CONTRATO DE CONCESSÃO
INDEMNIZAÇÃO DE CLIENTELA
Sumário

I. Sob pena de rejeição do recurso da decisão de facto, na impugnação desta o Recorrente tem um triplo ónus: (i) concretizar os factos que impugna, (ii) indicar os concretos meios de prova que justificam a impugnação e impõem uma decisão diversa, sendo que caso tenha havido gravação daqueles deve o Recorrente indicar as passagens da gravação em que funda a sua discordância, e (iii) especificar a decisão que entende dever ser proferida quanto à factualidade que impugna.
II. Enquanto contrato de distribuição, o contrato de concessão constitui um contrato-quadro, de natureza duradoura e complexa, nos termos qual alguém – o concedente – reserva a outro – o concessionário – a venda de um ou diversos produtos daquele, tendencialmente numa determinada área geográfica, prosseguindo o concessionário tal atividade de revenda em seu próprio nome e por sua conta, conforme indicações e controlo do concedente.
III. O contrato de concessão comercial é atípico, termos em que a sua regulação jurídica decorre do estipulado pelas partes na sua liberdade contratual, do direito dos contratos e das obrigações em geral, assim como do regime legal aplicável a casos análogos, designadamente das regras relativas ao contrato de agência.
IV. Por força da aplicação analógica in casu das regras do contrato de agência, a indemnização de clientela na situação vertente pressupõe a ocorrência cumulativa de três requisitos, a saber: (i) que a concessionária tenha angariado novos clientes ou aumentado substancialmente o volume de negócios, (ii) que a concedente venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da atividade desenvolvida pela concessionária e (iii) que a concessionária deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes referidos em (i). 

Texto Integral

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I.
RELATÓRIO.
A A., J. M. ESTIVEIRA, LDA., intentou ação declarativa com processo comum contra a R., PETRÓLEOS DE PORTUGAL – PETROGAL, SA., pedindo que seja
«a) Reconhecido a existência de Contrato de Concessão Comercial celebrado entre as partes, entre 12 de Junho de 1987 e 11 de Maio de 2020;
b) A Ré condenada no pagamento a favor da Autora, a título de indemnização de clientela, no montante de €234.468,74 (…);
Ao que deverão acrescer juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento».
Como fundamento do seu pedido, a A. alegou, em suma, que no âmbito das respetivas atividades comerciais, em 12.06.1987 A. e R. celebraram entre si um contrato designado de revenda de gases de petróleo liquefeitos, nos termos do qual a R. concedeu à A. o direito de vender na área do concelho de Silves os gases butano e propano fornecidos em garrafas da R., tornando-a revendedora em primeira linha e em exclusivo de todo o gás liquefeito da R. naquele concelho.
Referiu também que em virtude daquele contrato a A. criou e manteve uma rede de revendedores de segunda linha, exclusivamente para os produtos da R., sendo que até à data da celebração do contrato inexistia qualquer cliente de botijas de gás da R. na zona geográfica de Silves e foi a A. que despoletou diversas campanhas de angariação de clientela, consolidando-se no mercado do concelho de Silves como distribuidora exclusiva de gás “GALP”, bem como contratou trabalhadores e deu-lhes formação, assim como procedeu a diversos investimentos de modo a melhor implementar o contrato celebrado entre as partes.
Mencionou ainda que em 04.03.2020 a R. enviou à A. uma carta na qual denunciou o referido contrato, com efeitos a 11.05 seguinte, tendo ao tempo angariado um novo concessionário, o qual tem como clientes aqueles que haviam sido angariados e fidelizados pela A., sendo que esta tinha um volume de faturação mediano de €234.468,74 anual, valor que a A. peticiona à R., a título de indemnização de clientela.
A R. apresentou contestação, alegando, em síntese, que o contrato referido pela A. não conferia a esta a exclusividade da venda do gás, mencionando igualmente que à data da celebração daquele contrato já era comercializado gás da R. no concelho de Silves e que a própria R. fez um enorme investimento na promoção da marca GALP.
Referiu também que a denúncia do contrato decorreu de quebra da venda de gás por parte da A. e da circunstância dos responsáveis desta terem passado a colaborar com uma concorrente da R., a CEPSA, atuando, assim, a A. em manifesta deslealdade para com a R. e em prejuízo desta, sendo que a A. interpôs, entretanto, uma ação contra a R. a fim de obter o reconhecimento da aquisição do direito de superfície e propriedade de imóveis edificados em parcela de terreno onde se encontra um posto de combustível GALP.
Mencionou ainda que a R. perdeu praticamente todos os clientes que tinha, na medida em que os mesmos foram transferidos para a marca concorrente CEPSA, pelo que muito pouco benefício retirou do trabalho de angariação efetuado pela A.
Nestes termos, concluiu pedindo que o pedido seja considerado improcedente e a R. absolvida do pedido.   
Foi dispensada a audiência prévia, proferido saneador, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento.
O Juízo Central Cível de Lisboa proferiu sentença do seguinte teor:
«julgo a presente acção improcedente, por não provada e, consequentemente absolvo a ré dos pedidos contra ela formulados».
Inconformada com tal decisão, dela recorreu a A., a qual apresentou as seguintes conclusões:
«I. Resulta da motivação constante da douta sentença recorrida que a decisão em crise foi tomada perante os factos que o Tribunal a quo considerou não provados constantes das alíneas g), h), i), j) e k), e que não permitiram concluir que se encontra preenchido o requisito do direito a indemnização de clientela a que se reporta a alínea b) do n.º 1 do art.º 33 do DL. n.º 178/86, de 3 de julho.
II. Concretamente, considerou o Tribunal a quo que não se pode concluir que a Ré, ora recorrida, se aproveitará da clientela angariada pela Autora, nem, consequentemente, que irá beneficiar, por si ou através do novo concessionário, da atividade desenvolvida pela Autora durante a vigência do contrato de concessão em causa, no plano da angariação de clientes na área que atuação que anteriormente pertencia à Autora.
III. Porém, salvo o devido respeito, cremos que tal entendimento resulta de um incorreto julgamento da matéria de facto assente bem como de erro na apreciação dos factos controvertidos à luz das regras da experiência.
IV. E ainda, de uma interpretação e aplicação imprópria do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 33.º do DL. n.º 178/86, de 3 de julho.
V. Quanto à matéria de facto que se impugna e que se limita à factualidade dada por não verificada nas alíneas i), j) e k), a Recorrente considera que após análise critica e pormenorizada das gravações da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, impõe-se uma decisão alternativa.
VI. Iniciando-se pelos depoimentos das testemunhas LP e AJZ e AC, todos trabalhadores da Ré nos últimos anos de execução contratual com a Autora, resulta provado, de forma sintetizada, cuja indicação exata das passagens das gravações que consta do artigo 14.º das alegações que:
• A Autora dispunha de clientes institucionais (contratualizados pela Ré a nível nacional) e que os mesmos representavam uma percentagem aproximada de 25% da sua carteira de clientes na zona geográfica de Silves; (entre o minuto 07:00 e o minuto 07:50 da gravação nº 220230203140954_20203561_2871029) e (entre o minuto 07:32 e o minuto 09:00 da gravação 20230203151416_20203561_2871029).
• Alguns dos clientes gás GALP da Autora passaram para os novos revendedores. (entre o minuto 17:20 e o minuto 17:39 da gravação 20230203151416_20203561_2871029).
• Pelo facto da Autora ter sido parceira de negócio da Ré, terá transferido alguns clientes para a marca CEPSA, tendo-se verificado uma quebra de vendas nos últimos meses do contrato de aproximadamente 15% (entre o minuto 16:00 e o minuto 16:21 da gravação 20230203151416_20203561_2871029)
• Quanto ao atual estado das vendas de gás GALP na região em causa, as mesmas não aumentaram, mas a respetiva queda natural provocada pelo mercado não se sente de forma tão acentuada. (entre o minuto 15:30 e o minuto 16:00 da gravação 20230203145117_20203561_2871029).
VII. Os depoimentos das testemunhas supramencionadas, permitiriam ao Tribunal a quo, inferir uma conclusão diversa que necessariamente influiria na matéria factual que ora se impugna.
VIII. Designadamente que, se do universo dos clientes da Autora, 25% correspondem a “clientes institucionais” angariados pela Ré, os restantes 75% foram angariados pela Autora.
IX. E ainda que, se no final do contrato de concessão se verificou uma quebra de 15%, data em que se poderá conceber que alguns dos clientes de gás GALP passaram a consumir gás de outras marcas exploradas pelos representantes da Autora, significa que 60% dos clientes se mantiveram fidelizados à marca de gás GALP.
X. Segmentos de cálculo que nos permitem concluir que a Ré manteve pelos menos 60% do volume de vendas que a Autora vinha a apresentar.
XI. Prosseguindo com o depoimento da testemunha PC, revendedor de gás GALP que veio assumir o mercado da zona geográfica de atuação da Autora, resulta também provado, conforme indicação exata das passagens das gravações, constante do artigo 23.º das alegações, que:
• O novo revendedor substituiu a Autora na zona geográfica do Concelho de Silves, e que abriu a sua loja em maio/junho de 2020. (minuto 02:55 da gravação 20230203154736_20203561_2871029)
• Posteriormente fechou a loja ao público e manteve as vendas apenas através de contacto telefónico que se encontra afixado na porta de entrada. (entre o minuto 06:00 e o minuto 06:50 da gravação 20230203151416_20203561_2871029)
XII. Relativamente ao depoimento desta testemunha, a Recorrente considera, salvo o devido respeito, que o mesmo não mereceu o olhar atento e a passagem pelo crivo da justiça, quanto à factualidade que revela.
XIII. Posto que, segundo as regras da experiência e da lógica, não se crê que o novo revendedor não tenha beneficiado da clientela angariada pela Autora, e simultaneamente, que não mantenha portas abertas ao público, com atendimento e profissionais inseridos no mercado, por forma a perscrutar a angariação de clientela.
XIV. Outrossim, perante tal afirmação da testemunha, constata-se que a Ré, através do seu novo revendedor, não precisou de efetuar qualquer campanha de angariação de clientela, nem de manter uma loja aberta, uma vez que os clientes já estavam fidelizados à marca e necessitavam apenas de um contacto telefónico para adquirirem gás da marca GALP.
XV. Por último, atente-se ao depoimento da testemunha CT, cliente de gás GALP angariado pela Autora e que passou para a Ré, donde resulta provado, conforme indicação exata das passagens das gravações, constante do artigo 27.º das alegações, que:
• Foi a Autora que o angariou para a marca GALP gás, posto que anteriormente adquiria gás REPSOL.
• Comprou gás GALP à Autora durante 6 anos, e que quando a mesma deixou de ser revendedora, passou a adquirir gás da mesma marca ao novo revendedor. (entre o minuto 02:00 e o minuto 05:57 da gravação 20230203114548_20203561_2871029)
XVI. O referido depoimento permite observar a conclusão de que a Ré terá beneficiado de clientes angariados pela Autora.
XVII. Perante a prova constante das gravações supra identificadas, impõe-se uma decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, designadamente, a alteração da factualidade não provada a alíneas i), j) e k), para factualidade dada por provada, nos seguintes termos:
i). Que os consumidores do novo revendedor GALP foram, na sua maioria, clientes angariados e fidelizados pela Autora a favor da Ré;
j). A maioria dos clientes fidelizados à marca GALP, deixou de aceder aos pontos de venda ao publico da A. para adquirir gás de petróleo liquefeito
k). A clientela fidelizada passou a adquirir os bens ao novo concessionário da Ré.
XVIII. Considera ainda a Recorrente, que fez-se na douta sentença recorrida, salvo o devido respeito, incorreta interpretação dos factos e menos acertada aplicação e interpretação do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 33.º do DL. n.º 178/86, de 3 de julho.
XIX. Resulta da matéria de facto provada a pontos 6.,7.,10.,11.12.14.15.16.19. a 24., que durante a extensa relação contratual, a Recorrente teve um papel preponderante na consciencialização da marca e no estabelecimento da sua notoriedade naquela região.
XX. Posto que, a marca GALP foi criada no ano de 1976, e a Autora passou a ser concessionária de gás GALP na zona geográfica de Silves no ano de 1987.
XXI. Certamente se concluirá que durante 37 (trinta e sete) anos enquanto concessionária de gás GALP a prestar serviços de atendimento, assistência e distribuição, terá contribuído para exponenciar o alcance da marca e bem assim o número de fidelizações à mesma.
XXII. Do mesmo modo, a Recorrente angariou uma rede de revendedores de 2.ª linha que se mantiveram a trabalhar na revenda de gás da marca da Recorrida.
XXIII. E por último, os volumes de vendas da Recorrente são verdadeiros índices objetivos integradores da angariação de clientela, que para além de resultantes da prova testemunhal produzida, são ainda sustentados pela prova documental junta a documento n.º 9 da petição inicial (balancetes dos últimos 5 anos de atividade).
XXIV. Como se vê, resulta provado que a Recorrida só poderá beneficiar da extensa relação contratual que manteve com a Recorrente, não só de forma emergente, como também futura.
XXV. De resto, menos acertadamente andou o Tribunal a quo, com todo o respeito que lhe é devido, ao interpretar o conceito de “benefício considerável” previsto na al. b) do n.º 1 do supracitado normativo, de forma restritiva, segundo o seu significado literal, permitindo dessa forma que o espírito da lei ficasse aquém da sua letra.
XXVI. Na verdade, é reconhecido pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que não será de exigir que se registem benefícios no património da Recorrida, basta aferir um juízo de prognose sobre a verosimilhança, ou probabilidade de concretização desse benefício ou vantagem. Vide a título de exemplo, Acs. STJ no proc. 04B545, relator (Araújo Barros), de 31-03-2004 e Ac. do STJ, relator (Abrantes Geraldes), no proc. 99/05.3TVLSB.L1.S1, de 17-05-2012, consultável in www.dgsi.pt.
XXVII. Afigurando-se, assim, na opinião da Recorrente e salvo devido respeito, que através da sentença recorrida, foi perpetrado um erro de apreciação dos factos controvertidos à luz das regras da experiência e da prova veiculada e uma interpretação e aplicação menos acertada do disposto na al. b) do n.º 1 do art.33 do DL. n.º 178/86, de 3 de julho.
XXVIII. Consequentemente, deverão ser alterados para provados os factos constantes das alíneas i) e k) da factualidade dada por não provada pela douta sentença recorrida, nos seguintes termos:
i). Que os consumidores do novo revendedor GALP foram, na sua maioria, clientes angariados e fidelizados pela Autora a favor da Ré;
j). A maioria dos clientes fidelizados à marca GALP, deixou de aceder aos pontos de venda ao publico da A. para adquirir gás de petróleo liquefeito;
k). A clientela fidelizada passou a adquirir os bens ao novo concessionário da Ré;
e ainda,
Deverá ainda ser aditado um novo ponto à factualidade dada por provada, nos seguintes termos:
35. A atividade desenvolvida pela Autora durante 37 (trinta e sete) anos, enquanto concessionária de gás GALP, produziu benefícios consideráveis atuais na esfera patrimonial da Ré, prevendo-se também que possam ocorrer no futuro.
XXIX. Pugna-se assim pela prolação de acórdão que, emanado dos Venerandos Juízes Desembargadores, revogue a decisão recorrida, e, em consequência, determine a alteração das respostas à matéria de facto nos termos sobreditos, e a verificação, cumulativa, dos três requisitos contidos nas alíneas do n.º 1 do art.º 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86, revogando-se a decisão do Tribunal de 1.ª instância, e a sua substituição por decisão que julgue totalmente procedente a ação intentada pela Autora/Recorrente contra a Ré/Recorrida;
E, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!».
A R. contra-alegou, sustentando a manutenção da sentença recorrida.
Colhidos os vistos, cumpre ora apreciar a decidir.
II.
OBJETO DO RECURSO.
Atento o disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPCivil, as conclusões do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de questões que devam oficiosamente ser apreciadas e decididas por este Tribunal da Relação.
Nestes termos, atentas as conclusões deduzidas pela Recorrente, não havendo questões de conhecimento oficioso a apreciar, nos presentes autos está em causa apreciar e decidir:
. Da impugnação da decisão de facto;
. Do contrato celebrado entre as partes;
. Do direito a indemnização de clientela.
Assim.
III.
DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
(Conclusões I. a III., V. a XVII., XIX a XXIV e XXVIII das alegações de recurso da A.). 
A Recorrente impugna a decisão de facto quanto aos factos dados como não provados com as alíneas i. a k., entendendo que tal factualidade deve ser dada como provada.
Entende igualmente que deve ser deve ser aditada à factualidade apurada um novo facto.
Vejamos.
1. Segundo o disposto no artigo 640.º, n.º 1 e 2, alínea a), do CPCivil,
«1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes».
Ou seja, sob pena de rejeição do recurso da decisão de facto, na impugnação desta o Recorrente tem um triplo ónus: (i) concretizar os factos que impugna, (ii) indicar os concretos meios de prova que justificam a impugnação e impõem uma decisão diversa, sendo que caso tenha havido gravação daqueles deve o Recorrente indicar as passagens da gravação em que funda a sua discordância, e (iii) especificar a decisão que entende dever ser proferida quanto à factualidade que impugna.
Como refere Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, edição de 2018, páginas 163 e 169, o legislador optou «por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente», sendo que as exigências decorrentes do apontado regime legal «devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor.  Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo (…)».
2. No caso vertente.
Estão em causa alegados benefícios da R., aqui Recorrida, após a cessação do contrato em causa e em virtude de atividade anteriormente desenvolvida pela A., ora Recorrente.
Apreciemos.
1. Dos factos das alíneas i., j. e k. dados como não provados.
Em tal domínio o Tribunal recorrido deu como não provado que:
«i. (…) os consumidores do novo revendedor GALP sejam, na sua maioria, clientes angariados e fidelizados pela Autora a favor da Ré.
j. A maioria dos clientes fidelizados à marca GALP, deixou de aceder aos pontos de venda ao público da A. para adquirir gás de petróleo liquefeito.
k. A clientela fidelizada passou a adquirir os bens ao novo concessionário da ré».
O Tribunal recorrido fundamentou tal factualidade nos seguintes termos:
«No que respeita aos factos não provados assim se consideraram por não ter sido feita prova suficiente ou ter sido feita prova em contrário.
(…)
Consideraram-se não provados os factos referidos em g), j) e K) já que resultou do depoimento das testemunhas MC e JL referiram que quando passaram a vender CEPSA, alguns clientes mantiveram-se fiéis à marca GALP mas muitos continuaram a comprar-lhes CEPSA. Do depoimento destas testemunhas é claro que, embora a sociedade que vende CEPSA não seja a A., a confusão existe, decorrendo destes depoimentos que deixaram de vender GALP e passaram a vender CEPSA, como se da mesma entidade se tratasse. (…)».
(Negrito da autoria dos aqui subscritores).
A Recorrente entende que tais factos devem ser tidos como provados com fundamento no depoimento das testemunhas LP, AJZ, AC, PC e CT, cujos excertos transcreve.
Por sua vez, a Recorrida entende que a factualidade em causa deve permanecer como não provada, referindo que as transcrições da Recorrente não fundamentam a pretendida alteração da decisão de facto. 
Ora, da simples leitura dos excertos do depoimento das testemunhas indicadas pela Recorrente não se vislumbra que resultem elementos que imponham decisão de facto diversa da tomada pelo Tribunal Recorrido, não colocando a Recorrente minimamente em crise a apreciação feita pelo Tribunal recorrido na matéria em causa.
Com efeito, estando em causa basicamente saber se a clientela das botijas de gás GALP da A. transitou para o novo revendedor da R. no concelho de Silves, os excertos apontados pela Recorrente não são concludentes em tal matéria, infirmando a decisão recorrida:
. Do transcrito excerto do depoimento da testemunha LP decorre que (i) os «clientes especiais» contratados pela R. representavam uma percentagem de «20 a 25%» das vendas da A., (ii) esta «não tinha muito consumo», (iii) registando uma quebra de vendas de «159 toneladas» em «2016» para «132 toneladas» em 2019», pelo que «fez parte do processo de otimização» da R., sem que daí resultem elementos relativamente à transição de clientes em causa; 
. Da parte do depoimento da testemunha AJZ transcrita pela Recorrente decorre que (i) os «clientes especiais» contratados pela R. representavam uma percentagem de «26%», «mais de um quarto», das vendas da A., (ii) «alguns» «clientes« da A. «passaram para os novos revendedores»  e (iii) «nos últimos meses» houve uma diminuição da ordem dos «15%» nas vendas de botijas da R., sem que daí se possa concluir que os restantes 59% correspondam a vendas efetuadas pelo novo concessionário da R. a antigos clientes angariados pela A., sendo que do ponto de vista da lógica tal não pode sem mais ser inferido a partir de tais transcrições;
. Do transcrito excerto do depoimento da testemunha AC resulta que a A. «apresentava uma quebra [de vendas] superior ao mercado», o que nada aduz em matéria de transição de clientes entre a A. e a nova revendedora de gás da R.;
. Do depoimento transcrito do depoimento da testemunha PC decorre que (i) o novo concessionário ficou «com 2 ou 3 ou 4, no máximo,» «clientes» da A., (ii) os quais «têm de ir lá à loja retirar o número [de telefone do novo concessionário], (iii) até porque (…) a loja» do mesmo encontra-se «fechada, a funcionar, mas está fechada», o que contraria a posição sufragada pela Recorrente no sentido de uma significativa transferência da sua clientela para o novo concessionário; embora se desconheça o número de clientes de gás da Recorrida no concelho de Silves antes e depois da cessação do contrato das partes, considerando o volume de faturação em causa, da ordem dos €230.000,00, tudo aponta para que os 2, 3 ou 4 clientes transferidos para o novo concessionário constituam um número assaz pouco expressivo;
. Do transcrito depoimento da testemunha CT decorre que o mesmo (i) começou a comprar «Galp por intervenção» da A. e (ii) continuou «a comprar Galp» após a alteração do concessionário, pois «tinha clientes que compravam Galp», o que se configura insuficiente para concluir como pretende a Recorrente quanto a uma significativa transferência da sua clientela para o novo concessionário da R.         
Diversamente do entendimento da Recorrente, também a conjugação entre si daqueles elementos probatórios não permite a conclusão pretendida pela Recorrente no domínio ora em apreço.
Se é certo que cerca de 25% da clientela GALP da Recorrente não foi por si angariada e que 15% da mesma transitaram para a CEPSA ou perderam-se no mercado, não é possível concluir sem mais, a partir dos excertos dos depoimentos indicados pela Recorrente, que os restantes 60% da sua clientela transitou para o novo concessionário da R. do concelho de Silves.
Tal dedução teria que decorrer do aditamento de outros elementos probatórios para se tornar plausível perante as regras da lógica e da experiência comum, tanto mais que a Recorrente não contrariou minimamente o firmado pelo Tribunal recorrido na matéria em causa: «do depoimento das testemunhas MC e JL» decorre que «alguns clientes mantiveram-se fiéis à marca GALP mas muitos continuaram a comprar-lhes CEPSA», o que justifica que a matéria em causa seja dada como não provada.
Não se olvide que era a A. que tinha o ónus de provar tal factualidade, conforme artigo 342.º, n.º 1, do CCivil e de todo o modo «[a] dúvida sobre a realidade de um facto (…) resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita», conforme artigo 413.º do CPCivil.
Improcede, pois, nesta parte o recurso.
2. Do pretendido aditamento de um facto.
Nesta sede a Recorrente requer que se adite aos factos provados o seguinte:
«35. A atividade desenvolvida pela Autora durante 37 (trinta e sete) anos, enquanto concessionária de gás GALP, produziu benefícios consideráveis atuais na esfera patrimoniais da Ré, prevendo-se também que possam ocorrer no futuro».
Na matéria, a Recorrente invocou os factos provados 6., 7., 10., 11., 12., 14., 15., 16 e 19 a 24., bem como o documento n.º 9 da petição inicial, relativo aos balancetes dos últimos 5 anos de atividade da Recorrente, de 2015 a 2019, matéria esta que já consta do facto provado n.º 26.
Ora, do apontado documento e daqueles indicados factos não decorre a factualidade que a Recorrente pretende aditar.
Dos referidos balancetes não se vislumbra que possam inferirem-se «índices integradores da angariação de clientela» de botijas de gás da A., sendo que a relação dos «volumes de vendas» com aquela «angariação» não foi minimamente explicitada pela Recorrente, tanto mais que não ficou demonstrado que foi a A. que iniciou a introdução de gás da A. no mercado algarvio e que foi aí pioneira na implementação da respetiva rede de clientes, bem como não ficou provado que os clientes da A. tenham sido, na totalidade, angariados pela A., e que a R. manteve toda a clientela angariada pela A., bem como o volume de negócios diretamente produzido por esta, tudo conforme factos não provados nas alíneas b., c., d. e h.
De todo o modo o facto cujo aditamento se pretende é manifestamente vago, carecendo de concretização a expressão «benefícios consideráveis», termos em que só por si também não poderia ser aditado aos factos provados.
Improcede também nesta sede o recurso.
*
* *
Em função do exposto, este Tribunal da Relação de Lisboa tem, pois, como provada a seguinte factualidade:
1. A Autora é uma sociedade por quotas que se dedica ao comércio a retalho de combustível para veículos a motor, em estabelecimentos especializados (doc. 1);
2. A Ré é uma sociedade anónima que se dedica a:
a) A refinação de petróleo bruto e seus derivados,
b) O transporte, distribuição e comercialização de petróleo bruto e seus derivados e de gás natural,
c) A pesquisa e exploração de petróleo bruto e de gás natural,
d) A produção, transporte e distribuição de energia elétrica e térmica proveniente de sistemas de cogeração e energias renováveis, incluindo a conceção, construção e operação de sistemas ou instalações,
e) quaisquer outras atividades industriais, comerciais, de investigação ou de prestação de serviços conexas com as referidas nas alíneas anteriores, bem como a prestação de serviços de gestão e administração a outras sociedades com as quais se encontre, direta ou indiretamente, em relação de capital”;
3. A 12 de junho de 1987, a Autora, à data representada por JE, seu sócio e gerente, celebrou com a Ré um contrato designado de Revenda de gases de petróleo liquefeitos – G.P.L., (doc. 2);
4. Nos termos do referido contrato, a Ré concedeu à Autora o direito de vender na área geográfica definida por Concelho de Silves (…) os gases butano e propano (GalpGás) fornecidos em garrafas;
5. A Autora, com a celebração do contrato, passou a realizar a atividade de revenda de gases de petróleo liquefeitos – GPL-, bem como desenvolveu paralelamente a exploração de posto de combustíveis fósseis tradicionais, nessa mesma zona, com a marca da Ré (“GALP”);
6. Pela exploração de postos de combustíveis, com revenda de toda a linha de combustíveis petrolíferos liquefeitos da Ré, a Autora tornou-se a revendedora de primeira linha exclusiva, de todo o gás liquefeito da Ré no Concelho de Silves;
7. Em acréscimo ao posto de combustíveis supra identificado, a Autora criou uma rede de revendedores de segunda linha, exclusivamente para os produtos petrolíferos da Ré;
8. As condições de comercialização, distribuição e faturação do contrato seriam fixadas pela Ré, através de carta circular, modificáveis a todo o tempo, nos termos da cláusula 4.ª do contrato;
9. A Autora obrigou-se a cumprir todas as instruções da Ré respeitantes ao modus operandi da atividade subjacente ao contrato celebrado;
10. A Autora comercializava o gás em garrafas na sua área geográfica prestando aos clientes – consumidores finais- a assistência de que estes careciam;
11. Durante a vigência do contrato a Autora despoletou diversas campanhas de angariação de clientela;
12. No âmbito do contrato celebrado com a Ré a Autora alocou dois funcionários à atividade de venda de gás de petróleo liquefeito;
13. Um desses funcionários realizou cursos deformação, que visaram, no essencial, adquirir prática e conhecimentos no manuseamento de garrafas e utilização de empilhadores, bem como de segurança e ambiente no trabalho, a expensas totais da Autora;
14. Com o crescimento da atividade de revenda de gás de petróleo liquefeito da marca detida pela Ré, a Autora viu-se obrigada a encontrar um parque para o respetivo armazenamento;
15. Facultando um terreno da propriedade da sua atual sócia e gerente (doc. 6) e suportando as despesas de licenciamento necessárias;
16. Em dezembro de 2019 a Autora celebrou contrato de locação financeira de uma máquina empilhadora, afeta ao armazenamento e acondicionamento de garrafas de gás destinadas a revenda, no valor de 25.386,01€. – doc. 7;
17. Com data de 4 de março de 2020 a Ré enviou à Autora carta registada com aviso de receção pela qual comunicou que: “Vimos por este meio denunciar o contrato de revenda de gases de petróleo liquefeitos – G.P.L. celebrado entre a (então apelidada) Petróleos de Portugal, E.P.- Petrogal (“Petrogal”) e a V. Sociedade (doravante, abreviadamente, “contrato”).
Deste modo, nos termos da n.º 2 da cláusula 19ª desse contrato, o mesmo cessará os seus efeitos no próximo dia 11 de maio de 2020.”;
18. A Autora tomou conhecimento de que a Ré havia contratualizado com um novo revendedor para a zona geográfica de ação, através da publicação de PC, sócio da sociedade José Bentes Costa, Lda., na plataforma Facebook, no dia 14 de março de 2020 – doc. 8;
19. A Autora consolidou a marca GALP no mercado na zona geográfica de Silves;
20. Instalou uma loja, localizada no centro de Silves, convenientemente identificada com a marca a Ré, dispondo de ponto de comercialização de gás engarrafado;
21. Obteve todos os meios necessários à distribuição domiciliária de gás marca “GALP”;
22. Operando todos os dias da semana, dispondo de atendimento telefónico, uma funcionária administrativa e dois funcionários alocados exclusivamente ao referido serviço;
23. Estando ao serviço da Autora desde 1996 e 2007, respetivamente;
24. A Autora desenvolveu estratégias comerciais em prol da promoção dos produtos que fornecia, dirigindo ações de marketing, com ofertas de bens e serviços;
25. O novo revendedor da Ré procedeu à abertura de loja em Silves, próxima do ponto de venda da Autora, assegurando a revenda e distribuição de gás GALP aos respetivos consumidores;
26. A faturação da Autora, exclusiva da revenda de gás da Ré cifra-se em: 2015 - 233.036,80€; 2016 - 219.009,61€; 2017 – 257.421,87€; 2018 – 243.037,24; 2019 – 219.838,17€. (doc. 10);
27. Com data de 01 de março de 2021 a Autora enviou missiva à Ré informando-a da sua pretensão em ser beneficiária de indemnização de clientela – doc. 11 que aqui se dá por reproduzido;
28. A autora em 2010 vendeu 422 toneladas de gás liquefeito; em 2015 vendeu 162 toneladas, em 2019 vendeu 132 toneladas;
29. A partir do ano de 2019 os responsáveis da Autora passaram a colaborar com a concorrente da ré, CEPSA, através da sociedade “Referência D’ Êxito”, a qual tem como gerente Carla Isabel Estiveira, gerente da Autora – Docs. 3, 4 e 5 da contestação;
30. De acordo com a cláusula quinta do contrato celebrado entre A. e R. “O REVENDEDOR obriga-se a não comercializar direta ou indiretamente gases de petróleo liquefeitos que não sejam fornecidos pela Petrogal.”;
31. As garrafas de gás da CEPSA eram armazenadas no mesmo parque que a Autora utilizava para armazenar as garrafas de gás da GALP;
32. No ano de 2019 a Autora intentou ação judicial contra a Ré, que corre termos no Tribunal Judicial de Silves sob o n.º 537/19.8T8SLV, na qual peticiona o reconhecimento da aquisição do direito de superfície e da propriedade dos imóveis identificados na parcela de terreno onde se encontra o posto de combustível GALP da Cidade de Silves (explorado pela Autora), pedindo que seja ordenado o cancelamento do registo do direito de superfície da Ré. (docs. 7 e 8);
33. Por carta datada de 06 de agosto de 2019 a Ré interpelou a Autora para sanar as situações de incumprimento, ou seja, a inobservância da média mensal de vendas de 14 toneladas e o facto de estar a comercializar gases de petróleo liquefeito que não eram fornecidos pela Ré, aí se referindo “privilegiando a Petrogal a manutenção da relação comercial com os seus parceiros de negócio, vem pela presente conceder a V. Exas o prazo máximo de 8 (oito) dias para sanar as situações de incumprimento, sob pena de se ver mesmo forçada a resolver o contrato, com todos os efeitos daí decorrentes” (doc. 9);
34. A tal missiva a Autora respondeu por carta de 14.08.2019 (doc. 10 da contestação que aqui se dá por reproduzida);
*
Este Tribunal da Relação de Lisboa considera que não ficou provado que:
a. Por nunca terem existido quaisquer problemas ao longo das 3 décadas de relação comercial mantida entre as partes, a Autora não compreendeu a motivação da Ré para a rescisão do contrato;
b. A Autora iniciou a introdução da venda de gás “GALP” no referido mercado algarvio, em regime de exclusividade;
c. A Autora na pessoa do seu anterior sócio gerente, foi pioneira enquanto coadjuvante na implementação da marca “GALP” no Concelho de Silves, tendo sido esta a criar a respetiva rede nos moldes ambicionados pela Ré;
d. Até ao início do contrato celebrado entre as partes a Ré não tinha, nessa região, qualquer cliente e/ou faturação proveniente de venda de gás liquefeito em garrafas;
e. Os funcionários da Autora estavam habilitados com o curso de técnico de gás, prontos a prestar um serviço de piquete 24horas, sendo capazes de proceder a intervenções de emergência;
f. Os clientes angariados ao longo dos anos pela Autora, têm vindo a manter uma sólida relação com esta;
g. A Ré manteve toda a clientela angariada pela Autora, bem como o volume de negócios diretamente produzido por esta;
h. Os clientes da Autora tenham sido, na totalidade, angariados pela Autora a favor da Ré;
i. Que os consumidores do novo revendedor GALP sejam, na sua maioria, clientes angariados e fidelizados pela Autora a favor da Ré;
j. A maioria dos clientes fidelizados à marca GALP, deixou de aceder aos pontos de venda ao público da Autora para adquirir gás de petróleo liquefeito;
k. A clientela fidelizada passou a adquirir os bens ao novo concessionário da Ré;
l. Os funcionários adstritos às funções decorrentes da relação comercial entre Autora e Ré. deixarão de poder exercer funções;
m. Pelo que serão indemnizados pela cessão antecipada dos contratos em valor previsível de aproximadamente €25.000,00;
n. Os clientes pertencentes ao grupo SONAE mantinham uma relação direta com a Ré no que respeita à comercialização dos produtos desta, sem intervenção da Autora.
IV.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
(Conclusões IV., XVIII., XXV. a XXVII e XXIX das alegações de recurso da A.). 
Na presente ação a A., ora Recorrente, peticiona (i) o reconhecimento judicial da existência de um contrato de concessão comercial celebrado entre as partes, bem como (ii) a condenação da R., aqui Recorrida, no pagamento de uma indemnização de clientela.
Vejamos.
1. Do contrato celebrado entre as partes.
A decisão recorrida, embora julgando a «ação improcedente, por não provada» e absolvendo «a R. dos pedidos contra ela formulados», reconheceu, contudo, a existência in casu de um contrato de concessão comercial, conforme decorre designadamente da respetiva página 15, 3.º parágrafo: «[n]o caso dos autos afigura-se que o contrato celebrado entre as partes foi um contrato de concessão comercial (…)».
A qualificação como tal do contrato em causa não foi objeto de recurso e, pois, configura-se pacífica entre as partes.
De todo o modo, na medida em que o Tribunal não está «sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito», conforme artigo 5.º, n.º 3, do CPCivil, diga-se que este Tribunal da Relação de Lisboa também considera estar-se no caso perante um contrato de concessão comercial.
Enquanto contrato de distribuição, o contrato de concessão constitui um contrato-quadro, de natureza duradoura e complexa, nos termos qual alguém – o concedente – reserva a outro – o concessionário – a venda de um ou diversos produtos daquele, tendencialmente numa determinada área geográfica, prosseguindo o concessionário tal atividade de revenda em seu próprio nome e por sua conta, conforme indicações e controlo do concedente.
Como refere Fernando A. Ferreira Pinto, Contratos de Distribuição, edição de 2013, página 61, «a dogmática portuguesa regista um alargado consenso acerca dos elementos qualificantes do tipo. Com efeito, a concessão é, entre nós, encarada como um contrato-quadro que dá origem a uma relação jurídica duradoura e complexa, nos termos da qual um empresário independente – o concedente – se obriga a vender a outro – o concessionário -, certos produtos ou categorias de produtos, vinculando-se este, por sua vez, a adquirir e a revender esses produtos, em seu nome e por sua conta, de acordo com directrizes formuladas pelo primeiro e sob a sua supervisão».
No mesmo sentido, explicitando, o acórdão do Supremo Tribunal de 28.09.2023, processo n.º 49/11.8TVLSB.L1.L1.S2, refere «(…) como traços caraterizadores do tipo concessão comercial:
 - o dever de venda/fornecimento dos produtos por parte do concedente;
 - o dever de aquisição dos produtos por parte do concessionário;
 - o dever de revenda do concessionário;
 - a atuação do concessionário em nome e por conta própria;
 - a autonomia jurídica do concessionário;
 - a estabilidade do vínculo contratual; e
 - a existência de obrigações/deveres secundários, através dos quais se efetua a integração do concessionário na rede ou cadeia de distribuição do concedente».
«Significa a “estabilidade do vínculo contratual” que se trata de um contrato duradouro, duma relação estável entre as partes e não duma relação/operação episódica: estamos perante contratos celebrados a prazo ou por tempo indeterminado».
«O dever de venda/fornecimento do concedente indica que este não pode recusar – pelo menos, sistematicamente – as ordens recebidas do concessionário, uma vez que, se o pudesse fazer, ficaria o concessionário privado do abastecimento de produtos e impedido de realizar a atividade de revenda. O fim do contrato – o escoamento pela venda dos produtos objeto da concessão – ao serviço da qual estão os interesses de ambos os contraentes, concedente e concessionário, exige um dever de venda a cargo do concedente (dever de venda que umas vezes resulta de expressa estipulação das partes e que, outras vezes, se extrai quer da previsão contratual de um direito de revenda quer da imposição ao concessionário de quantitativos mínimos de aquisição, ou seja, quando o contrato preveja a obrigação, para o concessionário, de aquisição de quantitativos mínimos, o concedente tem o dever de contratar até ao preenchimento desse montante)».
«O dever de aquisição do concessionário exprime, naturalmente, que o concessionário está obrigado a contratar/comprar os produtos ao concedente, dever de aquisição que é instrumental da obrigação de revenda (dever de aquisição que pode aparecer no contrato de concessão de várias formas: diretamente, mediante estipulação expressa de tal dever e/ou através de uma cláusula de aquisição de quantidades mínimas e, indiretamente, pela obrigação de revenda de uma determinada quantidade de produtos)».
«Dever de revenda do concessionário que mostra que ao concessionário cabe revender a terceiros os produtos adquiridos ao concedente, dever este o que constitui o vetor central do contrato – que enquadra o contrato nos instrumentos jurídicos da distribuição e cumpre a função económico-social ao serviço da qual o contrato se encontra».
«A atuação em nome e por conta própria significa que o concessionário é um comerciante/revendedor que conclui os negócios de venda em seu próprio nome e que atua no seu interesse (o concedente não é parte nos contratos de revenda, nem é mandante do concessionário)».
«A autonomia jurídica exprime que o concessionário é um comerciante independente, titular de uma estrutura empresarial de comercialização (do ponto de vista jurídico, concedente e concessionário conservam autonomia um em face do outro)».
«Finalmente, a existência de obrigações/deveres secundários, através dos quais se efetua a integração do concessionário na rede ou cadeia de distribuição do concedente, ou seja, a existência/estabelecimento de obrigações através dos quais o fornecedor/concedente exerce um certo controlo ou direção sobre a atividade do concessionário, através dos quais define e procura que seja executada uma sua determinada política comercial, o que pode implicar “o estabelecimento de regras sobre a organização e as instalações do concessionário, os métodos de venda, a publicidade, a assistência a prestar aos clientes, etc.” e, em consequência, a consagração de um certo controlo, fiscalização e monotorização do concessionário; sendo por causa da existência de tais obrigações que se diz que o contrato de concessão comercial pertence à categoria dos contratos de distribuição vertical integrada – à integração por contrato – em que a distribuição é levada a cabo por entidades juridicamente autónomas (em que a atividade de distribuição está externalizada), mas contratualmente vinculadas/subordinadas operativamente ao fornecedor».
Ora, in casu, considerando a factualidade dada como provada, designadamente a indicada de 1. a 9., por verificados os indicados elementos caracterizadores do contrato de concessão comercial, urge concluir que as partes encontram-se entre si vinculadas por um tal tipo contratual.            
2. Da indemnização de clientela.
O contrato de concessão comercial é atípico, termos em que a sua regulação jurídica decorre do estipulado pelas partes na sua liberdade contratual, do direito dos contratos e das obrigações em geral, assim como do regime legal aplicável a casos análogos, designadamente das regras relativas ao contrato de agência, cujo regime jurídico decorre do Decreto-Lei n.º 178/86, de 03.07, com as alterações do Decreto-Lei n.º 18/93, de 13 de abril.
Não se olvide, contudo, que a integração de lacunas com recurso à analogia pressupõe que «no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei», conforme artigo 10.º, n.º 2, do CCivil.
Como refere António Menezes Cordeiro, Direito Comercial, edição de 2019, páginas 799 a 801 «[o] contrato de concessão não tem base legal direta. Estamos perante uma figura assente na autonomia privada», sendo que «o seu regime resultará, antes de mais, da interpretação e da integração do texto que tenha sido subscrito pelas partes».
«No que as partes tenham deixado em aberto, haverá que recorrer à analogia. O direito comparado há muito estabelece, neste domínio o recurso ao regime da agência (…)».
«A doutrina (…) e a jurisprudências (…) nacionais têm acolhido esta indicação: a analogia com a agência é um instrumento fundamental para acudir a lacunas que surjam em concretos contratos de concessão».
«Particularmente relevantes são as regras relativas à cessação do contrato. A norma atinente à indemnização de clientela – o artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 178/76 – tem segura aplicação ao contrato de concessão (…): a jurisprudência confirma-o (…). De todo o modo, caso a caso haverá que verificar se existe analogia».    
Ora, segundo o referido artigo 33.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 178/76, na parte que aqui releva, «(…) o agente tem direito, após a cessação do contrato, a uma indemnização de clientela, desde que sejam preenchidos, cumulativamente, os requisitos seguintes:
a) O agente tenha angariado novos clientes para a outra parte ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente;
b) A outra parte venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo agente;
c) O agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes referidos na alínea a)».
Na situação em apreço.
O contrato celebrado entre as partes nada refere em matéria de indemnização de clientela por cessação do contrato e justifica-se a aplicação analógica do apontado regime do contrato de agência, por serem similares as situações relativas àquele contrato e o caso vertente, procedendo neste as razões que justificaram a regulamentação no contrato de agência em matéria de indemnização de clientela: em causa está, no fundo, compensar o concessionário, à semelhança do agente, dos benefícios que a outra parte continua a auferir, após a cessação do contrato, em razão de atividade desenvolvida pelo concessionário, tal como sucede com o agente, durante a vigência do contrato.
Nestes termos, a indemnização de clientela na situação vertente pressupõe, assim, a ocorrência de três requisitos:
. Que a concessionária, no caso a A./Recorrente, tenha angariado novos clientes ou aumentado substancialmente o volume de negócios;
. Que a concedente, aqui R./Recorrida, venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da atividade desenvolvida pela concessionária;
. Que a concessionária, no caso a A./Recorrente, deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes referidos em a). 
Tais requisitos são de verificação cumulativa, sendo que quanto ao último dos apontados requisitos, no AUJ n.º 6/2019, de 19.09.2019, in DR, I Série, de 04.11.2019, o Supremo Tribunal de Justiça uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos: «Na aplicação, por analogia, ao contrato de concessão comercial do n.º 1 do art.º 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86 de 3 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93 de 13 de Abril, inclui-se a respectiva alínea c), adaptada a esse contrato.».
Em particular quanto ao segundo dos apontados requisitos, alínea b) do referido artigo 33.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 178/86, transcrevendo aqui o que consta no referido AUJ, com negrito dos aqui subscritores, «importa considerar por benefício “toda e qualquer vantagem com relevo económico, todo e qualquer ganho que o aumento de procura suscitado pela actuação do agente seja apto a proporcionar ao principal”, de entre os quais se destaca a possibilidade de o principal continuar a auferir réditos provenientes das futuras transacções com os clientes que o agente angariou ou a obtenção de condições mais favoráveis na distribuição ou comercialização dos seus produtos (neste sentido, Carolina Cunha sobre a diversa natureza dos benefícios relevantes, obra citada, páginas 148 a 156)».
«Acentua-se, no entanto, ser insuficiente para satisfação deste requisito, um qualquer benefício, “exigindo -se especificamente um benefício considerável, o que implica que o ganho do principal tenha que revestir alguma dimensão”, encerrando um pressuposto essencial que assenta no “facto de a actividade do agente, embora enquadrada numa relação contratual duradoura, poder ter efeitos benéficos para a outra parte após a extinção dessa relação, justificando assim a compensação ao agente” (neste sentido, Luís Menezes Leitão, ob. cit., página 52), “não se mostra necessário que os benefícios a auferir pelo principal tenham já ocorrido, bastando que, de acordo com um juízo de prognose, seja bastante provável que eles se venham a verificar, isto é, que a clientela angariada pelo agente constitua, em si mesma, uma chance para o principal”, outrossim, “não se exige que seja o próprio principal a explorar directamente o mercado, podendo conseguir esses benefícios através de outro agente, de um concessionário, de uma filial, etc. O que interessa é que o principal fique em condições de continuar a usufruir da actividade do seu ex-agente, ainda que só indirectamente, v.g. através de outro intermediário” (neste sentido, Pinto Monteiro, Contrato de Agência, página 115)».
«Donde, importa ao concessionário demonstrar, tão-somente, a existência de uma chance de vantagens para o concedente, a inferir, nomeadamente, da alegação e prova do acréscimo de procura, isto é, “alicerçar um juízo de prognose favorável à obtenção de proveitos”, nas palavras de Carolina Cunha, in, ob. cit., página 170, sem prejuízo, como é meridiano concluir, que o concedente poderá pôr em causa a subsistência dessa chance, ou, como defende, Carolina Cunha, ob. cit., pág. 170, “Cabe ao agente provar que o principal pode vir a extrair benefícios do acréscimo de procura; cabe ao principal provar que não pode ou que (justificadamente) não vai extrair daí qualquer benefício — em síntese, infirmar a prognose sustentada pelo agente”, sendo este juízo de prognose, assim justificado em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Maio de 2012 (processo n.º 99/05.3TVLSB.L1.S1), in www.dgsi.pt “Atentas as dificuldades que enfrenta o concessionário de, após a cessação do contrato, demonstrar factos que se projectam no futuro, como ocorre com os ligados à ocorrência de “consideráveis benefícios” para o concedente, basta para o efeito que, num juízo de prognose, se possa afirmar ter sido proporcionada à concedente a possibilidade de obter tais benefícios, designadamente pelo facto de o efectivo acesso à clientela angariada pelo concessionário lhe serem proporcionadas condições objectivas para a continuidade da clientela”».
Igual entendimento é sufragado pelo acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 28.03.2023, processo n.º 10984/19.0T8SNT.L1-7,
Ora, visto assim o regime legal aplicável e considerando a factualidade dada como provada temos por inverificado no caso o segundo dos apontados requisitos, pelo que torna-se inútil apreciar in casu dos demais requisitos, atenta a natureza cumulativa dos mesmos.
Com efeito, não ficou demonstrado que R./Recorrida, concedente, venha a beneficiar, após a cessação do contrato, da atividade desenvolvida pela A./Recorrente, concessionária.
Mais, muito menos ficou provado que que tal benefício seja considerável.
Tal decorre manifestamente da resposta negativa a que referem as alíneas g., h., i., j. e k., sendo que, diversamente do que alega a Recorrente, as respostas positivas indicadas em 6., 7., 10., 11., 12., 14., 15., 16. e 19. não conferem um juízo de prognose quanto à ocorrência de um benefício considerável para a Recorrida, concedente.
Da matéria de facto provada decorrem procedimentos tidos pela Recorrente aquando da vigência do contrato, mas nada se refere quanto ao respetivo alcance uma vez cessado o contrato, nem tal se pode sem mais prognosticar.
Em suma, como se refere na decisão recorrida, «não pode concluir-se que após a cessação do contrato a Ré se aproveitará da clientela angariada pela Autora, nem, consequentemente, que irá beneficiar, por si ou através de novo concessionário, da actividade desenvolvida pela A. durante a vigência do contrato de concessão em causa, no plano da angariação de clientes na área de actuação que anteriormente pertencia à A.».
Improcede, pois, o recurso.     
*
* *
Quanto a custas:
Segundo o disposto nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil e 1.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, o recurso é considerado um «processo autónomo» para efeito de custas processuais, sendo que a decisão que julgue o recurso «condena em custas a parte que a elas houver dado causa», entendendo-se «que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção que o for».
Ora, in casu improcede a pretensão da Recorrente.
Na relação jurídico-processual recursiva a Recorrente configura-se como parte vencida, pois a improcedência do recurso é-lhe desfavorável.
Nestes termos, as custas do recurso devem ser suportadas pela Recorrente, incluindo naquelas tão-só as custas de parte, conforme artigos 529.º, n.º 4, e 533.º do CPCivil, assim como 26.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais.
V. DECISÃO  
Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso, mantendo-se, pois, a sentença recorrida.
Custas, na vertente de custas de parte, pela Recorrente.

Lisboa, 07 de dezembro de 2023
Paulo Fernandes da Silva
Laurinda Gemas
Arlindo Crua