I - A resolução do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, sem necessidade de aviso prévio com invocação de justa causa, a que alude o art.º 394.º do CT/2009, pode ser fundada num comportamento ilícito do empregador ou resultante de circunstâncias objetivas, relacionadas com o trabalhador ou com a prática de atos lícitos pelo empregador – dizendo-se no primeiro caso que estamos perante resolução fundada em justa causa subjetiva e, no segundo, por sua vez, fundada em justa causa objetiva.
II - A dimensão normativa da cláusula geral de rescisão exige mais do que a mera verificação material de um qualquer dos comportamentos do empregador elencados, sendo ainda necessário que desse comportamento culposo resultem efeitos de tal modo graves, em si e nas suas consequências, que seja inexigível ao trabalhador – no contexto da empresa e considerados o grau de lesão dos seus interesses, o caráter das relações entre as partes e as demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes – a continuação da prestação da sua atividade.
III - A indemnização devida pelo trabalhador pela resolução do contrato que operou sem que prove a justa causa e sem o cumprimento do aviso prévio, tendo subjacente a proteção dos interesses da empregadora – com vista, nomeadamente, a que esta possa providenciar, em tempo útil, pela substituição do trabalhador sem prejudicar a atividade da empresa –, opera automaticamente, desde que requerida por aquela, pelo simples facto de o trabalhador ter feito cessar a sua relação laboral sem cumprir - ou cumprindo apenas parcialmente - o prazo de aviso prévio, independentemente de a entidade empregadora ter com isso sofrido ou não quaisquer efetivos danos.
b) Reconhece-se a licitude da cessação do contrato de trabalho operada pela A., mediante resolução com justa causa;
c) Condena-se a R. a pagar à A.:
1) A quantia ilíquida de €711,20 (setecentos e onze euros e vinte cêntimos) a título de retribuição e subsídio de alimentação referente ao mês de Novembro de 2021;
2) A quantia ilíquida de €230,25 (duzentos e trinta euros e vinte e cinco cêntimos) a título de retribuição e subsídio de alimentação referente ao mês de Dezembro de 2021;
3) A quantia ilíquida de €1.940,34 (mil novecentos e quarenta euros e trinta e quatro cêntimos) relativamente a proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de natal por trabalho prestado em 2021, acrescida de juros à taxa legal anual de 4% desde a citação até integral pagamento;
4) A quantia ilíquida de €362,73 (trezentos e sessenta e dois euros e setenta e três cêntimos) relativamente a férias vencidas em 01/01/2021 e não gozadas, acrescida de juros à taxa legal anual de 4% desde a citação até integral pagamento;
5) Indemnização por antiguidade, nos termos do artigo 396º do código do trabalho, no valor €1.995,00 (mil novecentos e noventa e cinco euros), acrescida de juros à taxa legal anual de 4%, desde a citação até integral pagamento;
6) A quantia ilíquida de €421,16 (quatrocentos e vinte e um euros e dezasseis cêntimos) a título de formação profissional não leccionada, acrescida de juros à taxa legal anual de 4% desde a citação até integral pagamento;
d) Absolve-se a A./Reconvinda do pedido reconvencional deduzido pela R./Reconvinte.
Custas a cargo do A. e da R., na proporção do respectivo decaimento (cfr. artigo 527º nºs. 1 e 2 do CPC).
Registe e notifique.”
2. Inconformada, apresentou a Ré requerimento de interposição de recurso, apresentando no final das suas alegações as respetivas conclusões, nos termos que agora se transcrevem[1]:
“1 – Atenta toda a prova produzida, quer documental, quer testemunhal em sede de audiência de julgamento, de forma totalmente incompreensível, foram dados como provados factos que, salvo o devido respeito por melhor opinião, deveriam ter merecido resposta negativa,
2 – Com interesse para a decisão do presente recurso, a Autora veio alegar, em suma, que informou a Ré na pessoa do seu legal representante da pretensão de beneficiar de dispensa para amamentação e que este a impediu de beneficiar de tal dispensa.
3 – Mais alegou a Autora que para a dissuadir de gozar tal dispensa o legal representante da Ré procedeu ao pagamento do salário do mês de Novembro de 2021 a todas as funcionárias e não a ela.
4 – Com interesse para a decisão do presente recurso, considerou-se como provado que:
a) Até 10/12/2021 a Ré nunca tinha deixado de pagar pontualmente à autora os créditos salariais que lhe eram devidos (Facto provado em R);
b) A Autora prestou funções para a Ré até ao final do período da manhã do dia 15/12/2021 (Facto Provado em S);
c) Estranhando tal comportamento, no dia 14/12/2021, pelas 10 horas, a Autora deslocou-se ao escritório existente nas instalações da Ré questionando o motivo pelo qual não foi pago o seu vencimento tendo-lhe sido transmitido pelo filho do gerente que não sabia (Facto Provado em Z);
d) No dia seguinte (15/12/2021), por volta das 10 horas, e visto que a Autora era a única funcionária a quem ainda não havia sido pago o vencimento referente ao mencionado mês de Novembro de 2021, a mesma dirigiu-se ao gerente da Ré, BB, solicitando esclarecimento do motivo do não pagamento do vencimento do mês de Novembro de 2021, ao que o mesmo em voz alta lhe disse: “Não colabora com a empresa por isso vou atrasar o pagamento do ordenado e só quando tiver 3 ordenados em atraso é que pode fazer alguma coisa. Já agora, pode começar a procurar emprego” (Facto Provado em AA);
e) A Ré persistiu e persiste, mesmo após a cessação do contrato de trabalho no não pagamento à Autora do seu vencimento referente ao mês de Novembro de 2021 (Facto Provado em BB);
f) A Ré, de forma intencional e culposa, persistiu no não pagamento à Autora do seu vencimento referente ao mês de Novembro de 2021 em face da sua posição em beneficiar da licença para amamentação (Facto Provado em CC);
g) No dia 15/12/2021 a Autora não compareceu ao trabalho da parte da tarde como não compareceu nos dias seguintes (Facto Provado em GG);
5 – Também com interesse para a decisão do presente recurso, considerou-se como não provado que:
I) A Ré tem conhecimento da importância do vencimento que a Autora aufere para a sobrevivência do seu agregado familiar, em face dos parcos rendimentos que o mesmo aufere (Facto Não Provado em 2);
II) Entre o dia 07/07/2021 e o dia em que abandonou o trabalho, a Autora sempre beneficiou da dispensa para amamentação, em dois períodos distintos do dia, com duração de cerca de uma hora, compreendidos, sensivelmente, entre as 11 e as 12 horas, no período da manhã, e entre as 15 a as 16 horas, no período da tarde (Facto Não Provado em 4);
III) A Ré nunca impediu a Autora de gozar da sua licença para amamentação (Facto Não Provado em 6);
IV) Como a Autora sabe e se apercebeu, nos dias 12/12/2021 e seguintes, inclusive com um fim de semana no meio, o gerente da Ré BB, esteve ausente da empresa (Facto Não Provado em 8);
V) No dia 15/12/2021, da parte da manhã, a Autora questionou o filho do sócio gerente da Ré pelo pagamento do seu salário do mês de Novembro de 2021, tendo-lhe este referido que o gerente da Ré BB, se encontrava ausente e, como era ela quem procedia pessoalmente aos pagamentos dos salários, logo que regressasse, com certeza que trataria do assunto (Facto Não Provado em 9);
6 – A Meritíssima Julgadora do Tribunal “a quo”, no que concerne à apreciação da prova, cometeu erro flagrante e notório, na valoração da prova, dando como provados factos com base exclusiva no depoimento de parte da Autora, contrariando todas as outras provas que impunham outra apreciação e exame crítico e um diverso julgamento e decisão da matéria de facto.
7 – A partir daqui, ficamos com o claro sentimento de que a Ré e as testemunhas por si arroladas, tudo poderiam fazer e dizer - o que quisessem, que nenhuma credibilidade iriam merecer por parte do Tribunal – como não mereceram.
8 – Como referiram a generalidade das testemunhas, a Ré é uma sociedade que se dedica à actividade têxtil, sendo a grande maioria dos seus funcionários é composto por mulheres.
9 – Como é normal nestes situações, ao longo dos anos a Ré viu-se confrontada com situações do género, onde as suas funcionários, tendo sido mães, tiveram a necessidade de gozar essa licença de amamentação.
10 – NÃO HÁ POIS NOTÍCIA QUE ALGUMA VEZ A RÉ OU O SEU LEGAL REPRESENTANTE TENHA IMPEDIDO AS SUAS FUNCIONÁRIAS DE AMAMENTAREM OS FILHOS.
11 – Refere-se na sentença, referindo-se aos depoimentos das testemunhas arroladas pela Ré que “dos seus depoimentos estarem os mesmos viciados pela argumentação de que a R. concede sempre licença de amamentação, sem considerarem o limite de 1 ano que é sempre gozado na R. para esse efeito, o que não correspondia à situação da A. no mês de Dezembro”.
12 – Ora, as testemunhas arroladas pela Ré não se limitaram a responder ao que é normal nestes caso no seio da empresa da Ré, MAS RESPONDERAM TAMBÉM AO CASO CONCRETO DA AUTORA, SE ELA GOZOU OU NÃO A LICENÇA DE AMAMENTAÇÃO ATÉ AO ÚLTIMO DIA EM QUE LABOROU NA EMPRESA, CONFORME DEPOIMENTOS DAS TESTEMUNHAS CC, DD, EE E FF,
13 - BEM COMO DAS DECLARAÇÕES DE PARTE DO LEGAL REPRESENTANTE DA RÉ, BB E DA PRÓPRIA AUTORA AA, SUPRA TRANSCRITOS.
Resumindo:
14 – Não há notícia que a Ré, na pessoa do seu legal representante alguma vez tenha impedido as suas funcionárias de gozar a licença de amamentação.
15 – O filho da Autora faz um ano no dia 29 de Novembro de 2021.
16 – Durante a semana que se seguiu, é a própria Autora a admitir que não gozou de licença de amamentação por iniciativa própria.
17 – Conforme estipula o artigo 48º n.º1 do Código do Trabalho, para efeito de dispensa de amamentação, a trabalhadora comunica ao empregador, com a antecedência de 10 dias relativamente ao início da dispensa, que amamenta o filho, devendo apresentar atestado médico se a dispensa se prolongar para além do primeiro ano de vida do filho.
18 – Também como resulta dos Facto Provado em W) a Autora apenas remete essa comunicação com o respectivo atestado médico por carta datada de 07/12/2021 e recepcionada pela Ré no dia 13/12/2021.
19 – Por fim, como resulta do Facto Provado em S), a Autora prestou funções para a Ré até ao final do período da manhã do dia 15/12/2021.
20 – Portanto, a pergunta que se tem de fazer é: QUANDO É QUE A AUTORA FOI IMPEDIDA DE GOZAR DA SUA LICENÇA PARA AMAMENTAÇÃO? A resposta é simples:
NÃO FOI, NEM PODIA TER SIDO POIS NO DIA EM QUE ABANDONOU A EMPRESA AINDA NEM SEQUER HAVIAM DECORRIDO OS 10 DIAS LEGALMENTE IMPOSTOS PELO ARTIGO 48º N.º 1 DO CÓDIGO DO TRABALHO.
21 – Por outro lado, é a própria Autora a admitir que se deslocou ao escritório da Ré para falar com o seu legal representante, que não estava, tendo falado com o filho.
É certo que quer as partes, Autora e Ré, na pessoa do seu legal representante, bem como as testemunhas, não coincidiram no dia em que os factos se passaram, quer quanto ao dia de semana, quer quanto ao dia do mês, o que é compreensível atento o lapso de tempo entretanto decorrido.
22 – AGORA, ACABAM POR COINCIDIR NO ESSENCIAL. A AUTORA ADMITE QUE SE DESLOCA AO ESCRITÓRIO DA RÉ, ADMITE QUE O SEU LEGAL REPRESENTANTE NÃO ESTAVA, QUE FALA COM O FILHO E QUE NESSE DIA ABANDONA A EMPRESA, SEM NUNCA MAIS FALAR COM O LEGAL REPRESENTANTE DA RÉ.
23 – Esse dia terá sido o dia 15 de Dezembro de 2021 atendendo ao mapa de horário de trabalho junto aos autos.
24 – Como a mesma admite, dizendo Como fui nessa terça feira pensei que a mensagem tivesse chegado ao sócio gerente e que por iniciativa própria se iria dispor a pagar,
25 – Ou seja, a Autora admite que NUNCA MAIS FALOU COM O LEGAL REPRESENTANTE DA RÉ.
26 – Pelo que a segunda pergunta que se faz é, QUANDO É QUE SURGIU A CONVERSA QUE SE DEU COMO PROVADA EM AA)? A resposta volta a ser simples: NÃO EXISTIU PORQUE AUTORA E O LEGAL REPRESENTANTE DA RÉ NESSA SEMANA NÃO SE ENCONTRARAM.
27 – Assim, o facto provado em Z deve ser modificado, provando-se que “No dia 15/12/2021, pelas 10 horas, a A. deslocou-se ao escritório existente nas instalações da R´. questionando o motivo pelo qual não foi pago o seu vencimento tendo-lhe sido transmitido pelo filho do gerente que não sabia”.
28 – Os factos referidos em AA), BB) e CC) do elenco dos factos provados devem pois ser dados como não provados.
29 – Ao invés, os factos referidos em 4, 6, 8 e 9 do elenco dos factos não provados devem pois merecer resposta positiva, devendo ser considerados como provados.
30 – Refere-se na sentença que a Ré de forma intencional e culposa persistiu no não pagamento à Autora do seu vencimento referente ao mês de Novembro de 2021 em face da sua posição em beneficiar da licença para amamentação.
31 – Não obstante se tratar de um conclusão, tal consta do elenco dos factos provados.
Mas não corresponde à verdade.
32 – Contudo, ali como aqui, as versões acabam por coincidir no essencial.
33 – NO DIA EM QUE A RÉ PAGOU ÀS SUAS FUNCIONÁRIAS O SALÁRIO DO MÊS DE NOVEMBRO DE 2021 A AUTORA NÃO ESTAVA NA EMPRESA, A RÉ NÃO TEM POR HÁBITO ATRASAR-SE NO PAGAMENTO DOS SALÁRIOS, como aliás resulta do Facto Provado em
R) e conforme resulta dos depoimentos das testemunhas, do legal representante da Ré e da própria Autora.
Desses depoimentos resume-me que:
34 – A Autora não recebeu o seu salário no mesmo dia em que as restantes trabalhadoras porque faltou.
35 – No dia 15 de Dezembro de 2021 deslocou-se ao escritório da Ré onde falou com o filho do legal representante que lhe referiu que o pai não estava e que era ele quem sempre pagava os salários teria que esperar que ele regressasse à empresa.
36 – Nessa semana a Autora e o legal representante da Ré não se encontraram, pois nesse mesmo dia 15 de Dezembro de 2021, da parte da tarde, a Autora já não veio trabalhar e nunca mais voltou à empresa.
Sem prescindir,
37 – Como desde logo se deixou dito em sede de Contestação, para que possamos falar em justa causa de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador, prevista no artigo 394º do Código do Trabalho, tem a jurisprudência entendido que devem reunir-se, cumulativamente, três requisitos.
38 – O primeiro reporta-se à existência de um comportamento da entidade empregadora enquadrável em qualquer das alíneas do n.º 2 do artigo 394º do Código do Trabalho (elemento objectivo).
39 – No que se refere a este requisito, dúvidas não poderão restar que o mesmo não se encontra preenchido, pois, em momento algum, a Ré, com a sua conduta, ofendeu as garantias da Autora ou a sua dignidade.
40 – O segundo requisito é que esse comportamento possa ser imputado à entidade empregadora a título de culpa (elemento subjectivo).
41 – Ou seja, o não pagamento pontual da retribuição dever-se a culpa exclusiva da entidade empregadora.
42 – Como se referiu, a Autora não recebeu o seu salário referente ao mês de Novembro de 2021, no mesmo dia que os restantes trabalhadores, ou seja, no dia 10 de Dezembro de 2021, porque nesse dia faltou,
43 – Nunca tendo a Ré, posteriormente, negado que lho devia ou dito que não o iria pagar, o que iria, certamente, acontecer uma vez que o gerente da Ré regressasse à empresa.
44 – Por último, o terceiro requisito, consiste que tal comportamento, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, em termos de não ser exigível ao trabalhador a conservação do vínculo laboral (elemento causal).
45 – Portanto, o que os tribunais têm entendido, e bem, é que a possibilidade de desvinculação contratual, imediata, por declaração unilateral do trabalhador, mostra-se expressamente consignada no artigo 394º do Código do Trabalho para as situações consideradas anormais e particularmente graves, de infracção dos deveres contratuais.
46 – Ora, no presente caso, não temos qualquer situação que justifique a resolução com justa causa, muito menos grave.
47 – Como refere PEDRO FURTADO MARTINS18 “também nos parece que não basta o mero atraso no pagamento de qualquer prestação retributiva, mesmo que por mais de 60 dias, para concluir que o comportamento do empregador – sendo embora culposo, dada a presunção decorrente do artigo 394.º n.º 5 – constitui necessariamente justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador” – sublinhamos.
48 – Também a título de exemplo, veja-se o referido no já citado Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02/06/2021 quando diz que “o atraso de 32 dias no pagamento de parte da retribuição de Fevereiro de 2020, no valor de 243,28 €, só por si, não é justificativa da impossibilidade prática e imediata de manutenção do contrato de trabalho, não se verificando o último dos requisitos acima aludidos – o causal – para que a resolução do contrato de trabalho pela Recorrente lhe confira direito a indemnização…”.
49 – Pelo exposto, consequentemente, não é devida à Autora qualquer indemnização por antiguidade.
50 – Atento ao supra exposto, como supra se referiu, também por estes motivos, o facto provado em Z deve ser modificado, provando-se que “No dia 15/12/2021, pelas 10 horas, a A. deslocou-se ao escritório existente nas instalações da R´. questionando o motivo pelo qual não foi pago o seu vencimento tendo-lhe sido transmitido pelo filho do gerente que não sabia”.
51 – Os factos referidos em AA), BB) e CC) do elenco dos factos provados devem pois ser dados como não provados.
52 – Ao invés, os factos referidos em 4, 6, 8 e 9 do elenco dos factos não provados devem pois merecer resposta positiva, devendo ser considerados como provados.
53 – Ao decidir da forma como decidiu, violou a sentença recorrida, entre outros, os artigos 47º, 48º, 394º e 400 do Código do Trabalho e 413º e 607º do Código de Processo Civil,
54 – Pelo que deve ser revogada e substituída por uma outra que declare a ilicitude da cessação do contrato de trabalho operada pela autora, absolvendo a Ré do pedido de indemnização por antiguidade.
55 – Mais deve a Reconvenção ser julgada provada e procedente e em consequência ser a Autora condenada a pagar à Ré a quantia de 1 330,00€, devendo tal valor ser descontado/compensado do montante que devido pela Ré.
Assim se espera, venerandos Desembargadores, por ser de JUSTIÇA!!!”
2.1 Contra-alegou a Autora, concluindo do modo seguinte:
A) A sentença recorrida não merece qualquer reparo quer quanto à factualidade dada como provada e não provada.
B) A reprodução integral e ipsis verbis levada a cabo pela Recorrente no seu recurso do anteriormente vertido no corpo das alegações, ainda que intitulada de “conclusões”, não pode ser considerada para efeitos do cumprimento do dever de apresentação de conclusões do recurso nos termos estatuídos no artigo 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
C) Equivalendo essa reprodução à falta total de conclusões deve o recurso ser rejeitado nos termos estatuídos no artigo 641.º, nº 2, al. b), do CPC., não sendo de admitir despacho de aperfeiçoamento.
D) A apreciação pelo Tribunal da Relação da decisão de facto impugnada não visa um novo julgamento da causa, mas sim uma reapreciação do julgamento proferido pelo Tribunal de 1ª Instância com vista a corrigir eventuais erros de julgamento.
E) No âmbito dessa apreciação, ao Tribunal da Relação incumbe formar a seu próprio juízo probatório sobre cada um dos factos julgados em primeira instância e que são objeto de impugnação, tendo para o efeito amplo poder inquisitório sobre a prova produzida que imponha decisão diversa, podendo socorrer-se, mesmo oficiosamente, de todos os meios de prova constantes do processo, não estando adstrito quer aos meios de prova que foram indicados pelas partes quer aos indicados pelo Tribunal de 1ª Instância.
F) Se detivermos a nossa atenção na motivação da matéria de facto, facilmente verificamos que o Tribunal a quo teve o cuidado de proceder a uma análise conjunta de toda a prova produzida e documentos juntos, e não apenas de meros trechos dos depoimentos da generalidade das testemunhas inquiridas,
G) Mais procedente a uma ponderação de toda a prova em total consonância com as regras da experiência e da própria normalidade.
H) Para tal basta aferirmos que o legal representante da Recorrente apresentou-se como o arauto do pagamento pontualíssimo das remunerações das suas funcionárias, porém, relativamente à Recorrente tal pagamento não foi cumprido desde o dia 10.12.2021 até à data da resolução do contrato de trabalho (20.12.2021).
I) Assim sendo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, não vislumbra a Recorrida quaisquer fundamentos para alterar a matéria de facto dada como provada e não provada e, subsequentemente, para alterar a douta sentença proferida.
NESTES TERMOS e nos melhores de Direito e com o sempre douto suprimento de V. Excias. deve julgar-se improcedente o recurso e manter-se a decisão recorrida, fazendo-se deste modo JUSTIÇA.”
2.2. O recurso foi admitido em 1.ª instância como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
3. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se pela improcedência do recurso, de facto e de direito.
Apreciando, tratando-se de questão prévia, então, o despacho do anterior Relator, que de resto determinou a remessa aos vistos dos adjuntos, muito embora não se tenha pronunciado expressamente sobre a invocada questão, tem subjacente que essa não se verificava.
Não obstante, sempre acrescentaremos o seguinte:
Desde logo, o que é fácil de constatar em face das alegações apresentadas, é claro e evidente que, não obstante não primarem pela melhor técnica processual, as conclusões apresentadas não se traduzem, diversamente do que genericamente invoca a Apelada, em reprodução do que antes consta do corpo das alegações, carecendo pois de qualquer fundamento tal invocação de que estejamos perante reprodução “integral e ipsis verbis”.
De resto, ainda que fosse esse o caso (mas não é), afirmou-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Maio de 2017[2], o seguinte:
“… A falta de alegações e/ou conclusões pode caracterizar-se em duas dimensões: a formal, em que impera a ausência; e a material, onde embora exista a peça jurídica que as enforma, esta em nada se refira ao que lhe é prescrito, cfr Ac STJ de 20 de Novembro de 2003, in SASTJ.
In casu, não obstante o acervo conclusivo apresentado corresponda ao texto alegatório, não podemos dizer que não tenham sido apresentadas conclusões, porque estas estão lá, expressas de uma forma incorrecta, sem qualquer correspondência com a exigência legal correspondente a uma síntese conclusiva das pretensões formuladas, mas presentes, e, por isso, não se poderá concluir como se faz no Aresto em crise, sempre s.d.r.o.c., que a repetição nas conclusões do que é dito na motivação, cada vez mais usual, reitera-se, traduz-se em falta de conclusões, pois é igual a nada, repetir o que se disse antes na motivação.
As conclusões, mal formuladas embora, sem observância das imposições legais, existem, delas se podendo retirar quais as pretensões do Recorrente e por isso não podemos reduzir a falha assim cometida à cominação expressa no normativo inserto no artigo 641º, nº2, alínea b) do CPCivil, condenando o requerimento de impugnação apresentado ao indeferimento, sem primeiramente se dar oportunidade ao Recorrente de poder corrigir o vício, cfr neste sentido os Ac STJ de 29 de Abril de 2008 (Relator Garcia Calejo) e de 27 de Maio de2010 (Relator Bettencourt de Faria), in www.dgsi.pt; Paulo Ramos de Faria, Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas Ao Novo Código Processo Civol, 2014, II Volume, 52.
Isto porque, o normativo inserto no artigo 639º, nº3 predispõe que «Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las», o que sempre se imporia chamar à colação, in casu, por força do princípio da cooperação a que alude o artigo 7º do CPCivil, o qual se destina a transformar o processo civil numa “comunidade de trabalho” o que implica a interacção das partes com o Tribunal e deste com aquelas, cfr Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre O Novo Processo Civil, Lex, 1997 64/66.
Neste preciso conspecto permitimo-nos acrescentar ex abundante que no âmbito da ponderação dos pressupostos processuais, os princípios antiformalistas, “pro actione” e “in dubio pro favoritate instanciae” impõem uma interpretação que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva, pelo que, suscitando-se quaisquer dúvidas interpretativas nesta área, deve optar-se por aquela que favoreça a acção e assim se apresente como a mais capaz de garantir a real tutela jurisdicional dos direitos invocados pela parte, o que, na espécie equivale a dizer que se deveria ter optado por um convite à sintetização e/ou esclarecimento das conclusões, ao invés da rejeição do recurso.”
Improcede, pois, a analisada invocação da Apelada.
C) A A. auferia como último vencimento mensal base a quantia de €665,00, acrescido de subsídio de alimentação no valor de €2,20 por cada dia de trabalho efectivo, bem como de subsídios de Férias e de Natal;
D) À presente relação laboral aplica-se o C.C.T. celebrado entre a APIV – Associação Portuguesa dos Industriais de Vestuário e a FESETE – Federação dos Sindicatos para a indústria do Vestuário, in B.T.E. n.º 7, de 22-2-93, BTE n.º 11, de 25-03-94, BTE n.º 20, de 29-05-95, B.T.E. n.º 20, de 29-5-2000, BTE n.º 20, de 29-05-2006, e BTE n.º 23, de 22-06-2007;
E) Sendo o horário de trabalho da A. de 40 horas semanais distribuídas de segunda-feira a sexta-feira e com um horário de trabalho diário de 8 horas;
F) No dia 29/11/2020 a A. foi mãe tendo procedido ao gozo da licença de maternidade;
G) No dia 10/12/2021, a R. procedeu ao pagamento do vencimento referente ao trabalho prestado no mês de Novembro de 2021 a todas as funcionárias, excepto a A.;
H) Nos dias 10 e 11/12/2021 a A. faltou ao trabalho, motivo pelo qual a R. não teria possibilidade de proceder ao pagamento do vencimento da A. visto que tal pagamento é efectuado em numerário;
I) No dia 20/12/2021 a A. remeteu à R. carta registada com aviso de recepção a resolver com justa causa o seu contrato de trabalho, nos termos do art.º 394º, n.º 1 e 2, alíneas a), b), e) e f) do código do trabalho, comunicação essa recepcionada no dia 21/12/2021, nos termos constantes de fls. 28 a 31 dos autos e que se dão por integralmente reproduzidas;
J) A R. não pagou à A. a retribuição e subsídio de alimentação referente aos meses de Novembro e Dezembro de 2021;
K) No ano de 2021 a A. procedeu apenas ao gozo de 10 dias de férias, de 23/08/2021 a 03/09/2021;
L) Não foi pago à A. os proporcionais de subsídio de férias referente ao trabalho prestado no ano de 2021, no montante de global de €646,78;
M) Não foram ainda pagos ainda à A. os proporcionais de subsídio de Natal referente ao trabalho prestado no ano de 2021, no montante de €646,78;
N) Também não foram ainda pagos à A. os proporcionais de Férias referentes ao trabalho prestado no ano de 2021, no montante de € 646,78;
O) A A. regressou ao trabalho, do gozo de licença de maternidade, no dia 07/07/2021;
P) Nos inícios do mês de Dezembro de 2021, a A., por sua livre iniciativa, comunicou verbalmente ao gerente da R., BB, que não obstante o seu filho ter completado 1 ano de idade, iria continuar a pretender beneficiar daquela licença de amamentação;
Q) O pagamento do salário da A. foi sempre efectuado pessoalmente pelo gerente da R., BB;
R) Até à data indicada em G) a R. nunca tinha deixado de pagar pontualmente à A. os créditos salariais que lhe eram devidos;
Factos demonstrados por produção de prova:
S) A A. prestou funções para a R. até ao final do período da manhã do dia 15/12/2021;
T) A A., enquanto funcionária da R., sempre respeitou e tratou com probidade a entidade empregadora, aliás, nunca lhe foi movido qualquer processo disciplinar;
U) Sempre compareceu no seu posto de trabalho, cumprindo o horário estipulado, executando as tarefas que lhe foram entregues com zelo e diligência, cumprindo escrupulosamente as ordens e instruções da R.;
V) Guardando a lealdade que se impunha ao contrato, sempre velou pela conservação e boa utilização dos instrumentos de trabalho que pela R. lhe eram fornecidos, sempre se esforçando pela melhoria da sua produtividade;
W) Após regressar ao trabalho na sequência do gozo da licença de maternidade, no dia 07/12/2021 a A. informou a R., através de carta registada com aviso de receção, recepcionada pela R. no dia 13/12/2021, que pretendia beneficiar da dispensa para amamentação prevista no art.º 47º do Código do Trabalho, remetendo inclusive o respetivo atestado médico, nos termos constantes de fls. 24 a 27 dos autos e que se dão por integralmente reproduzidas;
X) A A. remeteu a referenciada comunicação uma vez que, apesar de ter comunicado verbalmente tal vontade ao legal representante da R BB, nos termos indicados em P), o mesmo considerava injusto para a firma a A. continuar a beneficiar da isenção no período da manhã e de tarde para a amamentação;
Y) No dia 13/12/2021 a A. retomou as suas funções normalmente, aguardando que a R. procedesse ao pagamento do seu vencimento referente ao trabalho prestado em Novembro de 2021, o que não ocorreu;
Z) Estranhando tal comportamento, no dia 14/12/2021, pelas 10 horas, a A. deslocou-se ao escritório existente nas instalações da R. questionando o motivo pelo qual não foi pago o seu vencimento tendo-lhe sido transmitido pelo filho do gerente que não sabia; (“Z) Em face do referido na alínea anterior, no dia 14/12/2021, pelas 10 horas, a A. deslocou-se ao escritório existente nas instalações da R. questionando o motivo pelo qual não foi pago o seu vencimento tendo-lhe sido transmitido pelo filho do gerente que não sabia.”)
AA) No dia seguinte (15/12/2021), por volta das 10 horas, e visto que a A. era a única funcionária a quem ainda não tinha sido pago o vencimento referente ao mencionado mês de Novembro de 2021, a mesma dirigiu-se ao gerente da R., BB, solicitando esclarecimento do motivo do não pagamento do vencimento do mês de Novembro de 2021, ao que o mesmo em voz alta lhe disse: “Não colabora com a empresa por isso vou atrasar o pagamento do ordenado e só quando tiver 3 ordenados em atraso é que pode fazer alguma coisa. Já agora, pode começar a procurar emprego.”
BB) A R. persistiu e persiste, mesmo após a cessação do contrato de trabalho, no não pagamento à A. do seu vencimento referente ao mês de Novembro de 2021;
CC) A R., de forma intencional e culposa, persistiu no não pagamento à A. do seu vencimento referente ao mês de Novembro de 2021 em face da sua posição em beneficiar da licença para amamentação;
DD) Até à presente data não foi pago à A. a retribuição e subsídio de alimentação referente ao mês de Novembro de 2021;
EE) Não foi paga a retribuição e subsídio de alimentação referente aos dias de trabalho no mês de Dezembro de 2021;
FF) A R. nunca ministrou qualquer hora de formação profissional à A., nem procedeu ao pagamento de qualquer quantia referente à formação não ministrada;
GG) No dia 15/12/2021 a A. não compareceu ao trabalho da parte da tarde, como não compareceu nos dias seguintes;
HH) Ao longo da relação laboral, a A. foi aprendendo no seio da empresa, a desempenhar outro tipo de funções, incluindo o trabalho em máquinas de corte e cose e recobrimento de bainhas;
II) No mês de Dezembro de 2021 a A. esteve de baixa médica a partir de dia 15.
Da discussão da causa não resultaram provados os seguintes factos:
1) A A. prestou a sua atividade ininterruptamente desde o dia 11/07/2019 até ao dia 21/12/2021;
2) A R. tem conhecimento da importância do vencimento que a A. aufere para a sobrevivência do seu agregado familiar, em face dos parcos rendimentos que o mesmo aufere;
3) A R. agiu conforme indicado em CC) dos factos provados mesmo tendo conhecimento das necessidades da A.;
4) Entre o dia 07/07/2021 e o dia em que abandonou o trabalho, a A. sempre beneficiou da dispensa para amamentação, em dois períodos distintos do dia, com a duração de cerca de uma hora, compreendidos, sensivelmente, entre as 11 e as 12 horas, no período da manhã, e entre as 15 e as 16 horas, no período da tarde;
5) No seguimento da conversa indicada em P) dos factos provados, o gerente da R., BB, referiu à A. que não haveria qualquer tipo de problema, como nunca tinha havido até então, desde que a mesma continuasse a beneficiar da dispensa para amamentação nos moldes em que o vinha fazendo e procurasse sempre conciliar da melhor forma tal dispensa para amamentação com o trabalho da fábrica, nos moldes como o vinha fazendo até então;
6) A R. nunca impediu a A. de gozar da sua licença para amamentação;
7) Com o recebimento da carta identificada em W) dos factos provados, a R. nada fez, nada disse à A.;
8) Como a A. sabe e se apercebeu, nos dias 12/12/2021 e seguintes, inclusive com um fim de semana no meio, o gerente da R. BB, esteve ausente da empresa;
9) No dia 15/12/2021, da parte da manhã, a A. questionou o filho do sócio gerente da R. pelo pagamento do seu salário do mês de Novembro de 2021, tendo-lhe este referido que o gerente da R., BB, se encontrava ausente e, como era ele quem procedia pessoalmente aos pagamentos dos salários, logo que regressasse, com certeza que trataria do assunto;
10) O indicado em GG) ocorreu no seguimento do plano delineado pela A.;
11) Relativamente ao mês de Novembro de 2021, a A. apenas teria o direito a receber a quantia de € 608,54;
12) A A., desde o ano de 2019, ano em que foi contratada pela Ré, esteve sempre em formação contínua, através de tutor.
1.1. Intervenção oficiosa
Constatando-se que o Tribunal recorrido, na alínea I) da factualidade provada, não impugnada no presente recurso, fez constar que, “no dia 20/12/2021 a A. remeteu à R. carta registada com aviso de recepção a resolver com justa causa o seu contrato de trabalho, nos termos do art.º 394º, n.º 1 e 2, alíneas a), b), e) e f) do código do trabalho, comunicação essa recepcionada no dia 21/12/2021, nos termos constantes de fls. 28 a 31 dos autos e que se dão por integralmente reproduzidas”. Ou seja, quanto ao conteúdo da referida carta, documento junto aos autos, remeteu para o seu conteúdo, fazendo constar “nos termos constantes de fls. 28 a 31 dos autos e que se dão por integralmente reproduzidas”, quando, assim o entendemos, dada a relevância que assume tal documento em casos como aqueles que se apreciam, o melhor técnica processual passará por fazer constar, pelo menos parte essencial, o conteúdo desse documento, razão pela qual, oficiosamente, alteraremos, no presente recurso, a redação do aludido ponto, em termos de se adequar ao que antes dissemos.
Deste modo, oficiosamente, altera-se a redação da alínea I) da factualidade provada, que passará a ser a seguinte:
“I) No dia 20/12/2021 a A. remeteu à R. carta registada com aviso de recepção a resolver com justa causa o seu contrato de trabalho, nos termos do art.º 394º, n.º 1 e 2, alíneas a), b), e) e f) do código do trabalho, comunicação essa recepcionada no dia 21/12/2021, nos termos constantes de fls. 28 a 31 dos autos e que se dão por integralmente reproduzidos, nomeadamente: “(…) No dia 07.12.2021 informei V.ª Ex.ª que pretendia beneficiar da dispensa para a amamentação, benefício esse plasmado no art.º 47º do Código do Trabalho, tendo tal carta sido remetida na senda da V/ total oposição a tal dispensa. Contudo, após a receção de tal carta, recebida no dia 13.12.2021, V.ª Ex.ª de forma intencional e culposa decidiu discriminar-me relativamente às minhas colegas, de forma a pressionar-me e a prejudicar-me, afetando a minha honra e dignidade. Assim, no dia 10.12.2021, V.ª Ex.ª procedeu ao pagamento a todas as minhas colegas de trabalho do vencimento referente ao mês de Novembro de 2021. No dia seguinte, Sábado, V.ª Ex.ª procedeu ainda ao pagamento a uma colega de trabalho que faltou no dia 10.12.2021. Tendo iniciado o trabalho no dia 13.12.2021 (faltei no dia 10.12.2021 e 11.12.2021), e uma vez que V.ª Ex.ª não se prontificou a proceder ao pagamento do meu vencimento, no dia seguinte (14.12.2021), por volta das 10 horas, desloquei-me ao escritório tendo em vista solicitar o pagamento do meu vencimento, tendo-me sido referido que não sabiam de nada. No dia seguinte manteve V.ª Ex.ª a postura de não me pagar o meu vencimento, aliás, na senda do que já me tinha transmitido no dia 02.12.2021, dizendo “não colabora com a empresa por isso vou atrasar o pagamento do ordenado e só quando tivesse 3 ordenados em atraso é que poderia fazer alguma coisa. Pode começar a procurar emprego.” Com o comportamento adotado por V.ª Ex.ª de que discriminar no pagamento do meu vencimento relativamente a todas as minhas colegas de trabalho, V.ª Ex.ª pretende prejudicar-me e afetar-me em face da minha decisão e da decisão médica de beneficiar da dispensa para amamentação, bem sabendo da extrema importância da minha retribuição para o bem-estar da minha família, sem o qual consigo fazer face às diversas despesas do dia-a-dia, acrescido do facto de ter um bebe com pouco mais de um ano de idade. (…)”
1.2. Recurso sobre a matéria de facto
1.2.1. Critérios de admissibilidade
Dispõe o n.º 1 do artigo 662.º do CPC que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Aí se abrangem, nomeadamente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pelo recorrente, o qual, porém, nesses casos, deve observar os ónus de impugnação previstos no artigo 640.º, do CPC, em que se dispõe:
“1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
Nas palavras de Abrantes Geraldes, “(…) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”[3]. Contudo, como também sublinha o mesmo autor, “(…) a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter”[4].
Tendo por base os supra citados dispositivos legais, há que considerar que a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação, tendo que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância – pois que só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição[5]–, muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, não se basta com a mera alegação de que não se concorda com a decisão dada, exigindo antes, da parte que pretende usar dessa faculdade, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efetivamente, no caso, foram produzidos, sem limitar porém o segundo grau de sobre tais desconformidades, previamente apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção – não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem pois que no processo civil impera o princípio da livre apreciação da prova, artigo 607.º, nº 5 do CPC[6]. Do exposto resulta, assim, que o cumprimento do ónus de impugnação que se analisa, não se satisfazendo como se disse com a mera indicação genérica da prova que na perspetiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o tribunal recorrido, impõe que o mesmo concretize quer os pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância quer, ainda, que especifique quais as provas produzidas que, por as ter como incorretamente apreciadas, imporiam decisão diversa, sendo que, quando esse for o meio de prova, se torna também necessário que indique “com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição”.
Discorrendo sobre a matéria, escreve-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Outubro de 2016[7]: “(…) Como resulta claro do art. 640º nº 1 do CPCivil, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto. (…)”. Observa-se também no Acórdão do mesmo Tribunal de 7 de julho de 016[8] o seguinte: “(…) para que a Relação possa apreciar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, tem o recorrente que satisfazer os ónus que lhe são impostos pelo artigo 640º, nº 1 do CPC, tendo assim que indicar: os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, conforme prescreve a alínea a); os concretos meios de prova que impõem decisão diversa, conforme prescrito na alínea b); e qual a decisão a proferir sobre as questões de facto que são impugnadas, conforme lhe impõe a alínea c).”[9]. Do mesmo modo, agora no Acórdão do mesmo Tribunal de 14 de outubro de 2020[10], que, “pretendendo o recorrente impugnar a decisão do tribunal de 1ª instância, proferida sobre a matéria de facto, perante um tribunal de 2.ª instância, que não intermediou a produção da prova, é razoável que se exija ao recorrente que identifique os pontos de facto que impugna por referência aos articulados, aos temas da prova ou aos factos julgados não provados na sentença, sob pena de não se conhecer do recurso nessa parte”, fundando-se esta exigência “nos princípios do dispositivo e da cooperação, tendo por objetivo a justa composição do litígio”. Afirmando-se, ainda, neste caso no Acórdão de 5 de setembro de 2018[11], que “A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos” – afirmando-se que “não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em três “blocos distintos de factos” e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna” –, não deixaremos de esclarecer, por último, que se admite que tal indicação possa ser realizada conjuntamente para mais do que um facto, caso se trate de factos diretamente relacionados.
Em face dos critérios antes enunciados, de seguida verificaremos se os mesmos foram ou não cumpridos e sendo a resposta positiva procederemos à apreciação.
1.2.2. Aplicação dos critérios antes enunciados
Nas conclusões 1.ª a 20.ª, começa a Recorrente por fazer afirmações/considerações sobre prova produzida e sua apreciação a respeito de assuntos/temas, sem que, porém, afirme a que factos concretos, provados ou não provados na sentença, aquelas se referirão – assim, para além do mais, designadamente: sobre o que teria sido alegado pela Autora e o que com interesse para o recurso o tribunal considerou provado ou não provado; que no que concerne à apreciação da prova teria ocorrido flagrante e notório erro na sua valoração (dando como provados factos com base exclusiva no depoimento de parte da Autora, como ainda contrariando todas as outras provas que impunham outra apreciação e exame crítico e um diverso julgamento e decisão da matéria de facto, com pretensa desconsideração da restante prova; sobre o não haver notícia que a Ré na pessoa do seu legal representante alguma vez tenha impedido as suas funcionárias de gozar a licença de amamentação; o que resultará do n.º 1 do artigo 48º do Código do Trabalho; dizendo que a pergunta que se tem de fazer é quando é que a autora foi impedida de gozar da sua licença para amamentação?, que a resposta é que não foi, nem podia ter sido pois no dia em que abandonou a empresa ainda nem sequer haviam decorrido os 10 dias legalmente impostos pelo artigo 48º n.º1 do código do trabalho.
O que se referiu anteriormente visa salientar que tal modo de alegar e em particular de concluir não é, assim o entendemos, o mais adequado, em particular quando se trata de impugnação da matéria de facto, em face dos ónus de impugnação, a que antes nos referimos, que resultam do artigo 640.º do CPC.
Não obstante, não deixaremos de fazer a apreciação, desde que se possa extrair que os argumentos e prova se dirigem a pontos concretos que se possam ter por expressamente indicados como estando a ser impugnados, e não, pois, sobre quaisquer considerações ou afirmações que assim não possam ser considerados, o que faremos de seguida.
1.2.2.1. alíneas Z) e AA), constante da factualidade provada, e pontos 8.º e 9.º, tidos como não provados
Estas alíneas e pontos têm a redação seguinte:
Provado:
- “Z) Estranhando tal comportamento, no dia 14/12/2021, pelas 10 horas, a A. deslocou-se ao escritório existente nas instalações da R. questionando o motivo pelo qual não foi pago o seu vencimento tendo-lhe sido transmitido pelo filho do gerente que não sabia”.
- “AA) No dia seguinte (15/12/2021), por volta das 10 horas, e visto que a A. era a única funcionária a quem ainda não tinha sido pago o vencimento referente ao mencionado mês de Novembro de 2021, a mesma dirigiu-se ao gerente da R., BB, solicitando esclarecimento do motivo do não pagamento do vencimento do mês de Novembro de 2021, ao que o mesmo em voz alta lhe disse: “Não colabora com a empresa por isso vou atrasar o pagamento do ordenado e só quando tiver 3 ordenados em atraso é que pode fazer alguma coisa. Já agora, pode começar a procurar emprego.”
Não provado:
- “8) Como a A. sabe e se apercebeu, nos dias 12/12/2021 e seguintes, inclusive com um fim de semana no meio, o gerente da R. BB, esteve ausente da empresa”;
- “9) No dia 15/12/2021, da parte da manhã, a A. questionou o filho do sócio gerente da R. pelo pagamento do seu salário do mês de Novembro de 2021, tendo-lhe este referido que o gerente da R., BB, se encontrava ausente e, como era ele quem procedia pessoalmente aos pagamentos dos salários, logo que regressasse, com certeza que trataria do assunto”.
Procederemos a uma apreciação em conjunto das citadas alíneas e pontos por se tratar de factualidade relacionada, em face do modo como é realizada a impugnação, sustentando nomeadamente a Recorrente que, diversamente do que se deu como provado, apenas no dia 15/12/21 a Autora se deslocou ao escritório, como resulta do ponto 9.º não provado, questionando o motivo pelo qual não foi pago o seu vencimento e não, pois, também, no dia anterior, como se deu como provado nas alíneas Z) e AA), defendendo em conformidade que a última dessas alíneas deve ser dada como não provada, que aquele ponto 9.º não provado seja dada como provado e que a alínea Z) passe a ter a redação seguinte: “No dia 15/12/2021, pelas 10 horas, a A. deslocou-se ao escritório existente nas instalações da R.. questionando o motivo pelo qual não foi pago o seu vencimento tendo-lhe sido transmitido pelo filho do gerente que não sabia” (conclusões 21.ª a 27.ª e parcialmente as conclusões 28.ª, 29.ª, 51.ª e 52.ª).
Com recurso ao corpo das alegações, indica como prova para suportar a impugnação e alteração que defende passagens dos depoimentos de testemunhas que identifica, bem como as declarações da Autora e do sócio gerente da Ré, transcrevendo e localizando no registo de gravação tais passagens.
Entendemos que, não obstante o que antes dissemos, se encontram suficientemente cumpridos os ónus de impugnação a que antes nos referimos.
Pugna a Apelada pela adequação do julgado, constatando-se, porém, que não cumpriu o ónus estabelecido pelo legislador, na al. b) do nº 2 do art.º 640º do Código de Processo Civil, para o recorrido, de indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda.
Como nota prévia, a respeito da parte inicial da alínea Z), assim a expressão “Estranhando tal comportamento”, extrai-se que o comportamento a que aí se referirá será o que resultou provado na alínea anterior – Y): “No dia 13/12/2021 a A. retomou as suas funções normalmente, aguardando que a R. procedesse ao pagamento do seu vencimento referente ao trabalho prestado em Novembro de 2021, o que não ocorreu” –, ou seja que se estará a referir ao facto de não ter sido pago à Autora o vencimento referente ao trabalho prestado em Novembro de 2021.
Da motivação constante da sentença sobre a matéria de facto resulta, no que agora importa, o seguinte:
«Deram-se como provados os pontos S), Y) a AA), CC), GG) e II), bem como não provados os pontos 1) e 8) a 10) com base no seguinte: dos factos assentes por acordo resulta desde logo que o pagamento da remuneração referente ao mês de Novembro ocorreu no dia 10/12/2021 e que a A. não foi trabalhar nesse dia nem no dia seguinte, pelo que não lhe foi então pago o vencimento. Por outro lado, resultou do depoimento do legal representante da R., BB, que esteve ausente da empresa no dia 13/12, segunda-feira seguinte, bem como dia 14 até às 12 horas, o que, quanto ao dia 14, foi confirmado pela A., pelo menos no que diz respeito às 10h da manhã. Já quanto ao demais, BB negou os factos aqui em análise, tendo referido que a A. deixou de comparecer ao trabalho no dia 14 da parte da tarde. A A., por sua vez, relatou os factos conforme dados como provados quanto às datas, tendo referido que dia 15 trabalhou até ao meio dia, após o que apresentou baixa médica. Do extracto de remunerações da A. confirma-se a apresentação de um total de 7 dias de baixa médica, o que confere credibilidade a estas declarações. Acresce que também a testemunha CC, filho do gerente da R. e empregado de escritório nesta, confirmou, por referência ao mapa de presenças das trabalhadoras da R. do mês de Dezembro de 2021 junto a fls. 61 verso dos autos que a A. ainda trabalhou na quarta-feira, dia 15/12/2021, tendo faltado 4,5 horas nesse dia, o que coincide com as declarações da A.. Esta testemunha referiu também que a A., nessa semana, segunda ou terça-feira, não tendo conseguido concretizar o dia, se dirigiu a si e perguntou se o gerente lhe tinha deixado o salário (porque o gerente não estava na empresa) e que a testemunha negou e que tinha de aguardar, o que também coincide com a versão apresentada pela A.. É certo que esta testemunha, depois, referiu que a A., no dia em que conversou consigo, não foi trabalhar de tarde, mas depois reafirmou que essa conversa ocorreu segunda ou terça-feira e, como se pode verificar do aludido mapa de presenças, tal não corresponde ao que aí se mostra registado quanto à A., sendo que este documento não foi impugnado. Relativamente aos factos ocorridos na manhã de dia 15/12, mais precisamente à conversa entre a A. e o gerente da R., como resulta dos depoimentos supra referidos, este tinha estado na empresa na tarde de dia 14 e no dia 15, sendo que o mesmo negou ter tido qualquer conversa com a A.. Já esta confirmou a existência de tal conversa e a expressão usada por aquele nos termos dados como provados, que após a A. ter, nas suas declarações, tido alguma dificuldade em situar no tempo e concretizar em conteúdo, confrontada com a carta junta a fls. 28 e 29 dos autos, confirmou na íntegra o seu teor, quanto à data da expressão do gerente e o teor desta. Estas declarações revelaram-se mais credíveis do que o depoimento do gerente da R., pois como este referiu, paga sempre as retribuições, em numerário, normalmente até ao dia 8 de cada mês. A testemunha CC confirmou que o gerente paga a todos, no máximo, até dia 10 de cada mês, sendo que nunca se atrasa no pagamento dos salários. Também as testemunhas EE e FF, trabalhadoras da R., confirmaram que não é normal haver atrasos no pagamento da retribuição e que recebem normalmente até dia 8, sendo o gerente quem paga, em dinheiro. Ora, tendo resultado demonstrado que o gerente esteve nas instalações da R. pelo menos na tarde do dia 14 e no dia 15 e que a A. esteve a trabalhar nessa tarde e manhã do dia 15, não é minimamente credível que, sendo o gerente tão cioso do pagamento atempado dos salários e estando o da A. já atrasado em 4 dias face às demais colegas, não tivesse aquele tido o cuidado de a chamar para receber o vencimento. E não se diga que competia à A. pedir o seu pagamento, já que, para além de FF ter referido que é o gerente quem comunica ser dia de pagamento para as trabalhadoras irem levantar o vencimento, estamos perante um acto da responsabilidade da entidade empregadora (um seu dever legal) e não do trabalhador, sendo que, como referiu a A., esta foi de facto solicitar o seu pagamento, considerando-se assim mais credível a versão dos factos apresentada por esta. Considerando o referido supra quanto ao hábito de pagamento atempado das retribuições, ausência de interesse manifesto do gerente da R. em proceder ao pagamento da retribuição de Novembro à A. assim que ela regressou ao trabalho, a 13/12 ou em qualquer dos dois dias seguintes, em que o gerente esteve na empresa, bem como a expressão dada como provada no ponto AA), resulta evidente que o não pagamento atempado da remuneração da A. referente ao mês de Novembro de 2021 foi intencional e, desse modo, dolosa, de forma a forçar a A. a abdicar da pretendida prorrogação do período de amamentação. Face ao exposto, não se provou que a A. tenha prestado a sua actividade até dia 21. Provou-se, isso sim, que o contrato se manteve em vigor até dia 21, mas tendo a A. estado de baixa médica desde 15/12. Já o ponto 10) não se provou por total ausência de prova nesse sentido. As demais testemunhas inquiridas nada demonstraram saber com certeza acerca destes factos. (…)”.
Deixando-se consignado que se procedeu nesta sede recursiva à audição integral dos registos de gravação no que à prova gravada que é indicada quer na citada motivação quer pela Recorrente, desde já adiantamos que essa prova não dá na nossa ótica, com salvaguarda do respeito devido, adequada sustentação à convicção a que chegou o Tribunal recorrido e expressa da motivação antes citada – a qual, aliás, de novo com o respeito devido, tece considerações que extravasam, assim o entendemos, o âmbito da apreciação da matéria de facto ao utilizarem-se expressões que envolvem já claramente o âmbito da aplicação da lei e do direito, como o é, para além do mais, o dizer-se que uma determinada atuação de não pagamento foi “dolosa”.
Avançando-se na análise, verifica-se que o Tribunal recorrido deu especial ênfase, nessas suportando em particular a convicção a que chegou, ao que teria resultado, em particular, por um lado do depoimento de parte do legal representante da Ré e por outro lado das declarações prestadas pela Autora, circunstância que, por si só, em tese geral – ou seja esquecendo-se agora a questão de saber se dão efetivamente adequado suporte à convicção a que chegou –, não nos levanta reservas, pois que, afinal, inexiste no nosso regime processual qualquer preceito legal que determine que seja insuficiente a prova sobre determinado facto (favorável ou desfavorável à parte) que resulte unicamente do depoimento de parte não confessório ou das declarações de parte, nada obstando, assim, a que, sendo esse o caso, a convicção do tribunal se forme mesmo que baseada exclusivamente nesses.
Como se refere no Acórdão desta Secção de 18 de setembro de 2023[12]:
«(…) Ponto é que, não obstante ser a parte (com manifesto interesse num determinado desfecho do processo), o seu depoimento ou declarações sejam credíveis [tendo o julgador na apreciação crítica do depoimento/declarações em consideração que se trata da parte (tal como acontece com as testemunhas: as mesmas podem ter proximidade à parte ou interesse na causa, o que o julgador tem presente na apreciação crítica dos depoimentos, sendo por essa razão que o legislador consagra o interrogatório preliminar a cargo do juiz – os designados costumes – no nº 1 do art.º 513º do Código de Processo Civil)].
Às declarações de parte aplica-se o regime do depoimento de parte, com as necessárias adaptações – art.º 466º, nº 2 do Código de Processo Civil –, e, como se escreveu no acórdão do TRL de 29/04/2014[13], serão livremente apreciadas pelo tribunal na parte em que não constituam confissão (art.º 466º, nº 3 do Código de Processo Civil), e revelam especial utilidade para a decisão quando versem sobre factos que ocorreram entre as partes, sem a presença de terceiros intervenientes. Tais declarações devem ser encaradas como qualquer outro momento de recolha de prova, à qual assistem os advogados das partes com plena liberdade ao nível do exercício do contraditório, não se justificando um tratamento diverso, designadamente daquele que têm os depoimentos de parte oficiosamente determinados pelo Tribunal já em sede de julgamento. Nesse aresto se escreveu ainda que o novo meio de prova por declarações de parte instituído no Código de Processo Civil de 2013 veio responder a uma corrente que se vinha densificando no sentido de considerar e valorizar o depoimento de parte ainda que sem carácter confessório e de livre apreciação pelo tribunal, desde que este viesse a revelar um efeito útil para a descoberta da verdade.
Ou seja, o legislador colocou as declarações de parte a par de outros meios de prova (como a prova testemunhal), o que quer dizer que não é de afastar ab initio a possibilidade de valoração das declarações de parte, mesmo que não existem outros meios de prova a corroborar as mesmas, impondo-se sim que seja observada uma especial cautela na sua apreciação por ser, por natureza, um depoimento interessado.
Feitas estas considerações, avançando-se na apreciação, começando-se pela prova do facto constante da alínea AA) – assim que “no dia 15/12/2021, por volta das 10 horas, e visto que a A. era a única funcionária a quem ainda não tinha sido pago o vencimento referente ao mencionado mês de Novembro de 2021, a mesma dirigiu-se ao gerente da R., BB, solicitando esclarecimento do motivo do não pagamento do vencimento do mês de Novembro de 2021, ao que o mesmo em voz alta lhe disse: “Não colabora com a empresa por isso vou atrasar o pagamento do ordenado e só quando tiver 3 ordenados em atraso é que pode fazer alguma coisa. Já agora, pode começar a procurar emprego” –, a questão que se nos coloca, atendendo a que se extrai da citada motivação que o Tribunal Recorrido, não obstante ter referenciado outros meios de prova – assim nomeadamente o que resultará do depoimento da testemunha CC, dizendo que teria confirmado, “por referência ao mapa de presenças das trabalhadoras da R. do mês de Dezembro de 2021 junto a fls. 61 verso dos autos que a A. ainda trabalhou na quarta-feira, dia 15/12/2021, tendo faltado 4,5 horas nesse dia, o que coincide com as declarações da A.” –, assentou sem dúvidas a sua convicção no que teria sido referido pela Autora nas declarações que prestou, dando-lhes maior credibilidade (credibilidade que afirmou que lhe mereciam as declarações da Autora), importa no entanto esclarecer que, não resultando da demais prova produzida (assim a indicada) qualquer suporte quanto à ocorrência nessa manhã do dia 15 de qualquer contato pessoal entre a Autora e o legal representante da Ré, negando ainda este último a ocorrência desse contato e/ou conversa nesse dia ou dias anteriores, resta-nos verificar, então, o que pode/deve resultar, com adequado suporte para que possa ser formada convicção positiva, do que efetivamente foi referido pela Autora nas declarações que prestou.
Ora, tendo o Tribunal recorrido considerado idóneas tais declarações para dar como provado o facto em causa, é precisamente neste aspeto que esse Tribunal não poderemos acompanhar pois que, ouvido integralmente o registo de gravação dessas declarações, constatamos que não se extrai suporte para a prova desse facto, extraindo-se, de resto em contrário do que se deu como provado, assim em face dessas declarações, que não teria ocorrido, no dia 15 de dezembro, o que se deu como provado.
É que, em face dessas declarações, a Autora afirmou, na primeira vez que tal lhe foi perguntado, que, tendo-se dirigido na terça feira (dia 14) às 10 horas ao escritório, altura em que aí se encontrava apenas a testemunha CC, filho do gerente (testemunha esta que, diga-se, nas declarações que prestou em audiência acaba por confirmar tal facto) – referindo que a esse perguntou sobre se saberia alguma coisa sobre o seu ordenado e que o mesmo lhe teria respondido que não sabia, que isso não era com ele –, depois de dizer de seguida que no dia seguinte (quarta feira) se apresentou normalmente ao trabalho mas que chegou ao meio dia e não conseguia dar de mamar ao filho, sendo que, quando perguntada sobre se nessa quarta feira falou com alguém sobre o salário, respondeu que não, afirmando ainda, a pergunta sobre se chegou a falar com o gerente, de forma perentória, que, como tinha ido nessa terça feira pensou que a mensagem tivesse chegado ao sócio gerente e que por iniciativa própria se iria dispor a pagar (minutos 16 a 18 da gravação, transcritos nas alegações, esclarecendo-se que, não obstante a transcrição não ser propriamente exata, não altera porém o sentido do que resulta da audição da gravação). Também mais tarde, no decurso das declarações em causa, extrai-se: que a referida conversa teria ocorrido afinal antes, logo depois da conversa sobre a amamentação (minutos 21); confrontada com o constar da carta que nessa quarta feira teria ido falar com o gerente, respondeu que isso foi antes…, que teria sido na semana anterior, numa das vezes em que não pôde ir trabalhar num sábado (minutos 19/20); a pergunta sobre se foi mesmo na semana anterior, respondeu uma ou duas semanas antes, que ainda estavam em novembro (minutos 21) – ainda confirmado a instâncias do advogado, a minutos 27; depois de confrontada com o que consta da carta que enviou, junta aos autos, e que leu, a pergunta se teria sido no dia 2 de dezembro que foi dita a expressão, respondeu “eu penso que sim” (minutos 34), que não teve mais conversas até à carta que é metida no dia 9 (minutos 36/37) e que teria chegado a (documento no processo); a pergunta porque é que falou com o filho e não com o pai, respondeu que ele não estava (minutos 39).
Do exposto se extrai, como relativa facilidade, que sequer as declarações da Autora são passíveis de dar adequado suporte à convicção em termos de se poder dar como provado, na alínea AA), que no dia 15/12/2021, por volta das 10 horas, e visto que era a única funcionária a quem ainda não tinha sido pago o vencimento referente ao mês de novembro de 2021, que a Autora se tenha dirigido ao gerente da Ré, BB, pois que, das referidas declarações, apenas resulta, apenas, suporte para o que se deu como provado, na alínea Z), ou seja, que no dia 14/12/2021, pelas 10 horas, se deslocou ao escritório existente nas instalações da Ré questionando o motivo pelo qual não foi pago o seu vencimento tendo-lhe sido transmitido pelo filho do gerente que não sabia”.
Por outro lado, a respeito da parte final da aludida alínea AA), quando dessa consta que o gerente da Ré teria dito à Autora, em voz alta, “não colabora com a empresa por isso vou atrasar o pagamento do ordenado e só quando tiver 3 ordenados em atraso é que pode fazer alguma coisa” e “já agora, pode começar a procurar emprego”, expressão que é confirmada pela Autora nas declarações que prestou, acaba a mesma por a localizar, porém, temporalmente em momento anterior, de resto, ao longo das declarações, mesmo em momentos distintos – recorde-se que: confrontada com o constar da carta que nessa quarta feira teria ido falar com o gerente, respondeu que isso foi antes…, que teria sido na semana anterior, numa das vezes em que não pôde ir trabalhar num sábado (minutos 19/20), mas depois, a pergunta sobre se foi mesmo na semana anterior, já respondeu que teria sido uma ou duas semanas antes, que ainda estavam em novembro (minutos 21, ainda confirmado a instâncias do advogado, a minutos 27); já a minutos 36/37 extrai-se que, depois de confrontada com o que consta da carta que enviou, junta aos autos, e que leu, a pergunta se teria sido no dia 2 de dezembro que foi dita a expressão, que respondeu “eu penso que sim” (minutos 34).
Ora, nesta parte, uma qualquer possibilidade de se dar como provado que teriam sido proferidas tais expressões pelo gerente da Ré em momento anterior, a localizarem-se em 2 de dezembro, não se poderá deixar de ter presente que já consta da alínea P) da factualidade provada, e que não foi impugnada no presente recurso, ou seja que “nos inícios do mês de Dezembro de 2021, a A., por sua livre iniciativa, comunicou verbalmente ao gerente da R., BB, que não obstante o seu filho ter completado 1 ano de idade, iria continuar a pretender beneficiar daquela licença de amamentação”, extraindo-se que, tendo ocorrido, então, nesse contato, por um lado, a comunicação da Autora sobre pretender continuar a beneficiar da licença de amamentação, se a expressão daquele foi nesse momento, tal acabaria por importar na alteração do que se deu provado em tal alínea. Mesmo que não ocorresse qualquer obstáculo, apesar do que se disse, na consideração ainda do modo que temos como menos assertivo como foram prestadas as declarações, que de resto contrariando o teor da carta de resolução que enviou a respeito da ocorrência de contato com o sócio gerente da Ré no dia 15 de dezembro, a verdade é que tal é negado, perentoriamente, pelo referido sócio gerente da Ré, no depoimento que prestou, pelo que, na ausência de outra qualquer prova, perante duas versões tão contraditórias, na dúvida sobre o facto essa resolve-se contra a Autora, por se tratar de facto constitutivo do direito (artigo 414.º, do CPC), pelo que, nas circunstâncias referidas, resta concluir pela procedência do recurso, na parte em que pretende a eliminação da referida alínea AA) dos factos provados.
Já, porém, quanto ao teor da alínea Z), provada, bem como ponto 9.º não provado, também objeto de impugnação, deixando-se expresso que nem sequer a Recorrente teve em devida atenção que, dizendo afinal respeito ao mesmo facto, ou seja o ocorrido no dia 14 de dezembro, apesar disso oferece redações não propriamente coincidentes – assim: para a alínea Z), “No dia 15/12/2021, pelas 10 horas, a A. deslocou-se ao escritório existente nas instalações da R.. questionando o motivo pelo qual não foi pago o seu vencimento tendo-lhe sido transmitido pelo filho do gerente que não sabia”; paro o ponto 9.º, no dia 15/12/2021, da parte da manhã, a A. questionou o filho do sócio gerente da R. pelo pagamento do seu salário do mês de Novembro de 2021, tendo-lhe este referido que o gerente da R., BB, se encontrava ausente e, como era ele quem procedia pessoalmente aos pagamentos dos salários, logo que regressasse, com certeza que trataria do assunto”. Não obstante o que se referiu, apreciando, tal como aliás já resulta das considerações que antes fizemos a propósito da alínea AA), mas também, ainda, da demais prova que foi produzida e que é indicada para suportar a alteração, cujas passagens se transcrevem nas alegações (não obstante, como já o dissemos, não se tratando de transcrição exata, no entanto, o que se fez constar não altera o sentido do que foi referido, em face da audição que fizemos dos registos de gravação), a conclusão a que chegamos é que, tal como se deu como provado na alínea Z), foi no dia 14/12/2021, pelas 10 horas, que a Autora se teria deslocado ao escritório existente nas instalações da Ré. questionando o motivo pelo qual não foi pago o seu vencimento, e que então lhe foi transmitido, pelo filho do gerente, que não sabia”. Na verdade, referindo a Autora, nas suas declarações, que tal ocorreu na terça feira seguinte (que corresponde ao dia 14), e que perguntando ao CC (filho do gerente) se saberia alguma coisa do seu ordenado e que ele teria dito que não era nada com ele, que não sabia e que tinha que aguardar até ordens em contrário, a testemunha em causa, no seu depoimento, referiu que a Autora, na segunda ou na terça feira, bateu à porta do escritório e perguntou-lhe se o pai tinha deixado alguma coisa para lhe entregar a ela, ao que respondeu que não, que esse não lhe deixara nenhum recado nem indicação e que disse que tinha que ser com ele porque normalmente é com ele (minutos 7).
Por último, agora sobre o ponto o conteúdo do ponto 8.º constante da factualidade não provada – “8) Como a A. sabe e se apercebeu, nos dias 12/12/2021 e seguintes, inclusive com um fim de semana no meio, o gerente da R. BB, esteve ausente da empresa” –, que a Recorrente defende que deve passar a provado, o que se constata é que, para além dos depoimentos / declarações prestadas pelo sócio gerente da Ré e pela Autora, que são claramente contrários (referindo a primeira que o mesmo esteve na empresa e o segundo que não), nenhuma outra prova produzida é passível de dar suporte, em termos de prova, a esse invocado facto, pelo que, valendo aqui o que referimos anteriormente a respeito de preenchimento do ónus da prova, razão encontramos para que possamos afastar a convicção a que chegou, nesta parte, o Tribunal recorrido.
É que, entendendo-se que o Tribunal da Relação, embora não se trate de um novo julgamento, na apreciação da impugnação da decisão sobre matéria de facto, usando do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância (artigo 607.º, nº 5, do CPC), em termos de proceder ao controlo efetivo da decisão recorrida – devendo sindicar a formação da convicção do julgador, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras de experiência e da lógica jurídica na análise das provas, como garantia efetiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto, porém, sem prejuízo do reconhecimento da vantagem em que se encontra o julgador na 1ª instância em razão da imediação da prova e da observação de sinais diversos e comportamentos que só a imagem fornece –, tendo presente o regime estabelecido, assim no artigo 662.º do CPC, não se basta, no entanto, com a constatação de que os meios de prova admitam, permitam ou consintam uma decisão diversa da recorrida, não podendo o recorrente limitar-se a invocar genericamente que ocorreu erro de julgamento, tendente a uma reapreciação global dos meios de prova, exigindo, antes, que tal censura seja assente na violação de qualquer dos passos para a formação da convicção firmada em 1.ª instância, seja designadamente por não existirem os dados objetivos que se apontam na motivação, seja por se terem violado os princípios para a aquisição desses dados objetivos ou ainda por não ter existido liberdade de formação da convicção. Ou seja, a lei impõe ao recorrente, que pretenda impugnar a decisão de facto, um ónus de impugnação, devendo expor os argumentos que, extraídos de uma apreciação crítica dos meios de prova, determinem, em seu entender, um resultado diverso do decidido pelo tribunal de 1.ª instância, sendo que, os argumentos não procedem.
Por decorrência de todo o exposto, improcedendo no mais, na procedência parcial do recurso, determina-se:
- a eliminação da alínea AA) da factualidade provada;
- a alteração da alínea Z) da factualidade provada, passando essa a ter a redação seguinte:
“Z) Em face do referido na alínea anterior, no dia 14/12/2021, pelas 10 horas, a A. deslocou-se ao escritório existente nas instalações da R. questionando o motivo pelo qual não foi pago o seu vencimento tendo-lhe sido transmitido pelo filho do gerente que não sabia.”
1.2.2.2 alíneas BB) e CC), constante da factualidade provada, e pontos 4.º e 6.º, incluídos como não provados
Estas alíneas e pontos têm a redação seguinte:
Alíneas provadas:
- “BB) A R. persistiu e persiste, mesmo após a cessação do contrato de trabalho, no não pagamento à A. do seu vencimento referente ao mês de Novembro de 2021”;
- “CC) A R., de forma intencional e culposa, persistiu no não pagamento à A. do seu vencimento referente ao mês de Novembro de 2021 em face da sua posição em beneficiar da licença para amamentação”.
Pontos não provados:
- “4) Entre o dia 07/07/2021 e o dia em que abandonou o trabalho, a A. sempre beneficiou da dispensa para amamentação, em dois períodos distintos do dia, com a duração de cerca de uma hora, compreendidos, sensivelmente, entre as 11 e as 12 horas, no período da manhã, e entre as 15 e as 16 horas, no período da tarde;”
- “6) A R. nunca impediu a A. de gozar da sua licença para amamentação;”Defende a Recorrente que o que consta das referidas alíneas deve ser tido como não provado e que deve considerar-se antes provado o que consta dos também citados pontos do elenco não provado
Sustenta a Recorrente:
- quanto às citadas alíneas provadas, que: não obstante se tratar de uma conclusão, sequer corresponde à verdade, referindo designadamente que o que resulta dos depoimentos se resume a que: a Autora não recebeu o seu salário no mesmo dia em que as restantes trabalhadoras porque faltou; deslocou-se ao escritório da Ré onde falou com o filho do legal representante que lhe referiu que o pai não estava e que era ele quem sempre pagava os salários teria que esperar que ele regressasse à empresa; nessa semana a Autora e o legal representante da Ré não se encontraram, pois nesse mesmo dia 15 de Dezembro de 2021, da parte da tarde, a Autora já não veio trabalhar e nunca mais voltou à empresa;
- quanto aos referidos pontos, que: as testemunhas CC, DD, EE e FF, não se limitaram a responder ao que é normal nestes caso no seio da empresa da Ré, respondendo também ao caso concreto da Autora, se ela gozou ou não a licença de amamentação até ao último dia em que laborou na empresa, o que também ocorreu nas declarações de parte do legal representante da Ré e da própria Autora; O filho da Autora faz um ano no dia 29 de Novembro de 2021 e durante a semana que se seguiu, é a própria Autora a admitir que não gozou de licença de amamentação por iniciativa própria, sendo que só remete a comunicação, como resulta do facto provado em W), com o respetivo atestado médico, por carta datada de 07/12/2021 e rececionada pela Ré no dia 13/12/2021, sendo que, como resulta agora do facto provado em S), prestou funções para a Ré até ao final do período da manhã do dia 15/12/2021, pelo que, conclui, nunca a Autora foi impedida de gozar da sua licença para amamentação
Socorrendo-nos do corpo das alegações, não obstante essas não primarem pela clareza, em particular quando se indica a prova por temas e não diretamente para pontos de facto concretos provados ou não provados, percebendo-se no, entanto, que estará em causa o que se deu como provado nas alíneas BB) e CC), que se fizeram constar da factualidade provada, bem como os pontos 4.º e 6.º constantes como não provados, que expressamente são depois impugnados, como ainda a prova que é indicada para suportar a alteração que se pretende – fazendo constar e localizando-se as passagens que se diz estarem a ser transcritas dos depoimentos no registo da gravação –, razão pela qual consideramos que, na situação exposta, não obstante os que se referiu, foram minimamente cumpridos os ónus de impugnação.
Pronunciando-se a Apelada pela manutenção do julgado, cumprindo-nos apreciar, tal como aliás a Recorrente o invoca, consideramos que, em particular na alínea CC) analisada, é utilizada expressão claramente conclusiva, envolvendo também a aplicação do direito e de resto com relevância para a decisão na presente ação, assim quando se fez constar “culposa”, seguida de seguida de “persistiu no não pagamento à A. do seu vencimento referente ao mês de Novembro de 2021”. Na verdade, o dizer-se que determinado comportamento é ou não culposo, envolve já um juízo ou conclusão, a retirar de factos concretos que estejam demonstrados e que envolve aliás a aplicação do direito, sendo que, na presente ação, em que se discute se resolução do contrato foi ou não efetuada com justa causa, tal juízo / conclusão assume especial relevância para efeitos da aplicação da lei e do direito.
Ora, a decisão da matéria de facto apenas deve contemplar factos, estes os acontecimentos da vida real, e não já matéria de direito.
De acordo com os ensinamentos de Alberto dos Reis[14]: “(…) é questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior; b) É questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei; (…) Entendemos por factos materiais as ocorrências da vida real, isto é, ou os fenómenos da natureza, ou as manifestações concretas dos seres vivos, nomeadamente os actos e factos dos homens. (…) Em conclusão: O juiz, ao organizar o questionário, deve evitar cuidadosamente que nele entrem noções, fórmulas, categorias, figuras ou conceitos jurídicos; deve inserir nos quesitos unicamente factos materiais e concretos (…).” Também Manuel de Andrade[15], refere: “O questionário deve conter só matéria de facto. Deve estar rigorosamente expurgado de tudo quanto seja questão de direito; de tudo quanto envolva noções jurídicas (…)”. Por sua vez, Anselmo de Castro[16], diz que “(…). A aplicação da norma pressupõe, assim primeiro, a averiguação dos factos concretos, dos acontecimentos realmente ocorridos, (…), Esses factos e a averiguação da sua existência ou não existência constituem, respectivamente, os factos e o juízo de facto – juízo histórico dirigido apenas ao ser ou não ser do facto. (…). Igualmente indiferente é a via de acesso ao conhecimento do facto, isto é, que ele possa ou não chegar-se directamente, ou, somente através de regras gerais e abstractas, ou seja, por meio de juízos empíricos (as chamadas regas da experiência). (…).”
Aplicando ao caso o mencionado entendimento, e sem prejuízo do mais que diremos de seguida, importa que exclua, desde já, da alínea CC) que aqui se analisa a expressão culposa.
Avançando na apreciação, em segundo lugar, estando já provado, na alínea J), que “a R. não pagou à A. a retribuição e subsídio de alimentação referente aos meses de Novembro e Dezembro de 2021”, não impugnada no presente recurso, sob pena de nessa parte se traduzir na nossa ótica em mera e desnecessária repetição, sem qualquer utilidade na ação, é também de excluir as referências, constantes das alíneas BB) e CC), a “não pagamento à A. do seu vencimento referente ao mês de Novembro de 2021”, pois que esse não pagamento já resulta da referida alínea J) provada, como ainda, na primeira, que “a R. persistiu e persiste, mesmo após a cessação do contrato de trabalho” no não pagamento, pois que, afinal, o dar-se como provado antes que não pagou tal vencimento referente ao mês de Novembro de 2021, envolve já a consideração do período posterior, assim o que consta da alínea BB.
Do exposto resulta que, afinal, apenas não está já incluído na aludida alínea J), no que diz respeito ao que consta das alíneas BB) e CC), o saber, factos constantes da última, se aquele não pagamento pela Ré, a que nos referimos e que se encontra como o dissemos provado, foi intencional em face da posição da Autora em beneficiar da licença para amamentação.
Avançando então na apreciação, constata-se que da motivação constante da sentença, para além do que se refere à alínea CC), que já citámos aquando da análise que fizemos anteriormente (e para onde remetemos, evitando repetições), se fez constar, quanto ao demais, assim a alínea BB) provada e pontos 4.º e 6.º não provados que agora analisamos, o seguinte:
“(…) Os pontos BB), DD) e EE) ficaram demonstrados do depoimento do gerente da R., sendo que, embora este tenha referido não ter pago os valores que considera devidos a tal título em virtude de fazer os pagamentos em numerário e a A. nunca mais lá ter ido, também declarou que, no passado havia já procedido ao pagamento de retribuições por transferência bancária, tendo o iban da A., pelo que poderia o pagamento ter sido efectuado por tal meio.
(…)
Não ficou demonstrado o ponto 4) em virtude de a A. ter confirmado o gozo de licença de amamentação apenas até ao final do primeiro ano de vida do filho e, não obstante o gerente da R. ter declarado que a mesma se manteve até a A. deixar de comparecer ao serviço, esta versão foi infirmada pelo depoimento de GG, sogra da A., que declarou que em Dezembro a A. já não iria amamentar porque o patrão não lhe dava as horas e, apesar da testemunha CC ter declarado também que a A. continuou a amamentar, inclusive no último dia de trabalho, certo é que tal não resulta do mapa de presenças de Dezembro de 2021 junto a fls. 61 verso, pois no dia 15/12 consta, como explicou esta testemunha, 4,5 horas de ausência ao trabalho, o que corresponde à parte da tarde. Ficam a faltar 3,5 horas de trabalho prestado para perfazer as 8 horas diárias de trabalho, o que não teria ocorrido se a A. tivesse entrado às 8h30m e saído às 11h para amamentar, como referiu esta testemunha. As demais testemunhas nada puderam afirmar com certeza quanto ao número de horas que a A. trabalhou no mês de Dezembro, sendo que resultou dos seus depoimentos estarem os mesmos viciados pela argumentação de que a R. concede sempre licença de amamentação, sem considerarem o limite de 1 ano que é sempre gozado na R. para esse efeito, o que não correspondia à situação da A. no mês de Dezembro. Por outro lado, notificada para o efeito, juntou a R. a fls. 92 e 93 dos autos as marcações de ponto da A. nos meses de Novembro e Dezembro de 2021, os quais, no entanto, foram impugnados pela A. e não foram confirmados por qualquer outro meio de prova, pelo que não podem ser considerados. E quando se diz que não foram confirmados por outro meio de prova tem-se em conta também o mapa de fls. 61 verso, pois para além de, nos dias 07 e 15/12 de fls. 93 constar apenas 2,5h de trabalho prestado, o que, conjugado com as 4,5h de falta no mapa de fls. 61 verso corresponde a um total diário de 7h e não as 8h diárias, a fls 93 consta que nos dias 9 e 10/12 a A. trabalhou, o que não coincide com as declarações da A. quanto a ter faltado ao trabalho dia 10 nem à argumentação da R. para não lhe ter pago a retribuição nesse dia devido à mesma ter faltado ao serviço, o que, só por aqui, retira toda a credibilidade ao documento de fls. 93.
Os demais factos dados como não provados resultaram da ausência de prova nesse sentido, face à convicção quanto aos depoimentos prestados nos termos já supra expostos, sendo que relativamente ao mês de Novembro cabia à R. demonstrar as faltas dadas pela A. para efeitos de determinação do valor a pagar, o que esta não logrou fazer, até porque do extracto de remunerações de fls. 86 e ss. não resulta qualquer período de baixa médica em tal mês.”
Apreciando, então, iniciando-se a análise pela questão de a Autora ter ou não gozado de dispensa para amamentação, designadamente entre os dias 7 e 15 de dezembro – data essa que resulta da consideração do constante das alíneas GG) e II) provadas, pois que não foram impugnadas no presente recurso: “GG) No dia 15/12/2021 a A. não compareceu ao trabalho da parte da tarde, como não compareceu nos dias seguintes;” “II) No mês de Dezembro de 2021 a A. esteve de baixa médica a partir de dia 15” –, na consideração da prova que foi produzida, a que se alude na motivação antes transcrita e ainda nas alegações da Recorrente, sendo para nós evidente que as versões da Autora e do legal representante da Ré não coincidem, na medida em que, dizendo este último que sempre foi gozada pela Autora a licença para amamentação (minutos 7/8), já a primeira, diversamente, referiu que só o fez até ao dia em que o filho fez um ano, no entanto, como resulta das declarações que a Autora prestou, na consideração desde logo do teor da carta que enviou – junta aos autos, sendo datada de 7 apenas teria sido enviada a 9 de dezembro –, ao constar dessa, expressamente, “V,ª Ex,ª impede-me de beneficiar da dispensa para amamentação (…), impedimento esse que ocorre desde o dia 30.11.2021”, o que se constata, porém, a respeito da utilização da expressão “impedimento” nessa carta, é que essa, assumindo a natureza conclusiva, que pressuporia a invocação dos factos que se se pudesse alicerçar, estes porém não são resultam afinal propriamente das declarações que a Autora prestou em audiência de julgamento, pois que dessas resulta, noutros termos, que, sendo verdade que referiu que depois de acabar um ano foi impedia de gozar a amamentação, o que já ocorreu no dia 30 de novembro (assim a minutos 29), no entanto, acabou por esclarecer, de seguida, que teriam entrado minimamente em acordo, em face do que teria sido dito pelo sócio gerente da Ré – de que seria injusto para a firma porque estaria a beneficiar das duas horas para meu benefício mas estaria a prejudicar a firma –, que primeiramente até teria aceitado isso, que teria falado com a sogra, que retirava o leite e ela dava-lhe de mamar, e que depois aí é que começou a perseguição…, uma maneira de dizer, que teria sido quando foi mesmo para a frente, uma vez que o filho não conseguia mamar do leite do biberão…, tinha mesmo que usufruir das duas horas de amamentação (minutos 6 a 8), sendo que, perguntada sobre se houve algum período que deixou de gozar, referiu que o filho fez anos a 29 de novembro, que teria sido uma semana e, porque ele não pegava no biberão, teve que optar por uma outra forma – perguntada sobre se esteve uma semana sem esta dispensa, respondeu que sim, e perguntada sobre se no final dessa semana foi quando enviou esta carta, também respondeu que sim (minutos 9). De resto, a tal questão se voltou mais tarde (minutos 29/31), nesse caso a instâncias do Ilustre Advogado, que tendo referido que a Autora havia dito que tinha feito um acordo com o sócio gerente da Ré, a mesma respondeu que sim – que ele justificou bem, que não compensaria para a empresa que la estivesse a usufruir das duas horas, uma vez que a empresa precisava dela, que tinha que pagar na mesma mas não a teria lá a trabalhar, a ajudar a empresa –, que era sincera, que primeiramente até tinha concordado, que ele até teria um bocado razão, ele precisa que eu ajude, pronto, e que por isso naquela semana não usufruiu da licença de maternidade (como ainda, também, a pergunta sobre se voltou a gozar a licença, que esperou aqueles dez dias para alguém me vir dizer se realmente aceitavam ou não). Ainda, a minutos 35 e seguintes; admitindo mais uma vez que entraram em mútuo acordo, mas que foi sempre comunicado que pretendia, que iria ajustar com o filho se ele aceitaria o biberão, que houve esse acordo, sendo que, em resposta à expressão do Ilustre Advogado de que não teria então havido problemas nenhuns na semana seguinte, respondeu que houve, que o filho não pegava no biberão; ainda em resposta ao Tribunal quando lhe foi referido que o que o Advogado estava a dizer é que ela nessa semana não gozou a dispensa de amamentação porque decidiu assim, respondeu que tinham entrado em mútuo acordo, mas foi sempre comunicado que pretendia, que iria ajustar com o filho se ele aceitaria o biberão; em resposta à afirmação do Advogado de que nessa semana, com a empresa houve esse acordo, respondeu sim, e, à pergunta sobre se estavam a falar da semana de 30 de novembro a 5 de dezembro, respondeu também sim, como ainda, à afirmação de que ela teria referido também que depois disso não teve mais conversa nenhuma com o Sr. BB e que é quando envia a carta, respondeu mais uma vez que sim.
Por outro lado, a respeito agora do que possa resultar do depoimento prestado pelas testemunhas, assim as indicadas na motivação e ainda pela Recorrente, que aliás transcreve extratos nas alegações – que, muito embora não sendo absolutamente fieis ao que resulta dos registos da gravação, não altera porém o sentido do que foi referido –, consideramos que, se por um lado, o depoimento da testemunha GG, sogra da Autora, não pode assumir a relevância que o Tribunal recorrido lhe parece querer atribuir, em termos de dizer que, por si só, não colhendo desde logo adequada conformação com o que foi referido pela Autora nas suas declarações, nos termos que resulta do que antes dissemos, não será bastante para infirmar o depoimento do legal representante da Ré, tanto mais que em bom rigor se limitou a referir que em dezembro a Autora já não iria amamentar porque o patrão não lhe dava as horas, por outro lado, ainda, na consideração do que resultou dos depoimentos das demais testemunhas indicadas, não se extrai, com salvaguarda do respeito devido, desde logo adequado fundamento para que se possa afirmar, como o fez o Tribunal recorrido na motivação antes transcrita, que resulte dos seus depoimentos que esses estariam “viciados pela argumentação de que a R. concede sempre licença de amamentação, sem considerarem o limite de 1 ano que é sempre gozado na R. para esse efeito, o que não correspondia à situação da A. no mês de Dezembro”, tanto mais que que se extrai desses depoimentos elementos passíveis de ser atendidos ou não no momento da formação da convicção, o que naturalmente só poderá resultar da análise conjunta e ponderada de toda a prova. É que do depoimento dessas testemunha-se extrai-se, o que pode ter relevância para esta matéria, designadamente o seguinte: que a testemunha CC referiu que a Autora saía de manhã, tinha uma hora de manhã para sair para ir amamentar o filho, e tinha outra à tarde, o que ocorreu desde que aquela foi trabalhar para a Ré e, a pergunta sobre se algum dia ela foi impedida de amamentar e de sair, respondeu não (minutos 4/5); que a testemunha DD referiu que se recordava que a Autora ia de manhã, sei que ela saía às 11 e vinha à uma e da parte da tarde não tenho a hora precisa, mas ia sempre, que nunca disse nem a ela nem a outras colegas, que ouvisse, que o Sr. BB se tivesse oposto, sendo que, referindo que pensava sem certeza que a Autora teria saído no final do ano, disse também que enquanto lá esteve a trabalhar teria ido sempre amamentar o filho de manhã e à tarde (4/5); que a testemunha EE, a pergunta sobre se se apercebeu que a Autora até ao dia em que ela se foi embora, sempre teve esse horário de amamentação ( se saiu às 11 e às 3 da tarde), respondeu sempre (3/4); que a testemunha FF , a respeito do horário que a Autora teria feito para amamentação, referiu que achava que era das 11 ao meio dia e que tinha quase a certeza que era das 3 às 4, porque era o intervalo delas era às 3 e meia e ela vinha depois do intervalo (referindo ainda que era ela que dava o trabalho da linha e às vezes tinha que organizar as coisas e que por isso se apercebia) e, a pergunta sobre se aquela até ao dia em que se foi embora gozou sempre o período de amamentação, respondeu que sim, e, se depois de o filho ter feito um ano se o continuou a fazer, respondeu que entretanto também só trabalhou mais pouquinhos dias e foi logo para a baixa, e, a pergunta sobre se se recordava se pelo facto de o filho ter feito um deixou de ir amamentar, respondeu que achava que não, que achava que ela ainda tinha ido um dia ou dois, mas que não se recordava mesmo (4/7 minutos).
Neste contexto, ainda na consideração do que possa resultar de outra prova, assim dos documentos a que se alude também na motivação (fls. 92 e 93 e 61 verso), que não coincidirão afinal, o que constatamos, quanto ao que dos mesmos possa resultar em termos dos horários (dias e horas), a conclusão a que chegamos é a de que, desde logo, por um lado, dúvidas sérias nos ficam sobre saber se, efetivamente, foi ou não gozado pela Autora, a partir de 30 de novembro de 2021, qualquer período para amamentação do filho, pois que, retirando-se das declarações da Autora que não, extrai-se porém que teria havido um acordo, nos termos que mencionámos antes, e que depois enviou a carta e que ficou a aguardar dez dias, por sua vez, resultando da demais prova, nos termos que também o referimos, que teria gozado de horas para amamentação, sendo que, em face de tais versões contraditórias, não encontramos fundamentos bastantes para, afastando a convicção do Tribunal recorrido, que possamos considerar que a prova permite dar suficiente sustentação em termos de se dar como provado, como o pretende a Recorrente, o que consta dos pontos 4.º e 6.º da factualidade não provada, que aqui se reanalisam.
Porém, do mesmo modo, o que resulta também da consideração de tudo o que antes dissemos, como ainda aliás no ponto anterior – ponto “1.2.1.”, referentes às alíneas Z) e AA), constante da factualidade provada, e pontos 8.º e 9.º, tidos como não provados –, recordando o que aí dissemos a respeito da reapreciação da matéria de facto por parte da Relação, de aqui imperar o princípio da livre apreciação da prova, bem como do uso das regras da experiência comum, para onde remetemos em termos de prescindirmos aqui da sua repetição, a verdade é que, em termos diversos do que entendeu o Tribunal recorrido, também não existe prova bastante que dê adequada sustentação sobre, estando incluído como antes o dissemos nas alíneas BB) e CC), uma qualquer efetiva intenção, a respeito do não pagamento pela Ré do salário de novembro de 2021 (que se encontra como o dissemos provado), por essa, ter sido intencional em face da posição da Autora em beneficiar da licença para amamentação. Na verdade, quanto a este aspeto, apenas se poderá afirmar, porque já resulta provado, o não pagamento desse salário, sendo que, no mais, assim essa intenção e motivação, na consideração de que sequer resultou provado que a Autora gozou ou não em dezembro de 2021 até ao momento da baixa de horas para amamentação, ainda que não tivesse gozado, sendo a própria Autora quem refere a existência de um acordo na primeira semana, que a seguir enviou a carta e que depois ficou a aguardar 10 dias, pelo que, importando que tenhamos também presente que entre a data em que foi pago o salário às outras trabalhadoras apenas tinham decorrido alguns dias, que o salário era habitualmente pago em dinheiro pelo sócio gerente e que a Autora não teria ido trabalhar nesse dais, a prova produzida, nesta sede reapreciada e reanalisada, é a nosso ver sem dúvidas parca para que se possa formar uma qualquer convicção positiva nesse sentido.
Por decorrência do exposto, improcedendo o recurso no mais, pelas razões afirmadas, eliminam-se as alíneas BB) e CC) contantes do elenco factual provado.
1.3. Pelas razões que anteriormente referimos, o elenco factual a atender para dizermos o Direito do caso é aquele que como tal foi considerado em 1.ª instância, com as alterações antes determinadas.
2. O Direito do caso
Em face do que resulta das conclusões apresentadas pela Recorrente, que como o dissemos já, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, delimitam o âmbito do nosso conhecimento, dizendo aquela que “ao decidir da forma como decidiu, violou a sentença recorrida, entre outros, os artigos 47º, 48º, 394º e 400 do Código do Trabalho e 413º e 607º do Código de Processo Civil”, apresenta como argumentos, no essencial, que, exigindo-se, para a resolução do contrato com justa causa, como primeiro requisito, que exista um comportamento da entidade empregadora enquadrável em qualquer das alíneas do n.º 2 do artigo 394º do Código do Trabalho (CT), esse requisito não se encontra preenchido, pois, em momento algum, a Ré, com a sua conduta, ofendeu as garantias da Autora ou a sua dignidade, e, quanto ao requisito, de que esse comportamento possa ser imputado à entidade empregadora a título de culpa, também o mesmo não se verifica, pois que, diz, a Autora não recebeu o seu salário referente ao mês de novembro de 2021, no mesmo dia que os restantes trabalhadores, ou seja, no dia 10 de dezembro de 2021, porque nesse dia faltou, nunca tendo a Ré, posteriormente, negado que lho devia ou dito que não o iria pagar, o que iria, certamente, acontecer uma vez que o gerente da Ré regressasse à empresa, não se verificando, ainda, por último, o terceiro requisito, que diz consistir em que tal comportamento, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, em termos de não ser exigível ao trabalhador a conservação do vínculo laboral, portanto no presente caso não temos qualquer situação que justifique a resolução com justa causa, muito menos grave.
Conclui que a deve a sentença ser revogada e substituída por uma outra que declare a ilicitude da cessação do contrato de trabalho operada pela Autora, absolvendo a Ré do pedido de indemnização por antiguidade, e que deve, por sua vez, a reconvenção ser julgada provada e procedente e em consequência ser a Autora condenada a pagar à Ré a quantia de 1.330,00€, devendo tal valor ser descontado/compensado do montante que devido pela Ré.
Defendendo a Apelada a adequação do julgado, no que é acompanhada pelo Ministério Público junto desta Relação, de seguida passaremos ao conhecimento das delimitadas questões.
2.1. Questão da resolução do contrato pela Autora
Nas suas conclusões, mostra a Recorrente a sua discordância com o decidido no que se refere à justa causa para a resolução do contrato por parte da Autora, questão essa que, por razões sistemáticas, começaremos por analisar.
Constata-se que, quanto à analisada questão, se fez constar da sentença, depois de considerações a respeito do enquadramento teórico e legal da questão, incluindo com citação de doutrina e jurisprudência, o seguinte:
“(…) No caso concreto, a invocada justa causa para resolução do contrato de trabalho, por parte da A., foi o impedimento de manutenção do benefício de dispensa para amamentação previsto no artigo 47º nº 1 do CT, que se mantém enquanto durar a amamentação e que, de acordo com a declaração médica junta aos autos, se mantinha quanto o filho da A. perfez um ano de idade; bem como o não pagamento do vencimento referente a Novembro de 2021 como forma de prejudicar a A. em face das colegas e devido àquela sua pretensão.
Ora, quanto ao dever de pagamento de retribuição e fundamento para a resolução com justa causa pela falta culposa do mesmo, transcreve-se o exposto no Acórdão do TRÉvora de 07/02/2013, proc. 56/11.0TTPTM.E1, disp. in www.dgsi.pt, com o qual concordamos:
“o trabalhador só pode resolver o contrato de trabalho com justa causa subjectiva se o comportamento do empregador for ilícito, culposo e tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, em razão da sua gravidade e consequências, ou seja, é necessária a existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e a insubsistência da relação laboral. Como princípio geral, a culpa do empregador presume-se, nos termos do artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil, de acordo com o qual «incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o incumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua». Por isso, quando ocorra a violação de um qualquer dever contratual por parte do empregador, designadamente a falta culposa de pagamento pontual da retribuição, vale a regra ínsita no artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil, o que significa que, demonstrados os comportamentos que configuram, na sua materialidade, violação de deveres contratuais imputados ao empregador (cuja prova, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, compete ao trabalhador), a culpa do mesmo presume-se, havendo de ter-se por verificada, caso a presunção não seja ilidida pelo empregador. Todavia, a lei expressamente qualifica de culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta até ao termo daquele prazo (n.º 5 do artigo 394.º). Como assinala Leal Amado (Contrato de Trabalho, 2.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 460), «neste tipo de casos, em que a mora do empregador excede estes marcos temporais, mais do que uma mera presunção juris tantum de culpa, estabelece-se uma ficção legal de culpa patronal na falta de pagamento da retribuição (a qual, portanto, não admite prova em contrário)». Na verdade, como se afirmou, tendo em conta que de acordo com os princípios gerais se presume a culpa do empregador nos termos do artigo 799.º, do Código Civil, incumbindo, por isso, a este provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua, seria destituído de sentido que no aludido n.º 4 do artigo 394.º do Código Trabalho, designadamente quando a falta de pagamento pontual da retribuição se prolongue por período de 60 dias, se estabelecesse novamente um presunção ilidível de culpa. Considerando que na fixação do sentido e alcance da lei se presume que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (cfr. artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), a referência a comportamento culposo no caso de falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias só poderá entender-se como não admitindo prova em contrário, diferentemente do que sucede nas outras situações contempladas no n.º 2 do artigo 394.º, nomeadamente se a falta de pagamento pontual da retribuição se prolongar por período inferior a 60 dias, situação em que compete ao empregador provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua. (…) Atente-se que, como se extrai do disposto no artigo 278.º, n.º 1, do Código do Trabalho, o crédito retributivo vence-se por períodos certos e iguais, que, salvo estipulação ou uso diverso, são a semana, a quinzena e o mês do calendário; o montante da retribuição deve estar à disposição do trabalhador na data do vencimento ou em dia útil anterior (n.º 4 do mesmo artigo). (…) Como assinala Pedro Furtado Martins (Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª edição, Princípia, pág. 537) «(…) não basta o mero atraso no pagamento de qualquer prestação retributiva, mesmo que por mais de 60 dias, para concluir que o comportamento do empregador – sendo embora culposo, dada a presunção decorrente do artigo 394.º, 5 – constitui necessariamente justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador []. A este propósito é importante assinalar que a lei não exige que a falta de pagamento atinja toda a retribuição, pelo que dificilmente se aceitará que o atraso no pagamento de uma parcela insignificante da retribuição conduza fatalmente a uma situação de impossibilidade de prossecução da relação de trabalho. (…). A lei terá certamente partido do pressuposto de que a falta de pagamento afeta a retribuição na sua totalidade ou pelo menos uma parte significativa da mesma». Como se afirmou, a justa causa de resolução é apreciada nos termos do n.º 3 do artigo 351.º, com as necessárias adaptações (n.º 4 do artigo em referência); isto é, da existência de culpa no não cumprimento pontual de uma obrigação não decorre, forçosamente, justa causa para a resolução do contrato pelo trabalhador; esta terá de aferir-se nos termos do n.º 3 do artigo 351.º do Código do Trabalho, por remissão feita pelo n.º 4 do artigo 394.º, pelo que deve atender-se ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre este e a sua entidade empregadora, aos demais envolvimentos e circunstâncias precedentes e posteriores ao comportamento invocado como constituindo justa causa [neste sentido, e embora no domínio da anterior legislação, podem ver-se, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 02-04-2008 (Proc. n.º 2904/07 – 4.ª Secção) e de 18-02-2009 (Proc. n.º 3442/08 – 4.ª Secção), ambos disponíveis em www.dgsi.pt]. A impossibilidade de subsistência da relação de trabalho deverá aferir-se em função da diversa factualidade invocada e apurada, como seja as retribuições em falta, o montante das mesmas, a situação económica do trabalhador, etc.: é perante esses factos que terá que se apurar se a falta de pagamento em causa, pela sua gravidade e consequências, tornou praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”.
Ora, no caso em apreço, ficou demonstrado que a R. procedia ao pagamento das retribuições pelo menos até dia 10 do mês seguinte, o que fez em relação a todas as trabalhadoras com excepção da A. quanto à remuneração do mês de Novembro de 2021.
É certo que, face à ausência da A. no dia de pagamento às demais trabalhadoras, não teria sido possível à R. o seu pagamento nessa data, mas já o poderia ter realizado nos dias subsequentes (de 13 a 15/12/2021), o que não fez.
Atenta a presunção iuris tantum supra mencionada, presume-se que esta falta de pagamento é culposa, sendo que a R. não logrou ilidir tal presunção.
Mas, mais do que isso, demonstrou a A. que a ausência desse pagamento foi consequência da sua intenção de continuar a beneficiar da licença de amamentação e que, pelo que lhe foi comunicado pelo gerente da R., o pagamento do ordenado seria atrasado face a tal facto, com expressa menção à justificação de que só com o atraso de 3 ordenados é que a A. poderia reagir.
Ou seja, o não pagamento atempado da retribuição de Novembro de 2021 à A. deveu-se apenas a uma represália pela sua intenção de beneficiar de um direito legalmente previsto e como forma de a persuadir a não o fazer, o que notoriamente viola o disposto nos artigos 126º nº 1, 127º nº 1 alíneas a) e b) e nº 3 do CT, bem como a violação das garantias da A. enquanto trabalhadora previstas no artigo 129º nº 1 alíneas a) e c) do mesmo diploma.
É irrelevante se tal atraso ocorreu apenas desde o dia 13/12/2021, pois a fundamentação dada pela R. e considerada como provada no ponto AA) dos factos provados evidencia que esta situação se iria manter enquanto a A. pretendesse gozar a licença de amamentação (cfr. ainda ponto CC).
“Há jurisprudência que entende que é à luz deste mesmo conceito legal de justa causa que deve ser examinado o comportamento da entidade empregadora invocado pelo trabalhador para a resolução do contrato com direito a indemnização . Não é, portanto, um mero conflito entre as partes, ou mesmo uma qualquer ofensa de uma à outra, que pode consubstanciar justa causa de resolução imediata do contrato de trabalho, com direito à indemnização. É necessário que esse conflito configure uma das situações legalmente integráveis no âmbito da justa causa de resolução e bem assim que ao trabalhador, dada a gravidade e consequências dessa situação, torne imediata e praticamente impossível a manutenção da relação de trabalho. Quer isto dizer que, segundo a referida jurisprudência, o trabalhador só pode resolver o contrato de trabalho, sem observância de pré-aviso, e com direito a indemnização, se se verificar um comportamento que seja imputável à entidade empregadora, a título de culpa, e que esse comportamento, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a manutenção do vínculo laboral. Devemos, contudo, ter presente, na apreciação desta questão, que enquanto o empregador dispõe de sanções intermédias (conservatórias) para reagir a uma determinada infracção ou a determinado incumprimento do trabalhador, este, quando lesado nos seus direitos, por qualquer incumprimento do empregador, não tem formas de reacção alternativas à resolução: ou executa ou resolve o contrato. Neste contexto, pode dizer-se que o rigor com que se aprecia a justa causa invocada pelo empregador não pode, de modo algum, ser o mesmo com que se aprecia a justa causa quando invocada pelo trabalhador. Daí que haja quem rejeite a tese que defende que a noção legal de justa causa de despedimento por parte do empregador e a noção de justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador devem obedecer aos mesmos critérios de apreciação. Para o Prof. Júlio Vieira Gomes, os dois conceitos de justa causa (a invocada pelo empregador e a invocada pelo trabalhador) não são absolutamente simétricos. E para o Prof. João Leal Amado a ideia de configurar a justa causa como uma categoria genérica, aplicável, nos mesmos termos, para o trabalhador e entidade empregadora era de facto acolhida pela LCT, mas foi completamente aniquilada pela Constituição; esta ao acentuar a estabilidade do emprego no que toca ao despedimento (promovido pelo empregador) e a liberdade de trabalho no que toca à rescisão (por iniciativa do trabalhador), tornou nítido que os valores em presença diferem profundamente, consoante o contrato cesse por iniciativa de uma ou de outra das partes. Convém, pois, não cair no engodo da simetria, como caiu a sentença recorrida. Embora os dois conceitos de justa causa (a invocada pelo empregador e a invocada pelo trabalhador) não devam considerar-se simétricos, embora o trabalhador não disponha das formas de reacção alternativas de que dispõe o empregador, entendemos que não basta verificar-se um simples incumprimento, qualquer infracção ou qualquer falta imputável ao empregador, a título de culpa, para o trabalhador poder resolver com justa causa o seu contrato de trabalho, com direito a indemnização. Para existir justa causa é necessário que se verifique uma infracção grave imputável ao empregador, a título de culpa, que torne inexigível para o trabalhador a manutenção da sua relação contratual, devendo o limiar da gravidade do incumprimento do empregador (na resolução do contrato com justa causa) situar-se abaixo do limiar da gravidade do incumprimento do trabalhador (no despedimento com justa causa). Não se impõe que a infracção seja de tal forma grave em si mesma e nas suas consequências que torne imediata e praticamente impossível a manutenção da relação de trabalho. Basta que a conduta do empregador seja grave e que face a essa gravidade e reiteração se torne inexigível para o trabalhador a manutenção do seu contrato de trabalho” (cfr. Acórdão do TRLisboa de 12/10/2016, proc. 244/14.8TTALM.L1-4, disp. in www.dgsi.pt).
Não pode o Tribunal deixar de concordar com esta última posição doutrinária e jurisprudencial, especialmente porque, tratando-se da falta de pagamento da retribuição, o trabalhador vê-se necessariamente coarctado de um dos seus principais direitos perante a entidade empregadora.
Assim, na situação concreta, e considerando a justificação para o não pagamento atempado da retribuição do mês de Novembro de 2021, o pagamento da mesma às demais trabalhadoras da R. e intenção da A. beneficiar da licença de amamentação (que se prolongaria no tempo e, consequentemente, no não recebimento da retribuição por mais de um ou dois meses), considera o Tribunal que o grau de lesão dos interesses da A., enquanto trabalhadora, a relação entre A. e R., que se mostra irremediavelmente desgastada pela posição assumida pela R. e supra exposta quanto à retenção do vencimento, bem como o facto de a A. trabalhar para a R. desde 11/07/2019 sem que esta tivesse deixado de, até à data dos factos em causa nos autos, pagar pontualmente os créditos salariais devidos à A. (cfr. ponto R, dos factos provados), evidencia que se tornou inexigível para a A. a manutenção do seu contrato de trabalho com a R..
Por outro lado, não se demonstrou qualquer facto susceptível de integrar o alegado instituto0 de abuso de direito por parte da A..
Conclui-se, assim, pela existência de justa causa de resolução do contrato pela A., que se julga lícita, nos termos supra expostos.”
Em face da citada fundamentação, ressalvando de novo o respeito que nos merece diverso entendimento, desde já diremos que não acompanhamos a solução a que chegou o Tribunal recorrido.
Resulta do artigo 394.º do CT/2009 (redação vigente à data da resolução):
“1 - Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.
2 - Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador:
a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição;
b) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador, designadamente a prática de assédio praticada pela entidade empregadora ou por outros trabalhadores;
c) Aplicação de sanção abusiva;
d) Falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho;
e) Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador;
f) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, incluindo a prática de assédio denunciada ao serviço com competência inspetiva na área laboral, praticada pelo empregador ou seu representante.
3 - Constituem ainda justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador:
a) Necessidade de cumprimento de obrigação legal incompatível com a continuação do contrato;
b) Alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício lícito de poderes do empregador;
c) Falta não culposa de pagamento pontual da retribuição.
d) Transmissão para o adquirente da posição do empregador no respetivo contrato de trabalho, em consequência da transmissão da empresa, nos termos dos n.ºs 1 ou 2 do artigo 285.º, com o fundamento previsto no n.º 1 do artigo 286.º-A.
4 - A justa causa é apreciada nos termos do n.º 3 do artigo 351.º, com as necessárias adaptações.
5 - Considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo.”
Desde logo, importa evidenciar que é em face dos motivos invocados pelo trabalhador na comunicação de resolução do contrato com invocada justa causa que se afere a procedência daqueles motivos, pois que “apenas são atendíveis para a justificar” os factos que dela constarem – princípio da vinculação temática (n.º 3, do art.º 398.º).
Tendo de ser comunicada a intenção de resolução ao empregador nos 30 dias subsequentes ao conhecimento pelo trabalhador dos factos que a justificam, comunicação essa que tem de revestir a forma escrita, com a “indicação sucinta dos factos que a justificam” (n.º1 do art.º 395.º, do CT/09) – o que deve ser entendido no sentido de que o trabalhador não está dispensado de concretizar, com o mínimo de precisão, os factos que estão na base da sua decisão[17] –, é a partir dessa indicação que se afere a procedência dos motivos que são invocados para a resolução, pois que “apenas são atendíveis para a justificar” os factos que dela constarem – principio da vinculação temática (n.º 3, do art.º 398.º) –, sem esquecermos, ainda, que é “a justa causa apreciada nos termos do n.º 3, do art.º 351.º, com as necessárias adaptações” (n.º 4 do art.º 394.º), bem como que é sobre o trabalhador que impende o ónus de alegação e prova da existência de justa causa – ou seja, que alegue e prove os factos constitutivos do direito a fazer cessar imediatamente o contrato de trabalho (art.º 342.º n.º 1, do Código Civil).
Aplicando tais critérios ao caso, está em causa uma invocação, pela Autora, de justa causa subjetiva, assente em comportamento(s) do empregador que se reconduza (m) a ato(s) ilícito(s), nomeadamente, em síntese, que, pretendendo ela beneficiar da dispensa para a amamentação, tendo remetido, na senda de oposição, em comunicava essa intenção, após a receção de tal carta, recebida no dia 13.12.2021, o sócio-gerente da Ré, de forma intencional e culposa, decidiu discriminá-la relativamente às colegas de trabalho, não lhe pagando o salário de novembro de 2021, de forma a pressioná-la e a prejudica-la, afetando-a na sua honra e dignidade, sendo que, explicitando essa afirmação, referiu que aquele procedeu ao pagamento de tal salário de novembro de 2021 a todas as colegas, no dia 10 de dezembro (e ainda a uma colega que faltou nessa data, no dia seguinte), sendo que, não tendo ela Autora trabalhado nesses dias, não se prontificando a pagar o seu salário quando ela voltou ao trabalho, assim, no dia 13, no dia seguinte deslocou-se ao escritório tendo em vista solicitar o pagamento do vencimento, tendo-me sido referido que não sabiam de nada, e que, no dia seguinte, o sócio-gerente da Ré manteve a postura de lhe pagar o meu vencimento, na senda do que já lhe tinha transmitido no dia 02.12.2021, dizendo: “não colabora com a empresa por isso vou atrasar o pagamento do ordenado e só quando tivesse 3 ordenados em atraso é que poderia fazer alguma coisa. Pode começar a procurar emprego.” Conclui a Autora que, com o comportamento adotado de a discriminar no pagamento do seu vencimento relativamente a todas as colegas de trabalho, o aludido sócio gerente da Ré pretendeu prejudica-la e afetá-la em face da sua decisão de beneficiar da dispensa para amamentação, bem sabendo da extrema importância da retribuição para o seu bem-estar e da sua família, sem o qual não consegue fazer face às diversas despesas do dia-a-dia, acrescido do facto de ter um bebe com pouco mais de um ano de idade.
Ora, sendo, como o dissemos, a justa causa apreciada nos termos do n.º 3, do art.º 351.º, com as necessárias adaptações (n.º 4 do art.º 394.º), e na consideração, ainda, de que é sobre o trabalhador que impende o ónus de alegação e prova da existência de justa causa – ou seja, que alegue e prove os factos constitutivos do direito a fazer cessar imediatamente o contrato de trabalho (art.º 342.º n.º 1, do Código Civil) –, então, no caso que se aprecia, sendo os motivos que mencionamos supra aqueles a que importa atender para verificar da existência ou não de justa causa, então, importando valorar, desses, apenas aqueles que se consideraram provados, o que se constata, face à factualidade que se provou, já da alteração a que procedemos no presente recurso da matéria de facto, é que, demonstrando-se é certo que não foi pago à Autora o vencimento de novembro de 2021 no dia em que o foi às suas colegas de trabalho, já não se provou, por outro lado, diversamente do que invocou aquela para a resolução com justa causa, que tal não pagamento tenha tido na base (motivo) uma qualquer intenção, por parte do sócio-gerente da Ré, de a pressionar e prejudicar pelo facto de pretender continuar a gozar de dispensa para amamentação.
Na verdade, tal não tem adequado suporte na factualidade provada, da qual apenas resulta, nesse âmbito, por ordem cronológica, o seguinte:
- J) A R. não pagou à A. a retribuição e subsídio de alimentação referente aos meses de Novembro e Dezembro de 2021;
- P) Nos inícios do mês de Dezembro de 2021, a A., por sua livre iniciativa, comunicou verbalmente ao gerente da R., BB, que não obstante o seu filho ter completado 1 ano de idade, iria continuar a pretender beneficiar daquela licença de amamentação;
- W) Após regressar ao trabalho na sequência do gozo da licença de maternidade, no dia 07/12/2021 a A. informou a R., através de carta registada com aviso de receção, recepcionada pela R. no dia 13/12/2021, que pretendia beneficiar da dispensa para amamentação prevista no art.º 47º do Código do Trabalho, remetendo inclusive o respetivo atestado médico, nos termos constantes de fls. 24 a 27 dos autos e que se dão por integralmente reproduzidas;
- X) A A. remeteu a referenciada comunicação uma vez que, apesar de ter comunicado verbalmente tal vontade ao legal representante da R BB, nos termos indicados em P), o mesmo considerava injusto para a firma a A. continuar a beneficiar da isenção no período da manhã e de tarde para a amamentação;
- G) No dia 10/12/2021, a R. procedeu ao pagamento do vencimento referente ao trabalho prestado no mês de Novembro de 2021 a todas as funcionárias, excepto a A.;
- H) Nos dias 10 e 11/12/2021 a A. faltou ao trabalho, motivo pelo qual a R. não teria possibilidade de proceder ao pagamento do vencimento da A. visto que tal pagamento é efectuado em numerário;
- Q) O pagamento do salário da A. foi sempre efectuado pessoalmente pelo gerente da R., BB; - R) Até à data indicada em G) a R. nunca tinha deixado de pagar pontualmente à A. os créditos salariais que lhe eram devidos;
- S) A A. prestou funções para a R. até ao final do período da manhã do dia 15/12/2021;
- Y) No dia 13/12/2021 a A. retomou as suas funções normalmente, aguardando que a R. procedesse ao pagamento do seu vencimento referente ao trabalho prestado em Novembro de 2021, o que não ocorreu;
- Z) Em face do referido na alínea anterior, no dia 14/12/2021, pelas 10 horas, a A. deslocou-se ao escritório existente nas instalações da R. questionando o motivo pelo qual não foi pago o seu vencimento tendo-lhe sido transmitido pelo filho do gerente que não sabia (alterada no presente recurso);
- GG) No dia 15/12/2021 a A. não compareceu ao trabalho da parte da tarde, como não compareceu nos dias seguintes;
- II) No mês de Dezembro de 2021 a A. esteve de baixa médica a partir de dia 15;
- I) No dia 20/12/2021 a A. remeteu à R. carta registada com aviso de recepção a resolver com justa causa o seu contrato de trabalho;
É que, da citada factualidade, sendo verdade que se extrai que a Autora transmitiu verbalmente a sua vontade de continuar a gozar da dispensa para amamentação, momento em que o sócio-gerente da Ré lhe transmitiu que considerava injusto para a firma que ela continuasse a beneficiar da isenção no período da manhã e de tarde para a amamentação, só em 7 de dezembro de 2021 a Autora informou a Ré, através de carta registada com aviso de receção, mas que foi apenas receciona no dia 13/12/2021, que pretendia beneficiar da dispensa para amamentação, prevista no artigo 47.º do Código do Trabalho, remetendo o respetivo atestado médico, importando então salientar, em face da referida factualidade, tanto mais que a Autora no dia 15 da parte da tarde já não compareceu ao trabalho, como não compareceu nos dias seguintes – estando de baixa a partir do referido dia 15 –, e que logo no dia 20 remeteu a carta a resolver com justa causa o seu contrato de trabalho, que, tendo presente esta última data, apenas haviam decorrido 7 dias desde a data em que enviara aquela carta, pelo que, na ausência de outra factualidade, em que se inclui um prazo razoável para a resposta da Ré, não se pode dizer que tenha existido por parte desta efetiva recusa. De resto, a aludida falta de decurso de um prazo razoável é aplicável, assim o entendemos, à questão do não pagamento do salário de novembro, pois que, sendo prática que o pagamento fosse efetuado, como resulta da alínea Q), pessoalmente pelo gerente da Ré, em numerário, a verdade é que, tendo o pagamento desse vencimento de novembro sido efetuado aos demais trabalhadores no dia 10/12/2021, também se provou, assim na alínea H), que, nesse dia, como no seguinte, a Autora faltou ao trabalho, “motivo pelo qual a R. não teria possibilidade de proceder ao pagamento do vencimento da A. visto que tal pagamento é efectuado em numerário”, sendo que, mais uma vez como se provou, tendo a Autora retomado o trabalho normalmente no dia 13/12/2021, “aguardando que a R. procedesse ao pagamento do seu vencimento referente ao trabalho prestado em Novembro de 2021, o que não ocorreu”, deslocando-se, é certo, no dia seguinte ao escritório existente nas instalações da R. questionando o motivo pelo qual não foi pago o seu vencimento, tendo-lhe então sido transmitido pelo filho do gerente que não sabia, nenhum outro facto se provou, em que se inclui o que constava das alíneas AA) a CC) (pois que foram eliminadas no presente acórdão), quando está provado que, logo a partir da tarde do dia seguinte, a Autora já não compareceu ao trabalho, como não compareceu nos dias seguintes, até ao dia, assim 20 do mesmo mês, em que remete a carta a resolver com justa causa o seu contrato de trabalho.
Ora, nas aludidas circunstâncias, socorrendo-nos como se impõe do que se provou, apenas acaba por estar em causa, no momento em que é enviada a comunicação de resolução do contrato, o não pagamento do salário da Autora do mês de novembro, quando apenas haviam decorrido cerca de 10 dias desde a data em que o foi aos demais trabalhadores, dos quais, aliás, a Autora apenas compareceu ao trabalho em dois dias e uma manhã, sem que, porém, apesar de estar em causa um período tão escasso, resulte sequer provado, como o invocou a Autora, que esse não pagamento decorresse, como antes já o dissemos, de uma qualquer intenção /motivo, por parte do gerente da Ré, de a pressionar e prejudicar pelo facto de pretender continuar a gozar de dispensa para amamentação.
Sempre acrescentaremos, por fim, ainda que porventura se considere culposo tal comportamento, ainda assim esse não seria, na nossa perspetiva, suficiente para preencher o pressuposto, exigível neste caso, de que tenha tornado imediatamente impossível a subsistência da relação laboral. Ou seja, socorrendo-nos também do Acórdão desta Secção e Relação de 20 de novembro de 2017[18], o que se apresentaria como argumento decisivo, é que, “contrariamente do que seria pressuposto, os factos invocados na carta de resolução do contrato que obtiveram sustentação factual nos termos anteriormente indicados, não são bastantes para termos como verificada a característica essencial do conceito de justa causa, assim a demonstração de que tais comportamento da entidade patronal, no caso a Ré, que lhe podem ser imputáveis a título de culpa, pela sua gravidade e consequências, tornassem inexigível a manutenção do vínculo laboral”. Dito de outro modo, não consideramos que, no caso, dos comportamentos da Ré que se lograram demonstrar – e que tenham sido invocados na carta de resolução, por ser pressuposto também como já o dissemos anteriormente – resultassem efeitos de tal modo graves, em si e nas suas consequências, que fosse inexigível ao trabalhador, no contexto da empresa e considerados o grau de lesão dos seus interesses, bem como o caráter das relações entre as partes e as demais circunstâncias que no caso se mostram relevantes, a continuação da prestação da atividade pelo trabalhador/Autora – como a dimensão normativa da cláusula geral de rescisão o exige. E, acrescente-se, esse juízo tem também necessariamente presente que a preocupação com a manutenção da relação de trabalho e a diversidade de interesses e de posições das partes devem motivar exigências diversas relativamente ao preenchimento da justa causa de resolução por iniciativa do trabalhador, projetando-se assim a referida preocupação desalvaguarda da relação de trabalho na ponderação do preenchimento daquele conceito.
Do exposto resulta, pois, que, na procedência do recurso, se nos impõe revogar a sentença e assim o nessa decidido na alínea b) do seu dispositivo, em que se reconheceu a licitude da cessação do contrato de trabalho operada pela A., mediante resolução com justa causa, que será substituída, no presente acórdão, pela declaração de improcedência desse pedido.
Do mesmo modo, porque diretamente decorrentes do reconhecimento que se afirmou nessa alínea, mas que neste acórdão se afasta, agora no que diz respeito à alínea c) do mesmo dispositivo da sentença, impõe-se-nos essa revogar no que se refere à condenação constante do seu n.º 5 – “5) Indemnização por antiguidade, nos termos do artigo 396º do código do trabalho, no valor €1.995,00 (mil novecentos e noventa e cinco euros), acrescida de juros à taxa legal anual de 4%, desde a citação até integral pagamento”.
2.2. Do pedido reconvencional:
Na conclusão 55.ª defende a Recorrente que a reconvenção deve ser julgada provada e procedente e em consequência ser a Autora condenada a pagar à Ré a quantia de 1 330,00€, devendo tal valor ser descontado/compensado do montante que devido pela Ré.
Constata-se que, em sede de reconvenção, peticionou efetivamente a Ré/Reconvinte a condenação da Autora/Reconvinda no pagamento da quantia de €1.330,00 a título de não cumprimento do aviso prévio legalmente exigido.
Tendo-se declarado na sentença improcedente esse pedido, com o argumento de que fora julgada lícita a resolução do contrato com justa causa – o que, diz-se, por si só determina a exclusão da obrigatoriedade de ser cumprido qualquer prazo de aviso prévio –, a verdade é que, como resulta do que antes afirmámos, a resolução, por falta de demonstração de justa causa, não pode considera-se lícita.
Ora, cumprindo dizer o Direito, há que ter-se presente, conforme tem vindo a entender a doutrina e a Jurisprudência, que a razão ou fundamento para a atribuição do direito indemnizatório por falta de aviso prévio reside na proteção contra cessações súbitas do contrato de trabalho que perturbem e prejudiquem a atividade do empregador.
Tal regime encontra-se previsto nos artigos 399.º a 401.º do CT/2009.
Afirma-se no Acórdão desta Relação e Secção de 29 de Junho de 2015[19], o seguinte:
“(…) De acordo com o disposto no artigo 399.º do Código do Trabalho, não se provando a justa causa de resolução do contrato o empregador tem direito a indemnização dos prejuízos causados, não inferior ao montante calculado nos termos do artigo 401.º. E face ao estatuído neste preceito legal, o trabalhador que não cumpra, total ou parcialmente, o prazo de aviso prévio deve pagar ao empregador uma indemnização de valor igual à retribuição base e diuturnidades correspondentes ao período em falta, sem prejuízo de indemnização por danos causados pela inobservância do prazo de aviso prévio ou da obrigação assumida em pacto de permanência.
Como assinala Pedro Furtado Martins (Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, 2012, Principia, pág. 548), «[a]pesar de a letra da lei parecer indicar que há duas indemnizações – uma igual à retribuição-base e diuturnidades e outra equivalente aos danos causados – aplicando-se a primeira «sem prejuízo» da segunda, julgamos ser pacífico que a indemnização devida pelo trabalhador é uma só, cujo valor será, no mínimo e independentemente da ocorrência de danos, igual ao da retribuição-base e diuturnidades, podendo ser mais elevado quando o empregador prove que sofreu danos de montante superior ao valor mínimo da indemnização que o trabalhador está obrigado a pagar».
A norma em causa corresponde, embora com alterações de redacção, ao artigo 448.º do Código do Trabalho de 2003, que por sua vez correspondia, se bem que também com diferente redacção, ao artigo 39.º da LCTT.
No âmbito desta última norma, escreveu-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-10-2003 (Recurso n.º 4495/02, disponível em www.dgsi.pt), que a mesma previa «(…) dois tipos de indemnização para a falta de aviso prévio da rescisão do contrato pelo trabalhador. O primeiro, que funciona automaticamente pelo simples facto de ter sido omitido, total ou parcialmente, o aviso prévio, independentemente de que daí tenha ou não emergido qualquer dano para o empregador; o segundo, que só tem lugar quando houver danos que possam ser adequadamente imputados ao não cumprimento do prazo de aviso prévio».
No caso a empregadora peticionou o valor correspondente à retribuição-base.
E tendo a autora sido admitida ao serviço da ré em (…) e cessado o contrato em (…) – tendo, portanto, mais de dois anos de antiguidade – é pacífico que face ao que dispõe o artigo 400.º, n.º 1, do Código do Trabalho, o prazo de aviso prévio era de 60 dias, o qual não foi respeitado, uma vez que a autora resolveu o contrato de trabalho na data da recepção da comunicação pela ré (…) e com efeitos imediatos.
Assim, não parece oferecer contestação que a ser devida indemnização o seu valor é o correspondente a dois meses de retribuição, (…).
E também não parece oferecer contestação que a indemnização em causa funciona automaticamente, pelo simples facto de o trabalhador ter feito cessar a sua relação laboral sem cumprir – ou cumprindo apenas parcialmente – o prazo de aviso prévio, independentemente de a entidade empregadora ter com isso sofrido ou não quaisquer efectivos danos.”
Assim, no caso, por aplicação do regime antes mencionado, procedendo o recurso também quanto a esta questão, tal como peticionado pela Ré / reconvinte / aqui recorrente, estando provado, na alínea C) da factualidade provada, que a Autora auferia como último vencimento mensal base a quantia de €665,00, a indemnização, referente aos dois meses, devida à Reconvinte, será de €1.330,00, que corresponde exatamente ao que foi peticionado, sendo que, como expressamente referiu, deve ser compensada, pois que inferior a esses, com os valores que ela deve à Autora / reconvinda.
A responsabilidade pelas custas no presente recurso impende, por decaimento, sobre a Recorrida (artigo 527.º do CPC).
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