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CÔNJUGES
AQUISIÇÃO DE IMÓVEL
DIVÓRCIO
CONTAS BANCÁRIAS
TRANSFERÊNCIAS
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Sumário
1. A natureza da conta bancária (conjunta ou solidária) não se confunde com a propriedade dos valores monetários nela depositados, que podem pertencer a todos os depositantes, em partes iguais ou em diversa proporção, ou apenas a um ou alguns dos depositantes; 2. O art.º 516º do CC estabelece uma presunção legal juris tantum, que pode ser ilidida mediante prova em contrário, nos termos do disposto no art.º 350º, nº 2 do CC; 3. Estando provado que um dos cônjuges adquiriu uma fracção autónoma, que ficou registada apenas em seu nome, com recurso a dinheiro depositado em conta titulada por marido e mulher, casados entre si no regime da separação de bens, a fracção em causa pertence apenas ao adquirente; 4. Tal situação determina o enriquecimento do património de um dos cônjuges, ficando o outro cônjuge empobrecido quanto a parte do preço pago; 5. Sendo quantitativamente iguais a parte de cada um dos cônjuges no montante utilizado para pagamento do preço da fracção, o enriquecimento da R. será equivalente a essa metade, devendo proceder à sua restituição ao A., sob pena enriquecimento sem causa.
Texto Integral
Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. RELATÓRIO
1. A intentou a presente acção declarativa de condenação contra B, pedindo que se declare que a R. se apropriou indevidamente da quantia de €111.140,87, bem próprio do A. e se condene a R. a restituir-lhe tal quantia, acrescida de juros à taxa legal desde a citação, até integral pagamento; se condene a R. a pagar ao A., por enriquecimento sem causa, a quantia de €136.060,97, acrescida de juros à taxa legal desde a citação, até integral pagamento, bem como que se condene a R. a pagar ao A. a quantia que se vier a liquidar, correspondente aos pagamentos que o mesmo está a efectuar mensalmente junto do Banco S, acrescida de juros à taxa legal desde a data do pagamento de cada uma das prestações, até integral pagamento.
2. A R. contestou, impugnando os factos alegados pelo A. e defendendo a existência de abuso de direito.
3. Notificado para se pronunciar sobre a excepção deduzida, defendeu o A. a sua improcedência.
4. Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, fixando o objecto do litígio e os temas da prova.
5. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente e condenando a R. a pagar ao A. a quantia de €58.430,48, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, contados desde a data da citação para a presente acção, até efectivo e integral pagamento, absolvendo-se a ré do demais peticionado pelo autor.
6. O A. recorre desta sentença, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
“i. O Recorrente não se conforma com a douta sentença recorrida, e a reapreciação da prova testemunhal gravada e declarações de partes gravadas, produzidas em sede de audiência de discussão e julgamento impõe diferente conclusão nos presentes autos;
ii. Na perspectiva do Recorrente, a Mma. Juiz a quo incorreu em erro de julgamento: i) decidindo de forma deficiente e infundamentada determinados pontos da matéria de facto; ii) fazendo uma incorrecta subsunção dos factos julgados provados às normas jurídicas aplicáveis;
iii. Da adequada reponderação da prova documental e testemunhal, concretamente dos específicos excertos que infra se transcrevem, é manifesta a incongruência entre os factos considerados provados e não provados;
iv. Ora, conforme se poderá constatar, na sentença recorrida a Mma. Juiz “a quo” aceita como assentes determinados factos, mas depois julga os mesmos factos ou outros correlacionados, de forma incongruente sem explicação lógica que não seja o seu desejo notório de decidir contra a Recorrente;
v. Acontece que, da matéria factual dada como provada não resulta que o cenário visualizado pela Mma. Juiz a quo;
vi. Efectivamente, salta à vista a adesão sem limites do Tribunal “a quo”, em termos de apreciação da prova, às declarações de parte da Recorrida, sem levar em consideração outros meios de prova, o que objectivamente gerou manifestas incongruências de direito nos presentes autos. Ainda, verifica-se que a Recorrida referiu várias inverdades na contestação que não resultaram provadas nos presentes autos;
vii. A Recorrida na sua contestação apresenta uma impugnação genérica, vedada pelo art.º 574º, nº 1 do CPC;
viii. Da reapreciação da prova testemunhal gravada, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 640º do CPC, bem como das declarações de IRS juntas aos autos (Docs. 7,8,9, 10,11,12,13,14,15,16,17,18 e 19 juntos com a PI), deve ser considerado provado o facto constante na alínea e) dos factos não provados;
ix. É completamente incongruente, a Mma. Juiz a quo considerar provado o facto nº 6 dos factos provados, e não provado o facto que resulta da alínea e) dos factos não provados;
x. Através dos extractos bancários juntos com a petição inicial (Docs. 29 a 52), é possível verificar que apenas era creditada na conta conjunta do Banco S, a pensão de reforma do Recorrente, designadamente com as referências “TRF PENSAO”, “TRF de Instituto de Gestão Financeira” ou “TRF CRED SEPA + PENSAO”;
xi. Da reapreciação da prova, deve, pois, ser revogada e alterada a decisão da matéria de facto, considerando-se provados os factos constantes nas alíneas a), d, e), g), i), bb), dd), ee) e ff) dos factos não provados;
xii. Da reapreciação da prova, deve, pois, ser revogada e alterada a decisão da matéria de facto, considerando-se provado o facto constante na alínea pp) dos factos não provados;
xiii. A Recorrida não impugna, concreta e definidamente, a proveniência de uma única (das largas dezenas) verbas referidas na PI, também não utiliza qualquer passo do seu articulado para dizer/alegar que esta ou aquela concreta verba (nem uma, ao menos) não foi levantada ou transferida por si.
xiv. É notório que a versão dos factos expostas pela Recorrente na contestação e o teor das declarações de parte prestadas pela mesma divergem por completo.
xv. A Recorrida não juntou aos autos os documentos referidos no requerimento com a refª: 41148951;
xvi. Os documentos nº 29 a 52 juntos com a PI revelam com clareza as movimentações e levantamentos bancários efetuados nas contas conjuntas tituladas pelo Recorrente e pela Recorrida no Banco S e Caixa G;
xvii. A sentença recorrida ignorou a factualidade demonstrada e, mais uma vez, andou mal o Tribunal a quo ao entender que não resultaram provados os factos constantes nas alíneas bb), dd), ee), ff), gg) e hh) dos factos não provados;
xviii. Os referidos factos devem ser considerados provados;
xix. O Recorrente pretende ver incluída por via da ampliação da decisão da matéria de facto, a factualidade constante nos artigos 62º e 63º da petição, nos termos do disposto no art.º 662º, nº 2 alínea c) do CPC;
xx. Não constam nos autos o que a Recorrida fez com a diferença do valor, tendo em conta os levantamentos efetuados para pagar o resort e a quantia de €18.555,00;
xxi. Resulta distintamente das várias folhas que consubstanciam os extractos bancários (Docs. 29 a 52 juntos com a PI), que no período a que correspondem tais extractos, a conta do Banco S era alimentada a crédito exclusivamente pela pensão de reforma do Recorrente;
xxii. A Recorrida não nega e não apresenta qualquer justificação para as movimentações que efetuou, não apresenta nos autos a única exacta e concreta explicação/justificação.
xxiii. A prova realizada implica a necessária alteração da decisão da matéria de facto e deve ser considerado provado o facto constante na alínea ff) dos factos não provados;
xxiv. No facto nº 3 factos provados, apesar de o Tribunal a quo não ter especificado, resulta da certidão de divórcio junta aos autos como documento nº 1 junto com a petição inicial, que o Recorrente e a Recorrida declararam que não existia casa de morada de família ou bens comuns a relacionar.
xxv. A douta sentença ora recorrida viola o disposto nos artigos 1735º e 1762º do Código Civil.
xxvi. Resulta provado que os montantes que a Recorrida utilizou e transferiu indevidamente para si, são bens próprios do Recorrente, uma vez que tais verbas tinham como proveniência/origem as suas pensões de reforma e a indemnização recebida aquando da sua reforma.
xxvii. Assim, em face do que consta do que consta no facto nº 6 dos factos provados, devem ser considerados provados os factos constantes nas alíneas e), g), h), ii) e jj) dos factos não provados
xxviii. É indiscutível que as verbas referidas nos pontos 29, 30, 33 e 34 dos factos provados eram bens próprios do Recorrente, uma vez que tais verbas tinham como proveniência/origem as pensões de reforma do Autor.
xxix. Quando estamos perante quantias que estão depositadas em contas bancárias, importa distinguir que uma coisa é a titularidade das contas bancárias em que as disponibilidades monetárias se encontram depositadas e outra, em que pode haver diferentes titulares, a propriedade dos fundos depositados.
xxx. As verbas monetárias referidas nos pontos 29, 30, 33 e 34 dos factos provados entraram na conta bancária como bens próprios do Recorrente e assim permaneceram (como bens próprios), em face da completa separação de patrimónios entre Recorrente e Recorrida e da nulidade das recíprocas doações.
xxxi. Foi a Recorrida que efetuou as movimentações bancárias, pois os extractos bancários revelam que era a mesma que efetuava as movimentações e isso resulta do teor das declarações de parte prestadas pelo Recorrente e Recorrida.
xxxii. A partir do início do ano de 2019 (facto nº 33 dos factos provados), a Recorrida começou a efetuar com frequência movimentações e transferências bancárias para si de montantes elevados.
xxxiii. Deve ser considerado provado que quando a Recorrida movimentou/transferiu/levantou as verbas de tal conta bancária, no montante global de €111.140,87, movimentou/transferiu/levantou dinheiro alheio, pelo que é a Recorrida que tem de explicar/provar o que fez a tal dinheiro alheio.
xxxiv. E se não explica/prova – estando o dinheiro “desaparecido” há anos – a conclusão final só podia ser a de que a Recorrida se apoderou do mesmo, pelos que os factos constantes nas alíneas bb), dd), ee), ff) e gg) devem ser considerados provados.
xxxv. No caso concreto não ocorre presunção legal de compropriedade, pois ao contrário do que sustenta a sentença recorrida, o Recorrente logrou fazer prova de que o montante creditado na conta conjunta do Banco S provêm única e exclusivamente da sua pensão de reforma.
xxxvi. A factualidade demonstrada, se revelou concludente no sentido de atribuir a propriedade exclusiva das quantias creditadas nas contas conjuntas do Banco S e Caixa G ao Recorrente.
xxxvii. A Recorrida se apropriou indevidamente da quantia de €111.140,87, bem próprio do Recorrente e deve ser condenada a proceder à respectiva restituição.
xxxviii. O Recorrente não pode concordar que apenas tem direito a receber da Recorrida a quantia de €58.430,48.
xxxix. Ao contrário do que a Recorrida afirmou no art.º 33º da contestação, resultou provado que as transferências bancárias para pagamento do sinal referente à aquisição da fração “AK”, no valor de €100.000,00 e no valor de €5.000,00, efetuadas no dia 13-03-2015 e no dia 08-07-2016, respectivamente, foram efetuadas da conta nº 0159 0700190900, titulada pelo Autor e pela Ré na CAIXA G – cfr. documento nº 1, junto aos autos através do requerimento com a Refª: 43643146, enviado através do sistema informático Citius, em 21 de outubro de 2022;
xl. A Recorrida não adquiriu a fração “AK” com capitais próprios.
xli. Não se compreende como o Tribunal a quo ignorou que, em 01 de junho de 2011, foi efetuada a liquidação do depósito a prazo realizado em nome do Recorrente no Banco M, no valor de €198.000,00 (cento e noventa mil euros) – cfr. documento nº 2, junto aos autos através do requerimento com a Refª: 40647573, enviado através do sistema informativo Citius, em 02 de dezembro de 2021;
xlii. No dia 20-06-2011, o Recorrente depositou um cheque no valor de €199.546,13 (cento e noventa e nove mil quinhentos e quarenta e seis euros e treze cêntimos) – cfr. documento nº 3, junto aos autos através do requerimento com a Refª: 40647573, enviado através do sistema informático Citius, em 02 de dezembro de 2021. xliii. No dia 21-06-2011, o Recorrente efetuou um depósito a prazo na referida conta conjunta, no valor de €200.000,00 (duzentos mil euros) – cfr. documento nº 4, junto aos autos através do requerimento com a Refª: 40647573, enviado através do sistema informático Citius, em 02 de dezembro de 2021.
xliv. No dia 21-03-2013, o Recorrente efetuou depósito a prazo na referida conta conjunta, no valor de €200.000,00 (duzentos mil euros) – cfr. documento nº 5, junto aos autos através do requerimento com a Refª: 40647573, enviado através do sistema informático Citius, em 02 de dezembro de 2021.
xlv. E, no dia 28-01-2014, o Recorrente efetuou novo depósito a prazo na referida conta conjunta, no valor de €200.000,00 (duzentos mil euros), com vencimento no dia 28-01-2015 – cfr. documento nº 6, junto aos autos através do requerimento com a Refª: 40647573, enviado através do sistema informativo Citius, em 02 de dezembro de 2021.
xlvi. O pagamento da quantia de €100.000 (cem mil euros), efetuado a título de sinal à sociedade vendedora da fração “AK”, ocorreu em 13-03-2015, menos de dois meses após o fim do depósito a prazo acima referido;
xlvii. A factualidade exposta pelo Recorrente contraria completamente a tese exposta pela Recorrida na contestação e clarifica a origem da quantia utilizada pela mesma para pagar o sinal da fração “AK”, que posteriormente ficou apenas escriturada em seu nome.
xlviii. A Recorrida disse em declarações de parte que não movimenta a conta do Banco S. Como a Recorrida explica que não está a movimentar uma conta na qual mensalmente são debitadas as despesas do empréstimo que contraiu junto do Banco S?
xlix. A reapreciação da prova testemunhal gravada, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 640º do CPC, impõe que deve, pois, ser revogada e alterada a decisão da matéria de facto, considerando-se provado o facto constante na alínea pp) dos factos não provados;
l. A Recorrida deve ser condenada a restituir ao Recorrente, a título de enriquecimento sem causa, a quantia de €136.860,97, bem como na quantia que se vier a liquidar, correspondente aos pagamentos que o mesmo está a efectuar mensalmente junto do Banco S, a que acrescem juros de mora, nos termos já peticionados.”.
9. Não foram apresentadas contra-alegações.
*
II. QUESTÕES A DECIDIR
Considerando o disposto nos art.ºs 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC, nos termos dos quais as questões submetidas a recurso são delimitadas pelas conclusões de recurso, impõe-se concluir que as questões submetidas a recurso, delimitadas pelas aludidas conclusões, são as seguintes:
- da impugnação da matéria de facto;
- do mérito da causa.
*
III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
“Fundamentação de facto
Factos Provados
1. O autor e a ré são casados entre si (alínea A) dos “Factos admitidos por acordo ou provados por documento”).
2. No dia 20.05.2007, o autor e a ré contraíram casamento católico um com o outro, sob o regime da comunhão de adquiridos (alínea B) dos “Factos admitidos por acordo ou provados por documento”).
3. Por decisão de 07.11.2016, de onde consta que não existem bens comuns a relacionar, foi homologado o acordo apresentado por autor e ré decretado sobre a prestação de alimentos, nos termos do qual o autor se obrigou a pagar à ré, a título de alimentos, a quantia de 1000 euros mensais, e decretado o divórcio de autor e ré, por mútuo consentimento (alínea C) dos “Factos admitidos por acordo ou provados por documento”).
4. Em 20.05.2017, o autor e a ré contraíram casamento civil, sob o regime imperativo da separação de bens, uma vez que o Autor tinha na altura 69 anos de idade, enquanto a Ré tinha 40 anos de idade (alínea D) dos “Factos admitidos por acordo ou provados por documento”).
5. O autor e a ré viveram em comunhão de 2007 até 05 de janeiro de 2021 e não têm filhos em comum (alínea E) dos “Factos admitidos por acordo ou provados por documento”).
6. O autor é reformado e a ré não exerce qualquer atividade profissional desde o início do ano de 2009 (alínea F) dos “Factos admitidos por acordo ou provados por documento”).
7. O autor e a ré conheceram-se quando ambos trabalhavam na sociedade N – TELECOMUNICAÇÕES, S.A. (alínea G) dos “Factos admitidos por acordo ou provados por documento”).
8. Em 30.04.2009, quando o autor se reformou recebeu uma indemnização no valor de €226.125,92 (alínea H) dos “Factos admitidos por acordo ou provados por documento”).
9. Em 31.03.2009, a ré decidiu cessar o contrato de trabalho que mantinha com a empresa referida em 7., por mútuo acordo, tendo recebido, a título de contas finais, a quantia de €13.650,73 (alínea I) dos “Factos admitidos por acordo ou provados por documento”).
10. Mediante escrito datado de 11.03.2015 e denominado de “contrato promessa de compra e venda”, a sociedade “AL – INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA.” prometeu vender ao autor e à ré, a fração autónoma “AK”, descrita na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o nº 6193, pelo preço de €195.000,00 (alínea J) dos “Factos admitidos por acordo ou provados por documento”).
11. No dia 21.09.2017, mediante “documento particular de compra e mútuo com hipoteca, a sociedade “AL– INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA.” declarou vender à ré fração autónoma designada pela “AK”, descrita na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o nº 6193, pelo preço de €195.000,00.
No mesmo documento, FG, em representação e na qualidade de procurador do Banco S, SA, declarou conceder à ré um empréstimo no montante de 70.000 euros de que a ré se confessou devedora, tendo esta declarado, ainda, que constituía hipoteca do imóvel a favor do banco, que a aceitou, para garantia de todas as responsabilidades assumidas nos termos do presente contrato.
No mesmo documento, o autor declarou constituir-se fiador e principal pagador, com renúncia ao benefício da excussão prévia, de todas as obrigações emergentes para a ré do presente contrato (alínea L) dos “Factos admitidos por acordo ou provados por documento”).
12. Na Conservatória do Registo Predial do Funchal, encontra-se descrita sob o nº 6193/20170427-AK, uma unidade habitacional, tipo T2, e aí inscritas, com a Ap. 3282 de 2017/09/20, aquisição a favor da ré, por compra a “AL – INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA., e com a Ap. 3283 de 2017/09/20, hipoteca voluntária a favor do Banco S, SA, com o capital de 70.000 euros (alínea M) dos “Factos admitidos por acordo ou provados por documento”).
13. Na Conservatória do Registo Predial da …, freguesia de Corroios encontra-se descrita sob o nº 20051031-D, uma fração autónoma, 1º andar esquerdo, e aí inscrita, com a Ap. 3282 de 2006/09/08, aquisição a favor da ré, por compra a MD – Construções, Lda. (alínea N) dos “Factos admitidos por acordo ou provados por documento”).
14. Mediante escritura pública celebrada em 30.10.2006 e denominada de “permuta”, a ré declarou dar à sociedade MD – Construções, Lda. a fração autónoma designada pela letra “C”, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, freguesia de Benfica, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º…, Livro-.., com aquisição registada a favor da ré pela inscrição … do Livro …-…, à qual atribuiu o valor de 85.000 euros, e em troca, a referida sociedade dá à ré a fração autónoma referida em 13, à qual foi atribuído o valor de 160.000 euros (alínea O) dos “Factos admitidos por acordo ou provados por documento”).
15. O autor ficou viúvo em novembro de 2006 (alínea P) dos “Factos admitidos por acordo ou provados por documento”).
16. Mediante documento lavrado de 22 agosto de 2016 na Conservatória do Registo Comercial de …, a ré declarou vender a JP, pelo preço de 140.000 euros, a fração autónoma referida em 14., tendo este último declarado aceitar o negócio nos termos exarados (alínea Q) dos “Factos admitidos por acordo ou provados por documento”).
17. O autor e a ré acordaram que voltariam a casar assim que fosse possível e nunca estiveram separados.
18. O réu sempre depositou confiança na ré, pelo que era mais esta que fazia a gestão das contas bancárias.
19. A autora que fez várias viagens para a região da Ásia, na companhia do autor.
20. No dia 02.09.2020, o autor e a ré embarcaram em Lisboa com destino às Maldivas.
21. Ali chegados, hospedaram-se no Resort “Island Resort”, nas Maldivas, e tinham a previsão de lá ficarem aproximadamente um mês.
22. Através das movimentações constantes nos extratos bancários, o autor apurou que, de setembro de 2020 a janeiro de 2021, os custos desta viagem importaram a quantia de €18.555,00.
23. O autor transmitiu à ré que iria regressar a Portugal e que se a mesma quisesse ficar nas Maldivas, a decisão era dela.
24. A ré decidiu ficar nas Maldivas e comprou a passagem aérea para que o Autor regressasse ao Funchal.
25. No dia 05.01.2021, o autor regressou sozinho a Portugal.
26. Quando deixou as Maldivas, o autor estava convencido que a sua esposa estava a manter um relacionamento amoroso com um cidadão local, funcionário do “resort”.
27. Quando chegado a Portugal iniciou uma verificação das suas contas bancárias.
28. O autor e a ré possuem duas contas conjuntas tituladas pelos mesmos junto das seguintes instituições bancárias:
a) Caixa G: conta nº 90 0, com o IBAN nº PT 50003 900 77;
b) Banco S: conta nº 020, com o IBAN nº PT50001 02070.
29. Entre os dias 04.01.21 a 11.01.2021, foram transferidos da conta conjunta titulada pelos dois junto do Banco S para a conta conjunta, também titulada por ambos na Caixa G, o montante de €27.008,46.
30. Entraram na conta conjunta as quantias de €14.000,00, €8.000,00, €1.500,00, €2.000,00, €1.474,35 e €34,11, respetivamente.
31. O autor pediu satisfações à ré, quer por mensagens de telemóvel quer por e-mail, acerca das movimentações e transferências bancárias que efetuou.
32. A ré é a única titular de uma conta junto da Caixa G.
33. Ao tomar conhecimento das transferências bancárias, O autor consultou os extratos bancários dos anos anteriores, tendo apurado que foram efetuadas movimentações de quantias, nos seguintes termos:
a) Janeiro de 2018:
- 10/01 – Dois levantamentos, no valor de €200,00 cada um;
- 15/01– Pagamento de cartão de crédito, no valor de €1.359,74;
- 22/01– Mobilização para a conta a prazo, no valor de €1.500,00;
- 22/01– Transf. MB para o IBAN nº 5000 3093, no valor de €432,08;
- 22/01– Dois levantamentos, no valor de €200,00 cada um;
- 23/01– Dois levantamentos, no valor de €200,00 cada um.
b) Fevereiro de 2018:
- 12/02 – Dois levantamentos, no valor de €200,00 cada um;
- 20/02 – Dois levantamentos, no valor de €200,00 cada um;
- 22/02 – Mobilização para a conta a prazo de €1.500,00;
- 22/02 – Transferência MJR-04158006 de €1.500,00.
c) Abril de 2018:
- 02/04 – Mobilização para a conta a prazo, no valor de €200,00;
- 04/04 – Mobilização para a conta a prazo, no valor de €100,00;
- 09/04 – Mobilização para a conta a prazo, no valor de €1.200,00
- 10/04 – Mobilização para a conta a prazo, no valor de €1.500,00;
- 26/04 – Mobilização para a conta a prazo, no valor de €1.500,00;
- 09/04 – Pagamento de Serviços: Ent …/Ref. …, no valor de €3.119,72;
- 26/04 – Pagamento de Serviços: Ent …/Ref. …, no valor de €1.300,00.
c) Maio 2018:
- 02/05 – Mobilização para a conta a prazo, no valor de €200,00;
d) Junho 2018:
- 11/06 – dois levantamentos, sendo um no valor de €200,00, e outro no valor de €150,00;
- 13/06 – Dois levantamentos, no valor de €200,00;
- 13/06 – Um levantamento, no valor de €150,00;
e) Julho 2018:
- 09/07 – Três levantamentos, no valor de €200,00 cada um;
- 09/07 – Um levantamento, no valor de €180,00;
- 11/07 – Quatro levantamentos, no valor de €200,00 cada um;
- 11/07 – Transf. MB 3093, no valor de €77,72€;
- 13/07 – Dois levantamentos, no valor de €200,00 cada um;
- 13/07 – Um levantamento, no valor de €180,00;
f) Agosto 2018:
- 09/08 – Dois levantamentos, no valor de €200,00 cada um;
- 10/08 – Dois levantamentos, no valor de €200,00 cada um;
- 16/08 – Mobilização para a conta a prazo, no valor de €1.000,00;
- 16/08 – Um levantamento, no valor de €200,00;
- 16/08 – Um levantamento, no valor de €160,00;
- 20/08 – Mobilização para a conta a prazo, no valor de €500,00;
- 22/08 – Mobilização para a conta a prazo, no valor de €2.500,00;
- 22/08 – Quatro levantamentos, no valor de €200,00;
- 24/08 – Cinco levantamentos, no valor de €200,00 cada um;
- 24/08 – Um levantamento, no valor de €70,00.
g) Setembro 2018:
- 03/09 – Mobilização para a conta a prazo, no valor de €15.000,00; - 03/09- Constituição de depósito a prazo, no valor de €10.000,00;
- 03/09- Pagamento APRP, no valor de €4.500,00;
- 11/09 – Quatro levantamentos, no valor de €200,00 cada um;
- 12/09 – Um levantamento, no valor de €200,00;
- 12/09 – Um levantamento, no valor de €150,00.
h) Novembro de 2018:
- 02/11- Transf B - …34, no valor de €250,00;
- 08/11- Transf B -E06934, no valor de €1.500,00.
34. Nos anos seguintes foram efetuadas movimentações e transferências bancárias, nos termos seguintes:
a) Uma “Transferência imediata para B”, no dia 25-01-2019, no valor de €1.010,00);
b) Uma “Transferência imediata para B”, no dia 08-02-2019, no valor de €1.800,00;
c) Uma “Transferência imediata para B”, no dia 08-03-2019, no valor de €700,00;
d) Uma Mobilização Antecipada, no valor de €7.500,00, no dia 22-03-2019, registando-se logo de seguida uma “Transferência imediata para B” nesse mesmo valor;
e) Uma transferência para a conta da ré no dia 02-04-2019, no valor de €100,00;
f) Uma transferência para a conta da requerida no dia 08-05-2019, no valor de €1.555,00;
g) Uma “Transferência imediata para B”, no dia 05-07-2019, no valor de €1.050,00;
h) No dia 08-07-2019, uma nova “Transferência imediata para B”, com o valor de €4.000,00;
i) Uma “Transferência imediata para B”, no dia 01-08-2019, no valor de € 250,00;
j) No dia 08-08-2019, uma nova “Transferência imediata para B”, no valor de €2.000,00;
k) Uma “Transferência imediata para B”, no dia 09-09-2019, no valor de €2.000,00;
l) Uma “Transferência imediata para B”, no dia 08-10-2019 com o valor de €1.125,00;
m) Uma “Transferência imediata para B”, no dia 08-11-2019, no valor de €1.400,00;
n) Uma nova “Transferência imediata para B”, com o valor de €2.000,00;
o) Uma “Transferência imediata para B”, no dia 02-12-2019 com o valor de €600,00, depois de uma mobilização antecipada no mesmo dia, no valor de € 1.000.00;
p) Uma nova “Transferência imediata para B”, no dia 09-12-2019, no valor de €3.340,00, registando-se no dia 11-12-2019 uma nova transferência para a ré no valor de €100,00;
q) Uma nova mobilização antecipada de €1.000.00, no dia 26-12-2019, registando-se no dia 24-12-2019 uma “Transferência imediata para B”, no valor de €1.000.00;
r) Uma Transferência para a ré, no dia 08-01-2019, no valor de €1.300,00;
s) Cinco transferências no dia 22-01-2020, com os respetivos valores: €45,00, €40,00, €65,00, €30,00 e €20,00;
t) Uma mobilização antecipada, no valor de €500,00 e de seguida verificou-se “Transferência imediata para B”, no valor €498,00;
u) No dia 03-02-2020, uma “Transferência imediata para B” no valor €495,00, depois de uma mobilização antecipada no valor de €500,00 no mesmo dia;
v) No dia 04-02-2020, uma nova mobilização antecipada no valor de €500,00 seguida de uma “Transferência imediata para B”, no valor € 400,00;
w) Uma nova transferência da Ré, no valor de €200,00, no dia 11-02-2020, bem como uma nova “Transferência imediata para B”, no dia 21-02-2020, no valor de €750,00.
35. Verificaram-se, ainda, os seguintes movimentos:
a) No dia 09-03-2020, “Transferência imediata para B”, no valor de €1.450,00;
b) No dia 10-03-2020, “Transferência imediata para B”, no valor de €300,00;
c) No dia 08-04-2020, “Transferência imediata para B”, no valor de €1.427,60;
d) No dia 17-04-2020, “Transferência imediata para B”, no valor de €100,00;
e) No dia 08-05-2020, “Transferência imediata para B”, no valor de €1.500,00;
f) No dia 08-06-2020, “Transferência imediata para B”, no valor de €1.400,00;
g) No dia 08-07-2020, “Transferência imediata para B”, no valor de €3.300,00;
h) No dia 10-08-2020, “Transferência imediata para B”, no valor de €1.500,00;
i) No dia 24-08-2020, “Transferência imediata para B” no valor de €1.000.00, depois de ter sido realizada, na mesma data, uma Liquidação Antecipada no valor €1.500,00 (mil e quinhentos euros);
j) No dia 24-08-2020, “Transferência imediata para B”, no valor de €622,95;
l) No dia 27-08-2020, “Transferência imediata para B”, no valor de €1.500,00, depois de ter sido realizada, na mesma data, uma Liquidação Antecipada no valor mesmo valor;
m) No dia 31-08-2020, foram feitas duas transferências registadas como “Transferência imediata para B”, sendo uma no valor de €1.000,00 e a outra no valor de €200,00;
n) No dia 08-09-2020, foram feitas duas transferências registadas como “Transferência imediata para B”, sendo uma no valor de e a outra no valor de €1.850,00, depois de ter sido registada, na mesma data, uma Liquidação Antecipada no valor de €2.000,00;
o) No dia 12-10-2020, foram feitas três transferências registadas como “Transferência imediata para B”, sendo uma no valor de €1.000,00, e outra duas no valor de €1.500,00 cada uma, depois de ter sido registada uma nova Liquidação Antecipada, nesse mesmo dia, no valor de €2.000,00;
p) No dia 15-12-2020, “Transferência imediata para B”, no valor de no valor de €2.325,00;
q) No dia 04-01-2021, “Transferência imediata para B” no valor de €14.000.00, depois de ter sido registada nesse mesmo dia, uma nova Liquidação Antecipada, com o mesmo valor, € 14.000,00;
r) No dia 05-01-2021, “Transferência imediata para B” no valor de €8.000,00, depois de ter sido registada nesse mesmo dia, uma nova Liquidação Antecipada, com o mesmo valor; s) No dia 06-01-2021, “Transferência imediata para B”, no valor de € 1.500,00, depois de ter sido registada nesse mesmo dia, uma nova Liquidação Antecipada, com o mesmo valor;
t) No dia 11-01-2021, foram feitas duas transferências registadas como “Transferência imediata para B”, sendo uma no valor de €2.000.00, e outra no valor de €1.474,35;
u) No dia 28-01-2021, “Transferência imediata para B”, no valor de €34,11.
36. A seguir ao crédito das quantias transferidas da conta conjunta do S, há, várias vezes, uma movimentação com os mesmos ou semelhantes valores com a referência “TRF CDOL”.
37. No início do ano de 2015, a ré decidiu com o autor adquirir um apartamento no Funchal.
38. No dia 13.03.2015, a ré efetuou uma transferência bancária, a partir da conta da CAIXA G referida em 28., para a sociedade “AL – INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA.”, no valor de €100.000,00.
39. No dia 08.07.2016, a ré efetuou uma transferência bancária, a partir da conta da CAIXA G referida em 28., para a sociedade “AL – INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA.”, no valor de €5.000,00.
40. No dia 09.09.2017, a ré efetuou uma transferência bancária para a sociedade “AL – INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA.”, no valor de €10.000,00.
41. No dia 20.09.2017, a ré efetuou uma transferência bancária, da conta com o IBAN PT50002070, titulada por ela e pelo autor junto do Banco S, para a sociedade “AL – INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA.”, no valor de €70.000,00.
42. No dia 20.09.2017, a ré efetuou uma transferência bancária, para a promitente vendedora, no valor de €10.000,00.
43. A fração “AK” foi onde o casal autor e ré sempre residiu desde a respetiva aquisição.
44. As prestações mensais correspondentes ao empréstimo contraído junto do Banco S para aquisição da fração “AK”, no valor de €70.000,00 bem como todas as despesas associadas, são debitadas na conta conjunta titulada no mesmo banco;
45. No que diz respeito às despesas associadas à fração “AK”, já foram pagas as seguintes quantias:
a) No ano de 2018: €2.750,55;
b) No ano de 2019: €3.696,37;
c) No ano de 2020: €3.560,57;
d) No ano de 2021 (valor apurado até 04.10.2021) €1.853,48.
46. Mesmo após a separação do casal foram debitados mensalmente na conta conjunta existente no Banco S:
a) Prestação mensal do empréstimo: €267,05;
b) Seguro de vida associado ao empréstimo: €18,25.
47. O autor não mantém qualquer contacto com a ré.
48. Em janeiro de 2004 a ré, iniciou a sua atividade laboral na N, onde trabalhava o autor.
49. Iniciaram uma relação amorosa, a ré com 28 anos e autor com 57 anos.
50. A autora residia no apartamento em Benfica, referido em 14. e o réu vivia num apartamento arrendado com a sua família.
51. Em 2005 o autor mudou-se para o apartamento em Benfica onde passaram a viver em comum.
52. Enquanto estabeleceram a morada conjugal na casa da ré ambos mantinham os seus postos de trabalho numa empresa denominada N, localizada em Almada, pelo que decidiram procurar um apartamento mais próximo do local de trabalho.
53. Para o efeito, optaram por um apartamento em Rua …, Corroios.
54. A ré entregou de permuta o apartamento de Benfica para pagamento do preço acordado para o apartamento referido em 53.
55. O autor e a ré estabeleceram residência comum no apartamento referido em 53.
56. Quando o autor fica viúvo pede a ré em casamento.
57. A ré leva para o casamento um automóvel Fiat Punto preto com a matrícula ..-..-RS, que foi para abate, em 12.04.2016.
58. A ré e o autor almoçavam regularmente aos fins de semana em Lisboa com primas do autor, C. e V..
59. A ré sempre conviveu com os seus próprios pais, sempre disponíveis para ajudar em tudo o que estivesse ao seu alcance, nomeadamente financeiramente.
60. Na sequência da rescisão do seu contrato de trabalho, a autora recebeu a indemnização a que tinha direito no montante de 13.650,73€ e beneficiou de 2 anos de desemprego;
61. Autor e ré viajaram por vontade de ambos.
62. Até que escolheram a Madeira para viver.
63. O autor esteve presente na negociação do contrato promessa, acompanhou as obras de beneficiação negociadas com o vendedor, esteve presente na assinatura da escritura e interveio enquanto fiador do remanescente do valor do preço acordado, sempre de forma esclarecida, consciente, informada e manifestando ser essa a sua vontade.
64. Quando se voltam a casar, as contas bancárias já eram conjuntas na Caixa G e no Banco S.
65. A gestão dos pagamentos e levantamentos das contas bancárias não se alteraram.
66. O casal, em conjunto, entendeu que a conta à ordem não deveria ter grandes quantias disponíveis, que assim que tivessem algum valor disponível para além do acordado, deveria o mesmo ser transferido para uma conta.
67. A ré trabalhou até conhecer o autor.
68. A ré sempre foi reconhecida como uma excelente trabalhadora empenhada e dedicada, inclusivamente ganhou prémios por projetos apresentados.
69. A ré fez várias formações ao longo dos anos, inclusive formações que a habilitam a trabalhar tanto em Portugal como no estrangeiro.
70. ré elaborou Curriculum Vitae.
71. O casal sempre viajou.
72. Em 2008, ainda enquanto trabalhadores da mesma empresa, a ré ganhou uma viajem a Londres como prémio de um projeto ambiental que apresentou, que incluía viagem VIP, jantar e concerto da Rihanna no A de Londres e estadia em Hotel de 5 estrelas, tudo pago.
73. A ré pediu se podia levar o marido e assim proporcionou a viagem ao autor.
74. O autor estava muito preocupado com a pandemia Covid-19, especialmente por já ter 73 anos e não estar vacinado.
75. No início de janeiro de 2021, o autor decidiu e vir sozinho de volta para Portugal.
76. Os regressos estavam em aberto, bastando comunicar à companhia aérea a data em que queriam regressar sem quaisquer custos associados.
77. Chegada a casa, a ré encontrou o imóvel vazio.
78. Sem as suas roupas, sapatos, joias, produtos de beleza, eletrodomésticos e bens alimentares da despensa de casa.
79. E em 14 de abril de 2021, o imóvel estava vazio, à exceção de cartazes espalhados pela casa, com os dizeres “Pérfida – Amgr – pelo mal que me fez…adúltera, desonesta, mentirosa, traidora, traiçoeira. Desejo-lhe as maiores tormentas que possam acontecer a um ser humano – doença – fome – miséria total – Amen” e um outro, em que se escreveu “Ferfida – amgr – triçoeira pelo mal que me fez, adultera, infiel, desonesta, traidora, desejo-lhe as maiores tormentas que possam acontecer a um ser humano – doença – fome – miseria total – amen. É uma grande desgraçada e desgraçou tudo e todos próximos”.
80. Deixou ainda um escrito à máquina, datado de 5 de janeiro, onde escreveu manuscrito em letras maiúsculas as palavras Falaciosa, cínica, traiçoeira, mentirosa, traidora … “Então quando não dormia no quarto onde é que ia tomar o pau de canela com leitinho quentinho”.
81. Para além de esvaziar o imóvel, o autor cancelou todos os contratos de fornecimento de serviços, nomeadamente de água, luz, gás e comunicações.
82. A ré ficou com medo do que o autor pudesse lhe fazer.
83. O autor abandonou a residência e cortou qualquer contacto com a ré que a partir de 14 de abril de 2021.
Factos não provados:
a) O divórcio de autor e ré ocorreu pelo facto de a ré considerar que esta solução era a que melhor acautelava o património do casal, resguardando-o dos filhos do primeiro casamento do autor, com quem a ré não mantinha e não mantém boas relações;
b) O autor não concordou com os argumentos utilizados pela ré para a realização do divórcio, mas aceitou com base na confiança existente entre ambos e porque nutria um grande amor pela sua esposa;
c) A ré alegou ao autor que ganhava pouco e não valia a pena continuar a trabalhar por um salário baixo, quando a reforma e a indemnização auferidas pelo autor eram mais do que suficientes para os dois viverem de forma confortável;
d) Durante o período de vida em comum, o autor por diversas vezes, disse à ré que seria saudável e positivo que ela voltasse a trabalhar, mas a mesma sempre se negou, dizendo que estava bem como estava;
e) Desde o início do ano de 2009 até ao fim do casamento, o autor e a ré fizeram face a todos os encargos familiares apenas com os proventos que advêm da reforma auferida pelo autor;
f) Durante o período de vida em comum, a ré sempre fez questão de fazer várias viagens internacionais;
g) Os pagamentos eram efetuados apenas pela ré;
h) A ré sempre fez questão de manter o controlo total das finanças do casal, pondo o autor de parte.
i) A ré sempre demonstrou um gosto por viajar pela Ásia, sendo que as viagens referidas em 19. foram a expensas exclusivas do autor;
j) Em agosto do ano de 2020, a ré transmitiu ao autor que tinham ganho uma viagem de ida e volta para duas pessoas num concurso da Companhia Aérea “Emirates”;
l) Tendo a ré escolhido irem para as Maldivas em classe executiva, com partida a 02.09.2020;
m) Nessa ocasião, o autor já estava a “estranhar” alguns comportamentos da ré e questionou-a se teriam mesmo ganho tal viagem ou se a iriam pagar, ao que a mesma lhe disse que tinham ganho a viagem;
n) Sabe agora o autor que a viagem não foi ganha, mas sim paga pelo próprio, tendo inclusive a ré solicitado um “upgrade” para classe executiva;
o) A ré insistiu com o autor que deveriam ficar mais tempo, inclusive lhe disse que o Sr. Dr. FP, médico do casal no Funchal, recomendou que era mais seguro passarem lá o inverno, em decorrência da pandemia Covid-19, caso tivessem essa possibilidade;
p) O autor demonstrou a sua preocupação à ré com os custos elevados que estavam a ter nessa viagem, não sendo essa preocupação correspondida;
q) A ré mantinha uma postura de despreocupação, pois a cada dia que passava demonstrava cada vez mais indiferença pela situação e, bem assim, pela pessoa do autor;
r) Sem compreender o que se estava a passar, o autor tentou por diversas vezes conversar com a ré, até que esta começou a desaparecer do quarto e apenas aparecer de manhã;
s) Quando era confrontada com esta situação, a ré argumentava que estava a precisar de um tempo só para ela;
t) O autor estava triste, deprimido e desiludido com os comportamentos adotados pela sua esposa;
u) Passou o Natal e a passagem de ano 2020/2021 sozinho, tendo encontrado a ré apenas pelas 08:00 horas do dia 01.01.2021 a tomar o pequeno-almoço sozinha no restaurante do resort;
v) Nesse mesmo dia, durante a manhã, a ré passou pelo alojamento e disse ao autor que queria falar com ele, tendo lhe transmitido que queria ficar no “resort” sozinha, que queria saber como ficava sem o marido ao pé;
x) Desde que regressou a casa, o autor está em choque e envergonhado pelos comportamentos apresentados pela ré;
z) O que veio a confirmar-se através de fotos que a mesma partilhou pouco tempo depois nas suas redes sociais;
aa) A ré assumiu para amigos comuns do casal e familiares que ela e o autor estavam separados;
bb) As transferências e movimentações referidas em 29., 30., 33., 34. foram efetuadas pela ré;
cc) O autor sente-se profundamente triste e humilhado, ultrajado e vexado pela atitude da ré;
dd) De forma imediata, as quantias referidas em 30. foram transferidas para a conta particular que a ré mantém na Caixa G;
ee) Até à presente data, não obteve qualquer resposta por parte da ré, relativamente ao referido em 21.;
ff) A conta referida em 32. tem o nº 4823 e o IBAN nº PT50 230 04. gg) A maioria das transferências efetuadas pela ré da conta conjunta do Banco S, foram creditadas na conta conjunta da Caixa G;
hh) O referido em 36. significa o crédito das quantias em questão na conta titulada apenas pela ré, na Caixa G;
ii) Todas as importâncias creditadas na conta bancária conjunta titulada no Banco S, provinham na sua totalidade da pensão da reforma do autor, do rendimento das suas aplicações financeiras ou da indemnização recebida aquando da sua reforma;
jj) Os valores aí depositados não resultaram de qualquer entrega efetuada à ré;
ll) A ré decidiu que era bom para o casal ir viver para a Madeira;
mm) O autor ficou surpreendido por ter outorgado na escritura de compra e venda referida em 12. apenas na qualidade de fiador;
nn) O autor estava convencido que tal fração iria ser adquirida por si e pela sua esposa na mesma proporção;
oo) O pagamento referido em 45. foi feito pelo autor;
pp) Após descobrir as movimentações bancárias realizadas pela ré, o autor abriu uma conta apenas para si e é nesta conta que atualmente recebe a sua reforma
qq) O autor continua a suportar o pagamento da prestação mensal ao Banco S porque figura como fiador do empréstimo contraído junto do mesmo banco e porque apurou, através dos extratos bancários, que a ré continua a não depositar as quantias para pagamento das despesas, pretendendo evitar que seja afetado diretamente no seu património;
rr) Para pagamento do valor remanescente do preço referido em 54., a ré contraiu individualmente um empréstimo na CGD, no qual o fiador foi o seu pai
ss) O autor não tinha um relacionamento próximo com os seus filhos, CR e AL;
tt) Em 2010, o réu rompeu todas as relações com os filhos;
uu) A ré acompanhou a mãe do autor, AD, ao hospital e visitou sempre na casa de Saúde em Linda-a-Velha;
vv) No final de 2008, início de 2009, o autor sugeriu a ré que saíssem ambos da empresa onde autora e ré trabalhavam com os valores de indemnização e que o autor, em seguida, procederia ao seu pedido de reforma;
xx) Prometeu-lhe que se ela o fizesse viajariam o mundo inteiro e que viveriam um só para o outro o tempo todo, dizendo sempre “Agora quero é passear porque passei a vida toda a trabalhar e nunca gozei”;
zz) Foi neste contexto que a ré acedeu a negociar a rescisão do seu contrato de trabalho;
aaa) A ré tem as seguintes contribuições registadas na segurança social:
bbb) Quando autor e ré viviam no apartamento em Benfica, usavam para se deslocar o veículo automóvel Fiat Punto preto;
ccc) A ré deslocou-se ao banco Caixa G, onde integrou como segundo titular da sua conta bancaria de solteira o autor, com o número 9661, do balcão de Benfica.
ddd) Autor e ré partilhavam indiscriminadamente os proveitos do trabalho de ambos;
eee) O réu cortou relações com os filhos em 2010/2011, passando a dar-se e a conviver exclusivamente com a família e amigos da ré;
fff) Os 195 mil euros referidos em 11. foram pagos mediante a entrega de 100.000€ a título de sinal e reforço de sinal, de 15.000,00€, transferidos da conta titulada pela ré da CAIXA G número 2136033852330, acrescidos do valor de 70.000,00€ e de outros 10.000,00€ da conta da CGD;
ggg) O autor disse à ré que não queria nada em nome dele porque não confiava nos seus filhos, para a ré não ser prejudicada, caso lhe acontecesse alguma coisa, tanto mais que a compra do apartamento seria feita, em grande parte, com capitais próprios da ré;
hhh) O autor depois de procurar aconselhar-se juridicamente, transmitiu à ré que havia dois caminhos possíveis: ou ele “assinava um documento a dizer que prescindia da casa” ou divorciavam-se;
iii) Quem tramitou todo o processo negociou e estabeleceu o teor dos acordos foi o autor;
jjj) O autor obrigou-se a pagar pensão de alimentos a ré referida em 3. por reconhecer ser um valor justo, porque o sempre quis que a autora não trabalhasse para poder ter todo o tempo disponível para ele;
lll) E porque o autor quis e sabia que com essa sua decisão a ré estava impedida de auferir rendimentos fixos;
mmm) Quem fazia pagamentos de contas de casa e fazia levantamentos em multibanco era apenas o autor, porque só este tinha o cartão multibanco;
nnn) A ré ficou incumbida da preparação das viagens e da gestão de custos das férias de que dava sempre conhecimento diário ao autor;
ooo) O referido em 66. era por receio das notícias de problemas de phishing em instituições bancárias, sendo que dessa conta se pagavam as viagens que gostavam de fazer;
ppp) O autor expressamente pediu para não fazer parte da titularidade dessa conta, porque receava, caso falecesse, os filhos, com quem não mantinha qualquer relação de proximidade ficassem com os valores que, por decisão dele, deveriam ficar para a ré em caso de morte do autor;
qqq) Até porque era nessa conta que a mãe da ré também procedia a depósitos vários para que a filha, aqui ré procedesse aos pagamentos de despesas relacionadas com a casa daquela;
rrr) A ré e o autor sempre souberam e acordaram quanto aos valores que tinham nas contas, os destinos dos depósitos e dos pagamentos efetuados, sendo que, as decisões foram sempre e todas tomadas por ambos enquanto casal;
sss) A ré procurou trabalhos que pudessem ser efetuados remotamente, sem sair do pé do autor, sendo que apenas teve oportunidade de fazer trabalho esporádicos;
ttt) Ao que o autor sempre se opôs determinantemente;
uuu) A ré entregou Curriculum Vitae em vários serviços e instituições nacionais e internacionais;
vvv) Requereu os procedimentos necessários junto do Ministério dos Negócios Estrangeiros e deslocou-se aos mesmos para dar seguimento aos seus pedidos;
xxx) O autor começou a ter pânico de sair a rua e de se cruzar com outras pessoas;
zzz) Entrou num estado depressivo e de ansiedade;
aaaa) A ré preocupada com a saúde do autor propôs irem de novo para um destino que já conhecessem, longe da pandemia e sem grande densidade populacional e, assim, surgiu a viagem as Maldivas;
bbbb) O autor, nesse seu estado depressivo, não se conseguia relacionar com ninguém, receava toda a gente e não queria que a ré falasse nem se relacionasse socialmente com ninguém, sendo que dizia que estava num “quartel”;
cccc) Não suportava a ideia que a ré, 29 anos mais nova do que ele, não encarasse a pandemia nos mesmos termos e não se coibisse de tomar as refeições na sala, ou estivesse empenhada num programa de reabilitação da vida selvagem a tratar de uma garça;
dddd) Se a ré demorasse mais a chegar ao quarto de hotel acusava-a de estar com outros homens;
eeee) A ré sempre dormiu no quarto do casal;
ffff) O referido em 75. ocorreu após uma discussão entre ambos;
gggg) Com o fecho de todas as fronteiras decorrente do segundo confinamento decretado pelas autoridades, a ré só pode regressar a Portugal em 14 de abril de 2021;
hhhh) Os cartazes referidos em 79. foram escritos pela mão do autor;
iiii) O autor continua a dar como sua morada o apartamento que deixou no início do ano de 2021;
jjjj) O autor levou consigo tudo o que havia na casa em que viviam, inclusivamente todos os documentos, certidões, escrituras, registos bancários, faturas de pagamentos.”.
*
IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Face ao teor das alegações de recurso e às questões a decidir, importa iniciar a sua análise de forma lógica, o que se passa a efectuar. 1. Da impugnação da matéria de facto:
Sob a égide da impugnação da matéria de facto, defende o apelante que determinados factos não provados deveriam ser considerados provados; que devem ser aditados dois novos factos e ainda que existe uma contradição entre um facto provado e um facto não provado.
Nos termos do art.º 662º, nº 1 do CPC, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Por outro lado, dispõe o art.º 640º, nº 1 do CPC que “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
Tal como vem sendo entendido pela Doutrina e pela Jurisprudência, resulta deste preceito o ónus de fundamentação da discordância quanto à decisão de facto proferida, fundamentando os pontos da divergência, o que implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, abarcando a totalidade da prova produzida em primeira instância. Ou seja, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto tem como objectivo colocar em crise a decisão do tribunal recorrido, quanto aos seus argumentos e ponderação dos elementos de prova em que se baseou.
Quer isto dizer que incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, indicar com exactidão as passagens da gravação em que funda o recurso, podendo transcrever os excertos relevantes. Por seu turno, o recorrido indicará os meios de prova que entenda como relevantes para sustentar tese diversa, indicando as passagens da gravação em que se funda a sua defesa, podendo também transcrever os excertos que considere importantes, isto sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal.
Por outro lado, no seguimento deste mesmo Autor, “A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em algumas das seguintes situações:
a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (art.ºs 635º, nº 4, e 641º, nº 2, al. b));
b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art.º 640º, nº 1, al. a));
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.):
d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”, ob. cit., págs. 168 e 169.
No caso dos autos, entende o apelante que “a reapreciação da prova testemunhal gravada e declarações de partes gravadas, produzidas em sede de audiência de discussão e julgamento impõe diferente conclusão” daquela que foi efectuada pelo tribunal recorrido, elencando factos que, no seu entender devem transitar dos factos não provados para os factos provados.
Os factos que o apelante coloca em crise são os seguintes:
“a) O divórcio de autor e ré ocorreu pelo facto de a ré considerar que esta solução era a que melhor acautelava o património do casal, resguardando-o dos filhos do primeiro casamento do autor, com quem a ré não mantinha e não mantém boas relações;
d) Durante o período de vida em comum, o autor por diversas vezes, disse à ré que seria saudável e positivo que ela voltasse a trabalhar, mas a mesma sempre se negou, dizendo que estava bem como estava;
e) Desde o início do ano de 2009 até ao fim do casamento, o autor e a ré fizeram face a todos os encargos familiares apenas com os proventos que advêm da reforma auferida pelo autor;
g) Os pagamentos eram efetuados apenas pela ré;
h) A ré sempre fez questão de manter o controlo total das finanças do casal, pondo o autor de parte;
i) A ré sempre demonstrou um gosto por viajar pela Ásia, sendo que as viagens referidas em 19. foram a expensas exclusivas do autor;
bb) As transferências e movimentações referidas em 29., 30., 33., 34. foram efetuadas pela ré;
dd) De forma imediata, as quantias referidas em 30. foram transferidas para a conta particular que a ré mantém na Caixa G;
ee) Até à presente data, não obteve qualquer resposta por parte da ré, relativamente ao referido em 21.;
ff) A conta referida em 32. tem o nº 0317 0025 4823 e o IBAN nº PT50 0030 04;
gg) A maioria das transferências efetuadas pela ré da conta conjunta do Banco S, foram creditadas na conta conjunta da Caixa G;
hh) O referido em 36. significa o crédito das quantias em questão na conta titulada apenas pela ré, na Caixa G;
ii) Todas as importâncias creditadas na conta bancária conjunta titulada no Banco S, provinham na sua totalidade da pensão da reforma do autor, do rendimento das suas aplicações financeiras ou da indemnização recebida aquando da sua reforma;
jj) Os valores aí depositados não resultaram de qualquer entrega efetuada à ré;
pp) Após descobrir as movimentações bancárias realizadas pela ré, o autor abriu uma conta apenas para si e é nesta conta que atualmente recebe a sua reforma”.
Face a esta impugnação, impõe-se, desde logo, a necessidade de referir que parte dos factos impugnados não revestem qualquer interesse para a decisão da causa, sendo absolutamente irrelevantes, já que nunca alterarão a decisão de mérito.
Quando a alteração da decisão sobre matéria de facto pretendida pelo apelante seja manifestamente insusceptível de levar à alteração da decisão quanto ao mérito da causa, deve o Tribunal da Relação abster-se de a apreciar, porquanto essa apreciação contraria os princípios da celeridade e economia processuais (art.ºs 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do CPC), constituindo um acto inútil, e como tal proibido, nos termos do art.º 130º do CPC. Neste sentido, Acs. TRG de 15-12-2016, Proc. 86/14.0T8AMR.G1, relatora Maria João Matos, e de 02-11-2017, proc. 501/12.8TBCBC.G1, relatora Maria João Matos, Ac. TRC de 16-10.2018, proc. 1467/15.8T8CBR-A.C1, relator Moreira do Carmo, Ac. TRL de 26-09-2019, proc. 144/15.4T8MTJ.L1-2, relator Carlos Castelo Branco e ainda Acs. STJ de 30-06-2020, proc. 4420/18.6T8GMR-B.G2.S1, relator Graça Amaral, e de 09-02-2021, proc. 26069/18.3T8PRT.P1.S1, relator Maria João Vaz Tomé.
Ora, dos factos impugnados, apenas os factos não provados sob as alíneas e), bb), dd), ff), hh), ii) e jj) assumem relevância, sendo os demais completamente inúteis para o desfecho dos autos, motivo pelo qual devem ser desconsiderados na apreciação da impugnação da matéria de facto.
Passando a apreciar a impugnação efectuada relativamente aos factos não provados e), bb), dd), ff), hh), ii) e jj), há que referir que estes factos se prendem essencialmente, com a proveniência do dinheiro depositado nas contas bancárias em causa nos autos, com a transferência de quantias para conta unicamente titulada pela A., e respectivo número, bem como a forma como A. e R. orientavam as suas despesas.
Recorde-se que os factos em apreço são os seguintes:
“e) Desde o início do ano de 2009 até ao fim do casamento, o autor e a ré fizeram face a todos os encargos familiares apenas com os proventos que advêm da reforma auferida pelo autor;
bb) As transferências e movimentações referidas em 29., 30., 33., 34. foram efetuadas pela ré;
dd) De forma imediata, as quantias referidas em 30. foram transferidas para a conta particular que a ré mantém na Caixa G;
ff) A conta referida em 32. tem o nº 823 e o IBAN nº PT50 00 230 04.
hh) O referido em 36. significa o crédito das quantias em questão na conta titulada apenas pela ré, na Caixa G;
ii) Todas as importâncias creditadas na conta bancária conjunta titulada no Banco S, provinham na sua totalidade da pensão da reforma do autor, do rendimento das suas aplicações financeiras ou da indemnização recebida aquando da sua reforma;
jj) Os valores aí depositados não resultaram de qualquer entrega efetuada à ré;”.
Ouvidos todos os depoimentos prestados e confrontando-os com os documentos juntos aos autos, não se mostra possível proceder à alteração pretendida.
No que se refere às declarações de parte prestadas por A. e R., recorde-se que, nos termos do art.º 466º, nº 3 do CPC, “O tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão”.
No seguimento de Luís Filipe Pires de Sousa, in Declarações de Parte. Uma síntese, em www.trl.mj.pt, 2017 e António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração, Coimbra, 2018, pág. 539 e ss., em anotação ao citado art.º 466º, entende-se que as declarações de parte estão ao mesmo nível que os demais meios de prova, sendo valoradas de forma autónoma e integrada, sem que se estabeleça qualquer hierarquia entre os vários elementos probatórios.
Quer isto dizer que é em sede de fundamentação da matéria de facto que as declarações de parte devem ser valoradas, ponderando-se o seu conjunto com os demais elementos de prova, sem prejuízo da eventual confissão que ocorra.
Como se refere no Ac. TRL de 26-04-2018, proc. 18591/15.0T8SNT.L.1, relator Luís Filipe Pires de Sousa, “os critérios de valoração das declarações de parte coincidem essencialmente com os parâmetros de valoração da prova testemunhal, havendo apenas que hierarquizá-los diversamente. Em última instância, nada obsta a que as declarações de parte constituam o único arrimo para dar certo facto como provado desde que as mesmas logrem alcançar o standard de prova exigível para o concreto litígio em apreciação”.
Donde, as declarações de parte deverão ser conjugadas com a demais prova, podendo ou não levar a que determinado facto seja ou não dado como assente.
No caso dos autos, as declarações de parte prestadas não permitem acolher qualquer uma das versões apresentadas, já que as partes se limitaram a expor a sua visão dos factos.
Assim, e se ficou claro do depoimento da R. que era esta que fazia a gestão das contas do casal, também foi dito pelo A., em declarações de parte, que tinha conhecimento das movimentações bancárias mensais efectuadas pela R. desde o início do casamento e que a vida do casal no seu aspecto financeiro não teve diferenças substanciais após o divórcio e novo casamento.
Por outro lado, nenhuma das testemunhas tinha conhecimento concreto sobre os rendimentos da R. ou sobre o modo como o casal geria as suas finanças.
Na verdade, as testemunhas CR e PA, respectivamente filha e genro do A., não tinham qualquer conhecimento directo sobre estes factos, apenas sabendo o que o A. partilhou com ambos.
De igual modo, as testemunhas LT e JV nada sabiam quanto aos aspectos relacionados com a vida financeira de A. E R., apenas podendo descrever questões relacionadas com a aquisição da fracção autónoma pela R..
Por seu turno, as testemunhas AR e AG, colegas de trabalho do A., apenas tinham conhecimento dos factos relatados pelo A., nada podendo acrescentar ao acervo probatório.
No que se refere às testemunhas MJR, mãe da R., MFG, ACA, MMM, MPA e RCM, todas amigas da R., nada sabiam sobre as questões financeiras do casal ou qual a contribuição de cada um para as despesas domésticas.
De salientar que não foi junto aos autos qualquer documento relativo ao número de conta da R. na CAIXA G ou ao destino das transferências realizadas ou qualquer outro dos factos em causa.
Donde, e por não ter o A. logrado carrear para os autos elementos de prova bastantes para dar como assentes os factos em apreço, nada há a apontar à decisão do tribunal recorrido, assim improcedendo este segmento da apelação.
Pretende também o apelante “ver incluída por via da ampliação da decisão da matéria de facto, a factualidade constante nos artigos 62º e 63º da petição, nos termos do disposto no art.º 662º, nº 2 alínea c) do CPC”.
Os artigos em causa têm a seguinte redacção:
“62º.) Verifica-se que os levantamentos e transferências bancárias efetuadas pela Ré estão muito para além das despesas necessárias à economia doméstica enquanto vivia em comum com o Autor.
63.º) As movimentações bancárias abusivas efetuadas pela Ré não têm qualquer justificação em despesas do casal, nem respeitavam quaisquer encargos ou obrigações a saldar da responsabilidade do Autor.”.
Ora, estes artigos são claramente conclusivos, tendo, em si mesmos, a solução jurídica do pedido do A..
Recorde-se que, nos termos do art.º 607º, nº 4 do CPC, “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”.
Deste preceito decorre que a sentença deve atender a factos, explicitando-os de forma clara e concisa.
Nas palavras de António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração, Coimbra, 2018, pág. 718, em anotação ao art.º 607º “O importante é que, na enunciação dos factos provados e não provados, o juiz use uma metodologia que permita perceber facilmente a realidade que considerou demonstrada, de forma linear, lógica e cronológica, a qual, uma vez submetida às normas jurídicas aplicáveis, determinará o resultado da acção”.
Transpondo estas noções para os artigos 62º e 63º da petição inicial, facilmente se constata que os mesmos não são factos, mas sim conclusões, às quais se poderá chegar quando existam factos suficientes nesse sentido.
Por outro lado, mesmo que assim não fosse, verifica-se que o apelante não explica os motivos que levariam a inserir tais artigos no âmbito da factualidade provada, o que sempre determinaria a impossibilidade de efectuar essa inclusão.
Consequentemente, não se pode atender ao pretendido pelo apelante.
Sustenta ainda o apelante que foram assentes determinados factos, estando provados outros em contradição com esses mesmos factos, referindo, em concreto, a contradição entre o facto provado nº 6 e o facto não provado sob a al. e).
A contradição invocada pelo apelante refere-se àquelas situações em que existe uma contradição entre alguns dos factos que o tribunal considerou provados, ou entre factos provados e não provados, sendo ainda possível entender que a matéria de facto apurada e na qual a decisão se baseia é insuficiente para decidir sobre o pedido formulado.
Nestas circunstâncias podemos estar perante um erro ou vício da decisão de facto, com acolhimento no art.º 662º do CPC.
Nos termos deste preceito, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Por outro lado, nos termos do nº 2 do citado art.º 662º, deve a Relação, mesmo oficiosamente:
a) ordenar, a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d)Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
Ora, a configuração dada pelo apelante à contradição por si alegada subsume-se a um vício da decisão de facto, previsto na citada al. c) do nº 2 do art.º 662º, pelo que urge apreciar os termos da alegada contradição.
O facto constante do nº 6 é o seguinte:
“6. O autor é reformado e a ré não exerce qualquer atividade profissional desde o início do ano de 2009 (alínea F) dos “Factos admitidos por acordo ou provados por documento”).”.
Por seu turno, o facto dado como não provado em e) tem a seguinte redacção:
“e) Desde o início do ano de 2009 até ao fim do casamento, o autor e a ré fizeram face a todos os encargos familiares apenas com os proventos que advêm da reforma auferida pelo autor”.
Da simples leitura destes factos extrai-se que não existe qualquer contradição que cumpra sanar.
Com efeito, o facto nº 6 refere-se à actividade profissional de A. e R., não se dizendo, em momento algum, que a R. não tem outros meios de subsistência, seja através de rendimentos não provenientes do trabalho, seja através de ajuda de familiares.
Por seu turno, o facto não provado e) limita-se a atestar que não resultou provada a forma como os encargos familiares de A. e R. eram suportados, não se podendo retirar do mesmo qualquer outra conclusão, sendo importante salientar que um facto não provado não determina que o seu contrário esteja provado, como parece defender o apelante.
Donde, os factos em crise não são contraditórios entre si, não sendo de acolher a tese do apelante, nessa medida, improcedendo a apelação 2. Do mérito da causa:
O apelante intentou a presente acção com vista a obter a condenação da R. na restituição de € 111.140,87, quantia existente em contas bancárias tituladas por ambos, mas que apenas lhe pertenciam a si, e de a R. se apropriou; bem como na condenação da R. no pagamento de € 136.860,97, a título de enriquecimento sem causa, em virtude de pagamentos relativos à casa de morada de família, tendo o tribunal recorrido julgado improcedente o primeiro dos pedidos e parcialmente procedente o segundo.
Defende o apelante a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que condene a R. nos pedidos por si deduzidos, alegando, em síntese, ter provado os factos por si alegados.
Com efeito, o apelante não questiona a qualificação jurídica do tribunal quanto à solidariedade das contas bancárias em causa nos autos, nem a subsunção dos factos provados ao instituto do enriquecimento sem causa, mas apenas que o dinheiro depositado naquelas contas é apenas seu, o que determina a procedência total do seu pedido.
Ou seja, da leitura da motivação do recurso e das respectivas conclusões, extrai-se que os fundamentos invocados pelo apelante para a procedência da apelação dependiam da alteração da decisão sobre a matéria de facto.
Ora, face à decisão relativa à impugnação da matéria de facto, esse pressuposto não se verifica, apenas se impondo apurar se o enquadramento jurídico efectuado em primeira instância se mostra correcto.
Assim, e no que se refere ao primeiro dos pedidos deduzidos, sempre se dirá que a conta bancária assenta assim num contrato de abertura de conta celebrado entre o banco e o cliente.
Relativamente à titularidade das contas bancárias, podem estas ser singulares, quando têm apenas um titular, ou colectivas, se a titularidade pertencer a mais que uma pessoa ou entidade.
As contas colectivas podem ainda ser conjuntas, quando apenas podem ser movimentadas por todos os titulares ou com a sua autorização e o (banco) devedor apenas perante todos se libera da prestação; ou solidárias, quando qualquer um dos titulares da conta pode exigir, por si só e independentemente de ser o efectivo proprietário dos fundos depositados, a prestação integral, ou seja, o reembolso de toda a quantia depositada (e juros se houver) e a prestação efectuada libera o devedor (banco depositário) para com todos eles.
Porém, a natureza da conta não se confunde com a propriedade dos valores monetários nela depositados, que podem pertencer a todos os depositantes, em partes iguais ou em diversa proporção, ou apenas a um ou alguns dos depositantes.
Como bem se explica no Ac. TRC de 09-11-2021, proc. 1377/20.7T8GRD.C1, relator Cristina Neves, “a titularidade da conta pode não coincidir com a propriedade das quantias nela existentes. A este respeito Muñoz Planas afirmava já que “a faculdade que tem cada titular para dispor unicamente com a sua assinatura, no todo ou em parte, dos fundos ou valores depositados não significa que ostente sobre tais bens algum tipo de direito dominial (…) o poder de disposição singulatiim que aqueles têm deriva exclusivamente do contrato que celebraram com o banco, abstraindo de quem seja proprietáriodos objectos depositados. Estes podem pertencer a todos ou alguns dos titulares, com quotas idênticas ou não; ou só a um deles, ou inclusivamente a nenhum ou a terceiro (…)”
Assim, a titularidade da conta não se confunde com a propriedade do dinheiro. Simplesmente, como referido no Ac. proferido nesta Relação de 04/10/2011 “As contas bancárias solidárias têm, contudo, um regime que resulta das respectivas aberturas de conta, sendo que no omisso caberá, porém, recorrer às regras gerais sobre as obrigações solidárias (previstas no art.º 512 e ss do CC)”, pelo que “Sendo omisso a esse respeito o acordo ou a relação jurídica de que resultou a abertura desse tipo de contas, haverá que presumir que os co-titulares dessas contas comparticiparam, em partes iguais, nos fundos nelas depositados.””.
No caso vertente, estamos perante contas solidárias, não tendo as partes estabelecido a proporção em que cada um dos titulares das contas seria proprietário dos valores nelas depositados.
Consequentemente, haverá que recorrer ao disposto no art.º 516º do CC, segundo o qual “Nas relações entre si, presume-se que os devedores ou credores solidários comparticipam em partes iguais na dívida ou no crédito, sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes, ou que um só deles deve suportar o encargo da dívida ou obter o benefício do crédito”.
Estabelece este preceito uma presunção legal juris tantum, que pode ser ilidida mediante prova em contrário, nos termos do disposto no art.º 350º, nº 2 do CC.
Assim, face a este regime de solidariedade, presume-se que os vários titulares das contas bancárias dos autos são proprietários das quantias nelas depositadas em partes iguais.
No caso dos autos, não resulta da relação jurídica existente entre os titulares que as suas quotas são diferentes ou que só um deve obter o benefício do crédito (cfr. 516º, in fine), não tendo nenhuma das partes logrado ilidir aquela presunção legal.
Fundamental para esta conclusão é a constatação de que os movimentos bancários em causa são subsequentes a Janeiro de 2018, tendo A. e R. contraído casamento sob o regime imperativo da separação de bens em 20 de Maio de 2017.
Isto é, conjugando estas datas com o facto vertido em 3, e do qual resulta que as partes declararam não existirem bens comuns a relacionar, bem como com os factos dados como não provados em ii) e jj), há que concluir que o A. não logrou ilidir a presunção constante do citado art.º 516º, pertencendo as verbas existentes nas contas conjuntas dos autos aos dois titulares em partes iguais.
Por outro lado, nada nos autos permite concluir que a R. se tenha apropriado indevidamente das quantias em causa, ou que, tenha, por alguma forma, agido contra os interesses do A., nomeadamente por não ter ficado provado que tenha desviado as verbas em causa para o seu património, como ressalta da conjugação dos factos não provados sob as alíneas dd) e hh).
Consequentemente, a única conclusão possível face aos factos assentes e ao disposto no art.º 516º do CC é a constante da sentença recorrida, assim improcedendo a argumentação do apelante em sentido contrário.
No que se refere ao pedido de condenação da totalidade dos pagamentos relativos à casa de morada de família, entendeu a sentença recorrida que se verifica a obrigação de a R restituir ao A. a quantia de €58.430,48, relativa a metade do montante utilizado das contas tituladas por ambos os membros do casal para a aquisição do imóvel, com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa.
Insurgiu-se o apelante com esta decisão por entender que lhe é devido a totalidade do montante em causa, por as quantias depositadas lhe pertencerem.
Como é consabido, o enriquecimento sem causa constitui uma fonte autónoma de obrigações, encontrando-se consagrado no art.º 473º do CC.
Nos termos deste preceito, “aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou”., dispondo ainda o nº 2 do mesmo artigo que “a obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou”.
Tem sido entendido pela Doutrina e pela Jurisprudência que a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes três requisitos.
O primeiro requisito é a existência de um enriquecimento, entendendo-se este como a obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja através de um aumento do activo ou diminuição do passivo, podendo ter origem em negócio jurídico, acto jurídico ou em acto material.
Como segundo requisito deste instituto há que apontar a ausência de causa justificativa para esse mesmo enriquecimento, entendendo-se como tal aquela origem que, de acordo com a lei, não se mostre patrimonialmente justificada, antes devendo o património em causa pertencer a outra pessoa.
Finalmente, e como terceiro e último requisito, a obrigação de restituir pressupõe que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição, em termos tais que a vantagem patrimonial de um seja correspondente à desvantagem económica do outro.
A estes três requisitos acrescenta ainda a lei um outro, que é o carácter subsidiário do instituto do enriquecimento sem causa.
Com efeito, nos termos do art.º 474º do CC, “não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento”.
Donde, da conjugação das normas citadas resulta que a acção baseada nas regras do instituto do enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária, só podendo recorrer-se a ela quando a lei não faculte ao empobrecido outros meios de reacção.
Analisando os factos provados, entende-se que estão verificados os requisitos citados, uma vez que está provado que a R. adquiriu uma fracção autónoma, que ficou registada apenas em seu nome, com recurso a dinheiro depositado em conta titulada por si e pelo A., casados entre si no regime da separação de bens, razão pela qual a fracção em causa pertence apenas à R., tendo o A.., ora apelante, ficado empobrecido quanto a parte do preço pago.
No que diz respeito ao montante a restituir, pode ler-se na sentença recorrida o seguinte:
“Na circunstância concreta, o que foi recebido foi parte do preço da fração. É sabido que o preço global foi de €195.000,00 (ponto 10. da fundamentação de facto) e que 105.000 euros e 11.860,97 euros, estes relativos a prestações mensais correspondentes ao empréstimo contraído junto do Banco S para aquisição da fração “AK”, bem como todas as despesas associadas, foram pagos com dinheiro de conta conjunta do autor e da ré (pontos 38. e 39. da fundamentação de facto).
Não ficou demonstrada a medida em que cada um contribuiu para prover a referida conta. O autor não provou a sua versão de que o dinheiro lhe pertencia. Inexistindo património comum em razão do regime de separação, resta considerar que o dinheiro da referida conta era propriedade de ambos, ou seja, que eram comproprietários do valor depositado.
Como se disse já, nos termos do artigo 1403º, do Código Civil: 1. Existe propriedade em comum, ou compropriedade, quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa. 2. Os direitos dos consortes ou comproprietários sobre a coisa comum são qualitativamente iguais, embora possam ser quantitativamente diferentes; as quotas presumem-se, todavia, quantitativamente iguais na falta de indicação em contrário do título constitutivo.
Por seu lado, o artigo 1736º, do mesmo Código, estabelece: 1. É lícito aos esposados estipular, na convenção antenupcial, cláusulas de presunção sobre a propriedade dos móveis, com eficácia extensiva a terceiros, mas sem prejuízo de prova em contrário. 2. Quando haja dúvidas sobre a propriedade exclusiva de um dos cônjuges, os bens móveis ter-se-ão como pertencentes em compropriedade a ambos os cônjuges.
Destas normas resulta dever considerar-se como quantitativamente iguais a parte de cada um dos ex-cônjuges no montante utilizado para pagamento do preço.
Em suma, concluímos que existe obrigação de a ré restituir ao autor a quantia de 58.430,48 por ser metade do montante utilizado das contas tituladas por ambos os membros do casal para a aquisição do imóvel”.
Sustenta o apelante que esta decisão é violadora do disposto nos art.º 1735º e 1762º do CC.
Nos termos do art.º 1735º do CC, “Se o regime de bens imposto por lei ou adoptado pelos esposados for o da separação, cada um deles conserva o domínio e fruição de todos os seus bens presentes e futuros, podendo dispor deles livremente”.
Por seu turno, o art.º 1762º do CC preceitua que “É nula a doação entre casados, se vigorar imperativamente entre os cônjuges o regime da separação de bens”.
Não é, todavia, esse o caso dos autos.
Na verdade, a utilização por parte da R. dos montantes depositados nas contas bancárias conjuntas de A. e R., não reveste a característica de doação, na medida em que, tal como se diz na sentença recorrida, “Nenhum ânimo de liberalidade resulta dos factos assentes, antes deles decorre que, não fora a expectativa de fruição comum da fração e a atribuição patrimonial não teria ocorrido”.
Mais, não tendo o apelante logrado provar que as verbas existentes nas contas bancárias dos autos lhe pertenciam, apenas resta entender que o dinheiro nelas depositado a ambos pertencia, enquanto comproprietários do valor depositado, em partes iguais, face ao regime de bens que vigora nas suas relações patrimoniais e ao disposto nos art.ºs 1403º e 1736º, ambos do CC.
Assim, sendo quantitativamente iguais a parte de cada um dos cônjuges no montante utilizado para pagamento do preço da fracção, o enriquecimento da R. será equivalente a essa metade, devendo proceder à sua restituição ao A., sob pena enriquecimento sem causa e tal como decidido em primeira instância, o que determina, também nesta parte, a improcedência da apelação.
Concluindo, e não tendo sido suscitada qualquer outra questão, decide-se pela improcedência da apelação e pela manutenção da decisão recorrida.
As custas devidas pela presente apelação são da responsabilidade da apelante, cfr. art.º 527º do CPC.
*
V. DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
*
Lisboa, 5 de Dezembro de 2023
Ana Rodrigues da Silva
Alexandra de Castro Rocha
Diogo Ravara