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NULIDADES DA DECISÃO
EXAME POR JUNTA MÉDICA
FIXAÇÃO DE INCAPACIDADE
ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA A DECISÃO
Sumário
I – As nulidades da decisão (sentença ou despacho) previstas no artigo 615.º do Código de Processo Civil sancionam vícios formais, de procedimento – errore in procedendo - e não patologias que eventualmente traduzam erros judiciais – error in judicando, sendo que a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do referido preceito só ocorre quando exista falta absoluta de fundamentação. II – O exame por junta médica inscreve-se na denominada prova pericial, incidindo sobre determinados factos e destinando-se a elucidar o tribunal sobre o seu significado e alcance, no pressuposto que a respetiva natureza e complexidade técnica exigem conhecimentos especiais que o julgador não possui. III - O laudo pericial (seja do exame médico singular, seja do exame por junta médica), não tem força vinculativa obrigatória, estando sujeito à livre apreciação do julgador (artigos 389º do Código Civil e 489º do Código de Processo Civil), sem prejuízo, todavia, de a eventual divergência dever ser devidamente fundamentada em outros elementos probatórios que, por si ou conjugadamente com as regras da experiência comum, levem a conclusão contrária por se tratar de matéria em que o Juiz não dispõe dos necessários conhecimentos técnico-científicos. IV – Apresentando-se o laudo pericial da junta médica como claro, congruente, objetivo e fundamentado, permitindo captar as razões e o processo lógico que conduziu à resposta divergente do resultado do exame singular, é perfeitamente razoável e adequado que o Tribunal a quo entendesse que os autos reuniam as condições necessárias para tomar decisão quanto à natureza e fixação da incapacidade na sua livre convicção e, bem assim, que sustentasse tal decisão com apelo na respetiva fundamentação ao laudo pericial por junta médica, corroborado ainda pelo parecer técnico do Centro de Reabilitação ... quanto à questão de o Sinistrado não se encontrar totalmente incapaz para o exercício da sua profissão.
Texto Integral
Apelação/Processo nº 888/22.4T8PNF.P1 Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho de Matosinhos, Juiz 1
Relatora: Germana Ferreira Lopes
1º Adjunto: Rui Manuel Barata Penha
2º Adjunto: António Luís Carvalhão
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I - Relatório
Nos presentes autos de ação declarativa de condenação, sob a forma de processo especial, emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrado AA e entidades responsáveis A..., Compañia de Seguros e Reaseguros, SA Sucursal em Portugal (seguradora) e B... Unipessoal, Lda. (entidade empregadora), teve lugar a tentativa de conciliação [em 5-07-2022] que se frustrou, porquanto o Sinistrado e as Entidades responsáveis não aceitaram o resultado do exame médico singular datado de 15-06-2022, realizado no INML [que atribuiu ao sinistrado a IPP de 22,5%, com a referência de que tal IPP seria a corrigir por eventuais IPP´s que o Sinistrado já fosse portador], desde a data da alta, com período de ITA de 11-08-2021 a 16-03-2022.
No referido relatório de exame médico singular de 15-06-2022, no que aqui releva, consta o seguinte:
………………………………
………………………………
………………………………
Subsequentemente, na mesma identificada decisão refª citius 13-03-2023, o Tribunal a quo proferiu sentença, nos termos do artigo 140.º do Código de Processo do Trabalho dela constando, no que aqui releva, o seguinte:
«[..] III -Fundamentação Factos provados:
1)
No dia 10.08.2021 o autor trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização da ré B... Unipessoal, L.da quando se deslocava na obra fez um entorse do pé esquerdo.
2)
O autor auferia à data a remuneração anual de € 12627,80.
3)
A responsabilidade infortunística pelo acidente em causa, encontra-se transferida da sua entidade empregadora, mediante contrato de seguro da modalidade de acidentes de trabalho, para a ré seguradora “A..., Compañia de Seguros e Reaseguros, SA, Sucursal em Portugal”, no que respeita ao salário anual de € 11.927,80, titulado pela apólice ...
4)
O autor despendeu em despesas de transportes a quantia de € 40,00 que a ré seguradora aceitou pagar acrescida de juros.
5)
A seguradora liquidou ao autor referente aos períodos de ITS a quantia de € 4.861,24.
6)
O autor teve alta a 16.03.2022.
7)
O autor ficou afetado de ITA de 11-08-2021 a 02.03.2022 e ITP de 40% de 03.03.2022 a 16.03.2022.
8)
Em resultado do acidente sofrido e mencionado em a) o sinistrado apresenta uma cicatriz com palpação dolorosa ao nível do 5º metatarsiano, referiu queixas dolorosas após marcha ao nível do 5º metatarsiano mas aquando da realização da Junta Médica sem queixas dolorosas. As queixas dolorosas incidem sobretudo na vertente anterior da tibiotársica (segmento não atingido no acidente dos autos). Tornozelo e pé sem limitações da mobilidade com forma muscular preservada e simétrica.
9)
O autor apresenta uma IPP de 5,82 % já considerada a IPP anterior.
10)
O autor nasceu a .../.../1961. Factos não provados: Que o sinistrado se encontra totalmente incapaz para o exercício da sua profissão. Convicção do Tribunal: A matéria constante dos art.s 1º a 6º resulta do acordo das parte (cfr. auto de não conciliação). Na afirmação da factualidade constante do art. 10º considerou-se o documento de fls. 23 (assento de nascimento). Quanto à demais factualidade provada e não provada, apraz-nos referir que a discordância entre as partes contendia com aos períodos de incapacidades temporárias, sequelas e grau de incapacidade que foi atribuído ao autor impondo-se, ainda, determinar se o autor se encontrava com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual. Resulta do auto de exame por junta médica subscrito por unanimidade que os senhores peritos− incluindo o perito nomeado pelo sinistrado − consideraram, face ao exame físico efetuado e elementos clínicos constantes dos autos, que as sequelas que o sinistrado apresenta em consequência do acidente na data da realização da junta se resumiam a palpação dolorosa ao nível do 5º metartasiano não apresentando queixas após marcha, sendo certo que as queixas dolorosas apresentadas eram na vertente anterior da tibio-társica em segmento não abrangido no acidente dos autos, sendo que o tornozelo e o pé se apresentavam sem limitações de mobilidade e com força muscular preservada e simétrica e por isso enquadraram as sequelas que apresenta na rubrica 14.2.4 - Sequelas de entorse do tornozelo (persistência de dores, insuficiência ligamentar, edema crónico) e por analogia da TNI e já não 15.2.3 a) Limitação da mobilidade das articulações do pé (rigidez): a) Limitação dolorosa da mobilidade do tarso por artrose pós-traumática, por já não se verificar qualquer limitação de mobilidade no pé, como se aferiu no exame físico efetuado pelos três peritos. Este entendimento sufragado por unanimidade mostra-se fundamentado no exame físico que foi efetuado ao sinistrado e, ainda, nos elementos clínicos disponíveis no processo e, não é infirmado nem pela perícia anteriormente realizada pelo INML nem mesmo pelos documentos que o autor juntou com o seu requerimento de 15.02.2023. Acresce que os Sr.s Peritos consideraram que aslesões sofridas e sequelas que apresenta não impedem o autor de exercer a sua profissão habitual, facto que resulta corroborado da leitura do parecer do parecer do Centro de Reabilitação ... e que não será infirmado pelo parecer do IEFP, IP tanto mais que o autor apenas apresenta agora – e decorrentes do acidente dos autos – fenómenos dolorosos à palpação da cicatriz. Por fim e no que aos períodos de ITS concerne considerou-se também a posição unânime subscrita pelos Srs Peritos Conclui-se, pois, que o sinistrado, face às sequelas que apresenta, ficou efetivamente, em consequência do acidente, afetado de uma incapacidade permanente parcial de 5,82%, bem como os períodos de ITS não tendo ficado provada a alegada incapacidade total para a sua profissão. Do direito O autor pretende que as rés sejam condenadas a pagar-lhe o capital de remição, as despesas de deslocação e ainda as indeminizações pelas incapacidades temporárias. No seu laudo pericial, os Srs. Peritos que constituíram a Junta Médica concluíram que a IPP de que padece o sinistrado é de 5,82% por unanimidade, já considerada a IPP anterior. Tal laudo pericial foi calculado nos termos da Tabela Nacional de Incapacidades para Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (Anexo I, DL 352/2007, de 23 de outubro), sendo certo que não existe qualquer motivo válido para o pôr em causa. Assim sendo, considero o sinistrado curado, com uma IPP de 5,82% com efeitos a partir da data da alta (16.03.2022 data da alta). Considerando-se o parecer por unanimidade apresentado pelos Srs Peritos os períodos de ITS são os a que se alude no art.7º da fundamentação de facto.
[..]
*
Decisão: Pelo exposto, fixa-se ao sinistrado, AA por efeito do acidente dos autos, ocorrido em 10-08-2021 uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 5,82% (já considerada a IPP anterior) e, em consequência a)condeno as rés, A..., Compañia de Seguros e Reaseguros, SA, Sucursal em Portugal e B... Unipessoal, Lda no pagamento ao autor do capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no valor de € 514,46 sendo € 485,94 da responsabilidade da seguradora e de € 28,52 da responsabilidade da entidade empregadora, com efeitos a partir de 17.03.2022 (dia seguinte ao da alta), acrescido de juros de mora à taxa legal desde essa data e até integral pagamento; b) condeno a ré seguradora “A..., Compañia de Seguros e Reaseguros, SA, Sucursal em Portugal” pagar ao autor a quantia de € 40.00 a título de indemnização por despesas de deslocação, acrescida de juros de mora à taxa legal anual de 4%, contados desde o dia da tentativa de conciliação, realizada na fase conciliatória até integral pagamento; c) condeno a ré entidade empregadora “B... Unipessoal, Lda” a pagar ao autor a quantia de € 280,92 pelos períodos de incapacidade temporárias, acrescida de juros de mora à taxa legal anual de 4%, contados desde a data do vencimento e até integral pagamento; As despesas e juros de mora poderão ser pagos aquando da entrega do capital de remição.
*
Custas a cargo das rés, na proporção das suas responsabilidades. Valor da ação: € 6.115,80. Registe e notifique.
[..]».
Inconformado com essa decisão, o Autor/Sinistrado apresentou recurso de apelação, tendo formulado as seguintes conclusões (que se transcrevem):
“I – O relatório de avaliação da junta médica em que se estriba a decisão recorrida viola o dever de fundamentação da perícia por junta médica (Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23/10, no ponto 8 das Instruções gerais do Anexo I), que impõe que “O resultado dos exames é expresso em ficha apropriada, devendo os peritos fundamentar todas as suas conclusões.”
II - Na fase conciliatória, a perícia realizada pelo INML, efetuada Mestre em Medicina Legal fixou a incapacidade permanente parcial do sinistrado em 22,500%, tendo o Auto de Exame por Junta Médica fixado o coeficiente global de incapacidade em 5,82%, numa discrepância abissal de avaliação, que impunha especial dever de fundamentação de tal conclusão, o que não ocorreu.
III - A medicina é uma ciência e a avaliação médico-legal é balizada pelo definido na Tabela Nacional de Incapacidades (TNI), que tem por objetivo fornecer as bases de avaliação do dano corporal, conferindo às mesmas um grau de certeza e objetividade, que estão altamente comprometidos quando nos autos temos, para a mesma lesão corporal, arbitradas uma IPP de 22,500% e outra de 5,82%.
IV - Tal avaliação constante do auto da junta médica não é minimamente fundamentada, não descrevendo o historial do evento e das lesões sofridas decorrentes do acidente, do diagnóstico e tratamentos médicos, quase levando à convicção no destinatário que tal avaliação decorreu de erro notório.
V- Tal dever de fundamentação impõe-se de forma tão mais veemente quando se trata de uma segunda avaliação que se afasta em quase 20% de uma avaliação pericial anterior e que consta dos autos.
VI – Em face de tal falta de fundamentação e disparidade de avaliação, mal andou a Mma. Juiz a quo ao indeferir o pedido de esclarecimentos do aludo, atenta a falta de fundamentação das conclusões (deficiência e obscuridade) e manifesta contradição quanto às sequelas e diferença abissal de IPP fixadas por relatório anterior, indeferimento em clara violação do artºs 1º, nºs 1 e 2, alª a), do CT e 413º e 485º do CP, que fere tal despacho de nulidade, que sempre deve ser declarada.
VII – O sinistrado, em face de tais contradições, juntou novo parecer técnico, por médico especialista (Ortopedista), que evidenciou o erro da avaliação por junta médica, a qual não refletiu a principal sequela do acidente: diminuição da mobilidade e rigidez articular da tibiotársica no tornozelo esquerdo com um arco de movimento de 15.º, em contraposição à articulação tibiotársica oposta (tornozelo direito) que não apresenta alterações.
VIII - A desconsideração de tal sequela não é justificada no relatório da junta médica, mas resulta da afirmação “tornozelo e pé sem limitações da mobilidade”, quando o Senhor Perito do INML já havia registado “rigidez dolorosa ao nível médio do pé”, a qual foi confirmada e quantificada pelo novo relatório junto aos autos pelo sinistrado após a avaliação da junta médica.
IX - O sinistrado nunca teve qualquer lesão ou limitação no tornozelo esquerdo prévia ao acidente aqui em causa, pelo que a referida sequela é consequência, direta ou indireta, do acidente, conforme resulta de relatório da Médica de família do sinistrado, que este também juntou aos autos e que comprova que no seu processo clínico não consta qualquer lesão no pé no pé tibiotársica esquerda anterior a 10/08/2021 (data do acidente).
X – Em face de tais novos elementos de prova juntos aos autos é manifesta a flagrante contradição entre as conclusões do exame físico do 1.º relatório do INML e do parecer médico junto pelo Sinistrado, por um lado, e auto da junta médica, por outro.
XI - Dispõe o art. 139.º n.º 7 do CPT que “O juiz, se o considerar necessário, pode determinar a realização de exames e pareceres complementares ou requisitar pareceres técnicos.”, o que o Sinistrado Requereu, por entender impossível obter uma decisão justa sem esclarecer este ponto fundamental e que é descrito de forma contraditória nos relatórios constantes dos autos, sendo já dois a infirmar o vertido no auto de junta médica, quanto à inexistência de mobilidade no pé atingido.
XII – O indeferimento (que antecede a sentença) de tal de tal requerimento de exame e parecer complementar por médico ortopedista que esclareça se há diminuição da mobilidade e rigidez articular da tibiotársica no tornozelo esquerdo, o que é negado no laudo da junta médica, contra avaliação de 2 peritos cujos relatórios constam dos autos, não respeita o princípio da justiça e verdade material, violando, além do mais os artigos 139.º/7 e 140.º do CPT, mormente quando tal diferença no exame objetivo redunda numa diferença de avaliações de 22,5%, para 5,82%.
XIII - A Mma. Juiz a quo não podia, como fez, desvalorizar liminarmente todos os demais elementos probatórios constantes dos autos, mormente o relatório do IML anterior e o Relatório pericial posterior ao laudo da junta médica, o qual, além de não fundamentar as suas conclusões, está em manifesta contradição com as conclusões de 2 relatórios juntos aos autos, assim levando a uma discrepância abissal entre as IPP arbitradas.
XIV – Tal despacho de indeferimento que antecede a sentença está, pois ferido de nulidade, que deverá ser declarada, por se afigurar fundamental para a boa decisão da causa exame e parecer complementar por médico ortopedista, que esclareça se há diminuição da mobilidade e rigidez articular da tibiotársica no tornozelo esquerdo do sinistrado, pondo, assim, termo à ostensiva contradição entre o laudo da junta médica e demais elementos de prova juntos aos autos, designadamente os 2 relatórios que assinalam essa diminuição de mobilidade, em oposição a esse laudo.
NESTES TERMOS E NOS MAIS E MELHORES DE DIREITO
APLICADO, COM O DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXA.S deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, nos termos propugnados, e, em consequência, serem declaradas as nulidades arguidas, e, em qualquer caso, ser anulada a sentença recorrida, determinando-se que os autos baixem à 1ª instância a fim de que se proceda à realização de exame clinico complementar ao sinistrado, da especialidade de ortopedia, por médico que não tenha tido intervenção nos relatórios constantes dos autos, no sentido de resolver a contradição entres os relatórios, tendo em vista a obtenção de um adicional elemento suscetível de contribuir para uma posterior prolação de conscienciosa decisão quanto à natureza e grau de incapacidade de que o sinistrado tenha ficado portador em consequência do sinistro de que foi vítima e que constitui o objeto dos presentes autos, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA”.
As Rés/Entidades responsáveis não apresentaram contra-alegações.
Aberta vista no processo nos termos do artigo 87.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho, o Exmº Srº Procurador Geral Adjunto junto deste Tribunal de recurso pronunciou-se no sentido de ser determinada a baixa dos autos à 1ª instância a fim da Mmª Juíza se pronunciar quanto às arguidas nulidades.
Foi proferido despacho refª citius 17024385 pelo Exmº Desembargador Relator, que considerou o recurso possível, tempestivo e admitido com o modo de subida e efeitos adequados (efeito meramente devolutivo, com subida imediata nos próprios autos). Nesse mesmo despacho julgou desnecessário determinar a baixa dos autos para pronúncia sobre as arguidas nulidades, por considerar que o Tribunal a quo já se pronunciou sobre a argumentação do Recorrente, como decorre dos despachos de 8-02-2023 e 13-03-2023 (despacho que antecede a sentença). Mais determinou que os autos voltassem ao Ministério Público para emitir parecer, caso assim o entendesse.
As partes foram notificadas deste despacho e nada disseram.
O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto junto deste Tribunal de recurso emitiu o parecer a que alude o artigo 87º, nº 3, do CPT no sentido do não provimento do recurso, pronunciando-se, no essencial, como se segue:
- «[…] Ressalvado o respeito devido por melhor opinião em contrário, nenhum reparo ou censura há que ser feito ao douto despacho recorrido, que, deverá ser confirmado, atento o rigordos fundamentos que nele foram consignados e que determinaram a fixação ao recorrente, por efeito doacidente dos autos, ocorrido em 10-08-2021 uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 5,82%, com a consequente indemnização compensatória a cargo da recorrida seguradora. Para esta condenação foram observados os elementos probatórios que a sustentaram, designadamente o “exame por junta médica”, que, por unanimidade, lhe atribuíram a sobredita incapacidade. A decisão recorrida encontra-se devida e coerentemente fundamentada de facto e de direito, o que afasta qualquer dos apontados vícios recursivos, a ponto dela o recorrente ter recorrido como bem entendeu, por haver compreendido o seu sentido e alcance, com acesso a todos os elementos decisórios – cfr. artº. 662º. n.º 2, al. c), do CPC. Outrossim, não pode haver lugar a uma segunda perícia colegial, que seria um terceiro exame pericial, em contrário da pretensão do recorrente, por não legalmente previsto no regime instituído no CPT e no CPC, aqui quanto ao seu artº. 487º. […]».
Colheram-se os vistos legais.
Tendo sido publicada a deliberação do CSM de 20-09-2023, desligando o Exmº Desembargador Relator (Jerónimo Joaquim Marques Freitas) do serviço por efeitos de aposentação/jubilação, com produção de efeitos a 1-10-2023, em conformidade com o ordenado no Provimento nº 10/2023 de 2-10-2023 do Exmº Srº Presidente do Tribunal da Relação do Porto, o processo foi remetido para redistribuição relativamente ao Relator, mantendo-se os Adjuntos. O processo foi distribuído à ora Relatora.
Foi determinado que o processo fosse inscrito para ser submetido a julgamento em conferência.
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II - Objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da apelação do Recorrente, acima transcritas, salvo porém o que for de conhecimento oficioso [artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 637.º n.º 2, 1ª parte e 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho].
Assim, são as seguintes as questões a apreciar:
– Nulidades invocadas pelo Recorrente [nulidade do despacho que indeferiu o pedido de esclarecimentos da junta médica e nulidade do despacho que indeferiu o requerido exame e parecer complementar por médico ortopedista];
– Anulação da sentença recorrida por erro de julgamento decorrente de défice instrutório.
***
III - FUNDAMENTAÇÃO 1 – Motivação de facto:
A matéria de facto com relevo para a apreciação do recurso é a que resulta do relatório que se elaborou.
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2 – Motivação de direito: 2.1. Preliminarmente, importa tecer algumas considerações essenciais para melhor compreensão do percurso a seguir na análise das questões a apreciar.
O processo para efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho encontra-se regulado nos artigos 99.º a 150.º do Código de Processo do Trabalho [diploma legal a que se reportam as demais disposições infra a referenciar, desde que o sejam sem menção expressa em sentido adverso].
Tal processo compreende duas fases distintas, a saber: uma primeira, denominada fase conciliatória, de realização obrigatória e dirigida pelo Ministério Público; e, uma segunda, a fase contenciosa, de realização eventual e sob a direção do Juiz.
A fase conciliatória visa, como decorre da sua própria designação, alcançar a satisfação dos direitos emergentes do acidente do trabalho para o sinistrado, mediante uma composição amigável, embora necessariamente sujeita a regras legais imperativas, pela natureza indisponível dos direitos (cfr. artigos 78.º e 12.º da Lei n.º 98/2009 de 4 de setembro, adiante designada por LAT), atendendo aos interesses de ordem pública envolvidos.
A tramitação da fase conciliatória, tendo em vista alcançar o referido objetivo, compreende, por sua vez, três fases, mais precisamente: uma primeira de instrução, que tem em vista a recolha e fixação de todos os elementos essenciais à definição do litígio, de modo a indagar sobre a “(..) veracidade dos elementos constantes do processo e das declarações das partes”, habilitando o Ministério Público a promover um acordo suscetível de ser homologado (artigos 104.º, n.º 1, 109.º e 114.º); uma segunda, que consiste na realização do exame médico singular, devendo este no relatório “indicar o resultado da sua observação clínica, incluindo o relato do evento fornecido pelo sinistrado e a apreciação circunstanciada dos elementos constantes do processo, a natureza das lesões sofridas, a data de cura ou consolidação, as sequelas e as incapacidades correspondentes, ainda que sob reserva de confirmação ou alteração do seu parecer após obtenção de outros elementos clínicos ou auxiliares de diagnóstico” (artigos 105.º e 106.º); e, finalmente, a tentativa de conciliação presidida pelo Ministério Público, com a finalidade primordial de obtenção de acordo suscetível de ser homologado pelo Juiz (artigo 109.º) [conforme se expõe no Acórdão desta Relação e Secção de 17-04-2023 (processo n.º 2040/20.4T8VLG.P1, Relator Desembargador Jerónimo Freitas, acessível in www.dgsi.pt – site onde também se encontram disponíveis os restantes Acórdãos infra a referenciar), que neste particular seguimos de perto, o qual, por seu turno, apela a João Monteiro, Fase conciliatória do processo para a efetivação do direito resultante de acidente de trabalho – enquadramento e tramitação, Prontuário do Direito do Trabalho, n.º 87, CEJ, Coimbra Editora, pp. 135 e seguintes].
Na fase conciliatória, avultam, pois, a realização de exame médico singular, a realizar por perito do Tribunal (ou do Instituto de Medicina Legal), com vista à determinação das lesões e sequelas e à avaliação da correspondente incapacidade, seguida de tentativa de conciliação, na qual as partes se pronunciam sobre as questões relevantes à determinação da reparação [artigos 105.º e 109.º].
Não sendo obtido o acordo a fase conciliatória, conforme decorre do artigo 112.º, n.º 1, no auto da tentativa “(..) são consignados os factos sobre os quais tenha havido acordo, referindo-se expressamente se houve ou não acordo acerca da existência e caracterização do acidente, do nexo causal entre a lesão e o acidente, da retribuição do sinistrado, da entidade responsável e da natureza e grau da incapacidade atribuída”.
O objetivo é reduzir a litigiosidade das fases subsequentes e encaminhar a tramitação posterior dos autos, que será tanto mais simples quanto menos forem as questões controvertidas.
O início da fase contenciosa, como decorre do artigo 117.º, alíneas a) e b), tem por base a apresentação de petição inicial ou o requerimento a que se refere o n.º 2 do artigo 138.º [que se reporta ao requerimento de perícia por junta médica].
O referido requerimento é o meio processual próprio a apresentar quando o interessado “se não conformar com o resultado da perícia médica realizada na fase conciliatória do processo, para efeitos de fixação da incapacidade para o trabalho” (alínea b) do n.º 1 do artigo 117.º), o qual deve ser fundamentado ou vir acompanhado de quesitos (artigo 117.º n.º 2), a fim de serem respondidos pelos senhores peritos médicos no exame por junta médica previsto no artigo 139.º, n.º 1. Tal perícia por junta médica é de realização obrigatória.
Por sua vez, a apresentação da petição inicial é necessária quando a discordância entre as partes na tentativa de conciliação não se fique pela questão da incapacidade.
Nas situações reconduzíveis à alínea b) do n.º 1 do artigo 117.º, em que apenas está em causa determinar a incapacidade, o processo segue uma tramitação simplificada que apenas prevê a realização da perícia por junta médica – e eventuais diligências relacionadas com a finalidade deste ato, tendo em vista obter elementos complementares para a emissão do laudo – a que se seguirá a decisão sobre o mérito, fixando a natureza e grau de incapacidade e o valor da causa, observando-se o disposto no n.º 3 do artigo 73.º, por remissão do n.º 1 do artigo 140.º [este último normativo dispõe que “Se a fixação da incapacidade tiver lugar no processo principal, o juiz profere decisão sobre o mérito, realizadas as perícias referidas no artigo anterior, fixando a natureza e o grau de incapacidade e o valor da causa, observando-se o disposto no n.º 3 do artigo 73.º”].
Daqui decorre que a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da identificação das partes e da sucinta fundamentação de facto e de direito do julgado [artigo 73.º, n.º 3].
Assim, e conforme se observa no citado Acórdão de 17-04-2023, «[v]ale isto por dizer, que as exigências de fundamentação da sentença que decide a fixação da incapacidade, a proferir após a realização do exame por junta médica, são reduzidas ao essencial, quer de facto quer de direito.
É certo que o facto de apenas se exigir uma fundamentação sucinta, não pode ser interpretado de tal modo que ponha em causa o dever de fundamentação da sentença, imposto pelo art.º 154º do CPC, aplicável ex vi art.º 1.º n.º2. al. a) do CPC., onde se dispõe o seguinte: 1 – As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. 2 - A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.
Para se aferir o âmbito da exigência de fundamentação cumprirá atender depois ao art.º 615.º, onde estão previstas as causas de nulidade da sentença, entre elas contando-se a falta de fundamentação, que se verifica quando “[N]ão especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão” [al. b)] do n.º1].».
Por outro lado, na tramitação específica do processo especial para efetivação de direitos decorrentes de acidente de trabalho, conforme entendimento que se julga sedimentado nesta Secção, não tem lugar a realização de uma segunda junta médica.
Sobre esta matéria apelamos ao Acórdão desta Relação e Secção de 20-09-2021 (processo n.º 1346/19.0T8PNF-B.P1, Relator Desembargador Jerónimo Freitas), cuja linha argumentativa merece a nossa concordância, sendo que o respetivo sumário sintetiza os fundamentos para o referido entendimento nos seguintes termos:
«I - No processo emergente de acidente de trabalho, a realização da perícia médica na fase conciliatória, exceto nos casos em o acidente provocou a morte do sinistrado (art.º 100º do Código de Processo do Trabalho), é sempre obrigatória, ou seja, é um ato que integra necessariamente a tramitação do processo, como condição para se fixar a incapacidade do sinistrado e possibilitar a realização da tentativa de conciliação (art.º 101º Código de Processo do Trabalho).
II - Nos casos em que não é obtida a conciliação entre as partes, sempre que a causa do desacordo, ou uma das questões controvertidas que o motiva, seja a discordância do interessado com o resultado da perícia médica realizada na fase conciliatória do processo para efeitos de fixação de incapacidade para o trabalho, haverá sempre lugar à realização de uma segunda perícia médica, agora por junta médica, isto é, colegial, cuja realização fica dependente de requerimento da parte interessada (art.º 138.º, nº 2, do Código de Processo do Trabalho).
III - Em suma, no âmbito do processo emergente de acidente de trabalho, quando está em causa a fixação da incapacidade do sinistrado para o trabalho, a lei processual laboral prevê duas perícias médicas, cuja realização tem lugar nas condições apontadas.
IV - Se tivermos presente o regime da prova pericial estabelecido no Código de Processo Civil (artigos 467.º e sgts), designadamente, no que concerne ao limite do número de perícias, constata-se que a solução do Código de Processo do Trabalho não diverge daquele, na medida em que ali também se prevê a possibilidade de realização de dois exames periciais. A primeira perícia tem lugar a requerimento das partes ou quando seja determinada oficiosamente pelo juiz (art.º 467º, nº 1); a segunda é a que consta prevista no art.º 487º do Código de Processo Civil, tendo lugar também a requerimento das partes – “alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado” [nº 1] – ou por determinação oficiosa do tribunal – “a todo o tempo [...], desde que a julgue necessária ao apuramento da verdade [nº 2] – tendo por “objeto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexatidão dos resultados desta” [nº 3].
V - O exame por junta médica previsto no art.º 139º do Código de Processo do Trabalho, salvaguardadas as especificidades próprias ditadas pelos objetivos em vista, corresponde à segunda perícia prevista no Código de Processo Civil, nomeadamente, no artigo 487º. Em termos similares, a sua realização a requerimento de qualquer das partes depende apenas da discordância “com o resultado da perícia médica realizada na fase conciliatória do processo” [art.º 138º, nº 2 do Código de Processo do Trabalho], devendo aquele ser fundamentado ou vir acompanhado de quesitos [art.º 117º, nº 2 do Código de Processo do Trabalho], e tem o mesmo objeto que o exame pericial singular, ou seja, visa determinar a incapacidade para o trabalho do sinistrado.
VI - Não era admissível ao sinistrado, notificado do resultado do exame por junta médica, socorrer-se do “disposto no art.º 487.º do Código de Processo Civil, [para] requerer a realização de segunda perícia”, por dele discordar na consideração de que “as respostas dadas pelos Senhores Peritos aos quesitos 2.º e 3.º não espelham de forma fiel a situação clínica” e com o propósito, como referiu no final do requerimento, de “(…) dissipar quaisquer dúvidas e em nome da descoberta da verdade material, (…), com vista a apurar a incapacidade temporária absoluta e a incapacidade permanente resultantes para o autor do acidente dos autos”.
VII - A acolher-se esta pretensão estar-se-ia a admitir a realização de três perícias médicas, uma singular e duas por junta, a última para se pronunciar sobre os mesmos factos e quesitos, o que extravasa o regime estabelecido no Código de Processo do Trabalho, mas também no Código de Processo Civil.»
Isto posto, importa ainda referir que, no caso dos autos, apenas está em causa a discordância quanto à incapacidade, expressa quer pelo Sinistrado quer pelas Entidades responsáveis, razão pela qual os autos seguiram a referida tramitação simplificada. Relembre-se que a Seguradora aceitou o acidente descrito e o nexo de causalidade entre as lesões descritas e o acidente, mas não aceitou o resultado do exame médico efetuado pelo INML, nem as sequelas aí descritas (porquanto só aceitou as sequelas constantes do seu boletim clínico)e, bem assim, não aceitou a IPP atribuída nesse exame.
Saliente-se que lesão e sequela não se confundem.
Segundo Francisco Manuel Lucas [médico ortopedista e perito médico, in Avaliação das Sequelas em Direito Civil, Coimbra, 2005, a páginas 35 e 36] as definições apresentadas são as seguintes:
“LESÃO – perda ou alteração parcial ou total do órgão (definição médica). As alterações anatómicas ou biológica no órgão são causadas por agentes internos ou externos, As alterações físicas ou psíquicas por agentes mecânicos, físicos, químicos ou biológicos, Resultam de acções exógenas com carácter doloso ou não (definição médico-legal).” e,
“SEQUELAS – manifestações anatómicas, funcionais, estéticas, psíquicas e morais permanentes, que menosprezam ou modificam o património biológico dos indivíduos (Pérez Garcia).”
A lesão traduz-se na alteração anatómica resultante de ação exógena, que pode curar sem sequelas ou com sequelas. Ou seja, a lesão pode deixar, ou não, sequelas.
A lesão é o efeito imediato causado pelo acidente (evento). Já a sequela é o efeito permanente da lesão, é uma alteração anatómica ou funcional que subsiste, após o acidente.
Em sede de tentativa de conciliação pode aceitar-se a lesão em sentido amplo e que esta decorre do acidente (causalidade) e, simultaneamente, não aceitar a sequela, sendo certo que esta última está mais intimamente ligada à fixação da incapacidade para o trabalho.
Com efeito, não se perfila como possível cindir a avaliação da incapacidade (se existe e qual o grau) da definição da(s) sequela(s). O conceito da sequela está, pois, interligado com a fixação da incapacidade.
No caso em apreciação, foi, pois, aceite em sede de tentativa de conciliação a ocorrência do acidente – no dia 10-08-2021, quando se deslocava na obra, fez uma entorse no pé esquerdo –, bem como o nexo de causalidade entre as lesões descritas nos autos e o referido acidente.
Quanto às lesões, resulta inequivocamente da análise dos autos que as lesões descritas nos autos e que, portanto, foram aceites em sede de tentativa de conciliação, são as seguintes: fratura da base do 5º metatarso do pé esquerdo e luxação MF (que significa articulação metacarpo-falangeana) dos dedos.
São essas as lesões que se encontram descritas no exame médico singular do INML de 15-06-2022, conforme aí registado no item dados documentais.
Isso mesmo resulta dos registos clínicos juntos aos autos pela Seguradora a fls. 9 verso e seguintes, nos quais consta o seguinte:
- No registo da consulta de 16-08-2021 (1ª registo) “C...16-08-2021 16.40 Queda com entorse do pé esq. de que resultou fractura da base do 5º meta e luxação das abse [lapso material, queria escrever-se base] dos 4 ultimos dedos. Socorrido no Hospital ... onde fez redução das luxações e tala gessada. Peço rx. Rx com MF reduzidas e fratrua da abse [lapso material, queria escrever-se fratura da base] do 5º para tratamento conservador. (…)”.
No que se reporta a sequelas, a Seguradora declarou expressamente não aceitar as sequelas descritas no exame médico singular do INML, apenas aceitando as sequelas constantes no seu boletim clínico.
As sequelas descritas no exame singular do INML foram as seguintes: “− Membro inferior esquerdo: Cicatrizes no pé. Dor à palpação na região da base do 5º metatarso. Alongamento do 5º raio. Rigidez dolorosa ao nível do médio pé. Edema do tornozelo e Pé.”
No boletim de alta da Seguradora, datado de 16-03-2021 e constante a fls. 8 dos autos, no item de avaliação de incapacidade permanente, consta o seguinte:
“(…) À data refere subjetivos dolorosos com marcha prolongada ou em terrenos irregulares. EO [Exame Objetivo]: Marcha sem alterações. Sem amiotrofia da perna E (D=E=39 cm). Edema do tornozelo esquerdo. Pé esq. localmente sem edema sem défices de mobilidade. (…)”. [cfr ainda o registo clínico da consulta de avaliação do dano de 16-03-2021 de fls. 10 verso dos autos].
Em suma, no presente caso, as sequelas descritas no exame singular do INML não foram aceites e, consequentemente, permaneceram controvertidas e sujeitas à avaliação dos senhores peritos médicos em junta médica para efeitos da fixação da incapacidade para o trabalho. 2.2. Nas suas conclusões, invoca o Recorrente:
- (i) a nulidade do despacho que indeferiu o pedido de esclarecimentos pelos Senhores peritos médicos;
- (ii) a nulidade do despacho que indeferiu o requerido exame e parecer complementar por médico ortopedista;
Quanto à primeira nulidade (do despacho que indeferiu o pedido de esclarecimentos pelos peritos médicos) refere que o relatório de avaliação da junta médica em que se estriba a decisão recorrida viola o dever de fundamentação da perícia por junta médica (Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro, no ponto 8 das Instruções Gerais do Anexo I), na medida em que a avaliação constante do auto de junta médica não é minimamente fundamentada, sendo que tal dever ainda se impõe de forma mais veemente quando se trata de uma avaliação que se afasta em quase 20% de uma avaliação pericial anterior. Sustenta que em face de tal falta de fundamentação e disparidade de avaliação, mal andou a Mmª Juiz a quo ao indeferir o pedido de esclarecimentos, atenta a falta de fundamentação das conclusões (deficiência e obscuridade) e manifesta contradição quanto às sequelas e diferença abissal de IPP fixada por relatório anterior, em clara violação do disposto nos artigos 413.º e 485.º do Código de Processo Civil (a menção a CP só pode dever-se a lapso manifesto).
No que se refere à segunda nulidade (do despacho de indeferimento do requerimento de exame e parecer complementar por médico ortopedista), refere, em substância, que o despacho em causa está ferido de nulidade que deve ser declarada, por se afigurar fundamental para a boa decisão da causa exame e parecer complementar por médico ortopedista que esclareça se há diminuição da mobilidade e rigidez da tibiotársica no tornozelo esquerdo do sinistrado, violando o despacho além do mais o disposto nos artigos 139.º, n.º 7 e 140.º.
Que dizer?
As nulidades da decisão (sentença, ou, como no caso em apreço, despacho) constituem vícios intrínsecos da própria, deficiências da respetiva estrutura, o que não é confundível com o erro de julgamento. Tais nulidades sancionam, pois, vícios formais, de procedimento – errore in procedendo - e não patologias que eventualmente traduzam erros judiciais - errore in judicando.
Nesse sentido, prescreve o n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil (relativamente à sentença, mas que é também aplicável com as necessárias adaptações aos despachos ex vi do n.º 3 do artigo 613.º, n.º 3, do mesmo diploma legal):
“É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”
Em consonância com o entendimento pacífico da doutrina e jurisprudência, assinala-se, desde já, que as causas de nulidade constantes do elenco do n.º 1, do citado artigo 615.º, não incluem o “chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário” [Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição revista e Actualizada, Coimbra Editora, Almedina, 1985, página 686].
O Recorrente não concretiza, por reporte às causas legalmente previstas, qual a causa de nulidade de que enfermam os despachos que põe em crise no recurso.
O Recorrente fala em falta de fundamentação, mas está a reportar-se à avaliação constante da junta médica e não aos despachos em referência.
A nulidade por falta de fundamentação está desde logo diretamente conexionada com a obrigação geral de fundamentação imposta no n.º 1 do artigo 154.º do Código de Processo Civil (“As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”).
Esta causa nulidade da sentença, mas com igual cabimento quanto aos despachos, respeita apenas à falta absoluta de fundamentação, como tem sido unanimemente defendido pela doutrina e jurisprudência.
Assim, na doutrina, entre outros, vejam-se Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora [in obra citada, página 687], que explicam que “[p]ara que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente e incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”.
Do mesmo passo, a nível jurisprudencial, desde há muito, que os tribunais superiores têm considerado, de forma unânime, que esta nulidade apenas se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos, e não quando a fundamentação se mostra deficiente, errada ou incompleta – Neste sentido, entre muitos outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-05-2019 [processo n.º 835/15.0T8LRA.C3.S1, Relator Conselheiro Ribeiro Cardoso].
Em síntese: uma situação é a sentença (ou no caso o despacho) não estar motivada ou fundamentada e outra é essa motivação ou fundamentação ser deficiente, incompleta, errada e/ou não convincente. A primeira situação consubstancia a causa de nulidade prevista na alínea b) do citado artigo 615.º e a segunda configura uma causa de recurso por erro de julgamento [ou seja, esta segunda situação não produz qualquer nulidade da sentença ou do despacho, somente enfraquece o seu valor doutrinal com o consequente risco de revogação ou modificação em sede de recurso].
Ora, analisados os despachos em causa, acima transcritos, forçoso é concluir que os mesmos não padecem de qualquer das causas de nulidade taxativamente previstas no artigo 615.º do Código de Processo Civil, nomeadamente a prevista na alínea b).
Assim, e quanto ao primeiro despacho, que indeferiu o pedido de esclarecimentos, aí consta, em substância, o seguinte:
- Os Srs. Peritos Médicos responderam aos quesitos apresentados e determinados pelo tribunal de forma uniforme;
- Estar devidamente justificada a posição assumida pelos peritos em sede de Junta Médica, sendo questão diferente a discordância do entendimento destes;
- A divergência de posição entre o perito médico do INML e os peritos que compõem a junta médica não resulta em qualquer violação de fundamentar o laudo pericial que se encontra fundamentado;
- Em relação às respostas dadas em sede de junta médica não se deteta deficiência (os senhores peritos pronunciaram-se sobre todos os pontos), obscuridade (pronunciaram-se de modo que não suscita dúvida sobre o sentido visado) ou contradição (pronunciaram-se de modo coerente), pelo que inexistindo respostas deficientes e/ou obscuras aos quesitos se indefere o pedido de esclarecimentos.
No que respeita ao despacho que indeferiu a realização de exame técnico complementar a realizar por ortopedista que não tenha tido intervenção nos relatórios constantes dos autos, resulta do mesmo que:
- O Tribunal a quo remete para o já consignado no referido despacho que indeferiu o pedido de esclarecimentos, no que respeito à pronúncia aí contida quanto ao exame efetuado pela junta médica, sua fundamentação e divergências relativamente a outros exames e/pareceres;
- o Tribunal a quo entendeu que os autos contêm todos os elementos necessários à decisão da causa e não considerou necessária a realização de exames e/ou pareceres ou requisitar pareceres técnicos.
Revela-se claro que tais despachos contêm o mínimo de fundamentação exigida por lei, os respetivos fundamentos estão em consonância com a decisão, não padecendo de qualquer ambiguidade ou obscuridade. É patente, pois, que constam dos referidos despachos os fundamentos que, na ótica do julgador, suportam o sentido decisório.
A verdade é que, apesar da enunciação nas alegações e conclusões de recurso de nulidades dos despachos, atenta a linha argumentativa do Recorrente, o que o mesmo efetivamente ataca são os aspetos de ordem substancial das decisões em causa e, em última instância, da própria sentença proferida - errore in judicando.
O que sucede é que o Recorrente discorda da sentença proferida, assentando a sua discordância em eventuais erros de julgamento.
Pelo exposto, e sem necessidade de considerações adicionais, conclui-se que os despachos em referência não enfermam de qualquer vício formal de nulidade, improcedendo as arguidas nulidades dos mesmos. 2.3. Anulação da sentença recorrida por erro de julgamento decorrente de défice instrutório.
No recurso de apelação apresentado o Recorrente indica que tal recurso incide sobre a sentença final que fixou a incapacidade permanente parcial do sinistrado em 5,82%, indicando que os fundamentos do recurso eram, por síntese, os seguintes:
“I – Violação do dever de fundamentação da perícia por junta médica, imposto pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23/10, no ponto 8 das Instruções gerais do Anexo I e indeferimento do pedido de esclarecimentos aos Senhores Peritos por parte do sinistrado;
II – Não realização de exame e parecer técnico complementar por médico ortopedista, conforme requerido pelo sinistrado, em violação do preceituado no artigo 139.º, n.º 7, do Código de Processo do Trabalho (CPT)
III – Notório erro da decisão ao se estribar acriticamente no relatório e IPP fixada pela junta médica, ignorando o relatório do INML e parecer médico junto aos autos, assim se fixando uma IPP muito aquém da que ficou a padecer o Sinistrado”.
Conclui o recurso apresentado no sentido da declaração das nulidades arguidas, e, em qualquer caso, pela anulação da sentença recorrida, determinando-se que os autos baixem à 1ª instância a fim de que se proceda à realização de exame clínico complementar ao sinistrado, da especialidade de ortopedia, por médico que não tenha tido intervenção nos relatórios constantes dos autos, no sentido de resolver a contradição entre os relatórios, tendo em vista a obtenção de um adicional elemento suscetível de contribuir para uma posterior prolação de conscienciosa decisão quanto à natureza e grau de incapacidade de que o sinistrado tenha ficado portador em consequência do sinistro de que foi vítima e que constitui objeto dos autos.
No fundo, o Recorrente sustenta que o Tribunal a quo errou o julgamento, ao proferir decisão sobre a IPP e respetiva fixação em 5,82%, alicerçando-se num relatório de junta médica que peca por falta de fundamentação, sem admitir o pedido de esclarecimentos formulado, ignorando os demais elementos de prova constantes dos autos, e indeferindo diligências fundamentais para a boa decisão da causa. Ou seja, está aqui em questão saber se constavam do processo os necessários elementos para fixar o grau de incapacidade de que padece o Recorrente/sinistrado, em suma para decidir.
Esta Relação e Secção vem entendendo, de modo uniforme e persistente, que, se a decisão da 1ª instância, que fixa o grau de incapacidade permanente de que ficou afetado o sinistrado em consequência de acidente de trabalho, o faz sem que constem do processo todos os elementos indispensáveis àquela decisão – máxime por se alicerçar num auto de perícia por junta médica que se revela deficiente por não conter a necessária fundamentação, não descrever de modo completo os elementos de facto necessários a tal fixação ou por se perfilarem necessários outros exames ou pareceres complementares – tal implica insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito e justifica a anulação da decisão, nos termos do artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil [cfr., a título meramente exemplificativo, o Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 22 de Maio de 2019, processo 3770/15.8T8OAZ.P1, Relator Desembargador Domingos Morais (hoje Conselheiro)].
Ora, os fundamentos da anulação da sentença requerida pelo Recorrente reconduzem-se, em substância, à invocação de uma situação de insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, por considerar ter existido insuficiência probatória (atentas as deficiências que aponta ao laudo da junta médica e a necessidade de realização de exame clínico complementar ao sinistrado da especialidade de ortopedia), ainda que não tenha invocado o aludido preceito [artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil – que dispõe o seguinte “A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: (…) c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do n.º anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;”].
Assim, importa conhecer da questão em referência.
Insurge-se o Recorrente contra as decisões do Tribunal a quo que indeferiram o pedido de esclarecimentos aos Senhores peritos da junta médica e o pedido de realização de exame e parecer complementar por perito ortopedista, invocando, em substância, a violação do dever de fundamentação da perícia por junta médica e a disparidade e contradição de avaliação entre o relatório de exame singular do INML e o laudo da junta médica.
Defende que falta a fundamentação das conclusões do laudo de junta médica (deficiência e obscuridade) e existe manifesta contradição quanto às sequelas e diferença abissal de IPP fixadas por relatório anterior, o que viola o disposto nos artigos 413.º e 485.º do Código de Processo Civil. Mais defende que o requerido exame e parecer complementar por médico ortopedista era fundamental para esclarecer se há diminuição da mobilidade e rigidez articular da tibiotársica no tornozelo esquerdo do sinistrado, pelo que o referido indeferimento não respeita o princípio da justiça material, violando o disposto nos artigos 139.º, n.º 7 e 140.º.
Decorre dos autos que o Recorrente apresentou requerimento no sentido de os Senhores peritos médicos da junta médica prestarem esclarecimentos, conforme requerimento transcrito supra no relatório, sustentando, em síntese, que existe contradição flagrante entre o exame singular do INML e o exame por junta médica, por avaliarem lesões e danos corporais em partes anatómicas diferentes do sinistrado, sendo que a perícia médica não respeita o dever de fundamentação e tal dever se apresenta com acuidade acrescida em face da discrepância desta avaliação em relação às lesões documentadas, que são todas no pé (fratura da base do 5.º metatarso, com cirurgia e colocação de parafuso e luxação MF dos dedos do pé) e não no tornozelo e também contraditória em face da avaliação do INML. Os esclarecimentos que o Recorrente queria submeter à junta médica eram os seguintes: “1. Quais as lesões decorrentes do acidente (histórico do evento) e quais os tratamentos médico-cirúrgicos efetuados ao sinistrado (histórico clínico); 2. Em face das lesões decorrentes do acidente e das queixas do sinistrado ao nível das zonas anatómicas atingidas (“palpação dolorosa ao nível do 5.º metatarsiano” e “queixas dolorosas ao nível do 5.º metatarsiano após marcha”), explicar, de forma fundamentada, a razão para a avaliação incidir sobre o ponto 14. (tornozelo) e não sobre o ponto 15 (pé) da Tabela Nacional das Incapacidades, como ocorre com a avaliação do INML constante dos autos.”
Mais resulta dos autos que, na sequência do indeferimento do referido pedido de esclarecimentos, o Sinistrado apresentou novo requerimento no qual invocou que a junta médica não ponderou a principal sequela do acidente, traduzida na diminuição da mobilidade e rigidez articular da tibiotársica no tornozelo esquerdo com um arco de movimento de 15º, em contraposição à articulação tibiotársica oposta (tornozelo direito) que não apresenta alterações. Requereu que fosse determinada a realização de exame e parecer técnico complementar por médico ortopedista que não tenha tido intervenção nos relatórios constantes dos autos, no sentido de esclarecer as seguintes questões: “a) No que respeita aos tornozelos do sinistrado, qual a amplitude de movimento das articulações tibiotársicas e, em caso de diminuição da mobilidade, qual o arco de movimento que apresenta o sinistrado. b) Qual o coeficiente de incapacidade permanente para o trabalho de que o sinistrado ficou a padecer.”
Vejamos então.
O exame por junta médica, que, como vimos, será sempre de realização obrigatória quando a questão da incapacidade esteja em discussão – como in casu -, inscreve-se no âmbito da denominada prova pericial.
A prova pericial tem por objeto, conforme estatuído no artigo 388.º do Código Civil, “a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devem ser objeto de inspeção judicial”.
Do transcrito normativo decorre que a prova pericial incide sobre determinados factos e destina-se a elucidar o tribunal sobre o seu significado e alcance, no pressuposto que a respetiva natureza e complexidade técnica exigem conhecimentos especiais que o julgador não possui.
Conforme melhor elucida o Professor Alberto dos Reis, “[o] verdadeiro papel do perito é captar e recolher o facto para o apreciar como técnico, para emitir sobre ele o juízo de valor que a sua cultura especial e a sua experiência qualificada lhe ditarem” [Código do Processo Civil Anotado Vol. IV, Coimbra Editora, Reimpressão, 1987, pág. 171].
A sua função é a de “auxiliar do tribunal no julgamento da causa, facilitando a aplicação do direito aos factos”, não impedindo tal que seja “um agente de prova e que a perícia constitua um verdadeiro meio de prova” [Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, in obra citada, página 578].
Como se expõe no recente Acórdão desta Relação e Secção de 18-09-2023 (processo n.º 3211/21.1T8PNF.P1, Relator Desembargador Jerónimo Freitas), «(…) as respostas aos quesitos dos Senhores peritos médicos e a respectiva fundamentação, são a expressão necessária da sua intervenção nesse meio de prova, isto é, o resultado da avaliação feita com base nos seus especiais conhecimentos médico-científicos, exigindo-se, para que cumpram o seu propósito, que sejam claras, suficientes e lógicas. Justamente por isso, importa não esquecer, o n.º 8, do Anexo I, da TNI, estabelece o seguinte: “O resultado dos exames é expresso em ficha apropriada, devendo os peritos fundamentar todas as suas conclusões”.
Pese embora a função preponderante deste meio de prova, tal não significa que o julgador esteja vinculado ao parecer dos senhores peritos, já que o princípio da livre apreciação da prova permite-lhe que se desvie do parecer daqueles, seja ele maioritário ou unânime. Como a esse propósito elucida o Professor Alberto dos Reis, “(..) É dever do juiz tomar em consideração o laudo dos peritos; mas é poder do juiz apreciar livremente esse laudo e portanto atribuir-lhe o valor que entenda dever dar-lhe em atenção à análise critica dele e à coordenação com as restantes provas produzidas. Pode realmente, num ou noutro caso concreto, o laudo dos peritos ser absorvente e decisivo (..); mas isso significa normalmente que as conclusões dos peritos se apresentam bem fundamentadas e não podem invocar-se contra elas quaisquer outras provas; pode significar, também que a questão de facto reveste feição essencialmente técnica, pelo que é perfeitamente compreensível que a prova pericial exerça influência dominante.” [Código do Processo Civil Anotado Vol. IV, Coimbra Editora, Reimpressão, 1987, pp. 185/186].
Porém, quer adira ou quer se desvie, para que decida de acordo com a sua livre convicção, em qualquer caso é sempre necessário que o Juiz conte com um resultado do exame pericial devidamente fundamentado, pois é a partir daí que se desenvolverá toda a apreciação com vista à formulação do juízo crítico subjacente à formação da convicção do julgador. Por outras palavras, o laudo, seja ele obtido por unanimidade dos peritos ou apenas por maioria, deve convencer pela sua fundamentação, pois só assim cumpre o propósito de facultar ao juiz os elementos necessários para fixar a natureza e o grau de incapacidade.
Em suma, importa é que em face das questões que se colocam em cada caso concreto, o resultado do exame por junta médica se apresente perante o Juiz com a clareza necessária para o habilitar a decidir».
O laudo pericial (seja do exame médico singular, seja do exame por junta médica), não tem força vinculativa obrigatória, estando sujeito à livre apreciação do julgador (artigos 389º do Código Civil e 489º do Código de Processo Civil), sem prejuízo, todavia, de a eventual divergência dever ser devidamente fundamentada em outros elementos probatórios que, por si ou conjugadamente com as regras da experiência comum, levem a conclusão contrária por se tratar de matéria em que o Juiz não dispõe dos necessários conhecimentos técnico-científicos.
Estabelece o artigo 139º, sob a epígrafe “Perícias” o seguinte:
“1 - A perícia por junta médica, constituída por três peritos, tem carácter urgente, é secreta e presidida pelo juiz.
2 - Se na fase conciliatória a perícia tiver exigido pareceres especializados, intervêm na junta médica, pelo menos, dois médicos das mesmas especialidades.
3 - Fora das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, se não for possível constituir a junta nos termos dos números anteriores, a perícia é deprecada ao tribunal com competência em matéria de trabalho mais próximo da residência da parte, onde a junta possa constituir-se.
4 - Sempre que possível, intervêm na perícia peritos dos serviços médico-legais que não tenham intervindo na fase conciliatória.
5 - Os peritos das partes devem ser apresentados até ao início da diligência; se o não forem, o tribunal nomeia-os oficiosamente.
6 - É facultativa a formulação de quesitos para perícias médicas, mas o juiz deve formulá-los, ainda que as partes o não tenham feito, sempre que a dificuldade ou a complexidade da perícia o justificarem.
7 - O juiz, se o considerar necessário, pode determinar a realização de exames e pareceres complementares ou requisitar pareceres técnicos.
8 - É aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 1 do artigo 105.º”.
A lei processual proporciona às partes a possibilidade de reclamarem do relatório pericial, se “entenderem que há qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas” [cfr. artigo 485.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil].
Acresce que o próprio juiz, quando se aperceba que não encontra no relatório do exame por junta médica apoio suficiente e necessário para proferir a decisão, tem o poder de fazer uso do disposto no n.º 4, do citado artigo 485.º, que lhe permite “mesmo na falta de reclamações, determinar oficiosamente a prestação dos esclarecimentos ou aditamentos previstos nos números anteriores”, isto é, quando exista “(..) qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas» - o artigo 485.º do Código de Processo Civil é aplicável às perícias por junta médica no âmbito de processo emergente de acidente de trabalho, por força do artigo 1º, n.º 2, alínea a).
Os vícios do relatório pericial pressupostos no citado artigo 485.º são os seguintes:
(i) a deficiência, que se verifica quando o(s) perito(s) não se pronuncie(m) sobre todas as questões que integram o objeto da perícia;
(ii) a obscuridade, que ocorre quando não se consiga alcançar o sentido de observações, fundamentos ou conclusões;
(iii) a contradição, que compreende uma manifestação de afirmações reciprocamente incompatíveis;
(iv) e a insuficiência da fundamentação, que tem lugar quando não sejam indicadas as razões que sustentam as conclusões do(s) perito(os) ou quando aquelas se mostrem insuficientes para sustentar estas.
Não deve também esquecer-se que nos termos do artigo 139.º, o juiz não só pode formular quesitos se a dificuldade ou a complexidade da perícia o justificarem [n.º 6], como para além disso, “(..) se o considerar necessário, pode determinar a realização de exames e pareceres complementares ou requisitar pareceres técnicos” [n.º7].
Descendo ao caso dos autos, importa ter presente que as partes formularam os quesitos que tiveram por pertinentes, a serem respondidos pela junta médica, entre os quais se contava um quesito formulado pelo Sinistrado em que questionava se existia uma incapacidade permanente para o trabalho habitual (IPATH).
Nessa sequência, preliminarmente, o Tribunal a quo, ao abrigo do disposto no artigo 21.º, n.º 4, da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, determinou a requisição de parecer prévio ao IEFP (Instituto de Emprego e Formação Profissional, IP) relativamente à “análise de funções do trabalhador sinistrado” – cfr. ainda alíneas a) e b) do n.º 13 das Instruções Gerais da TNI -, bem como parecer prévio ao ... (Centro de Reabilitação ...) “sobre se, tendo em conta a profissão do sinistrado como montador de estufas à data do acidente de trabalho participado, as sequelas de natureza permanente de que padece, a incapacidade que lhe foi atribuída pelo INML e pelo exame médico da Seguradora a fls. 9 e ss. dos autos, o sinistrado à data da consolidação clínica das lesões se mostra incapaz de desempenhar funções de montador de estufas”.
Ou seja, o Tribunal a quo, pese embora o exame singular do INML da fase conciliatória não tivesse atribuído IPATH ao Sinistrado, porque este último discordou do resultado desse exame quanto à IPP atribuída e invocou que se impunha ponderar a fixação da incapacidade absoluta para a profissão habitual, formulando quesito nesse sentido a ser submetido à junta médica, previamente à realização da junta médica solicitou os identificados elementos.
Só na posse de tais elementos, que foram devidamente notificados às partes e que não mereceram qualquer reclamação, é que foi realizada a junta médica.
Importa também ter em conta que na tentativa de conciliação foram aceites as lesões descritas/documentadas nos autos e o respetivo nexo de causalidade com o acidente, bem como a data da alta de 16-03-2022. Tal significa que, já antes da realização da junta médica, se encontrava aceite, como vimos supra, que o Sinistrado no dia 10-08-2021, quando se deslocava na obra fez um entorse do pé esquerdo, do qual resultou fratura da base do 5º metatarso do pé esquerdo e luxação MF dos dedos. O próprio Recorrente, aliás, isso mesmo admite no seu requerimento de pedido de esclarecimentos aos peritos da junta médica, conforme desde logo do ponto 14. de tal requerimento [“(…) lesões documentadas, que são todas no pé (fratura da base do 5º metatarso, com cirurgia e colocação de parafuso, e luxação da MF dos dedos do pé)”].
Porém, na tentativa de conciliação não foram aceites as sequelas descritas no exame médico do INML nem a incapacidade permanente atribuída ao Sinistrado nesse mesmo exame [o próprio Sinistrado, aliás, não aceitou o resultado desse exame médico quanto à IPP atribuída]. As sequelas descritas no exame do INML foram as seguintes: “Cicatrizes no pé. Dor à palpação na região da base do 5º metatarso. Alongamento do 5º raio. Rigidez dolorosa ao nível do médio pé. Edema do tornozelo e Pé”. Tais sequelas foram enquadradas nesse mesmo exame médico na Tabela Nacional de Incapacidades Por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (Decreto Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro)- adiante designada por TNI - Capítulo I 15.2.3. Limitação da mobilidade das articulações do pé (rigidez), alínea a) – Limitação dolorosa da mobilidade do tarso por artrose pós-traumática, com atribuição do coeficiente máximo previsto de 0,15 que por sua vez foi multiplicado pelo fator 1,5 conduziu ao coeficiente global de incapacidade de 22,5% (não foi tomada em consideração a IPP decorrente de acidente de trabalho anterior para efeitos de capacidade restante).
No boletim de alta dos serviços clínicos da Seguradora de 16-03-2022 junto a fls. 8 dos autos, como vimos, em termos de avaliação de incapacidade permanente, foi mencionado que o Sinistrado referiu subjetivos dolorosos com marcha prolongada ou em terrenos irregulares, aí se tendo registado em termos de exame objetivo “Marcha sem alterações. Sem amiotrofia da perna E (D=E=39 cm). Edema do tornozelo esquerdo. Pé esq. localmente sem edema nem défices de mobilidade”. Nesse mesmo boletim foi enquadrado na TNI o quadro descrito no Capítulo I 14.2.4., com atribuição do coeficiente mínimo previsto de 0,02 que por sua vez foi multiplicado pelo fator 1,5 conduziu ao coeficiente global de incapacidade de 3% (não foi tomada em consideração a IPP decorrente de acidente de trabalho anterior para efeitos de capacidade restante).
Não estando aceites as sequelas e a IPP, os Senhores peritos na sua avaliação são livres e terão sempre de aferir a ligação entre lesão/sequela e a incapacidade para o trabalho, não sendo tais operações cindíveis, porque em estreita conexão, para além de, como se disse, encerrarem questões eminentemente técnicas.
Compulsado o auto de junta médica, verifica-se que os Senhores peritos médicos, após a observação do Sinistrado (exame físico) e consulta do processo (elementos clínicos constantes dos autos), emitiram parecer unânime no sentido de que:
- As sequelas que o Sinistrado apresenta em consequência do acidente dos autos na data da realização da junta se resumiam a cicatriz decorrente da cirurgia e palpação dolorosa ao nível do 5º metatarsiano, referindo o examinando queixas dolorosas após marcha ao nível do 5º metatarsiano, mas aquando da realização da junta médica sem queixas dolorosas.
- Ao exame físico o Sinistrado referiu queixas dolorosas sobretudo na vertente anterior da tibio-társica (segmento não atingido no acidente dos autos), sendo que apresenta tornozelo e pé sem limitações da mobilidade com força muscular preservada.
- As sequelas que o Sinistrado, eminentemente queixas dolorosas à palpação e após mobilização, apesar de condicionarem o examinando na sua profissão na medida da IPP atribuída, não são impedimento para desempenho de qualquer das atividades do seu quotidiano laboral;
- As sequelas apresentadas pelo Sinistrado são enquadráveis na TNI no Capítulo I, rubrica 14.2.4, por analogia, com atribuição de um coeficiente de 0,04 que multiplicado pela capacidade restante de 0,97 decorrente do coeficiente atribuído por acidente anterior conduziu à desvalorização de 0,0388 que por sua vez multiplicado pelo fator de bonificação 1,5 conduziu ao coeficiente global atribuído pela junta médica de 5,82%.
- Deverão ser considerados os períodos de incapacidade temporária atribuídos pela Seguradora a fls. 11 dos autos – ou seja, ITA de 11-08-2021 a 2-03-2022 e ITP de 40% de 3-03-2022 a 16-03-2022.
Ora, analisado o auto de exame por junta médica, não se deteta deficiência (pronunciaram-se sobre todos os pontos), obscuridade (pronunciaram-se de modo que não suscita dúvida sobre o sentido visado) ou contradição (pronunciaram-se por unanimidade e de modo coerente).
Não colhe igualmente a alegada falta de fundamentação do laudo da junta médica.
De facto, e ao contrário do sustentado pelo Recorrente, consideramos que se encontra devidamente justificada a posição assumida pelos peritos médicos em junta médica. Da interpretação e valoração do auto de junta médica no seu conjunto, forçoso é concluir que do mesmo se retiram cabalmente as razões da distinta descrição do quadro sequelar decorrente do acidente dos autos e, consequentemente, da diversa avaliação e caraterização da situação do Sinistrado, tendo em conta desde logo o exame físico efetuado à data da junta médica. Não se olvide que que a junta médica é constituída por três peritos médicos [no caso, o perito do Tribunal é também perito do INML como o era o perito que efetuou o exame médico da fase conciliatória], sendo certo que a perícia por junta médica visa precisamente sindicar o exame médico singular, levado a cabo apenas por um perito médico [cfr. artigo 487.º, n.º 3, do Código de Processo Civil].
Os Senhores peritos médicos da junta médica enquadraram as sequelas apresentadas pelo Sinistrado na rubrica 14.2.4 do Capítulo I da TNI - Sequelas de entorse do tornozelo (persistência de dores, insuficiência ligamentar, edema crónico), por analogia, e já não na rubrica 15.2.3 – Limitação da mobilidade das articulações do pé (rigidez) – alínea a) – limitação dolorosa da mobilidade do tarso por artrose pós-traumática – (como aconteceu no exame singular do INML), por ao exame físico efetuado na junta médica não se verificar qualquer limitação de mobilidade do pé, apresentando força muscular preservada.
A fixação pelos Senhores peritos da Junta médica do coeficiente global de incapacidade em 5,82%, teve em conta a capacidade restante decorrente de IPP anterior com respeito pelo estatuído no artigo 11.º, n.º 3, da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro e Instrução Geral 5-d) da TNI, tendo relevado para efeitos de capacidade restante, decorrente do pretérito acidente de trabalho a IPP de 0,03 (3%), sem consideração do fator de bonificação 1,5 aplicado no acidente anterior, por não ser esse fator em si uma IPP, antes um fator de correção ou bonificação [neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28-09-2022, processo n.º 1047/20.T8PTM.L1-4].
Sublinhe-se ainda que, quer o exame singular do INML, quer a junta médica evidenciaram, como consequência do acidente, sequelas ao nível do pé e não já ao nível do tornozelo [o exame singular valorizou limitação dolorosa da mobilidade ao nível das articulações do pé (rigidez), mais precisamente limitação dolorosa da mobilidade do tarso por artrose pós traumática; o exame por junta médica valorizou as queixas dolorosas à palpação e após mobilização ao nível do 5º metatarsiano], o que está em consonância com as lesões que se mostram documentadas como consequência do entorse do pé sofrido pelo Recorrente.
Ao contrário do que refere o Recorrente, a junta médica não valorizou sequelas ao nível do tornozelo, sendo certo que o recurso pela junta médica à rubrica 14.2.4 do Capítulo I da TNI o foi por analogia, tendo em conta o quadro doloroso apresentado pelo Sinistrado ao nível do pé, mais precisamente ao nível do 5º metatarsiano (o que está em consonância com a lesão sofrida de fratura da base do 5º metatarso do pé esquerdo). O recurso à analogia deveu-se ao facto de ao exame físico os Senhores peritos da junta médica terem verificado que o pé não tinha limitações de mobilidade, apresentando força muscular preservada, portanto, sem rigidez (o mesmo se constatando, aliás, em relação ao tornozelo), pelo que sendo as sequelas apresentadas eminentemente queixas dolorosas à palpação e após mobilização, foi o estado sequelar enquadrado na rubrica das sequelas de entorse do tornozelo que era aquele que contemplava o quadro de persistência de dores após entorse [no caso, entorse do pé esquerdo com fratura da base do 5º metatarso do pé esquerdo (ou seja, fratura da base do dedo mindinho do pé esquerdo) e luxação MF dos dedos do pé esquerdo].
Os Senhores peritos médicos da junta médica consignaram também que o Sinistrado referiu ao exame físico queixas dolorosas sobretudo na vertente anterior da tibio-társica, justificando que se tratava de segmento não atingido no acidente dos autos. De qualquer modo, não deixaram de registar que também o tornozelo se apresentava sem limitações da mobilidade e com força muscular preservada, ou seja, sem rigidez.
Realce-se que o exame médico singular do INML também não valorizou como sequela do acidente dos autos qualquer limitação (rigidez) ao nível da articulação tibiotársica (situada ao nível no tornozelo), sendo certo que a específica sequela de limitação (rigidez) da articulação tibiotársica está prevista na TNI na rubrica 14.2.2 do Capítulo I.
Não tem, pois, razão o Recorrente quando argumenta que o exame médico singular assinala e valoriza a limitação da mobilidade ao nível da articulação tibiotársica em consonância com a declaração médica que juntou datada de 8-02-2023 e constante dos autos a fls. 130.
Face ao atrás descrito, nenhuma censura nos merece a decisão do Tribunal a quo ao indeferir os requeridos esclarecimentos aos Senhores peritos médicos da junta médica, sendo certo que os autos forneciam já cabal resposta aos pontos indicados como sendo a esclarecer. O histórico do evento, o histórico clínico e as lesões com nexo de causalidade com o evento não se encontravam controvertidos, tendo sido com esse pressuposto que foi emitido o parecer da junta médica, sendo a que a justificação de facto para a integração na rubrica da TNI 14.2.3. do Capítulo I constava de forma clara no laudo pericial da junta médica.
Acresce que as razões da divergência entre o resultado da perícia singular e o da perícia colegial ficaram perfeitamente plasmadas nas respostas dos peritos da junta médica, como resulta do respetivo auto, sendo que estes responderam claramente e de modo bastante e fundamentado às questões levantadas.
No que respeita à questão da IPATH, os Senhores peritos médicos consideraram que as sequelas que o Sinistrado apresenta não o impedem de exercer a sua profissão habitual, facto que resulta corroborado pelo parecer técnico do Centro de Reabilitação ... constante dos autos, que foi também no sentido de que o Sinistrado se encontra apenas com incapacidade permanente parcial para o trabalho. No exame médico do INML da fase conciliatória também não se concluiu no sentido de que o sinistrado se encontrava em situação de incapacidade absoluta para o trabalho habitual.
Refira-se que, quanto à análise de funções do posto de trabalho e atividade laboral desenvolvida pelo sinistrado e as exigências desse mesmo posto, quer em termos de condições de execução, exigências físicas, tipo e intensidade do esforço, exigências psicomotoras, sensoriais, cognitivas/percetivas constantes da indicada análise do posto de trabalho do IEFP, IP as mesmas foram e são importantes para serem tomadas em consideração na avaliação global, para o efeito de serem ponderadas as repercussões das sequelas que afetam o sinistrado em consequência do acidente no exercício da profissão habitual. No entanto, tal análise do posto de trabalho não tem elementos que permitam minimamente colocar em crise o juízo pericial médico emitido no parecer unânime da junta médica e, bem assim, no parecer técnico do Centro de Reabilitação ..., quanto à capacidade ou não para o exercício da profissão habitual. Realce-se que o Técnico Superior do IEFP não é médico, sendo que a avaliação quanto à questão da atribuição ou não da IPATH foi feita pela junta médica e foi no sentido de que o sinistrado não se encontra afetado de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual. No mesmo sentido da avaliação da junta médica, como vimos, foi também a avaliação do Centro de Reabilitação ....
O parecer dos Senhores peritos médicos da junta médica no que respeita aos períodos de incapacidade temporária foi no sentido de deverem ser considerados os períodos atribuídos pela Seguradora, sendo certo que se tratam dos períodos atribuídos pelos serviços clínicos que seguiram o Sinistrado até à data da alta e da consolidação médico legal das lesões [cfr. ainda o disposto na Instrução Geral 9 da TNI].
Por outro lado, tendo a junta médica fundamentado as suas respostas, de forma clara e objetiva, e permitindo captar as razões e o processo lógico que conduziu à resposta divergente do resultado do exame singular, está também plenamente justificada a decisão do Tribunal a quo de indeferir a requerida realização de exame técnico complementar a realizar por ortopedista que não tenha tido intervenção nos relatórios constantes dos autos.
Refira-se, aliás, que a primeira questão indicada como sendo a esclarecer nesse exame em nada contendia com o diferente resultado do exame singular e do exame por junta médica.
Na verdade, e como se disse, tal como o exame por junta médica, também o exame singular não desvalorizou como sequela do acidente dos autos rigidez da articulação tibiotársica. O exame singular, como vimos, havia sim desvalorizado limitação dolorosa da mobilidade do tarso por artrose pós-traumática [limitação que depois não foi objetivada no exame físico da junta médica, pelo que apenas foram desvalorizadas as queixas dolorosas nesse segmento, mais precisamente ao nível do 5º metatarsiano].
Quanto à segunda questão indicada como sendo a responder nesse exame a mesma consistia na pergunta sobre qual o coeficiente de incapacidade permanente para o trabalho de que o sinistrado ficou a padecer, o que se traduziria, no fundo, na realização de uma terceira perícia sobre a fixação da incapacidade permanente ao sinistrado, que, para além de não estar prevista, inexistia qualquer justificação para a sua realização.
Atente-se ainda que na fase conciliatória a perícia não exigiu pareceres especializados, máxime de ortopedia, relembrando-se que na junta médica tiveram intervenção três peritos médicos, um dos quais, perito que foi nomeado ao Sinistrado pelo Tribunal a quo, da especialidade de ortopedia [o perito do Tribunal foi um perito do INML e o perito da Seguradora tinha competência em avaliação de dano corporal].
Assim, tudo ponderado, é perfeitamente razoável e adequado que a Mmª Juíza do Tribunal a quo, no uso do poder previsto no n.º 7 do artigo 139.º, não considerasse necessária a realização de exames e/ou pareceres complementares ou requisitar pareceres técnicos e, bem assim, entendesse que os autos reuniam as condições necessárias para tomar decisão na sua livre convicção, em matéria com natureza eminentemente do campo da ciência médica.
Por último, verifica-se que a decisão judicial se encontra devidamente sustentada quanto à determinação e fixação da incapacidade do Recorrente, com análise e apelo na respetiva fundamentação de facto ao laudo pericial da junta médica que se perfila como claro, congruente objetivo e fundamentado, sendo corroborado pelo parecer técnico do Centro de Reabilitação ... quanto à questão de o Sinistrado não se encontrar totalmente incapaz para o exercício da sua profissão. Foi explicitado nessa decisão que o entendimento sufragado por unanimidade pela junta médica se mostra fundamentado no exame físico que foi efetuado ao Sinistrado e não é infirmado nem pela perícia anteriormente realizada pelo INML, nem mesmo pelos documentos que o Sinistrado juntou com o seu requerimento de pedido de exame e parecer complementar (de 15-02-2023). Donde decorre que na referida decisão foram ponderados todos os elementos de prova constantes dos autos.
A prova pericial, como se assinalou supra, está sujeita à livre apreciação pelo Julgador, sendo que vista a decisão recorrida, verifica-se que tal apreciação foi cumprida, debruçando-se sobre os resultados apresentados pelos Peritos, explicitando as razões pelas quais aceitou o laudo da junta médica, para além de que se compreende a razão da atendibilidade do exame por junta médica já que o mesmo fornecia elementos objetivos e técnicos suscetíveis de alicerçar a convicção do Julgador.
Em suma, não há censura a fazer ao decidido em 1ª instância, que se apresenta como adequado, sendo de manter a sentença recorrida.
*
Improcede assim, nos termos expostos, totalmente o recurso.
Quanto a custas, havendo improcedência do recurso, as custas do mesmo ficam a cargo do Recorrente (art.º 527º do Código de Processo Civil), sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
***
IV – DECISÃO
Em face do exposto, acorda-se em julgar totalmente improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas do recurso pela Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
Notifique e registe
*
(texto processado e revisto pela relatora, assinado eletronicamente)
Porto, 13 de novembro de 2023
Germana Ferreira Lopes
Rui Penha
António Luís Carvalhão