EXECUÇÃO PARA ENTREGA DE COISA CERTA
CONVERSÃO
EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA
LIQUIDAÇÃO PRÉVIA
EXEQUENTE
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
INDEMNIZAÇÃO
VALOR VENAL
DANO
Sumário


I. Instaurada execução para entrega de coisa certa e não sendo a coisa entregue (seja por ter deixado de existir, não ser encontrada ou por sobre ela incidir direito de terceiro que, por oponível ao exequente, obste ao investimento material ou jurídico na posse), pode o exequente requerer a conversão da execução para pagamento de quantia certa nos termos do art. 867.º n.º 1 do C.P.C..
II. A conversão da execução para pagamento de coisa certa passa pela liquidação prévia do valor da coisa e do prejuízo (perdas e danos) sofridos pelo credor com a falta de entrega.
III. Compete ao exequente o ónus de alegação e prova dos factos constitutivos do direito à indemnização pretendido fazer valer (ut art. 342.º n.º 1 do C.P.C.).
IV. Não provando o exequente que a coisa devida entregar tenha valor económico, nem sendo alegados e provados os danos consequentes da falta de entrega da coisa, o incidente de liquidação deve improceder.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível


I – RELATÓRIO

Massa Falida da Soc. de Construções ERG, S.A. intentou contra o Banco Santander Portugal, S.A. a ação executiva para entrega de coisa certa, pedindo:

«a) a restituição das letras de câmbio que o BCI/Santander e o CPP declararam ser possuidores, no valor total de 130.694,52€, discriminadas nos pontos 3. e 4. desta exposição;

«b) Se a restituição das letras ou de suas cópias legais não se revelar possível, a Exequente requererá a convolação desta execução em execução para o pagamento da quantia certa correspondente ao valor facial dos títulos que não tenham sido restituídos, nos termos da norma do artigo 867º-1 do CPC, acrescida de juros contados desde a citação em 07.07.2004, até integral pagamento».

Pediu ainda em liquidação da obrigação que:

«1. O douto acórdão condenatório ordenou ainda o pagamento de juros à taxa aplicável aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, que em 01.07.2014 era de 12% ao ano, contados desde a data da citação, que ocorreu em 07.07.2004.

«2. A falta de restituição à Exequente das letras de câmbio em causa acarretará o pagamento de juros calculados até 01.09.2016 sobre a diferença de créditos, cujo montante é de 1,654 € de juros por cada euro de capital, considerando as taxas sucessivamente em vigor».

Para tanto alegou o seguinte:

«1. Por douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, transitado em julgado relativamente ao Réu que é aqui Executado, Banco Santander Totta, S.A. (que se denominou BCI - Banco de Comércio e Indústria, S.A. e que incorporou o CPP Crédito Predial Português), este foi condenado:

(i) "a restituir à A. [que é aqui Exequente] os títulos-letras de câmbio - que declararam extintas por efeito do contrato que celebraram com a ERG em 12.11.1993 ou a sua cópia com força probatória de original, quando estes tenham sido destruídos nos termos legais, sem prejuízo dos títulos comprovadamente entregues, nos termos da matéria de facto".

(iii) "juros à taxa aplicável aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, que então era de 12% ao ano, desde a citação até integral pagamento".

«2. Na fixação da matéria de facto (pp. 11-30) assentaram-se os seguintes elementos caracterizadores da obrigação de restituição do Executado (utiliza-se a numeração constante do acórdão):

(5) - A ERG financiou-se através da emissão e aceite de letras de câmbio a seus fornecedores.

(11) Em Setembro/Outubro de 1993 a ERG tinha aceite e encontravam-se em vigor e em circulação comercial 1.457 letras de câmbio entregues aos seus fornecedores, no valor total de Esc.: 2.394.379.810$10 correspondente a 11.943.116,14.

(20) No acordo que celebraram em 12.11.1993 o BCI e o CPP declararam ser possuidores por letras de câmbio aceites nos valores seguintes:

. BCI: 25.615 contos; . CPP: 19.817 contos;

(51) Após celebração do acordo, em 06.01.1994, o Réu BCI, por intermédio do BES, comunicou por escrito à ERG ter extinguido, por efeito do contrato, créditos que detinha anteriores à sua assinatura, por empréstimos, juros e letras de câmbio aceites pela ERG, na quantia de 175.084 contos equivalente a 873.317,42 (alínea AX).

(52) Em aditamento de 12.01.1994 à sua comunicação de extinção de créditos de 06.01.1994, suscitado por pedido da ERG de 11.01.1994, o BCI, por intermédio do BES, comunicou à ERG ter extinguido, por efeito do contrato, a quantia de Esc.: 25.614.900$00, equivalente a 127.766,58€, correspondentes a letras de câmbio aceites por esta, que declarou ter descontado e delas ser portador (alínea AY).

(54) Na sua comunicação de extinção de créditos em 06.01.1994, o CPP comunicou à ERG ter extinguido, por efeito do contrato, a quantia de 587.000$00, equivalente a 2.927,94 €, correspondente a letra de câmbio aceite por esta, saque da "MAQUI 200", com vencimento em 15.11.1993, que declarou dela ser portador (alínea AAA).

(61-(5)) O BCI nunca entregou ou apresentou à ERG ou à Autora as 24 letras de câmbio de que declarou ser portador na comunicação de 12.01.1994 feita à ERG e referida em AX), por alegada cedência dos seus sacadores, no valor de Esc.: 25.614.900$00, equivalente a 127.766,58 €.

(61-(6)) O CPP nunca entregou ou apresentou à ERG ou à Autora a letra de câmbio aceite por aquela, saque da "MAQUI 200", com vencimento em 15.11.1993, de que declarou ser portador por alegada cedência do seu sacador, na comunicação de 06.01.1994 feita à ERG, no valor 587.000$00, equivalente a 2.927,94 €.

«3. As letras de câmbio que o Executado Santander declarou ser portador e que tem que restituir à Exequente, são as seguintes, conforme discriminação constante do "facto 61(5)" do douto acórdão, totalizando 25.614.900$00, equivalente a 127.766,58 €:

. A... - 413.000$00 . Cerâmica.... - 629.000$00 . Cerâmica.... - 130.000$00

. Cerâmica.... -1.455.000$00 . Construções..., Lda, Lda. - 542.000$00

. F... &..., Lda - 1.580.000$00

. F..., Lda - 395.000$00 . I... - Imp. e Comércio - 680.000$00

. I... - Imp. e Comércio - 2.024.000$00

. I..., S.A. - 1.519.000$00 . J..., S.A.- 2.614.000$00

. J..., S.A. - 1.260.000$00 . J..., S.A. - 2.050.000$00 . J..., S.A. - 2.089.000$00

. M..., S.A. - 1.288.000$00 . M..., S.A. - 631.000$00

. S... - Soc... - 486.000$00 . S... - Soc... - 182.000$00 . T... - Construções... - 763.000$00

. T... - Construções... - 970.900$00 . T... - Construções... - 539.000$00

. V... - 475.000$00 . V... - 744.000$00

. V... - 2.156.000$00 TOTAL 25.614.900$00

«4. O Executado tem ainda que restituir à Exequente a letra de câmbio que o CPP declarou ser portador e que se encontra identificada no "facto 61(6)" como o aceite da ERG, saque da "MAQUI 200", com vencimento em 15.11.2013 no valor de 587.000$00, equivalente a 2.927,94 €».

Citado, o banco executado deduziu oposição à execução mediante embargos, alegando carecer de fundamento o pedido de pagamento do valor facial dos títulos e não serem devidos os juros de mora indicados (cfr. “Requerimento (Início de Processo)” de 26-10-2016 – Ref.ª n.º ......50), os quais vieram a ser julgados improcedentes por sentença datada de 15 de outubro de 2018 (cfr. “Sentença” de 26-09-2018 – Ref.ª n.º .......59). No entanto, na sequência de recurso de apelação apresentado pelo executado-embargante, essa sentença veio a ser revogada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26 de setembro de 2019 (Ref.ª n.º ......04), já transitado em julgado (cfr. “Certidão de trânsito em julgado” de 25-11-2019 – Ref.ª n.º ......19), por se entender que a decisão de condenação em juros, feita pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que servia de título executivo, não se reportava ao pedido de restituição das letras, não podendo a execução sustentar-se nos acórdãos da Relação e do Supremo Tribunal de Justiça para a cobrança de juros.

Prosseguindo a execução os seus termos, o executado, Banco Santander Totta, S.A., veio informar os autos de que não estava na posse dos documentos (letras de câmbio) em causa nos autos (cfr. “Comunicação do Mandatário a Agente de Execução” de 10-01-2020 – Ref.ª n.º ......98). Pelo que, veio a exequente requerer a conversão da execução para pagamento de quantia certa, nos termos do art. 871.º do C.P.C., procedendo à liquidação do valor relativo aos títulos de crédito não entregues (cfr. “Execução - Requerimento para outras questões” de 03-02-2020 – Ref.ª n.º ......39), invocando que as letras de câmbio, que o Executado declarou ser possuidor, teriam o valor de €130 694,52. Em conformidade, requereu:

«I - Que o valor das letras em causa, resultantes da liquidação, seja fixado naquele valor pelo qual a Sociedade de Construções ERG, S.A., os emitiu, isto é no valor total de 130.694,52 Eur;

«II - Que a indemnização pela privação do valor dos títulos de crédito seja liquidada na seguinte quantia:

«a. Dos juros que se venceriam sobre a quantia de 127.766,58 Eur, calculados desde a citação em 07.07.2004, até á data de interposição do presente requerimento (03-02-2020) no valor total de 79.656,34 Eur,

«b. Dos juros que se venceriam sobre a quantia de 2.927,94 Eur desde o vencimento em 15.11.2013 até à data de interposição do presente requerimento no valor total de 728,70 Eur;

«c. Dos juros que se venceriam calculados à taxa legal aplicável, desde 03-02-2020, sobre a quantia de 130.694,52 Eur, até que ocorra integral e efetivo pagamento».

O executado veio deduzir oposição ao assim requerido (cfr. “Execução -Requerimento para outras questões” de 14-02-2020 – Ref.ª n.º ......34) confirmando não estar na posse das letras em causa, não lhe sendo possível proceder à respetiva entrega, mas considerou que o presente procedimento não passava de um mero expediente da Massa Falida da ERG para se locupletar abusivamente à custa do executado.

Assim, recordou que a Sociedade de Construções ERG, S.A. foi declarada em estado de falência por sentença de 22/11/1995, transitada em 11/01/1996, e que antes da falência recorreu a elevado número de operações de financiamento, quer diretamente junto de instituições bancárias, quer através da emissão e aceite de letras de câmbio aos seus fornecedores, que constituíam dívidas de natureza bancária. As letras em causa nesta ação executiva foram assim descontadas no BCI e no CPP que, por força de acordo celebrado em 12/11/1993, procederam à extinção dos créditos correspondentes às letras. Consequentemente, a ERG só poderia ser prejudicada pela não entrega das 25 letras de câmbio em causa se os sacadores/portadores das letras tivessem procedido à sua cobrança junto da ERG e esta as tivesse pago. Sendo que, de acordo com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, que condenou o executado à entrega letras de câmbio, o propósito dessa condenação foi o de “defender o devedor contra o perigo de o título ser novamente utilizado”.

Considerando que a Massa Insolvente da ERG não alegou que, após a extinção das letras, a ERG as tenha pago, não haveria prejuízo, o qual também nunca poderia corresponder ao valor facial dos títulos. Até, porque as letras aceites pela ERG foram declaradas extintas pelos Bancos, seus portadores, há mais de 26 anos, encontrando-se a obrigação cambiária extinta por prescrição, caso a ERG fosse, por força desses títulos, acionada (cfr. Art. 70º da LULL).

Findos estes articulados, vem a ser proferido despacho de 14 de setembro de 2020 (Ref.ª n.º .......22), com o seguinte teor:

«Conversão da execução para entrega de coisa certa em execução para pagamento de quantia certa:

«Na sequência da alegação pelo executado sem sede de embargos de executado de que “não está na posse das letras” objeto da execução para entrega de quantia certa, veio a exequente deduzir incidente para conversão em pagamento de quantia certa, nos termos do art. 867 do C. P. Civil.

«Resulta do por si requerido que procede à liquidação da quantia tendo em conta o valor facial das letras, a cuja soma procede, mais os juros sobre tal valor.

«Sucede que em causa não está qualquer relação cambiária entre as partes, pelo qual relevasse o valor facial das letras (caso assim fosse, estar-se-ia desde logo perante uma execução para pagamento de quantia certa).

«Como se diz no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça em execução, em causa está a obrigação constante do art. 39 da LULL, sendo que “a restituição do título subentende o pagamento ou a satisfação do crédito titulado pela mesma”.

«Também consta do referido acórdão que os créditos titulados pelas letras em causa “foram declarados extintos”.

«Por seu turno, nos temos do disposto pelo art. 867 do C. P. Civil, o exequente pode requerer “o pagamento do valor correspondente à coisa que não lhe foi entregue, bem como de uma indemnização pelos danos e perdas resultantes desse facto” (Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Executivo, Almedina, 2016, p. 429).

«De tudo resulta que a exequente deverá liquidar o valor da obrigação real em causa e que é uma entrega e não um pagamento da quantia titulada pelas letras.

«Nestes termos, convida-se a exequente a aperfeiçoar, em 10 dias, o requerimento deduzindo factos e liquidando a quantia de acordo com o estabelecido pelo art. 867 do C. P. Civil».

Em resposta a esse convite, a exequente, por requerimento de 28/9/2020 (cfr. “Execução - Requerimento para outras questões” de 28-09-2020 – Ref.ª n.º ......16) insistiu que a restituição do título subentende o pagamento ou a satisfação do montante do crédito titulado pelas letras, constituindo a restituição um decréscimo das responsabilidades (passivo) do sacado em montante equivalente ao do valor inscrito na letra, pelo que deveria atribuir-se às letras o valor económico correspondente ao seu valor facial, concluindo que a liquidação do valor das letras de câmbio deveria ser fixado pelo valor corresponde àquele pelo qual a Sociedade de Construções ERG, S.A. as emitiu, isto é, no valor total de 130.694,52 Eur, ao que acresceria uma indemnização, pela privação do valor dos títulos de crédito, liquidada no valor: «a) Dos juros vencidos sobre a quantia de 127.766,58 Eur, calculados desde a citação em 07-07-2004, até à data de interposição do Requerimento em 03-02-2020, no valor total de 79.656,34 Eur; b) Dos juros vencidos sobre a quantia de 2.927,94 Eur, calculados desde o vencimento em 15-11-2013 até à data de interposição do Requerimento em 03-02-2020, no valor total de 728,70 Eur; c) Dos juros vencidos calculados à taxa legal aplicável sobre a quantia de 130.694,52 Eur, desde 03-02-2020 até à interposição do presente Requerimento em 28-09-2020, no valor total de 3.408,80 Eur; e d) Dos juros vincendos calculados à taxa legal aplicável sobre a quantia de 130.694,52 Eur, desde 28-09-2020 até que ocorra integral e efetivo pagamento».

Este articulado veio a merecer a oposição do executado (cfr. “Execução -Requerimento para outras questões” de 09-10-2020 – Ref.ª n.º ......65) que, com os mesmos fundamentos já anteriormente expedidos, concluiu pela improcedência da pretensão da Massa Insolvente.

Por despacho de 14 de setembro de 2021 (Ref.ª n.º .......88), veio a ser decidido o seguinte, na parte que para o caso releva:

«Fls. 339/vº. (req. da exequente) e fls. 348 (req. do executado): «Relativamente à decisão de fls. 335, cumpre dizer que, com a prolação da mesma, esgotou-se o poder jurisdicional deste Tribunal sobre a matéria em causa, nos termos do art. 613 nº. 1 e nº. 3 do C. P. Civil, pelo que não se voltará a apreciar a questão (a qual decidiu tendo em consideração a liquidação efetuada pela exequente a fls. 322/vº. e a oposição do executado de fls. 327), pelo que não se atenderá ao requerimento da exequente pronunciando-se sobre referida decisão.

«Não concordando a exequente, sempre poderia ter recorrido do despacho.


*


«Tendo a exequente sido notificada nos termos do referido despacho, o que resulta foi que não cumpriu o convite ali feito, vindo deduzir a mesma liquidação que havia efetuado e que havia sido apreciada naquele despacho.

«Nestes termos, ficarão os autos a aguardar o cumprimento do referido despacho, sem prejuízo do disposto pelo art. 281 nº. 1 nº. 5 do C. P. Civil. (…)»

Logo de seguida a exequente veio apresentar novo requerimento (cfr. “Execução - Requerimento para outras questões” de 04-10-2021 – Ref.ª n.º ......64) insistindo que está em causa uma das obrigações no âmbito de relação cambiária consiste na entrega das letras após pagamento, conforme previsto no art. 39.º da LULL, e que os únicos fundamentos que alegou constituiriam a única solução jurídica legalmente admissível, devendo ser deferida a conversão da execução e a liquidação do valor das letras pelo seu valor facial, sob pena de a impossibilidade de entrega da coisa desproteger totalmente o exequente e tornar inútil a decisão judicial que determinou a entrega da coisa.

O executado respondeu a tal requerimento, sustentando a sua inadmissibilidade (cfr. “Execução - Requerimento para outras questões” de 14-10-2021 – Ref.ª n.º ......96).

De seguida veio a ser proferido novo despacho, datado de 19 de novembro de 2021 (Ref.ª n.º .......50), nos termos do qual se decidiu o seguinte:

«Requerimentos da exequente de fls. 357 e do executado de fls. 362: «Conforme referimos no despacho anterior (fls. 353), o tribunal conheceu da liquidação efetuada e do contraditório da mesma e prolatou o despacho de fls. 335, com o qual se esgotou o poder jurisdicional sobre a matéria.

«Assim, e com o devido respeito pela exequente, o tribunal conheceu da liquidação requerida pela exequente nos termos do sobredito despacho de fls. 335 (e no qual se convidou a exequente a proceder à liquidação nos termos do art. 867 do C. P.Civil).

«Face ao requerimento da exequente ora em apreciação não deixaremos de apreciar duas questões.

«Primeiramente, a exequente continua a defender que em causa uma relação cambiária entre a exequente e o executado.

«Como se referiu no despacho de fls. 335, em causa neste processo não está uma relação cambiária, no verdadeiro sentido de sustentar uma execução para pagamento de quantia certa tendo por títulos executivos letras de câmbio (caso em que as partes até teriam posições processuais inversas).

«Ou seja, não está a ser executada uma quantia monetária titulada pelas letras.

«Em causa nos autos está uma execução para entrega de coisa certa, isto é, para entrega de coisas, de objetos, de bens, e que são letras de câmbio.

«Por outro lado a exequente alega que se o valor das letras fosse “0€” (zero euros) a decisão do acórdão que constitui o título executivo seria um ato inútil.

«Como também se fez constar do despacho de fls. 335, em causa está uma liquidação nos termos do art. 867 do C. P.Civil.

«Assim, “na liquidação de fazer-se uma valorização atualizado do bem e o prejuízo deve ser discriminadamente alegado e justificado pelo exequente no articulado de liquidação, não podendo ser simples juros de mora” (Rui Pinto, Manual da Execução e despejo, Coimbra Editora, p.1069).

«Portanto, essa liquidação será “correspondente ao valor da coisa e à liquidação de outros danos” (Lebre de Freitas, A Ação Executiva, à Luz do Código de Processo Civil de 2013, Coimbra Editora, edição, p. 445).

«Ora, com o merecido respeito, daqui não se pode retirar que o valor em causa pela omissão da entrega seja de “0€”, nem que a condenação do executado na entrega dos objetos seja inútil.

«No âmbito do incidente de liquidação caberá à exequente alegar factos subsumíveis à referida norma».

Notificada desse despacho, a exequente veio requerer a sua clarificação (cfr. “Execução - Requerimento para outras questões” de 09-12-2021 – Ref.ª n.º ......85), tendo nessa sequência sido proferido o despacho de 26 de janeiro de 2022 (Ref.ª n.º .......33- p.e.), com o seguinte teor:

«II Fls. 369 (req. da exequente):

«Esclareça-se a exequente de que o despacho de fls. 335 foi o proferido em 14.09.2020 e o de fls. 353 foi o proferido em 14.09.2021 (indique também as referências do Citius para melhor localização).

«Quanto ao trecho do anterior despacho, o verbo “caber” está utilizado no sentido de que compete à exequente alegar os factos, de que é seu ónus alegar os factos (nos termos das disposições conjugadas do art. 867 do C. P. Civil e 342 nº. 1 do C. Civil).

«Como ali expusemos, refere Rui Pinto (Manual da Execução e despejo, Coimbra Editora, p.1069) que o art. 867 do C. P.Civil comporta:

- a valorização atualizada do bem

- o prejuízo deve ser discriminadamente alegado e justificado pelo exequente.

«Tem de ser a exequente a trazer ao tribunal os factos necessários à liquidação (ou seja, cabe à exequente invocar esses factos)».

É assim que vem a ser apresentado pela exequente novo articulado (cfr. “Execução - Requerimento para outras questões” de 10-02-2022 – Ref.ª n.º ......55), requerendo a conversão da execução em pagamento de quantia certa, liquidando essa obrigação, segundo alega, em função dos pressupostos de facto dados por provados no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que servia de título executivo e da circunstância de o executado ter declarado que não dispõe dos títulos de crédito, cujo valor lhe foi satisfeito pela ERG.

Recorda que aí foi o ora executado condenado no pagamento das diferenças entre os valores que declarou deter no acordo de saneamento financeiro, entre eles um alargado conjunto de letras, e o valor que declarou ter extinto após celebração desse acordo, valor este que compreendia o referido conjunto de letras. Portanto, o Executado tem que pagar à Exequente «as diferenças entre o valor que lhe foi satisfeito e o valor dos créditos que efetivamente detinha, que é influenciado pela sua satisfação a terceiros que tivessem sido sacadores originários ou sucessivos dos títulos de crédito citados».

Assim pretende relevar que foi dado por provado no acórdão da Relação de Lisboa em menção que:

«5 - Por forma a ultrapassar os problemas financeiros que sentiu no período 1990/1992, a ERG recorreu a elevado número de operações de financiamento, quer diretamente junto de instituições bancárias, quer através da emissão e aceite de letras de câmbio a seus fornecedores.

«6 - A generalidade das letras de câmbio aceites pela ERG e sacadas pelos seus fornecedores, constituíam dívidas de natureza bancária, por normalmente os seus portadores as transmitirem em operações de desconto bancário àquelas mesmas instituições.

«11 - Em Setembro/Outubro de 1993 a ERG tinha aceite e encontravam-se em vigor e em circulação comercial 1.457 letras de câmbio entregues aos seus fornecedores, no valor total de Esc.: 2.394.379.810$10 correspondente a 11.943.116,14 €.

«15 - No apuramento da divida da ERG às 16 instituições bancárias em 31.08.1993, o valor das letras de câmbio aceites foi determinado por declaração destas, de serem possuidoras dos títulos respetivos, obtidos em operações bancárias (de desconto ou outras) celebradas com os respetivos sacadores ou portadores.

«19 - Em 12.11.1993 a ERG e as empresas suas participadas Int..., S.A. e L..., Lda, por um lado e 16 instituições bancárias por outro lado, designadamente os Réus BES, BCP, BANIF, BTA, BIC, BCI, CPP e ainda os bancos UBP, BPA, BPSM, BBI, MG, DBI, BNC, CGD e CEA, celebraram acordo tendo como objetivo o saneamento financeiro da ERG, pela concessão de novos financiamentos e pela extinção dos créditos dos bancos subscritores, nos seguintes termos:

1- Na concessão à ERG de novos financiamentos no valor global de Esc.: 1.727.000.000$00 (452.000.000$00 + 1.275.000.000$00) (doc. 3 cláusula 2a, nos. 1 e 2);

2- Na extinção dos créditos dos bancos signatários sobre a ERG, resultantes dos financiamentos concedidos nesse ato (Esc.: 1.727.000.000$00), bem como os anteriores que declararam deter, por mútuos e aberturas de crédito (Esc.: 3.592.378.000$00) e respetivos juros (Esc.: 303.520.000$00) e letras de câmbio aceites pela ERG e descontadas por outras empresas nos bancos signatários (Esc.: I.777.289.000$00), no total de Esc.:7.400.187.000$00;

3- Na entrega pela ERG e pelas suas associadas, aos bancos signatários, da totalidade das ações e quotas representativas de todo o capital social das empresas Companhia..., S.A. e P..., Lda, e créditos por suprimentos sobre esta última, no valor de Esc 7.400.000.000$00.

«20 - No acordo que celebraram em 12.11.1993, foi declarado que os Réus BES, BCP, BANIF, BTA, BIC, BCI, CPP e os bancos UBP, BPA, BPSM incorporados no Réu BCP e o BBI, incorporado no Réu BPI, eram possuidores de créditos por empréstimos, juros e letras de câmbio aceites pela ERG, nos valores indicados, em contos, que foram incluídos no cálculo das responsabilidades daquela, a extinguir:

BANCOS EMPRÉSTIMOS JUROS ACEITES TOTAL

BCP 453.600 36.737 395.660 885.997

BES 320.200 27.510 343.687 691.397

UBP 400.427 35.316 216.078 651.821

BANIF 164.899 13.459 168.667 347.025

BTA 100.639 9.432 225.483 335.554

BPA 18.915 0 228.613 247.528

BIC 170.389 15.990 883 187.262

BCI 135.283 14.192 25.615 175.090

BPSM 0 0 94.088 94.088

BBI 18.000 0 58.698 76.698

CPP 52.854 771 19.817 73.442 [O Executado BST sucedeu nos direitos e obrigações dos bancos BTA, BCI E CPP, pelo que a posição que interessa a esta execução é a seguinte:

BANCOS EMPRÉSTIMOS JUROS ACEITES TOTAL

BTA 100.639 9.432 225.483 335.554

BCI 135.283 14.192 25.615 175.090

CPP 52.854 771 19.817 73.442]

«48 - Após celebração do acordo, em 11.01.1994, o BTA, por intermédio do BES, comunicou por escrito à ERG ter extinguido, por efeito do contrato, créditos que detinha anteriores à sua assinatura, por empréstimos, juros e letras de câmbio aceites pela ERG e descontadas a seus clientes, a quantia de 333.655 contos, equivalente a 1.664.264,12 €.

«51 - Após celebração do acordo, em 06.01.1994, o Réu BCI, por intermédio do BES, comunicou por escrito à ERG ter extinguido, por efeito do contrato, créditos que detinha anteriores à sua assinatura, por empréstimos, juros e letras de câmbio aceites pela ERG, na quantia de 175.084 contos, equivalente a €873.317,42.

«52 - Em aditamento de 12.01.1994 à sua comunicação de extinção de créditos de 06.01.1994, suscitado por pedido da ERG de 11.01.1994, o BC14, por intermédio do BES, comunicou à ERG ter extinguido, por efeito do contrato, a quantia de Esc.: 25.614.900§00, equivalente a 127.766,58 €, correspondentes a aceites por esta, que declarou ter descontado e delas ser portador.

«53 - Após celebração do acordo, em 06.01.1994, o CPP, por intermédio do BES, comunicou por escrito à ERG ter extinguido, por efeito do contrato, créditos que detinha anteriores à sua assinatura, por empréstimos, juros e letras de câmbio aceites pela ERG, a quantia de Esc.:73.408.796$40, equivalente a 366.161,53 E (alínea M).

«61(5) O BCI nunca entregou ou apresentou à ERG ou à Autora as 24 letras de câmbio de que declarou ser portador na comunicação de 12.01.1994 feita à ERG e referida em AX), por alegada cedência dos seus sacadores, no valor total de Esc.: 25.614.900$00, equivalente a 127.766,58 designadamente:

A... 413.000$00

Cerâmica.... 629.000$00

Cerâmica.... 130.000$00

Cerâmica.... 1.455.000$00

Construções..., Lda. 542.000$00

F... &..., Lda 1.580.000$00

F..., Lda. 395.000$00

I... - Imp. e Comércio 680.000$00

I... - Imp. e Comércio 2.024.000$00

I..., S.A. 1.519.000$00

J..., S.A. 2.614.000$00

J..., S.A. 1.260.000$00

J..., S.A. 2.050.000$00

J..., S.A. 2.089.000$00

M..., S.A. 1.288.000$00

M..., S.A. 631.000$00

S... - Soc... 486.000$00

S... - Soc... 182.000$00

T... - Construções... 763.000$00

T... - Construções... 970.900$00

T... - Construções... 539.000$00

V... 475.000$00

V... 744.000$00

V... 2.156.000$00

TOTAL 25.614.900$00

«61 (6) O CPP nunca entregou ou apresentou à ERG ou à Autora a letra de câmbio aceite por aquela, saque da "MAQUI 200", com vencimento em 15.11.1993, de que declarou ser portador por alegada cedência do seu sacador, na comunicação de 06.01.1994 feita à ERG, no valor 587.000$00, equivalente a 2.927,94 (resposta ao quesito 240-alterada)».

Mais pretende relevar que esse acórdão condenou o executado:

«(i) a restituir à A. os títulos letras de câmbio que declararam ou vierem a declarar extintos por efeito do contrato que celebraram com a ERG em 12.11.1993, ou sua cópia com força probatória de original, quando estes tenham sido destruídos nos termos legais, sem prejuízo dos títulos comprovadamente entregues, nos termos da matéria de facto;

«(ii) a pagar à Autora, por efeito da falência da ERG, as quantias correspondentes à diferença entre os créditos que declararam ser titulares e aqueles que efetivamente extinguiram, a liquidar em execução de sentença, tendo-se em conta, nomeadamente, os assinalados factos».

Assim, repetindo que as letras de câmbio em causa têm o valor facial de 130.694,52 Eur e que, com a emissão e aceite dessas letras, a Exequente ficou obrigada ao pagamento deste montante e satisfê-lo, em consequência, conclui que as obrigações da Exequente, originadas pela emissão e aceite das letras de câmbio, não foram extintas, em desrespeito do que foi acordado entre a Exequente e o Executado, pois essa extinção dependeria sempre, como é próprio do funcionamento dos títulos de crédito, da posse efetiva do título por quem se arroga ser seu portador, o que diminui o acervo patrimonial da Exequente no valor de 130.694,52 €, correspondente ao valor facial das letras de câmbio.

Em conformidade requereu que:

«A. Nos termos da liquidação do valor dos títulos, seja fixado que o seu valor corresponde a 130.694,52 Eur;

«B. A indemnização pela privação do valor dos títulos de crédito seja liquidada na seguinte quantia:

«a) Dos juros vencidos sobre a quantia de 127.766,58 Eur, calculados desde a citação em 07-07-2004, até à data de interposição do presente Requerimento em 10-02-2022, no valor total de 89.989,68 Eur;

«b) Dos juros vencidos sobre a quantia de 2.927,94 Eur, calculados desde o vencimento em 15-11-2013 até à data de interposição do presente Requerimento em 10-02-2022, no valor total de 965,50 Eur;

«c) Dos juros vincendos calculados à taxa legal aplicável sobre a quantia de 130.694,52 Eur, desde a presente data até integral e efetivo pagamento.

«C. Proceda-se à penhora dos bens necessários do Executado para pagamento das quantias inscritas nos títulos que não foram restituídos à ERG nem à Exequente e da respetiva indemnização pela não restituição dos títulos, no montante total de 221.649,70 Eur;

«D. A subsequente tramitação da presente execução seja realizada nos termos do cânone próprio da execução para pagamento de quantia certa, de acordo com o previsto na legislação processual civil».

O executado respondeu a esse articulado (cfr. “Execução – Requerimento para outras questões” de 24-02-2022 – Ref.ª n.º ......02), repetindo no essencial os fundamentos das oposições à liquidação anteriormente por si apresentadas, sustentando que não foi alegado qualquer prejuízo com a não entrega das letras, que em caso algum esse prejuízo poderia corresponder à mera soma do valor facial desses títulos de crédito, não sendo devidos juros, como já havia sido decidido por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26/09/2019, já transitado em julgado, proferido nestes autos. Em suma, concluiu no sentido de dever ser julgada improcedente a pretensão da Massa Insolvente, com as legais consequências, e ainda a mesma ser condenada como litigante de má fé.

É assim que vem a ser proferido o despacho datado de 26 de Março de 2022 (Ref.ª n.º .......28) que decidiu converter a execução para entrega de coisa certa em execução para pagamento de quantia certa, atribuindo o valor de 2.000,00€ a cada uma das 25 letras de câmbio não entregues, mais julgando improcedente o pedido de condenação da exequente como litigante de má-fé.


**


Desta decisão ambas as partes interpuseram recurso de apelação, vindo a Relação de Lisboa, em acórdão de 4 de Julho de 2023, a proferir a seguinte

«DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação da Exequente, Massa Falida da Sociedade de Construções ERG, S.A., improcedente por não provada, mas julgamos procedente a apelação do Executado, Banco Santander Totta, S.A., revogando o despacho recorrido, datado de 26 de março de 2022 (Ref.ª n.º .......28), na parte que decidiu, na sequência da conversão da execução para entrega de coisa certa em execução para pagamento de quantia certa, fixar o valor de 2.000,00€ a cada uma das 25 letras de câmbio não entregues, a qual é substituída pela decisão de julgar improcedente a liquidação da obrigação de indemnização resultante do incumprimento da obrigação de entrega das letras de câmbio a que os autos se reportam, e em que o Executado havia sido condenado, deduzida em incidente por força da conversão da execução no quadro do Art. 867.º n.º 1 do C.P.C..

- Custas pela Apelante (e também simultaneamente Apelada), Massa Falida da Sociedade de Construções ERG, S.A. (Art. 527.º n.º 1 do C.P.C.), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi deferido pela Segurança Social.».


**


Inconformada com esta decisão, vem a Recorrente MASSA FALIDA DA SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES ERG, S.A., interpor recurso de revista, apresentando alegações que remata com as seguintes

CONCLUSÕES

O Executado foi condenado a restituir as letras de câmbio à Exequente por decisão judicial transitada em julgado (Acórdão do TRL de 01-07-2014).

2.º

O Executado não restituiu as letras de câmbio que foi condenado a restituir à Exequente e declarou nos presentes autos que não as possui.

3.º

As letras de câmbio em causa têm o valor facial de 130.694,52 €.

4.º

Os presentes autos são uma execução para entrega de coisa certa em que se discute a liquidação do valor das letras de câmbio, dado que o Executado não entregou as letras de câmbio à Exequente e a Exequente peticionou a liquidação do valor da coisa pelo seu valor facial de 130.694,52 €, nos termos do artigo 867.º/1 do CPC.

5.º

O Executado não extinguiu os créditos titulados pelas letras de câmbio que foi condenado a restituir à Exequente.

6.º

O Executado não declarou que os créditos correspondentes às letras de câmbio, que foi condenado a entregar à Exequente, estão extintos, pelo que não existe declaração confessória do Executado quanto à extinção destes créditos e em consequência o Tribunal a quo errou na determinação de que os artigos 352.º, 355.º/1, 2 e 3, 356.º/1 e 358.º/1, todos do Código Civil, eram aplicáveis à presente situação.

7.º

O Tribunal a quo concluiu erradamente que não corresponde qualquer obrigação de pagamento da Exequente à posse das letras de câmbio pelo Executado, pelo que aplicou erradamente o artigo 39.º da LULL.

8.º

A correta interpretação e aplicação do artigo 39.º da LULL à presente situação impõe que se considere que em decorrência da declaração do Executado de extinção dos créditos correspondentes às letras de câmbio que foi condenado a entregar à Exequente, o Executado tem a obrigação de entregar à Exequente as letras de câmbio.

9.º

A Exequente ficou obrigada ao pagamento do montante inscrito nas letras de câmbio com a emissão e aceite das letras de câmbio.

10.º

As obrigaçõesdaExequente originadas pelaemissãoe aceitedas letrasdecâmbio não foram extintas, em desrespeito do que foi acordado anteriormente entre a Exequente e o Executado, dado que a extinção dependeria da posse efetiva do título por parte de quem se arroga ser seu portador, como é próprio do funcionamento dos títulos de crédito.

11.º

A inexistência de extinção das obrigações tituladas pelas letras de câmbio diminuiu o património da Exequente no valor de 130.694,52 €.

12.º

As finalidades da restituição à Exequente das letras de câmbio que o Executado declarou possuir são as de evitar que o título seja novamente utilizado e a de extinguir as obrigações incorporadas nas letras de câmbio.

13.º

A restituição das letras de câmbio ao aceitante (no caso, a Exequente) possibilita que o aceitante se inteire que o comerciante que lhe exigiu o pagamento do montante inscrito nas letras de câmbio detinha efetivamente o crédito de que se arrogou titular e que o adquiriu através de uma sucessão regular de endossos.

14.º

A prescrição do título não faz prescrever a obrigação subjacente e a prescrição só aproveita ao devedor da obrigação e não a um terceiro, como é o Executado; outrossim, o que releva é saber se o Executado, que se arrogou seu titular, extinguiu a obrigação cartular através da legítima aquisição do título ao seu detentor antecedente e estava por isso devidamente habilitado a exigi-lo à ERG; se não estava, então não extinguiu o crédito de que se arrogou titular.

15.º

O Executado não explica o que aconteceu às letras de câmbio para não terem sido restituídas à Exequente, pelo que coloca em causa todo o sistema de segurança da ovimentação cartular, dado que não elimina a possibilidade de o Executado ter exigido o pagamento dos títulos a anteriores endossantes ou ter até transmitido os títulos a terceiros.

16.º

A LLUL não permite responder com a segurança devida e por isso só se pode reagir de uma de duas formas: impondo a restituição do título – como foi determinado por decisão judicial condenatória transitada em julgado – ou, caso o título não seja restituído, impondo o pagamento do seu valor facial pelo Executado à Exequente.

17.º

A eventual prescrição apenas aproveita ao devedor da obrigação (no caso, a Exequente) e caso lhe seja exigido o seu pagamento, ainda que exista prescrição, o pagamento poderá ser realizado e não poderá ser repetido, dado que o pagamento pode ser realizado em cumprimento de uma obrigação natural nos termos do artº 29 e 403º/1 do Código Civil.

18.º

Ao contrário do que é entendimento do Tribunal a quo, na presente situação não está eliminada a possibilidade de exercício da ação cambiária pelo decurso do prazo de três anos previsto no artigo 70.º da LULL, dado que a prescrição da ação cambiária prevista nesta norma apenas aproveita ao devedor da obrigação (no caso, a Exequente) e não impede um terceiro, que seja portador das letras de câmbio, de exigir o pagamento do valor inscrito nas letras de câmbio à Exequente.

19.º

O Tribunal a quo errou na interpretação e aplicação dos artigos 70.º da LULL e 303.º e 309.º do Código Civil.

20.º

A correta interpretação e aplicação dos artigos 70.º da LULL e 303.º e 309.º do Código Civil impunha que o Tribunal a quo considerasse que a prescrição apenas aproveita ao devedor da obrigação e não impede um terceiro, que seja portador das letras de câmbio, de exigir o pagamento do valor inscrito nas letras de câmbio à Exequente, dado que a Exequente é a aceitante das letras de câmbio.

21.º

O valor económico de uma letra de câmbio corresponde ao montante da ordem de pagamento que esta incorpora.

22.º

As letras de câmbio correspondem a títulos de crédito que enunciam uma ordem de pagamento dada à Exequente, que com o aceite se obrigou a pagar o montante inscrito inscrito na letra ao seu portador quando o portador das letras de câmbio o exigir.

23.º

A decisão do Tribunal a quo no Acórdão recorrido de que as letras de câmbio que o Executado foi condenado a entregar à Exequente não têm valor económico considera inútil o Acórdão do TRL de 01-07-2014, que condenou o Executado a entregar à Exequente às letras de câmbio, o que não se concebe como admissível no âmbito do respeito pelo cumprimento das decisões judiciais anteriores transitadas em julgado.

24.º

A falência da ERG é um facto anterior à propositura da Ação Declarativa em que foi proferido o Acórdão do TRL de 01-07-2014 (título executivo nestes autos) e não tem qualquer relevância para os presentes autos.

25.º

O Tribunal a quo violou a norma do artigo 619.º do CPC ao considerar que com o decurso do tempo se tornou inexistente o interesse na entrega dos títulos de crédito à Exequente, dado que tal consideração não tem em conta a decisão do Acórdão do TRL de 01-07-2014.

26.º

O valor das letras de câmbio em causa corresponde ao valor nelas inscrito, dado que as letras circulam incorporando o direito do seu possuidor a receber do aceitante o pagamento do montante inscrito nas letras de câmbio e a obrigação do aceitante de pagar ao possuidor das letras de câmbio o montante inscrito nas letras de câmbio.

27.º

O Executado não extinguiu os créditos titulados pelas letras de câmbio que foi condenadoarestituir àExequente, dadoque seotivessefeitoteria as letras decâmbio para restituir à Exequente, pelo que há que liquidar o valor da sua dívida pela totalidade.

28.º

A alegação do Executado de que não dispõe das letras de câmbio e que estas foram destruídas não o exonera do cumprimento da obrigação de restituição das letras à Exequente e apenas é imputável ao Executado, que declarou possuir as letras de câmbio e tinha o perfeito conhecimento de que as teria de restituir em caso de pagamento por parte do sacado ou de qualquer outro motivo extintivo da obrigação subjacente, nomeadamente acordo (como sucedeu na presente situação).

29.º

O Executado deve pagar à Exequente o montante de 130.694,52 €, correspondente às quantias inscritas nas letras de câmbio, para que a Exequente tenha a possibilidade de reaver o valor da coisa e obtenha uma prestação equivalente em termos económicos ao valor da coisa.

30.º

O Executado não extinguiu os créditos titulados pelas letras de câmbio, que se comprometeu a extinguir no acordo de saneamento financeiro celebrado com a ERG em 12-11-1993 e não restituiu à Exequente as 25 letras de câmbio, que foi condenado a restituir à Exequente por decisão judicial transitada em julgado e cuja restituição também era imposta pela norma do artigo 39.º da LLUL

31.º

A não extinção dos créditos titulados pelas letras de câmbio, no valor de 130.694,52 €, que apenas pode ser validamente efetuada pela entrega das letras de câmbio, conforme previsto no artigo 39.º da LLUL, provoca uma diminuição no património d a exequente no valor de 130.694,52 €, correspondente ao valor da obrigação que não foi extinta e que deveria ter sido, nos termos acordados entre as partes no acordo de saneamento financeiro celebrado em 12-11-1993.

32.º

A Exequente alegou nestes autos a perda patrimonial correspondente a concretos prejuízos resultantes da falta de entrega das letras, que é o da diminuição provocada no seu património, o que afeta a sua distribuição de valores pelos credores da massa falida.

33.º

A obrigação de restituição pelo Executado à Exequente das letras de câmbio que o Executado alegou ser possuidor é imposta pela lei em nome da facilidade de circulação dos títulos de crédito e determinada por decisão judicial proferida pelo TRL, que o Executado não cumpriu e o seu incumprimento só pode ter uma consequência que é a liquidação dos títulos de crédito pelo valor constantes dos títulos de crédito, dado que de outra forma haveria que considera inútil o Acórdão do TRL de 01-07-2014.

34.º

O Tribunal a quo violou a norma do artigo 867.º/1 do CPC, dado que não liquidou liquidar o valor das letras de câmbio que o Executado foi condenado a restituir à Exequente pelo respetivo valor facial, que corresponde ao montante de 130.694,52 €.

35.º

Em virtude do exposto, as letras de câmbio devem ser liquidados no valor total de 130.694,52 €, correspondente ao seu valor facial, nos termos do artigo 867.º/1 do CPC e a indemnização pela não restituição das letras de câmbio deverá constituir o Executado na obrigação de pagamento de juros sobre a quantia de 130.694,52 €, calculados desde a citação do Executado na ação declarativa em 07-07-2004 e até integral pagamento nos termos do artigo 806º/1 do CC.

Nestes termos e de mais direito,

Deve a sentença do Tribunal a quo ser revogada e substituída por douto Acórdão que liquide as letras de câmbio que o Executado foi condenado a restituir à Exequente em 130.694,52 €, acrescido de juros vencidos sobre a quantia de 130.694,52 €, calculados desde a citação em 07-07-2004 até à presente data (26-09-2023), que ascendem ao valor de 204.307,30 € e dos juros vincendos calculados à taxa legal aplicável sobre a quantia de 130.694,52 €, desde 27-09-2023 até integral e efetivo pagamento.


*


Contra-alegou o Executado e Recorrido BANCO SANTANDER TOTTA, S.A. (BST), pugnando pela improcedência do recurso.

*


Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

**


II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Nada obsta à apreciação do mérito da revista.

Com efeito, a situação tributária mostra-se regularizada, o requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638º e 139º do CPC) e foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (art.º 631º do CPC) e se encontra devidamente patrocinado (art.º 40º do CPC). Para além de que tal requerimento está devidamente instruído com alegação e conclusões (art.º 639º do CPC).

Não obstante a regra base de inadmissibilidade da revista nas execuções (cfr. artº 854º do CPC), a admissibilidade da presente revista resulta do facto de em causa estar, afinal, a fixação de indemnização pela não entrega da coisa, em incidente de liquidação (cfr. artº 867º do CPC) “não pendente de simples cálculo aritmético” (cit. artº 854º do CPC)


**


Considerando que o objecto do recurso (o “thema decidendum”) é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, atento o estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC), a questão (ou questões) a decidir consiste em saber:

Se, em consequência da conversão da execução para entrega de coisa certa (das letras de câmbio aceites pela Exequente e que o Executado estava obrigado a entregar-lhe) em pagamento de quantia certa, a Exequente tem direito a ser indemnizada pelo valor facial das letras. E, outrossim, do recurso à equidade para fixação dessa indemnização.

III – FUNDAMENTAÇÃO

III. 1. FACTOS PROVADOS

Certo é que a decisão sob recurso na Relação não fixou a factualidade com base na qual decidiu. Porém, como refere a Relação, percebe-se do seu contexto que relevou a sequência de actos processuais descritos no relatório elaborado no acórdão, sendo de destacar dos autos os seguintes factos relevantes:

1. A exequente intentou execução para entrega de coisa certa, apresentando como título executivo o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 1 de Julho de 2014, proferido no âmbito do Proc. n.º 3200/04.0TVLSB.L2, e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 18 de junho de 2015, entretanto transitado em julgado em 6 de Julho de 2015, proferido no mesmo processo, que manteve a condenação do ora Executado a restituir à ora Exequente as letras de câmbio que «declararam ou vieram a declarar extintos para efeito do contrato que celebraram com a ERG em 12.11.1993, ou sua cópia com força probatória de original, quando estes tenham sido destruídos nos termos legais».

2. Foram julgados provados nesse processo, entre outros, os seguintes factos:

«5 - Por forma a ultrapassar os problemas financeiros que sentiu no período 1990/1992, a ERG recorreu a elevado número de operações de financiamento, quer diretamente junto de instituições bancárias, quer através da emissão e aceite de letras de câmbio a seus fornecedores.

«6 - A generalidade das letras de câmbio aceites pela ERG e sacadas pelos seus fornecedores, constituíam dívidas de natureza bancária, por normalmente os seus portadores as transmitirem em operações de desconto bancário àquelas mesmas instituições.

«11 - Em Setembro/Outubro de 1993 a ERG tinha aceite e encontravam-se em vigor e em circulação comercial 1.457 letras de câmbio entregues aos seus fornecedores, no valor total de Esc.: 2.394.379.810$10 correspondente a 11.943.116,14 €.

«15 - No apuramento da divida da ERG às 16 instituições bancárias em 31.08.1993, o valor das letras de câmbio aceites foi determinado por declaração destas, de serem possuidoras dos títulos respetivos, obtidos em operações bancárias (de desconto ou outras) celebradas com os respetivos sacadores ou portadores.

«19 - Em 12.11.1993 a ERG e as empresas suas participadas Int..., S.A. e L..., Lda, por um lado e 16 instituições bancárias por outro lado, designadamente os Réus BES, BCP, BANIF, BTA, BIC, BCI, CPP e ainda os bancos UBP, BPA, BPSM, BBI, MG, DBI, BNC, CGD e CEA, celebraram acordo tendo como objetivo o saneamento financeiro da ERG, pela concessão de novos financiamentos e pela extinção dos créditos dos bancos subscritores, nos seguintes termos:

1- Na concessão à ERG de novos financiamentos no valor global de Esc.: 1.727.000.000$00 (452.000.000$00 + 1.275.000.000$00) (doc. 3 cláusula 2a, nos. 1 e 2);

2- Na extinção dos créditos dos bancos signatários sobre a ERG, resultantes dos financiamentos concedidos nesse ato (Esc.: 1.727.000.000$00), bem como os anteriores que declararam deter, por mútuos e aberturas de crédito (Esc.: 3.592.378.000$00) e respetivos juros (Esc.: 303.520.000$00) e letras de câmbio aceites pela ERG e descontadas por outras empresas nos bancos signatários (Esc.: I .777.289.000$00), no total de Esc.:7.400.187.000$00;

3- Na entrega pela ERG e pelas suas associadas, aos bancos signatários, da totalidade das ações e quotas representativas de todo o capital social das empresas Companhia..., S.A. e P..., Lda, e créditos por suprimentos sobre esta última, no valor de Esc 7.400.000.000$00.

«20-No acordo que celebraram em 12.11.1993, foi declarado que os Réus BES, BCP, BANIF, BTA, BIC, BCI, CPP e os bancos UBP, BPA, BPSM incorporados no Réu BCP e o BBI, incorporado no Réu BPI, eram possuidores de créditos por empréstimos, juros e letras de câmbio aceites pela ERG, nos valores indicados, em contos, que foram incluídos no cálculo das responsabilidades daquela, a extinguir:

BANCOS EMPRÉSTIMOS JUROS ACEITES TOTAL

BCP 453.600 36.737 395.660 885.997

BES 320.200 27.510 343.687 691.397

UBP 400.427 35.316 216.078 651.821

BANIF 164.899 13.459 168.667 347.025

BTA 100.639 9.432 225.483 335.554

BPA 18.915 0 228.613 247.528

BIC 170.389 15.990 883 187.262

BCI 135.283 14.192 25.615 175.090

BPSM 0 0 94.088 94.088

BBI 18.000 0 58.698 76.698

CPP 52.854 771 19.817 73.442

«48 - Após celebração do acordo, em 11.01.1994, o BTA, por intermédio do BES, comunicou por escrito à ERG ter extinguido, por efeito do contrato, créditos que detinha anteriores à sua assinatura, por empréstimos, juros e letras de câmbio aceites pela ERG e descontadas a seus clientes, a quantia de 333.655 contos, equivalente a 1.664.264,12 €.

«51 - Após celebração do acordo, em 06.01.1994, o Réu BCI, por intermédio do BES, comunicou por escrito à ERG ter extinguido, por efeito do contrato, créditos que detinha anteriores à sua assinatura, por empréstimos, juros e letras de câmbio aceites pela ERG, na quantia de 175.084 contos, equivalente a €873.317,42.

«52 - Em aditamento de 12.01.1994 à sua comunicação de extinção de créditos de 06.01.1994, suscitado por pedido da ERG de 11.01.1994, o BC14, por intermédio do BES, comunicou à ERG ter extinguido, por efeito do contrato, a quantia de Esc.: 25.614.900§00, equivalente a 127.766,58 €, correspondentes a aceites por esta, que declarou ter descontado e delas ser portador.

«53 - Após celebração do acordo, em 06.01.1994, o CPP, por intermédio do BES, comunicou por escrito à ERG ter extinguido, por efeito do contrato, créditos que detinha anteriores à sua assinatura, por empréstimos, juros e letras de câmbio aceites pela ERG, a quantia de Esc.:73.408.796$40, equivalente a 366.161,53 E (alínea M).

«61(5) O BCI nunca entregou ou apresentou à ERG ou à Autora as 24 letras de câmbio de que declarou ser portador na comunicação de 12.01.1994 feita à ERG e referida em AX), por alegada cedência dos seus sacadores, no valor total de Esc.: 25.614.900$00, equivalente a 127.766,58€, designadamente:

A... 413.000$00

Cerâmica.... 629.000$00

Cerâmica.... 130.000$00

Cerâmica.... 1.455.000$00

Construções..., Lda. 542.000$00

F... &..., Lda 1.580.000$00

F..., Lda. 395.000$00

I... - Imp. e Comércio 680.000$00

I... - Imp. e Comércio 2.024.000$00

I..., S.A. 1.519.000$00

J..., S.A. 2.614.000$00

J..., S.A. 1.260.000$00

J..., S.A. 2.050.000$00

J..., S.A. 2.089.000$00

M..., S.A. 1.288.000$00

M..., S.A. 631.000$00

S... - Soc... 486.000$00

S... - Soc... 182.000$00

T... - Construções... 763.000$00

T... - Construções... 970.900$00

T... - Construções... 539.000$00

V... 475.000$00

V... 744.000$00

V... 2.156.000$00

TOTAL 25.614.900$00

«61 (6) O CPP nunca entregou ou apresentou à ERG ou à Autora a letra de câmbio aceite por aquela, saque da "MAQUI 200", com vencimento em 15.11.1993, de que declarou ser portador por alegada cedência do seu sacador, na comunicação de 06.01.1994 feita à ERG, no valor 587.000$00, equivalente a 2.927,94 (resposta ao quesito 240-alterada)».

3. O Executado sucedeu na posição dos bancos BCI e CPP.

4. A Sociedade de Construções ERG, S.A. foi declarada em estado de falência por sentença de 22/11/1995, transitada em 11/01/1996.

5. O executado reconheceu nos autos não estar na posse das letras de câmbio a que se reporta esta ação, mais concretamente as referidas na matéria de facto constante dos pontos “61(5)” e “61(6)”, transcritos no ponto 2.


**


III. 2. DO MÉRITO DO RECURSO

Analisemos, então, a questão (ou questões) suscitada na revista: como dito, saber se, em consequência da conversão da execução para entrega de coisa certa (das letras de câmbio aceites pela Exequente e que o Executado estava obrigado a entregar-lhe) em pagamento de quantia certa, a Exequente tem direito a ser indemnizada pelo valor facial das letras. E, outrossim, do recurso à equidade para fixação dessa indemnização.

A Exequente (ora Recorrente) apresentou requerimento executivo em 02.09.2016, em que peticionou “a restituição das letras de câmbio que o BCI/Santander e o CPP declararam ser possuidores, no valor total de 130.694,52 €.”

O título executivo apresentado pelo exequente foi a decisão judicial condenatória proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 01-07-2014, no âmbito do processo n.º 3200/04.0TVLSB, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, em que o aqui Recorrido foi condenado a restituir à ora Recorrente os títulos (25 letras de câmbio) que foram declarados extintos por efeito do contrato celebrado entre os ora Exequente e o Executado em 12-11-1993.

O Executado opôs-se à execução através de Embargos, declarando ali que não está na posse das letras em causa (“não está na posse dos documentos em causa.”).

A Agente de Execução notificou o ora Recorrente para se pronunciar sobre o que tivesse por conveniente face à declaração do executado.

Em 03.02.3020 o Recorrente requereu a conversão do processo em quantia certa e a liquidação do valor dos títulos de crédito pelo valor pelo qual a ora Recorrente os emitiu, isto é, pelo seu valor facial (total de 130.694,52 €).

Em 14-02-2020, o ora Recorrido apresentou oposição à liquidação.

Em decisão de 26-03-2022, o Tribunal de1.ª instância decidiu “converter a execução para entrega de coisa certa em execução para pagamento de quantia certa”.

Dessa decisão que atribuiu o valor de 2.000 € a cada um dos 25 documentos recorreu o ora Recorrido, concluindo que não resultaram provados quaisquer danos da liquidação efetuada pela exequente.

Da mesma decisão da 1ª instância recorreu a ora Recorrente, peticionando se defira a conversão da execução de coisa certa em execução por quantia certa e liquide as letras de câmbio que o Executado foi condenado a restituir à Exequente, no valor de 130.694,52 €, acrescido de juros indemnizatórios pela mora na restituição.

A Relação de Lisboa, em acórdão, decidiu julgar improcedente a apelação da ora Recorrente e procedente a apelação do ora Recorrido, revogando o despacho de 26-03-2023, na parte que decidiu fixar o valor de 2.000,00€ a cada uma das 25 letras de câmbio não entregues e substituindo a decisão desse despacho de 26-03-2022 pela decisão de julgar improcedente a liquidação da obrigação de indemnização resultante do incumprimento da obrigação de entrega pelo ora Recorrido das letras de câmbio em causa nestes autos.

É deste Acórdão do TRL de 04-07-2023 que é interposta a presente Revista.


**


Adiantando solução, não cremos que assista razão à Recorrente.

O que é discutido nestes autos é a obrigação de entrega da coisa (letras de câmbio aceites pela Exequente) e a liquidação do valor da coisa, uma vez que a peticionada entrega das letras não foi realizada por a executada (segundo alegou) não as ter na sua posse e a exequente ter peticionado a liquidação do valor da coisa nos termos do artº 867º do CPC.

Aquela obrigação de entrega da coisa emerge da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que condenou o Executado a restituir à Exequente as letras de câmbio que declararam ou vierem a declarar extintos por efeito do contrato que celebraram com a ERG em 12.11.1993.

A Recorrente/Exequente assenta, no essencial, a sua argumentação – para exigir do Executado/Recorrido, como indemnização pela não entrega das letras, o seu valor facial – na alegação de que as obrigações que as letras titulavam não foram extintas pelo contrato celebrado com a ERG em 12.11.1993.

Sem razão, porém.

Com efeito, consta da factualidade provada (no âmbito do Proc. n.º 3200/04.0TVLSB.L2 e acórdão do STJ de 18 de junho de 2015, entretanto transitado em julgado, que manteve a condenação do ora Executado a restituir à ora Exequente as letras de câmbio que «declararam ou vieram a declarar extintos para efeito do contrato que celebraram com a ERG em 12.11.1993, ou sua cópia com força probatória de original, quando estes tenham sido destruídos nos termos legais») que a ERG – entretanto declarada em estado de falência – «19-Em 12.11.1993 a ERG e as empresas suas participadas …, por um lado e 16 instituições bancárias por outro lado, designadamente os Réus BES, BCP, BANIF, BTA, BIC, BCI, CPP e ainda os bancos UBP, BPA, BPSM, BBI, MG, DBI, BNC, CGD e CEA, celebraram acordo tendo como objetivo o saneamento financeiro da ERG, pela concessão de novos financiamentos e pela extinção dos créditos dos bancos subscritores, nos seguintes termos:

I. (…);

2- Na extinção dos créditos dos bancos signatários sobre a ERG, resultantes dos financiamentos concedidos nesse ato (Esc.: 1.727.000.000$00), bem como os anteriores que declararam deter, por mútuos e aberturas de crédito (Esc.: 3.592.378.000$00) e respetivos juros (Esc.: 303.520.000$00) e letras de câmbio aceites pela ERG e descontadas por outras empresas nos bancos signatários (Esc.: I .777.289.000$00), no total de Esc.:7.400.187.000$00;

3- (…)

«20 - No acordo que celebraram em 12.11.1993, foi declarado que os Réus BES, BCP, BANIF, BTA, BIC, BCI, CPP e os bancos UBP, BPA, BPSM incorporados no Réu BCP e o BBI, incorporado no Réu BPI, eram possuidores de créditos por empréstimos, juros e letras de câmbio aceites pela ERG, nos valores indicados, em contos, que foram incluídos no cálculo das responsabilidades daquela, a extinguir:

BANCOS EMPRÉSTIMOS JUROS ACEITES TOTAL

(…)

«51 - Após celebração do acordo, em 06.01.1994, o Réu BCI, por intermédio do BES, comunicou por escrito à ERG ter extinguido, por efeito do contrato, créditos que detinha anteriores à sua assinatura, por empréstimos, juros e letras de câmbio aceites pela ERG, na quantia de 175.084 contos, equivalente a €873.317,42.

(…)

«53 - Após celebração do acordo, em 06.01.1994, o CPP, por intermédio do BES, comunicou por escrito à ERG ter extinguido, por efeito do contrato, créditos que detinha anteriores à sua assinatura, por empréstimos, juros e letras de câmbio aceites pela ERG, a quantia de Esc.:73.408.796$40, equivalente a 366.161,53 E (alínea M).

….

«61(5) O BCI nunca entregou ou apresentou à ERG ou à Autora as 24 letras de câmbio de que declarou ser portador na comunicação de 12.01.1994 feita à ERG … designadamente….»

«61 (6) O CPP nunca entregou ou apresentou à ERG ou à Autora a letra de câmbio aceite por aquela, saque da "MAQUI 200", com vencimento em 15.11.1993, de que declarou ser portador por alegada cedência do seu sacador, na comunicação de 06.01.1994 feita à ERG, no valor 587.000$00, equivalente a 2.927,94 € (resposta ao quesito 240-alterada)».

I. O Executado sucedeu na posição dos bancos BCI e CPP.

4. A Sociedade de Construções ERG, S.A. foi declarada em estado de falência por sentença de 22/11/1995, transitada em 11/01/1996.

5. O executado reconheceu nos autos não estar na posse das letras de câmbio a que se reporta esta ação, mais concretamente as referidas na matéria de facto constante dos pontos “61(5)” e “61(6)”, transcritos no ponto 21.

Daqui se vê, com toda a clareza, que as obrigações que as letras titulavam foram extintas pelo contrato celebrado com a ERG em 12.11.1993. Tendo o BCI e o CPP (em cuja posição sucede o Executado), após a celebração de tal acordo, comunicado por escrito à ERG ter extinguido, por efeito do contrato, os créditos que detinham anteriores à sua assinatura, por empréstimos, juros e letras de câmbio aceites pela ERG.

Assim, portanto, tendo o referido acordo de reestruturação da dívida bancária da ERG – a aceitante das letras (a Exequente) – abrangido as letras de câmbio que estavam, ou terão estado, na posse do executado por terem sido objecto de desconto bancário, e fazendo-se constar, expressamente, do mesmo acordo que o mesmo extinguia os financiamentos anteriores, que incluíam as letras de câmbio aqui em causa, aceites pela Exequente e descontadas nos referidos bancos (cfr. facto provado 19, nºs 1 e 2, dos factos assentes no citado ac. do STJ de 18.06.2015), é claro que dúvidas não poderá haver de que os créditos a que se repostavam as letras de câmbio (aceites e descontadas) se extinguiram.

Como refere o acórdão recorrido, é o próprio credor que reconhece que os créditos correspondentes a esses aceites “estão extintos há mais de 28 anos. Isso é dito explicitamente no artigo 40.º das alegações do Recorrente Banco Santander Totta, S.A. e já havia sido alegado sucessivamente nas várias oposições que apresentou aos incidentes de liquidação.

Trata-se, portanto, de declaração confessória (cfr. art.s 352.º, 355.º n.ºs 1, 2 e 3 e 356.º n.º 1 do C.C.), que faz prova plena contra o confitente (art. 358.º n.º 1 do C.C.). Pelo que, insistir que ainda subsistem os créditos dos bancos BCI e CPP (que são hoje do Executado), não tem qualquer fundamento razoável ou plausível. Em conformidade, só podermos concluir que esses créditos estão efetivamente extintos, porque é o próprio credor que assim o afirma.”.


*


Acresce o facto de a Exequente – aceitante das letras de câmbio – ter, entretanto, sido declarada em estado de falência (à data, assim designada) por sentença transitada em 11.01.1996 – posteriormente, portanto, à celebração do referido acordo, que teve lugar em 12.11.1993.

Diz, com toda a pertinência, o acórdão recorrido:

« Ao tempo dessa declaração de falência era vigente o Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF), aprovado pelo Dec.Lei n.º 132/93 de 23/4, e a declaração judicial de falência tinha por efeito necessário a extinção, por dissolução, da sociedade comercial em causa (cfr. Art. 141.º n.º 1 al. e) do C.S.C. então vigente), que ficava de imediato privada, por si, ou pelos seus órgãos representativos, dos poderes de administração e disposição dos seus bens, presentes ou futuros (cfr. Art. 147.º n.º 1 do CPEREF), ficando igualmente inibia do exercício do comércio (cfr. Art. 148.º n.º 1 do CPEREF) e, portanto, de assumir novas dívidas ou assumir novos passivos.

Mais, todas as obrigações do falido, por força da declaração de falência, venceram-se automaticamente, cessando a contagem de juros (Art. 151.º n.º 1 e n.º 2 do C.P.E.R.E.F.). Pelo que, todos os créditos sobre a massa falida, que não tenham sido oportunamente reclamados no processo de falência, sempre estariam prescritos, por força do Art. 309.º do C.C., bastando à devedora (diligentemente) invocar essa exceção (cfr. Art. 303.º do C.C.).

A verdade é que a questão da prescrição nem sequer se chega a colocar, pela simples razão de que o processo de falência tinha por efeito a extinção total da sociedade, por dissolução, através do apuramento do seu passivo, nos termos da lei de processo aplicável, da liquidação dos ativos e consequente pagamento das responsabilidades apuradas pelas forças da massa falida.

Assim, das duas uma: ou os créditos sobre a massa falida foram devidamente reclamados, reconhecidos e graduados (cfr. Art.s 188.º e ss. do C.P.E.R.E.F.), ou não foram reclamados e deixam de poder ser exercidos perante uma sociedade, que inexiste, por deixar de ter personalidade jurídica e património que possa responder por essa dívida.

De facto, para os créditos sobre a massa falida serem pagos, necessário seria que fossem reclamados no prazo máximo de 60 dias a contar da sentença declaratória da falência (Art. 188.º n.º 1 do C.P.C.), podendo ainda haver uma verificação ulterior de créditos, mas no prazo máximo de 1 ano a contar do trânsito em julgado da declaração da falência (Art. 205.º n.º 2 do C.P.E.R.E.F.). Esgotados esses prazos, que são prazos processuais perentórios (cfr. Art. 139.º n.º 3 do C.P.C.), portanto, de conhecimento oficioso, a declaração de falência obstaria à instauração de ações contra o falido, seja de ações executivas (cfr. Art. 154.º n.º 3 do C.P.E.R.E.F.), seja de ações declarativas com o propósito de ampliar o passivo não reclamado e não reconhecido por sentença no âmbito do processo falimentar.» - destaque nossos.

E se é certo que dos acórdãos da Relação de Lisboa de 1 de Julho de 2014 e do STJ de 18.06.2015, proferidos no âmbito do processo, 3200/04.0TVLSB, resulta a condenação do Executado a entregar à exequente as 25 letras de câmbio, obrigação essa que a Exequente pretende efectivar por via da acção executiva, certo é, também, que o devedor dessa prestação veio informar nos autos que não podia cumprir tal obrigação, dado não deter as referidas letras de câmbio. O que nos remete para o estatuído no artº 867º, nº1 do CPC, que reza: «Quando não seja encontrada a coisa que o exequente deveria receber, este pode, no mesmo processo, fazer liquidar o seu valor e o prejuízo resultante da falta da sua entrega, observando-se o disposto nos artigos 358.º, 360.º e 716.º, com as necessárias adaptações».

É, precisamente, essa liquidação do valor da coisa que a Exequente pretende fazer.

Ora, a sentença recorreu, nessa liquidação, à equidade, decidindo converter a execução para entrega de coisa certa em execução para pagamento de quantia certa, atribuindo-se o valor de 2.000,00€ a cada um dos 25 documentos.

Não vemos, porém, com que base ou fundamentação assentou a sentença para chegar a esse valor.

Antes de mais, há que atentar que o artº 39º da LULL – em que, aliás, se funda a Exequente para exigir a entrega das letras – refere que «O sacador que paga uma letra pode exigir que ela lhe seja entregue com a respetiva quitação».

Ou seja, a obrigação de entrega do título tem como subjacente o facto de o mesmo ter sido pago, dessa forma se cumprindo a obrigação.

Ora, extinta que foi, como vimos, a obrigação (de pagamento) a que as letras se reportam, a entrega das mesmas ao aceitante (à Exequente) não tem qualquer interesse ou utilidade, para além de que tal obrigação de pagamento deixa de ter “assento” no referido artº 39º da LULL.

E se também é certo que assim é nas relações imediatas entre o banco Executado e a Exequente/aceitante, mesmo que as letras chegassem às mãos de terceiro, a acção cambiária há muito que prescrevera (ut artº 70º da LULL).

E se é igualmente certo que sempre poderia invocar-se a relação subjacente, usando-se as letras como meros quirógrafos, certo é, também, que, como vimos, a obrigação subjacente às letras foi extinta por via do referido acordo de 12.11.1993. Para além de que – como bem observa o acórdão recorrido – “o terceiro possuidor do título de boa-fé, para invocar outra relação subjacente, teria de ser, no mínimo, efetivamente, credor da aceitante e, portanto, estaríamos a falar duma relação creditícia completamente distinta daquela que motivava a obrigação de entrega dos títulos e que justificaria um alegado prejuízo imputável ao Executado” – destaque nosso.

Como quer que seja, a verdade é que por decisão transitada em julgado, o Executado foi condenado a entregar à exequente as 25 letras de câmbio identificadas nos pontos 61(5) e 61(6) da matéria factual provada (mais precisamente, foi o executado condenado «(i) “a restituir à A. [que é aqui Exequente] os títulos-letras de câmbio -que declararam extintas por efeito do contrato que celebraram com a ERG em 12.11.1993 ou a sua cópia com força probatória de original, quando estes tenham sido destruídos nos termos legais, sem prejuízo dos títulos comprovadamente entregues, nos termos da matéria de facto”.

(iii) “juros à taxa aplicável aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, que então era de 12% ao ano, desde a citação até integral pagamento”.»).

E não tendo o Executado cumprido tal obrigação, resta o recurso ao disposto no artº 867º, nº1 do CPC (Conversão da execução).

É, portanto, isso que pretende a Exequente: fazer liquidar, no mesmo processo, o seu valor e o prejuízo resultante da falta da entrega.

Mas que prejuízo é esse?

Ora, atento o explanado, é claro que o interesse na entrega dos títulos de crédito, com o passar dos anos (extinção da obrigação por via do referido acordo – prescrição – falência da executada – etc…) tornou-se objectivamente inexistente. Como diz a Relação, a entrega dos títulos não corresponderá a qualquer activo com valor económico real positivo para a Exequente. Acrescendo que a Exequente não alegou que o Executado, ou quem quer que seja, alguma vez tenham exigido o pagamento dos créditos titulados nas letras.


*


Assim, portanto, razão tem o acórdão recorrido quanto remata que o valor da coisa devida entregar não pode corresponder ao valor facial das letras, pois estas, a existirem, nenhum valor têm, seja para quem for, maxime para a Exequente.

Do exposto se vê que sendo os títulos entregues à Exequente, acabariam, certamente, por ir parar ao lixo. Donde se não perceber por que razão a sentença recorreu à equidade para atribuição de indemnização pela não entrega dos títulos – pois, repete-se, nada se diz na sentença que o fundamente ou justifique.

Nesta senda, não vemos como não dar razão ao acórdão recorrido, quando remata desta forma:

«É que, não tendo as coisas a entregar qualquer valor efetivo, como se demonstra, a única conclusão possível a retirar é que a indemnização a liquidar não passa pelo valor da coisa, restando assim a ponderar a fixação duma indemnização pelos prejuízos derivados do não cumprimento (atempado) da obrigação de entrega ou da própria falta de entrega. Mas, para isso, competiria ao exequente o ónus de alegação e prova dos danos ou prejuízos consequentes do incumprimento da obrigação de entrega (cfr. Art. 342.º n.º 1 do C.C.).

No caso, como já referido, o interesse na entrega traduzia-se fundamentalmente em prevenir a eventual utilização dos títulos contra a Exequente, possibilitando que dela pudessem ser reclamadas responsabilidades que, em rigor, já estariam extintas.

O executado, evidentemente, não poderia reclamar qualquer crédito com base nesses títulos, pois reconhece que o mesmo se extinguiu há mais de 28 anos. O problema seria se os títulos viessem a chegar à posse de terceiros de boa-fé. Sucede que, sob certo ponto de vista, a demora na entrega dos títulos pelo executado até poderia constituir um benefício para a credora da prestação, na exata medida em que pudesse justificar a extinção desse hipotético crédito de terceiro por prescrição (Art. 309.º do C.C. ou Art. 70.º da LULL). O que é uma situação verdadeiramente paradoxal, mas que justificaria que, no caso concreto, não dever ser sancionável a mora como um prejuízo ou dano efetivo da credora da obrigação de entrega da coisa.

Sem prejuízo, o que para nós é evidente é que o que estará em causa são responsabilidades meramente hipotéticas, que não têm qualquer manifestação económica efetiva na esfera patrimonial da Exequente.

É certo que o Art. 564.º n.º 2 do C.C. estabelece que, na fixação de indemnização, o tribunal pode atender aos danos futuros, mas desde que sejam previsíveis e na medida em que o forem, com suficiente segurança (vide: Antunes Varela in “Das Obrigações Em Geral”, Vol. I, 10.ª Ed., pág. 911). Ora, no caso, quanto à possibilidade do exercício de direitos de crédito, por terceiros de boa-fé, com base nessas letras, estamos no domínio da pura especulação sobre eventualidades de verificação futura muito incerta. Não só não temos elementos que nos permitam dizer que os títulos chegaram às mãos de terceiros, como temos por certo que qualquer terceiro de boa-fé já não conseguirá obter o pagamento de qualquer novo crédito sobre a massa falida da exequente, pelas razões que já abundantemente explicitámos. Logo, não podem ser atendíveis essas meras “expectativas negativas” de prejuízos futuros, de verificação não só imprevisível, como objetivamente impossíveis, em face do direito aplicável.

Seja como for, a realidade é só uma: o Exequente não alegou nenhum dano ou prejuízo efetivo derivado da falta de entrega das letras de câmbio.

Mais se julga ser para nós também claro que pretender derivar o cálculo da indemnização pela falta de entrega dos títulos de um computo de “juros de mora” vencidos sobre um capital (valor facial das letras) que não é devido, afigura-se-nos totalmente despropositado e não corresponde à reparação de qualquer dano ou prejuízo efetivo.».


*


Não é demais lembrar que o acórdão dado à execução (do STJ de 18.06.2015) não condenou o BST no pagamento de uma qualquer importância ilíquida (com o consequente reconhecimento de um direito de crédito da ora exequente a receber um pagamento); ao invés, tal acórdão condenou apenas, como dito, o BST a entregar à exequente as referidas 25 letras.

Pelo que a exequente, para lograr obter qualquer ressarcimento pela não entrega das letras, tinha sempre, agora, de alegar e provar que sofreu prejuízos (efectivos) pelo facto de não lhe terem sido entregues tais letras.

Prova essa que, percute-se, não vem demonstrada.

Por outro lado, a razão para se proceder à entrega das letras ao aceitante/sacado em caso de extinção da obrigação das mesmas resultante é “defender o devedor contra o perigo de o título ser novamente utilizado”. Essa, de facto, a razão de ser da condenação dos Bancos a entregarem as letras à ERG.

Ora – como bem observa o Recorrido – , a verdade é que a Massa Insolvente da ERG, nos três incidentes de liquidação que lhe foi permitido deduzir em 1ª Instância, nunca alegou que, após a extinção dos créditos titulados pelas letras, os títulos foram novamente utilizados, e outrossim que, por via disso, a ERG os tivesse pago.


*


Não se vê, porém, como “fugir” a este fatalismo: a exequente estava obrigada a alegar e provar que sofreu prejuízos pelo facto de não lhe terem sido entregues as ditas letras, prova que, apodicticamente, não logrou fazer.

O que, por si só, já imporia a improcedência do recurso.


*


Uma nota final, relativamente aos peticionados juros de mora, para dizer que – sem embargo de que, face ao supra explanado nunca seriam devidos –, apesar do manifesto arrojo em peticionar juros desde Julho de 2004, não pode olvidar-se que por ac. da Relação de Lisboa de 26.09.2019, já transitado, foi decidido que o que está na base desta execução não engloba o pagamento de juros de mora!

*


Assim sendo, bem andou a Relação em revogar o despacho recorrido, substituindo-o pela decisão de julgar improcedente a liquidação da obrigação de indemnização resultante do incumprimento da obrigação de entrega das letras de câmbio a que os autos se reportam e em que o Executado havia sido condenado, deduzida em incidente por força da conversão da execução no quadro do art. 867.º n.º 1 do C.P.C., por não ter sido cumprido o ónus de alegação e prova dos factos constitutivos do direito invocado (ut art. 342.º n.º 1 do C.C.).

**


IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, negar a revista, mantendo-se o decidido no Acórdão da Relação.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 07 de dezembro de 2023

Fernando Baptista de Oliveira (Juiz Conselheiro Relator)

Emídio Santos (Juiz Conselheiro 1º adjunto)

Maria da Graça Trigo (Juíza Conselheira 2º Adjunto)

___


1. Destaques nossos.