EMPREITADA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
TERMO DE RESPONSABILIDADE
DIRETOR TÉCNICO
JUROS
INDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Sumário


1 - Não pode manter-se a condenação de um dos réus que assenta na violação de obrigação contratual que não foi invocada pelos autores nos seus articulados para fundamentar a sua demanda, ainda que a prova produzida tenha recaído sobre matéria de facto que seria relevante para a sua apreciação.
2 - Assumindo um dos réus que emitiu termo de responsabilidade como diretor técnico de obra, de “favor” e a título gratuito, ainda assim as obrigações assumidas seriam naturalmente todas as que resultam da lei para a funções em causa, não implicando tal “justificação” qualquer desresponsabilização do diretor técnico de obra.
3 - Resultando demonstrado que, no decurso da audiência de julgamento, aos peritos foi solicitado que atualizassem o valor necessário à correção de defeitos e à conclusão da obra, dando-se como provados os factos com base nestes valores atualizados, os juros de mora serão devidos apenas desde a data da decisão proferida e não desde a data da citação, atento o disposto no Acórdão de Fixação de Jurisprudência 4/2002, de 09/05.

Texto Integral


Relator: Paula Ribas
1ª Adjunta: Margarida Alexandra de Meira Pinto Gomes
2ª Adjunta: Maria da Conceição Barbosa de Carvalho Sampaio

Processo 853/19.9T8GMR.G1

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório (elaborado tendo por base o da sentença da 1.ª instância):

AA e BB intentaram a presente ação declarativa comum contra EMP01..., Ldª, CC e DD, tendo pedido a condenação solidária dos réus a indemnizá-los no montante de 108.558,92 euros, acrescido de juros a contar da citação.
Para tanto, alegaram, em síntese, que:
- são donos e legítimos possuidores do prédio que identificaram no articulado inicial e que foi adquirido para habitação própria permanente, turismo de habitação e realização de eventos, e que, consideradas essas finalidades, contactaram a 1.ª ré, na pessoa do 2.º réu, a fim de levar a cabo o projeto geral de arquitetura e especialidades;
- pela 1.ª ré e pelo 3.º réu foi elaborado um concurso de seleção de quem viria a executar as obras, sendo critérios de eleição a “garantia de boa execução”, a “qualidade técnica”, os “quadros técnicos da empresa” e “qualificação do técnico encarregado que acompanhará a obra”;
- esses requisitos, de cariz eminentemente técnico, não estavam ao seu alcance e não se encontravam preenchidos pela empresa EMP02..., Sociedade de Construções, Lda;
- não obstante isso, a 1.ª ré e o 2.º réu recomendaram a escolha dessa sociedade enquanto empreiteira, tendo os autores celebrado o contrato de empreitada com a mesma;
- no contrato celebrado com a 1.ª ré estava previsto que esta prestasse assistência técnica, o que obrigava a uma visita quinzenal, acrescendo a isso que o 2.º réu assumiu a direção técnica da obra, subscrevendo o respetivo termo, o qual está datado de 24/05/2013;
- no contrato de empreitada celebrado com a sociedade EMP02..., Sociedade de Construções, Lda, foi acordado o preço de 360.872,48 euros (IVA incluído);
- em 10/01/2014, esta sociedade empreiteira foi extinta e, no dia 23/12/2013, o mesmo gerente dessa sociedade constituiu uma nova sociedade – a EMP03..., Unipessoal, Lda –, tendo esta passado a assumir e prosseguir, de facto, as obrigações decorrentes do referido contrato de empreitada;
- esta sociedade EMP03..., Lda, foi declarada insolvente no âmbito do processo com o n.º 4455/16....;
- em relação ao preço total da obra, foi pago o montante de 324.885,00 euros, faltando apenas 24.465,81 euros;
- a empreiteira abandonou a execução da obra, que não concluiu, e os trabalhos realizados apresentam defeitos, sendo necessário o montante de 74.268,92 euros, para a reparação dos vícios e conclusão da empreitada, conforme relatório técnico efetuado;
- por força de ter sido excedido o prazo de execução da obra, os autores suportaram 11 (onze) meses de renda, no montante de 4.290,00 euros;
- devido à conduta dos réus, os autores tiveram padecimentos morais, que enumeraram, sentindo a sua confiança traída.
Devidamente citados, apresentaram a 1.ª e o 2.º réus contestação conjunta, requerendo o indeferimento liminar do pedido, alegando que ao dono da obra não assiste o direito de eliminar os defeitos por si ou por intermédio de terceiro à custa do empreiteiro.
Subsidiariamente, alegaram que a 1.ª ré – e apenas esta – foi contratada para elaborar o projeto geral de arquitetura e especialidades da reconstrução de um conjunto habitacional e sua envolvente e que, de modo acessório, promoveu ainda um concurso visando a adjudicação da empreitada, tendo transmitido aos autores as empresas que se apresentaram a esse concurso, tendo sido eles a optar pela sociedade EMP02..., Sociedade de Construções, Lda, em função do preço da proposta.
Essa sociedade não concluiu a obra, que foi antes prosseguida por EMP03..., Unipessoal, Lda (que não foi selecionada no referido concurso), com o acordo dos autores, tendo-se vindo a verificar que esta última sociedade foi declarada insolvente, facto a que a 1.ª ré e o 2.º réu são alheios.
Quanto às alterações, elas foram requeridas pelos autores, esperando o fim da obra para apresentar, de uma só vez, o aditamento ao projeto inicial; por fim, a existir alguns defeitos, são da responsabilidade do empreiteiro a sua correção, assim como é do mesmo a reparação de quaisquer prejuízos.
Citado, o 3.º réu apresentou também contestação na qual, em síntese, excecionou a sua ilegitimidade com o fundamento de que o contrato de empreitada foi celebrado com a sociedade comercial EMP02..., Sociedade de Construções, Lda, e que os autores aceitaram que a segunda sociedade constituída - EMP02..., Sociedade de Construções, Lda – assumisse os deveres e os compromissos da extinta sociedade decorrentes do mencionado contrato, sendo que se tratam de pessoas coletivas dotadas de personalidade jurídica, detendo apenas o 3.º réu funções de representação.
Invocou também que a sociedade EMP02..., Sociedade de Construções, L.da, foi declarada insolvente, não tendo os autores reclamado qualquer crédito no respetivo processo.
A título de impugnação, sustentou que a execução da obra foi supervisionada pelos autores e que os atrasos verificados foram devidos às alterações dos materiais e do projeto de arquitetura que foram pedidas, sobretudo pela autora.
Os autores foram notificados para exercer o contraditório e apresentaram articulado de resposta, alegando que apenas na preparação da presente ação tiveram conhecimento da extinção da sociedade empreiteira com quem celebraram o contrato de empreitada e que o 3.º réu agiu de forma a aparentar que a primeira se mantinha em atividade.
Reforçaram que a 1.ª ré e o 2.º réu são responsáveis pelos danos sofridos, por terem admitido a concurso uma empresa que não dispunha dos necessários requisitos técnicos legalmente exigidos.
Por fim, sustentaram que, não sendo possível exigir a prestação de facto, por os réus não serem capazes de executar as obras, lhes resta a via indemnizatória.
Foi dispensada a realização da audiência prévia e foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a exceção de ilegitimidade que havia sido invocada, fixou o objeto do litígio e os temas da prova.
A audiência foi realizada com as formalidades legais, tendo sido proferida decisão que julgou a ação parcialmente procedente, nos seguintes termos:
“i)         Condena-se solidariamente a 1.ª e o 2.º Réu no pagamento aos Autores da quantia de 9.010,79 (nove mil e dez euros e setenta e nove cêntimos), a a título de indemnização pelos danos patrimoniais, sobre a qual acrescem juros de mora devidos desde a citação até integral pagamento, à taxa legal aplicável aos juros civis;
ii)         Condena-se solidariamente a 1.ª e o 2.º Réu ao pagamento aos Autores da quantia de 2.000,00 (dois mil euros), a título de compensação pelos danos não patrimoniais, sobre a qual acrescem juros de mora devidos desde a presente data até integral pagamento, à taxa legal aplicável aos juros civis.
iii)        Absolve-se os Réus do demais peticionado.
As custas da presente ação da responsabilidade dos Autores e da 1.ª e do 2.º Réu, na proporção do seu decaimento (cfr. artigo 527.º/1, do CPCiv)”.
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A) Inconformados, vieram recorrer os 1.º e 2.º réus (requerimento de 09/05/2023), apresentando as seguintes conclusões:
1. A condenação da 1.ª Ré e do 2.º Réu, ora Recorrentes, assentou exclusivamente no facto de alegadamente existirem desconformidades na obra em relação ao projeto inicial, desconformidades essas que, no entender da Mma. Juiz a quo, se devem “à localização e ao peso da “ilha” destinada à confeção de alimentos e arrumos de utensílios de cozinha.” e numa suposta validação por parte do 2.º Réu para a execução da mesma.
2. A 1.ª Ré e o 2.º Réu são pessoas juridicamente distintas, e demandadas nos presentes autos por factos absolutamente autónomos e em circunstâncias juridicamente distintas.
3. Quanto à 1.ª Ré- EMP01..., Lda., vinculou-se perante os Autores a realizar um projeto geral de arquitetura com especialidades, tendo em vista a requalificação do prédio dos Autores, e a prestar uma assistência técnica que consistia numa visita quinzenal à obra em apreço.
4. É ponto assente que a 1.ª Ré realizou o projeto geral de arquitetura e respetivas especialidades, como até o instruiu na competente câmara municipal.
5. A prova produzida, nomeadamente os depoimentos, depoimento da testemunha EE - (Gravação do dia 09/11/2022, gravado sob o Ficheiro com a ref.ª 20221109124725_5661479_2870525.wma- Minutos 09:02-09:37; Minutos 15:53-16:25), do 3.º Réu, DD, (Gravação do dia 09/11/2022, gravado sob o Ficheiro com a ref.ª20221109141416_5661479_2870525.wma- Minuto 21:00-21:13); do 2.º Réu, CC, (Gravação do dia 09/11/2022, gravado sob o Ficheiro com a ref.ª 20221109104843_5661479_2870525.wma- Minuto 08:30-09:05- Minuto 13:17-13:29), demonstram que a 1.ª Ré, na pessoa do seu sócio-gerente, cumpriu, com todas as prestações a que se havia vinculado, uma vez que realizou o projeto geral de arquitetura e demais especialidades, e prestou ainda a devida assistência técnica que compreendia uma visita quinzenal à obra, tendo até, em alguns períodos, prestado mais do que se havia comprometido visitando a obra semanalmente. Como aliás o disseram os funcionários das empresas construtoras e até o sócio-gerente destas.
6. Deve ser aditado aos factos provados, um novo facto com o seguinte conteúdo, ou outro semelhante, mas no mesmo sentido - A 1ª Ré cumpriu integralmente as prestações a que se vinculou contratualmente perante os Autores, nomeadamente, elaborou o projeto geral de arquitetura e suas especialidades, e realizou a assistência técnica aos autores, consistindo esta última numa visita quinzenal à obra.
7. Salvo o devido respeito pelo douto entendimento, não andou bem a Mma. Juiz a quo, ao dar como provados os factos vertidos nas alíneas k), ee), hh) e mm) dos factos provados.
8. O facto vertido na alínea k) dos factos provados deve ser alterado, passando a constar o seguinte: “O 2.º Réu subscreveu, por declaração de 24.05.2013, o termo de responsabilidade pela direção técnica da obra, de forma gratuita e em jeito de favor à PRIMEIRA sociedade construtora, exclusivamente para efeitos de levantamento da licença de construção, cujo teor é o seguinte: (...)
9. A prova que sustenta esta alteração aos factos provados reside nos depoimentos: do 3.º Réu DD, (Gravação do dia 09/11/2022, gravado sob o Ficheiro com a ref.ª20221109141416_5661479_2870525.wma- Minuto 18:12- 19:01); do 2.º Réu, CC, (Gravação do dia 09/11/2022, gravado sob o Ficheiro com a ref.ª 20221109104843_5661479_2870525.wma- Minuto 15:50-16:05);
10. É totalmente descabido e inconcebível que o 2.º Réu seja responsabilizado pela verificação de defeitos no pavimento, resultante da instalação da ilha levada a cabo pelos autores, o que não se concebe e nem por mera hipótese se aceita, e, diga-se desde já, muito menos pode o 2.º Réu ser condenado a custear a “conclusão/reforço” da estrutura da cozinha, quando não foi produzida prova, nem sequer alegado que a estrutura executada esteja desconforme com o projeto aprovado.
11. Quanto à responsabilidade pela instalação da ilha, as declarações da Autora BB, impõem uma alteração à matéria de facto, e, consequentemente, uma absolvição do 2.º Reu, neste sentido vejam-se as seguintes passagens (Gravação do dia 16/12/2022, sob o ficheiro Ref. N.º 20221216154200_5661479_2870525.wma- Minuto 38:05-38:23; Minuto 40:10-40:47;
12. Do teor destas declarações da Autora, evidenciou-se que a famosa “ilha” implantada na cozinha resultou da livre iniciativa dos Autores, diga-se uma vontade dos donos da obra, jamais consentida e muito menos validada pelo 2.º Réu, o que não tinha de ser.
13. Não lograram provar sequer os Autores que o 2.º Réu tenha validado a instalação da ilha.
Sem prescindir,
14. Os Autores impediram a conclusão da obra, cfr. ponto 12 dos factos não provados, a contrario.
15. Pelo que, o afastamento ou o impedimento para que prosseguissem os trabalhos e assim fossem concluídos, ditou por parte dos Autores uma assunção dos factos e da obra no estado em que se encontrava, responsabilizando-se os mesmos pelo estado da mesma.
16. Mesmo que se considerasse que o 2.º Réu assumiu funções de diretor técnico da obra, sempre a sua responsabilidade seria afastada a partir do momento em que foi “posto fora” da mesma, tendo-se visto impedido de lá voltar a entrar.
17. Além de que sempre terá de se considerar que o facto de os Autores terem “corrido com toda a gente de lá para fora”, impedindo a conclusão dos trabalhos, operou como uma aceitação tácita da obra no estado em que se encontrava.
18. Foram os Autores quem impediu que a segunda empresa de construção, EMP03..., Unipessoal, Lda., lograsse terminar/concluir a execução dos trabalhos que vêm agora os Réus (1.ª Ré e 2.º Réu) condenados a custear, sendo evidente que nada têm a ver com o contrato celebrado pelos Autores com as empresas de construção.
19. A Autora- BB- em sede de depoimento de parte expressou de forma clarividente que não só correu com o empreiteiro e subempreiteiros, bem como com o 2.º Réu da obra, impedindo-os de lá voltar a trabalhar.
20. Mais ainda, a Autora declarou que o 2.º Réu, tinha vindo a auxiliar no contacto com os subempreiteiros, na fase mais próxima do final das relações, tendo manifestado o seu apoio para ajudar os Autores a terminar obra com aquele pessoal que ali tinha estado a trabalhar (subempreiteiros), contudo, a Autora rejeitou.
21. Nesta senda atente-se na transcrição do depoimento da Autora BB, (Gravação do dia 16/12/2022, sob      o ficheiro Ref. N.º 20221216154200_5661479_2870525.wma), Minuto: 01:05:19- 01:05-27: Autora -“Eu disse que não queria mais ninguém lá, não queria que o arquiteto, que aquele pessoal trabalhasse mais ali naquela casa.”
22. Demonstrou-se assim evidente que a Autora impediu e rejeitou toda a colaboração de quem quer que fosse, impedindo a conclusão dos trabalhos por livre e espontânea vontade.
23. Pelo que a decisão de que se recorre, atento a factualidade exposta, ao condenar os aqui recorrentes como condenou é manifestamente lesiva dos mais elementares princípios legalmente previstos, devendo assim ser alterada e declarar-se os aqui recorrentes absolvidos da totalidade do pedido.
24. É manifestamente lesivo dos mais elementares princípios legalmente previstos, sendo certo que, com o douto suprimento, certamente tal decisão será alterada e absolvidos os aqui recorrentes da totalidade do pedido.
25. Não foi alegado e muito menos provado que tenha sido incumprido concretamente um qualquer projeto de especialidade, mesmo com a instalação da ilha pelos autores.
26. O 2.º Réu não assinou qualquer documento ou termo de conformidade da obra, pelo que também por este facto não pode ser responsabilizado e muito menos ser-lhe imputado os custos associados “à conclusão/reforço da estrutura”.
27. O 2.º Réu não celebrou qualquer contrato de empreitada com os Autores, pelo que não se concebe que venha condenado a reparar defeitos.
28. Pelo que se impõe uma alteração e adição à matéria de facto: ee) A obra evidencia deformação acentuada dos pavimentos, diga-se defeitos, em particular da cozinha/sala de jantar, devido à instalação de uma “ilha” destinada à confeção de alimentos e arrumos de utensílios de cozinha, levada a cabo por única e livre iniciativa dos Autores, sem qualquer validação por parte do 2.º Réu. (nova alínea) Os Autores impediram a conclusão dos trabalhos, tendo impedido que os Réus, bem como a empresa responsável pela execução da obra, voltassem a entrar na mesma para concluir os trabalhos. (nova alínea) A inclusão da ilha não violou qualquer projeto de especialidade aprovado pela Câmara Municipal ....
29. Deve a matéria de facto ser alterada nos termos apresentados na presente alegação, declarando-se que nem a 1.ª Ré, nem o 2.º Réu são responsáveis e muito menos devem ser condenados a custear o valor alegadamente necessário a “concluir/reforçar” o que quer que seja.

DIREITO
Quanto à 1.ª Ré
30. Sendo julgada procedente, por provada, a alteração à matéria de facto, nos termos alegados no ponto 4 que antecede, conclui-se pelo cumprimento integral das prestações a que a 1.ª Ré se vinculou perante os Autores, nomeadamente com a elaboração do projeto geral de arquitetura e suas especialidades, e a assistência técnica aos autores, consistindo esta última numa visita quinzenal à obra.
31. Na hipótese de não ser julgada procedente a alteração à matéria de facto, o que só por mera hipótese se aceita, impõe-se contudo, uma alteração à matéria de direito.
32. Andou mal a douta sentença uma vez que, salvo o devido respeito, não obstante a transcrição integral do conceito jurídico de “Assistência técnica” e até pela conclusão correta do seu conteúdo ou sentido, acabou por confundir mais uma vez as posições da 1.ª Ré e do 2.º Réu, imputando funções à 1.ª que não lhe competem nem contratual nem legalmente.
33. Mais ainda, a douta decisão acaba por expressar de forma singela, mas clarividente, que à 1.ª Ré nada pode ser imputado. Neste sentido veja-se a páginas 42 da decisão de que se recorre, o seguinte, “Desde logo, e quanto à 1.ª Ré, não era a cargo desta de quem estava a execução da obra e os deveres de cuidado a observar na forma de realização dos trabalhos”.
34. Tendo por base o conceito de Assistência Técnica, presente no artigo 3.º alínea a) e b) da Lei n.º 31/2009, de 03.07, e relacionando-o com o disposto no artigo 12.º n.º 1 e n.º 2 do mesmo diploma, não resultam para a 1.ª Ré, vinculada que estava a prestar a assistência técnica, nenhuma das obrigações que lhe são imputadas na douta sentença.
35. Competia-lhe isso sim, o que fez e se demonstrou provado, esclarecer dúvidas acerca da interpretação do projeto e das suas peças, através de uma visita quinzenal à obra mediante o ritmo dos trabalhos.
36. Demonstrou-se provado e assente nos autos que a 1.ª Ré, na pessoa do seu sócio-gerente efetuou a prestação (assistência técnica) a que se havia vinculado contratualmente com os Autores, como o disseram as testemunhas (trabalhadores da obra) e bem como o próprio sócio-gerente das empresas de construção.
37. Entendem assim os recorrentes que se verificou um cumprimento integral do contrato por parte da 1.ª Ré, nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 406º do CC, o que impõe uma absolvição total nos presentes autos.
Quanto ao 2.º Réu
38. Sendo julgada procedente, por provada, a alteração à matéria de facto, nos termos alegados no ponto 5 que antecede, conclui-se pela absolvição do 2.º Réu, uma vez que não assumiu de facto tais funções, e não estava para o efeito vinculado pelo termo de responsabilidade pela direção de obra, determinando a sua absolvição do pedido.
39. Na mera hipótese de não ser julgada procedente a alteração à matéria de facto, nos termos que antecedem - o que não se concebe nem concede- sempre se imporá uma decisão em sentido contrário da que foi proferida.
40. Em primeiro lugar, entre os Autores e o 2.º Réu não foi estabelecido qualquer vínculo contratual.
41. Não existindo qualquer vínculo contratual entre os Autores e o 2.º Réu, entendemos, nesta medida, que não pode este ser demandado como foi nos presentes autos e muito menos vir a ser condenado a custear a conclusão da obra.
Sem prescindir,
42. O 2.º Réu assinou um termo de responsabilidade pela direção técnica da obra, em jeito de favor, de forma gratuita, perante a primeira empresa responsável pela reconstrução da moradia.
43. Ocorreu uma sucessão da empresa construtora, sendo certo que, a partir desse preciso momento, o termo de responsabilidade assinado de favor à primeira sociedade caducou.
44. Não foi produzida prova de que o 2.º Réu tenha validado aquela operação, como seja a instalação da ilha. Mais ainda, foi assumido e nessa medida com caráter confessório para os devidos e legais efeitos, que os Autores por livre iniciativa decidiram colocar uma ilha na cozinha.
45. Por outro lado, atente-se no teor do n.º 3, do artigo 14.º da Lei 31/2009, na versão originária, que prescreve o seguinte: “A responsabilidade dos técnicos e pessoas a quem esta lei seja aplicável não exclui a responsabilidade, civil ou outra, das pessoas, singulares ou coletivas, por conta ou no interesse das quais atuem, (...).”.
46. Da interpretação deste preceito legal, sempre se dirá que no caso dos autos ao ter sido instalada a ilha, pelos, por conta e no exclusivo interesse dos donos da obra, os Autores, sempre terá de se concluir que estaria afastada qualquer eventual responsabilidade do 2.º Réu pela posição dos donos da obra, operando uma causa de exclusão de responsabilidade.
47. Atento o disposto no artigo 14.º º da Lei 31/2009 de 3 de julho, na sua redação originária, merece especial enforque o disposto na alínea b) do n.º 1 do identificado artigo, cujo teor é o seguinte, “b) Assegurar a correta realização da obra, no desempenho das tarefas de coordenação, direção e execução dos trabalhos, em conformidade com o projeto de execução e o cumprimento das condições da licença ou da admissão, em sede de procedimento administrativo ou contratual público;”.
48. A inclusão daquela ilha não significa que o projeto de estabilidade não tenha sido cumprido, como aliás não se demonstrou provado nos autos.
49. No mesmo sentido, não se verificou, do conteúdo dos dois relatórios periciais, que o defeito do pavimento da cozinha, que é isso mesmo, um defeito e não qualquer incumprimento ou desrespeito pelo projeto, tenha sido incluído na resposta ao quesito se “Existe desconformidades entre o projeto inicial elaborado pela R. EMP01..., Lda e o estado atual da obra?”.
50. Não existe qualquer projeto acerca da disposição do mobiliário, pelo menos que seja sujeito a licenciamento junto das entidades competentes, como sejam os legalmente tipificados no n.º 5, do artigo 11º, da portaria n.º 232/2008, aplicável à data dos factos.
51. Pelo que, salvo o devido respeito pelo douto entendimento, a douta sentença incorreu em erro de interpretação, subsunção e aplicação das normas jurídicas ao caso sob apreciação, dado que não se afigurou provado, alegado e até sequer indiciado que tenha sido incumprido qualquer um dos projetos de especialidade legalmente previsto.
52. A título meramente exemplificativo, uma coisa é dizer-se que estava previsto, em sede de projeto de estabilidade, executar a estrutura de um determinado compartimento com quatro pilares e duas vigas e, no desenrolar da obra ter sido executado apenas com dois pilares e uma viga. Neste caso verificar-se-ia sim uma desconformidade para com o projeto de estabilidade da obra, uma vez que não foi executado conforme previsto.
53. Jamais se pode considerar que o facto de ter sido instalada uma “ilha”, ou melhor um móvel no centro da cozinha, seja considerado uma alteração a qualquer dos projetos de execução, o que não tem qualquer cabimento legal.
54. Questão diferente seria se tivesse sido alegado pelos Autores, e não foi, e confirmado pela prova pericial, o que também não se verificou, que a componente estrutural da cozinha não cumpriu os requisitos técnicos previstos no projeto de estabilidade, ou, ainda que, o projeto de estabilidade padecia de vícios ou irregularidades face ao pretendido, o que não sucedeu in casu.
55. Tendo presente o conceito de direção técnica da obra e os deveres que lhe são inerentes, conclui-se que o mesmo deve assegurar que a obra está a decorrer no cumprimento dos respetivos projetos de execução.
56. In casu a imputação da responsabilidade ao 2.º Réu pelo defeito no pavimento da cozinha, não tem qualquer cabimento e muito menos sustentação legal, uma vez que não se provou nos autos que o 2.º Réu não tenha assegurado o cumprimento do respetivo projeto.
57. Não houve violação de qualquer dos deveres inerentes às funções de direção técnica de obra, plasmadas no artigo 14º da Lei 31/2009, na sua versão originária, pelo menos tendo por referência a matéria factual que sustentou a condenação do 2.º Réu (pela instalação da ilha).
58. Não existem razões para que se condene o 2.º Réu a concluir e reforçar a estrutura em questão, mais não seja pelo simples facto de que, com esse reforço de estrutura é que se estaria certamente a desvirtuar o previsto em sede de projeto de estabilidade.
59. Condenar o 2.º Réu a custar a conclusão/reforço da estrutura enquadrar-se-ia num claro e evidente enriquecimento sem causa dos Autores à custa do 2.º Réu, o que não se concebe, nos termos do artigo 473º do CC.
60. Os Autores alicerçam o seu petitório com base no direito à indemnização nos termos gerais, com base no disposto no artigo 1223º do CC. Acontece que ao direito à indemnização prevista no artigo 1223º do CC, é aplicável o disposto no artigo 1224º do mesmo diploma.
61. Tendo por base o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 1224º do CC, mesmo que se considerasse que os Autores tinham direito a ser indemnizados pela 1.ª Ré e pelo 2.º Réu- o que não se concebe e não concebe - sempre tal direito estaria caduco na data da propositura da presente ação.
62. O prazo para a propositura da ação caducou um ano após a receção da obra (n.º1), ou, caso assim não se entenda, e em ultima ratio, sempre será de aplicar a última parte do disposto no n.º 2, do artigo 1224º do CC, do qual resulta que o direito à indemnização nos termos gerais sempre estaria caduco dois anos após a entrega da obra.
63. Considerando que os Autores puseram toda a gente fora da obra numa reunião realizada em finais de 2016 (cfr. 1.º parágrafo pág. 27 douta sentença), impedindo assim o prosseguimento dos trabalhos, é evidente que houve por parte dos mesmos uma aceitação tácita da obra naquele momento e, por essa razão, a partir dessa data correu o prazo de caducidade.
64. Assim, e porque a propositura da ação ocorreu em 28/01/2019, volvidos largamente mais de 2 anos após a aceitação da obra (finais de 2016), é por demais evidente que o eventual direito à indemnização dos Autores sempre estaria caduco na data da propositura da ação.
65. Quanto à condenação em juros indemnizatórios, os mesmos não são devidos desde a data da citação, mas sim, e quando muito, desde o trânsito em julgado da decisão. Uma vez que o valor imputado na condenação de que aqui se recorre é o resultado de uma atualização.
66. Neste sentido, veja-se o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, n.º 4/02, ou ainda o Acórdão proferido pelo TRP, no processo 75/10.4TBAMT.P1, cujo teor, no essencial transcreve o seguinte, “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objeto de cálculo atualizado, nos termos do nº 2 do artº 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artºs 805º, nº 3 (interpretado restritivamente) e 806º, nº 1, também do Código Civil, a partir da decisão atualizadora, e não a partir da citação”.
67. Sem prescindir e caso assim não se entenda, deve ser declarado que não são devidos juros no período em que os prazos processuais e atividade dos tribunais estiveram suspensos em virtude da situação pandémica fruto do vírus Sars Cov2- vulgo Covid-19, que motivou uma suspensão de todos os prazos processuais e um consequente protelar do presente litígio, facto totalmente inimputável aos Réus, aqui Recorrentes.
68. Salvo melhor opinião, não se afigurou provado que os Autores tenham sofrido danos morais pelo menos imputáveis a qualquer conduta da 1.ª Ré ou do 2.º Réu.
69. Pelo douto suprimento, deve ser julgado procedente o presente recurso, e, consequentemente, alterada a douta decisão, absolvendo-se a 1.ª Ré e o 2.º Réu da totalidade do pedido”.

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B - Também os autores apresentaram recurso de apelação, em 10/05/2023, tendo sido proferido despacho que determinou que fossem apresentadas novas conclusões, a que os autores deram resposta em 02/10/2023.
Assim, concluíram que:
I- Factos incorretamente dados como provados:
B- Considera-se incorretamente julgado o facto nn), na parte onde se lê “tendo sido reconhecido pela empreiteira a necessidade de reparação de parte das desconformidades da obra”, por contrariado pelas declarações do Autor (A.) e da testemunha Eng.º FF.
C- Pelo que o facto nn) deve ser alterado, passando a ler-se que foram os 2º e 3º Réus (RR.) que reconheceram a necessidade de reparação de parte das desconformidades da obra.
D- Considera-se incorretamente julgado o facto provado qq), porquanto os AA. não aceitaram, expressa ou tacitamente, a substituição da empresa empreiteira encerrada pelo 3º RR., de quem era gerente, por uma outra, referida nos autos, de quem o mesmo também foi gerente.
E- O 3º R. não alegou na sua contestação nem demonstrou, por qualquer meio de prova, a celebração de contrato de empreitada com a EMP03..., Unipessoal, Lda., de que foi sócio-gerente.
F- Os AA. conformaram-se com a continuidade de desempenho das funções de empreiteiro pelo 3º R., pessoa singular, por nele se confundir a qualidade de sócio gerente da empresa falecida e de elo de ligação com os demais subempreiteiros cujos trabalhos se achavam ainda em execução; por o processo de seleção de nova empresa empreiteira ser excessivamente dispendioso em tempo e custos económicos; e por terem sido aconselhados a tal pelo 2º R., em quem depositavam plena confiança e que passou a intermediar as relações com os subempreiteiros, cf. facto provado jj).
G- O 3º RR. continuou a agir, simulando a aparência de continuidade da primeira empresa por si gerida, durante meses após a respetiva extinção, requerida pelo próprio, cf. facto provado pp).
H- Sendo correto o facto t) da sentença, de que não foi celebrado contrato com a segunda empresa do 3º R., carece de fundamento e razão a interpretação e conclusão feita pelo tribunal a quo, de que os AA. aceitaram a continuação da empreitada pela EMP03..., Unipessoal.
I- Pelo que o 3º R. continuou agir, a partir de 10/01/2014 em diante, cf. doc. ...1 da PI, sem a interposição de qualquer pessoa coletiva, quanto à primeira, porque a mesma se achava extinta desde tal data, e quanto à segunda, porque os AA. nunca contrataram com a mesma, nem o 3º R. interveio em representação daquela obrigando-a para com os AA., por força das disposições conjugadas dos arts. 260º nºs 1 e 4, ex vi art. 270º-G, ambos do Código da Sociedades Comerciais (CSC), não podendo beneficiar o 3º R. do disposto no art. 197º nº 3, 1ª parte, do CSC, pois não existe nem foi praticado nenhum ato material que justifique tal interpretação do caso sub judice, pelo que se consideram as mesmas violadas.
J- Subsumindo-se os factos provados q), t), v), jj) e pp) da sentença e os docs. ...1, ...3 e ...4 da PI, às normas imediatamente acima indicadas, é forçoso concluir que o 3º R. não agiu na qualidade de sócio-gerente nem beneficia da limitação da responsabilidade derivada da pessoa coletiva, antes sendo responsável pelos factos dos autos a título pessoal e direto, e, em consequência, devendo este facto qq) ser expurgado do acervo de facto tido por provados.
K- Considera-se incorretamente julgado o ponto rr) dos factos provados, conclusão contraditada pelos depoimentos dos subempreiteiros e do filho e funcionário do 3º R., transcritos, que os atrasos se deveram a atrasos de e à falta de pagamento dos trabalhos executados por parte daquele e/ou da sua empresa EMP02..., Sociedade de Construções, Lda. e não a alterações supervenientes a pedido dos AA.
L-Deveo facto rr) dos factos dados por provados ser corrigido, passando aconstar que os atrasos nos pagamentos aos subempreiteiros por parte do 3º R., contribuíram para o atraso na execução das obras.
II- Factos incorretamente dados como não provados:
M- Consideram-se erradamente julgados os factos não provados 1), 8), 10) e 11), referentes ao conhecimento das finalidades pretendidas pelos AA. para o imóvel quando contrataram com a 1ª e 2º RR, contraditado pela prova documental e pelas regras de experiência.
N- O conhecimento antecipado de tais finalidades pela 1ª e 3º RR. decorre da prova documental, concretamente a págs. 23 a 26 e 31 do doc. ... da ... dos dois desenhos de arquitetura juntos pelos AA. em 24/05/2021, onde se faz menção a uma “zona de trabalho”, e, no ..., a dois sanitários, mais dois sanitários “públicos”, “atelier” e “sala/estar/receção”, documentos estes da autoria daqueles eque antecedem o início dos trabalhos de empreitada e que, por isso, demonstram a ciência ab initio das finalidades pretendidas pelos AA. para o imóvel, além da mera habitação.
O- No doc. ... do requerimento de 24/05/2021, planta do piso 0 do imóvel, é visível a existência de seis casas de banho, só nesse piso!, duas privativas dos estúdios ali construídos, e quatro destinadas ao público, além das projetadas e existentes no piso 1, reproduzidas no doc. ... do mesmo requerimento, mais quatro, tudo perfazendo, para uma habitação de dois reformados, 10 casas de banho!!!, incompatível, segundo as regras de experiência, com a finalidade única de habitação.
P- A configuração do imóvel, projetada nesses termos ab initio, é sinal evidente de que os AA. pretendiam e comunicaram, logo no início da relação contratual, aos 1ª e 2º RR. que pretendiam também a finalidade de realização de eventos e turismo de habitação, sendo incompreensível e ilógica e contra todo o senso comum e regras de experiência, que o tribunal tenha achado plausível que um casal pretenda ter 10 casas de banho ao seu dispor para uso pessoal.
Q- É também ilógica a fundamentação e o juízo decisório fundamentante a este respeito, plasmado na decisão em recurso, de que se no pedido de licenciamento submetido à CM... não consta a menção a outras finalidades que não a habitação, então não se mostra provado o conhecimento inicial das restantes finalidades (turismo de habitação e realização de eventos) pelos 1ª e 2º RR, quando o que tal significa é que também o pedido de licenciamento camarário não foi corretamente elaborado e submetido, novamente pela 1ª e 2º RR., quando tal era da sua responsabilidade.
R- Tal constitui mais uma vertente de cumprimento contratual deficiente pelos 1ª e 2º RR., que sustenta o pedido tal como foi formulado na PI, e não o inverso, de que se só a finalidade de habitação foi requerida, então só essa seria a vontade dos AA., o que não é, comprovadamente, verdade.
S- Fazendo o paralelismo com os factos provados mm), ee) e gg) e a ratio subjacente utilizadanafundamentação pelo tribunal a quo,etranspondo essamesmaratio decisória, de que existem regras técnicas que condicionam a atividades dos RR. e pelas quais se têm que pautar, mas que foram prevaricadas naquele exemplo, também aqui o foram, em mais uma manifestação do cumprimento contratual defeituoso imputável aos 1ª e 2º RR..
T- Em corroboração do que se alega, acresce o teor do relatório pericial colegial (Ref.ª ...76), datado de 18/12/2019, onde, na resposta ao quesito 6, sobre a adequação da obra para as finalidades de “habitação e de realização de eventos”, na pág. 6, os Srs. Peritos afirmam que, ultrapassados os trabalhos não concluídos e os vícios/defeitos, a obra estará apta a ambas as finalidades, e ainda as quantidades de materiais descritos no doc. ...9 da PI (orçamento), a págs. 12 e 13 do referido documento, verbas 16.1 a 16.4., que demonstram o juízo incorreto quanto a este facto e toda a ilogicidade da fundamentação quando suportada apenas no teor do pedido de licenciamento e na finalidade ali declarada, que não é consentânea com o projetado inicialmente definido, nem com o resultado atual da obra, nem com as finalidades práticas que os AA. sempre transmitiram desde início e que foram materialmente concretizadas na obra.
U- Este incumprimento pelos 1ª e 2º RR. é essencial, porquanto teria conduzido à rejeição da empresa do 3º R., a qual não reunia os requisitos para uma obra orçada no valor em que o foi, 312.850,00€, e para as finalidades que se destinava, o que aqueles não asseguraram, cf. regras do concurso lançado e orientado por aqueles, facto provado e).
V- Falece e é contraditória a fundamentação expendida na sentença de que tendo sido concedido alvará para realização da empreitada, é porque a empresa do 3º R. reunia condições para tal, uma vez que se o pedido de licenciamento e respetiva instrução foi incorretamente apresentado à Câmara Municipal ..., distorcidos foram os critérios de aferição pela entidade administrativa competente e incorretos e desajustados à obra real e às finalidades pretendidas pelos AA, tendo os RR. procurado furtar-se ao disposto no Regime Jurídico da Edificação Urbana (RJEU), DL n.º 555/99, de 16 de Dezembro, concretamente nos arts. 38º e 60º, sem prejuízo de demais legislação conexa, nomeadamente a que rege os alojamentos turísticos, Decreto-Lei n.º 39/2008, que obrigariam a um processo de licenciamento mais rigoroso, sujeito a maior escrutínio e detalhe.
W- O pedido de licenciamento elaborado e submetido pelos 1ª e 2º RR. constitui mais um cumprimento defeituoso do contrato celebrado com os AA., motivos pelos quais os AA. imputam a responsabilidade pelos danos sofridos, nas suas diversas dimensões patrimoniais e não patrimoniais, a todos os três RR., de forma solidária.
X- Consideram-se incorretamente interpretadas as normas do art. 1º da Portaria 17/2004, de 10 de Janeiro, e do art. 3º e respetivo Quadro I, anexo à Portaria 18/2004, de 10 de Janeiro, o que resultou na sua não aplicação ao caso vertente, quando as mesmas devem ser consideradas, para fundamentação do juízo sobre o incumprimento das regras legais e contratuais que o concurso e seleção da empresa empreiteira e o pedido de licenciamento deveriam ter obedecido, facto que responsabiliza todos os RR., solidariamente.
Y- Em consequência, devem os factos não provados 1), 8), 10) e 11) ser julgados como provados, passando a integrar o rol dos factos assentes, corrigindo-se a decisão recorrida nesses termos.
Z- Foi incorretamente julgado como não provado o facto 3), sendo omissa a menção, por referência, no facto provado z), ao gradeamento a aplicar sobre muro de betão nas traseiras do prédio, de 47 metros de extensão, cf. decorre do relatório de perícia colegial.
AA- Trata-se de erro ou lapso material, cuja correção se requer, tornando-se o facto não provado 3) irrelevante, por ficar completa a descrição dos trabalhos não concluídos, devendo ser eliminado do rol respetivo.
AB- Resulta o teor do relatório pericial colegial (Ref.ª ...76) e do teor dos esclarecimentos ao relatório pericial especializado (Ref.ª ...51),de11/05/2021, que os valores constantes em ambos os relatórios não incluem o IVA, pelo que tal acréscimo deveria ter sido considerado, uma vez que para os AA. não é possível evitar o pagamento detal valor, enquanto adquirentes finais debens e serviços, o quedecorre do quadro fiscal em vigor.
AC- A taxa de IVA de 23% aplicar-se-á às verbas descritas nos factos provados em aa), dd) e hh), respetivamente, 33.120,70€, 9.112,30€ e 9.010,79€, a que deverão acrescer os valores, respetivamente, de 7.617,76€, de 2.985,83€ e de 2.072,48€, a título de IVA, perfazendo a quantia somada de 12.676,07€ (doze mil seiscentos e setenta e seis euros e sete cêntimos).
AD- Pelo que deve o facto, incorretamente dado por não provado, 4), ser considerado como provado, acrescendo ao respetivo conjunto, devendo, em consequência ser aditado novo facto provado que declare que o valor do IVA que deve acrescer ao total descriminado em aa), dd) e hh), respetivamente, corresponde a 12.676,07€ (doze mil seiscentos e setenta e seis euros e sete cêntimos).
AE- Considera-se incorretamente julgado o facto não provado 9), pois, sem as necessárias licenças camarárias e sem a execução do projeto e da obra com vista às finalidades adicionais de turismo de habitação e realização de eventos, pretendidas pelos AA., com a extensão que as normas legais e regulamentares exigiriam, para lá das materializadas no imóvel, nomeadamente, as relacionadas com dimensões, saídas de emergência, sistema funcional contra incêndios, entre outras, indevidamente deixados omissos pelos 1ª e 2º RR., então é evidente que tais pretensões dos AA. ficaram prejudicadas, devendo este facto ser dado como provado, acrescendo ao respetivo rol.
AF- Considera-se incorretamente dado por não provado o facto 11), pois consta do doc. ... da PI, a págs. 31 que o sótão vai identificado como “sótão zona de trabalho”.
AG- Sendo os AA. reformados, como é aceite nos autos, apenas a A. se dedicando à criação artística, não existe fundamentação nem prova em contrário que sustente e justifique não admitir que aquele espaço da casa se destinava, como destina, a ser utilizado como atelier de pintura e artes plásticas, cf. é “ofício” da A. visível no doc. ...3 da PI, pelo que deve o mesmo ser julgado como provado, acrescendo àqueles.
AH- Consideram-se incorretamente julgados os factos não provados 12) e 13).
AI- Quer porque não se dá por provado o abandono da obra, quer porque não se dá por provada a atuação de comum acordo entre os RR.
AJ- Ficou estabelecido no facto provado nn), que a empresa empreiteira reconheceu a necessidade de reparação de desconformidades da obra, pelo que segundo o art. 1220º nº 2 do Código Civil (CC) há fundamento legal para se determinar a responsabilidade da empresa empreiteira, leia-se, 3º R., por não poder beneficiar da responsabilidade das pessoas coletivas de que foi gerente, cf. acima já se alegou e concluiu, em indemnizar os AA. pela não reparação das ditas desconformidades.
AK- O 3º R. agiu por si só, participando nas reuniões ocorridas em 2016 (largamente caducada a licença de construção/obras) onde reconhecera a existência de desconformidades, que jamais vieram a ser reparadas e vão descritas nos relatórios periciais, o que equivale ao abandono tácito da obra, não carecendo os AA. de proceder a notificação admonitória nem por qualquer forma convolar o incumprimento em definitivo.
AL- O facto de, até hoje, a habitação não ter o respetivo processo de licenciamento concluído nem deter licença de habitação camarária, comprovam esse abandono, porquanto não cabia aos AA. a tramitação desse processo e obtenção dessa licença, mas cabia, isso sim, aos 1ª e 2º RR., também estes tendo atuado de forma a que, tacitamente, cf. art. 217º nº1, 2ª parte do CC, se possa e deva, a esta distância temporal, admitir que o abandono se verificou por causa imputável a estes.
AM- Todos os RR. reconheceram a existência de vícios na obra e trabalhos por concretizar, inclusive tendo participado nas reuniões mencionadas em nn), onde se discutiram tais problemas, sempre prometendo soluções, mas nunca as executando, indicados no relatório pericial como defeitos, desconformidades e trabalhos por executar, apurados anos após o término da licença de construção, já de si prorrogada.
AN- Foram as sucessivas promessas de solução daqueles problemas da obra que levaram a que os AA., após reuniões infrutíferas, desistissem das mesmas e tenham posto cobro às negociações, o que é inteiramente justificado e não equivale impedimento à finalização da obra.
AO- Os RR. constituíram-se na obrigação de indemnizar, por força do incumprimento e do cumprimento defeituoso do contrato bem como do período que deixaram transcorrer entre o início dos trabalhos e as últimas reuniões realizadas, tornando-se a intervenção dos mesmos no local não mais possível atenta a completa falta de confiança naqueles por parte dos AA., além da demonstrada falta de competência e errada concretização do contratualizado, nas respetivas vertentes.
AP- Devendo os factos 12) e 13) serem dados por provados, o que resulta do que se vem alegando, mas também da prova considerada na sua generalidade, em especial, quanto aos relatórios periciais que atestam todos os problemas achados no imóvel e comprovam o incumprimento das obrigações contratuais assumidas pelos 1ª e 2º RR e 3º R., aqueles como autores do projeto, assistente técnico e diretor técnico da obra, e este como pessoa singular que, desde 10/01/2014, prosseguiu com o previsto no caderno de encargos ainda não executado até essa data, respetivamente.
III- Erro na apreciação da prova:
AQ- Verifica-se erro na apreciação da prova, constante, de entre as diversas passagens da fundamentação, no que concerne ao conhecimento prévio pelos RR. das finalidades pretendidas para o imóvel pelos AA, erro este essencial, que perpassa toda a fundamentação e afeta determinantemente o sentido da decisão proferida.
AR- A págs. 25 e ss da sentença recorrida é analisado o móvel “ilha” colocado na cozinha que não se acharia inicialmente previsto no pedido de licenciamento camarário, da responsabilidade dos 1ª e 2º RR.
AS- O doc. ... junto com o pedido de esclarecimentos aos peritos, em 24/05/2021, reprodução de uma planta referente ao piso 1 do imóvel, onde é bem visível a dita “ilha”, em desenho de arquitetura concebido e assinado pelos 1ª e 2º RR, serve para demonstrar que, por um lado, a versão dos factos relatada pelo 2º R. é eivada de inverdades que não merecem crédito, mas também para reforçar, enquanto prova, que as intenções dos AA. para o imóvel sempre foram prévia e antecipadamente comunicadas ao gabinete de projetos e seu representante, em nada contribuindo para alterações que justificassem os atrasos na obra, desfazendo-se também a ideia de que os caprichos dos AA., em plena execução dos trabalhos fossem a causa de desentendimentos entre estes, os RR. e os subempreiteiros no local.
AT- Mais, demonstram, como acima também já se referiu, o cumprimento defeituoso do contrato celebrado entre os AA. e os 1ª e 2º RR., ao não garantir a elaboração correta do pedido de licenciamento camarário e respetiva instrução, com toda a documentação técnica necessária, o que seguramente não é imputável aos AA., colocando em risco a própria segurança destes, sinal de negligência grosseira por parte daqueles.
IV- Erro na aplicação do direito:
AU- Verifica-se erro sobre interpretação das normas pertinentes a este caso.
AV- Não se trata apenas da responsabilidade do 3º R. enquanto sócio gerente de uma sociedade, numa primeira fase (até 10/01/2014), mas sim a sua atuação dissimulada e de má-fé, aparentando a existência de uma pessoa coletiva que já não existia, sem que tivesse dado conhecimento aos AA., dessa data em diante, daextinção dapessoacoletiva com quem estes contrataram ab initio.
AW- O 3º R. não pode beneficiar da interposição da pessoa coletiva de responsabilidade, e vida, limitada, quando emitiu declarações em nome de uma firma já extinta pelo próprio.
AX- A aplicação conjugada dos arts. 260º nºs 1 e 4, ex vi art. 270º-G, ambos do CSC, significa que, na ausência da existência da pessoa coletiva, entenda-se a sociedade por quotas, gerida pelo 3º R., apenas até 10/01/2014, e a falta de qualquer elemento probatório, por inexistente, da existência de uma relação contratual entre os AA. e sociedade unipessoal que aquele terá criado em 05/02/2014, sem disso dar conhecimento aos AA., significa, dizia-se, que o 3º R. não beneficia da proteção patrimonial, cf. no art. 197º nº 3, 1ª parte, do CSC, ou seja, da responsabilidade patrimonial limitada.
AY- Por esse motivo, se consideram estas normas violadas, por que não foram devidamente interpretadas nem aplicadas ao caso vertente, quando o deveriam e no sentido propugnado.
AZ-Resultaprovado o facto k), segundo o qual o 2º R. assumiu o papel dediretor técnico da obra, além da assistência técnica, descrita no doc. ... da PI.
BA- Nos termos da Lei nº n.º 31/2009, de 03 de Julho, a al. g) do nº 1 do art. 3º define «Diretor de obra», como sendo o “técnico habilitado a quem incumbe assegurar a execução da obra, cumprindo o projeto de execução e, quando aplicável, as condições da licença ou comunicação prévia, bem como o cumprimento das normas legais e regulamentares em vigor;” [sublinhados nossos].
BB- O facto provado mm) firmou a responsabilidade do 2º R. enquanto diretor da obra em presença, e como responsável pelos defeitos apurados de ee) a gg).
BC- Chegado a essa conclusão, o tribunal a quo devia ter aplicado a mesma lógica judicativa, bem como deveria ter aplicado as normas supra-referidas em AX e BA, no sentido propugnado, dando por provado o incumprimento e o cumprimento defeituoso do contrato entre AA. e 1ª e 2º RR., ao admitir a concurso a empresa gerida pelo 3º R., quando a mesma não observava os requisitos necessários para a obra, tal como os AA. a pretendiam, e para as finalidades de habitação, turismo de habitação e realização de eventos.
BD- Resultam da prova pericial defeitos encontrados e trabalhos que não foram executados, o que demonstra que tal controlo e garantias não se cumpriram, por omissão do 2º R., que aceitou desempenhar o papel de diretor de obra e assumiu essa qualidade perante a entidade administrativa de controlo competente, a CM....
BE- Acresce que, segundo o art. 1208 do C. C.: “O empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato”!!!
BF- O 3º R. não podia ignorar dirigir empresa que não cumpria os requisitos técnicos e legais existentes, à data da celebração do contrato de empreitada, atentas as finalidades previstas para a mesma.
BG- Com toda a atuação descrita acima, em violação de uma miríade de normas legais, bem como do princípio daboa-fécontratual, os RR.causaram significativos danos, patrimoniais e não patrimoniais, os quais, atenta a sua gravidade, o tempo pelo qual vêm perdurando e pelas consequências produzidas e verificadas, legitimam a responsabilização daqueles, à luz das normas aplicáveis à responsabilidade contratual e à responsabilidade civil.
BH- Os defeitos de construção e execução achados no imóvel impedem e/ou diminuem definitivamente a sua plena fruição para o fim a que se destinavam, cf. acima descrito, incumprindo o contrato celebrado entreos AA. eos 1ªe2º RR., responsabilidade a que o 3º não é alheio, quer porque gerente da sociedade extinta pelo próprio em 10/01/2014, quer porque, daí em diante, agiu de per si, causando danos tanto por ação como por omissão.
BI- Os AA. não procederam à aceitação da obra, denunciando tudo o acima descrito e detalhado nos docs. ...7 e ...8 da PI, em cumprimento dos nºs 1, 3, 4 e 5, a contrario, do art. 1218º e do art. 1220º, ambos do C.C.
BJ- Os RR. abandonaram a obra, o que decorre, segundo regras de experiência comum, dos vícios achados e não corrigidos e dos trabalhos deixados por executar face ao inicialmente projetado e contratado, no local da obra.
BK- Visto ser impossível fazer apelo aos arts. 1221º e 1222º, ambos do C.C., dado o abandono da obra, a falta de competência técnica para a expurgação dos defeitos e conclusão dos trabalhos projetados, bem como a absoluta falta de confiança pelos AA., estes reclamam indemnização pelos danos patrimoniais, ao abrigo dos arts. 562º e ss e 1223º do C.C., entre outros, e pelos danos não patrimoniais, ao abrigo do disposto pelos arts. 483º e ss. do C.C., uma vez que se acham verificados os necessários pressupostos, nomeadamente, a culpa, o dano, a ilicitude e o nexo causal e o pressuposto subjetivo da gravidade da lesão merecedora da tutela do Direito.
BL- A correta aplicação de todas as normas que vimos referindo, a alteração da qualificação dos factos provados e não provados respeitantes a este tema, nos termos acima propostos, leva a concluir pela responsabilidade de todos os RR., e de forma solidária, porquanto todo o sucedido e descrito na PI, resulta e foi consequência direta e necessária do cumprimento defeituoso por parte da 1ª e 2º RR., do contrato celebrado entre estes e os AA.
BM- Operando-se a correção da matéria de facto a ter por provada e aplicando-se as normas legais citadas, deverá a decisão recorrida ser corrigida, e condenar-se os RR., em conformidade com os prejuízos apurados para os AA., tanto quanto a danos patrimoniais como quanto a não patrimoniais, a indemnizar estes, julgando-se procedente o pedido, revogando-se a decisão recorridanos termos em quenão atingiu este desiderato”.
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Os 1.º e 2.ºs réus contra-alegaram – requerimento de 26/06/2023.
Os recursos foram admitidos como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - Questões a decidir:

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes – arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por C. P. Civil) -, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber:

1 - Da impugnação da matéria de facto suscitada pelos 1.º e 2.º réus.
2 - Da impugnação da matéria de facto suscitada pelos autores.
3 - Se, alterada ou não a decisão sobre a matéria de facto, deve ser alterada a decisão de direito e, ainda:
- apreciando o recurso apresentado pelos 1.º e 2.ºs réus:
1 - se deve entender-se que a 1.ª ré cumpriu integralmente o acordo que foi celebrado com os autores;
2 - se é relevante a ausência de qualquer vínculo contratual entre os autores e o 2.º réu;
3 - se se verificou caducidade do termo de responsabilidade assumido pelo 2.º réu;
4 - se se verifica a exclusão da responsabilidade deste pelo facto de terem sido os autores a promover a colocação da ilha na cozinha;
5 - se deve entender-se que o 2.º réu cumpriu integralmente as obrigações assumidas como diretor técnico das obra:
6 - da caducidade do direito de ação dos autores em relação aos 1.º e 2.º réus;
7 - se os juros indemnizatórios devem ser contabilizados, na totalidade, desde a decisão;
8 - se a contagem de juros de mora deve ser suspensa no período em que estiveram suspensos os prazos processuais por via da situação pandémica vivida com a Covid 19;
9 - se inexistem factos que permitam a condenação dos 1.º e 2.º réus no pagamento de qualquer indemnização por danos não patrimoniais.
- apreciando o recurso apresentados pelos autores:
10 – se se verificou erro na apreciação da prova;
11 – se se verificou erro na aplicação do direito.
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III - Fundamentação de facto:

Os factos que foram dados como provados na decisão proferida são os seguintes:
“a) Por escritura pública de 08.10.2012, celebrada no Cartório da Notária GG, sito na av. ..., ..., da cidade ..., HH (que interveio por si e em representação de II e JJ, KK, LL) e II (que interveio na qualidade de procurador de MM) declararam vender a AA e BB (que intervieram por si e o outorgante marido ainda na qualidade de procurador de NN), pelo preço de € 430.000,00, o prédio urbano, composto de cada do ... e a primeiro andar e quintal, descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...10 – ..., o que estes declararam aceitar.
b) Os Autores adquiriram o prédio urbano referido em a) visando a recuperação de alterações funcionais até pela existência de algumas patologias associadas à idade do mesmo, para habitação própria e permanente.
c) Em ordem ao fim projetado, abeiraram-se os Autores da 1.ª Ré, na pessoa do 2.º Réu, a fim de levar a cabo o projeto geral de arquitetura e especialidades do conjunto habitacional e seu envolvente, na rua ..., ..., Guimarães, nos termos do acordo que consta de fls. 18/verso a 19, que aqui se dá por reproduzido.
d) O acordo referido em c) está subscrito pelo 2.º Réu, na qualidade de sócio-gerente da 1.ª Ré, e pelos Autores, constando dos seus itens 3. o seguinte:
2 [E]xclusões
Direção técnica da obra (…). “Assistência técnica
Nos valores anteriormente referidos está incluída a Assistência Técnica que compreende uma visita quinzenal, dependendo do ritmo dos trabalhos.”
e) A 1.ª Ré, através do 2.º Réu, elaborou o programa de concurso de seleção da empresa que viria a executar as obras, de fls. 21/verso a 22, cujo conteúdo se dá por reproduzido, no qual, entre o mais, se encontra previsto o seguinte:
- “Critérios de Apreciação das Propostas:
O(s) critério/s) de apreciação das propostas será(ão) o(s) seguinte(s), independentemente da ordem:
- Preço;
- Prazo;
- Garantia de boa execução;
- Qualidade técnica;
- Quadros técnicos da empresa, e qualificação técnico do encarregado que acompanhará a obra;
- Número e importância das obras realizadas nos últimos 3 anos.
Ao dono da obra reserva-se o direito, para escolher o empreiteiro a que adjudicar a obra, de considerar estes critérios, na medida e na ordem que entender, não lhe sendo devida qualquer justificação pela escolha que, no seu interesse [,] vier a ser feita”.
f) Anexo ao programa de concurso mencionado em e) estava o caderno de encargos, que se encontrava disponível no estabelecimento da 1.ª Ré.
g) Os Autores e a sociedade EMP02..., Sociedade de Construções, Lda., com sede na rua ..., freguesia ..., ..., Guimarães celebrou com os Autores o acordo denominado de “Contrato de Empreitada” em 22.05.2013, constante de fls. 36 a 37/verso, cujo conteúdo se dá por reproduzido.
h) Na cláusula terceira do acordo mencionado na al. anterior consta o seguinte:
“É de 312.850,00 € (…) o preço a pagar pelos primeiros contraentes donos de obra a segunda contraente empreiteiro, em que se acresce o IVA a taxa legal em vigor”.
i) Na cláusula sétima do acordo mencionado na al. g) consta o seguinte:
“Os trabalhos previstos na cláusula 1º devem concluir-se no prazo máximo de um ano e três meses a contar da data de missão da autorização emitida pela Câmara Municipal ..., sendo da sua responsabilidade indemnizar o dono da obra caso haja atrasos que sejam da sua responsabilidade”.
j) A instrução do processo de licenciamento ficou a cargo do 2.º Réu, tendo sido concedido o alvará de licença de construção, datado de 03.06.2013.
k) O 2.º Réu subscreveu, por declaração de 24.05.2013, o termo de responsabilidade pela direção técnica da obra, com o seguinte conteúdo:
“(…) declara que se responsabiliza pela Direção Técnica da Obra de obras de reconstrução habitação, dependência, alteração de fachada e criação do terraço, localizado na rua ..., freguesia ..., Concelho ..., cujo licenciamento foi requerido por AA e outros residente na avenida ..., freguesia ... Concelho ....”
l) O funcionário municipal verificou o início dos trabalhos, verificação essa que ocorreu às 8h10m, do dia 11.07.2013.
m) Por despacho de 10.07.2014, foi deferido o pedido de extensão (do prazo de execução da obra) por mais doze meses.
n) À data em que foi celebrado o acordo mencionado em g), a sociedade EMP02..., Sociedade de Construções, L.da, dispunha de alvará classe 1, do que os Réus tinham conhecimento.
o) Na sequência do programa de concurso referido em e), os Autores escolheram a sociedade EMP02..., Sociedade de Construções, Lda., para executar a obra, tendo nessa decisão influído a posição transmitida pela 1.ª Ré e pelo 2.º Réu.
p) A sociedade EMP02..., Sociedade de Construções, Lda., apresentou no processo de licenciamento municipal n.º 509/12, uma declaração, datada de 13.05.2013, onde se menciona a titularidade do alvará n.º ...36, válido até 31.01.2014.
q) O 3.º Réu foi sócio e gerente da sociedade EMP02..., Sociedade de Construções, L.da, tendo o mesmo requerido, em 10.01.2014, a extinção imediata dessa sociedade, tendo sido designado, nessa declaração, o 3.º Réu como depositário dos livros e representante para efeitos fiscais, tendo este declarado inexistir ativo ou passivo a declarar.
r) O 3.º Réu constituiu e matriculou em 23.12.2013, na Conservatória do Registo Comercial ..., uma nova firma, denominada EMP03..., Unipessoal, Lda., sociedade por quotas, tendo como forma de obrigar a intervenção de um gerente (correspondente ao único sócio da mesma) e situando-se a sua sede Viela ..., ....
s) O capital social das sociedades mencionadas em q) e r) era, em ambos os casos, de € 5.000,00 (cinco mil euros).
t) A sociedade EMP02..., Sociedade de Construções, L.da, prosseguiu as obrigações decorrentes do acordo mencionado em g).
u) Os Autores efetuaram pagamentos, relativamente ao preço aludido em h), no total de € 324.885,00.
v) Os Autores pagaram (diretamente) o montante de € 11.501,67 a subempreiteiros [que executaram serviços que faziam parte dos incluídos no acordo mencionado em g)].
w) Na ocasião dos pagamentos realizados aos subempreiteiros, o 2.º Réu aconselhou a sua realização.
x) Os Autores arrendaram uma fração autónoma identificada pela letra ... do tipo ..., ... do prédio, sito na av. ..., Edifício ..., ..., nesta cidade ..., de duração limitada, sob a renda mensal de € 390,00 (trezentos e noventa euros).
y) Os Autores deixaram o arrendado sobredito em fins de maio de 2015.
z) Face ao projeto:
- Não foi concluída a instalação e o equipamento do videoporteiro;
- Não foi executado o reservatório e respetiva rede que conduz as águas pluviais ao reservatório;
- Não se encontra concluída a rede predial de abastecimento a gás;
- Não estão instaladas as máquinas, as grelhas e os termostatos do sistema de climatização;
- Não foram ligadas ao exterior as ventilações das casas de banho e cozinhas suplementares;
- Não foram executados os ripados previstos para separar a zona de estar da zona de dormir nos dois quartos da cave;
- Não foram colocados 4 (quatro) espelhos em instalações sanitárias;
- Não foi executado o resguardo/divisória no espaço designado por lavandaria/arrumos na cave;
- Não foram retificados os retentores das paredes exteriores em função do aumento da espessura das paredes exteriores.
aa)       O custo da execução dos trabalhos referidos na al. anterior é de € 33.120,70.
bb)       De forma diferente do previsto no projeto:
- As escadas interiores foram executadas em estrutura metálica revestida a chapa (ao invés da execução de uma estrutura em betão armado e revestimento dos degraus em madeira de pinho tratado);
- As portas das instalações sanitárias foram executadas em portas pré-fabricadas (ao invés de vibro temperado de 10 mm);
- Foi executada uma abertura para entrada de luz natural numa das janelas de um compartimento;
- Foram instaladas duas claraboias na cobertura equipadas com janelas de sótão;
- Foram instaladas louças sanitárias e aparelhagem elétrica de marca distinta;
- Foram aplicados caleiros em chada lacada e tubos de queda em PVC (ao invés de zinco);
-Foi efetuado o revestimento das paredes exteriores tipo “Capotto” (ao invés de emboço e reboco com acabamento estanhado com pasta de estanhar);
- Foi executado um fogão de sala no compartimento designado por “sala de estar”.
cc) As caixilharias exteriores em carpintaria têm deficiente funcionamento devido à inadequada aplicação de ferragens e às folgas excessivas em algumas das portas e janelas, verificando-se a falta de pingadeira no bordo interior dos vãos e janela.
dd) O custo da correção do aludido na al. anterior é de € 9.112,30.
ee) A obra evidencia deformação acentuada dos pavimentos, em particular da cozinha/ sala de jantar, sendo tal devido à localização e ao peso da “ilha” destinada à confeção de alimentos e arrumos de utensílios de cozinha.
ff) O aludido na al. anterior provoca trepidação.
gg) A obra evidencia deficiente realização da estrutura de cobertura, que põem em causa a sua integridade.
hh) Para correção do enunciado em ee) a gg) é necessária a importância de € 9.010,79.
ii) Por sentença proferida em 26.09.2016, a sociedade EMP03..., Unipessoal, Lda., foi declarada insolvente, no âmbito do processo com o n.º 4455/16...., pendente no Juízo do Comércio ..., 1ª Secção- J..., com decisão de encerramento do mesmo processo datado de 13.12.2016.
jj) Os Autores depositaram confiança nos Réus.
kk) O protelar da obra e a sua forma de execução tornou-se uma fonte de desassossego e de aflição.
ll) A habitação no imóvel é desconfortável pela trepidação do primeiro andar e sótão sempre que algum veículo pesado passa na rua.
mm) O 2.º Réu permitiu o prosseguimento da execução da obra nos termos aludidos em ee) a gg).
nn) Foram realizadas reuniões entre os Autores e os Réus, tendo sido reconhecido pela empreiteira a necessidade de reparação de parte das desconformidades da obra.
oo) Parte das alterações referidas em bb) foram pretendidas pelos Autores.
pp) Até ao conhecimento pelos Autores do aludido em q), o 3.º Réu manteve a aparência de que a sociedade EMP02..., Sociedade de Construções, L.da, estava ativa.
qq) Após o conhecimento pelos Autores do aludido em q) e r), os mesmos aceitaram que a sociedade EMP03..., Unipessoal, L.da, assumisse os deveres e os compromissos e substituísse a sociedade empreiteira.
rr) As alterações requeridas pelos Autores contribuíram para o atraso na execução das obras”.
*
Por sua vez resultou não provado que:
“1) Os Autores, aquando do acordo celebrado com a 1.ª Ré, tinham como finalidade destinar o prédio mencionado em a) para turismo de habitação e realização de eventos.
2) A aceitação pelos Autores da proposta apresentada pela sociedade EMP02..., Sociedade de Construções, L.da, foi por lhes ter sido criada pela 1.ª Ré e pelo 2.º Réu a ilusão de que o 3.º Réu e respetiva empresa ficaram melhor colocadas face às restantes propostas.
3) A obra apresenta erros, em relação ao projeto, para além do mencionado nos factos provados.
4) Para a reparação dos erros que a obra apresenta e para a conclusão das obras, é necessária uma quantia superior à aludida nos factos provados.
5) O 2.º Réu aconselhou o pagamento aos subempreiteiros, a que se refere aludido em v), acrescentando que a anulação das faturas emitidas pelos subempreiteiros causava dificuldades eventualmente fiscais a essas empresas.
6) Nunca os Autores, durante a execução da obra, tiveram conhecimento da extinção da sociedade EMP02..., Sociedade de Construções, L.da.
7) Sucedeu a necessidade de implantação ao Autor marido de um ‘pacemaker’, contra as arritmias e perigo de vida resultantes da ansiedade e stress, pelo risco de perda do investimento das poupanças duramente amealhadas ao longo dos anos.
8) A Autora viu esfumar-se a criação artística ansiada, uma das finalidades por que adquiriram a propriedade, em presença, e destinaram áreas específicas para tal fim.
9) Gorando-se, para ambos, os objetivos de promoção de eventos e de arrendamento turístico pretendidos.
10) Sendo todas estas finalidades pretendidas do conhecimento de todos Réus, desde o início.
11) No projeto inicial, o sótão visava ser um atelier de pintura e artes plásticas da Autora.
12) Os Réus abandonaram a execução da obra e atuaram de comum acordo.
13) Os Réus aceitaram regularizar a totalidade das inconformidades verificadas na obra”.
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IV - Do objeto do recurso:

1 - Da impugnação da matéria de facto:

1.1. Assume particular relevo nesta decisão fazer a distinção entre factos essenciais e factos instrumentais, pois que, como veremos, as partes fazem apelo a factos que não alegaram e que, podendo até resultar da instrução dos autos, nem sempre podem ser considerados.
No contexto do Código Processo Civil vigente, como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23/04/2015, da Juiz Desembargadora Ondina Carmo Alves, proc. 185/14.9TBRGR.L1.2, in www.dgsi.pt é hoje admissível que a enunciação dos temas da prova assuma, nos termos do art.º 596.º “um carácter genérico e até, por vezes, aparentemente conclusivo, apenas devendo ser balizada pelos limites que decorrem da causa de pedir e das exceções invocadas, nos exatos termos que a lide justifique.
Todavia, no que concerne à decisão da matéria de facto, a mesma já não deverá conter formulações genéricas, de direito ou conclusivas, ali se exigindo que o juiz se pronuncie sobre os factos essenciais e ainda os instrumentais que assumam pertinência para a questão a decidir.
Não obstante a redação dada ao artigo 410º do nCPC, nos termos do qual a instrução tem por objeto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha havido lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova, é sobre os factos constante dos articulados apresentados pelas partes que a produção de prova e respetivos meios incidirão, como se infere dos artigos 452.º, n.ºs 1 e 2, 454.º, 460.º, 466.º, n.º 1, 475.º, 490.º ou 495.º, n.º 1, do nCPC, e não sobre os respetivos temas de prova enunciados.
São de igual modo os enunciados de factos, e não os temas de prova, que o artigo 607.º do nCPC impõe que sejam discriminados e declarados provados e/ou não provados pelo julgador, na sentença.
(…) É certo que os temas da prova enunciados pelo julgador derivam necessariamente da alegação das partes, nos termos do artigo 5.º do nCPC, selecionados em função do objeto do litígio que haja sido definido.
De resto, o princípio do dispositivo, não obstante a ele o nCPC não fazer qualquer expressa referência, continua a ser uma regra basilar, traduzindo-se na liberdade das partes, de decisão quanto à propositura da ação, e quanto aos limites do seu objeto, quer quanto à causa de pedir e pedidos, quer quanto às exceções.
Corolários deste princípio encontram-se no artigo 3.º, n.º 1 do nCPC, onde se estatui: “O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.” e ainda no artigo 5.º, n.º 1 (…)”.
Esta norma estabelece que às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que baseiam a exceções invocadas.
Para além destes factos essenciais que têm de ser alegados pelas partes, podem ainda ser considerados:
- os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
- os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
- os factos notórios e aqueles de que o Tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções (n.º2 da norma citada).
Decorre com clareza desta norma que os factos essenciais têm de ser alegados pela parte a quem aproveitam, existindo assim um verdadeiro ónus de alegação que não pode ser suprido oficiosamente pelo Tribunal, ainda que exista instrução sobre factualidade que se revele essencial à causa de pedir da ação ou seja integradora das exceções invocadas.
Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13/07/2022, do Juiz Desembargador João Ramos Lopes, proc. 186/12.5TBMCN.G1, in www.dgsi.pto nosso ordenamento processual admite a atendibilidade, na decisão da causa, de matéria não alegada pelas partes desde que não consubstancie factualidade essencial (que identifique ou individualize a causa de pedir e/ou a exceção alegadas).
Na decisão da causa, para lá de integrar os factos notórios ou que tenham sido revelados ao tribunal por força do exercício das suas funções, deve o juiz ‘ponderar, mesmo oficiosamente, os factos complementares (constitutivos do direito ou integrantes da exceção, embora não identificadores dos mesmos) e os factos concretizadores de anteriores afirmações de pendor mais genérico que tenham sido feitas, acautelando substancialmente o contraditório (arts. 607º, nºs 3 a 5, e 5º, nº 2, al.b))’
Porque reservada às partes a alegação dos factos essenciais identificadores ou individualizadores da causa de pedir e/ou exceção alegadas (factos essenciais nucleares), não pode o juiz considerar, na decisão, factos essenciais diversos dos alegados pelas partes, podendo já ser atendidos e integrados na fundamentação de facto da decisão da causa (além dos notórios e daqueles que o tribunal conheça por virtude do exercício das suas funções – alínea c) do nº 2 do art. 5º do CPC), os factos que, não desempenhando tal função individualizadora ou identificadora da causa de pedir e/ou exceção alegadas, se revelem imprescindíveis à procedência da ação ou da exceção, por também constitutivos do direito invocado ou exceção arguida (factos essenciais complementares), assim como os factos instrumentais (aqueles que permitem a afirmação, por indução, de factos de cuja prova depende o reconhecimento do direito ou da exceção).
Podem assim ser considerados na sentença (com referência, sempre, aos limites de cognição do tribunal traçados pela causa de pedir e/ou exceção individualizadas e identificadas nos factos essenciais alegados pelo autor e pelo réu, pelo requerente e requerido, pelo embargante e embargado – art. 5º, nº 1 e 615º, nº 1 d) do CPC) os factos complementares e instrumentais – estes, quando resultem da instrução da causa (art. 5º, nº 2, a) do CPC); aqueles, quando resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido as partes possibilidade de se pronunciar (art. 5º, nº 2, b) do CPC)”.
Partindo destas premissas, analisemos a impugnação da matéria de facto apresentada nas duas apelações admitidas.

A – Pelos 1º. e 2.º réus:
1.1. Em sede de recurso, os apelantes 1.º e 2.º réus impugnam a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância.
Dispõe o art.º 640.º do C. P. Civil, que:
1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo, de poder proceder à transcrição do excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636º.”.
A jurisprudência tem entendido que desta norma resulta um conjunto de ónus para o recorrente que visa impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto.
Nas palavras do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/10/2015, da Juiz Conselheira Ana Luísa Geraldes, proc. 824/11.3TTLRS.L1.S1 in www.dgsi.pt, das normas aplicáveis resulta que “recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa-fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão”.
Estes ónus exigem que a impugnação da matéria de facto seja precisa, visando o regime vigente dois objetivos: “sanar dúvidas que o anterior preceito ainda suscitava e reforçar o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expressa a decisão alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova” (cfr. Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, pág. 198).
Recai assim sobre o recorrente o ónus de, sob pena de rejeição do recurso, determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretendem questionar (delimitar o objeto do recurso), motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação (fundamentação) que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre cada um dos factos que impugnam e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.
No âmbito da impugnação da matéria de facto não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento da alegação, ao contrário do que se verifica quanto às alegações de direito (vide, por todos, Abrantes Geraldes, no livro já citado, pág. 199).
Analisadas as alegações apresentadas, os recorrentes 1.º e 2.º réus indicam de forma correta os factos que pretendem sejam decididos de forma diversa, fundamentando a sua alegação em concretos meios probatórios que entendem permitir concluir no sentido por si proposto, fazendo menção aos específicos momentos da gravação, nada obstando assim à reapreciação da matéria de facto da decisão recorrida.
Veja-se, por todos, a jurisprudência citada no Acórdão recente do Supremo Tribunal de Justiça de 12/10/2023, da Juiz Conselheira Maria da Graça Trigo, proc. 1/20.2T8AVR.P1.S1, e em particular o Acórdão do mesmo Tribunal de 10/12/2020 (proc. n.º 274/17.8T8AVR.P1.S1), nele citado, que estabelece que “na verificação do cumprimento dos ónus de alegação previstos no art. 640.º do CPC, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando-se prevalência à dimensão substancial sobre a estritamente formal”.
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1.3. Nos termos do art.º 662.º, n.º 1, do C. P. Civil, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12/10/2023, da Juiz Desembargadora Margarida Gomes, aqui 1.ª adjunta, proc. 2199/18.3T8BRG.G1, in www.dgsi.pt, “a reapreciação da prova pela 2ª Instância, não visa obter uma nova e diferente convicção, mas antes apreciar se a convicção do Tribunal a quo tem suporte razoável, à luz das regras da experiência comum e da lógica, atendendo aos elementos de prova que constam dos autos, aferindo-se, assim, se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão da matéria de facto.
De todo o modo, necessário se torna que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo recorrente, impondo, pois, decisão diversa da proferida pelo tribunal recorrido, conforme a parte final da al. a) do nº 1 do artº 640º, do Código de Processo Civil.
Competirá assim, ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, atendendo ao conteúdo das alegações do recorrente, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados”.
Começam os recorrentes 1.º e 2.º réus por alegar que deveria ter sido dado como provado que “a 1.ª ré cumpriu integralmente as prestações a que se vinculou contratualmente perante os autores, nomeadamente elaborou o projeto geral de arquitetura e suas especialidades, e realizou a assistência técnica aos autores, consistindo esta numa visita quinzenal à obra”.
Alegaram estes réus recorrentes, no seu articulado de contestação que:
24. A Ré EMP01... – e não o Réu CC - foi de facto convidada a contratar pelos A.A, para proceder à elaboração do Projeto Geral de Arquitetura, e especialidades da reconstrução de um conjunto habitacional e sua envolvente, conjunto esse propriedade dos A.A.
25. Dando execução a esse convite a contratar, a Ré EMP01..., celebrou aquele contrato nos termos e condições que aliás melhor constam do documento nº ... junto pelos A.A na sua inicial.
26. Da análise do mesmo se alcança, que as obrigações por esta Ré assumidas são bem diferentes daquelas que os A.A querem fazer crer que foram assumidas, 27. uma vez que aquilo a que a Ré EMP01... se obrigou foi elaborar os estudos prévios e de habitação em 3 D, efetuar o projeto de arquitetura, o projeto de especialidades e o projeto de execução,
28. Obrigou-se, ainda a prestar assistência técnica que compreendia uma visita quinzenal à obra”.
Resulta inequívoco que a factualidade alegada foi dada como provada, nas alíneas c) e d) da decisão proferida, ou seja, os termos em que a 1.ª ré se obrigou perante os autores.
Note-se que o que a 1.ª ré pretende seja agora aditado é matéria diferente daquela que alegou. Alegou apenas quais as cláusulas do acordo celebrado – e que resultaram demonstradas nos termos alegados -, pretendendo agora que se considere demonstrado que cumpriu a obrigação de visita quinzenal quando tal alegação não constava do seu articulado de contestação.
Ou seja, o cumprimento da obrigação estabelecida nunca foi alegado pelos réus recorrentes, sendo certo que constitui ónus de prova dos autores alegar e demonstrar o incumprimento dessa obrigação.
Este incumprimento não é, claramente, alegado na petição inicial para fundamentar qualquer das pretensões deduzidas, pelo que o alegado cumprimento não é, naturalmente, matéria com relevo para esta ação, atenta a sua causa de pedir.
Assim, não pode dar-se como provado facto que é irrelevante para a decisão a proferir, pois que a causa de pedir desta ação não inclui o alegado incumprimento daquela obrigação assumida pela 1.ª ré.
Não existe assim fundamento para aditar o facto agora alegado à matéria de facto provada.
Insurgem-se de seguida os réus recorrentes quanto aos factos provados nas alíneas k), ee), hh) e mm).
Quanto à alínea k) – facto que descreve a declaração assumida pelo 2.º réu e relativa à direção da obra – alegaram os réus recorrentes:
56. Já quanto à – vã – tentativa de responsabilizar o Réu CC, pelo pagamento do valor necessário á reparação dos defeitos, e outros valores,
57. para além de valerem as mesmas considerações jurídicas sobre a impossibilidade jurídica de o fazer nesta sede declarativa,
58. sempre se dirá que o diretor de obra ainda que tivesse incumprido de forma culposa as suas obrigações,
59. o que não se concebe nem concede e com veemência se impugna,
60. jamais poderia ser demandado de forma direta pelos A.A
61. Conforme, aliás, vem sendo entendimento jurisprudencial videhttp://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/12d8e98e7bc694dc80257479004de867?OpenDocument- e doutrinário,
62. Devendo, aliás, ser esta ação, liminarmente improcedente em relação ao Réu CC, diretor de obra (única intervenção que teve em todo o processo de construção)”.
Facilmente se percebe que o que os recorrentes pretendem agora seja aditado à matéria de facto da alínea k) – “de forma gratuita e em jeito de favor à primeira sociedade construtora, exclusivamente para efeitos de levantamento de licença de construção”, não foi por si alegado no seu articulado, antes estando manifestamente em contradição com a posição vertida no articulado de contestação em que assumem a intervenção daquele 2.º réu precisamente como diretor de obra.
Estes factos que consubstanciam, na alegação destes réus recorrentes, fundamento de irresponsabilidade – a gratuidade do serviço prestado e a sua natureza de favor (que, como veremos, a ela não reconduziria, ainda que se verificasse) – não foram por aqueles alegados, sendo naturalmente factos essenciais de uma exceção que, como se disse, nem sequer invocaram.
Não existe assim matéria de facto alegada que permita o aditamento pretendido, sendo que este visaria, na posição assumida em sede de recurso, desconsiderar agora o 2.º réu como diretor da obra realizada, contrariamente ao que foi por si claramente assumido no articulado de contestação.
Assim, não chega sequer a ser relevante que tais afirmações apenas tenham sido corroboradas pelo próprio 2.º réu e pelo 3.º réu, como se a emissão de um termo de responsabilidade pelo exercício das funções de diretor de obra fosse apenas um ato formal, sem qualquer conteúdo vinculativo e fonte de obrigações legais.
Dirá o Tribunal que mesmo considerando terem sido aquelas as motivações do 2.º réu para emitir a declaração que consta da alínea k) dos factos provados, nem assim o mesmo deixaria de ser o diretor da obra. O “favor” prestado de forma “gratuita” seria precisamente assumir tais funções, o que implicaria que elas fossem de facto assumidas.
Não existe assim matéria de facto alegada que o Tribunal possa considerar e que justifique qualquer alteração da redação do facto k).
No que se reporta às alíneas ee), hh) e mm), percebe-se que os recorrentes aceitam que se verifica o que foi dado como provado em ee) - e já voltaremos a esta alínea -, não impugnando o valor dado como provado em hh), contestando verdadeiramente apenas o que foi dado como provado em mm) e que entendem deve considerar-se não provado.
Resultou assim provado que:
“ee) A obra evidencia deformação acentuada dos pavimentos, em particular da cozinha/ sala de jantar, sendo tal devido à localização e ao peso da “ilha” destinada à confeção de alimentos e arrumos de utensílios de cozinha.
hh) Para correção do enunciado em ee) a gg) é necessária a importância de € 9.010,79”.
Não vemos como possam os réus agora recorrentes contestar que “o 2.º réu permitiu o prosseguimento da execução da obra nos termos elencados em ee) a gg)” - e em gg) estão em causa os problemas detetados na cobertura.
Note-se que não está aqui em causa saber se era ou não competência do 2.º réu, como diretor de obra, fazer qualquer validação do que foi realizado em obra. Esta é uma expressão da parte que não está contida no facto dado como provado.
O que está em causa é apenas a afirmação de que o 2.º réu permitiu que a obra continuasse apesar do estado da ilha da cozinha e da cobertura. E que permitiu resulta do facto de nada ter feito, apesar de, como o próprio alega neste recurso, no âmbito do acordo de assistência técnica, e enquanto representante da 1.ª ré, a visitar de 15 em 15 dias.
Para que se considerasse não provado este facto era necessário que tivesse demonstrado, em obra, reservas à colocação da ilha ou ao estado da cobertura, reservas essas que claramente não manifestou.
Assim, o facto, assumido pela autora, de ter sido sua a vontade de colocação daquela ilha não obsta a que se dê como provado que o 2.º réu permitiu que a obra continuasse com a colocação da ilha nos termos em que foi pedida pela autora.
Na motivação da decisão da matéria de facto, especificamente sobre o facto da alínea mm) escreveu-se:
“No que ao facto enunciado sob a al. mm), dos factos provados, ele provém da alegação constante do artigo 88.º, da petição inicial, onde se diz que “[v]iolaram os deveres inerentes de fiscalização da obra, assumidos pelo R. B), permitindo que as obras fossem prosseguindo com desconformidades e com atrasos muito significativos.”
Excluindo a parte de feição notoriamente conclusiva, respondeu-se que o 2.º Réu permitiu a execução da obra com evidência das deficiências que a mesma apresenta quanto à estrutura de cobertura e quanto à cedência do pavimento [als. ee) e gg), dos factos provados].
Isto porque o 2.º Réu assumiu as funções de diretor técnico da obra e, para além disso, tinha sido o autor do projeto de arquitetura cuja elaboração foi contratada à 1.ª Ré.
Considerando que o projeto submetido a aprovação camarária não previa a construção de uma “ilha” na cozinha (conforme referido pelo perito especializado nas estruturas de madeira), essa alteração, podendo ter partido da iniciativa dos Autores, foi validada pelo 2.º Réu.
Veja-se que, em depoimento de parte, o 2.º Réu, ressalvando alterações de menor importância, referiu que as restantes tiveram a sua intervenção, nomeadamente na estrutura interna dos compartimentos. Também o 3.º Réu (que foi gerente das duas sociedades empreiteiras que executaram a obra) referiu que as principais alterações passaram pela aprovação do 2.º Réu.
Por consequência, tendo tido o 2.º Réu intervenção na alteração do projeto quanto à cozinha, e tendo em conta a sobrecarga que tal representou à estrutura do edifício (conforme foi desenvolvido no segundo relatório pericial, em especial nos esclarecimentos escritos, de fls. 338/verso a 339 e nos orais prestados em audiência), infere-se que aquele permitiu a verificação das desconformidades hoje existentes quanto à estabilidade do prédio, quer no que se refere à parte da cobertura, quer no que toca à vibração dos pavimentos, por as duas questões se encontrarem interligadas. Como se explica nos esclarecimentos de fls. 339, a solução técnica proposta para reforço da estrutura tem como subjacente o peso exercido sobre o teto decorrente da construção da referida “ilha” na cozinha.
Tivesse o 2.º Réu desaprovado a realização daquela alteração (que representou uma modificação quanto ao projeto aprovado pela Câmara Municipal e que implicava desvios ao projeto de estabilidade que instruiu o processo de licenciamento, subscrito, aliás, não pelo 2.º Réu, mas por engenheiro civil, como decorre de fls. 108 a 112), não haveria a falta de segurança hoje existente no interior do edifício”.
Veja-se que foram este réus que alegaram na sua contestação “bem sabem os autores que as alterações por si requeridas aos réus, que as avaliaram e produziram, esperando o fim da obra para efetuar os respetivos aditamentos ao projeto inicial, como sempre é feito, uma vez que não se justifica um aditamento por cada alteração produzida” – arts,º 52.º a 54.º da contestação.
É esta a correta avaliação da prova produzida, sendo certo que a singela referência ao depoimento da autora – que não foi contestado e antes é pressuposto no entendimento desenvolvido pelo Tribunal recorrido – não permite infirmar a correta convicção deste, expressa de forma clara, segura e, sobretudo, extensamente fundamentada, para afirmar que o 2.º réu permitiu a execução da obra com os problemas assinalados.
Para além de não contestarem o que está dado como provado na alínea ee), acabam por defender que, com uma redação ligeiramente diferente, à mesma se acrescente que a ilha “foi levada a cabo por única e livre iniciativa dos autores, sem qualquer validação do 2.º réu”.
Se o Tribunal entende que a alínea mm) deverá manter-se como provada, não pode naturalmente considerar existir prova para dar como provado facto que pressupõe a ideia inversa - “sem qualquer validação do 2.º réu”.
Já quanto à iniciativa dos autos para a colocação da ilha – e este facto estava alegado pelos réus recorrentes nos art.ºs já citados da contestação – é a própria autora que o admite, estando referida essa admissão na motivação da decisão da matéria de facto (“podendo ter partido da iniciativa dos autores”).
Assim, haverá que aditar à matéria de facto provada que:
ee1) Foi por iniciativa dos autores que foi colocada a ilha.
Mais alegam que deverá aditar-se aos factos provados que:
- “os autores impediram a conclusão dos trabalhos, tendo impedido que os réus, bem como a empresa responsável pela execução da obra, voltassem a entrar na mesma para concluir os trabalhos” e
- “a inclusão da ilha não violou qualquer projeto de especialidade aprovado pela Câmara Municipal ...”.
Nos dois factos que os réus recorrentes pretendem aditar resulta claro, no confronto com o que foi por si alegado na contestação, que não existe neste articulado qualquer alegação de terem sido impedidos de continuar a exercer as suas funções e sobre se a colocação da ilha violou ou não qualquer projeto existente.
Aliás, nos citados art.s 52.º a 54.º já transcritos, o que resulta inequívoco é a alegação de que as alterações que fossem introduzidas dariam origem a alterações ao projeto final, a realizar uma única vez.
Ou seja, mais uma vez, estando em causa factos essenciais de exceção que não foi sequer invocada – que os autores teriam impedido os réus de continuar o seu trabalho – ou cuja violação não foi invocada pelos autores – em momento algum da sua petição, os autores invocam que a colocação da ilha violou qualquer projeto -, o Tribunal não pode aditar à matéria de facto provada factualidade essencial que não foi alegada e ainda que a prova produzida se tenha debruçado sobre tais questões de facto.
*
B – Pelos autores recorrentes:
1.1. Estão em causa as mesmas condições de admissibilidade da impugnação da matéria de facto referidas em A.1.2.
Entende o Tribunal, que de uma forma algo lacónica e sintética (e substantivamente insuficiente), os autores recorrentes cumprem os ónus referidos que permitem a impugnação da matéria de facto, nas suas conclusões B a AP (pois que não consideramos o ponto II relativo a “erro na apreciação da prova” como impugnação da matéria de facto, já que não reúne, claramente, qualquer condição de admissibilidade como tal).
*
1.2. E dizemos de que a impugnação da matéria de facto é sintética, quando nos deparamos com a forma exaustiva como foi efetuada a motivação da decisão sobre a matéria de facto provada e não provada na sentença recorrida.
Assim, é notório que grande parte da impugnação efetuada não tem qualquer consistência, sendo os meios probatórios indicados pelos autores recorrentes, em si mesmos, insuficientes para a afirmação ou infirmação do que se entende dever ser considerado não provado ou dever ser dado como provado.
Vejamos:
Colocando em crise a alínea nn) dos factos provados, entendem os recorrentes que não foi a empreiteira quem reconheceu a existência de defeitos, mas os 2.º e 3.ºs réu, indicando como meio probatório as declarações do autor que teria respondido à questão: “alguma vez foi informado de vícios da obra por parte do Sr. Arquiteto”, 2.º réu, nos seguintes termos “ele não, mas quando entreguei ao arquiteto o relatório técnico ele não negou”.
Este meio de prova é claramente insuficiente para que se considere que foi produzida prova que permita a redação do facto provado nos termos propostos pelos autores recorrentes. Estas declarações nada dizem sobre o 3.º réu e delas não resulta que o 2.º réu reconheceu a existência do que quer que seja.
Veja-se que o parágrafo do art.º 6º das alegações dos recorrentes não se reporta a qualquer meio de prova, que não está indicado e que teria de o ser se os recorrentes pretendessem que fosse considerado, comportando apenas a convicção dos recorrentes.
Não é, pois, indicado fundamento que comporte a alteração proposta para a alínea nn).
Quanto à alínea qq), também aqui a lacónica indicação do que foi referido pelo 2.º réu (“ele muda aquilo em janeiro e nós só soubemos em setembro, portanto ele já estava lá há mais de meio ano sem nós percebermos”), contrasta em absoluto com o rigor da motivação da sentença proferida, quando, sobre esta alínea, refere que  “quanto à aceitação da execução da obra pela nova sociedade constituída nos termos do contrato de empreitada celebrada com a EMP02..., Sociedade de Construções, L.da [al. qq), dos factos provados], tal decorreu da audição do próprio Autor, onde disse que transmitiu ao 2.º Réu a questão da extinção da sociedade empreiteira e que, nessa altura, o 2.º Réu (que, na sua opinião, aparentou surpresa) referiu que o iria ajudar na conclusão dos trabalhos, na relação com os subempreiteiros, como sucedeu. Por outro lado, também o 2.º Réu, apesar de vincar que também não sabia da sucessão de empresas, admitiu que procurou auxiliar os Autores, seus clientes, que eram emigrantes em ..., a concluir a obra, tanto mais que, quando se começou a pressentir descontentamento da parte dos subempreiteiros quanto a faltas de pagamento, trabalho pago em percentagem superior à realizada, havendo interesse no seu prosseguimento, para que os mesmos não perdessem o que tinham investido.
Ponderando as regras da experiência comum, e constatando-se que, de facto, o 3.º Réu, através da nova sociedade empreiteira, continuou a obra, entende-se crível que a situação se tenha desenrolado como deposto pelo 2.º Réu: perante a parte de preço já pago, não refletida na obra, os Autores preferiram manter a execução pela nova sociedade constituída, respaldados pelo auxílio daquele 2.º Réu”.
Não temos, pois, dúvida, que perante as declarações do 2.º réu citadas pelos autores recorrentes, foi devidamente valorada toda a prova produzida e, na sequência das demais alíneas provadas sobre a sucessão das empresas construtoras, mantém-se a redação da alínea qq) dos factos provados.
Os recorrentes limitam-se a utilizar esta impugnação da matéria de facto para reafirmar a versão que apresentaram nos articulados, sem que, contudo, indiquem, dos meios de prova produzidos, para além suas referidas declarações, quais os que permitiriam considerar provadas tais afirmações.
Ora, como se refere no Acórdão deste Tribunal da Relação de 12/10/2023, da Juiz Desembargadora Raquel Rego, proc. 1059/19.2T8CHV.G1, in www.dgsi.pt, “é acertado dizer-se que as declarações de parte, pela sua própria natureza, exigem do julgador um redobrado cuidado de apreciação e exigência quanto à veracidade do seu conteúdo, posto que não deixam de estar imbuídas de um interesse pessoal na sorte da lide”.
Quanto à alínea rr) dos factos provados, alegam os autores recorrentes que o facto deverá ser alterado, dando-se como provado que “os atrasos aos subempreiteiros por parte do 3.º réu contribuíram para o atraso na execução da obra”.
O que está provado em rr) é que “as alterações requeridas pelos autores contribuíram para o atraso na execução da obra”.
Este facto foi alegado pelo 3.º réu no art.º 52.º da sua contestação.
Para a prova deste facto, escreveu-se na sentença recorrida: “respondeu-se que a existência dessas alterações concorreu para o atraso na execução dos trabalhos, na medida em que tal é o que resulta das regras de normalidade, tanto mais tendo em conta a extensão das realizadas [al. oo)/2.ª parte, dos factos não provados].
Todavia, não foram apenas essas alterações que contribuíram para o atraso da execução da obra (previsto no contrato) e para a necessidade de extensão do prazo da licença, pois que, conforme reconhecido pelo 1.º Réu, houve um período de ausência da sociedade empreiteira, o que está em conformidade com o teor do e-mail de fls. 55 (onde o 2.º Réu imputa a responsabilidade do 3.º Réu, representante da sociedade empreiteira, a necessidade de se requerer a prorrogação do prazo da licença)”.
Ora, os autores recorrentes não apresentam qualquer meio de prova que permita infirmar esta afirmação, sobre a matéria de facto alegada pelo 3.º réu, antes indicando meios de prova que permitiriam demonstrar outra causa para os atrasos verificados.
Esta “outra” causa não foi alegada pelos autores agora recorrentes no seu articulado.
Em momento algum imputam os atrasos verificados na obra à falta de pagamento aos subempreiteiros, limitando-se a alegar que existiram atrasos e que efetuaram pagamentos a terceiros que deveriam ser considerados no preço da empreitada.
Para poder agora ser considerado este facto, essencial, teria o mesmo de ter sido alegado pelos autores nos seus articulados.
Assim, se não indicam motivo para considerar não provado o que consta da alínea rr) dos factos provados, não existe qualquer alegação de facto dos autores que permita a introdução do novo facto com a redação por si proposta.
Mantém-se assim a redação da alínea rr) nos termos efetuados na sentença de 1.ª Instância.
No que aos factos não provados diz respeito, impugnam os autores a factualidade que consta dos factos 1, 8, 9, 10 e 11 e que estão relacionados com fim a que se destinava o imóvel objeto do contrato de empreitada e o seu conhecimento pelos réus.
Sobre esta matéria escreveu-se na sentença proferida que “no que toca à finalidade que esteve subjacente ao projeto de reabilitação [als. b), dos factos provados; als. 1), 9) e 10), dos factos não provados], sustentaram os Autores que a aquisição e remodelação do prédio se destinou a habitação dos próprios e da família e, ainda, para a realização de eventos e turismo de habitação (artigos 3.º, 41.º e 78.º), sendo o sótão para um atelier de pintura (artigo 43.º).
A comprovar a versão dos Autores apenas se adquiriu as suas próprias declarações, onde aludiram a essas finalidades (realização de eventos e turismo de habitação, com áreas dedicadas a atividades artísticas, para si e eventualmente para abrir a escolas), tendo a Autora referido que, no piso 0, estavam previstas 4 (quatro) casas-de-banho, o que evidencia o propósito de aproveitamento comercial.
Essas declarações não são suficientes para demonstrar o por si alegado a este respeito, tendo em conta a especial posição que têm no processo e por não terem merecido corroboração suficiente por parte de outros meios de prova.
Pelo contrário, na memória descritiva apresentada para efeitos de licenciamento municipal, de fls. 69/verso a 70, é mencionado que o projeto de reabilitação tinha como fim a “reconstrução de habitação” (cfr. ainda aditamento de fls. 87). É verdade que da leitura de fls. 30/verso e ss. resulta que estavam previstas 4 (quatro) casas-de-banho no piso 0, número acima do que é corrente, mas tem de se ter em atenção, no contraponto, a dimensão total do prédio, que duas dessas casas-de-banho faziam parte de compartimentos maiores (é o que se retira da diferente designação de “sanitários” e “sanitários públicos”) e que, no piso 0, estava ainda projetado um atelier. Ainda que não se tenha provado que o atelier de pintura tivesse fins de utilização comercial ou outro, entende-se que a sua existência, mesmo com objetivos recreativos dos próprios Autores, geraria a afluência de terceiros (para colaborar nas atividades de pintura ou para visitar), facto que poderá estar na base da previsão dos sanitários sociais.
Acresce que a eventual destinação do prédio para turismo de habitação, como alegado em 41.º, da petição inicial, representaria sobrecarga no edifício, o que teria de ser ponderado na realização do projeto, designadamente de estabilidade.
Isso é um aspeto salientado no relatório pericial versado sobre a trepidação, e respetivas causas, onde se fez notar que o processo camarário visou o licenciamento de um edifício residencial (cfr. fls. 339), tal como decorre da memória descritiva supra referida, mas também do projeto de estabilidade que instruiu o pedido de licenciamento municipal, que consta de fls. 109/verso a 110/verso, do qual consta, no item “Sobrecargas”, o seguinte: “[o] edifício [é] destinado a habitação e foi considerado como sujeito a uma utilização de carácter particular sem concentração especial de pessoas (…)” (destacado e sublinhado nosso).
Posto isto, à míngua da audição de quaisquer pessoas relacionadas com os Autores conhecedoras das suas motivações e na ausência de outra prova documental, foram insuficientes as declarações para a demonstração de objetivos de aproveitamento para além da habitação própria. É que não se mostra plausível que, se outra tivesse sido a intenção dos Autores desde a compra do prédio e encomenda dos serviços de arquitetura, que ela tivesse sido ignorada pela 1.ª Ré e pelo 2.º Réu na elaboração dos projetos que iriam servir de base ao licenciamento camarário e posterior execução da obra.
Porém, é de notar que a questão de haver outros aproveitamentos (como alugar ou realização de eventos) foi falada pelos Autores: desde logo, o 2.º e o 3.º Réus, no decurso do seu depoimento, admitiram que isso foi abordado por aqueles (sobretudo pela Autora), o que se acha, de certa forma, refletido na cópia do segundo e-mail de fls. 212. O que acontece é que, de acordo com o 2.º Réu, tal só foi discutido após o início da execução da obra, sendo que essa versão é o que está em conformidade com o projeto de arquitetura e de especialidades que serviram de base ao licenciamento municipal, onde apenas se refere a “reconstrução da habitação.
Na resposta ao último quesito do primeiro relatório, que consta de fls. 242, indica-se que o edifício destinar-se-ia também à “celebração de eventos”, desconhecendo-se, contudo, em que elementos o colégio pericial se baseou para essa afirmação (designadamente, se tiveram em conta referências constantes dos articulados ou informações prestadas por alguma/s da/s parte/s na realização da inspeção). Em sentido inverso, o autor do segundo relatório pericial, que consultou o processo de licenciamento, frisou que o licenciamento municipal foi apenas com vista à habitação, o que, salvo o devido respeito, é o que está em harmonia com as peças que constam dos presentes autos e que foram extraídas desse procedimento administrativo.
Neste seguimento, e sublinhando-se, de novo, que, no caso, não houve lugar à inquirição de testemunhas relacionadas com os Autores sobre o propósito que os mesmos tinham à data em que contrataram com a 1.ª Ré, inverificou-se que o edifício teria uma destinação económica para além da habitação.
Quanto ao atelier, estava o mesmo previsto no projeto (o que está de acorde com a história pessoal da Autora – formação e percurso profissional –, como por ela e pelo marido referido). Do mesmo passo, o 2.º Réu confirmou que a Autora pretendia um atelier de artes plásticas para lazer pessoal, mas que transferiu da parte de baixo para a parte de cima, depoimento que, por estar em consonância com a versão inicial do projeto, onde se previa a sua execução no piso 0 (fls. 30/verso), conduziu à resposta que consta da al. 11), dos factos não provados”.
A fundamentação da decisão não podia ser mais exaustiva, clara e concretizadora, analisando todos os elementos de prova recolhidos e a razão pela qual se entendeu que os mesmos não podiam considerar-se como provados.
A impugnação apresentada pelos autores recorrentes e os meios de prova indicados – escassos –, foram devidamente analisados pelo Tribunal de 1ª Instância, e não permitem a afirmação dos factos provados nos termos propostos.
O número de casas de banho previstas – que acaba por ser o único argumento apresentado pelos autores recorrentes – não é elemento suficiente para dar como provada uma utilização que apenas foi referida, como existindo desde o início do projeto, pelos próprios declarantes.
E, note-se, assiste razão aos 1.º e 2.º réus que, a este propósito, e em plenas alegações de recurso, e na parte em que impugnam a matéria de facto provada, pretendem agora imputar-lhes responsabilidades relativas à deficiente instrução do processo de licenciamento, factualidade nunca antes alegada e que não pode, por isso, e como veremos, ser considerada.
Mantêm-se assim como não provados os factos referidos.
Alegam ainda os autores que deverá ser eliminado o facto não provado 3, aditando-se à alínea z) dos factos provados que falta aplicar o gradeamento ao muro de betão nas traseiras do prédio, de 47 metros, com o valor de 506,20 euros.
E, aqui, há a reconhecer que se existe o lapso apontado (falta incluir na alínea z) a rubrica indicada), tal não implica a eliminação do ponto 3 dos factos não provados.
Explicando.
Que existe lapso na decisão proferida não existem dúvidas, pois que a Mm.ª Juiz titular do processo expressamente remete na motivação da decisão da alínea z) para o relatório pericial elaborado, sem qualquer exclusão e, assim, também para o que dele consta no sentido de não ter sido aplicado o gradeamento sobre o muro de betão nas traseiras do prédio, numa extensão de 47 metros (segundo parágrafo da 2ª folha do relatório pericial entrado em juízo em 23/12/2019).
Mas se dúvidas houvesse, bastará verificar que, quando na alínea aa) dos factos provados se refere o valor de 33.120,70 euros, tal valor reporta-se à soma de todas as rubricas constantes do relatório pericial, incluindo o custo de 506,20 euros para a colocação daquele gradeamento, percebendo-se assim que esta não foi descrita na alínea z), mas se considerou que estava nela integrada efetivamente.
Impõe-se assim a retificação da alínea z), dela ficando constar, em relação ao projeto, “não foi aplicado o gradeamento sobre o muro de betão nas traseiras do prédio, numa extensão de 47 metros”.
Ora, esta retificação não permite concluir que os autores recorrentes demonstraram todos os erros, em relação ao projeto, que alegavam existir.
Basta notar a forma como alegaram nesta matéria – remetendo no seu articulado inicial para dois documentos, sem, contudo, descreverem minimamente tais desconformidades -, para que se conclua que se apenas se demonstraram as que constam do relatório pericial, o teor deste não esgota todas as que foram indicadas pelos autores, por referência aos documentos ...8 e ...9 juntos com a petição inicial.
Mantém-se assim como não provado o facto 3.
Alegam ainda os autores que o facto 4 foi indevidamente considerado não provado, pois que não foi considerado o valor do IVA para as rubricas dos pontos aa), dd) e hh).
Não assiste qualquer razão aos autores recorrentes.
O que aqui foi dado como não provado é que para a reparação dos erros ou para a conclusão da obra seja devida uma quantia superior àquela que consta das alíneas aa), dd) e hh).
E não existe prova de que exija, pelo que o facto tem de manter-se não provado.
A questão aqui colocada pelos recorrentes resulta da forma como alegaram tais custos.
Como bem notam os 1.º e 2.º réus recorridos, quando propuseram esta ação, os autores peticionaram a quantia de 74.268,92 euros (art. 63.º da petição inicial), reportando-se à soma de dois orçamentos: 64.437,92 euros + 9.831,00 euros.
Como se retira dos documentos juntos, esse valor não inclui IVA que não foi, por isso, peticionado pelos autores.
Assim, o erro que agora imputam à sentença proferida mais não é do que a afirmação do facto tal como foi alegado pela parte a quem aproveitava, não podendo, por isso, o Tribunal considerar, na decisão, o que não foi alegado para fundamentar o pedido formulado.
O custo, sem IVA, tal como foi alegado, das correções das desconformidades com o projeto e para conclusão da obra é o que foi dado como provado, não resultando provado custo superior.
Mantém-se assim como não provado o facto 4.
Insurgem-se ainda os autores recorrentes contra os factos não provados em 12 e 13.
Diga-se que o teor da impugnação é tão insuficiente que bastaria, por si só, para a sua improcedência. Os autores recorrentes limitam-se a considerar que tais factos deveriam considerar-se provados, porque assim é a sua convicção, confundido motivação da decisão sobre a matéria de facto com fundamentação jurídica, chegando ao ponto de transcrever normas jurídicas do Código Civil, remetendo novamente para o que alegaram a propósito da alínea nn) dos factos provados que, acima, já se apreciou e deve manter-se nos termos fundamentados na decisão recorrida.         
Esta alegação não é assim suficiente para dar como provado mais do que resulta já da referida alínea.
Quanto ao alegado conluio entre os réus, escreveu-se na decisão proferida: “os Autores, como decorreu da sua audição, suspeitam que tenha havido esse propósito comum, por, no seu entender, o 2.º Réu ter aparentado surpresa quando foi confrontado com a substituição de uma sociedade por outra, por a empreiteira que outorgou o contrato de empreitada ser conhecida daquele e em razão dos vícios que a obra acabou por revelar.
No entanto, essa suspeita não foi evidenciada em julgamento (e daí a resposta que consta da segunda parte da al. 12), dos factos não provados): veja-se que o 1.º Réu logo admitiu que conhecia a empreiteira, tendo sido, justamente em virtude disso, que foi uma das empresas selecionadas no concurso. Essa seleção não é, sem mais, sinónimo de interesse da parte daquele ou da empresa de arquitetura que projetou a obra. Diferente seria se se tivesse apurado a existência de alguma contrapartida económica, o que não aconteceu. Depois, e quanto à surpresa do 2.º Réu, a leitura que se faz desse comportamento é o que ele se deveu ao desconhecimento de que tal tinha acontecido, nada se tendo adquirido – para além da verbalização da suspeita dos Autores – que permita inferir que aquele tivesse notícia anterior. Segundo cremos, a intervenção junto dos subempreiteiros (a extravasar o núcleo estrito de funções decorrentes da relação contratual estabelecida com a 1.ª Ré) foi justificada em benefício dos Autores (dada a diferença entre o trabalho pago e executado), procurando que, desse modo, aqueles, clientes da Ré, vissem a sua obra terminada”.
Não só a impugnação dos autores recorrentes se encontra manifestamente infundada em meios de prova relevantes, como a decisão recorrida, mais uma vez, de forma clara explicita os fundamentos que determinaram a não prova da alegada atuação concertada dos réus.
Por último, nenhum dos meios de prova indicados permitem que se afirme como provado o abandono da obra, nem sequer se percebendo de onde retiram os recorrentes que tal pode ser dado como provado, considerando a alegação que consta da sua impugnação. Sobre esta matéria, escreveu-se na decisão recorrida: “no que toca ao abandono da obra [al. 12)/1.ª parte, dos factos não provados], respondeu-se a essa realidade por referência à sua conotação factual e, discutida a causa, não houve subsídios que permitam concluir que tenha havido a cessação da execução da obra por iniciativa de qualquer dos Réus, como alegado na petição inicial. Nada se apurou que tenham sido retirados ou deixados em obra os instrumentos de trabalho ou matérias-primas ou que tenha havido ausência injustificada de trabalhadores das sociedades empreiteiras ou subempreiteiras. O 2.º Réu reportou-se à existência de paragens na obra e a uma ausência mais notada do 3.º Réu por ocasião das queixas dos subempreiteiros, mas referiu que, retomada a execução da obra e aceite por aquele que os pagamentos fossem efetuados de forma direta àqueles, a construtora e os por esta subcontratadas prosseguiram os trabalhos. Mencionou também que, numa fase mais adiantada, começaram a existir reuniões, com intervenção de advogado mandatado pelos Autores, mas que, ainda assim, o 3.º Réu, por intermédio da empreiteira, se manteve a executar trabalhos, até que houve uma reunião final em que quer ele quer aquele foram impedidos de prosseguir as respetivas funções (em especial por força da posição da Autora mulher). O 3.º Réu, do mesmo passo, confirmou a existência dessa última reunião e o seu desenrolar. Os próprios Autores não o negaram, tendo aludido à mesma, e tendo sido referido pela Autora mulher o modo como esse episódio se desenvolver, repetindo a indignação que verbalizou àqueles.
O relatado impede a conclusão de que tenha havido abandono da obra – dada a imposição dos Autores de os trabalhos não serem prosseguidos –, pese embora, em setembro de 2016, e como resulta da certidão permanente que antecede, a sociedade empreiteira (que sucedeu na execução dos trabalhos à EMP02..., Sociedade de Construções, L.da) tenha sido declarada insolvente”.
Perante esta fundamentação, dúvidas não temos que a prova produzida foi devidamente valorada e devem assim manter-se como não provados os factos referidos.
**
V -  Reapreciação de direito:

1 - Os factos a considerar, com as alterações introduzidas a negrito, são os seguintes:
a) Por escritura pública de 08/10/2012, celebrada no Cartório da Notária GG, sito na av. ..., ..., da cidade ..., HH (que interveio por si e em representação de II e JJ, KK, LL) e II (que interveio na qualidade de procurador de MM) declararam vender a AA e BB (que intervieram por si e o outorgante marido ainda na qualidade de procurador de NN), pelo preço de € 430.000,00, o prédio urbano, composto de cada do ... e a primeiro andar e quintal, descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...10 – ..., o que estes declararam aceitar.
b) Os autores adquiriram o prédio urbano referido em a) visando a recuperação de alterações funcionais até pela existência de algumas patologias associadas à idade do mesmo, para habitação própria e permanente.
c) Em ordem ao fim projetado, abeiraram-se os autores da 1.ª ré, na pessoa do 2.º réu, a fim de levar a cabo o projeto geral de arquitetura e especialidades do conjunto habitacional e seu envolvente, na rua ..., ..., Guimarães, nos termos do acordo que consta de fls. 18/verso a 19, que aqui se dá por reproduzido.
d) O acordo referido em c) está subscrito pelo 2.º réu, na qualidade de sócio-gerente da 1.ª ré, e pelos autores, constando dos seus itens 3. o seguinte:
2 [E]xclusões
Direção técnica da obra (…). “Assistência técnica
Nos valores anteriormente referidos está incluída a Assistência Técnica que compreende uma visita quinzenal, dependendo do ritmo dos trabalhos.”
e) A 1.ª ré, através do 2.º réu, elaborou o programa de concurso de seleção da empresa que viria a executar as obras, de fls. 21/verso a 22, cujo conteúdo se dá por reproduzido, no qual, entre o mais, se encontra previsto o seguinte:
- “Critérios de Apreciação das Propostas:
O(s) critério/s) de apreciação das propostas será(ão)  o(s) seguinte(s), independentemente da ordem:
- Preço;
- Prazo;
- Garantia de boa execução;
- Qualidade técnica;
- Quadros técnicos da empresa, e qualificação técnico do encarregado que acompanhará a obra;
- Número e importância das obras realizadas nos últimos 3 anos.
Ao dono da obra reserva-se o direito, para escolher o empreiteiro a que adjudicar a obra, de considerar estes critérios, na medida e na ordem que entender, não lhe sendo devida qualquer justificação pela escolha que, no seu interesse [,] vier a ser feita”.
f) Anexo ao programa de concurso mencionado em e) estava o caderno de encargos, que se encontrava disponível no estabelecimento da 1.ª ré.
g) Os autores e a sociedade EMP02..., Sociedade de Construções, Lda., com sede na rua ..., freguesia ..., ..., Guimarães celebraram o acordo denominado de “Contrato de Empreitada” em 22/05/2013, constante de fls. 36 a 37/verso, cujo conteúdo se dá por reproduzido (alterou-se a redação, pois que tinha um pequeno lapso de concordância).
h) Na cláusula terceira do acordo mencionado na al. anterior consta o seguinte:
“É de 312.850,00 € (…) o preço a pagar pelos primeiros contraentes donos de obra a segunda contraente empreiteiro, em que se acresce o IVA a taxa legal em vigor”.
i) Na cláusula sétima do acordo mencionado na al. g) consta o seguinte:
“Os trabalhos previstos na cláusula 1º devem concluir-se no prazo máximo de um ano e três meses a contar da data de missão da autorização emitida pela Câmara Municipal ..., sendo da sua responsabilidade indemnizar o dono da obra caso haja atrasos que sejam da sua responsabilidade”.
j) A instrução do processo de licenciamento ficou a cargo do 2.º Réu, tendo sido concedido o alvará de licença de construção, datado de 03/06/2013.
k) O 2.º réu subscreveu, por declaração de 24/05/2013, o termo de responsabilidade pela direção técnica da obra, com o seguinte conteúdo:
“(…) declara que se responsabiliza pela Direção Técnica da Obra de obras de reconstrução habitação, dependência, alteração de fachada e criação do terraço, localizado na rua ..., freguesia ..., Concelho ..., cujo licenciamento foi requerido por AA e outros residente na avenida ..., freguesia ... Concelho ....”
l) O funcionário municipal verificou o início dos trabalhos, verificação essa que ocorreu às 8h10m, do dia 11/07/2013.
m) Por despacho de 10.07.2014, foi deferido o pedido de extensão (do prazo de execução da obra) por mais doze meses.
n) À data em que foi celebrado o acordo mencionado em g), a sociedade EMP02..., Sociedade de Construções, L.da, dispunha de alvará classe 1, do que os réus tinham conhecimento.
o) Na sequência do programa de concurso referido em e), os autores escolheram a sociedade EMP02..., Sociedade de Construções, Lda., para executar a obra, tendo nessa decisão influído a posição transmitida pela 1.ª ré e pelo 2.º réu.
p) A sociedade EMP02..., Sociedade de Construções, Lda., apresentou no processo de licenciamento municipal n.º 509/12, uma declaração, datada de 13/05/2013, onde se menciona a titularidade do alvará n.º ...36, válido até 31/01/2014.
q) O 3.º réu foi sócio e gerente da sociedade EMP02..., Sociedade de Construções, L.da, tendo o mesmo requerido, em 10/01/2014, a extinção imediata dessa sociedade, tendo sido designado, nessa declaração, o 3.º réu como depositário dos livros e representante para efeitos fiscais, tendo este declarado inexistir ativo ou passivo a declarar.
r) O 3.º réu constituiu e matriculou em 23/12/2013, na Conservatória do Registo Comercial ..., uma nova firma, denominada EMP03..., Unipessoal, Lda., sociedade por quotas, tendo como forma de obrigar a intervenção de um gerente (correspondente ao único sócio da mesma) e situando-se a sua sede Viela ..., ....
s) O capital social das sociedades mencionadas em q) e r) era, em ambos os casos, de € 5.000,00 (cinco mil euros).
t) A sociedade EMP02..., Sociedade de Construções, L.da, prosseguiu as obrigações decorrentes do acordo mencionado em g).
u) Os autores efetuaram pagamentos, relativamente ao preço aludido em h), no total de € 324.885,00.
v) Os autores pagaram (diretamente) o montante de € 11.501,67 a subempreiteiros [que executaram serviços que faziam parte dos incluídos no acordo mencionado em g)].
w) Na ocasião dos pagamentos realizados aos subempreiteiros, o 2.º réu aconselhou a sua realização.
x) Os autores arrendaram uma fração autónoma identificada pela letra ... do tipo ..., ... do prédio, sito na av. ..., Edifício ..., ..., nesta cidade ..., de duração limitada, sob a renda mensal de € 390,00 (trezentos e noventa euros).
y) Os autores deixaram o arrendado sobredito em fins de maio de 2015.
z) Face ao projeto:
- Não foi concluída a instalação e o equipamento do videoporteiro;
- Não foi colocado o gradeamento sobre o muro de betão nas traseiras do prédio, numa extensão de 47 metros.
- Não foi executado o reservatório e respetiva rede que conduz as águas pluviais ao reservatório;
- Não se encontra concluída a rede predial de abastecimento a gás;
- Não estão instaladas as máquinas, as grelhas e os termostatos do sistema de climatização;
- Não foram ligadas ao exterior as ventilações das casas de banho e cozinhas suplementares;
- Não foram executados os ripados previstos para separar a zona de estar da zona de dormir nos dois quartos da cave;
- Não foram colocados 4 (quatro) espelhos em instalações sanitárias;
- Não foi executado o resguardo/divisória no espaço designado por lavandaria/arrumos na cave;
- Não foram retificados os retentores das paredes exteriores em função do aumento da espessura das paredes exteriores.
aa)       O custo da execução dos trabalhos referidos na al. anterior é de € 33.120,70.
bb)       De forma diferente do previsto no projeto:
- As escadas interiores foram executadas em estrutura metálica revestida a chapa (ao invés da execução de uma estrutura em betão armado e revestimento dos degraus em madeira de pinho tratado);
- As portas das instalações sanitárias foram executadas em portas pré-fabricadas (ao invés de vibro temperado de 10 mm);
- Foi executada uma abertura para entrada de luz natural numa das janelas de um compartimento;
- Foram instaladas duas claraboias na cobertura equipadas com janelas de sótão;
- Foram instaladas louças sanitárias e aparelhagem elétrica de marca distinta;
- Foram aplicados caleiros em chada lacada e tubos de queda em PVC (ao invés de zinco);
-Foi efetuado o revestimento das paredes exteriores tipo “Capotto” (ao invés de emboço e reboco com acabamento estanhado com pasta de estanhar);
- Foi executado um fogão de sala no compartimento designado por “sala de estar”.
cc) As caixilharias exteriores em carpintaria têm deficiente funcionamento devido à inadequada aplicação de ferragens e às folgas excessivas em algumas das portas e janelas, verificando-se a falta de pingadeira no bordo interior dos vãos e janela.
dd) O custo da correção do aludido na al. anterior é de € 9.112,30.
ee) A obra evidencia deformação acentuada dos pavimentos, em particular da cozinha/ sala de jantar, sendo tal devido à localização e ao peso da “ilha” destinada à confeção de alimentos e arrumos de utensílios de cozinha.
ee1) Foi por iniciativa dos autores que foi colocada a ilha.
ff) O aludido na al. anterior provoca trepidação.
gg) A obra evidencia deficiente realização da estrutura de cobertura, que põem em causa a sua integridade.
hh) Para correção do enunciado em ee) a gg) é necessária a importância de € 9.010,79.
ii) Por sentença proferida em 26/09/2016, a sociedade EMP03..., Unipessoal, Lda., foi declarada insolvente, no âmbito do processo com o n.º 4455/16...., pendente no Juízo do Comércio ..., 1ª Secção- J..., com decisão de encerramento do mesmo processo datado de 13.12.2016.
jj) Os autores depositaram confiança nos réus.
kk) O protelar da obra e a sua forma de execução tornou-se uma fonte de desassossego e de aflição.
ll) A habitação no imóvel é desconfortável pela trepidação do primeiro andar e sótão sempre que algum veículo pesado passa na rua.
mm)    O 2.º réu permitiu o prosseguimento da execução da obra nos termos aludidos em ee) a gg).
nn) Foram realizadas reuniões entre os autores e os réus, tendo sido reconhecido pela empreiteira a necessidade de reparação de parte das desconformidades da obra.
oo) Parte das alterações referidas em bb) foram pretendidas pelos autores.
pp) Até ao conhecimento pelos autores do aludido em q), o 3.º réu manteve a aparência de que a sociedade EMP02..., Sociedade de Construções, L.da, estava ativa.
qq) Após o conhecimento pelos autores do aludido em q) e r), os mesmos aceitaram que a sociedade EMP03..., Unipessoal, L.da, assumisse os deveres e os compromissos e substituísse a sociedade empreiteira.
rr) As alterações requeridas pelos autores contribuíram para o atraso na execução das obras”.
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2 - A alteração da matéria de facto foi residual e não implica, por si só, qualquer alteração da fundamentação de direito da decisão.
Vejamos assim cada uma das questões suscitadas pelos recorrentes:
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2.1. - Começam os 1.º e 2.º réus por alegar que, em face da factualidade dada como provada (assumindo que a mesma teria sido alterada em conformidade com a sua impugnação), se deve entender-se que a 1.ª ré cumpriu integralmente o acordo que foi celebrado com os autores.
Não houve alteração da matéria de facto com relevância para a apreciação desta questão.
O que está em causa para a condenação da 1.ª ré é exclusivamente a matéria de facto provada nas alíneas ee), gg) e hh).
Depois de descrever em que consistem a obrigações de assistência técnica – as que foram assumidas pela 1.ª ré no acordo celebrado com os autores e que consta do elenco dos factos provados, tendo sido aquela elaborar os projetos que estiveram na base do licenciamento da obra -,  conclui-se na sentença proferida que “tendo em conta o interesse dos Autores na prestação que acordaram com a 1.ª Ré, esta não poderia, através da atividade de assistência técnica ou outra, validar a realização de uma alteração comprometedora da estabilidade do edifício. A modificação da forma de disposição da cozinha – com a construção da referida “ilha” – representou uma sobrecarga face à estrutura de suporte, atentas as especiais características do edifício (idade, composição em madeira e proximidade à via pública).
 Acresce notar que o projeto de estabilidade apresentado no processo de licenciamento, cuja instrução esteve a cargo do 2.º Réu, teve intervenção de um outro técnico, da especialidade de engenharia, que efetuou os respetivos cálculos quanto à carga sobre a estrutura do edifício, que resultaram comprometidos por força da construção da “ilha” na cozinha.
Violou, por isso, a 1.ª Ré, contratada para a elaboração do projeto de arquitetura, os deveres contratuais a que se vinculou perante os Autores, na medida em que se impunha a um arquiteto medianamente diligente não autorizar modificações ao seu próprio projeto que pusessem em risco a estabilidade e a segurança do edifício.
 Atuou, assim, a 1.ª Ré de forma culposa, à luz do critério previsto no artigo 487.º/2, do CCiv, ex vi artigo 799.º/2, do CCiv, uma vez que não poderia validar a execução de uma obra em desconformidade com o projeto a cujo licenciamento tinha diligenciado, não cuidando de acautelar se aquela alteração (pretendida licenciar mais parte) era passível de ser levada em obra perante a estrutura do edifício, sem risco de segurança da edificação e da sua utilização, designadamente pelos donos da obra”.
Com todo o respeito que nos merece a decisão proferida, não podemos concordar que seja esta a conclusão a extrair da matéria de facto provada e das considerações jurídicas expendidas sobre a posição contratualmente assumida pela 1.ª ré.
Desde logo, da leitura da fundamentação de direito da decisão, facilmente se percebe que a mesma assenta em factos que não resultaram demonstrados.
Efetivamente, não consta da matéria de provada que a colocação da ilha não constasse do projeto inicial, constituindo a que foi colocada uma alteração ao projeto inicial e muito menos em que termos o foi. Note-se que o que foi dado como provado é que a deformação verificada é decorrente do peso e a localização dessa ilha.
Para se afirmar que, aqui, há uma desconformidade com o projeto, era necessário resultar provado o que estava projetado para aquele local e tal matéria de facto não consta do elenco dos factos provados (mas apenas da motivação da decisão da matéria de facto e da fundamentação jurídica).
E, note-se, não resulta provado porque é matéria que não foi alegada pelos autores, no que se reporta a esta alíneas ee) e gg).
Em nenhum momento do seu articulado inicial os autores referem, no que se reporta à deformação de pavimentos ou a cobertura, que esta se deve a qualquer alteração do projeto inicial.
Em rigor, os autores não o alegam em relação a nenhum aspeto concreto, limitando-se a alegar a existência de “defeitos”, resultado de “trabalhos realizados por quem não tinha capacidade para o fazer” e “trabalhos não realizados”, remetendo, porém, para os documentos ...8 e ...9 juntos.
Esta remissão foi aceite pelo Tribunal da 1ª. Instância que elaborou sobre esta alegação o tema de prova b): “saber se a obra apresenta as desconformidades enunciadas no relatório de fls. 171 a 178”.
Naqueles documentos, encontramos, porém, a menção a desconformidades entre o projeto elaborado e o estado da obra, tendo sido com base nestes documentos que os autores acabaram por formular os seus quesitos para a perícia realizada e nomeadamente o quesito 3º em questionavam os Srs. Peritos sobre as desconformidades existentes entre o projeto elaborado e o estado da obra.
Ora, a questão da deformação dos pavimentos / falta de estabilidade estava referida na pág. 4 do documento nº...8 junto com a petição inicial, referindo-se que “este trabalho previsto na empreitada não foi executado, tratando-se assim de uma inconformidade processual ou, em alternativa, uma deficiente execução, tratando-se neste caso de um defeito ou erro de execução”, referindo-se na pág. 9, “o pavimento do piso 1 apresenta grandes deformações quando sujeito a sobrecargas tão simples como o peso próprio de uma pessoa, Apesar de não ser possível uma verificação da estrutura de suporte do referido pavimento parece bastante óbvio a fragilidade estrutural deste pavimento. Estas deformações provocam aquando da circulação sobre o mesmo enorme desconforto, não reunindo as condições mínimas de salubridade”. E, quanto à cobertura, na pág. 11, refere-se que “a estrutura em madeira de suporte da cobertura inclinada apresenta gravíssimos erros de execução”.
 Ou seja, sendo tão lacónica a alegação dos autores e remetendo estes apenas para os documentos, a única alegação existente sobre a matéria é relativa à existência dos problemas por deficiente execução.
Note-se que tendo os Srs. Peritos sido questionados sobre a existência de desconformidades com o projeto – quesito 3º - em momento algum se referem a esta questão da deformação de pavimentos ou problemas da cobertura, referindo-as, apenas, quando se reportam, na resposta ao quesito 4º, e questionados sobre os defeitos ou vícios da obra realizada.
Daqui decorre que a violação dos deveres contratuais que foi assinalada à 1.ª ré e que está relacionada com o facto de ter permitido alterações ao projeto que determinaram a situação descrita em ee) e gg) dos factos provados, carece de matéria de facto provada que permita a sua afirmação, mas, mais do que isso, de imputação que tivesse sido efetuada pelos próprios autores nos seus articulados. 
Ou seja, não tendo os autores alegado, para fundamentar a sua pretensão contra a 1.ª ré, que esta permitiu, naqueles concretos aspetos verificados, alterações ao projeto inicial, não pode naturalmente manter-se a condenação da 1.ª ré que pressupõe, sem que tal resulte da matéria de facto provada, que foi em resultado dessas alterações que aquelas situações se verificaram.
Considerando o que supra se referiu sobre a natureza dos factos essenciais, estava o Tribunal recorrido impedido de, ainda que tivesse sido produzida prova sobre a matéria, considerar como provada a factualidade relativa a alterações ao projeto, aditando-a aos factos provados.
É certo que não fez tal aditamento. Mas não o fazendo, não pode também na sua fundamentação jurídica considerar essa alteração ao projeto para concluir que, permitindo-a com as consequências demonstradas, houve violação dos deveres assumidos pela 1.ª ré, nos termos do contrato celebrado.
Note-se que, como se refere na decisão recorrida, as funções de assistência técnica assumidas pela 1.ª ré não se confundem com funções de fiscalização, limitando-se ao esclarecimento de dúvidas de interpretação do projeto e das suas peças, a prestação de informações e esclarecimentos a concorrentes e empreiteiro, exclusivamente através do dono de obra e ainda o apoio ao dono de obra na apreciação e comparação de soluções, documentos técnicos e propostas.
Não podendo afirmar-se que a 1.ª ré violou qualquer das obrigações contratuais ou legais assumidas, não pode esta ser condenada a indemnizar qualquer dos danos sofridos pelos autores, de carater patrimonial ou não patrimonial.
Procede assim o fundamento da apelação, no que à 1.ª ré diz respeito, impondo-se a sua absolvição do pedido.
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2.2. Já no que se reporta ao 2.º réu, alegam os recorrentes que não existe qualquer acordo celebrado entre os autores e aquele réu, não existindo assim qualquer violação contratual.
Esta alegação – em si mesma verdadeira – teria relevância se apenas a responsabilidade contratual fosse fonte do dever de indemnizar.
E não é.
Como resulta da sentença proferida, o que se imputou ao 2.º réu, na sua qualidade de diretor técnico, foi a violação dos deveres que a lei faz recair sobre o exercício de tal função e, assim, não tem qualquer relevância a ausência de qualquer vínculo contratual entre os autores e o 2.º réu.
O que há que verificar é se resultaram provados os factos que permitem extrair que o 2.º réu violou as obrigações legais que resultam da assunção de funções de diretor técnico.
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2.3. Alegam ainda os réus recorrentes que se verificou caducidade do termo de responsabilidade assumido pelo 2.º réu, pois que a empresa construtora foi declarada insolvente.
A alegação do 2.º réu pressupunha que o Tribunal tivesse dado como provado que o termo de responsabilidade que emitiu foi entregue à empreiteira por mero favor, tendo em vista o levantamento da licença.
Tal facto não resulta provado, pois que, como vimos, não foi sequer alegado.
Mas ainda que o tivesse sido, diga-se, daí não se retiraria que as funções assumidas tivessem conteúdo diferente daquelas que a lei impõe para quem se responsabiliza como diretor técnico da obra.
É que estas funções resultam da lei e não de qualquer contrato celebrado entre o 2.º réu e quem quer que seja.
Ou seja, aceitando assumir tais funções, seja a título remunerado seja graciosamente, por favor, ou no exercício da sua atividade profissional, o diretor técnico de obra está obrigado à subscrição de um termo de responsabilidade pelo cumprimento do que a lei estabelece serem as suas obrigações – art. 14.º da Lei 31/2009, de 03/07, na redação em vigor à data da sua emissão -, sendo irrelevante a identificação de quem, em cada momento, assume a qualidade de empreiteira da obra.
Como na decisão se afirmou, “seja como for, a eventual gratuitidade do serviço nunca desoneraria quem subscreve o respetivo termo de responsabilidade dos deveres anexos a esse cargo, porquanto a sua apresentação no âmbito do processo de licenciamento importa, por força da lei, a submissão ao feixe de deveres que fazem parte do conteúdo funcional do mesmo”.
Não existe assim qualquer caducidade do termo de responsabilidade assumido.
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2.4. Alegam ainda os réus recorrentes que se verifica a exclusão da responsabilidade do 2.º réu pelo facto de terem sido os autores a promover a colocação da ilha na cozinha.
Pressupõem, na sua alegação, que o Tribunal teria eliminado dos factos provados que o réu, diretor técnico, permitiu o prosseguimento da execução da obra nos termos verificados em ee) e gg).
Como resulta da decisão supra proferida, o Tribunal manteve como provado o facto da alínea mm), aditando à matéria de facto provada que aquela colocação foi de facto promovida pelos autores.
Ora, aqui, o Tribunal não tem dúvidas que a natureza técnica da questão desonera os autores de qualquer responsabilidade que justifique utilizar o mecanismo do art.º 570º do C. Civil (e que é afinal o que está a ser invocado pelos réus recorrentes).
Para se considerar uma qualquer concorrência de culpa dos autores teria de se afirmar que estes, ao pretenderem a colocação da ilha na cozinha, tinham o conhecimento técnico que lhes permitisse saber que originaria o resultado verificado.
Ou seja, teria de se afirmar a sua culpa.
Ora, esta culpa não está demonstrada, nem se presume, já que o âmbito em que nos encontramos é o da responsabilidade extracontratual.
A norma invocada não tem aplicação na situação em apreço. O que o art.º 14.º da referida Lei 31/2009, de 03/07, estabelece é que a responsabilidade do comissário não exclui a do comitente e, aqui, o 2.º réu não age em relação de comissão com os autores.
Não existe assim fundamento para concluir que os autores, ao promoveram a colocação da ilha na cozinha, concorreram com culpa para os danos verificados.
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2.5. Alegam ainda os réus recorrentes que o 2.º réu cumpriu integralmente as obrigações assumidas como diretor técnico da obra.
E, aqui, encontramos na sentença proferida o mesmo problema que já referimos em 2.1..
Também em relação ao 2.º réu a sentença faz referência à alteração do projeto inicial, no que se reporta às alíneas ee) e gg), pelas quais acabou por condena-lo a indemnizar os autores pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos.
Pelas razões já referidas, não pode o Tribunal considerar que as situações verificadas resultam de alterações ao projeto, pois que, como se disse, tal factualidade não foi alegada, estando em causa factos essenciais. Em rigor, essa violação não foi sequer alegada pelos autores, como se disse, na remissão efetuada para os documentos ...8 e ...9 juntos com a petição inicial.
Não podemos, assim, considerar a imputação que foi feita na sentença e relativa ao facto de o 2.º réu, como diretor técnico, ter aceite alterações ao projeto inicial e que foram estas alterações que deram origem aos factos das alíneas ee) e gg).
Ainda assim, contudo, no que ao 2.º réu diz respeito, a factualidade provada permite concluir que incumpriu as funções assumidas como diretor técnico.
O que está em causa é a alínea c) do n,º1 do art. 14.º da Lei 31/2009, de 03/07, na versão em vigor à data das obrigações assumidas, e que estabelece o dever de o diretor técnico adotar os métodos de produção adequados, de forma a assegurar o cumprimento dos deveres legais a que está obrigado, a qualidade da obra executada, a segurança e a eficiência do processo de construção.
Ora, a verificação das situações descritas nos factos das alíneas ee) e gg), permitindo o 2.º réu que a obra tivesse prosseguido naqueles termos, implica que se considere que não assegurou a segurança do processo de construção.
Eliminando-se a referência à questão da alteração verificada em relação ao projeto, concordamos na íntegra com a decisão proferida na parte em que refere, “é, por isso, o 2.º Réu, na qualidade de diretor técnico da obra, responsável pelos vícios verificados ao nível da estrutura da cobertura e da deformação do pavimento, face à interligação dos mesmos com a decisão de construção da “ilha” na cozinha, repristinando-se as considerações acima tecidas quanto à culpa: à luz de um diretor técnico medianamente diligente, deveria o mesmo opor-se” à execução daquelas concretas obras suscetíveis “de pôr em causa a estabilidade do edifício, comprometendo a sua segurança (cfr. artigo 487.º/2, do CCiv)”.
Dirá ainda o Tribunal que, quem assume as funções de diretor técnico da obra com a motivação que o 2.º réu alegou na audiência de julgamento realizada, é suficientemente esclarecedor sobre a inconsciência como as exerce e assume as obrigações legais decorrentes dessa função, ignorando os objetivos definidos intencionalmente pelo legislador, pois que, como consta da sentença proferida, citando jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra e de Guimarães, “as disposições legais enunciadas têm carácter bifronte, isso significando que visam tutelar interesses de ordem pública e coletiva, mas também interesses particulares”.
Concluímos, assim, embora com alguma divergência em relação aos fundamentos da decisão da 1.ª Instância, que o 1.º réu violou as obrigações legais que resultam da assunção da função de diretor técnico da obra.
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2.6. Os réus recorrentes vieram ainda excecionar a caducidade do direito de ação dos autores em relação aos 1.º e 2.º réus.
Começa por dizer-se que estes réus não invocaram a exceção de caducidade que agora, por via de recurso, pretendem submeter à apreciação do Tribunal de recurso.
Estando em causa exceção perentória, tem de ser invocada pela parte a quem aproveita, não sendo de conhecimento oficioso, contrariamente ao que alegam os réus, pois que não estão em causa direitos indisponíveis.
É o que resulta, com clareza, do disposto no art.º 333.º do C. Civil.  
A sua arguição em sede de recurso não é já tempestiva, pois que esta instância não decide questões novas, limitando-se os seus poderes à reapreciação das questões / pretensões que foram já apresentadas e decididas – vide, neste sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 07/07/2016, proc. 156/12.0TTCSC.L1.S1, do Juiz Conselheiro Gonçalves Rocha e de 08/10/2020, proc. 4261/12.4TBBRG-A.G1.S1 do Juiz Conselheiro Ilídio Sacarrão Martins, ambos in www.dgsi.pt.
Ainda assim, é inequívoco que o fundamento desta ação, no que a este réus se reporta, não é o contrato de empreitada celebrado, não existindo qualquer prazo de caducidade que seja aplicável à responsabilidade contratual ou extracontratual dos 1.º e 2.º réus, mas de prescrição (ordinária de vinte anos e de três anos, como decorre dos arts.º 309.º e 498.º do C. Civil, respetivamente) que, porém, também não foram invocados na contestação e que teriam de ter sido para que pudessem agora ser apreciados em sede de recurso – art.º 303.º do C. Civil.
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2.7. Questionam ainda os autores que os juros indemnizatórios sejam contabilizados, como o foram, em parte, desde a citação.
Na decisão proferida apenas foram contabilizados juros desde a citação relativamente à quantia de indemnizatória fixada a título de danos patrimoniais.
A questão suscitada prende-se com o Acórdão de Fixação de Jurisprudência 4/2002, de 09/05/2002, publicado no DR n.º 146/2002, Série I-A, de 27/06/2002.
Estabeleceu-se no Acórdão que “sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objeto de cálculo atualizado, nos termos do n.º 2 do art.º 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos art.ºs 805°, n° 3 (interpretado restritivamente), e 806. °, n.º l, também do Código Civil, a partir da decisão atualizadora, e não a partir da citação”.
Nas palavras do Juiz Conselheiro Salvador da Costa, in Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/07/2004, proc. 6911/03, consultável in www.dgsi.pt“no recurso em que foi preferido o referido acórdão uniformizador de jurisprudência, na sequência de no acórdão da Relação se haver fixado a compensação por danos não patrimoniais atualizada à data da sentença, os recorrentes alegaram que sobre o montante global da indemnização devia incidir a atualização em função dos valores da inflação entre a data do acidente e a propositura da ação e que, a partir da data da citação e até ao pagamento, deviam incidir juros moratórios sobre o montante global da indemnização.
No referido acórdão afirmou-se, além do mais que aqui não releva, que o valor da compensação a título de danos não patrimoniais havia sido atualizado à data da sentença em conformidade com o disposto no artigo 566º, nº. 2, do Código Civil, e que a questão de direito a resolver se prendia com a determinação do momento do início da contagem de juros de mora sobre os quantitativos da indemnização arbitrada a título de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, designadamente os respeitantes a danos não patrimoniais.
Afirmou-se tratar-se de interpretar a segunda parte do nº. 3 do artigo 805º na sua ligação sistemática com o artigo 566º, nº. 2, ambos do Código Civil e que, conforme se adotasse uma ou outra das orientações em confronto, adquirida que estivesse a atribuição de uma indemnização atualizada, ou seja, objeto de correção monetária, o sentido do primeiro dos referidos normativos, na sua necessária articulação com o segundo, teria de ser objeto de interpretação literal ou restritiva.
Colocou-se em confronto a orientação que entendia a compatibilidade dos mencionados normativos, ou seja, da acumulação de juros de mora desde a citação com a atualização da indemnização em função da taxa da inflação fundada no argumento do distinto objeto e da diversa natureza que preside à atualização da expressão monetária da indemnização entre as datas da citação e da decisão atualizadora, e a da não cumulatividade de juros de mora desde a citação com a atualização da indemnização, fundada no facto de ambas as providências influenciadoras do cálculo obedecerem à mesma finalidade de fazer face à erosão do valor da moeda entre o evento danoso e a satisfação da obrigação indemnizatória.
Referiu-se que se o juiz fizer apelo ao critério atualizador previsto no artigo 566º, nº. 2, do Código Civil, atribuindo a indemnização monetária aferida pelo valor da moeda à data da sentença da primeira instância, não podia, sem se repetir, mandar acrescer a tal montante juros de mora desde a citação por força do nº. 3 do artigo 805º daquele diploma.
Salientou-se ainda, por um lado, que a intenção do legislador de 1983 só foi a de compensar o prejuízo da inflação relativamente ao que falhava na previsão do nº. 2 do artigo 566º do Código Civil quando, por efeito da inflação, o valor do pedido se depreciava em termos tais que a atualização com referência à data da sentença conduzia a um valor superior ao do pedido que o tribunal não podia considerar, atenta a limitação decorrente do artigo 661º, nº. 1, do Código de Processo Civil.
E, por outro, expressou-se que no caso de o juiz não poder valer-se do nº. 2 do artigo 566º do Código Civil, por o pedido estar muito desatualizado e não ter sido ampliado, os juros de mora podiam e deviam ser contados desde a citação, por aplicação do nº. 3 do artigo 805º daquele diploma.
Essencialmente com base na mencionada argumentação é que foi votado maioritariamente o acórdão de uniformização de jurisprudência em causa, segundo o qual, sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objeto de cálculo, nos termos do nº. 2 do artigo 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805º, nº. 3, interpretado restritivamente, e 806º, nº. 1, também do Código Civil, a partir da decisão atualizadora, e não a partir da citação.
Resulta do referido acórdão de uniformização de jurisprudência, tendo em conta o seu conteúdo, salientado pontualmente nas expressões que acima se deixaram assinaladas, e as alegações de recurso sobre as quais se pronunciou, a ideia de uma decisão atualizadora da indemnização em razão da inflação no período compreendido entre ela e o momento do evento danoso causador do dano, sob a invocação do nº. 2 do artigo 566º do Código Civil, que consagra o critério derivado do confronto da efetiva situação patrimonial do lesado na data mais recente atendível pelo tribunal e a que teria nessa data se não tivesse ocorrido o dano.
A prolação dessa decisão atualizadora, tendo em conta a motivação do referido acórdão de uniformização de jurisprudência, tem que ter alguma expressão nesse sentido, designadamente a referência à utilização no cálculo do critério chamado da diferença na esfera jurídico-patrimonial constante no artigo 566º, nº. 2, do Código Civil e à consideração no cômputo da indemnização ou da compensação da desvalorização do valor da moeda”.
Ora, sendo este o entendimento que perfilhamos, resulta claro da decisão proferida que o valor fixado a título de indemnização por danos patrimoniais é um valor atualizado, já que tal expressamente é referido na motivação da decisão da matéria de facto.
Como resultava já do despacho de 24/11/2022, o valor que foi dado como provado na alínea hh) da fundamentação de facto está atualizado pelos valores indicados no relatório junto aos autos em 08/12/2022, a pedido do Tribunal que, assim, determinou que os valores iniciais fossem atualizados por referência a custos atuais, tendo a sentença sido proferida em março de 2023 (a tal atualização é feita menção expressa aquando da motivação, precisamente, daquela alínea da matéria de facto provada).
Tendo existido esta atualização, não pode deixar de aplicar-se a jurisprudência que resulta do Acórdão citado e, assim, em face da mesma, os juros de mora serão apenas devidos desde a data da sentença de 1.ª Instância, sendo, nesta parte, procedente o recurso interposto.
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2.8.  Alegavam ainda os réus recorrente que a contagem de juros de mora deveria ser suspensa no período em que estiveram suspensos os prazos processuais por via da situação pandémica vivida com a Covid 19.
Esta questão fica prejudicada pelo teor da decisão do ponto que antecede.
Sempre dirá o Tribunal que não se vislumbra, no período em que estiveram suspensos os prazos processuais por via das regras impostas para controlo da pandemia, qualquer delonga processual da qual pudesse resultar uma demora do processo associada àquela suspensão.
Acresce que, quando se afirma a existência de mora do devedor a partir de determinado facto – por exemplo a citação –, é porque se considera que a partir dessa data é ele o responsável por indemnizar o credor pelos prejuízos sofridos com a demora no cumprimento e, assim, iniciando-se a mora por facto que é imputável ao devedor, só a ele compete fazer cessar a mora, cumprindo a obrigação.
Ora, a suspensão dos prazos processuais não obstava a tal cumprimento, pelo que sempre seria imputável ao devedor, se a mora se tivesse iniciado com a citação, o seu prolongamento pelo período da suspensão dos prazos processuais por via da legislação que se estabeleceu para controlo da pandemia.
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2.9. Por último, entendem os réus recorrentes que inexistem factos que permitam a condenação dos 1.º e 2.º réus no pagamento de qualquer indemnização por danos não patrimoniais.
Quanto à 1ª ré já vimos que não pode acompanhar-se o entendimento da sentença recorrida, pois que não estava sequer alegado que os problemas verificados decorriam de qualquer alteração ao projeto inicial.

No que ao 2.º réu diz respeito, resultou provado que:
ee) A obra evidencia deformação acentuada dos pavimentos, em particular da cozinha/ sala de jantar, sendo tal devido à localização e ao peso da “ilha” destinada à confeção de alimentos e arrumos de utensílios de cozinha.
ff) O aludido na al. anterior provoca trepidação.
gg) A obra evidencia deficiente realização da estrutura de cobertura, que põem em causa a sua integridade.
ll) A habitação no imóvel é desconfortável pela trepidação do primeiro andar e sótão sempre que algum veículo pesado passa na rua.
mm) O 2.º Réu permitiu o prosseguimento da execução da obra nos termos aludidos em ee) e gg)”.
São estes os factos que fundamentam a condenação do 1.º réu no pagamento de danos não patrimoniais.
Como na decisão se escreveu, “embora parte da factualidade alegada pelos autores a respeito de prejuízos de natureza emocional (relacionados com a perda de possibilidade de destinação do prédio a fins de aproveitamento comercial) não tenham logrado demonstração, resultou apurado que a residência daqueles está perturbada por força da vibração sentida no interior do edifício, vibração essa que, por sua vez, conexiona-se com a falta de estabilidade do edifício (propiciada pela alteração feita durante a execução da obra ao projeto).
Considerando que é na sua casa de habitação que os indivíduos centralizam a sua vida familiar, convivendo com as pessoas que maior significado e impacto têm na sua vida, onde procuram desfrutar de momentos de tranquilidade e de confraternização, entende-se que a utilização quotidiana de espaços inseguros gere incómodos e provoca limitações no uso, o que ultrapassa a categoria de contrariedades, e que, portanto, merecem ser compensados.
Neste seguimento, de molde a que a indemnização por danos não patrimoniais constitua uma compensação adequada ao grau de lesão, recorrendo à equidade, conforme prescreve o artigo 496.º/3 do CCiv (ao remeter para o disposto no artigo 494.º, do CCiv), entende-se adequada a fixação da indemnização, a título de compensação, de € 2.000,00 (dois mil euros) a favor dos Autores”.
Ressalvada a menção ao facto de a falta de estabilidade ter sido propiciada pela alteração feita durante a execução da obra ao projeto, que, como vimos, não está demonstrado na factualidade dada como provada, acompanhamos em absoluto o raciocínio da decisão recorrida e que permite imputar à conduta do 2.º réu parte dos danos não patrimoniais alegados e resultaram demonstrados, impondo-se assim a sua condenação no montante fixado (e cujo exato valor não foi questionado neste recurso de apelação).
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2.10 – Analisando o recurso apresentado pelos autores, começam estes por alegar que se verificou erro na apreciação da prova.
Concluem nos seguintes termos:
“AQ- Verifica-se erro na apreciação da prova, constante, de entre as diversas passagens da fundamentação, no que concerne ao conhecimento prévio pelos RR. das finalidades pretendidas para o imóvel pelos AA, erro este essencial, que perpassa toda a fundamentação e afeta determinantemente o sentido da decisão proferida.
AR- A págs. 25 e ss da sentença recorrida é analisado o móvel “ilha” colocado na cozinha que não se acharia inicialmente previsto no pedido de licenciamento camarário, da responsabilidade dos 1ª e 2º RR.
AS- O doc. ... junto com o pedido de esclarecimentos aos peritos, em 24/05/2021, reprodução de uma planta referente ao piso 1 do imóvel, onde é bem visível a dita “ilha”, em desenho de arquitetura concebido e assinado pelos 1ª e 2º RR, serve para demonstrar que, por um lado, a versão dos factos relatada pelo 2º R. é eivada de inverdades que não merecem crédito, mas também para reforçar, enquanto prova, que as intenções dos AA. para o imóvel sempre foram prévia e antecipadamente comunicadas ao gabinete de projetos e seu representante, em nada contribuindo para alterações que justificassem os atrasos na obra, desfazendo-se também a ideia de que os caprichos dos AA., em plena execução dos trabalhos fossem a causa de desentendimentos entre estes, os RR. e os subempreiteiros no local.
AT- Mais, demonstram, como acima também já se referiu, o cumprimento defeituoso do contrato celebrado entre os AA. e os 1ª e 2º RR., ao não garantir a elaboração correta do pedido de licenciamento camarário e respetiva instrução, com toda a documentação técnica necessária, o que seguramente não é imputável aos AA., colocando em risco a própria segurança destes, sinal de negligência grosseira por parte daqueles”.
Não se percebe o que pretendem aqui alegar os autores.
Se estão mais uma vez a impugnar a matéria de facto provada e não provada, nesta concreta alegação, não está cumprido qualquer dos ónus acima referidos que sobre si recaia para que o Tribunal a pudesse apreciar.
Note-se que nesta alegação dos autores recorrentes consta matéria de facto que não só não está demonstrada – pois que não consta do elenco dos factos provados – como não foi por si alegada – e estamos, como se disse já, perante factos essenciais -, reportando-se a questões jurídicas que não foram colocadas nos autos – a incorreta elaboração do processo de licenciamento.
Apreciada a impugnação da matéria de facto que foi formulada pelos autores nas conclusões precedentes, não existe “erro na apreciação da prova” que cumpra agora apreciar.
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2.11 – Alegam ainda os autores que se verificou erro na aplicação do direito.
Começam por referir que, no que ao 3.º réu diz respeito, o enquadramento legal considerado não foi o correto.
O que estaria em causa seria “a atuação dissimulada e de má-fé” desse réu, aparentando a existência de uma pessoa coletiva que já não existia, e não a sua responsabilidade como gerente de uma sociedade.
Esta alegada atuação de má-fé não resultou demonstrada.
O que resultou demonstrado foi apenas o que consta da matéria de facto provada, relativo à “sucessão” das empresas que realizaram a obra e a circunstância de essa sucessão só, mais tarde, ter sido comunicada aos autores que aceitaram a continuação da obra por outra sociedade que não a inicial. Não procedendo a impugnação dos autores relativa à alínea qq) dos factos provados, está assim provado que após terem tomado conhecimento da referida “sucessão”, os autores aceitaram que a nova sociedade constituída assumisse os deveres e os compromissos da primeira.
Note-se que inexiste qualquer relação entre o que foi alegado pelos autores como “prejuízos” (art. 63.º da petição inicial) e “danos não patrimoniais” e esta questão da sucessão das empresas. E inexiste não porque os autores não tenham demonstrado os factos por si alegados, mas porque nunca a alegaram nos autos.
Não existe assim matéria de facto provada que permita a condenação do 3.º réu com outro fundamento para além daqueles que foram, e bem, apreciados na sentença proferida, desfavoravelmente à pretensão dos autores, e que, aqui, por via de recurso, não contestam verdadeiramente, limitando-se a alegar um novo enquadramento jurídico que não invocaram nos seus articulados e que exigiria a alegação e prova de factos que nunca foram alegados.
Insurgem-se ainda os autores, agora no que se reporta ao 2.º réu, contra o facto de se ter distinguido, na decisão proferida, a situação das alíneas ee) e gg) das demais situações elencadas na decisão.
Mais uma vez, nesta alegação, reportam-se a factos que não resultaram provados: os relativos ao abandono de obra, não terem aceite a obra, a existência de um contrato com o 2.º réu (conclusão BH), que o 3.º réu não ignorava que dirigia uma empresa que não cumpria os requisitos técnicos e legais existentes, as outras finalidades do imóvel a recuperar.
Não existe alegação dos autores, suportada em factos efetivamente demonstrados, que suporte a condenação de qualquer dos réus, para além da que foi já apreciada relativa ao 2.º réu.
E, em relação a este, se enquanto diretor técnico da obra se impunha que não permitisse a continuação da obra quando se verificaram as situações referidas em ee) e gg), como já vimos, o mais que resultou demonstrado refere-se a obras não concluídas, face ao projeto existente (alínea z)), obras executadas de forma diferente do projeto (alínea bb)), requeridas em parte pelos autores (alínea oo)) e a defeitos de execução da obra (alínea cc)).
Ora, a existência de obras executadas de forma diferente do projeto não é, em si mesmo, um defeito, tanto mais que foram em parte requeridas pelos autores, explicitando-se na sentença que a declaração de insolvência da empresa que estava a realizar a obra impediu o 3.º réu de, como diretor técnico, impelir a empreiteira à sua correção e, acrescentamos nós, que procedesse à conclusão da obra.
Daqui decorre inexistir fundamento para, com base no que consta destas alíneas z), bb) e cc) considerar que o réu violou os deveres legais impostos a quem assume as funções de diretor técnico da obra.
Não existe assim fundamento para alterar a decisão proferida, sendo o recurso apresentado pelos autores julgado totalmente improcedente.
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Sumário (ao abrigo do disposto no art.º 663º, n.º 7, do C. P. Civil):
1 - Não pode manter-se a condenação de um dos réus que assenta na violação de obrigação contratual que não foi invocada pelos autores nos seus articulados para fundamentar a sua demanda, ainda que a prova produzida tenha recaído sobre matéria de facto que seria relevante para a sua apreciação.
2 - Assumindo um dos réus que emitiu termo de responsabilidade como diretor técnico de obra, de “favor” e a título gratuito, ainda assim as obrigações assumidas seriam naturalmente todas as que resultam da lei para a funções em causa, não implicando tal “justificação” qualquer desresponsabilização do diretor técnico de obra.
3 -  Resultando demonstrado que, no decurso da audiência de julgamento, aos peritos foi solicitado que atualizassem o valor necessário à correção de defeitos e à conclusão da obra, dando-se como provados os factos com base nestes valores atualizados, os juros de mora serão devidos apenas desde a data da decisão proferida e não desde a data da citação, atento o disposto no Acórdão de Fixação de Jurisprudência 4/2002, de 09/05.
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VI – Decisão:

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar:
a) improcedente a apelação apresentada pelos autores;
b) parcialmente procedente a apelação apresentada pelos 1.º e 2.º réus e, em conformidade:
I – revogar a decisão proferida na parte em que condena a 1.ª ré EMP01... Ldª no pagamento da quantia de 9.010,79 euros a título de danos não patrimoniais e de 2.000,00 euros a título de danos não patrimoniais, acrescidas de juros de mora, absolvendo-a, na totalidade, do pedido que contra si foi formulado pelos autores;
II – revogar a condenação do 2.º réu CC a pagar juros de mora civis sobre a quantia de 9.010,79 euros desde a citação, condenando-o a pagar os referidos juros apenas desde a data da sentença proferida pela 1.ª Instância;
III – no mais, mantém-se a sentença proferida.
Quanto a custas, nos termos do art.º 527.º do C. P. Civil:
I – As custas da ação são devidas por autores e 2.º réu na proporção do respetivo decaimento;
II – Na apelação dos autores as custas são da sua responsabilidade;
III – Na apelação dos 1.º e 2.º réus, as custas são da responsabilidade do 2.º réu e dos autores, fixando-se o decaimento em 2/5 para o 2.º réu e 3/5 para os autores.
Guimarães, 23 de novembro de 2023
(elaborado, revisto e assinado eletronicamente)