EXECUÇÃO
LIVRANÇA COMO TÍTULO
MORTE DO AVALISTA
SUCESSÃO NA OBRIGAÇÃO
ILEGITIMIDADE SINGULAR PASSIVA
Sumário

I. O decesso do avalista, ocorrido antes do vencimento da livrança, não extingue a obrigação do avalista, transmitindo-se esta aos seus sucessores.
II. Não cabia à exequente demonstrar/provar, desde logo no requerimento executivo, os factos atinentes à sucessão na obrigação do avalista, cabendo-lhe apenas deduzir tais factos no requerimento executivo, o que fez. A parte passiva assim demandada – querendo e tendo fundamento para tal - poderá invocar na oposição à execução a ilegitimidade singular passiva por falta de sucessão, ao abrigo do Artigo 729º, al. c), do Código de Processo Civil.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
BG, Sucursal Portuguesa instaurou execução para pagamento de quantia certa contra JJ Lda. e MZ, formulando requerimento executivo nestes termos:
«A Exequente é uma sociedade que tem por objeto o exercício, entre outras, da atividade de concessão de crédito e locação financeira e, a título acessório, da atividade de aluguer de veículos automóveis (cfr. Certidão Permanente disponível através do código de acesso 5552-1731-4080).
No exercício da sua atividade, a Exequente celebrou, em 11.04.2019, com a Executada JJ o contrato de Locação Financeira nº 433073 (doravante Contrato), o qual teve por objeto o veículo automóvel marca BMW, modelo série 3, versão M3 CS, com a matrícula (...). No âmbito do referido Contrato, e para garantia do seu integral cumprimento, foi subscrita pelo Executado JJ uma livrança (Doc. 1), emitida em 11.04.2019 e com vencimento em 05.04.2021.
Incumprido o referido Contrato, encontra-se o Executado JJ, Lda, na qualidade de subscritor da referida livrança, obrigado a pagar à Exequente o valor global da mesma, no montante de €64.029,22.
O Executado não procedeu ao pagamento, até à presente data, da quantia em dívida titulada pela referida Livrança.
No âmbito do referido Contrato, JP constituiu-se avalista tendo prestado o seu aval ao subscritor da livrança, sendo ambos solidariamente responsáveis pelo pagamento à Exequente do valor da livrança acrescido dos juros de mora legais, calculados à taxa anual de 4% desde a data de vencimento até efetivo e integral pagamento, em conformidade com o disposto nos artigos 78.º e 28.º, 32.º e 47.º, aplicáveis ex vi artigo 77.º da Lei Uniforme Relativa a Letras e Livranças.
Acontece que, durante o decurso do Contrato, o avalista faleceu (conforme doc. n.º 2 que ora se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido), pelo que, havendo sucessão mortis causa na titularidade da obrigação exequenda, devem assumir a posição de parte, como executados, os sucessores do avalista, que se afigura no título executivo como devedor. Neste conspecto, a legitimidade concedida ao avalista e que consta do título executivo deve ser igualmente reconhecida aos seus sucessores.
A Exequente desconhece se a qualidade de herdeiros já se encontra declarada noutro processo judicial ou reconhecida em habilitação notarial, sendo que da certidão de óbito ora junta, não resulta a existência de qualquer testamento.
No entanto, a Exequente tomou conhecimento que se afigura como sucessora e cabeça de casal da herança indivisa a Executada MZ, desconhecendo, no entanto, se existem outros herdeiros além da referida.
Para prova da sua posição, requer-se, ao abrigo do disposto no n.º 1 e 4 do artigo 7 do Código de Processo Civil, que se digne ordenar a notificação da Executada e do Serviço de Finanças competente para vir aos autos informar se existe escritura de habilitação e quais os herdeiros do Executado falecido.
Nos termos da livrança, que é título executivo, a dívida ascende a 64.029,22€ (sessenta e quatro mil, vinte e nove euros e vinte e dois cêntimos).
Ao valor da livrança acrescem juros, desde a data do respetivo vencimento (05.04.2021) até ao efetivo pagamento, os quais ascendem a 5.473,18€ (cinco mil, quatrocentos e setenta e três euros e dezoito cêntimos) até 25.05.2023, perfazendo um total de 69.502,40€ (sessenta e nove mil, quinhentos e dois euros e quarenta cêntimos).
Os executados respondem ainda pelo pagamento do imposto de selo devido ao Estado sobre o montante de juros que vier a ser cobrado - V. art. 17.3.1 da Tabela Geral do Imposto Selo.»
Em 13.6.2023, foi proferido despacho de indeferimento liminar nestes termos:
«Atenta a data de vencimento da livrança (5-IV-21), verifica-se que, quando o avalista faleceu (em 21-XI-19), não existia qualquer obrigação garantida – motivo por que se indefere liminarmente o requerimento executivo (CPC 726º/2b)), dirigido contra a (alegada) cabeça de casal da herança indivisa.
Custas pela exequente.
Registe e notifique
*
Não se conformando com a decisão, dela apelou a requerente, formulando, no final das suas alegações, as seguintes
«. CONCLUSÕES
1. O tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na interpretação e aplicação do direito ao caso sub judice ao indeferir o requerimento executivo contra a Executada MZ, por ter julgado procedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva daquela.
2. No exercício da sua atividade, a Exequente, ora Recorrente, celebrou, em 11.04.2019, com a Executada JJ, Lda. o contrato de Locação Financeira n' 433073 (doravante Contrato), o qual teve por objeto o veículo automóvel marca BMW, modelo série 3, versão M3 CS, com a matrícula (...).
3. Para garantia do seu integral cumprimento, foi subscrita pela Executada JJ. Lda. uma livrança emitida em 11.04.2019 e com vencimento em 05.04.2021.
4. Sucede que o Contrato foi definitivamente incumprido, encontrando-se a Executada JJ, Lda., na qualidade de subscritora da referida livrança, encontrava-se obrigada a pagar à Exequente, ora Recorrente, o valor global da mesma, no montante de € 64.029,22, não tendo sido pago qualquer montante.
5. No âmbito do referido Contrato, JP constituiu-se avalista tendo prestado o seu aval à subscritora da livrança, sendo ambos solidariamente responsáveis pelo pagamento à ora Recorrente do valor da livrança acrescido dos juros de mora legais, calculados à taxa anual de 4% desde a data de vencimento até efetivo e integral pagamento, em conformidade com o disposto nos artigos 78º e 28º, 32º e 47º, aplicáveis ex vi artigo 77º da Lei Uniforme Relativa a Letras e Livranças.
6. Durante o decurso do Contrato, mais concretamente a 21.11.2019, o Avalista faleceu, pelo que, havendo sucessão mortis causa na titularidade da obrigação exequenda, devem assumir a posição de parte, como executados, os sucessores do avalista, que se afigura no título executivo como devedor.
7. A legitimidade concedida ao Avalista e que consta do título executivo deve ser igualmente reconhecida aos seus sucessores.
8. A ora Recorrente desconhecia, à data da instauração da ação executiva, se a qualidade de herdeiros já se encontrava declarada noutro processo judicial ou reconhecida em habilitação notarial, não resultando aliás da certidão de óbito do de cujus, tendo, a esse propósito, invocado os factos essenciais e requerido informações adicionais ao processo, uma vez que teve conhecimento que a Executada se afigurava como sucessora e cabeça-de-casal da herança.
9. A pretensão recursória da ora Recorrente assenta no facto de a decisão ora em crise, ao indeferir o requerimento executivo dirigido contra a cabeça-de-casal da herança indivisa, coarta os direitos que assistem à mesma e viola os pressupostos processuais no que respeitam à legitimidade passiva.
10. Dispõe o artigo 30.º da LULL aplicável ex vi artigo 77.º, que o aval, enquanto garantia, é dada por um terceiro, nos termos do qual garante o pagamento do valor aposto no título de crédito. Note-se que a função específica do aval é garantir ou caucionar a obrigação de certo subscritor cambiário.
11. Decorre do despacho em crise que o fundamento para indeferir liminarmente o requerimento executivo contra a Executada MZ provém do facto de não existir qualquer obrigação garantida na data do falecimento do avalista.
12. O facto de o vencimento da livrança haver ocorrido posteriormente ao decesso do respetivo avalista (que a havia subscrito, em tal qualidade), não pode ter o condão de operar a desresponsabilização cambiária dos herdeiros daquele (vide Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 04.04.2005).
13. A obrigação cambiária, tanto para o subscritor como para o avalista, é logo constituída com a emissão da livrança em branco.
14. Dispõe o n.º 1 do artigo 54.º que tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda; no próprio requerimento para a execução o exequente deduz os factos constitutivos da sucessão.
15. O que significa que, embora e em geral, a legitimidade ativa e passiva das partes, na ação executiva, radique nas pessoas que, respetivamente, figurem no título executivo, tal regra sofre desvios, pelo que aquele pressuposto processual pode ser conferido a pessoa ou entidade que ali não figure como devedor, bastando que tenha ocorrido sucessão no direito ou na obrigação, sendo que a Recorrente prontamente se prestou a oferecer essa informação aos autos, nomeadamente no requerimento executivo e respetivos anexos.
16. O facto sucessório foi posterior à formação do título e anterior à produção do requerimento executivo, pelo que, não tendo ocorrido na pendência da ação executiva, encontra-se a Recorrente dispensada de promover o incidente de habilitação de herdeiros, não sendo necessária a demonstração imediata da alegada sucessão no direito ou na obrigação.
17. Se o legislador quisesse impor desde logo a demonstração da sucessão, por certo não expressaria essa obrigação apenas pela palavra “deduz”, acrescentando-lhe ainda uma outra com sentido equivalente a “demonstre”. A nosso ver, o legislador orientou-se pela economia de meios, deixando para mais tarde a prova da alegada sucessão, se esta vier a ser posta em causa (Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08.03.2018, processo n.º 132/13.5TBABF-A.E1).
18. Face a tudo o exposto, é insofismável o erro de julgamento que o Tribunal a quo faz na interpretação e aplicação do direito, uma vez que no espírito do artigo 54º, nº 1 do CPC decorre o desvio à regra geral da determinação da legitimidade nos casos em que ocorre sucessão mortis causa
NESTES TERMOS,
E no mais de direito, que V. Exas, doutamente, suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência ser revogado o despacho recorrido, substituindo-se o mesmo por outro que admita o requerimento executivo intentada contra os Executados JJ – Lda. e MZ, ordenando-se a prossecução dos ulteriores trâmites.
Só assim se decidindo será CUMPRIDO O DIREITO E FEITA JUSTIÇA!»
QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso, v.g., abuso de direito.[2]
Nestes termos, a questão a decidir consiste em determinar se deve ser mantido o indeferimento liminar do requerimento executivo.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A matéria de facto relevante para a apreciação de mérito é a que consta do relatório, cujo teor se dá por reproduzido.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Em primeiro lugar, há que notar que o decesso do avalista, ocorrido antes do vencimento da livrança, não extingue a obrigação do avalista, transmitindo-se esta aos seus sucessores.
Conforme se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 4.4.2005, Fernandes do Vale, 0457254:
«(…) o facto de o vencimento da livrança haver ocorrido, posteriormente ao decesso do respetivo avalista (que a havia subscrito, em tal qualidade, quase nove anos antes da respetiva morte), não pode ter o condão de operar a desresponsabilização cambiária dos herdeiros daquele (os embargantes, no caso dos autos).
Na realidade, como expende o saudoso Cons. Abel Pereira Delgado, na sua conhecida obra “L.U.L.L.”, 3ª Ed. (1976), págs. 62,...“a obrigação cambiária surge logo no momento da emissão”, aí se acrescentando que “A letra, mesmo antes de preenchida, circula (, pois,) como título cambiário, estando sujeita ao regime cambiário”.
Aliás, a mesma posição é defendida pelo não menos saudoso Prof. Ferrer Correia (Ob. citada, págs. 90), quando ensina: ... “a doutrina preferível é a da «emissão». A entrega do título não é apenas uma «conditio juris» da eficácia da obrigação cambiária, já perfeita com a subscrição da declaração cartular. Ela é, diferentemente, elemento essencial à própria validade da obrigação. Pelo que esta não surge se não se verificar a emissão da letra pelo seu possuidor (...)...a simples declaração cartular é insuscetível, só por si, de realmente obrigar o subscritor; para que ele fique vinculado, é sempre necessário o concurso desse outro requisito: a emissão do título”.
Assim, considerando que o exposto regime jurídico da constituição e existência da obrigação cambiária é de reputar extensivo às livranças, por via do preceituado no já mencionado art.º 77º, tem de considerar-se que, atenta a factualidade provada e o preceituado no art.º 2024º, do CC, o facto de o vencimento da livrança ter ocorrido, muito posteriormente à morte do respetivo avalista, de quem os embargantes são herdeiros, não desresponsabiliza estes da obrigação cambiária por aquele, validamente, contraída, nos termos que ficaram expostos. É que tal obrigação integrava, já à data da respetiva morte, a globalidade das relações jurídicas patrimoniais de que o mesmo avalista era, então, titular.»
Em sentido confluente, no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29.3.2011, Anabela Dias da Silva, 93/09:
«I - O pacto de preenchimento de uma livrança entregue em branco não caduca com o óbito do avalista.
II - Nem retira exequibilidade à livrança o facto de a data de emissão aposta nessa livrança ser posterior à do óbito do seu avalista.
III - Preenchida a livrança nos termos do pacto de preenchimento têm legitimidade para serem demandado como executados os sucessores do falecido avalista.
IV - Devendo o exequente no respetivo requerimento executivo deduzir os factos constitutivos dessa sucessão — caso da denominada habilitação-legitimidade.»
Em segundo lugar, no que tange à definição da legitimidade passiva para a instauração da execução, rege o Artigo 54º, nº1, do Código de Processo Civil , nos termos do qual: «Tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda; no próprio requerimento para a execução o exequente deduz os factos constitutivos da sucessão.»
Conforme refere Rui Pinto, A Ação Executiva, AAFDL, 2018, p. 283, «Naturalmente que o facto sucessório há de ser posterior à formação do título executivo, mas anterior ao envio do requerimento executivo.»
Teixeira de Sousa, CPC Online, Versão de 2023/10, p. 63, analisa a norma nestes termos:
«Se, depois da constituição do título executivo, se verificar uma sucessão, mortis causa ou intervivos, no direito ou na obrigação, a execução deve correr entre os sucessores do credor ou do devedor que consta do título (n.º 1 1.ª parte). Trata-se de um caso da chamada habilitação-legitimidade. (b) No caso da sucessão mortis causa, os sucessores são os herdeiros e os legatários (art. 2030º, n.º 1, CC). Se houver herdeiros e legatários instituídos em testamento, todos têm de ser demandados, em litisconsórcio necessário (natural: art. 33.º, n.º 2) (RL 17/11/2022 (19480/21)). (c) Os factos constitutivos da sucessão devem ser deduzidos no requerimento executivo (n.º 1 2.ª parte)(RG 13/1/2022 (1818/20)). Estes factos não devem ser provados pelo exequente, porque só se tornam controvertidos se o executado deduzir oposição à execução (dif. LF I (2018), n.º 3)» (sublinhado nosso).
Em sentido confluente com a posição de Teixeira de Sousa, expressou-se anteriormente o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 8.3.2018, Manuel Bargado, 132/13:
«Este preceito [artigo 54º, nº1] contempla a figura da habilitação-legitimidade, abrangendo todos os modos de transmissão das obrigações, tanto mortis causa como intervivos [3], sendo que no caso de a sucessão ter ocorrido antes da instauração da execução, deverá o exequente alegar no requerimento executivo os factos constitutivos da sucessão, devendo essa alegação ter lugar na parte destinada à exposição dos factos[4].
Por sua vez é dispensado o incidente de habilitação no caso de sucessão ocorrida antes da propositura da ação executiva, pois que, como se refere na parte final do nº 1 do artigo 54º do CPC, “no próprio requerimento para a execução deduzirá o exequente os factos constitutivos da sucessão”, que foi, aliás, o que a exequente fez no seu requerimento executivo.
Não ignorando as posições doutrinárias existentes sobre a questão [5]-[6], é nosso entendimento «que a redação do preceito não impõe a demonstração imediata da alegada sucessão no direito ou na obrigação, dado estabelecer que o exequente deduz no requerimento executivo os factos constitutivos da sucessão. Se o legislador quisesse impor desde logo a demonstração da sucessão, por certo não expressaria essa obrigação apenas pela palavra “deduz”, acrescentando-lhe ainda uma outra com sentido equivalente a “demonstre”. A nosso ver, o legislador orientou-se pela economia de meios, deixando para mais tarde a prova da alegada sucessão, se esta vier a ser posta em causa». [7]
Posto isto e volvendo ao caso em apreço, não cabia à exequente demonstrar/provar, desde logo no requerimento executivo, os factos atinentes à sucessão na obrigação do avalista, cabendo-lhe apenas deduzir tais factos no requerimento executivo, o que fez. A parte passiva assim demandada – querendo e tendo fundamento para tal - poderá invocar na oposição à execução a ilegitimidade singular passiva por falta de sucessão, ao abrigo do Artigo 729º, al. c), do Código de Processo Civil (cf. Rui Pinto, A Ação Executiva, AAFDL, 2018, p. 283).
Termos em que, sendo desnecessárias outras considerações, deverá ser revogado o despacho de indeferimento liminar.
A responsabilidade pelo pagamento das custas nos recursos, que consta dos artigos 527º e seguintes do Código de Processo Civil, só abrange os encargos e as custas de parte.
Como a requerente/apelante extraiu proveito do recurso na medida em que, por via dele, o despacho de indeferimento liminar da execução foi revogado, a apelante é responsável pelo pagamento das custas do recurso, nos termos da parte final do nº 1 do artigo 527º do Código de Processo Civil, se o contrário não resultar da especificidade da situação ajuizada.
Uma vez que o recurso não envolveu encargos, e os executados não pagaram no seu âmbito taxa de justiça ou honorários a mandatário judicial, não se constituiu a seu favor crédito de custas de parte no confronto da recorrente. Deste modo, não são devidas custas (cf. Salvador da Costa, “Questões sobre custas processuais (4)”, 2018.10.23, e “Taxa de justiça e custas no recurso que revoga o indeferimento liminar de procedimento cautelar”, 30.6.2020, ambos publicados no blog do IPPC).
DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação e, em consequência, revoga-se o despacho de indeferimento liminar, devendo prosseguir a execução os seus termos.
Sem custas.

Lisboa, 5.12.2023
Luís Filipe Pires de Sousa
Cristina Coelho
Ana Rodrigues da Silva
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[1] Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª ed., 2022, p. 186.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., pp. 139-140.
Neste sentido, cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, de 10.12.2015, Melo Lima, 677/12, de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, de 17.11.2016, Ana Luísa Geraldes, 861/13, de 22.2.2017, Ribeiro Cardoso, 1519/15, de 25.10.2018, Hélder Almeida, 3788/14, de 18.3.2021, Oliveira Abreu, 214/18, de 15.12.2022, Graça Trigo, 125/20, de 11.5.2023, Oliveira Abreu, 26881/15, de 25.5.2023, Sousa Pinto, 1864/21, de 11.7.2023, Jorge  Leal, 331/21. O tribunal de recurso não pode conhecer de questões novas sob pena de violação do contraditório e do direito de defesa da parte contrária (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2014, Fonseca Ramos, 971/12).
[3] Cfr. Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, edição da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, p. 119.
[4] Cfr. Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, A Ação Executiva Anotada e Comentada, 2017, 2.ª ed., pp. 31-32.
[5] Lebre de Freitas, in A Acção Executiva depois da Reforma, 5.ª edição, 2009, pp. 122-123, entende que o exequente deverá liminarmente provar os factos constitutivos que alega.
[6] Em sentido contrário, Lopes Cardoso, ob. cit., p. 121, entende que o exequente não tem de oferecer logo prova deles, embora lhe seja lícito apresentá-la, quando meramente documental. No mesmo sentido, Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, Almedina, 11ª ed., 2009, pp.78-80.
[7] Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, loc. e ob. cit..»