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AÇÃO POPULAR
INTERESSES DIFUSOS
LEGITIMIDADE
SAÚDE PÚBLICA
Sumário
I – Por interesse próprio entende-se o interesse individual, aquele cuja fruição se esgota no destinatário e só ele beneficia do respetivo exercício. II – Já no interesse difuso, a titularidade respeita a uma série indeterminada de sujeitos, ou tendencialmente indeterminada. III – O objeto do interesse difuso apresenta-se como insuscetível de ser dividido em pretensões individuais independentes. A satisfação de um dos seus titulares implica necessariamente a satisfação de todos, assim como a lesão de um implica necessariamente a lesão do interesse de todos. IV – O objeto da ação popular tem de residir sempre na defesa dum interesse difuso, transcendendo o interesse pessoal dos Autores. Podendo comportar também a reparação dos danos próprios e individuais sofridos pelos Autores (na dimensão de interesse individual homogéneo), não é menos certo que ela não pode prescindir da dimensão supraindividual do interesse difuso, na medida em que este constitui o seu elemento caraterizador e individualizante. V - Se os Autores invocam o interesse difuso “saúde pública”, mas depois alegam, não factualidade pertinente ao perigo desse “direito à saúde”, mas antes a violação do seu “direito à imagem, ao bom nome e honra profissional”, já não estamos no âmbito dum interesse difuso na vertente de interesse individual homogéneo. Deixa de existir homogeneidade na prossecução de bens da comunidade (no caso, saúde pública), já que o núcleo da pretensão se desloca para a defesa de direitos subjetivos individuais.
Texto Integral
Apelação nº 6030/21.1T8PRT.P1
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I – Resenha histórica do processo 1. AA, BB, CC, DD, EE, FF e GG, instauraram ação popular contra A..., SA, pedindo a sua condenação:
a) no pagamento aos Autores da quantia de 3.000.000,00 € (três milhões de euros), a título de compensação por danos morais, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, contados desde a data da citação até integral e efetivo pagamento;
b) a dar publicidade, na estação de televisão que opera (A...), à sentença proferida no presente processo, consagrando à respetiva notícia o mesmo espaço de horário nobre que foi ocupado pela reportagem exibida sobre o Centro Hospitalar ... em 29 de dezembro de 2020;
Foi citada a Ré, bem como o “Grupo de cidadãos que pretende agir em defesa do Centro Hospitalar ..., sito no Porto”, bem como notificado o Ministério Público (Mº Pº).
Resumidamente, fundamentaram o seu pedido imputando à Ré a emissão de uma reportagem sobre o Centro Hospitalar ..., durante a qual foram exibidas imagens e vídeos do interior deste hospital psiquiátrico e de doentes nele internados e proferidas afirmações destinadas, umas e outras, a denegrir as suas condições de funcionamento e a qualidade e dignidade dos cuidados de saúde mental aí prestados.
Em contestação, a Ré invocou a ilegitimidade ativa e impugnou a factualidade alegada.
Os Autores responderam à exceção.
Em despacho saneador, a M.mª Juíza julgou procedente a exceção da ilegitimidade ativa, pelo que absolveu a Ré da instância.
2. Inconformados com tal decisão, dela apelaram os Autores, formulando as seguintes conclusões:
«1ª) Através do Despacho Saneador com valor de Sentença de que ora se recorre, a Meritíssima Juíza a quo julgou os Autores e ora Recorrentes parte ilegítima na presente ação popular e absolveu a Ré da instância, condenando ainda solidariamente os Autores no pagamento das custas do processo, que ainda assim reduziu a 1/10.
2ª) Esta decisão foi tomada pela Meritíssima Juíza do Juízo Local Cível do Porto por considerar que “o reconhecimento dos direitos de que cada um dos Autores se arroga e a sanção pela via indemnizatória da atuação da Ré nos termos pretendidos apenas terá cabimento em sede de tutela individual, sem prejuízo das regras comuns da legitimidade plural, neste caso da coligação; mas não é já de reconhecer-lhe legitimidade para a propositura da presente ação popular”.
3ª) Salvo o devido respeito, a sentença proferida não faz uma correta interpretação e aplicação do direito e consubstancia uma decisão simplista, surpreendente e injusta.
4ª) Simplista, porque, salvo melhor opinião, não aprofunda nem valoriza adequadamente o direito de ação popular, que é uma das mais importantes conquistas do 25 de Abril, cujos 49 anos comemoramos por estes dias, enquanto direito fundamental, estabelecido pelo nº3 do artigo 52º da Constituição da República Portuguesa de 1976, no capítulo referente aos direitos, liberdades e garantias de participação política.
5ª) Surpreendente e injusta, porque o presente processo foi autuado como ação popular, conforme decisão da Meritíssima Juíza a quo, que proferiu, em 23 de abril de 2021, despacho liminar a ordenar a tramitação da ação nos exatos termos previstos na Lei da Ação Popular (Lei nº83/95, de 31 de agosto), sendo que, publicado o anúncio legalmente previsto, nenhum cidadão se veio auto-excluir da representação pelos Autores na presente ação popular.
6ª) Esta mudança de posição da Senhora Juíza de Direito do Juízo Local Cível do Porto em relação à legitimidade dos Autores enquanto atores populares é tanto mais surpreendente quanto, na audiência prévia realizada em 8 de novembro de 2022 a Meritíssima Juíza a quo mostrou ter sensibilidade para este caso, procurando convencer ambas as partes a alcançarem uma solução de consenso, com o pagamento de uma compensação por parte da ora Recorrida, suspendendo a instância para permitir o diálogo necessário à construção de um entendimento capaz de defender o interesse público do estabelecimento hospitalar em causa e a dignidade de todos os cidadãos representados na presente ação popular.
7ª) Naquela audiência prévia, a Meritíssima Juíza a quo determinou a suspensão da instância por 30 dias, ficando acordado que a Ré, com vista a uma solução de consenso do presente litígio, apresentaria uma proposta de acordo aos Autores, mas a Ré e ora Recorrida nenhuma proposta apresentou aos Autores, não tendo havido sequer qualquer tentativa de contacto do seu mandatário com os mandatários dos Autores.
8ª) Em vez de fazer o que tinha sido ordenado pela Meritíssima Juíza a quo, a Ré e ora Recorrida decidiu emitir, poucos dias após aquela audiência, em 25 de novembro de 2022, na rubrica “...”, incluída no Jornal ... da A... desse dia, uma peça “jornalística” com cerca de 2 minutos e meio, durante a qual voltou a exibir excertos da reportagem sobre o Centro Hospitalar ... que está em causa nos presentes autos, com imagens não autorizadas do interior deste hospital psiquiátrico e de doentes nele internados e a difusão de afirmações destinadas a denegrir as suas condições de funcionamento e a qualidade e dignidade dos cuidados de saúde mental aí prestados.
9ª) Com o título “...”, aquela peça televisiva, deslealmente exibida tendo em conta o que havia sido acordado entre os Autores e a Ré na audiência prévia, criticava violentamente o poder judicial e demonstrava uma grande sobranceria e prepotência da Ré enquanto órgão de comunicação social, um enorme desrespeito pelos tribunais enquanto órgão de soberania e um total desprezo pelos direitos fundamentais dos cidadãos representados na presente ação popular.
10ª) Com a exibição desta nova peça televisiva, em horário nobre, a Ré insistiu na prática dos atos ilícitos anteriores e agravou os danos que lhe são imputados pelos Autores na presente ação, furtando-se ao diálogo sugerido pela Meritíssima Juíza e exacerbando a convicção dos Autores de que foi sempre sua intenção utilizar os poderosos meios de comunicação social de que dispõe numa campanha “negra” contra o Centro Hospitalar ... e os seus profissionais, que atinge os próprios doentes daquele hospital psiquiátrico, violando não só os seus direitos individuais, como também os direitos e interesses difusos relacionados com a tutela jurídica da saúde pública, na vertente da saúde mental, o que legitima inteiramente o presente processo e a utilização da ação popular como meio de reação judicial contra a Ré.
11ª) A Ré nem sequer se dignou exercer o direito ao contraditório em relação ao requerimento apresentado pelos Autores em 13 de dezembro de 2022, apesar da Meritíssima Juíza a ter convidado expressamente a fazê-lo, mostrando uma vez mais não ter o mínimo respeito pelo tribunal.
12ª) É injusto que o tribunal tenha desvalorizado a atitude insolente da Ré e ora Recorrida, decidindo a favor do chamado “quarto poder”, numa atitude que é hoje comum na nossa sociedade e permite aos poderosos órgãos de comunicação social praticarem todos os abusos, em nome da “sacrossanta” liberdade de imprensa, com vista à manutenção do seu poder político e económico, alheio ao controlo democrático.
13ª) Numa análise muito superficial da ação popular, a sentença em crise estabelece algumas considerações sobre interesses difusos, interesses coletivos e interesses individuais homogéneos, sem conseguir definir com rigor os respetivos conceitos, para concluir que: “ainda que afirmando um interesse individual, a legitimidade para propor uma ação popular com fundamento na sua invocação pressupõe a homogeneidade, que há de decorrer da infração de um bem jurídico comunitário e nesta medida haverá razões para afastar o reconhecimento de legitimidade quanto, pela forma como é configurada a ação, se anteveja que o demandado possa invocar diferentes fundamentos de defesa contra os vários autores, pois que tal é denunciador da individualidade de posições e/ou da falta de homogeneidade das posições individuais”.
14ª) Refere ainda a sentença de que ora se recorre que “só se justifica o recurso à ação popular se e na medida em que o interesse invocado pelo autor da ação popular se reconduza a um desses interesses e esteja assente na afirmação de uma qualquer infração que tenha sido dirigida a um dos referidos bens jurídicos comunitários, isto é, a saúde pública, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida, a preservação do ambiente e do património cultural… e mais, a afirmação da legitimidade pressupõe que o autor tenha interesse na demanda, isto é, que tenha uma real vantagem com a procedência da ação, ou seja, que haja uma relação com o interesse difuso latu senso, que seja titular do interesse, que seja um deles”.
15ª) Apesar da sentença recorrida reconhecer que, no âmbito da ação popular, a afirmação da legitimidade do cidadão não depende da identificação de um interesse direto daquele na demanda (que também poderá estar presente), mas antes resultará do reconhecimento de que o alegado é suficiente para afirmar a existência de um interesse difuso, dirigido à prevenção, cessação ou perseguição de infrações suscetíveis de ofender os ditos bens da coletividade, de que é exemplo a saúde pública, reduz a argumentação dos Autores e ora Recorrentes à qualificação do interesse difuso em causa como interesse individual homogéneo e à assunção da representação dos doentes internados, das suas famílias e demais cidadãos titulares dos direitos e interesses em causa por serem todos eles potenciais utentes daquela unidade de saúde mental de último recurso.
16ª) É com base nesta visão redutora e incompleta da fundamentação que os Autores conferiram à presente ação, que a Meritíssima Juíza a quo afirma que se lhe afigura haver um desfasamento entre o alegado pelos Autores e o enquadramento feito para convocar a lesão do bem jurídico “saúde pública”, considerando que a saúde pública enquanto bem jurídico comunitário deverá ser compreendida tão somente como o direito de todos à promoção de uma condição física e mental saudável e da proteção em situação de doença.
17ª) Salvo o devido respeito, esta compreensão do bem jurídico “saúde pública” é redutora e incompleta, levando a que a sentença recorrida defina de forma excessivamente limitada as infrações à saúde pública, reduzindo-as às atuações lesivas da saúde da comunidade, dando exemplos “como a introdução no mercado de um fármaco perigoso, a publicidade enganosa de uma substância nociva, a exploração de um atividade que, pondo em causa a qualidade do ar, da água ou pela emissão de ruído, afete a integridade física ou mental dos membros da comunidade”.
18ª) Decorrendo desta visão, afirma o tribunal a quo que a infração que ataque a estrutura dirigida à promoção da saúde pública, a sua organização - na qual se integram pela contribuição preciosa que à mesma dão as entidades privadas e do setor social (como é o caso da Santa Casa da Misericórdia ..., entidade do terceiro setor que detém e explora o Centro Hospitalar ...) - os seus objetivos e programas “só põem em causa o bem jurídico “saúde pública” se e na medida em que se possa afirmar que por causa de tal infração foi afetado o nível de sanidade da população”.
19ª) Esta exigência de concretização da afetação do nível de sanidade da população, de quantificação da afluência aos serviços hospitalares e de determinação da doença que em concreto se agravou com a lesão do bem jurídico em causa, desvirtua completamente a natureza da ação popular, que é uma ação coletiva ou “class action”, como surge denominada no direito anglo-saxónico, não podendo nela ser exigida a prova concreta do dano em relação a todos os cidadãos desde que estes se incluam na “classe” potencialmente afetada, pois o que está em causa é um interesse difuso e não um interesse conciso.
20ª) Perante esta perspetiva, tão desconforme com a natureza jurídico-processual da ação popular, não é de admirar que a Meritíssima Juíza a quo, com o prisma que colocou na abordagem do caso, tenha visto a lesão dos direitos dos Autores e demais profissionais e da própria instituição hospitalar apenas como afetação individual e não como interesse difuso homogéneo.
21ª) Pela própria definição dos interesses difusos homogéneos, enquanto fundamentos da ação popular não é, de modo nenhum, exigível demonstrar uma repercussão concreta no estado de saúde geral ou que a desconfiança dos utentes e dos seus familiares conduziu a um agravamento sanitário do seu grupo populacional.
22ª) A fundamentação da sentença recorrida para julgar procedente a exceção de ilegitimidade dos ora Recorrentes enquanto Autores populares, assenta na negação do enquadramento dos factos praticados pela ora Recorrida no bem jurídico “saúde pública”, o que nem sequer foi alegado pela Ré, pois esta, nos artigos 4º a 37º da contestação, invoca a exceção de ilegitimidade ativa dos Autores para a propositura da presente ação popular cível apenas porque, em seu entender, não se mostra caracterizada a defesa de interesses de toda a comunidade e a ação popular não é admissível quando os demandantes invoquem contra os demandados algum interesse individual que não seja homogéneo, o que como é sabido, e como a própria sentença recorrida admite, não é verdade pois é possível cumular interesses individuais e coletivos na mesma ação popular.
23ª) Quanto à definição e caracterização do bem jurídico “saúde pública”, tal como consta na enumeração exemplificativa das matérias abrangidas pelo direito de ação popular, expressa na alínea a) do nº3 do artigo 52º da Constituição da República Portuguesa e no nº2 do artigo 1º da Lei da Ação Popular (Lei nº83/95, de 31 de agosto), esta terá de partir do Direito fundamental à saúde, conforme o mesmo se encontra previsto no artigo 64º da Constituição da República Portuguesa (CRP), que no seu nº1 estabelece que “Todos têm direito à proteção da saúde e o dever de a defender e promover”.
24ª) O direito à proteção da saúde é também realizado através da criação de condições ambientais, pois, nos termos do artigo 66º, nº1, da CRP “Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender”, já que a noção de ambiente é uma noção ampla e não se restringe aos elementos naturais, antes abarca outros fatores económicos culturais e sociais, sendo tudo aquilo que nos rodeia e que influencia, direta e indiretamente, a nossa qualidade de vida e dos seres vivos que constituem a biosfera.
25ª) A qualidade de vida é o resultado da interação de múltiplos fatores no funcionamento das sociedades humanas e traduz-se na situação de bem-estar físico, mental e social e na satisfação e afirmação culturais, compreendendo nomeadamente, a habitação e a saúde, que é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou enfermidade.
26ª) A sentença recorrida confunde saúde pública com salubridade, pois esta última é o conjunto de condições higiénicas do meio ambiente com ação favorável sobre a saúde do homem, enquanto a saúde pública se refere a algo muito mais abrangente, que consiste na ciência e na arte de promover saúde, com base no entendimento de que a saúde é um processo que envolve o bem-estar social, mental, espiritual e físico e um recurso fundamental do indivíduo, da comunidade e da sociedade como um todo, pelo que a saúde pública deve ser sustentada por um forte investimento nas condições de vida que a criam, mantêm e protegem.
27ª) Trata-se, pois, de um bem jurídico, objeto de um direito fundamental: o direito social à proteção da saúde, configurado pelo já acima citado artigo 64º da CRP, sendo a saúde mental um dos aspetos fundamentais da saúde pública, que abrange a promoção e proteção dos direitos humanos das pessoas com problemas de saúde mental e a integração dos cuidados de saúde mental no sistema geral de saúde, tanto a nível dos cuidados primários, como dos hospitais gerais e dos cuidados continuados.
28ª) Também o Direito da União Europeia, através do Tratado de Lisboa (artigo 168º) consagra a regra de que na definição e execução de todas as políticas e ações da União será assegurado um elevado nível de proteção da saúde, precisando que a ação da União Europeia, complementar das políticas nacionais, incidirá na melhoria da saúde pública e na prevenção das doenças e afeções humanas e na redução das causas de perigo para a saúde física e mental, abrangendo a luta contra os grandes flagelos, fomentando a investigação sobre as respetivas causas, formas de transmissão e prevenção, mas também a informação verdadeira e fidedigna e a educação sanitária.
29ª) A saúde pública é, pois, um domínio genérico de práticas e conhecimentos organizados institucionalmente em uma dada sociedade dirigidos a um ideal de bem-estar das populações em termos de ações e medidas que evitem, reduzam ou minimizem agravos à saúde física e mental, assegurando condições para a manutenção e sustentação da qualidade da vida humana, pelo que o Direito da Saúde nasce, no plano do Direito Público, como reconhecimento e garantia do Estado de Direito da proteção da saúde enquanto bem público.
30ª) A par de bem individual, a saúde converte-se, assim, num bem coletivo, que estará em causa sempre que sejam propaladas informações falsas e alarmistas sobre o funcionamento das unidades que integram o sistema nacional de saúde, sejam elas públicas, privadas ou pertencentes ao setor social, como é o caso do Centro Hospitalar ..., ou sejam ofendidos os direitos fundamentais das pessoas com problemas de saúde, em especial, daquelas que estão mais fragilizadas do ponto de vista físico ou mental.
31ª) Clarificados os conceitos jurídicos em causa, impõe-se a rejeição da visão simplista que foi plasmada na sentença recorrida e serviu de fundamento à decisão de absolvição da instância da Ré por ilegitimidade dos Autores para a propositura da presente ação popular: de que o bem jurídico “saúde pública” se resume à garantia do nível sanitário da população, sendo lesivas deste bem jurídico apenas as atuações objetivamente lesivas da saúde da comunidade.
32ª) Os Autores e ora Recorrentes são profissionais de saúde e gestores que exerciam funções no Centro Hospitalar ... à data de exibição da reportagem em causa na A... (29 de dezembro de 2020), mas demandam também enquanto cidadãos que pretendem agir em defesa daquela instituição e do interesse público que lhe está subjacente em termos de saúde pública, na vertente da saúde mental.
33ª) Têm, por isso, os Autores plena legitimidade para representarem, por iniciativa própria, com dispensa de mandato ou autorização expressa, através da presente ação popular civil, todos os demais cidadãos titulares dos direitos ou interesses em causa, nos termos do disposto no artigo 52º da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 1º, 2º, nº1 e 14º da Lei nº83/95, de 31 de agosto, conhecida como Lei da Participação Procedimental e da Ação Popular (LAP).
34ª) Sem cuidar da qualificação técnica e moral das testemunhas ouvidas e recorrendo a métodos de captação e de exibição de imagem e de som contrários às normas éticas e jurídicas que regem a atividade profissional dos jornalistas e dos operadores de televisão, a ora Recorrida, para conseguir maiores audiências, não teve pejo em emitir uma reportagem sensacionalista, na qual afirma que os doentes do Centro Hospitalar ... são negligenciados e sofrem maus tratos, atingindo, com esta reportagem, a dignidade da pessoa humana, através da exploração da debilidade de doentes mentais internados num hospital psiquiátrico de fim de linha como é o Centro Hospitalar ..., que são uma população especialmente vulnerável.
35ª) A reportagem em causa veio denegrir, de forma injusta, a imagem dos profissionais que trabalham no Centro Hospitalar ... e procuram cuidar destes doentes com esforço, afeto e saber médico e de enfermagem na área da psiquiatria, colocando em causa o trabalho que é feito no domínio da saúde mental, especialmente difícil e carenciado em Portugal, e que merece uma atenção particular dos poderes públicos, conforme se constata no Despacho nº6401/2016 de 16 de maio, do Secretário de Estado Adjunto e da Saúde, que determinou a criação do Programa de Saúde Prioritário na área da Saúde Mental, que integra a Plataforma para a Saúde Mental.
36ª) Mas este ataque ao Centro Hospitalar ... e a violação dos direitos e da dignidade dos doentes nele internados através da exibição da reportagem em causa, é um ataque ao próprio sistema de interesse coletivo no âmbito da saúde pública, pois coloca em risco os seus objetivos, que se encontram legalmente definidos.
37ª) Esta atuação da ora Recorrida contra o Centro Hospitalar ..., os seus profissionais e os próprios doentes daquele hospital psiquiátrico, violando não só os seus direitos individuais, como também os direitos e interesses difusos relacionados com a tutela jurídica da saúde pública, na vertente da saúde mental, justifica, pois a utilização da ação popular como meio de reação judicial contra a ora Recorrida.
38ª) A ora Recorrida, enquanto operadora de televisão, e os seus funcionários, agentes e jornalistas, infringiram os deveres de diligência que lhes eram exigidos bem sabendo que estavam a agir em desrespeito pelas normas legais que regulam a sua atividade e que, apesar de gozarem do direito à liberdade de imprensa e meios de comunicação social, previsto no artigo 38º da Constituição da República Portuguesa, são obrigados a respeitar os demais direitos liberdades e garantias previstos na constituição e a cumprir as normas legais consagradas na Lei da Televisão, não podendo praticar atos que possam afetar a reputação ou o bom nome de quaisquer profissionais, a dignidade da pessoa humana e os demais direitos, liberdades e garantias pessoais.
39ª) Dos factos praticados culposamente pela ora Recorrida, em violação das normas legais e constitucionais acima citadas, resultaram direta e necessariamente graves danos para os Autores, tanto os que decorrem da afetação dos seus interesses individuais e homogéneos, como os que emergem dos interesses difusos que os Autores representam, na qualidade de Autores Populares, em matéria de saúde pública.
40ª) O artigo 52º, nº3, da Constituição da República Portuguesa consagra como direito de todos os cidadãos, a ação popular como um meio de tutela de bens jurídicos de natureza coletiva, nomeadamente os da saúde pública, dos direitos dos consumidores, do ambiente, do urbanismo, do ordenamento do território, da qualidade de vida, do património cultural e dos bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais.
41ª) É, deste modo, consagrada uma forma de participação dos cidadãos, individual ou coletivamente organizados, na defesa e preservação de valores essenciais, por pertencerem a uma mesma coletividade, isto é, no caso da ação popular a legitimidade não se afere pelos interesses concretamente prosseguidos por cada cidadão, mas sim pela sua pertença a uma determinada comunidade jurídica, pelo que a ação popular, assim configurada, assume tanto a vertente clássica ou corretiva, como a supletiva, para a tutela de interesses transindividuais na variante dos interesses difusos ou coletivos e, simultaneamente, para a tutela e proteção de direitos ou interesses individuais homogéneos.
42ª) Os interesses difusos em sentido estrito caracterizam-se por pertencerem a uma pluralidade indiferenciada de sujeitos e recaírem sobre bens indivisíveis, isto é, sobre bens públicos, sendo por isso, interesses da coletividade, em que a satisfação de um só dos titulares, implica, necessariamente, a satisfação de todos, assim como a lesão de um só constitui, correlativamente, lesão da inteira coletividade, como acontece no caso presente, em matéria de saúde pública, na vertente específica e particularmente sensível da saúde mental.
43ª) Inerente à tutela destes direitos está o caráter altruísta da sua proteção pelos ora Recorrentes enquanto autores populares, uma vez que estes se propõem defender o interesse de todos os titulares, mas o artigo 52º, nº3, da Constituição da República Portuguesa atribui ao autor popular o direito de requerer para o lesado ou lesados a correspondente indemnização, o que não desvirtua a lógica altruísta da ação popular desde que, lado a lado com a reparação dos danos, sejam também diligentemente acautelados os interesses difusos, como acontece neste caso.
44ª) Quanto aos interesses individuais defendidos com a presente ação, como é o caso da imagem, do bom nome e da honra profissional dos médicos e outros profissionais de saúde e de gestão hospitalar que exercem funções no Centro Hospitalar ..., não há dúvida de que tais interesses são homogéneos, pois constituem “direitos subjetivos fracionados” que correspondem à lesão diferenciada que se verifica na esfera jurídica de uma pessoa ou de um conjunto determinado de pessoas, mas advêm de uma causa comum, pelo que, apesar de serem interesses individuais, a sua homogeneidade e origem comum legitimam plenamente o seu tratamento conjunto na presente ação.
45ª) Para além disso, a ação popular não constitui um meio jurisdicional com caráter subsidiário, devendo ser usado quando for a forma mais adequada para uma tutela unificada do conjunto de interesses jurídicos acima descritos, como acontece no caso presente.
46ª) A doutrina distingue os interesses difusos em sentido próprio dos interesses individuais homogéneos, sendo que um interesse difuso é uma refração em cada indivíduo de interesses unitários da comunidade, global e complexamente considerada, o que significa que é um interesse de todos e de cada um ou, por outras palavras, é o interesse que cada indivíduo possui pelo facto de pertencer à pluralidade de sujeitos a que se refere a norma em questão.
47ª) Deste modo, a tutela de interesses difusos verifica-se quando a ação popular é proposta por sujeitos que atuam para proteger bens da comunidade, como acontece no caso presente, em que os Autores e ora Recorrentes atuam em defesa da saúde pública e da qualidade de vida dos doentes internados no Centro Hospitalar ..., suas famílias e demais cidadãos titulares dos direitos e interesses em causa, pois todos os cidadãos são titulares do direito fundamental à saúde enquanto bem público.
48ª) O direito fundamental à saúde pública exige a confiança generalizada dos cidadãos na qualidade técnica e ética dos cuidados de saúde prestados nas unidades hospitalares que integram o sistema nacional de saúde, sejam elas públicas, privadas ou pertencentes ao setor social, como é o caso do Centro Hospitalar ....
49ª) Incluem-se também, e com toda a legitimidade, nesta ação os designados interesses individuais homogéneos, que se reportam a bens suscetíveis de apropriação individual e exclusiva pelos Autores e ora Recorrentes, na sua qualidade de médicos e outros profissionais que exercem funções no Centro Hospitalar ....
50ª) Ao nível da Jurisprudência, é particularmente impressiva, em matéria de legitimidade para a propositura de uma ação popular, a conclusão expressa na parte II do sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/11/2016 (Relator: Alexandre Reis):
“II - Ao atribuir o direito de ação popular a “todos”, a lei permite que qualquer pessoa defenda interesses ou bens protegidos que não são apenas seus, mas de todos os neles interessados, pelo que o específico interesse processual do autor popular não é condicionado à existência de uma conexão substantiva entre o mesmo, individualmente considerado, e o bem tutelado, antes é originário, porque baseado na lei e radicado no direito fundamental dos cidadãos a participação na condução dos assuntos públicos.
Contudo, só a integração na comunidade de “interesses” visados pela ação permite assegurar a legitimidade popular e o interesse em agir, ainda que, em determinadas situações, tal interesse radique em qualquer cidadão, como sucede, p. ex., com a defesa do domínio publico.”
51ª) Refere também o sumário de um outro Douto Acórdão, agora do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 20/06/2006 (Relator Arnaldo Silva), o seguinte:
”1. O direito de ação popular, como direito fundamental, visa a protecção dos interesses difusos. A defesa destes interesses, é concedida aos cidadãos uti cives e não uti singuli, precisamente porque são interesses de toda a comunidade, e, por isso, os cidadãos uti cives têm o direito de promover a defesa de tais interesses, individual ou associativamente.
2. O art.º 52º, n.º 3 da C.R.P. alarga a legitimidade ativa a todos os cidadãos, independentemente do seu interesse individual ou da sua posição específica com os bens ou interesses em causa. E, de uma forma exemplificativa, enumera os seguintes interesses difusos suscetíveis de tutela: a saúde pública, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida, a preservação do ambiente e do património cultural.
3. A Lei n.º 83/95 de 31-08 (lei do direito de participação procedimental e de ação popular) veio regulamentar a ação popular especial para a tutela dos interesses difusos, e possibilitar que fossem interpostas ações no âmbito do contencioso administrativo, na jurisdição civil (cf. art.º 12º) e permitir a intervenção especial no processo penal.
4. O art.º 26º-A do Cód. Proc. Civil (na redação do Dec. Lei n.º 180/96, de 25-09) deve ser articulado com o regime estabelecido na Lei n.º 83/95, de 31-08. O art.º 26º-A do Cód. Proc. Civil trata da legitimidade difusa. E os critérios desta legitimidade são diferentes dos previstos no art.º 26º do Cód. Proc. Civil (atual artigo 30º do CPC). Segundo o art.º 26º-A do Cód. Proc. Civil, a acção popular tem cabimento quando estejam em causa interesses ligados à saúde pública, ao ambiente, à qualidade de vida, à proteção do consumo de bens e serviços, o património cultural e o domínio público (art.º 1º da Lei n.º 85/93). E a legitimidade para estas acções é conferida aos titulares referidos no art.º 2º e ao Ministério Público, nos termos estabelecidos no art.º 16º da Lei n.º 83/95.”
52ª) Está, pois, plenamente justificada, tanto ao nível da lei, como da doutrina e da jurisprudência, a legitimidade dos Autores e ora Recorrentes para a propositura da presente ação popular civil, em defesa dos direitos individuais homogéneos dos profissionais do Centro Hospitalar ... e do interesse difuso subjacente à tutela jurídica da saúde pública, na vertente da saúde mental e da proteção dos direitos e da dignidade dos doentes psiquiátricos.
53ª) A legitimidade dos Autores e ora Recorrentes assume ainda maior importância jurídica neste caso porque estes, enquanto autores populares, agem também em representação dos doentes psiquiátricos, alguns deles sem família mas que, em nome do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, não podem ver-se diminuídos na sua condição de cidadãos e de titulares dos direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição da República Portuguesa, sendo absolutamente inadmissível a perturbação que sobre eles foi exercida pela reportagem da A... em causa na presente ação, designadamente, exibindo imagens íntimas daqueles doentes internados no Centro Hospitalar ... e dos seus corpos desnudos, incluindo as escaras de alguns doentes acamados.
54ª) Só com a propositura da presente ação popular e com a condenação da Ré e ora Recorrida, à qual terá de ser dada a adequada publicidade, é que o universo de Autores será compensado de todo o sofrimento que a reportagem da A... lhes causou e recuperará a sua dignidade e bom nome, restabelecendo-se em toda a comunidade social a tranquilidade e a confiança públicas no sistema nacional de saúde mental.
55ª) Não tanto pelo alegado como pelo doutamente suprido deverão V.Exas., Venerandos Senhores Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto, julgar procedente o presente recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida, substituindo-a por Acórdão desse Venerando Tribunal que julgue os Autores como parte legítima para a propositura da presente ação popular, revogue a absolvição da instância da Ré e ora Recorrida e ordene a baixa dos autos ao tribunal de primeira instância para que a ação prossiga os seu regulares termos como ação popular civil.
Assim se fará, com o devido respeito, a mais perfeita e sã JUSTIÇA.»
3. Apenas contra-alegou o Mº Pº, sustentando a improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO 4. Apreciando o mérito do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art.º 615º nº 1 al. d) e e), ex vi do art.º 666º, 635º nº 4 e 639º nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC).
No caso, uma única questão se nos suscita: se os Autores são ou não parte legítima para a ação.
Conhecendo: § 1º - Sobre o conceito de legitimidade processual ativa, a regra é considerar-se parte legítima o autor que tenha interesse direto em demandar, interesse esse que se apura pela utilidade derivada da procedência da ação; quanto a lei não o diga expressamente, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor: art.º 30º do CPC.
Daqui resulta que para apurarmos a legitimidade das partes teremos de olhar para o pedido e a causa de pedir pois só em função desses dois elementos é possível averiguar do interesse direto [1], da utilidade ou prejuízo resultantes da ação.
A legitimidade, enquanto pressuposto processual, «(…), exprime a relação entre a parte no processo e o objecto deste (a pretensão ou pedido) e, portanto, a posição que a parte deve ter para que possa ocupar-se do pedido, deduzindo-o ou contradizendo-o.» [2]
Quer o interesse direto e a utilidade/prejuízo terão de ser aferidos em função da causa de pedir e pedido formulados pelo Autor, a versão fáctica por ele trazida aos autos.
Não pode é confundir-se legitimidade processual (ad processum) com a legitimidade substantiva (ad causam) pois esta reporta-se ao mérito da ação, ou seja, saber se o Autor tem ou não o direito que se arroga.
A legitimidade ad processum é um pressuposto processual, refere-se à capacidade das partes para estar em juízo, à titularidade da pretensão processual. Neste âmbito, quando o tribunal conclui pela ilegitimidade ativa, a consequência será a absolvição da instância (decisão de forma) do réu, sem que o tribunal se chegue a pronunciar sobre o mérito da ação: art.º 576º nº 2 e 577º al. e) do CPC.
Já a legitimidade substantiva é apreciada à luz das regras substantivas, de direito material. Quando ela não se verifica, a consequência é a improcedência do pedido (decisão de mérito).
Isto porque a legitimidade substantiva está relacionada com a titularidade do direito. O Tribunal só pode reconhecer um direito àquele a quem a lei o atribui. É em face da relação jurídica trazida aos autos, e das normas jurídico-substantivas que regem o respetivo instituto, que o Tribunal vai apurar se é o Autor o titular dessa relação jurídica de direito material.
Como tal, a legitimidade substantiva contende com o mérito da ação, ou seja, com a decisão que há que proferir a final reconhecendo ou não o direito que o Autor se arroga, concedendo ou denegando o pedido/providência requerida. [3]
Depois, e porque convocadas a contribuir ao caso, temos ainda:
● a regra específica do art.º 31º do CPC, preconizando para as ações para a tutela de interesses difusos: têm legitimidade para propor e intervir nas ações e procedimentos cautelares destinados, designadamente, à defesa da saúde pública, do ambiente, da qualidade de vida, do património cultural e do domínio público, bem como à proteção do consumo de bens e serviços, qualquer cidadão no gozo dos seus direitos civis e políticos, as associações e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e o Ministério Público, nos termos previstos na lei.
● o art.º 2º nº 1 da Lei n.º 83/95, de 31 de agosto ─ que passaremos a designar por Lei da Ação Popular (LAP) e que define e regula o exercício do direito de participação procedimental e de ação popular ─, consignando legitimidade a quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos e as associações e fundações defensoras dos interesses previstos no artigo anterior, independentemente de terem ou não interesse direto na demanda.
Ou seja, neste caso, a lei atribui automaticamente legitimidade a qualquer cidadão (ao que aqui importa, que não se cura das associações), independentemente de ele ter ou não uma qualquer vantagem ou interesse próprio na ação (independentemente de terem ou não interesse direto na demanda); o que é necessário neste caso é que a ação se destine a um dos assuntos/matérias aí elencados [4] e que o cidadão seja titular do interesse difuso que se apresenta a defender. [5]
Por interesse próprio entenda-se o interesse individual, aquele cuja fruição se esgota no destinatário e só ele beneficia do respetivo exercício.
Já no interesse difuso, a titularidade respeita a uma série indeterminada de sujeitos, ou tendencialmente indeterminada; no que toca ao seu objeto, a satisfação de um dos seus titulares implica necessariamente a satisfação de todos, assim como a lesão de um implica necessariamente a lesão do interesse de todos. Daí que o objeto do interesse difuso se apresente como insuscetível de ser dividido empretensões individuais independentes.
§ 2º - Exemplo paradigmático de ações para a tutela de interesses difusos são as vulgarmente chamadas ações populares [6], de consagração constitucional [7] e cuja regulamentação na legislação ordinária se operou pela já referida LAP (Lei nº 83/95, de 31 de agosto, com as alterações do Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 02 de outubro).
E, como está já bem sedimentado na doutrina e na jurisprudência, os interesses difusos podem revestir 3 aceções ou dimensões:
● interesses difusos stricto sensu, “são subjetivamente indiferenciados, porque se referem a bens públicos (na aceção económica da expressão), ou seja, a bens que só podem ser gozados numa dimensão coletiva: pense-se, por exemplo, no interesse de qualquer pessoa na qualidade do ar ou de qualquer consumidor na qualidade dos bens e serviços prestados”;
● interesses coletivos, “são os interesses que incidem sobre bens privados de uma pluralidade de sujeitos que, por qualquer circunstância, podem ser defendidos conjuntamente: é o que sucede, por exemplo, quando os proprietários de apartamentos e de outras habitações num aldeamento turístico pretendem acionar o vendedor e construtor por motivos relacionados com a má qualidade da construção”;
● interesses individuais homogéneos: podem ser definidos como os interesses que cabem a cada um dos titulares de um interesse difuso stricto sensu ou de um interesse coletivo. Por exemplo: o interesse na qualidade do ar é um interesse difuso stricto sensu, mas o interesse de cada um dos habitantes de uma região naquela qualidade é um interesse individual homogéneo” [8]
No que toca ao seu objetivo, a ação popular pode prosseguir uma dupla finalidade: prevenção e/ou cessação das infrações contra os interesses difusos, mas também uma vertente indemnizatória: art.º 1º LAP.
Aqui, os Autores arvoram-se titulares dum interesse homogéneo e pretendem uma indemnização.
§ 3º - Visto isto, passemos à análise em concreto, analisando o pedido e a causa de pedir.
Os Autores, 7 Autores, pedem a condenação da Ré:
● no pagamento aos Autores da quantia de três milhões de euros, a título de compensação por danos morais;
● a dar publicidade, na estação de televisão que opera à sentença proferida no presente processo, consagrando à respetiva notícia o mesmo espaço de horário nobre que foi ocupado pela reportagem exibida.
Como causa de pedir alegam, em resumo:
● que a Ré emitiu uma reportagem sobre o Centro Hospitalar ... (onde todos trabalham), durante a qual foram exibidas imagens e vídeos do interior deste hospital psiquiátrico e de doentes nele internados e proferidas afirmações destinadas, umas e outras, a denegrir as suas condições de funcionamento e a qualidade e dignidade dos cuidados de saúde mental aí prestados
● essa reportagem mostra os corpos desnudos de doentes desse Centro (doentes mentais graves), sem o consentimento destes
● tais imagens, apesar de apresentarem os rostos dos doentes esbatidos, constituem uma inaceitável violação dos direitos de personalidade destes doentes, particularmente vulneráveis e dependentes
● aquelas imagens foram recolhidas sem o conhecimento dos próprios nem do corpo clínico e da direção do Centro
● durante toda a reportagem, foram proferidas afirmações falsas e deturpações de factos relacionados com o funcionamento do hospital, com o intuito de transmitir aos telespetadores a ideia de que os doentes são mal tratados e negligenciados pelos profissionais de saúde que aí trabalham
● todo o conteúdo da reportagem exibida teve como objetivo denegrir as condições de funcionamento e a qualidade e dignidade dos cuidados de saúde mental prestados pelo Centro
● a difamação do hospital e dos seus profissionais e a geração de alarme social, consequências que resultaram efetivamente da exibição desta reportagem de televisão.
● com essa peça jornalística, os Autores viram intencionalmente lesados o seu bom nome, o seu direito à imagem e a sua honra pessoal e profissional
● o Centro e os seus profissionais foram postos em causa e viram a sua imagem seriamente afetada, tendo, em consequência, sido vítimas de injúrias e mesmo de ameaças, feitas em privado e publicamente
● a Ré causou, assim, uma verdadeira humilhação pública aos Autores médicos e profissionais de saúde e de gestão do Centro, que a partir da data da reportagem começaram a ser vistos pela comunidade social que envolve o hospital com desconfiança, o que afetou as suas vidas pessoais e profissionais, causando-lhes vergonha, sofrimento e mesmo medo, que levou ao aparecimento de episódios de ansiedade e de depressão em alguns dos Autores
● também os doentes mentais e os seus familiares, pela exibição que foi feita da sua intimidade, viram agravada pela conduta da Ré, a estigmatização de que são alvo pela sociedade, que tanto sofrimento causa aos doentes e às suas famílias
Perante este pedido e causa de pedir, estamos em crer que o problema não reside numa questão de legitimidade, mas na impropriedade do meio usado, importando num erro na forma de processo.
Na verdade, de toda a alegação, o que resulta é que os Autores pretendem defender a sua honra e consideração, pessoal e profissional, através duma indemnização que lhes será diretamente atribuída.
Da factualidade alegada temos que a atuação da Ré pode ser ilícita a vários níveis, mas não beliscou o invocado “direito à saúde”; aliás, terá sido o contrário – considerando que estava a ser preterido o direito à saúde mental prestado aos utentes daquela Unidade de saúde, pretendeu a Ré denunciar a situação a fim de serem tomadas medidas.
Mas uma coisa é a legitimação para a defesa de interesses difusos e outra a legitimação para o ressarcimento por danos patrimoniais individualizáveis. E a tanto se chegaria com a presente ação. Sendo pedida uma indemnização para os Autores, e atento o regime da solidariedade, a procedência da ação importaria a atribuição a cada um dos Autores de 1/7 da quantia pedida.
Ou seja, em termos práticos, ficaria satisfeita a indemnização dos Autores, e continuaria por acautelar o pretendido interesse difuso comum, a defesa da saúde… já que nada é pedido nesse particular.
É certo que a ação popular pode prosseguir uma dupla finalidade (art.º 1º LAP): prevenção e/ou cessação das infrações contra os interesses difusos, mas também a condenação no pagamento de uma indemnização.
Nada alegam sobre como esse “direito à saúde” foi beliscado ou em que medida foi posto em perigo com a exibição do programa.
Como refere Rui Machete, em matéria de legitimidade, «Por outro lado, muitos dos interesses difusos estão conexos com interesses individuais que se traduzem, do ponto de vista do ordenamento, em situações subjectivas de direitos ou de interesses legítimos. É, por isso, absolutamente necessário sermos precisos quanto às fronteiras de acção popular e quanto à delimitação do objecto do processo. É preciso também regular por forma clara as relações de conexão entre as acções populares e os processos em que se fazem valer, através dos correspondentes direitos ou interesses protegidos, interesses individuais». [9]
O interesse individual homogéneo de cada um dos Autores tem de reportar-se ao interesse difuso que serve de suporte à ação, e não ao interesse individual de cada um. Se os Autores invocam o interesse difuso “saúde pública”, mas depois alegam, não o seu “direito à saúde”, mas antes a violação do seu “direito à imagem, ao bom nome e honra profissional”, já não estamos no âmbito dum interesse difuso na vertente de interesse individual homogéneo. Deixa de existir homogeneidade na prossecução de bens da comunidade (no caso, saúde pública), já que o núcleo da pretensão se desloca para a defesa de direitos subjetivos individuais.
Segundo Teixeira de Sousa, «Sobre o objeto da ação popular prevista no art.º 52.º, n.º 3, da Constituição, importa referir que ele abrange os interesses difusos stricto sensu e os interesses coletivos, bem como os correspondentes interesses individuais homogéneos, mas não os direitos subjetivos e os interesses meramente individuais. Assim, se alguém sofreu danos na sua saúde em virtude de um dano ambiental ou de um produto comercializado e pretende ser ressarcido desses prejuízos, não deverá recorrer à ação popular, mas a uma normal ação de indemnização.» [10]
É claro que, enquanto bem da coletividade, a saúde pública também é suscetível de “apropriação” individual pelos Autores.
Porém, como bem se refere na decisão recorrida, «A saúde pública enquanto bem jurídico comunitário deverá ser compreendido como o direito de todos à promoção de uma condição física e mental saudável e da protecção em situação de doença.
Assim, parece, o bem saúde pública deve ser compreendido quer do ponto de vista da colectividade como garantia do nível sanitário da população, sendo lesivas deste bem jurídico as actuações aptas a pôr em causa um ambiente sadio, atingido de forma geral e indeterminada a integridade física e mental dos indivíduos; quer do ponto de vista individual conquanto tenham uma repercussão plural, afectando em concreto os indivíduos na sua integridade física e mental (pondo em causa a saúde), na susceptibilidade de obter informação sobre a prevenção da doença e a cura, no acesso aos equipamentos colectivos de prevenção e tratamento…
Constituirão, por isso, infracções à saúde pública quaisquer actuações lesiva da saúde da comunidade (tal como a introdução no mercado de um fármaco perigoso, a publicidade enganosa de uma substância nociva, a exploração de um actividade que, pondo em causa a qualidade do ar, da água ou pela emissão de ruído, afecte a integridade física ou mental dos membros da comunidade…) ou actuação que obste ao recurso à protecção na doença (do que poderá ser exemplo veicular na opinião pública que determinado medicamento ou terapêutica aceites pela comunidade científica não permitem a cura e antes agravam a doença).
De facto, a promoção da saúde pública constitui uma incumbência do Estado, tal-qual resulta do art. 64.º da Constituição da República Portuguesa, para o que giza uma organização, delineia objectivos, prevê programas,… que abrangem inclusive entidades privadas como é o caso da Santa Casa da Misericórdia.
Mas a promoção da saúde pública enquanto incumbência do Estado não se confunde com o bem comunitário para a tutela do qual deve ser orientada; são duas dimensões distintas: o dever do Estado dirige-se à protecção do bem jurídico, tal-qual a garantia de participação democrática através da acção popular também se consubstancia numa forma de tutela pela via jurisdicional daquele mesmo bem jurídico.
A infracção que ataque a estrutura dirigida à promoção da saúde pública – a sua organização na qual se integram pela contribuição preciosa que à mesma dão as entidades privadas, os seus objectivos e programas – só põem em causa o bem jurídico se e na medida em que se possa afirmar que por causa de tal infracção foi afectado o nível de sanidade da população (por exemplo e no limite do que se julga ainda defensável, alegar que determinada actuação descredibilizou o SNS e que houve um substancial decréscimo do recurso a um serviço de saúde, com isso tendo as pessoas que padecem de determinada doença visto a sua situação agravada).
Ora, como se viu, os Autores nada alegam sobre como esse “direito à saúde” foi beliscado ou em que medida foi posto em perigo com a exibição do programa. O que referem claramente é que a reportagem foi ofensiva para a sua honra pessoal e profissional, bem como da Instituição e dos doentes. E estes bens jurídicos, merecendo também a tutela do direito, não são, porém, defensáveis através duma ação popular.
O objeto da ação popular tem de residir sempre na defesa dum interesse difuso, transcendendo o interesse pessoal dos Autores. Sendo certo que a ação popular pode comportar também a reparação dos danos próprios e individuais sofridos pelos Autores (na dimensão de interesse individual homogéneo), não é menos certo que ela não pode prescindir da dimensão supraindividual do interesse difuso, na medida em que este constitui o seu elemento caraterizador e individualizante.
Assim conclui também Teixeira de Sousa: «A ação popular permite, por iniciativa dos próprios interessados, prevenir ou reagir contra a violação de um interesse difuso, sendo um meio de tutela indispensável para a proteção daqueles interesses que, por se encontrarem dispersos por muitos titulares, não encontram facilmente qualquer outra forma de defesa. No entanto, como os interesses difusos possuem uma dupla dimensão supraindividual e individual e, portanto, como a tutela desses interesses deve ser adequada em qualquer desses planos, a ação popular coloca um dilema de difícil solução: para que a tutela atribuída pela ação popular possa ser eficiente, ela tem de abstrair das situações individuais de cada um dos titulares do interesse difuso, isto é, ela tem de dar prevalência à dimensão supraindividual daquele interesse;». (sublinhado nosso) [11]
E, como é sabido, para a determinação da causa de pedir, conformadora da ação, não basta invocar um qualquer bem jurídico (direito coletivo à saúde pública), sem alegar a factualidade pertinente; se toda a factualidade invocada respeita a outro bem jurídico (direito subjetivo à dignidade, imagem, honra), será este, e não aquele, o objeto do litígio. [12]
Ora, como se vê da factualidade atrás elencada, os bens jurídicos desses doentes também se situam no âmbito da esfera privada, como sejam, a violação da sua dignidade, do direito à intimidade e à imagem. Para estes sim, enquanto direitos subjetivos próprios dos doentes, os Autores não teriam legitimidade.
Concluindo, os Autores não se apresentam a exercer a tutela coletiva para um interesse difuso (em qualquer das suas modalidades), mas apenas a exercer o direito à reparação dos seus direitos subjetivos próprios. Nessa medida, ao caso cabe uma ação comum de responsabilidade civil por factos ilícitos (passível de coligação de Autores), e não uma ação popular.
Isso é claramente assumido nos artigos 42 e 43 da petição inicial:
Na presente ação popular, está somente em causa a responsabilidade civil extracontratual da Ré, A..., pela prática dos factos acima alegados, factos esses que, consoante acima se referiu, foram culposos e ilícitos, por violação das diversas normas legais e constitucionais acima citadas, nos termos preceituados pelo artigo 483º do Código Civil (artigo 42 PI)
A reportagem da A... em questão consubstancia uma grave violação dos direitos de personalidade dos Autores, porquanto corresponde à afirmação e difusão pública em grande escala de factos capazes de prejudicar o crédito e o bom nome dos Autores, em violação do disposto nos artigos 70º e 484º do Código Civil (artigo 43 PI)
Importando «(…) conceder ao tribunal a faculdade de controlar a correção da utilização da ação popular e a representação que é assumida pelo demandante, bem como o poder de combater as representações abusivas, isto é, aquelas que, sob a aparência de uma atuação altruísta, visam realmente a tutela de interesses próprios» [15], é de concluir, contudo, que em termos processuais se trata de um erro na forma de processo, a poder eventualmente ser reparado nos termos do art.º 193º do CPC.
§ 4º - Sucede que a questão decidenda colide com a legitimidade.
Olhando a situação em abstrato, não há dificuldade em aceitar a legitimidade dos Autores.
Para esse efeito, e para além da sua qualidade de profissionais de saúde, os Autores invocam “sem prejuízo de constituírem aquelas pessoas, nos termos e para os efeitos da presente ação popular civil, um grupo de cidadãos que pretende agir em defesa daquela instituição e do interesse público que lhe está subjacente em termos de saúde pública, na vertente da saúde mental”, bem como terem “legitimidade para representar, por iniciativa própria, com dispensa de mandato ou autorização expressa, através da presente ação popular civil, todos os demais cidadãos titulares dos direitos ou interesses em causa, inclusivamente os doentes psiquiátricos do Centro Hospitalar ... e as suas famílias”.
Ou seja, ainda que de forma enviesada, os Autores lá foram centrando o objeto do litígio como se se tratasse da defesa do direito à saúde pública mental que é, sem dúvida, um direito fundamental de consagração constitucional e um dos interesses difusos de que todos os cidadãos são titulares.
Ora, tendo em conta que para apreciação da legitimidade se deve olhar para a relação controvertida tal como é configurada pelo autor (art.º 30º do CPC), que no que toca às ações populares a legitimidade é atribuída a qualquer cidadão independentemente de ter ou não interesse direto na demanda (art.º 2º nº 1 da LAP) e que estamos no âmbito de uma legitimidade processual à qual é indiferente a razão que possa assistir ao Autor, temos de concluir que a decisão não pode manter-se, antes devendo considerar-se os Autores parte legítima.
5. Sumariando (art.º 663º nº 7 do CPC)
……………………………
……………………………
…………………………… III. DECISÃO 6. Pelo que fica exposto, acorda-se nesta secção cível da Relação do Porto em revogar a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que não seja de ilegitimidade dos Autores.
Sem custas, face ao provimento do recurso.
Porto, 09 de novembro de 2023
Isabel Silva
Manuela Machado
Ana Luísa Loureiro
________________ [1] Segundo Nicolau Santos Silva, “Os interesses supra-individuais e a legitimidade processual civil ativa”, Quid Juris, 2008, pág. 25, o interesse é «a relação que se estabelece entre um sujeito (individual e coletivo) e um bem que expressa a valoração que o sujeito faz como apto para a satisfação de uma sua necessidade. O interesse assumirá a qualidade de jurídico a partir do momento em que seja reconhecido por uma norma.» [2] Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, "Código de Processo Civil Anotado", vol. 1º, 2ª edição, Coimbra Editora, pág. 51. [3] Acórdão da Relação do Porto, 2021-10-04, Processo nº 1910/20.4T8PNF.P1, disponível em disponível em www.dgsi.pt//, sítio a ter em conta nos demais arestos que vierem a ser citados sem outra menção de origem: II - A legitimidade substancial ou substantiva respeita à efetividade da relação material. Prende-se com o concreto pedido e a causa de pedir que o fundamenta e, por isso, com o mérito da causa, sendo requisito da procedência do pedido. A verificação da ilegitimidade substantiva leva à absolvição do pedido. III - Apesar de a Autora ser dotada de legitimidade ativa, pressuposto processual já considerado, pacificamente, verificado, em termos tabelares, no despacho saneador, bem decidida se mostra a questão diversa, da falta de legitimidade substantiva, dada a manifesta falta do direito que pretende fazer valer e a manifesta inviabilidade das pretensões, por resultar dos autos se não ter gerado o dano na sua esfera jurídica, mas na de terceiro, proprietário do imóvel objeto do incêndio, nada podendo obter para si relativamente a reparação/indemnização relativa a imóvel alheio. E, ainda, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2021-03-18, Processo nº 572/19.6T8OLH.E1.S1: III - Há que distinguir a legitimidade enquanto pressuposto processual (art.º 30.º do CPC), que se afere pelo modo como a relação controvertida é configurada pelo autor, da legitimidade substantiva ou material, que se prende com a titularidade de um direito, respeitando, assim, ao mérito da causa. IV - Sendo um dos requisitos da responsabilidade civil a violação do direito de outrem (uma das modalidades da ilicitude), é necessário que quem pede que lhe seja paga uma indemnização demonstre ser titular do direito violado, sob pena de se concluir que carece de legitimidade (substantiva) para o efeito. [4] Advirta-se que o leque desses assuntos ou matérias elencados são referidos apenas exemplificadamente. [5] Acórdão do STJ, de 29/11/2016, processo 135/14.2T8MDL.G1.S1: «II - Ao atribuir o direito de acção popular a “todos”, a lei permite que qualquer pessoa defenda interesses ou bens protegidos que não são apenas seus, mas de todos os neles interessados, pelo que o específico interesse processual do autor popular não é condicionado à existência de uma conexão substantiva entre o mesmo, individualmente considerado, e o bem tutelado, antes é originário, porque baseado na lei e radicado no direito fundamental dos cidadãos a participação na condução dos assuntos públicos. Contudo, só a integração na comunidade de “interesses” visados pela acção permite assegurar a legitimidade popular e o interesse em agir, ainda que, em determinadas situações, tal interesse radique em qualquer cidadão, como sucede, p. ex., com a defesa do domínio publico. [6] Estas ações não integram uma espécie processual próprio (art.º 10º do CPC), antes constituindo um meio processual de regulamentação do exercício do “direito de participação procedimental e de ação popular”, como resulta claramente da Lei. Aliás, de acordo com o art.º 12º nº 2 da LAP, a ação popular civil pode revestir qualquer das formas previstas no Código de Processo Civil. [7] Art.º 52º nº 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP). [8] Usamos aqui a definição de Miguel Teixeira de Sousa, “A tutela jurisdicional dos interesses difusos no Direito Português”, pág. 6/7, disponível em https://www.academia.edu/6481140/TEIXEIRA_DE_SOUSA_M_A_tutela_jurisdicional_dos_interesses_difusos_no_direito_portugu%C3%AAs_v_20_3_2014 [9] “Algumas Notas sobre os Interesses Difusos o Procedimento e o Processo”, in Estudos em Memória do Professor Doutor João de Castro Mendes, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, pág. 661. [10] Artigo citado, pág. 14. [11] Obra citada, pág. 36. [12] Corroborando o que vem de ser dito, e apesar de não ser obrigatório, nem constituir ónus do Autor, exprimir o “pedido” de citação, o certo é que constitui a prática em todos os profissionais do foro quando terminam as suas petições iniciais. No caso, os Autores apenas pedem a citação da Ré A..., esquecendo a citação dos “titulares dos interesses em causa”, não intervenientes na ação para, querendo, passarem a intervir no processo (art.º 15º da LAP). [13] Teixeira de Sousa, artigo citado, pág. 29/30.