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COMPRA E VENDA
COISA DEFEITUOSA
REPARAÇÃO
RESOLUÇÃO
Sumário
I – A razão para a existência de formas de processo que não admitem reconvenção é a sua maior simplicidade e celeridade, que é garantida através da limitação do objecto do processo e de uma tramitação menos exigente. II – A existência do crédito compensável não pode ser só apurada no âmbito do juízo de compensação, devendo, antes, surgir com autêntica exigibilidade, sob pena de se ir enxertar numa acção pendente (a pretexto de reconvenção) outra que com ela não tenha conexão III – A existência de venda de coisa defeituosa, na perspectiva de que essa desconformidade afecta a própria qualidade da coisa vendida, por esta não poder satisfazer os objectivos da compradora, importa a faculdade do devedor poder reparar o cumprimento defeituoso, antes de o credor poder optar pela resolução do contrato.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório
Nos autos de injunção em que é Autora EMP01..., SL, com domicílio em ... S.A. ...03 ... e Ré, EMP02..., Unipessoal, Lda, com domicílio na Travessa ..., ... ..., esta deduziu oposição, sendo os autos remetidos à distribuição, ao abrigo do disposto no artigo 16.º do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, seguindo os termos da acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato.
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A A. pediu a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de €13.712,39 devida alegadamente a título de fornecimento de bens e serviços, sendo €12.960,75, de capital, acrescido de juros de mora à taxa legal.
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Em sede de oposição veio a Ré arguir a nulidade do processado por verificação da ineptidão da petição inicial, invocando a falta de causa de pedir, bem como o incumprimento contratual por parte da A., e deduzindo reconvenção em que pediu que fosse reconhecida a resolução, com justa causa, por parte da requerida, do contrato celebrado entre as partes, face a esse alegado incumprimento, com condenação da reconvinda a pagar-lhe uma indemnização pelos prejuízos daí decorrentes para si no montante de €28.755,00, e os que vierem a ser apurados em sede de liquidação de sentença, em resultado da substituição nos sapatos onde foram aplicados os forros fornecidos pela reconvinda, bem como do novo forro com as condições contratadas.
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Pronunciou-se o tribunal a quo indeferindo a nulidade do processado e julgando inadmissível a reconvenção deduzida nos seguintes termos:
- “Além da oposição, vem a requerida deduzir reconvenção contra a Requerente, o que não é legalmente admissível (cf. Salvador da Costa, AInjunçãoeasConexasAçãoeExecução, 2008, pág. 88).
De facto, em sede de processo especial, não é admissível a dedução de incidentes ou apresentação de outros articulados, por os mesmos implicarem uma nova tramitação processual que não se coaduna com a celeridade que preside a esta forma de processo.
De resto, aqui nem se coloca a questão levantada nos Acórdãos referidos da compensação, uma vez que a Ré não reconhece qualquer crédito à Autora, peticionando a resolução do contrato.
Pelo exposto, indefiro a dedução da reconvenção.
Custas incidentais pela Requerida, que se fixam no mínimo’.
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II- Objecto do recurso
Inconformada veio a Ré recorrer finalizando as suas alegações com as seguintes conclusões: A) O Tribunal “aquo” entendeu admitir a reconvenção deduzida pela Ré. B) A recorrente, em reconvenção, pediu que fosse determinada a resolução do contrato celebrado entre esta e a Autora, por incumprimento contratual desta – contrato este, cujo não pagamento do preço por parte da Ré à Autora, deu origem ao pedido injuntivo desta – acrescido do pedido de condenação da Autora a pagar à Ré de uma indemnização pelos prejuízos por esta sofridos pelo incumprimento contratual. C) Do somatório destes dois pedidos (o da injunção e o reconvencional), resultará a admissibilidade da reconvenção, com respeito dos critérios legais e os princípios da igualdade das partes. D) A reconvenção assume autonomia perante o pedido da acção, sendo que a procedência da acção não prejudica a reconvenção, tal como a improcedência daquela não prejudica, em princípio, esta, como também não a prejudica a desistência do pedido – cf. Arts. 266º, n.º 6 e 286º, n.º 2 do CPC. E) soma dos valores atinentes ao pedido da acção e da reconvenção não é automática, apenas tendo lugar quando o pedido reconvencional se distinga do pedido formulado pelo autor, em face do estatuído no n.º 3 do art. 530º do CPC – cf. n.º 2 do referido art. 299º CPC. F) No caso dos autos, a Recorrente formulou reconvenção em que pediu que se declare que tem um crédito sobre a Recorrida de € 28.755,00 €, decorrente do incumprimento do contrato que serve de causa de pedir ao pedido do Autor; que se declare extinto o crédito da reconvinda, no valor de 13.712,39€; e que se condene a reconvinda no pagamento à reconvinte do montante de € 28.755,00 €. G) Como tal, seguro é que os pedidos da recorrente/reconvinte face ao pedido da recorrida são distintos, pois pretende, para além de compensar o crédito alegado pela reconvinda, a condenação no pagamento do excedente, sendo que este deverá, ser somado ao valor (da injunção inicial) indicado pela autora, nos termos dos arts. 299º, n.º 2 e 530º, n.º 3 do CPC, o que confere à causa o valor de 42.467,39 €. H) A este propósito, atente-se ao realçado pelo Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13-06-2018, relator Rodrigues Pires, processo n.º 26380/17.0YIPRT.P1 (cujo relator ali modifica a sua posição anterior) são “razõesdejustiçamaterialasquedeverãoserconvocadasafavordaadmissibilidadedareconvenção,comoformadeviabilizaracompensaçãodecréditos,mesmoquandooinicialprocedimentodeinjunçãosereportaaquantiainferiorametadedaalçadadotribunaldarelação”, “sendodequestionarqueareconvençãosejadeadmitirquandooprocedimentodeinjunçãotemvalorsuperiorametadedaalçadadotribunaldaRelação,porforçadasuatransmutaçãoemprocessocomum,enãoosejaquandooseuvaloréinferior”. I) Sendo o somatório de tais valores superior a metade do valor da alçada da Relação, a acção declarativa subsequente à dedução da oposição seguirá a forma de processo comum, conforme teses defendida no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 31-10-2019, relator Joaquim Boavida, processo n.º 129733/18.7YIPRT-A.G1. J) Com efeito, defendemos este entendimento que confere ao Requerido a possibilidade de, numa AECOPEC, invocar a compensação/reconvenção e, não obstante ser admissível a instauração de uma ação própria, evitar um desperdício de recursos, em violação da imprescindível economia de custos, e determinar a apreciação simultânea de toda a problemática derivada do mesmo negócio jurídico. K)Aliás, esta solução surge compaginada com os princípios processuais que dimanam do atual regime processual civil, que impõe ao juiz fazer uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal (artigos 6º e 547º CPC) com vista a atingir a justiça material e, por isso, sempre lhe caberia ajustar a tramitação da AECOPEC à dedução do pedido reconvencional. L) Desta feita, deverá ser ordenada a alteração da forma de processo para processo comum, com a consequente admissibilidade do pedido reconvencional, tanto mais que se encontram verificados os requisitos para a sua admissibilidade previstas no artigo 266º do CPC. M)Acresce que, confrontando-nos com aquela que foi a intenção do legislador com a redacção que conferiu ao art. 266º, nº 2, al. c) do actual Cód. do Proc. Civil, consideramos, em consonância com o entendimento doutrinariamente maioritário, que este preceito deve ser interpretado no sentido de que a compensação ou a o pedido de pagamento de um crédito do requerido sobre o autor, terá sempre de ser operada por via de reconvenção, independentemente do valor dos créditos compensáveis, quando o direito do réu ainda não esteja reconhecido. Este entendimento é de adoptar tanto no âmbito da acção declarativa comum como no âmbito da acção especial prevista no Dec. Lei nº 269/98, de 1.9. N)Não adequar o caso dos autos à realidade substantiva e processual supra alegada significaria um desvio dificilmente justificável àquela que foi a intenção do legislador expressa no actual Cód. do Proc. Civil com a redacção conferida ao art. 266º, nº 2, nº 2, al. c). O)A vencer o entendimento do Tribunal “aquo” – o que só por hipótese académica se admite – estaríamos perante uma violação do princípio da igualdade das partes (sob a perspectiva de um devedor no âmbito de uma injunção de valor superior a € 15 000,00 poder exercitar o seu contra-crédito relativamente ao seu credor e, em idênticas circunstâncias, não o poder fazer aquele cujo credor detém um crédito de valor inferior a € 15 000,00). P) A este propósito, escreveu-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16-01-2018, relatora Maria João Areias, processo n.º 12373/17.1YIPRT-A.C1 que: “[…]estandoreunidasas“seguintescircunstâncias:i)nãosónosencontramosperanteumaformadeprocessoemqueaoréuévedadaadeduçãodereconvenção(formaestaescolhidaunilateralmentepeloautor);ii)comoavontadedecompensarfoijáalegadamentedeclaradaextrajudicialmente;iii)comoainda,ocontracréditodequeoréusesocorresemovimentadentrodamesmarelaçãojurídica[…]deveserpermitidoaoréudefender-semedianteainvocaçãodacompensação,sobpenadetalmeiodedefesalheficardefinitivamentevedado–comefeito,aindaquenãoseencontreimpedidode,emaçãoainstaurarposteriormente,virapediroreconhecimentodoseucrédito,talreconhecimentonãoocorreráatempodeopodercontraporaocréditodoautor,sendoque,seoautorvieraproporaçãoexecutiva,dificilmentelograráoreconhecimentodacompensaçãomedianteadeduçãodeembargosdeexecutado.Ouseja,vedando-lheainvocaçãodocontracréditonapresenteação,significaráque,naprática,aindaquepossua(noâmbitodessamesmarelação),umcontracréditocontraoautor,oréuseráobrigadoa,emprimeirolugar,satisfazerocréditodoautor,correndooriscodeoseucontracréditonãovirasersatisfeito.[…]declaradaacompensaçãopelaparte(extrajudicialoujudicialmente),otribunalnãopodedecidir,semmais,queodemandadodevepagarocréditodoautor(eaindaqueocréditodaquelesejailíquido),jáqueodemandadotemodireitodenãopagar,namedidaemqueasuadívidasecompensecomumadívidadoautorparacomele.[…]sedevidoàdiversidadedaformadeprocesso,nãoforadmissívelareconvençãoealiquidaçãodocontracréditonãoforpossívelatravésdereconvenção,nemporissopodeodemandadoficarprivadododireitoàcompensação–seodemandadodeclararacompensaçãocomumcontracréditocujaapresentaçãodevaserfeitaemprocessocomoutraformaouporoutrotribunal,ainvocaçãodacompensaçãofaz-seporexceçãoperentória.” Q)Ora, na vigência de um Código de Processo Civil que erigiu como postulado essencial o dever de gestão processual que recai sobre o juiz e o princípio da adequação formal (art.ºs 6º e 547º do CPC) – princípios que não podem deixar de abranger os processos especiais –, deve aceitar-se que é a tramitação das AECOPs que tem de se adaptar ao exercício dos direitos das partes em juízo, e não este exercício que pode ser coarctado por aquela tramitação. R)Assim, parece-nos claro – e com todo o devido respeito por opinião contrária – que: i) O facto de o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15 000,00 prever apenas dois articulados (petição inicial e contestação) e assumir um escopo de celeridade, não são argumentos bastantes para erradicar, desde logo, a admissibilidade do pedido reconvencional nessa forma de processo especial; ii) deduzida oposição com reconvenção cumprirá ao juiz aferir da verificação dos requisitos legais previstos no art. 266º, n.º 2 do CPC e autorizar, sendo esse o caso, a dedução pelo réu do pedido reconvencional; iii) Admitindo a reconvenção, o juiz deve adequar a forma do processo, em cumprimento do estatuído nos arts. 266º, n.º 3 e 547.º do CPC, assegurando, designadamente, o cumprimento do princípio do contraditório (art. 3º, n.º 3 do CPC). S) Neste sentido, e dando nota da mudança de entendimento que se vem registando na jurisprudência quanto a esta matéria, vejam-se ainda os acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 17-12-2018, relatora Fernanda Proença Fernandes, processo n.º 110141/17.3YIPRT.G1 e de 31-01-2019, relatora Maria Purificação Carvalho, processo 53691/18.5YIPRT.A-G1, onde se defende que no âmbito de uma acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias (AECOP) deve ser dada a possibilidade ao réu de invocar a compensação de créditos por via de reconvenção, bem como, através desta, tentar obter o pagamento do valor em que o seu crédito excede o do autor, caso em que o juiz deve fazer uso dos seus poderes de adequação formal e também de gestão processual de forma a ajustar a tramitação da AECOP à dedução do pedido reconvencional. T) Ora, por todo o exposto, nomeadamente, nos Acórdãos que transcrevemos, parece-nos que a reconvenção deduzida nos autos dever ser admitida, razão pela qual deve a sentença recorrida ser substituída por Acordão que admita a reconvenção e ordene a tramitação dos autos de acordo com as regras processuais. Termosemque, devem as presentes alegações e respetivas conclusões serem julgadas procedentes, sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores; e, por consequência, deverão determinar a admissibilidade da reconvenção nos presentes autos, pois, só assim, se concretizará a almejada JUSTIÇA!...
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Não se mostram juntas contra-alegações.
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O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo – cf. artigos 629.º, n.º 2, alínea b), 630.º, este a contrario sensu, 631.º, n.º 1, 638.º, n.º 1, 641.º, n.º 1, 644.º, n.º 2, alínea d), 645.º, n.º 2, e 647.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil.
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III - O Direito
Como resulta do disposto nos artos. 608º., nº. 2, ex vi do artº. 663º., nº. 2, 635º., nº. 4, 639º., n.os 1 a 3, 641º., nº. 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem das conclusões que definem, assim, o âmbito e objecto do recurso.
Deste modo, e tendo em consideração as conclusões acima transcritas cumpre apreciar e decidir sobre a admissibilidade da compensação/reconvenção no procedimento de injunção de valor inferior a 15.000,00 €.
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IV. FUNDAMENTAÇÃO
De Facto
Os factos com interesse para a decisão são os que constam do relatório supra e que aqui se dão por integralmente reproduzidos
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De Direito
No procedimento de injunção apresentada oposição são os autos remetidos à distribuição, nos termos do disposto no 16.º do Anexo ao DL nº 269/98, de 1.09, seguindo-se, com as necessárias adaptações, o disposto no nº 4 do art. 1º e nos artºs. 3º e 4º (art. 17º, nº 1 do referido Anexo), ou seja, deduzida oposição, se a acção tiver que prosseguir sem que os autos disponham de elementos para, desde logo, conhecer do mérito da causa, a audiência realiza-se dentro de 30 dias, sendo as provas apresentadas em audiência, e sendo o duplicado da contestação remetido ao autor simultaneamente com a notificação da data da audiência de julgamento.
Neste tipo de acções apenas se mostram legalmente previstos dois articulados – a petição inicial e a contestação.
Mesmo não se prevendo mais nenhum articulado, defende a recorrente, em suma, ser admissível a reconvenção por si deduzida de pedido de pagamento de uma indemnização que alega ter em resultado do imputado cumprimento defeituoso da obrigação da A pelos prejuízos daí decorrentes para si no montante de €28.755,00, e os que vierem a ser apurados em sede de liquidação de sentença, em resultado da substituição nos sapatos onde foram aplicados os forros fornecidos pela reconvinda, de novos forros nas condições contratadas.
Como resulta do requerimento inicial, a causa de pedir funda-se nos contratos de compra e venda celebrados entre Requerente e Requerida, sendo que, por um lado, a Requerente alega a falta de pagamento das facturas emitidas no âmbito dos referidos contratos, e, por outro lado, a Requerida, por reconvenção, peticiona ( se bem o entendemos) a resolução contratual do negócio firmado entre as partes de fornecimento dos forros, por culpa que imputa à A, e o pagamento de uma indemnização decorrente do prejuízo já liquidado no valor de €28.755,00, e os que vierem a ser apurados em sede de liquidação de sentença, em resultado da substituição nos sapatos onde foram aplicados os forros fornecidos pela reconvinda aos seus clientes, com ao fornecimento de novos forros.
A respeito da compensação, na doutrina e na jurisprudência começou a discutir-se a questão de saber se a mesma podia ser invocada como mera excepção, destinada a impedir o efeito jurídico do crédito que era reclamado pelo autor, ou devia ser invocada através de reconvenção, uma vez que implicava o reconhecimento do crédito de que o réu era titular (ANTUNES VARELA, João de Matos, in Manual de Processo Civil (1985), pág. 330, e GOUVEIA, Mariana França, in A Causa de Pedir na Ação Declarativa (2004), pág. 245).
O entendimento praticamente unânime era que a compensação podia ser invocada como mera excepção se o crédito de que o réu era titular não excedesse o crédito que era reclamado pelo autor. Em contrapartida, se o crédito de que o réu era titular fosse de valor superior e o réu pretendesse a condenação do autor no pagamento desta parte do seu crédito, a compensação devia ser invocada através de reconvenção (cfr. Ac. da RELAÇÃO DE LISBOA de 9 de junho de 2011 – Processo n.º58508/09.9YIPRT.L1-2, in www.dgsi.pt, entre outros).
Com a reforma do processo civil que foi operada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, foram introduzidas alterações nesta matéria, passando a compensação a ter que ser sempre invocada através de reconvenção, independentemente do valor do crédito de que o réu fosse titular, nos termos do artigo 266.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Civil.
Porém, o facto é que o legislador alterou as formas de processo, tendo abolido o processo sumaríssimo, passando o processo declarativo a seguir uma forma única em que é sempre admissível reconvenção (artigo 548.º do Código de Processo Civil).
Sucede que continuaram a existir outras formas de processo específicas, previstas em diferentes diplomas legais, em que não é admissível reconvenção, tal como ocorre no procedimento de injunção sempre que é deduzida oposição e é aplicável o regime previsto no Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro (cfr. COSTA, Salvador da, in A Injunção e as Conexas Ação e Execução (2008), pág. 88).
Nestas situações colocava-se a questão de saber se, não sendo admissível reconvenção, o réu não podia invocar a compensação como mera excepção apenas para impedir o efeito jurídico do crédito reclamado pelo autor.
No início, a jurisprudência começou por ser especialmente rigorosa, considerando que, não sendo admissível reconvenção, a compensação não podia ser invocada mesmo que o crédito de que o réu era titular não excedesse o crédito que era reclamado pelo autor e estivesse em causa apenas impedir o efeito jurídico deste crédito (cfr., en tre muitos outros, o Ac. da Relação do Porto de 12 de maio de 2015, proc. 143043/14.5YIPRT.P1, in dgsi.pt).
Entretanto, surgiram entendimentos na doutrina a considerar que o legislador apenas se tinha limitado a considerar a compensação admissível como fundamento da reconvenção e não que apenas pudesse ser invocada através dela (cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS, in Código de Processo Civil Anotado – Vol. I (2018), pág. 535, ao considerar que 'a melhor interpretação do regime do Código de Processo Civil de 2013 é de que com ele nada mudou, permanecendo a reconvenção fundada em compensação meramente facultativa), que levou a uma evolução jurisprudência nessa linha de entendimento, como se pode constatar do que veio a ser defendido no Ac. da RELAÇÃO DE GUIMARÃES de 17 de dezembro de 2018 – Processo n.º 110141/17.3YIPRT.G1, in www.dgsi.pt, bem como no Ac. da Relação do Porto de 13 de Junho de 2018, Processo n.º 26380/17.0YIPRT.P1, in www.dgsi.pt.
Passou também a entender-se, que o artigo 266.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Civil, deve ser interpretado no sentido que a reconvenção apenas é obrigatória nas situações em que o crédito de que o réu é titular é de valor superior ao crédito reclamado pelo autor - neste sentido, se pronunciou o Ac. da Relação de Coimbra de 16 de janeiro de 2018, Processo n.º 12373/17.1YIPRT-A.C1, in www.dgsi.pt.
Certo é que a razão para a existência de formas de processo que não admitem reconvenção é a sua maior simplicidade e celeridade, que é garantida através da limitação do objecto do processo e de uma tramitação menos exigente.
Por outro lado, como decorre da previsão do artigo 847.º do Código Civil, a compensação mais não é do que uma forma de extinção das obrigações, quando o devedor também dispõe de um crédito sobre o seu credor.
Ocorre quando ambos são, reciprocamente, credor e devedor, operando-se, então, o que, em linguagem coloquial, se chama “encontro de contas” pois o compensante, quando demandado ou interpelado para cumprir, exonera-se do seu débito através da realização do seu crédito.
A lei considera de equidade não obrigar a cumprir quem também é credor do seu credor.
Na sua essência, está a economia de meios jurídicos não obrigando por força de uma fonte obrigacional a uma prestação que teria, mais tarde, de ser repetida, por força de outra obrigação.
O crédito passivo não pode ser obrigação natural, por ter de ser exigível judicialmente, o que só acontece nas obrigações civis (artigo 402.º do Código Civil) e não pode ser vincendo por ter de ser “exigível”, o que significa a possibilidade da sua realização coactiva (cfr., também, “Das Obrigações em Geral”, 7.ª ed., II, 204, do Prof. Antunes Varela), “situação em que se encontra a prestação já vencida”, como refere o Prof. Pessoa Jorge, in “Lições de Direito das Obrigações”, 1966-284.
Assim sendo, a existência do crédito compensável não pode ser só apurada (podendo, apenas, ser liquidada) no âmbito do juízo de compensação.
Aí terá de surgir não como mera expectativa mas com autêntica exigibilidade, sob pena de se ir enxertar numa acção pendente (a pretexto de reconvenção) outra que com ela não tenha conexão. (cfr. o Prof. Anselmo de Castro, in “Direito Processual Civil Declaratório”, I, 172, e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Outubro de 1998 – P.º 643/98, seguido pelo Acórdão de 21 de Novembro de 2002 – 02B2634 – também acolhido pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 2006 – 06 A3861).
Já o direito à resolução dum contrato, enquanto meio de extinção do vínculo contratual, quando não convencionado pelas partes, depende da verificação de um fundamento legal, correspondendo, nessa medida, ao exercício de um direito potestativo vinculado - artigo 432º CC.
Assim, a parte que invoca o direito à resolução fica obrigada a alegar e a demonstrar o fundamento que justifica a destruição do vínculo contratual.
Na verdade, o direito de resolução está sempre condicionado a uma situação de inadimplência, seja ele o incumprimento definitivo, propriamente dito, seja a conversão da mora em incumprimento definitivo.
Este incumprimento definitivo pode advir de uma impossibilidade de cumprimento (objetivo/naturalística ou subjetiva porque imputável a título de culpa ao devedor) – artº 801º do CC - ou advir da transformação da simples mora em incumprimento definitivo, o que pode ocorrer por três vias:
a) convencer o credor da sua perda de interesse na prestação ex vi da demora no cumprimento;
b) demonstrar que a prestação não foi efetivada no prazo razoável que, admonitoriamente, fixou ao devedor – artº 808º do CC;
c) provar que o devedor se recusou, absoluta, perentória e definitivamente, a cumprir.
Assim, e desde logo no que concerne à impossibilidade de cumprimento, importa ter presente que a lei não se contenta apenas com uma mera dificuldade em se efetivar a prestação, exigindo uma efetiva, real e total não consecução da prestação.
No que tange à perda do interesse há que proceder a uma apreciação objectiva, ie., em função da análise do homem médio, do homo prudens, sopesando-se v.g., a duração da mora e as suas consequências nocivas, o comportamento do devedor e o propósito do credor – nº2 do artº 808 – cfr. Acs. do STJ de 27.05.2010, p. 6882/03.7TVLSB.L1.S1, de 14.04.2011, p. 4074/05.0TBVFR.P1.S1. e de 13.09.2012, p. 4339/07.6TVLSB.L1.S2, todos in dgsi.pt.
Acresce que, como decorre, do nosso sistema jurídico há uma sequência lógica na tutela do comprador por via dos defeitos na coisa vendida, eliminação dos defeitos ou substituição da prestação, redução do preço ou resolução do contrato, apenas podendo ser pedida indemnização, de forma autónoma, sem ser nos casos de cumulação, por violação quer do interesse contratual negativo, quer do interesse contratual positivo, por não haver uma daquelas alternativas que satisfaça os seus interesses»- cfr. Ac. da RC, proferido no Pº 1288/08.4TBAGD.C1.S1, disponível in www.dgsi.pt .
Igualmente, no Acórdão do Supremo Tribunal, de 31-01-2012, Pº 13/2002.L1.S1, in www.dgsi.pt, assim se decidiu que «o devedor deve poder reparar o cumprimento defeituoso, antes de o credor poder optar pela resolução do contrato».
Com efeito, importa não olvidar que, em nome da boa fé que deve imperar nas relações contratuais – artº 762º, nº 2 do C. Civil – há que respeitar o equilíbrio das prestações recíprocas nos contratos sinalagmáticos, sendo que a reparação da coisa, quando possível, ou a sua substituição, correspondem à realização da prestação originária, como, in hoc sensu, se pronuncia Calvão da Silva ao considerar que «obter a reparação ou substituição da coisa é realizar especificamente o próprio direito do comprador à prestação originária, isenta de vícios, que lhe é devida. É, portanto, o meio de remover uma antijuridicidade, de suprimir o próprio ilícito - cfr. Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso em especial na Compra e Venda e na Empreitada, Almedina, Col. Teses, pg. 391 e segs.
Neste mesmo sentido, no Ac. do STJ de 4-11-2004, Pº 04B086. disponível em www.dgsi.pt, igualmente se decidiu que a ‘reparação ou substituição da coisa viciada correspondem à rectificação em espécie de um cumprimento defeituoso, cumprindo-se assim o contrato; a acção de cumprimento ou a resolução do contrato pretendem o seu cumprimento em sucedâneo ou a sua destruição porque o devedor o não cumpriu seja por defeito da coisa ou não’.
Segundo o Prof. Antunes Varela, no seu douto Parecer, Cumprimento Imperfeito do Contrato de Compra e Venda (a excepção do contrato não cumprido), onde o mesmo escreveu que «há venda de coisa defeituosa sempre que no contrato de compra e venda, tendo por objecto a transmissão da propriedade de uma coisa, a coisa vendida sofrer dos vícios ou carecer das qualidades abrangida no art. 913,° do Código Civil, quer a coisa entregue corresponda, quer não, à prestação a que o vendedor se encontra vinculado.
A existência simultânea da figura da venda de coisa defeituosa, na perspectiva de que essa desconformidade afecta a própria qualidade da coisa vendida, por esta não poder satisfazer os objectivos da compradora, tal importar a faculdade do devedor poder reparar o cumprimento defeituoso, antes de o credor poder optar pela resolução do contrato, no âmbito da referida sequência lógica a que se fez alusão.
Posto isto, considerando que a reconvenção, quando muito e independentemente da falta, ou não, de suporte legal a nível de direito substantivo, como se entende, se basearia no disposto no art. 266.º, n.º 2, al. a), do Cód. Proc. Civil, e não na situação prevista na al. c), desse mesmo diploma, a que todos os acórdãos citados pela Ré/Recorrente, e mesmo por nós, aludem para efeitos de admitir a reconvenção, tem de se concluir não ser a situação enquadrável numa mera e simples compensação de um crédito já líquido, exigível e vencido.
Como tal, as razões apontadas quer na doutrina, quer na jurisprudência, para se atender ao pedido reconvencional aqui não se verificam, tanto mais que, no caso dos autos, não se verifica o reconhecimento de um crédito do A. a ser compensado com um crédito da Ré, a ser tido em conta, por exemplo, como fundamento da oposição à execução (cf. art. 729.°, al. h), CPC).
Nestes termos, deve, pois, improceder o recurso.
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III- Decisão
Nestes termos, acordam os Juízes na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar o recurso improcedente, mantendo-se, em consequência, a decisão proferida.
Custas pela Ré/Recorrente.
Registe e notifique.
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Guimarães, 30.011.2023
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária, sem observância do novo acordo ortográfico a não ser nas transcrições da autoria dos citados, e é por todos assinado electronicamente)