Proc. nº 335/10.4TTLMG.P1, relatora Desembargadora Paula Leal de Carvalho in www.dgsi.pt) que, “Na impugnação da matéria de facto o Recorrente deverá, pois, identificar, com clareza e precisão, os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda, o que deverá fazer por reporte à concreta matéria de facto que consta dos articulados (em caso de inexistência de base instrutória, o que não é a situação dos autos).
E deverá também relacionar ou conectar cada facto, individualizadamente, com o concreto meio de prova que, em seu entender, sustentaria diferente decisão, designadamente, caso a discordância se fundamente em depoimentos que hajam sido gravados, identificando as testemunhas por referência a cada um dos factos que impugna (para além “de indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição.”, (sublinhado nosso).
Transpondo o regime exposto para o caso, verifica-se que não estão em causa depoimentos gravados, apenas, prova documental e pericial e a apelante impugna a decisão da matéria de facto, com indicação do ponto que tendo sido considerado provado, em seu entender, se mostra incorrectamente julgado e a resposta que considera deverá ser dada ao mesmo.
Quanto àquele facto que impugna, indica os elementos probatórios, documentos e perícias, constantes do processo que, em seu entender, justificam a alteração daquele nos termos que peticiona. Consideramos, assim, que estão reunidas as condições para que este Tribunal “ad quem”, proceda à reapreciação da matéria de facto impugnada, eventualmente, alterando a decisão proferida sobre a mesma, ao abrigo do disposto no nº1 do art. 662º.
Apreciando.
No entanto, tendo em conta o processo, em causa, emergente de acidente de trabalho, que se inicia por uma fase conciliatória dirigida pelo Ministério Público, tendo por base a participação do acidente importa, previamente, a pronunciar-nos quanto àquela primeira questão, tecer algumas considerações genéricas sobre a tramitação deste processo, caracterizado como um processo especial.
Como decorre, dos art. 99º e ss. do CPT, nos processos emergentes de acidente de trabalho e de doença profissional, numa fase conciliatória, após a realização de perícia médica singular pelos serviços médico-legais, seguir-se-á uma tentativa de conciliação, na qual o Ministério Público promove o acordo, de harmonia com os direitos consignados na lei, tomando por base os elementos fornecidos pelo processo, designadamente, o resultado daquele exame médico e as circunstâncias que possam influir na capacidade geral de ganho do sinistrado, conforme art. 109º do CPT.
Nos termos do art. 112º, nº 1 do mesmo código, se, se frustrar a tentativa de conciliação, no respectivo auto são consignados os factos sobre os quais tenha havido acordo, referindo-se expressamente se houve ou não acordo acerca da existência e caracterização do acidente, do nexo causal entre a lesão e o acidente, da retribuição do sinistrado, da entidade responsável e da natureza e grau da incapacidade atribuída.
Por fim, estabelece a al. b) do nº 1 do art. 117º do CPT, que o início da fase contenciosa tem por base requerimento, a que se refere o nº 2 do artigo 138º, - o qual dispõe que, se na tentativa de conciliação apenas tiver havido discordância quanto à questão da incapacidade, o pedido de junta médica é deduzido em requerimento a apresentar no prazo a que se refere o nº 1 do artigo 119º -, do interessado que se não conformar com o resultado da perícia médica realizada na fase conciliatória do processo, para efeitos de fixação de incapacidade para o trabalho, devendo esse requerimento ser fundamentado ou vir acompanhado de quesitos, conforme nº 2 daquele mesmo art. 117º.
Precisamente, o caso dos autos, em que, não tendo sido possível alcançar um acordo global na fase conciliatória, - resumindo-se a discordância à questão atinente ao grau de incapacidade -, foi formulado requerimento peticionando a realização de junta médica e abriu-se a fase contenciosa do processo com vista à fixação da incapacidade para o trabalho, nos termos da decisão a proferir, aquela a que se reporta o nº 1 do art. 140º do CPT.
Assim, a decisão proferida e impugnada foi, aquela, a que se reporta o nº 1 daquele art. 140º, o qual dispõe que, o juiz para proferir decisão sobre o mérito deve servir-se da prova obtida pelos meios periciais, cujo valor é apreciado livremente (cfr. Art. 389º do CC), destinando-se a fornecer ao tribunal uma especial informação de facto tendo em conta os específicos conhecimentos técnicos ou científicos do perito que se não alcançam pelas regras gerais da experiência, como referem (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág.s 261 e ss. e Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, pág.s 322 e ss.).
Prova, esta, que deve ser apreciada pelo juiz segundo a sua experiência, a sua prudência, o seu bom senso, com inteira liberdade, sem estar adstrito a quaisquer regras, medidas ou critérios legais, o que implica que o juiz possa na decisão de facto afastar-se do que resultou da perícia, devendo para o efeito fundamentar a matéria de facto que dê como assente, nomeadamente nas situações em que tenha havido uma perícia singular e uma perícia colegial esta requerida por uma das partes, tal como sucede no caso em apreço.
Por isso, resulta da instrução 8ª das Instruções Gerais que constam da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, aprovada pelo DL nº 352/2007 de 23/10, que o resultado dos exames médicos é expresso em ficha apropriada, devendo os peritos fundamentar todas as suas conclusões. Decorrendo, assim, deste normativo que as respostas aos quesitos ou a fundamentação do laudo pericial deverá permitir com segurança ao julgador (que não é técnico em medicina) analisar e ponderar o enquadramento das lesões/sequelas na TNI e o respectivo grau de incapacidade a atribuir.
Daí que, embora a junta médica aprecie livremente os elementos médicos constantes do processo, designadamente relatórios clínicos e exames complementares de diagnóstico, a par da própria observação do sinistrado, essa livre apreciação não é, todavia, sinónimo de arbitrariedade, razão pela qual aos peritos médicos que intervêm na junta médica se impõe que indiquem os elementos em que basearam o seu juízo e que o fundamentem, de modo a que o Tribunal, o sinistrado e a entidade responsável pela reparação do acidente o possam sindicar.
Assim, se por um lado o exame por junta médica constitui, apenas, uma modalidade de prova pericial, estando sujeita às regras da livre apreciação pelo juiz (cfr. art. 389º do CC e art.s 489º e 607º, nº 5 do CPC), por outro, as perícias médicas, nas quais se incluí o exame por junta médica, não constituem decisão sob o grau de incapacidade a fixar, sendo somente, um elemento de prova que exige especiais conhecimentos na matéria, daí o laudo pericial ter de conter os factos que serviram de base à atribuição de determinada incapacidade de modo a que o tribunal possa interpretar e compreender o raciocínio lógico realizado pelos Srs. Peritos Médicos de forma a poder valorá-lo.
Porque, pese embora, o juiz não esteja adstrito às conclusões da perícia médica, certo é que, por falta de habilitação técnica para o efeito, apenas dela deverá discordar em casos devidamente fundamentados e, daí também, como já dissemos, a necessidade da cabal fundamentação do laudo pericial pois que, só assim, poderá o mesmo ser sindicado.
E, contendendo, o objecto daquele exame por junta médica com a apreciação e determinação das lesões/sequelas que o sinistrado apresenta resultantes de acidente de trabalho, bem como com à fixação da incapacidade para o trabalho decorrente das mesmas, o mesmo, não deverá ser considerado pelo Tribunal, se as respostas aos quesitos ou o relatório forem deficientes, obscuros ou contraditórios ou se as conclusões ou respostas aos quesitos não se mostrarem fundamentadas.
Regressando ao caso, resultando da factualidade apurada que a sinistrada requereu junta médica e formulou os seus quesitos, importa analisar se deve, aquela, ser alterada.
Vejamos, então.
O facto impugnado, ponto J) tem o seguinte teor:
“AA encontra-se curada, sem sequelas, não sendo portadora em consequência do acidente supra descritos de qualquer IPP”.
Defende a apelante que o referido ponto J) deve passar a ter a redacção seguinte: “Em consequência do acidente de trabalho e por causa exclusiva e directa deste, AA sofreu um agravamento da doença anterior, tendo ficado a padecer de sequelas que lhe determinaram uma IPP de 20%”.
A Mª Juíza “a quo”, assim não o considerou e na fundamentação da decisão, no que respeita a este ponto J), consignou o seguinte: «… resulta dos autos que, em sede de junta médica, concluíram os peritos, por maioria, que a sinistrada se encontra curada, sem desvalorização (parecer dos Srs. Peritos indicados pelo tribunal e pela seguradora); já o Sr. Perito indicado pela sinistrada sufragou o entendimento de que a mesma ficou a padecer de uma IPP e que a mesma deverá ascender a 20%, por reporte ao relatório por si subscrito e que consta de fls. 133 e segs..
(…).
No caso em apreço, dos autos não resultam elementos que permitam ao tribunal divergir do enquadramento feito pela maioria dos peritos, do Tribunal e da seguradora (que coincide ainda com o resultado do exame médico realizado na fase conciliatória do processo principal), no sentido de que é de admitir um agravamento temporário de patologia pré-existente, justificativo do período de incapacidade temporária sofrido pela sinistrada, findo o qual a sinistrada retomou o seu estado anterior.
Com efeito, os Srs. Peritos do Tribunal, da seguradora, do GMLF de Entre Douro e Vouga referiram sempre, com base nos registos clínicos da sinistrada anteriores ao acidente (cfr. fls. 49 a 122), que esta padecia de patologia prévia da coluna lombar, agravada temporariamente pelo acidente, dado o quadro doloroso que nessa sequência evidenciou.
Por sua vez, o Sr. Perito da sinistrada defendeu que não estaríamos perante um agravamento temporário, na medida em que a hérnia discal teria sido causada pela torção do tronco, seguida de queda, sustentando em parte o seu parecer no facto de não existir historial clínico prévio (pressuposto que não temos como demonstrado, pelo contrário, não estando em causa somente um “simples pedido de RX pelo médico de família”, mas de queixas reputadas como compatíveis com uma hérnia discal, claramente em dissonância com o relatório médico de fls. 149, que é contraditório com os registos clínicos da sinistrada), padecendo então a sinistrada de lombociatalgia direita com alterações neurológicas com presença de défices sensitivos e motores.
Tais alterações e défices não foram observados ao exame clínico efectuado, quer em sede de perícia singular na fase conciliatória do processo quer em sede de junta médica (por todos, ver fls. 127 e 219), nem confirmados na EMG que a sinistrada realizou no dia 25/01/2021 (cfr. fls. 230 a 234 e , 257 a 258 v.º), na qual se concluiu pela “ausência de sinais patológicos nos músculos, estruturas e segmentos nervosos investigados, não permitindo objectivar um sofrimento radicular lombo-sagrado ou troncular correspondente”.
Além disso, sabendo-se que a sinistrada, cerca de 3 meses após o acidente foi tratada cirurgicamente a uma hérnia discal pelo SNS, com “melhoria clara a pré-operatório. Laségue negativo, sem irradiação;” (registo de 20/02/2019 do CHEDV), natural seria que, à data da realização da junta médica, já não apresentasse alterações e défices de sensibilidade, como não veio a evidenciar, pelo menos, segundo a maioria dos Peritos, confirmada pela EMG mencionada.
Perante, porém, as divergências existentes pelos Srs. Peritos no que toca à origem/causa da hérnia discal, foi solicitado parecer ao Colégio da Especialidade de Ortopedia da Ordem dos Médicos. E, neste conspecto, julgamos que o parecer é inequívoco, quando afirma, em resposta ao quesito 2.º, que todas as queixas da sinistrada, muitas delas anteriores ao acidente e que remontam já aos anos de 2012 e 2014, eram já compatíveis com a existência de hérnia discal L5-S1, ou seja, a hérnia discal tratada cirurgicamente em 06/11/2018. Portanto, não temos evidências clínicas que sustentem a posição do Sr. Perito da sinistrada de que a hérnia discal foi causada pelo acidente.
Antes pelo contrário, a sinistrada já teria essa patologia que, no contexto do acidente que sofreu, se agravou. Agravamento esse ao nível da sintomatologia (quadro de ciatalgia) – parecer do Colégio de Ortopedia em resposta aos quesitos 1.º e 3.º, que os restantes peritos igualmente secundam, salientando a Sr. ª Perita do Tribunal que esse agravamento foi temporário, “uma vez que a sinistrada já apresentaria um quadro semelhante previamente ao evento em apreço” e, acrescentamos nós, tendo com a intervenção cirúrgica verificado melhoria do seu estado.
Portanto, não é possível concluir que a doença prévia de que a sinistrada padecia tenha sofrido um agravamento permanente com o acidente, pelo que se afasta a aplicação do artigo 11.º, n.º 2, da Lei n.º 98/2009, tanto mais que, ao exame objectivo, não evidencia sequelas susceptíveis de serem desvalorizadas.
Donde, tendo as conclusões dos Srs. Peritos resultado da observação directa da sinistrada, da análise da vasta documentação clínica junta aos autos e exames complementares de diagnóstico realizados e da discussão entre todos em sede de junta, na qual a do sinistrado pôde fazer valer os seus argumentos em contrário, não tendo o seu entendimento merecido acolhimento dos demais e não havendo elementos que permitam ao tribunal divergir da posição que formou maioria, segue-se a mesma.
Acresce que, não está ainda em momento algum devidamente sustentada a alegação de que sinistrada estaria em situação de IPATH, decorrendo do parecer do CRPG, que se encontra devidamente fundamentado, o contrário (cfr. fls. 286 a 288).
Em face do exposto, inexistindo fundamento válido para divergir do parecer maioritário, adere-se ao mesmo.».
A apelante discorda, invocando, argumentando e defendendo o seguinte: «Os presentes autos referem-se a acidente de trabalho ocorrido pelas 12:30h do dia 11 de Agosto de 2018, de que foi vítima a ora Recorrente, (…).
A fls. 17v consta o boletim de alta dos serviços clínicos da seguradora, datado de 19 de Outubro de 2018, de acordo com o qual a Sinistrada se encontra curada sem desvalorização, desde 13-09-2018.
De fls. 6 consta relatório de médico especialista em ortopedia e traumatologia, no qual se refere que a Sinistrada sofreu traumatismo por torsão do tronco, em queda no local de trabalho. Que a mesma se queixou de imediato de dor lombar que progressivamente se foi agravando em intensidade e com irradiação para o membro inferior direito, tendo recorrido ao serviço de urgência do Hospital S. Sebastião por lombociatalgia intensa, onde foi realizada TAC que evidenciou volumosa hérnia discal L5-S1 direita, extrusa. Concluindo ser lícito aceitar haver nexo de causalidade entre o sinistro e a lesão. (o negrito é nosso)
Dos documentos juntos pelo Seguradora consta, a fls. 18v, relatório de ressonância magnética da coluna lombar (B... – Centro de Diagnóstico), aí se referindo, além do mais, “Volumosa extrusão discal posterior lateralizada à direita onde apresenta migração caudal da unidade L5-S1. Conflitos com as emergências radiculares S1, … marcadamente à direita.” (o negrito é nosso)
No relatório preliminar da perícia de avaliação do dano corporal em direito do trabalho de fls. 46 e ss. vem referido que a Sinistrada apresentou as seguintes queixas:
- dificuldade em permanecer de pé durante mais de 4/5h e realizar movimentos repetidos de flexão e extensão do tronco/coluna;
- fenómenos dolorosos, com episódios de lombalgia despoletados pelos esforços (quando pega em pesos);
- nos actos da vida diária, referiu dificuldade em pegar em pesos e aspirar a casa;
- na vida profissional, dificuldade em trabalhar em pé durante longos períodos, pegar em panelas pesadas, em baldes com água e em cortar peças de carne mais pesadas.
Da documentação junta pelo CHEDV, de fls. 50 e ss., resulta que a Sinistrada recorreu aos serviços desta entidade hospitalar em 18-08-2018, 19-08-2018 e 22-08-2018, tendo nesta última data realizado tomografia axial computorizada lombar e sagrada que detectou a presença “a nível de L1-S5: hérnia discal subarticular direita que obliterao recesso lateral deste lado onde comprime a emergência dural da raiz S1.” (o negrito é nosso)
A fls. 66 consta documentação da Seguradora, na qual é possível verificar que a Sinistrada foi observada pelos Serviços desta na Casa de Saúde ... em 29-08-2018, tendo realizado “RX: sem sinais aparentes de fratura ou outra lesão”, queixando-se de dor a nível lombar e anca direita com irradiação para o membro inferior direito.
E a fls. 67, já depois da Sinistrada ter realizado Ressonância Magnética que evidenciou hérnia discal a nível de L1-S5 direita, extrusa, o médico da Seguradora refere o seguinte: HD volumosa centro lateral direita, recebo ordens da C;S [companhia de seguros] para enviar para o SNS por pré existente”. (o negrito e sublinhado são nossos)
De acordo com os registos diários do Centro de Saúde, de fls. 71 e ss, a Sinistrada recorreu àquela entidade de saúde em 19-03-2012 e 19-09-2014, em consulta aberta, por síndrome da coluna com irradiação da dor.
No relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito do trabalho, de fls. 124 e ss., reportam-se as queixas apresentadas pela Sinistrada aquando do relatório preliminar de fls. 46 e ss., tendo ali se concluído que a mesma se encontra curada sem desvalorização de eventual acidente que tenha sofrido.
Na fase conciliatória não houve acordo unicamente porque a Sinistrada não concordou com as conclusões vertidas no relatório pericial de fls. 124 e ss. elaborado pela Sra. Perita do Gabinete Médico-Legal e Forense de Entre Douro e Vouga, concretamente quanto ao facto ali vertido de se encontrar curada sem desvalorização.
(…).
Em 22-09-2020 foi realizada novo exame por junta médica, ali constando no respectivo auto, além do mais, o seguinte:
O perito da sinistrada realizou perante o perito da seguradora e do tribunal o exame objetivo, que revelou e comprovou a existência de alterações sensitivas e motoras de acordo com o nível da lesão/hérnia (...)
Pelo perito da seguradora e do tribunal é dito (...) À data desta junta médica, a sinistrada apresenta Lasegue e Bragard negativos e o estudo da sensibilidade terá de ser feito em condições apropriadas para o efeito, que neste momento não é possível efetuar. Mais afirmam que, as alterações que a sinistrada afirma apresentar (em termos de dor e alteração da sensibilidade) não resultam do acidente em causa, pelo que se considera curada sem desvalorização.”
(…)
Em 08-02-2021, foi junto aos autos o relatório do exame EMG realizado à Sinistrada, no qual se conclui pela “Ausência de sinais patológicos músculos, estruturas e segmentos nervosos investigados, não permitindo objectivar um sofrimento radicular lombo-sagrado ou troncular correspondente.”
Em 24-06-2021, foi junto aos autos o relatório da ressonância magnética da coluna lombar efectuado à Sinistrada, no qual se conclui, além do mais, por:
Em L3-L4 observa-se procidência circunferencial do disco que aflora o espaço epidural anterior, tocando o saco dural, assim como a base dos buracos de conjugação, sem compromisso radicular.
Em L4-L5 identifica-se complexo disco-osteofitário na base dos buracos de conjugação, sem compromisso das raízes emergentes.
Sinais de fenestração osteoligamentar direita em L5-S1, definindo-se tecido captante, de natureza fibrocicatricial provável, no espaço epidural deste lado, rodeando a raiz S1 após a sua emergência tecal, raiz que revelam alguma retração posterior discreta. Neste nível define-se pseudoprotrusão posterior do disco de predomínio posterolateral direito, onde esboça migração caudal, que ocupa o espaço epidural anterior, tocando o saco dural, e aflora a base dos buracos de conjugação, mas sem evidência de compromisso radicular na posição em que o exame foi realizado.”
Em 01-02-2022 foi realizado novo exame por junta médica à Sinistrada, no qual, em resposta aos quesitos formulados pela mesma, os peritos da seguradora e do tribunal responderam ao 1º quesito, considerando que não verificaram “qualquer alteração sensitiva e motora, conclusão que é confirmada pela EMG realizada pela Dr. DD no dia 25-01-2021.” Mantendo os esclarecimentos já prestados anteriormente e admitindo apenas o agravamento temporário da sintomatologia (lombalgia).
Por seu turno, o perito da Sinistrada, médico especialista em ortopedia, reiterou que a mesma mantém um quadro de lombociatalgia direita persistente. Acrescentando que a primeira EMG realizada pela Sinistrada apresentava lesões crónicas e que a mais recente (realizada pela Dra. DD) encontrava-se normal. “Tal situação não é normal, pois tem de se fazer uma pesquisa orientada para os ramos nervosos em causa”.
E que “Entende também por que motivo foi valorizada uma EMG determinante para o estabelecimento da ausência de lesões e não a RMN, exame imprescindível e esclarecedor, que revela uma hérnia discal extrusada com indicação cirúrgica.” (o negrito é nosso)
Mantendo que a Sinistrada “revela défices sensitivos com Laségne positivo e, como tal, com todos os critérios de radiculopatia.”
Em 06-05-2022 deu entrada nos autos o inquérito profissional e estudo do posto de trabalho da Sinistrada, realizado por entidade independente e de prestígio, o qual concluiu que a aquela “se encontra com incapacidade permanente parcial para o trabalho.” (o negrito é nosso)
Posteriormente, em 22-03-2023, foi emitido parecer pelo Colégio da Especialidade de Ortopedia da Ordem dos Médicos, o qual respondeu do seguinte modo às questões formuladas:
1º “Embora não haja descrição detalhada do sinistro ocorrido a 11/8/2018, é extremamente improvável que um mecanismo de baixa energia (tal como um movimento de rotação do tronco), provoque o aparecimento de hérnia discal (seja foraminal, extraforaminal ou extrusada) em coluna previamente saudável. No entanto é possível que traumatismo de baixa energia, mesmo por mecanismo indireto provoque agravamento de patologia pré-existente, com surgimento de compressão de raiz nervosa (com quadro de ciatalgia) previamente inexistente.”
2º “Todas estas queixas são compatíveis com existência de hérnia discal L5-S1.”
3º “A única forma inequívoca de haver uma conclusão num ou noutro sentido seria através da existência de estudo imagiológico prévio (TAC ou RMN), em que fosse possível determinar a existência ou ausência da referida hérnia, e sua localização, no entanto, tal como já referido é improvável que um mecanismo de baixa energia provoque o surgimento de hérnia discal em coluna previamente saudável, sendo mais provável que tenha havido um agravamento da sintomatologia por patologia prévia da coluna vertebral.” (o negrito e sublinhado são nossos)
Notificados os Srs. Peritos para, querendo, reponderarem a sua posição, vieram ambos manter na íntegra tudo quanto haviam afirmado anteriormente.
Tendo o Perito da Sinistrada declarado, além do mais, que “De acordo com o parecer emitido pelo Colégio da Especialidade, da Ordem dos Médicos, o mesmo considera que, o mecanismo indirecto provocou agravamento de patologia pré-existente, com surgimento de hérnia discal, com compressão da raiz, que motivou o tratamento cirúrgico. Mantenho ipsis verbis o meu fundamento, e, concordância com o parecer do Colégio da Especialidade”, cfr. comunicação electrónica de 10-05-2023 (o negrito é nosso).».
Prossegue com a alegação e constatação de que: «Em 05-07-2023 foi proferida sentença, que concluiu que, além do mais, a Sinistrada se encontra curada e sem desvalorização, não fixando assim qualquer IPP pelo acidente em causa.
Com efeito, a sentença recorrida deu como provado que a Sinistrada se encontra curada, sem sequelas, não sendo portadora em consequência do acidente de qualquer IPP.
Tendo, além do mais, fundamentado a decisão do seguinte modo:
No caso em apreço, dos autos não resultam elementos que permitam ao tribunal divergir do enquadramento feito pela maioria dos peritos, do Tribunal e da seguradora (que coincide ainda com o resultado do exame médico realizado na fase conciliatória do processo principal), no sentido de que é admitir um agravamento temporário de patologia pré-existente, justificativo do período de incapacidade temporária sofrido pela sinistrada, findo o qual a sinistrada retomou o seu estado anterior (...)
Além disso, sabendo-se que a sinistrada, cerca de 3 meses após o acidente foi tratada cirurgicamente a uma hérnia discal pelo SNS, com “melhoria clara a pré-operatório. Laségne negativo sem irradiação,” (registo de 20/09/2019 do CHEDV), natural seria que, à data da realização da junta médica, já não apresentasse alterações e défices de sensibilidade, como não veio a evidenciar, pelo menos, segundo a maioria dos Peritos, confirmada pela EMG mencionada.
Perante, porém, as divergências existentes pelos Srs. Peritos no que toca à origem/causa da hérnia discal, foi solicitado parecer ao Colégio da Especialidade de Ortopedia da Ordem dos Médicos. E, neste conspecto, julgamos que o parecer é inequívoco, quando afirma, em resposta ao quesito 2.º, que todas as queixas da sinistrada, muitas delas anteriores ao acidente e que remontam já aos anos de 2012 e 2014, eram já compatíveis com a existência de hérnia discal L5-S1, ou seja, a hérnia discal tratada cirurgicamente em 06/11/2018. Portanto, não temos evidências clínicas que sustentem a posição do Sr. Perito da sinistrada de que a hérnia discal foi causada pelo acidente.
Antes pelo contrário, a sinistrada já teria essa patologia que, no contexto do acidente que sofreu, se agravou. Agravamento esse ao nível da sintomatologia (quadro de ciatalgia) – parecer do Colégio de Ortopedia em resposta aos quesitos 1.º e 3.º, que os restantes peritos igualmente secundam, salientando a Sr,ª Perita do Tribunal que esse agravamento foi temporário, “uma vez que a sinistrada já apresentaria um quadro semelhante previamente ao evento em apreço” e, acrescentamos nós, tendo com a intervenção cirúrgica verificado melhoria do seu estado.
Portanto, não é possível concluir que a doença prévia de que a sinistrada padecia tenha sofrido um agravamento permanente com o acidente, pelo que se afasta a aplicação do artigo 11.º, n.º 2, da Lei n.º 98/2009, tanto mais que, ao exame objectivo, não evidencia sequelas susceptíveis de serem desvalorizadas.
Posto tal,
Do ponto J) dos factos provados, consta o seguinte:
AA encontra-se curada, sem sequelas, não sendo portadora em consequência do acidente supra descritos de qualquer IPP”.».
E, continua com a seguinte argumentação: «Sucede que, com o devido respeito, a extensa prova documental e pericial existente nos autos, em especial o parecer do Colégio da Especialidade de Ortopedia da Ordem dos Médicos, o relatório da RMN de 15-06-2021 e o inquérito profissional e estudo do posto de trabalho, impunha que o tribunal a quo desse como provado que a Sinistrada, ora Recorrente, ficou a padecer de sequelas em consequência do acidente, fixando a correspondente IPP.
Com efeito, decorre dos autos que a Sinistrada, pelo menos na perícia singular realizada (fls. 46 e ss. e 124 e ss.), informou o Perito que padecia de dificuldade em permanecer de pé durante mais de 4/5h, realizar movimentos repetidos de flexão e extensão do tronco/coluna; que tinha fenómenos dolorosos, com episódios de lombalgia despoletados pelos esforços (quando pega em pesos).
E deu a conhecer ao Sr. Perito, também, que, nos actos da vida diária, tinha dificuldade em pegar em pesos e aspirar a casa; e na vida profissional, dificuldade em trabalhar em pé durante longos períodos, pegar em panelas pesadas, em baldes com água e em cortar peças de carne mais pesadas.
Por outro lado, no inquérito profissional e estudo do posto de trabalho da Sinistrada, capítulo 3. Avaliação, refere-se o seguinte:
Apresenta as seguintes alterações funcionais:
 Funções sensoriais e dor – Mantém dor lombar relacionada com esforços (movimentar cargas e realizar movimentos repetitivos, ou até quando se mantém em bipedestação prolongada). Refere também dor em repouso que alivia um pouco com medicação, esta dor é intensa, referida à região lombar e com irradiação pelo membro inferior direito ao pé.
Acresce que, da RMN realizada pela Sinistrada em 15-06-2021 resulta que existem “Sinais de fenestração osteoligamentar direita em L5-S1, definindo-se tecido captante, de natureza fibrocicatricial provável, no espaço epidural deste lado, rodeando a raiz S1 após a sua emergência tecal, raiz que revelam alguma retração posterior discreta.” (o negrito é nosso)
Ou seja, existe uma cicatriz a rodear a raiz de S1 que provoca alguma tensão nessa mesma raiz e consequente sofrimento radicular.
O que é compatível com as queixas apresentadas pela Sinistrada na perícia singular e no inquérito profissional e estudo do posto de trabalho, de que apesar de ter sentido uma melhoria no seu estado de saúde após a intervenção cirúrgica de que foi alvo, o certo é que permanece com dores quando pega em pesos ou realiza movimento repetitivos, chegando a ter irradiação para o membro inferior direito.
O que não sucedia anteriormente.
Acresce que, o supra citado inquérito profissional e estudo do posto de trabalho de 29-04-2022, salienta que “O maior impacto do acidente no desempenho profissional da examinanda encontra-se, como anteriormente referido, ao nível da dor persistente e recorrente na região lombar, e sua irradiação, condicionando o desempenho por parte da examinanda de funções profissionais (...) Pelo exposto, somos de parecer que a examinanda se encontra com incapacidade permanente parcial para o trabalho.” (o negrito é nosso)
Por outro lado, foi solicitado parecer ao Colégio da Especialidade de Ortopedia da Ordem dos Médicos, cujos membros, atendendo ao seu elevado grau de preparação na área da ortopedia – que é a que está aqui em causa – podiam dar um contributo decisivo para o esclarecimento das questões formuladas.
Ora, no parecer emitido pelo Colégio da Especialidade de Ortopedia da Ordem dos Médicos, em resposta à questão 3ª, refere-se, além do mais, que é “mais provável que tenha havido um agravamento da sintomatologia por patologia prévia da coluna vertebral.”
Em lado algum do citado parecer consta que o agravamento é temporário.
Tal conclusão é extraída daquele documento única e simplesmente pela Sra. Perita do Tribunal, a qual diga-se em abono da verdade, não é médica especialista de ortopedia.
Ora, a Especialidade é um título que reconhece uma diferenciação a que corresponde um conjunto de saberes específicos, obtida após a frequência com aproveitamento de uma formação pós-graduada e que é concedido, de acordo com o art.º 92º do Estatuto da Ordem dos Médicos.
Não se podendo negar o valor, nomeadamente técnico científico do parecer supra referenciado atenta a especificidade da matéria em discussão.
Sendo que “I – Existindo perícias médico-legais com resultados contraditórios, nada obsta a que o tribunal adira àquela que dê maiores garantias científicas.”, cfr. Ac. do TRC, de 25-01-2023, proc. n.º 1276/18.2T9CVL.C1, disponível em www.dgsi.pt.
E tendo em conta as respostas fornecidas por aquela entidade, crê-se, com o devido respeito, que oferece maiores garantias científicas ao julgador o parecer emitido pelo Colégio da Especialidade de Ortopedia da Ordem dos Médicos do que o juízo emitido pelo médico nomeado pelo tribunal que não possui tal especialidade médica.
Tanto mais que o médico subscritor do mencionado parecer certamente não desconheceria a importância de declarar se o agravamento era ou não temporário. Pelo que não tendo feito constar do aludido parecer o adjectivo “temporário”, tal só pode significar que considera como possível um agravamento permanente da doença em consequência do infortunístico laboral.
Acresce que, refere-se na sentença recorrida que “Sendo que, quando haja disparidade entre os peritos do Tribunal e os outros, deve merecer preferência do julgador o laudo dos primeiros, pela maior garantia de imparcialidade que oferecem, aliada à competência técnica de presumir...
Sucede que, como supra mencionado, e salvo o devido respeito que é muito, a Sra. Perita nomeada pelo tribunal não oferece uma maior competência técnica, tendo em conta o supra alegado quanto à não titularidade por parte da mesma da especialidade médica de ortopedia, não se colocando em causa a sua imparcialidade.
Encontrando-se assim afastada a presunção a que alude a decisão recorrida.
Ademais, do historial clínico da Sinistrada, posterior ao acidente de trabalho, consta que a mesma, após este, apresentou uma hérnia discal L5-S1 direita, extrusa, patologia confirmada por uma TAC, cfr. fls. 54 e 55, e por Ressonância Magnética realizada no B... – Centro de Diagnóstico, por ordem da Seguradora, cfr. fls. 18v.
Do historial clínico constante dos autos, anterior ao acidente de trabalho, não consta a existência de lombociatalgia ou períodos de baixa por esse motivo.
A menção a síndrome da coluna com irradiação de dores, é uma referência genérica constante da Classificação Internacional de Cuidados de Saúde Primários (ICPC-2), e que pode ter uma miríade de causas, não possuindo os autos registos clínicos que revelem qualquer patologia discal (hérnia discal) em data anterior ao acidente.
Tão-pouco a Sinistrada revelou até então quaisquer sintomas ou queixas que tenham levado à prescrição de qualquer TAC ou RMN para diagnóstico de tal patologia em data anterior ao acidente de trabalho.
É da literatura que uma hérnia discal volumosa, como a que apresentava a Sinistrada, a existir em data anterior ao acidente de trabalho, a teria obrigado inevitavelmente a recorrer anteriormente a cuidados médicos ou hospitalares, face ao elevadíssimo grau de dor incapacitante de tal patologia, o que os autos não revelam ter ocorrido.
A hérnia discal lombar surge como consequência de alterações da matriz celular e extracelular do disco intervertebral com o progressivo enfraquecimento do anulo fibroso que o torna susceptível ao aparecimento de fissuras e roturas, podendo ter como causa factores genéticos, factores desencadeantes (v.g. elevação de pesos, movimentos de torsão e inclinação frequentes, sedentarismo ou obesidade) e eventos traumáticos.
No exame objectivo realizado pela Sinistrada na junta médica de 22-09-2020, refere-se que “O perito da sinistrada realizou perante o perito da seguradora e do tribunal o exame objetivo, que revelou e comprovou a existência de alterações sensitivas e motoras de acordo com o nível da lesão/hérnia discal.” (o negrito é nosso)
Não obstante o supra exposto, o certo é que a decisão recorrida sustenta que tal agravamento é temporário, declarando inclusive que com a intervenção cirúrgica a Sinistrada verificou uma melhoria do seu estado.
Sendo certo que a melhoria do estado de saúde da Sinistrada nada tem a ver com a cura sem qualquer desvalorização.
Ora, com o devido respeito, que é muito, o Tribunal realizou uma errada apreciação do acervo probatório ao seu dispor.
Ignorando as queixas da Recorrente após o acidente sofrido, mencionadas no relatório do exame de perícia singular e no inquérito profissional e estudo do posto de trabalho ao longo de todo o processo, as quais, como supra mencionado, se mantiveram sempre que pegava em pesos ou realizava movimentos repetitivos.
Efectuando uma errada apreciação do parecer do Colégio da Especialidade da Ordem dos Médicos, no que ao agravamento de patologia pré-existente da Sinistrada diz respeito.
Devendo ter concluído que tal parecer admite uma maior probabilidade de agravamento da patologia pré-existente da Recorrente, e por via disso, concluir pela existência de um quadro sequelar, fixando a competente IPP.
Conclusão que encontra também respaldo na RMN, de 15-06-2021, como salienta o Perito da Sinistrada no auto de exame por junta médica de 01-02-2022, e que foi absolutamente descurada pela decisão recorrida, em detrimento da EMG, de 25-01-2021.
EMG essa que, enquanto exame auxiliar de diagnóstico, apresenta limitações que não apresenta a RMN, sendo da literatura médica que a EMG pode apresentar resultados normais e existir um sofrimento por comprometimento da raiz nervosa, ou ainda ocorrerem alterações/ocorrências sensitivas que não tenham objectivação pelas técnicas de EMG clássico, além dos limites inerentes a particularidades anatómicas de músculos ou nervos, às características físicas ou fisiológicas do examinando.
Pelo que a prova documental/pericial existente nos autos supra citada, assim como a constante da participação de acidente de trabalho de 26-09-2018; da informação clínica de fls. 6;, do relatório de Ressonância Magnética - B..., de 04-09-2018, de fls. 18v; do relatório Preliminar da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em direito do trabalho de fls. 46 e ss.; do relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em direito do trabalho de fls. 124 e ss.; dos registos Clínicos e Hospitalares de fls. 50 e ss.; do doc. de fls. 66 e 67; dos docs. de fls. 99 e 106; do doc. de fls. 138 e ss.; do relatório do Dr. BB de fls. 135 e ss.; do teor de fls. 146v; do auto de Exame por Junta Médica de 28-01-2020; do auto de Exame por Junta Médica de 22-09-2020; e do auto de Exame por Junta Médica de 01-02-2022, impunha uma decisão diversa da recorrida.
Devendo o aludido ponto J) dos factos provados passar a ter a seguinte redacção “Em consequência do acidente de trabalho e por causa exclusiva e directa deste, AA sofreu um agravamento da doença anterior, tendo ficado a padecer de sequelas que lhe determinaram uma IPP de 20%”
Que dizer?
Face ao que antecede, desde logo, o que se verifica é que a apelante procede e pretende que se proceda à interpretação e valoração de determinados elementos clínicos, juntos aos autos, nomeadamente, o parecer do Colégio da Especialidade de Ortopedia da Ordem dos Médicos, de modo diverso daquele que foi feito no laudo de junta médica maioritário, acolhido pela Mª Juíza “a quo” e determinante para a resposta dada ao ponto J), agora, impugnado, em detrimento da posição sustentada pelo perito médico da sinistrada.
Mas, terá a apelante razão?
E, analisada toda a prova documental e pericial junta e a própria fundamentação da decisão recorrida, quando refere, “a sinistrada já teria essa patologia que, no contexto do acidente que sofreu, se agravou”, parece-nos que sim, no aspecto em que respondeu daquele modo ao referido ponto J).
Explicando.
O Tribunal “a quo”, como decorre da fundamentação da decisão quanto ao facto J), convenceu-se, através da apreciação crítica da prova, que o laudo pericial, maioritário, da junta médica merece credibilidade, tendo em conta os esclarecimentos prestados pelos peritos médicos, subscritores daquele, após a junção aos autos do solicitado parecer ao Colégio da Especialidade de Ortopedia da Ordem dos Médicos. Firme na convicção, no que toca à origem/causa da hérnia discal, dizendo que, “o parecer é inequívoco, quando afirma, em resposta ao quesito 2.º, que todas as queixas da sinistrada, muitas delas anteriores ao acidente e que remontam já aos anos de 2012 e 2014, eram já compatíveis com a existência de hérnia discal L5-S1, ou seja, a hérnia discal tratada cirurgicamente em 06/11/2018. Portanto, não temos evidências clínicas que sustentem a posição do Sr. Perito da sinistrada de que a hérnia discal foi causada pelo acidente.
Antes pelo contrário, a sinistrada já teria essa patologia que, no contexto do acidente que sofreu, se agravou.”.
Ora, sempre com o devido respeito, face a esta conclusão e ao disposto no art. 11º, nº 1 da LAT, cremos que a interpretação que é efectuada nos laudos, num (o maioritário – tratando o agravamento como “temporário”) e noutro (o minoritário – considerando-o permanente), é totalmente irrelevante e a conclusão de que, “não é possível concluir que a doença prévia de que a sinistrada padecia tenha sofrido um agravamento permanente com o acidente, pelo que se afasta a aplicação do artigo 11.º, n.º 2, da Lei n.º 98/2009, tanto mais que, ao exame objectivo, não evidencia sequelas susceptíveis de serem desvalorizadas”, sem fundamento, atentos os factos apurados nos autos. Desde logo, até ao momento, não se apuraram as lesões sofridas pela sinistrada em consequência do evento em análise.
Mas, prossigamos.
É nossa convicção, que não é possível excluir o nexo causal entre o mecanismo da lesão (torsão da coluna seguido de queda) e as lesões (hérnia discal L5-S1 direita, extrusa) dado não haver qualquer registo prévio ao Acidente de Trabalho de realização de exames complementares que permitam diagnosticar hérnia discal (TC ou RMN), pois, como é sabido RX não diagnostica ou exclui a presença de hérnia discal, tal como corroborado por o referido parecer do Colégio de Especialidade de Ortopedia: “3º “A única forma inequívoca de haver uma conclusão num ou noutro sentido seria através da existência de estudo imagiológico prévio (TAC ou RMN), em que fosse possível determinar a existência ou ausência da referida hérnia, e sua localização, no entanto, tal como já referido é improvável que um mecanismo de baixa energia provoque o surgimento de hérnia discal em coluna previamente saudável, sendo mais provável que tenha havido um agravamento da sintomatologia por patologia prévia da coluna vertebral.”
Perante esta conclusão e no entendimento de se poder assumir a presença de queixas ao nível da coluna e eventual patologia prévia, pelos registos do Centro de Saúde e o diagnóstico definido pelo médico de família (2012 e 2014), não obstante a mesma causar apenas sintomas ocasionais e não incapacitantes para o trabalho, isto devido a (ausência de registos de baixas por este motivo, apesar de profissão exigente a nível físico), a qualificação do agravamento “como temporário” é irrelevante para efeitos de avaliação do caso.
“Temporário” foi o período de incapacidade absoluta para o trabalho, sofrido pela sinistrada em consequência do acidente em análise. Quanto ao, eventual, agravamento sofrido não dispõem os autos de elementos que permitam qualificá-lo.
Pois, dos elementos documentais e periciais juntos aos autos, verifica-se que, só após o alegado evento a sinistrada passou a apresentar queixas persistentes de lombociatalgia direita, incapacitantes para o trabalho (como são, referidas em perícia preliminar de avaliação do dano corporal, do qual se destaca dificuldade em permanecer de pé durante mais do que 4/5h e realizar movimentos repetidos de flexão e extensão do tronco, queixas de lombalgia agravadas por esforços tais como mobilizar panelas pesadas), comprovada pelas repetidas idas da sinistrada ao serviço de urgência na sequência do alegado evento, tendo inclusive sido submetida a tratamento cirúrgico (classificado como urgente quando foi inscrita para cirurgia) pelo diagnóstico de Hérnia Discal L5-S1 (operada em 06/11/2018). Assim sendo, como bem se defende no laudo minoritário, parece-nos evidente existir nexo de causalidade entre o evento e a lesão resultante (hérnia discal extrusa), com queixas álgicas e défices neurológicos associados. Este é corroborado pelo parecer do Colégio de Especialidade de Ortopedia, quando refere que: 1º “Embora não haja descrição detalhada do sinistro ocorrido a 11/8/2018, é extremamente improvável que um mecanismo de baixa energia (tal como um movimento de rotação do tronco), provoque o aparecimento de hérnia discal (seja foraminal, extraforaminal ou extrusada) em coluna previamente saudável. No entanto é possível que traumatismo de baixa energia, mesmo por mecanismo indireto provoque agravamento de patologia pré-existente, com surgimento de compressão de raiz nervosa (com quadro de ciatalgia) previamente inexistente.”
E, embora em 10/12/2018, em consulta de acompanhamento pós-operatório por Ortopedia, haja referencia a melhoria das queixas álgicas lombares por parte da sinistrada, nunca é referido que a sintomatologia regrediu totalmente, face ao seu estado clínico previamente ao evento em apreço.
Igualmente, no parecer do Colégio de Especialidade de Ortopedia, em momento algum se afirma que o agravamento da sintomatologia da sinistrada é temporário, apesar de ter sido considerado e usado como “prova” pelos peritos do laudo maioritário, como referindo tratar-se de uma situação temporária. Como se lê: 3º “A única forma inequívoca de haver uma conclusão num ou noutro sentido seria através da existência de estudo imagiológico prévio (TAC ou RMN), em que fosse possível determinar a existência ou ausência da referida hérnia, e sua localização, no entanto, tal como já referido é improvável que um mecanismo de baixa energia provoque o surgimento de hérnia discal em coluna previamente saudável, sendo mais provável que tenha havido um agravamento da sintomatologia por patologia prévia da coluna vertebral.”.
Não como o afirma a Sra Perita do Tribunal e subscrito na decisão recorrida, «que esse agravamento foi temporário, “uma vez que a sinistrada já apresentaria um quadro semelhante previamente ao evento em apreço” e, acrescentamos nós, tendo com a intervenção cirúrgica verificado melhoria do seu estado.
Situação, sem dúvida, prevista no art. 11º, nº 2, da LAT (Lei nº 98/2009).
Pois, a nós, face à realidade de ter sido submetida a intervenção cirúrgica, urgente, e após a ocorrência de um evento traumático, só uma convicção é possível firmar, no sentido de que qualquer pessoa submetida a cirurgia sofre alteração do seu estado prévio, pelo que, sempre com o devido respeito, não é possível concordar-se com a decisão recorrida, nem no aspecto em que considera que o agravamento causado pelo acidente foi temporário, nem ao considerar a sinistrada curada, apesar de a cirurgia ter permitido a melhoria da situação clínica de forma considerável.
Donde, ao contrário do que se afirma na decisão recorrida, ser nossa convicção, face aos elementos documentais e periciais, desde já, existentes nos autos, de que não é possível excluir, sem mais, que a doença prévia de que a sinistrada padecia sofreu um agravamento permanente com o acidente, em causa, sendo de aplicar, ao caso, aquele art. 11º, nº 2 da LAT.
Assim, apesar de considerarmos que a situação clínica da sinistrada se encontra no momento consolidada. Face ao teor daquele referido parecer, ao concluir que ocorreu agravamento da patologia pré-existente da coluna vertebral daquela e, por via disso, não se podendo excluir que subsista incapacidade permanente, cremos que, os autos não continham provas que permitissem à Mª Juíza “a quo” responder ao ponto J) do modo que o fez. Mais, aceitando a mesma que, “a sinistrada já teria essa patologia que, no contexto do acidente que sofreu, se agravou”.
No entanto, também, não se concorda que disponham, desde já, os autos todos os elementos periciais, necessários a responder-se àquele ponto, nos termos propostos pela recorrente. Desde logo, discorda-se da avaliação da IPP, efectuada pelo perito que a representa, com base na EMG de 25.01.2021, a qual revela ausência de sinais de compromisso ou sofrimento radicular lombo-sagrado ou troncular correspondente.
Tal discordância tem por fundamento todos os elementos constantes dos autos, em especial, o descrito em observação pós-operatória da sinistrada, suas queixas e exame objetivo em perícia singular realizada, em 18.01.2019, que evidenciam que o evento culminou em sequelas, considerando os seus subjectivos dolorosos e limitações na realização de determinadas tarefas laborais, o bastante para que se considere que o ponto J) da matéria assente, não pode manter-se, mas, já não o suficiente para que se decida quanto à identificação das sequelas que a sinistrada apresenta e grau de IPP a atribuir, nos termos da TNI, como a mesma defende.

Assim, constatando-se que, com base nos elementos que constam do processo, não era possível ao Tribunal “a quo”, sem outras provas, responder do modo que o fez ao ponto J), da matéria assente, elimina-se aquele.
E, não sendo possível a esta Relação proceder à apreciação daquela matéria, de modo a decidir o pedido da A., relativamente à fixação de uma, eventual, pensão decorrente de apresentar ou não alguma incapacidade permanente por, desde logo, ser a decisão de facto, totalmente, omissa quanto às lesões sofridas pela sinistrada, em consequência do acidente sofrido, em 11.08.2018, pois está em causa a produção de nova prova pericial, de livre apreciação pelo tribunal de 1ª instância, art. 389º, do Código Civil, importa que, através, de junta médica da especialidade de ortopedia, na sequência do parecer emitido pelo colégio da mesma especialidade (considerando-se a situação equiparável ao previsto no nº 2 do art. 139º do CPT: junta médica de especialidade quando antes houve pareceres especializados, e no caso foi consultado o Colégio de Especialidade de Ortopedia da Ordem dos Médicos), os senhores peritos médicos, (de modo a permitir ao julgador (que não é técnico de medicina) que, analise e pondere o enquadramento das lesões/sequelas na TNI e o respectivo grau de incapacidade a atribuir), na sequência do agravamento por aquele identificado, respondam ao seguinte:
1º - Quais as lesões sofridas pela sinistrada em consequência do evento referido no ponto C) dos factos assentes?
2º - Em consequência do acidente de trabalho e por causa exclusiva e directa deste, a sinistrada sofreu um agravamento de doença anterior, tendo ficado a padecer de sequelas?
3º - Se sim, quais, qual a sua integração na TNI e qual o coeficiente de incapacidade a atribuir à sinistrada?
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Aqui chegados, face ao exposto, importa que, nos termos do artigo 662º, nº 2, al.s b) e c), do CPC, se determine, quanto ao segmento sintetizado na al. A) do seu dispositivo, a anulação da sentença recorrida com vista à ampliação da matéria de facto, em concreto, ao apuramento das questões acima mencionadas, devendo ser designada e realizada, para o efeito junta médica da especialidade de ortopedia.
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Procede, assim, parcialmente a apelação.
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III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção em julgar o recurso, parcialmente, procedente e em anular a decisão recorrida, quanto à al. A) do seu dispositivo, nos termos do art. 662º, nº 2, al.s b) e c), do CPC, devendo o Tribunal “a quo” diligenciar pela realização de Junta Médica da especialidade de ortopedia, na qual devem os Peritos Médicos, atento o agravamento de patologia anterior referido nos autos, dar respostas fundamentadas, em conformidade com o acima referido, às questões acima colocadas, com vista ao correcto apuramento do, possível, grau de IPP de que sofre a sinistrada e a seguir proferir-se nova decisão.
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No mais, mantém-se o dispositivo daquela.
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Custas pela parte vencida a final.
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Porto, 13 de Novembro de 2023
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O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos,

Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão