I - Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para tramitar processo de inventário em consequência de divórcio de cidadãos nacionais, que embora decretado por notário em França, respeita a, pelo menos, um imóvel sito em Portugal, residindo em Portugal a requerente;
II - O princípio da unidade e universalidade da partilha impõe que todos os bens devam ser incluídos na mesma, quer estejam situados em território nacional, quer no estrangeiro.
Requereu a notificação do Banco Societé Générale DF/SEG/SAT/SRC, ......, France, a fim de prestar informações sobre os valores depositados na referida conta bancária, à data do divórcio, decretado em 06/02/2019.
Respondeu o cabeça-de-casal para invocar a incompetência internacional do Tribunal para conhecer da titularidade e do reconhecimento como bem comum do casal da conta bancária indicada na reclamação, por não se verificarem os requisitos impostos pelo art. 62. do Código de Processo Civil (CPC), tendo em conta que esta conta bancária é de um banco situado em França, denominado "Societé Generale".
A Senhora Juiz julgou improcedente a excepção de incompetência internacional invocada.
Inconformado, o cabeça de casal interpôs recurso de apelação, defendendo que os tribunais portugueses não são competentes para a partilha do imóvel situado em Portugal nem para a partilha de quaisquer outros bens designadamente contas bancárias francesas uma vez que foi decretado o divórcio em França, tendo o despacho recorrido violado as disposições dos artigos 62 b), 96, 97 nº 1 e 99 nº 1, do Cód. Processo Civil.
Por acórdão da Relação de Guimarães, foi a apelação julgada improcedente e confirmada a decisão recorrida.
1. O acórdão recorrido veio julgar improcedente a apelação mantendo a decisão proferida pela 1ª instância tendo a Senhora Relatora dado como sumário “em processo de inventário, subsequente a divórcio, que em Portugal corre termos, atento o princípio da universalidade e da unidade, segundo os quais todos os bens objecto de comunhão deverão ser partilhados no mesmo inventário, deve a conta bancária de banco estrangeiro ser incluída na relação de bens”;
2. A causa de pedir dos presentes autos de inventário para partilha de bens é o divórcio por mútuo consentimento que foi decretado pelo Notário CC em ... em França;
3. Nos termos da alínea a) do artigo 96 do Cód. Proc. Civil, “determinam a incompetência absoluta do tribunal, a infração (...) das regras de competência internacional”;
4. O nº 1 do artigo 99 do mesmo diploma legal estabelece que “a verificação da incompetência absoluta implica a absolvição do réu da instância ou o indeferimento em despacho liminar, quando o processo o comportar”;
5. Prevendo o nº 1 do artigo 97 que “a incompetência absoluta pode ser arguida pelas partes e (...) deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa”.
6. Aquando da audiência prévia, o tribunal não conheceu, oficiosamente, a incompetência do tribunal português;
7. Não havia, ainda, nos autos, “sentença com trânsito em julgado”;
8. O recorrente veio por isso, arguir a aludida incompetência do tribunal português;
9. A Meritíssima Juíza da 1ª instância percebeu que a questão colocada pelo recorrente consistiu na incompetência do tribunal português para o inventário de partilha de bens dos presentes autos;
10. Basta atender à fundamentação da sentença recorrida da 1ª instância na qual é dito que “segundo os elementos de conexão referidos a possibilidade de instauração da acção nos tribunais portugueses pode encontrar fundamento no princípio da coincidência (al. a) do nº 1), ou seja, quando a acção também possa ser proposta em território português “segundo as regras da competência territorial estabelecidas na lei portuguesa”.
O presente inventário para partilha de bens é decorrente do processo de divórcio que correu em Portugal logo verifica-se a competência dos tribunais Portugueses”;
11. O acórdão recorrido fez uma interpretação errada não só do pedido formulado em sede de audiência prévia bem como da sentença proferida pela 1ª instância e ainda do recurso interposto pelo recorrente;
12. Na sentença proferida pela 1ª instância, a Meritíssima Juíza “a quo” atendeu ao principio da causalidade.
13. Defendeu, porém, que “o presente inventário para partilha de bens é decorrente do processo de divórcio que correu em Portugal logo verifica-se a competência dos tribunais Portugueses”;
14. Quando, na verdade, o divórcio foi decretado em França e não, em Portugal;
15. A incompetência do tribunal português foi arguida pelo recorrente em sede de audiência prévia;
16. Foi apreciada na sentença proferida pela 1ª instância;
17. E consta das alegações de recurso sob os nºs 3 a 12;
18. A primeira questão suscitada pelo recorrente, no recurso interposto na 1ª instância foi a competência dos tribunais portugueses para os presentes autos de partilha de bens;
19. Sem prescindir, colocou uma segunda questão ao alegar que “No que concerne às contas bancárias francesas, ao renunciar no acordo celebrado em França aquando da decretação do divórcio por mútuo consentimento, a qualquer reclamação bem como ao pagamento de tornas, não pode agora a recorrida ver integrada na relação de bens, a conta bancária pertencente exclusivamente ao aqui cabeça-de-casal”;
20. Esta segunda questão foi, no entanto, colocada pelo recorrente em resposta à reclamação da recorrida e não, em sede de audiência prévia razão pela qual não foi apreciada na sentença recorrida proferida pela 1ª instância nem tinha de o ser;
21. Contrariamente ao afirmado no acórdão recorrido, o recorrente arguiu na audiência prévia, a incompetência do tribunal português para o inventário dos presentes autos;
22. Esta questão foi apreciada na sentença recorrida tendo a Meritíssima Juíza da 1ª instância defendido o principio da causalidade sem ter, no entanto, em conta que o divórcio foi decretado não, em Portugal, mas sim, em França.
23. Entendemos que o tribunal português não é competente para a partilha de bens dos presentes autos uma vez que o divórcio foi decretado em França;
24. A excepção de incompetência dos tribunais portugueses arguida em sede audiência prévia, pelo recorrente deveria ter sido julgada inteiramente procedente;
25. Discordamos, por isso, do acórdão recorrido, o qual violou as seguintes disposições legais: - artigos 62 b), 96, 97, 99 nº 1, 577 a) e 578 do Cód. Proc. Civil.
A Recorrida contra alegou pugnando pela improcedência da revista, tendo formulado as seguintes conclusões:
A. O presente recurso de revista deve ser liminarmente rejeitado por falta de fundamento legal, não estando preenchidos os seus requisitos mínimos.
B. A revista só poderá ser admitida se, no processo em causa, também o fosse a título normal ou extraordinário se inexistisse dupla conforme. Os casos de revista excepcional são hipóteses em que a revista "normal" não é admissível apenas por se verificar uma situação de dupla conforme, ou seja, hipóteses que, não fora a dupla conforme, se reconduziriam a situações de revista "normal".
C. Os requisitos da revista "normal" são, também, hoc sensu, requisitos da revista excepcional - requisitos cuja verificação esta necessariamente pressupõe. No caso dos autos, verificando-se a existência de dupla conforme, não é, afinal, admissível a revista.
D. O cabeça de casal apelou da decisão proferida pelo Tribunal de primeira instância, mas o Tribunal da Relação, por unanimidade e sem divergência de fundamentação, confirmou o julgado.
E. Com todo o devido respeito pelas doutas e bem ordenadas alegações do recorrente, que na sua essência nada acrescentam ao que, genericamente, a doutrina vem entendendo e ensinando quanto à questão em apreço, não podem as mesmas alegações, e o conteúdo das suas conclusões finais, obter provimento que possa, por qualquer forma, ver invertida a douta decisão contida no Acórdão sob apreciação.
F. De facto, tais alegações são perfeitamente omissas quanto ao cerne da questão em apreço nos presentes autos, questão essencial essa que, pelo contrário, ficou perfeitamente dissecada e esclarecida quer na decisão da primeira instância, quer no douto Acórdão Recorrido.
G. Bem andaram os M. Desembargadores quando fugiram à tentação primeira de seguir cegamente a doutrina que o Recorrente vem expor.
H. Na realidade, foi essa meritória actuação, bastamente explanada ao longo do douto Acórdão, que permitiu a sua prolação em termos de não poder, nem dever, merecer qualquer censura ou ser passível de qualquer alteração e/ou correção, por em tudo conforme com os preceitos legais aplicáveis e sem que, face aos factos efetivamente dados por assentes, de que não cura alterar no momento presente, indevida interpretação dos mesmos tenha sido feita, Acórdão que, por isso, a recorrida subscreve na íntegra.
I. Contudo, as questões submetidas à apreciação do tribunal já foram decidias e julgadas por vários tribunais (quer pelos tribunais de primeira instância quer pelo Tribunal da Relação) e todas as decisões foram no mesmo sentido.
J. A Requerente/recorrida, em momento processual oportuno, apresentou reclamação quanto à relação de bens apresentada pelo cabeça de casal/recorrente por omissão de bens, designadamente a conta bancária de que o ex-casal era titular.
K. No seguimento dessa reclamação, o cabeça de casal apresentou resposta e não invocou qualquer exceção, designadamente a exceção de incompetência internacional.
L. Só em sede de Audiência Prévia é que o cabeça de casal veio invocar a referida exceção, pelo que, e salvo sempre o devido respeito, a exceção invocada nessa sede (audiência prévia) é extemporânea e, como tal, deveria ter sido indeferida e, como tal, não ser sequer objeto de apreciação por este douto Tribunal.
M. A questão a apreciar e decidir consiste em saber se este Tribunal tem ou não competência internacional para proceder à partilha de um bem móvel (dinheiro) que foi omitido e está depositado numa conta bancária situada em França.
N. A questão de saber e apurar se uma determinada causa deve ser julgada pelos tribunais portugueses ou pelos tribunais de um Estado estrangeiro coloca-se quando essa causa apresenta elementos de conexão – quer no que respeita às partes, quer no que respeita ao pedido ou causa de pedir – com a ordem jurídica portuguesa e com uma ou mais ordens jurídicas estrangeiras.
O. Dispõe o art. 59º do Código de Processo Civil, “…os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62º e 63º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94”.
P. Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos comunitários e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando a acção possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa: é aquilo que se designa por princípio ou critério da coincidência, determinando-se que, não obstante a existência de elementos de conexão com ordens jurídicas estrangeiras, os tribunais portugueses têm competência quando, de acordo com as regras de competência territorial previstas na ordem interna, a acção devesse ser instaurada em Portugal.
Q. Não está aqui em causa uma acção referente a direitos reais ou pessoais de gozo sobre imóveis à qual seja aplicável a regra do foro da situação dos bens, prevista no art. 70º do Código de Processo Civil. A aplicação desta regra pressupõe que o direito real ou pessoal de gozo sobre o imóvel corresponda ao fundamento nuclear da causa de pedir, o que não acontece no inventário, cujo objectivo essencial apenas consiste em operar a partilha dos bens que integram a herança ou o património comum do casal e onde, por regra, não está em discussão a existência do direito real sobre os imóveis que fazem parte da universalidade de bens que se pretende partilhar.
R. Além do mais, a aplicação dessa regra sempre esbarraria na circunstância de existirem outras normas específicas que regulam e definem de outro modo a competência para o processo de inventário e que, como tal, sempre deveriam prevalecer sobre aquela.
S. Como nota João António Lopes Cardoso, esse entendimento apenas se baseia nas dificuldades práticas que advêm da relacionação e partilha de bens sitos no estrangeiro.
T. Mas, como nos parece óbvio, tais dificuldades – que também existirão noutras situações sem que se questione, por isso, a competência dos tribunais portugueses – não constituem razão bastante (a não ser que, por alguma razão, sejam intransponíveis) para afastar a competência internacional que emerge das normas que a definem e regulam.
U. E a verdade é que, independentemente dessas dificuldades, o princípio da unidade e universalidade da herança (ou, no caso, do património comum do casal) impõe que, no processo de inventário, sejam relacionados e partilhados todos os bens que integram a universalidade sobre a qual irá incidir a partilha, estejam eles situados em território nacional ou no estrangeiro.
V. Por aplicação do critério da coincidência a que alude o citado art. 62º, os tribunais portugueses são competentes para a partilha de um bem que foi omitido situado em França, verdade é também que essa competência não é afastada por qualquer tratado, convenção ou regulamento comunitário.
W. Com efeito, o Regulamento (CE) nº 44/2001, de 22/12/2000 (relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial) exclui do seu âmbito de aplicação o estado e a capacidade das pessoas singulares, os regimes matrimoniais, os testamentos e as sucessões, não impondo, por isso, qualquer norma de competência relativamente às partilhas a efectuar na sequência de divórcio.
X. Por outro lado, o Regulamento (CE) nº 2201/2003, de 27/11/2003 (relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental) apenas é aplicável à dissolução do vínculo matrimonial (por divórcio, separação ou anulação do casamento), não abrangendo as questões referentes às causas do divórcio, aos efeitos patrimoniais do casamento e outras eventuais medidas acessórias (cfr. considerando (8) do Regulamento).
Y. E o Regulamento (CE) nº 1347/2000 (anteriormente vigente em matéria matrimonial e revogado pelo Regulamento (CE) nº 2201/2003) fazia idêntica limitação ou exclusão no seu considerando (10).
Z. O Acórdão da Relação de Guimarães de 7 de Abril de 2011, disponível in www.dgsi.pt, nos termos do artigo 37.º, n.º 2, da Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, “A lei do processo fixa os factores de que depende a competência internacional dos tribunais judiciais” e é efectivamente dessa problemática – da competência internacional dos Tribunais Portugueses.
AA. E segundo o n.º 1 do seu artigo 38.º, “A competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente”. Razão por que, e como bem se costuma entender, a competência do tribunal não pode deixar de aferir-se pelos termos em que a acção é proposta (vide, na doutrina, o Prof. Manuel de Andrade, no seu “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1976, a páginas 90 a 91, e na jurisprudência, o douto Acórdão da Relação do Porto de 04 de Março de 2002, publicado pelo ITIJ e com a referência nº 0151929, onde se exarou, no sumário, que: “Na apreciação da questão da competência [territorial], deve analisar- se concretamente a causa de pedir e o pedido formulado, porque tal competência é determinada em função do modo como a causa é delineada na petição inicial e não pela controvérsia que resulta da confrontação entre a acção e a defesa”.
BB. Logo, os Tribunais Portugueses são os competentes para apreciar e partilhar os bens em causa neste processo de inventário em que a Requerente indicou, como sua residência, um lugar de Portugal, pese embora o cabeça de casal também tenha residência em França – consabido que essa territorialidade é um dos factores de atribuição da competência aos nossos Tribunais, segundo os termos dos artigos 62.º, alíneas a) e b) e 72.º, ambos do Código de Processo Civil, pelo que deve ser julgada improcedente a invocada excepção de incompetência internacional e declarado este Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo de Família e Menores de ... – Juiz 2, competente para conhecimento da presente ação de partilha/inventário, determinando-se, por isso, o prosseguimento dos autos.
CC. Assim, e salvo o devido respeito, além de não merecer qualquer censura o despacho recorrido, devendo manter-se integralmente e prosseguir a ação os seus ulteriores termos processuais conforme doutamente ordenado.
DD. O Acórdão Recorrido não fere o sentimento ético-jurídico da Justiça nem violou qualquer disposição legal e faz correta e devida interpretação das normas aplicáveis, pelo que não merece qualquer censura e em tudo deverá ser mantido, devendo os autos prosseguir os seus termos.
Como assim e visto as conclusões do Recorrente o recurso resume-se a saber se os tribunais portugueses dispõe de competência internacional para tramitar o presente inventário subsequente ao decretamento de divórcio decretado em França.
Fundamentação.
De facto:
I - Requerente e Requerido foram casados entre si segundo o regime da comunhão de adquiridos, tendo o casamento sido dissolvido por divórcio declarado por decisão de 06 de Fevereiro de 2019, transitada em julgado em 06 de Março de 2019, proferida pelo Maitre CC, Notário no âmbito do Processo de Divórcio.
II - Tal divórcio foi averbado no respectivo assento de casamento.
III - Em 09.12.2021, a Recorrida instaurou no Juízo de Família e Menores de ..., comarca de Braga, inventário para partilha dos bens comuns;
IV - O cabeça de casal, ora recorrente, apresentou relação de bens, com verba única, do seguinte teor:
«Prédio rústico denominado L.... .. ........ composto por lavradio situado no lugar de ..., União das Freguesias de ..., concelho de ... inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1855 (artigo 1066 da extinta freguesia de ...) e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 372/...».
O direito.
Preliminarmente, importa apreciar a objecção da Recorrida segundo a qual a existência de dupla conforme (art. 671º, nº3 do CPC), deve levar à rejeição da revista.
Não tem razão, com o devido respeito.
A revista tem como fundamento a violação das regras de competência internacional e invocado este fundamento o recurso é sempre admissível, “independentemente do valor da causa e da sucumbência”. (art. 629º, nº1, alínea a) do CPC).
Assim e pese embora a 1ª instância e a Relação tenham decidido no mesmo sentido, não há obstáculo à admissão da revista.
Sustenta também a Recorrida que é extemporânea a arguição da incompetência internacional, pois que apenas na audiência prévia o cabeça de casal veio invocar a referida excepção.
Mas também sem razão
A infracção das regras da competência internacional determina a incompetência absoluta do tribunal, pode ser suscitada pelas partes, e “deve ser suscitada oficiosamente até haver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o funda causa” (arts. 96º, 97º do CPC).
Assim, o facto de o Recorrente apenas ter suscitado a incompetência absoluta em sede de audiência prévia, não é obstáculo a que o tribunal aprecie a excepção.
Se os tribunais portugueses dispõem de competência internacional para a presente acção.
Estamos perante um inventário requerido em consequência de um divórcio decretado em França, residindo a Requerente em Portugal e o Requerido em França, havendo a partilhar, pelo menos, um imóvel sito em Portugal, pretendendo a Recorrida que também seja relacionado como bem comum uma conta existente numa instituição bancária em França.
Defende o Recorrente, no essencial, que o tribunal português não é internacionalmente competente para a partilha de bens dos presentes autos uma vez que o divórcio foi decretado em França (conclusão 23ª).
Vejamos.
Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, 1976, pag. 92, define competência internacional: “É a competência dos tribunais portugueses no seu conjunto, em face dos tribunais estrangeiros. Verdadeiramente, do que se trata aqui, é dos limites de jurisdição do Estado Português; de definir quando é que este se arroga o direito e se impõe o dever de exercer a sua função jurisdicional.”
O artigo 37º, nº2 da Lei Orgânica do Sistema Judiciário (LOSJ), incumbe a lei de processo de fixar os factores de que depende a competência internacional dos tribunais judiciais, dispondo o art. 59º do Cód. Processo Civil que, sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos arts. 62º e 63º do mesmo diploma.
Significa isto que o recurso às normas processuais civis portuguesas apenas é possível quando o litígio não caia no âmbito de aplicação de regulamentos da União, uma vez que estas normas jurídicas prevalecem sobre o direito interno, face ao primado do direito europeu.
O acórdão recorrido entendeu que o litígio não cai no âmbito de aplicação de regulamentos da União, e bem.
O Regulamento relativo à competência, ao reconhecimento e execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental – o Regulamento (CE) nº 2201/2003, de 27/11/2003 - apenas é aplicável à dissolução do vínculo matrimonial (por divórcio, separação ou anulação do casamento), não abrangendo as questões referentes às causas do divórcio, aos efeitos patrimoniais do casamento e outras eventuais medidas acessórias (cfr. considerando (8) do Regulamento).
O Regulamento (CE), nº 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, que substituiu o Regulamento (CE) 44/2001, de 22.12.2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria cível e comercial, estabelece no art. art. 1º, nº2, a) que “o presente regulamento não é aplicável ao estado e á capacidade jurídica das pessoas singulares ou aos regime de bens do casamento (…)”
O Tribunal de Justiça das Comunidades (6ª secção), foi chamado a pronunciar-se sobre a interpretação do art. 1º, nº2, alínea a) do Regulamento nº 1215/2012, tendo declarado:
“O art.1º, nº2, a) do Regulamento (EU) nº 1215/2012 (…) deve ser interpretado no sentido de que um litígio como o do processo principal, relativo à partilha, após pronúncia de divórcio, de um bem móvel adquirido na constância do matrimónio por cônjuges nacionais de um Estado-Membro, mas residentes noutro Estado-Membro não está abrangido pelo âmbito de aplicação deste regulamento, mas pelo domínio dos regimes matrimoniais e, portanto, pelas exclusões previstas no referido art, 1º, nº2, alínea a).”
Assim, como não existe nenhum instrumento internacional que vincule o Estado Português em matéria de competência judiciária aplicável à presente acção, é à luz do disposto no arts. 62º e 63º do CPC, que deve ser determinada a competência dos tribunais portugueses para decidir a presente acção.
No art. 62º são enunciados os três critérios autónomos de atribuição da competência internacional, com origem legal, aos tribunais portugueses – o da coincidência (alínea a), o da causalidade (alínea b) e o da necessidade (alínea c).
Como afirmado no Acórdão deste STJ de 24.05.2022, CJ/STJ, II, pag. 70, “a escolha destes critérios visou corresponder à exigência de uma tutela efectiva do direitos e interesses legalmente protegidos, conferindo competência aos tribunais portugueses quando, pela sua proximidade com as partes e com as provas, se encontrem em melhores condições de dirimirem os litígios que necessitam de uma intervenção jurisdicional.”
A alínea a) do art. 62º, consagra o critério da coincidência, pelo qual se determina a competência internacional dos tribunais portugueses sempre que a acção possa ser proposta em Portugal segundo as regras específicas de competência territorial (arts. 70º e ss).
O critério da causalidade, consagrado na alínea b), determina a competência internacional dos tribunais portugueses sempre que tenha sido praticado em território nacional o facto ou algum dos factos integradores da causa de pedir.
A alínea c) consagra o critério da necessidade, o que se traduz em os tribunais portugueses terem competência internacional quando o direito invocado não possa tornar-se efectivo senão por meio de acção proposta em tribunal português ou quando a sua propositura no estrangeiro constitua apreciável dificuldade para o autor. Para que tal aconteça, no entanto, é imprescindível que entre a acção a propor e o território português exista um qualquer elementos de conexão pessoal ou real. (cf. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, I, pag. 131 e ss., e Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2015, pag. 88/89.)
Ora, situando-se em Portugal o imóvel a partilhar o inventário terá de ser proposto em Portugal, a que acresce o factor de conexão pessoal consistente na nacionalidade das partes. Patentemente que se verifica, pelo menos, o factor de atribuição previsto na alínea c).
Decidiu a Relação, assim confirmando a decisão da 1ª instância, que a conta bancária existente numa instituição bancária em França deve ser relacionada pelo cabeça de casal. As conclusões da revista são omissas a este respeito, pelo que não há que conhecer da mesma.
Sempre se dirá que as instâncias decidiram bem.
Como decidido no Acórdão do STJ de 16.10.2012, CJ/STJ, III, pag. 79, “em processo de inventário, o princípio da unidade e universalidade da partilha impõe que todos os bens devam ser incluídos na mesma, quer estejam situados em território nacional, quer no estrangeiro.” Trata-se de posição claramente maioritária na jurisprudência, assim tendo decidido os Acórdãos da Relação de Lisboa de 12.01.2012, P. 991/10 (Pedro Martins), de 11.07.2013, P. 1072/12 (Ana Azeredo Coelho), da Relação do Porto de 13.03.2017 P. 1247/10 (Manuel Domingos Fernandes), e da Relação de Coimbra de 21.04.2015, P. 40/12, (Freitas Neto).
Com o que improcedem na totalidade as conclusões do Recorrente.
Decisão.
Pelo exposto, nega-se a revista e confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Lisboa, 30.11.2023
Ferreira Lopes (relator)
Fátima Gomes
Sousa Lameira