RECURSO DE REVISÃO
PRESSUPOSTOS
PROVA POR DOCUMENTOS
IMPOSSIBILIDADE DE REABERTURA DA DISCUSSÃO QUANTO AOS FACTOS JÁ FIXADOS NA DECISÃO TRANSITADA
Sumário

1. - Subjazendo ao recurso de revisão – direcionado para decisões já transitadas em julgado, com feição de recurso extraordinário – interesses de ordem pública, são pressupostos legais para a revisão com fundamento documental: a) apresentação de documento, de que a parte não tinha conhecimento ou que não pôde utilizar; b) tratar-se de documento que, por si só, seja dotado de força probatória bastante para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida/recorrente.
2. - Estando em causa a formação do material probatório, o documento deverá mostrar, assim, que a decisão proferida é uma decisão viciada, na medida em que se o documento tivesse sido conhecido o veredito teria sido necessariamente diverso.
3. - O documento terá de ser dotado das caraterísticas da: a) novidade – superveniência, objetiva ou subjetiva –, por não ter sido apresentado no processo; b) suficiência, por dispor de uma força probatória qualificada, insuscetível de ser abalada, implicando, sem mais, uma modificação da decisão em sentido mais favorável à parte vencida.
4. - Em qualquer caso, no recurso de revisão não é permitida uma nova discussão sobre a prova anteriormente produzida, uma reabertura da discussão quanto aos factos já fixados na decisão transitada em julgado.

Texto Integral

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:


***

I – Relatório

O Ministério Público (doravante, M.º P.º) veio, ao abrigo dos art.ºs 1.º, 3.º, 4.º e 5.º da Convenção de Haia de 1980, e 8.º, 9.º, 10.º e 11.º do Regulamento (CE) nº 2201/2003, do Conselho de 27 de novembro de 2003, sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças, transmitir o pedido urgente de regresso formulado pelas autoridades francesas,

relativamente ao menor AA, nascido em .../.../2019, filho de BB e da Requerida CC, ambos estes com os sinais dos autos,

pedindo nos seguintes moldes:

«1. Considerar o pedido de regresso da criança AA, transmitido pela Autoridade Central da França;

2. Determinar a inserção dos dados do menor no Sistema de Informação Schengen, por forma a evitar a deslocação da criança para Estado Terceiro;

3. Determinar a inquirição da mãe da criança, tendo, nomeadamente, em vista a eventual obtenção de acordo quanto ao eventual regresso da criança a França.».

Alegou, para tanto, que:

- a criança sempre viveu com ambos os pais em França até à separação dos mesmos, em 28/04/2021, e, após tal data, por acordo extrajudicial entre os pais, o menor AA passou a residir alternadamente com os progenitores, ainda em França;

- porém, em 05/08/2021 a Requerida mãe decidiu viajar para Portugal com a criança, com o objetivo de aqui fixar residência, não tendo o pai prestado autorização para tal, pelo que este formulou pedido de regresso do menor junto da autoridade central francesa competente.

A Requerida, citada para alegar o que tivesse por conveniente, veio declarar a sua oposição ao regresso da criança a França, pugnando pela rejeição do pedido e oferecendo prova testemunhal.

Alegou, no essencial:

- inexistir retenção ilícita, sendo dela o exercício exclusivo das responsabilidades parentais, com o consentimento prévio do pai do menor, o qual nunca teve a guarda do filho;

- ser de ponderar o superior interesse do menor, que torna desaconselhável o seu regresso a França, sendo a mãe a figura afetiva de referência e encontrando-se em Portugal toda a família alargada, enquanto o pai se revelou uma pessoa fria, distante e indiferente à presença e necessidades do filho, não tendo contribuído para o seu sustento, razão pela qual a Requerida se viu forçada a regressar a Portugal, onde conta com a ajuda de familiares.

Procedeu-se à audição pessoal da Requerida (mediante declarações de parte) e inquirição das testemunhas por si arroladas, não tendo o menor sido ouvido, atenta a sua idade ([1]).

Considerando-se não ser necessária a realização de quaisquer outras diligências, foi depois proferida sentença (datada de 05/01/2022), com o seguinte dispositivo:

«Face ao exposto, julga-se procedente a presente acção e, em consequência, determina-se o regresso da criança AA a França, devendo a mesma ser entregue ao pai BB.».

Interpôs a Requerida, inconformada, recurso de apelação, o qual foi, por acórdão deste Tribunal da Relação (doravante, TRC), datado de 26/04/2022, julgado totalmente improcedente, com trânsito em julgado, mantendo-se, por isso, a decisão recorrida.

A Requerida mãe veio então interpor o presente recurso de revisão, oferecendo alegação e as seguintes

Conclusões ([2]):

«1. O processo tutelar cível encontra-se regulado pelo regime geral do processo tutelar comum publicado pela Lei 141/2015, de 08.09.2015, sucedendo que a norma constante do artigo 33º do referido diploma legal determina ser subsidiariamente aplicável, a tudo quanto não se encontre regulado, as regras do processo civil, no que não contrarie os fins da jurisdição de menores.

2. O regime do processo tutelar cível não contém qualquer norma que preveja e estatuia sobre a forma de sindicar a legalidade e justiça das decisões judiciais proferidas, mormente, sob a forma de recurso de revisão;

3. Pelo que, in casu, deverá considerar-se concretamente aplicável o regime previsto pelo artigo 696º, alínea c) do CPC;

4. Porquanto, tal regime não contraria os fins da jurisdição de menores.

5. Sob o conceito e definição de documento, deverá considerar-se o previsto e estatuído pelo artigo 362º do CC;

6. Considerando documentos válidos para apreciação do presente recurso, a carta subscrita pela Sra. DD, o depoimento escrito por si prestado nos autos de processo de jurisdição de menores a correr termos no Julgado de Menores de Versalhes – Paris – França e ainda, o documento constitutivo da rescisão do contrato de trabalho operada entre o Sr. BB e a Sra. EE, pessoa que era ama do menor AA, em julho de 2021 e a Declaração e “atestação” outorgadas pelo Sr. BB, no dia 05/08/2022;

7. A Recorrente apenas acedeu aos documentos que pretende juntar aos autos (depoimento escrito e documento comprovativo da rescisão do contrato de trabalho), no dia 11 de agosto de 2022;

8. Bem como acedeu à declaração e “atestação” outorgadas pelo Sr. BB em 08/09/2022;

9. Sucedendo que acedera aos referidos documentos quando se encontrava em França, tendo regressado a Portugal, respetivamente, nos dias 13/08/2022 e 09/09/2022;

10. Donde resulta que a Recorrente apenas pode exercer o direito de apresentar o presnete recurso após o dia 14/08/2022;

11. Em face do que, deverá considerar-se que o prazo de caducidade para a apresnetação do presente recurso, com fundamento nos documentos cuja posse a Recorrente adquiriu em 11/08/2022, se iniciara no dia 14/08/2022;

12. Estando asism em tempo a apresnetação do presnete recurso, nos termos e para os efeitos dos artigos 697º do Código de Processo Civil e 329º / 2 do Código Civil.

13. Os documentos ora oferecidos aos autos, deverão ser considerados adequados a instruir e promover o provimento do presente recurso;

14. Sucedendo que assumem a condição ou o caracter de relevância e novidade, porquanto:

15. A Recorrente apenas acedeu aos referidos documentos das datas descritas supra, e desta forma, não os pode utilizar aquando do exercício do seu direito de defesa, em sede de primeira instância;

16. Bem como são relevantes, por permitirem formar uma convicção diferente da postulada nas decisões ora postas em crise, impondo a sua revogação.

17. Conforme se infere do teor do depoimento e carta subscritos pela Sra. DD, o Sr. BB, aqui Recorrido, nunca se opôs à deslocação do menor para Portugal para aí residir com a Recorrente outrossim, consentiu e concordou com tal deslocação;

18. Facto cuja prova se deverá considerar secundada pelo documento constitutivo da relação de trabalho operada entre o Sr. BB e a Sra. EE;

19. Pois que, se o mesmo não tivesse consentido e concordado com a deslocação do menor, nada justificaria que o mesmo promovesse a resolução do contrato de trabalho com a ama do menor.

20. Por seu lado, a Declaração outorgada pelo Sr. BB em 05/08/2021, demonstra de forma inequivoca que existiu entre si e a Recorrente, um acordo quanto à resolução de todos os assuntos que ambos mantinham em comum;

21. Acordo que versava quer sobre a guarda e a fixação da residencia do menor, quer sobre a partilha dos bens que ambos detinham em comum.

22. Por seu lado, tal declaração permite concluir, quer quanto à convicção e confiança da Recorrente para fixar a residencia do menor em Portugal na sua companhia;

23. Pois que, sendo certo que não aceitava dispor da guarda do menor, nada justificava que aceitasse abrir mão do seu direito de propriedade naquele apartamento, sem que se encontrasse convicta quanto à aceitação, pelo Recorrido, da fixação da residência do menor em Portugal.

24. Por seu lado, se tal acordo (fixação da residência do menor em portugal inexistisse) não tivesse efectivamente sido celebrado entre a Recorrente e o Recorrido, nada justificaria que o Recorrido BB tivesse, no dia 05/08/2021, outorgado “atestação” mediante a qual impunha o reconhecimento do seu direito a ferias na companhia do menor, em Portugal, no periodo compreendido entre 18/08/2021 e 31/08/2021;

25. Pois que, se não concordasse com a fixação da residencia do menor em Portugal, nada justificaria que fosse cauteloso em garantir para si, o gozo de um periodo de férias, na companhia do menor…

26. Por seu lado, considerando o teor do SMS expedido pelo Recorrido à Recorrente no dia 24/07/2021, na qual afirma “falei com o meu patrão e como vais para Portugal definitivamente quinta ou sexta-feira eu fico em casa esta semana e guardo o menino”, impõe-se igualmente considerar que o mesmo concordou com a decisão de fixar a residência do menor em Portugal.

27. Ora, o teor do SMS descrito supra, quando seja compulsado em conjunto com o teor dos documentos que instruem o presente recurso, permite formar a convicção da concordância do Recorrido com a decisão tomada pela Recorrente, porquanto:

28. Se por um lado não manifesta qualquer desagrado ou oposição à decisão da Recorrente, por outro lado, ainda assume que guardará o menor durante a semana que antecede a viagem para Portugal;

29. Ato configura a intenção de se despedir do menor e aproveitar com o mesmo, o período de tempo em que o mesmo permaneceria em França;

30. Não sendo daqui possível extrair qualquer oposição à decisão de fixar a residência do menor em Portugal.

31. Denote-se, a propósito, que o Recorrido, em toda a marcha processual concretamente ocorrida nos autos, nunca demonstrou de forma expressa e inequívoca, ter em algum momento expressado a sua não concordância com a deslocação do menor para Portugal;

32. Tendo a Recorrente admitido que apenas recebera uma mensagem SMS do Recorrido, já no decurso da sua viagem para Portugal e quando já não dispunha de quaisquer meios para permanecer em França, sugerindo tal falta de concordância;

33. SMS que, ainda que não se tenha apurado concretamente o seu teor e conteúdo, no sentido de se demonstrar se o Recorrido, de forma expressa e inequívoca, referiu não autorizar que o menor viajasse para Portugal, cremos que apenas servira a sua intenção já demonstrada pelo depoimento da Sra. DD, de promover qualquer constrangimento, da ora Recorrente, com a autoridade policial;

34. Intenção de constrangimento que é tão mais credível que quando se considere que o Recorrido entregou o menor AA à Recorrente, de forma livre e voluntária, após um período em que o detinha consigo há cerca de 15 dias, para que a Recorrente iniciasse a sua viagem de regresso a Portugal, tendo o Recorrido, antes de promover a entrega voluntaria do menor apresentado queixa pelo rapto do mesmo contra a Recorrente…!

35. Ora, partindo desta premissa, impõem-se concluir, que se o mesmo quisesse obstar ao regresso do menor a Portugal e não quisesse criar qualquer constrangimento da Recorrente com a autoridade policial francesa, não procedia à entrega voluntária do menor;

36. Outrossim, mantinha-o à sua guarda e cuidados até obter qualquer decisão judicial junto da autoridade judicial francesa.

37. Assim, deve considerar-se provados os factos alegados pela Recorrente, na sua contestação ao processo tutelar comum, dos quais resulta o consentimento do Recorrido para a deslocação do menor para Portugal.

38. De igual modo, atento o teor do depoimento e carta subscritos pela Sra. DD, deverá considerar-se provados todos os factos alegados pela Recorrente, com vista à demonstração do perigo para a segurança e desenvolvimento psíquico do menor.

39. Por razões de economia processual dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor dos documentos que constituem o depoimento e carta subscritos pela Sra. DD, devendo os mesmos constituir prova inequívoca e suficiente para julgar provados os factos alegados pela Recorrente, no seu articulado de contestação ao processo tutelar comum;

40. Mormente, para revogar a douta decisão ora posta em crise, substituindo-a por outra que julgue procedente o pedido formulado pela ora Recorrente, no predito articulado de contestação ao processo tutelar comum.

Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente Recurso de Revisão ser julgado procedente, por provado, e em consequência, ser proferida decisão que determine a revogação da decisão proferida pelo Tribunal de primeira instância; bem como deverá ser proferida decisão que julgue procedente o pedido formulado pela Recorrente no seu articulado de contestação ao processo tutelar comum;

ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!!!».

Juntou documentos (os constantes de fls. 15 e segs. do processo físico).

Respondeu o pai do menor, BB, pugnando pela improcedência do recurso de revisão, para o que ofereceu as seguintes

Conclusões:

«1- O recurso deve ser rejeitado uma vez que os documentos apresentados não cumprem os requisitos vertidos no ínsito do artigo 696.º al. c) do CPC.

2- O documento atendível como fundamento da revisão da decisão transitada em julgado nos termos estabelecidos na al. c) do art. 696.º do CPC terá de preencher, cumulativamente, o requisito da novidade e o requisito da suficiência.

3- Os documentos apresentados não são novos nem suficientes para por si só e de forma isolada alterarem a Decisão a rever.

4- O documento designado de “assistentes maternelles agréées” reporta-se à cessação de um contrato de trabalho celebrado entre a Recorrente e a Assistente Maternal, ocorrida em Maio de 2021.

5- Documento este anterior não só à decisão a rever como à própria instauração da acção junto das Autoridades Centrais em França e, por sua, vez pelo Ministério Público, pelo que não cumpre o requisito da novidade.

6- Igualmente não preenche o requisito da suficiência, porquanto o teor do documento não infirma, por si só, os fundamentos da decisão a rever, nem quaisquer outros com relevância para a causa.

7- Do mesmo não é possível extrair que o aqui Recorrido autorizou a vinda do seu filho menor para Portugal para aqui fixar a sua residência.

8- O documento “Certificat” apresentado como sendo um depoimento da testemunha DD, segundo esta, trata-se de um documento falso, não só quanto ao seu conteúdo como quanto ao seu Autor, isto porque documento forjado pela aqui Recorrente e o seu Mandatário, signatário do presente recurso.

9- Este documento terá sido elaborado pelo Mandatário da aqui Recorrente em Paris no dia 29 de Abril de 2022 que o apresentou à testemunha DD, no dia seguinte, 30 de Abril de 2022, no seu local de trabalho, tendo aquela apenas aposto a sua assinatura.

10- Facto confessado pela Sra. DD que arrependida do que tinha feito em conluio com a aqui Recorrente e o Mandatário daquela (porquanto reuniram-se os três em França para esse efeito em 29 e 30 de Abril de 2022), retratou-se e escreveu uma missiva ao aqui Recorrido a contar o sucedido e afirmando: “encontrei-me com CC e com o seu advogado FF, em Paris, dias 29 e 30 de Abril 2022, e assinei um documento escrito pelo advogado FF, não assumo a responsabilidade pelo papel escrito pelo advogado FF, porque eu só assinei”.

11- A carta enviada pela Sra. DD ao aqui Recorrido é demonstrativa da falsidade dos factos imputados ao aqui Recorrido tanto no articulado do recurso de revisão como na queixa crime junta com o recurso e que se impugna in tottum por estar eivada de falsidades.

12- Relatam tais articulados uma história ardilosamente criada pela Recorrente e seu Mandatário para de forma torpe e deliberada prejudicar o aqui Recorrido e tentar obter a guarda do Filho Menor AA, porquanto encontrava-se a correr termos no Tribunal de Família de Versalhes acção para regulação das responsabilidades parentais do filho menor.

13- Aliás, factos que foram participados ao Ministério Público, por consubstanciaram a prática entre outros de um crime de denúncia caluniosa (pelos factos alegados no recurso de revisão e no articulado de oposição nos presentes autos) e difamação, encontrando-se a correr inquérito sob o n.º 241/22...., no DIAP ... e ainda participou à Ordem dos Advogados em 18-10-2022.

14- Custódia do Menor que a Recorrente não gorou obter, porquanto o Tribunal decidiu fixar a residência do Menor no domicílio do Pai e estabelecer um regime de visitas à Progenitora.

15- No âmbito do processo crime n.º 241/22.... que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca ... - DIAP ... a testemunha DD prestou declarações tendo confirmado que reuniu com a aqui Recorrente e o seu Mandatário em Paris no dia 29 de Abril de 2022, tendo no dia seguinte o advogado lhe apresentado um documento por aquele redigido que leu e assinou. Tendo na altura chamado a atenção a “CC e ao Dr. FF que o documento não correspondia à realidade, que havia ali coisas graves e falsas, tendo-lhe sido dito pelo Dr. FF que «não tinha grande importância, pois o que contava era o que viesse a confirmar perante o Juiz»” e que este documento serviria apenas para acelerar o processo.

16- Dúvidas não restam da falsidade do documento apresentado para justificar o presente recurso de revisão.

17- Salvo melhor e douto entendimento, estamos perante um caso de falsidade ideológica, foram inseridos no documento declarações falsas, com o fim de prejudicar o direito do aqui Recorrido, enganar o Tribunal, a Justiça e alterar a verdade sobre facto juridicamente relevante.

18- Documento falso elaborado pela aqui Recorrente e seu Mandatário com o objectivo de prejudicar o Recorrido, tentar de forma torpe obter para si a guarda do filho menor, alterar a decisão que determinou o regresso do menor ao seu país de origem e permitir recorrer a um expediente legal – a figura processual do recurso de revisão.

19- Falsidade de documento que aqui se argui para os devidos efeitos legais, devendo ser apreciada e declarada nesta instância.

20- Sendo assim como na realidade o é, sendo falso tal documento não pode servir para fundamentar o recurso de revisão.

21- Devendo ser rejeitado por violação do disposto nos artigos 696.º al. c) e 697.º, n.º 2 al. c) do CPC.

22- Mais, não cumpriu a Recorrente o prazo de interposição do presente recurso nos termos do disposto no artigo 697.º do CPC, porquanto os documentos apresentados datam de Maio de 2021 e 30 de Abril de 2022 e por si conhecidos nessas datas.

23- Relativamente ao documento “assistentes maternelles agréées” ainda que não tivesse tido conhecimento do documento, o que não se concede, foi porque não quis tê-lo; por incúria sua, porque não procedeu às diligências naturalmente indicadas para descobrir o documento atempadamente, é-lhe imputável, portanto, o não uso do documento.

24- Não tendo por isso direito à revisão da Sentença.

25- A Recorrente e o seu Mandatário litigam de má-fé porquanto têm consciência de que não têm razão, forjaram um documento, sabendo que o conteúdo que verteram no mesmo é falso, não se coibiram de o apresentar em juízo, pretendendo colocar em crise uma Decisão transitada em julgado, socorrendo-se para o efeito de um meio processual – recurso extraordinário de revisão – que sabiam que de outra forma lhe estava vedado.

26- O fundamento ético do instituto da litigância de má-fé exige que se conclua por um desrespeito pelo tribunal, pelo processo e pela justiça, imputável subjetivamente ao litigante a título de dolo ou de negligência grave, ou seja, que tenha havido uma alteração consciente e voluntária da verdade dos factos – dolo - ou uma culpa grave, o que se verifica no caso em apreço.

27- A condenação como litigante de má-fé assenta num juízo de censura sobre um comportamento que se revela desconforme com um processo justo e leal, que constitui uma emanação do princípio do Estado de Direito.

28- Não podendo nem devendo o Tribunal ad quem deixar de condenar a Recorrente em litigância de má-fé e de dar conhecimento à Ordem dos Advogados atendendo a que o Mandatário teve responsabilidade pessoal e directa nos actos pelos quais se revelou a má-fé na causa, o que se requer.

29- Ainda que não seja rejeitado o recurso, o que não se concede e que só por mera cautela de patrocínio se admite, sempre se dirá, que toda a argumentaria esgrimida pela Recorrente assenta em factos falsos, ignominiosos e que deram origem tal à apresentação da competente queixa crime.

30- E os documentos apresentados com o presente recurso, ainda que fossem admitidos, o que não se concede, nunca por nunca ser seriam suficientes tal como o dito e redito para de forma isolada colocarem em crise os fundamentos da decisão a rever.

31- Atente-se ainda no facto de a Decisão a rever não ter qualquer efeito útil atendendo a que já existe uma Sentença proferida pelo Tribunal de Família de Versalhes que regulou o exercício das responsabilidades parentais, tendo fixado a residência habitual da criança com o Pai em França, tendo estabelecido um regime de visitas para a Mãe.

32- Não concordando com tal Decisão é no âmbito desse processo que deve a Recorrente interpor o competente recurso.

33- Tanto mais, que nesta matéria o Tribunal português foi declarado incompetente por decisão transitada em julgado.

34- Pretende agora a Recorrente de forma enviesada e de má-fé, conforme abundantemente aduzido numa ânsia desmesurada de demanda desvirtuar a realidade dos factos, alterá-la, para satisfazer os seus interesses.

35- Antes e assim, é escorreita e sem reparo a mui douta Sentença do Tribunal de Primeira Instância, confirmada pelo Acórdão do Tribunal de Segunda Instância ora colocadas em crise pela Recorrente, isto porque, de forma concisa, clarividente e escatológica, cumpriu o Tribunal o seu papel, isto é, aplicou a Lei aos factos, factos amplamente discutidos e sopesados em audiência.

36- Factos que permitiram concluir de forma indelével que o Pai do AA não deu autorização para que o AA viajasse para Portugal com a mãe com o objectivo de aí fixar a sua residência, como é do conhecimento da Recorrente.

37- Não tendo o Pai da criança concordado com vinda do filho menor para Portugal para aí fixar residência com a mãe, sem sequer respeitar o direito de visita do Pai, enquadra-se numa deslocação ilícita da criança previsto no artigo 3.º em conjugação com o artigo 5.º da Convenção de Haia.

38- Pelo que bem andou o Tribunal a quo ao decidir pelo regresso da criança ao seu país de origem França e a sua entrega ao Pai,

39- Devendo permanecer inalterada a Decisão a rever.

Termos em que e nos melhores de direito deve ser negado provimento ao presente recurso de revisão,

De todo o modo, sempre farão Vossas Excelências a costumada

Justiça!».

O M.º P.º não apresentou resposta.

O recurso, dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça (doravante, STJ) – o que a Recorrente reiterou nos autos, de forma expressa e deliberada –, foi admitido como de revisão, com efeito meramente devolutivo, vindo aquele Alto Tribunal a declarar-se incompetente para o conhecimento do mesmo, ordenando a remessa dos autos a este Tribunal de Relação, por ser o competente.

Ainda perante o STJ, a Recorrente veio pronunciar-se sobre a resposta do Recorrido pai, bem como sobre os documentos pelo mesmo ali juntos, concluindo que:

«(…) o mesmo detém um ascendente sobre a Sra. DD, que usa para, in minime, a intimidar e conduzir a prestar depoimento que seja concretizador dos seus interesses;

29º Não pudendo, repita-se, deixar de se considerar que a Sra. DD, fora apresentada ao Tribunal, para prestar depoimento, justamente pelo seu agressor…

30º Acresce ainda que, tal depoimento não foi objeto de contraditório pela Recorrente, mormente pela sua defesa;

31º Sendo para nós evidente, todavia, que tal depoimento fora obtido sob coação do Recorrido sob a Sra. DD, porquanto:

32º Além da mesma já ter, de forma escrita, demonstrado o medo que sente da conduta violenta do Recorrido;

33º A mesma, também de forma escrita e em carta por si assinada, repetiu e confirmou o teor de todos os factos constantes do depoimento que o Recorrido diz ter sido forjado pela Recorrente ou pelo seu Mandatário;

34º Tendo ainda fornecido à Recorrente, um conjunto de documentos ou outros meios de prova que confirmam a suas declarações;

35º Não podendo assim conferir-se qualquer credibilidade ao depoimento prestado pela Senhora DD no DIAP ..., cujo excerto fora junto aos autos e ao qual se responde.

36º Dos fatos que atrás se evidenciam, em nosso entendimento, resulta clara e evidente a conduta constante e reiterada do recorrido, de forma a mentir, manipular e ludibriar o Tribunal;

37º Não sobrevindo assim quaisquer dúvidas de que o mesmo truncou factos, mentiu, manipulou a produção de prova e faltou conscientemente a verdade;

38º Sendo a sua conduta, desta forma, manifestamente dolosa;

39º Pelo que deverá o mesmo ser condenado a título de litigância de má-fé, em multa e indemnização a fixar a favor da recorrente, em quantia nunca inferior a € 5.000,00 (cinco mil euros).

40º Mais se requer a emissão de certidão das contra-alegações de recurso oferecidas pelo recorrido, a fim das mesmas instruírem participação criminal contra o mesmo, para tutela da honra e dignidade do signatário e da sua constituinte.».


***

II – Âmbito recursivo

Tendo já sido admitido o recurso ([3]), perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais definem o objeto e delimitam o respetivo âmbito –, importa saber:

a) Se estão verificados os pressupostos de procedência do pedido de revisão;

b) Se está demonstrada litigância de má-fé por parte do Recorrido pai, visto o vertido na sua peça processual de resposta ao recurso.


***

III – Fundamentação

A) Materialidade e dinâmica processual a considerar

A materialidade fáctica e a dinâmica processual a atender são as que resultam descritas no relatório antecedente, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

B) Aspeto jurídico do recurso

1. - Dos fundamentos de revisão

O presente recurso de revisão funda-se, inequivocamente, no disposto no art.º 696.º, al.ª c), do NCPCiv., como logo explicitado pela Recorrente no seu requerimento de interposição, ao mencionar que «Vem, nos termos e para os efeitos do artigo 696º c) do Código de Processo Civil, interpor recurso de revisão (…)».

Em causa está, pois, somente, a apresentação de documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever, e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida.

Sabido que sempre subjazem ao recurso de revisão – direcionado, invariavelmente, para decisões já transitadas em julgado, conferindo, tradicionalmente, à impugnação a natureza de um recurso extraordinário ([4]) – interesses de ordem pública ([5]), são, assim, pressupostos legais para a revisão com este fundamento documental:

a) Apresentação de documento, de que a parte não tinha conhecimento ou de que não pôde fazer uso (no processo em que foi proferida a decisão a rever); e

b) Tratar-se de documento(s) que, de per si – sem necessidade de conjugação com outras provas –, seja(m) dotado(s) de força probatória bastante para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida/recorrente ([6]).

Estando, então, em causa a «formação do material probatório» ([7]), o documento deverá mostrar que a decisão proferida – a sob recurso – é uma decisão viciada – ferida de anomalia –, na medida em que se o documento tivesse sido conhecido o veredito teria sido necessariamente diverso.

Exige-se que tal documento seja dotado de:

a) Novidade/superveniência, por não ter sido apresentado no processo – ou por só mais tarde ter existência (produzido posteriormente, correspondendo à superveniência objetiva), ou por, embora existindo já, a parte não ter podido socorrer-se dele (superveniência subjetiva);

b) Suficiência, por dispor de uma força probatória qualificada, insuscetível de ser abalada, implicando, sem mais, uma modificação daquela decisão em sentido mais favorável à parte vencida ([8]).

Neste âmbito, é jurisprudência pacífica – e, como tal, fora de qualquer discussão – que:

«(…)

VI - O recurso de revisão não se mostra vocacionado para facultar uma nova discussão sobre a prova anteriormente recolhida, pelo que não é permitido ao recorrente reabrir o debate quanto aos factos já determinados na decisão transitada em julgado.

VII - Não se verifica o requisito da suficiência se o teor dos documentos apresentados não infirma os fundamentos da decisão a rever, subsistindo antes, perante eles, o fundamento em que se sustentou o juízo decisório.» ([9]).

No caso dos autos, é patente que os documentos agora apresentados não foram valorados anteriormente no processo, por não terem então sido juntos, sendo notório que o intitulado “CERTIFICAT” tem aposição de data de «30/04/2022», ou seja, quatro dias após a prolação do acórdão do TRC cuja revisão se pretende (este datado de 26/04/2022).

Esse “CERTIFICAT” (certificado) – a prova considerada fundamental pela Recorrente, em que a mesma essencialmente baseia a sua pretensão recursiva – consta, em língua francesa, a fls. 17 v.º e segs. do processo físico (com tradução agregada), configurando declaração escrita, assinada por GG, de nacionalidade ..., com a profissão de «maquilhadora», notando-se a coincidência – reitera-se – de se tratar de documento produzido/datado quatro dias após a decisão – acórdão – deste TRC, que foi desfavorável à Recorrente e que a mesma agora pretende ver invertida.

Esse dito certificado começa com os seguintes dizeres: «Certifico os seguintes factos por ter sido testemunha direta:»; e termina com a declaração de que a aludida GG «Apresent[a] este certificado estando plenamente informada de que todas as declarações falsas me expõem às sanções penais de falso testemunho».

Ou seja, pretende-se que o documento revista a força de não menos que um certificado, contendo um testemunho direto, de alguém que até se considera sujeito a um específico e vinculante dever de verdade, como se houvesse prestado juramento testemunhal, expondo-se, de forma «plenamente informada», às «sanções penais de falso testemunho».

O que não deixa de ser surpreendente, na medida em que proveniente de alguém sem – tanto quanto se sabe – formação jurídica, por se tratar de profissional de «maquilhagem», mas no uso de linguagem de pendor claramente jurídico e com pretendidas implicações jurídicas/judiciais, ao ponto de nos podermos, fundadamente, interrogar sobre o que leva (que interesse releva) uma tal pessoa a expor-se, de forma tão ostensiva, e declaradamente informada (em plenitude), às sanções penais de falso testemunho.

Dir-se-ia que tal pessoa pretenderia assumir a veste de testemunha fora do tribunal, posto não ter, então, sido interrogada em qualquer instância formal do aparelho de justiça, mas assumir, sem juramento e sem tribunal – e, assim, sem qualquer contraditório –, os deveres de uma verdadeira testemunha (até qualificada, por se arrogar poderes de “certificação”), ao ponto de acolher a possibilidade de ser criminalmente perseguida por “perjúrio”.

Ademais, lido o assim “certificado”, nota-se que o declarado não se cinge a “factos diretamente testemunhados”, antes estando eivado, de permeio, de irreprimíveis valorações, conclusões e juízos de valor – sempre em desfavor do aqui Recorrido pai –, ao ponto de imputar a BB a figura de um pai “sempre ausente”, com “comportamento de perseguição da Sra. CC com o objetivo de a atingir pessoalmente”, controlando “todos os atos da vida” desta, espalhando inverdades, até em “processo em Tribunal”, materializando a “intenção” de prejudicar a aqui Recorrente e “criar-lhe complicações com a Polícia”, nunca, desde a separação, tendo “qualquer interesse pelo filho”, usando-o para “impedi[r] a Sra. CC de estar na companhia do menor” e, assim, a atingindo, dando azo a adotados “sentimentos de posse [e] de obsessões pela Sra. CC, não tolerando o facto dela o ter abandonado”, descuidando o filho “para manter encontros sexuais com outras mulheres”, sendo pessoa com “hábitos de comportamento violento e agressivo, de manipulação e mentira”, comportamentos que “incutem stress ao menor”, mas também pessoa que, frequentemente, inicia “relações de caráter sentimental ou sexual com diversas senhoras, entre as quais prostitutas, levando-as para casa e sujeitando o menor a grandes stresses (…)”, numa “total ausência de afeto” pelo filho, «ao ponto de o mesmo não comprar comida para o menor», pelo que este último, em corolário, «encontra-se em perigo junto do pai, por ser frequente este agredi-lo, maltratá-lo, abandoná-lo ou falar com ele de forma agressiva ou violenta».

Obviamente, neste contexto litigioso e probatório, não estamos perante um depoimento testemunhal ([10]), nem perante um documento certificado ([11]), que devesse ter-se por autenticado ou objeto de atestação, não obstante o que a Recorrente pretende fazer crer em contrário.

De notar ainda que a Recorrente pretende que se dê pleno crédito ao assim relatado, em ambiente de total informalidade e ausência de contraditório, e com recurso aos mencionados juízos de valor e posições conclusivas, mas já não possa «conferir-se qualquer credibilidade ao depoimento prestado pela [mesma] Senhora DD no DIAP ..., cujo excerto fora junto aos autos e ao qual se responde».

É que, na sua resposta ao recurso, o Recorrido pai veio, por sua vez, juntar diversos documentos, um deles subscrito pela mesma GG, com data de 10/05/2022 (isto é, dez dias depois do dito “certificado”), onde a mesma aproveita para declarar que «pretendo retirar o meu testemunho», por ter sido «contactada pela CC para lhe dar o meu testemunho contra BB, motiva-a a vingança e retirar o filho AA, encontrei-me com a CC e com o seu advogado FF (…) e assinei um documento escrito pelo advogado FF, não assumo a responsabilidade pelo papel escrito pelo advogado FF, porque eu só assinei» (cfr. documento – e respetiva tradução – de fls. 71 a 72 v.º do processo físico).

Mais declara, ali, tal GG que tem «uma relação de longa duração com o BB e aceitei mal a nossa separação, tive uma crise de depressão e queria vingança pela nossa separação e sofrimento, decidi encontrar CC e dar-lhe a minha explicação por escrito para que ela possa utilizar para recuperar o AA (…)», querendo retirar ao aqui Recorrido (BB) “o que era mais importante para ele, o filho. Eu conhecia em detalhe o processo e queria utilizar o meu conhecimento contra ele, estava motivada pelas minhas emoções afetivas, agi sem refletir, estava cheia de vingança”, para «fazê-lo pagar», mas «não queria destruir a vida de AA», «não pretendo que as minhas declarações tenham um mínimo de impacto na decisão do processo, retiro absolutamente o conteúdo de todas as palavras escritas na carta», «Estava cega de raiva», «Estou completamente desolada.».

O Recorrido pai juntou ainda um documento constituído por certidão extraída do processo de inquérito n.º 241/22...., do M.º P.º no Departamento de Investigação e Ação Penal ..., em que é arguida CC (a aqui Recorrente), contendo auto de inquirição da aludida GG, a qual declarou, depois de legalmente advertida para o seu dever de verdade e sanções penais inerentes, «que se encontrou com a CC (…) e com o advogado Dr. FF, num café, em Paris, onde falaram, tendo-se encontrado no dia seguinte, no seu local de trabalho, de onde saiu durante um bocado para o assinar, tendo-lhe sido apresentado o referido documento (…) que leu e assinou», tendo na altura chamado «à atenção à CC e ao Dr. FF que o documento não correspondia à realidade, que havia ali coisas graves e falsas, tendo-lhe sido dito pelo Dr. FF que “não tinha grande importância, pois o que contava era o que viesse a confirmar perante Juiz”», sendo que «quem redigiu tal declaração, foi o sr. Advogado Dr. FF assim como foi ele quem lha deu para assinar», sabendo tal DD «que aquela não correspondia à verdade» (cfr. fls. 73 a 74 v.º).

Rematou tal DD, de acordo com o retratado naquele auto de inquirição, dizendo que, num primeiro momento (primeiro documento, «contendo falsidades»), agiu «por alguma vingança contra o BB», sendo que, posteriormente (documento subsequente), «depois de recuperar de uma depressão decidiu repor a verdade, pois sabia que o que havia assinado não correspondia à verdade, e tendo percebido a repercussão do seu acto, decidiu para bem da sua consciência e repor a verdade».

Mais. O Recorrido pai juntou ainda um documento constituído por certidão extraída de processo de Tribunal de França, contendo sentença, proferida em 12/10/2022, pela qual foi decidido, quanto ao menor AA e respetiva regulação do exercício das responsabilidades parentais, sendo Requerente seu pai e Requerida sua mãe, e na presença de ambos estes, que as responsabilidades parentais são exercidas em comum por ambos os progenitores, que a residência do menor é fixada no domicílio do pai, em França, tendo a mãe direito de visitas, ponderando, para tanto, que não se demonstrou que o interesse do menor passasse por transferir a sua residência habitual para junto da mãe, em Portugal, antes correspondendo a esse interesse a fixação de residência com o pai, em França (cfr. documento – e respetiva tradução – de fls. 75 v.º a 84 v.º do processo físico).

Nota-se ainda a coincidência consistente em tal sentença estrangeira ter sido proferida precisamente na mesma data em que foi interposto o presente recurso de revisão – 12/10/2022 (cfr. fls. 1 do processo físico).

Perante isto, argumenta ainda a Recorrente que é «clara e evidente a conduta constante e reiterada do recorrido, de forma a mentir, manipular e ludibriar o Tribunal», devendo «ser condenado a título de litigância de má-fé», requerendo até «a emissão de certidão das contra-alegações de recurso oferecidas pelo recorrido, a fim das mesmas instruírem participação criminal contra o mesmo».

Que dizer?

Dir-se-á que, ainda que se tenha por presente o requisito aludido da novidade documental, falta, manifestamente, o outro requisito de procedência do recurso de revisão, o da suficiência.

Se a suficiência significa, como visto, que o documento implica, sem mais, uma modificação da decisão sob recurso em sentido mais favorável à parte vencida, é patente, perante as vicissitudes antes descritas, que falham totalmente quaisquer evidencias de suficiência.

Com efeito, o declarado por GG no dito escrito, por si assinado, intitulado “CERTIFICAT”, em que se funda a Recorrente, não é dotado – salvo sempre o devido respeito por diverso entendimento –, tudo visto, da menor credibilidade.

Como visto, a própria declarante veio depois, em novo escrito, colocar em total declínio aquelas suas anteriores declarações/afirmações, invocando que as iniciais declarações, para além de impregnadas de conclusões e juízos de valor, e destituídas de contraditório, eram falsas, por eivadas de espírito de vingança contra o aqui Recorrido pai.

E veio depois, no âmbito de processo de inquérito crime, reiterar que eram falsas as suas iniciais afirmações, as proferidas contra o Recorrente pai.

Donde que, de forma patente, ocorra exuberante falta de força probatória, mais ainda se na senda da intentada inutilização de uma decisão judicial – acórdão da Relação – transitada em julgado.

E, se é assim – como manifesto resulta –, também é líquido que não serão os demais documentos em que se funda a Recorrente a mostrar qualquer vício de julgamento no âmbito da decisão transitada impugnada.

Com efeito, o documento de fls. 15 v.º e 16 (um “Bulletin de salaire”), tal como os de fls. 16 v.º e 17 (“Modèle de «Certificat de travail»” e “Releve d’Identité Bancaire”), todos do processo físico, independentemente da falta de plena tradução e de qualquer atestação ou assinatura, nunca mostrariam, muito menos em termos de prova inabalável, o que pretende demonstrar a Recorrente: (i) que o Recorrido pai «consentiu e concordou» com a deslocação do filho pela mãe para Portugal, para residir com ela em Portugal, deixando de ter residência em França; (ii) que haja «perigo para a segurança e desenvolvimento psíquico do menor» junto do seu pai em França.

O mesmo tem de dizer-se do documento junto a fls. 23 e segs. do processo físico, por se tratar de mera comunicação de e-mail, em que era enviada indicada «Participação criminal», não certificada, nem sequer assinada (cfr. fls. 37), desconhecendo-se se deu origem a qualquer procedimento/inquérito, e, ainda que o tenha dado, não constituirá mais que uma denúncia/participação criminal, quanto a factos, por isso, carecidos de investigação e prova, logo, um documento sem força probatória, claramente, muito menos inabalável, quanto ao vertido na participação.

Em suma, o recurso de revisão está votado, nesta perspetiva, à manifesta e total improcedência.

2. - Da pretendida litigância de má-fé

Como já referenciado, pretende a Recorrente que haverá de ter-se por demonstrada litigância de má-fé por parte do Recorrido pai, visto o vertido por este na sua peça processual de resposta ao recurso, reclamando que o mesmo seja sancionado em conformidade.

Ora, falecendo a pretensão recursiva de revisão, por inexistir vício algum no acórdão proferido e transitado, decai também o pedido incidental de condenação por litigância de má-fé, cujos pressupostos teriam de ser provados nos autos, e não o foram, mormente pela Recorrente, a quem cabia fazer a respetiva prova.

Ao invés, o Recorrido pai não decaiu em nada, nada mostrando também que tenha ele litigado de má-fé, contra a verdade dos factos ou deduzindo nos autos pretensão ou defesa (no caso, resposta ao recurso) cuja falta de fundamento bem conhecesse, com recurso a deturpações, manipulações ou inverdades, fazendo do processo um uso ou aproveitamento censurável.

Em suma, nenhum fundamento válido existe para a respetiva condenação, havendo, por isso, também o incidente suscitado (de condenação por litigância de má-fé) de improceder.

Apenas haverá de deferir-se o requerimento de emissão de certidão formulado pela Requerente/Recorrente, a expensas desta, nos termos legais, por a tal nada obstar (cfr. fls. 108 v.º do processo físico).

Tal como haverá, vista a prova documental constante dos autos, de extrair-se certidão do teor das peças e dos documentos de fls. 1 a 10, 14 a 37, 50 e 51, 71 a 75 e 104 a 108 v.º do processo físico, bem como deste acórdão, uma vez transitado em julgado, e sua remessa ao M.º P.º e à OA, para os efeitos que forem tidos por convenientes.

Improcede, pois, a interposta revisão, com as legais consequências, cabendo, pelo seu decaimento, à Recorrente suportar as respetivas custas.

(…)

***
V – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso e, bem assim, o incidente de litigância de má-fé deduzido pela Recorrente.

*

Valor: o da ação principal.
*

Custas do recurso e do incidente pela Recorrente (art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2 do NCPCiv.).
*

Defere-se, por a tal nada obstar, o requerimento de emissão de certidão formulado pela Requerente/Recorrente, a expensas desta (cfr. fls. 108 v.º do processo físico).

Extraia-se também certidão do teor das peças e dos documentos de fls. 1 a 10, 14 a 37, 50 e 51, 71 a 75 e 104 a 108 v.º do processo físico, bem como deste acórdão, uma vez transitado em julgado, com remessa ao M.º P.º e à OA, para os efeitos que forem tidos por convenientes.

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).
Assinaturas eletrónicas.

Coimbra, 21/11/2023

Vítor Amaral (Relator)

Luís Cravo

  Fernando Monteiro

([1]) Consta da sentença dos autos que o M.º P.º, em sede de alegações (orais), «emitiu parecer no sentido de ser proferida decisão que ordene o regresso imediato da criança a França».
([2]) Cujo teor se deixa transcrito.
([3]) Razão pela qual ficaram ultrapassadas quaisquer questões que se prendessem com a sua inadmissibilidade (cfr. art.º 699.º, n.º 2, do NCPCiv.), tendo ficado esgotado, nessa matéria, o poder jurisdicional deste TRC (cfr. art.º 613.º, n.ºs 1 e 3, do mesmo Cód.).
([4]) Cfr. Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, ps. 179 e segs..
([5]) Vide Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 404. Cfr. também o Ac. STJ de 17-09-2009, Proc. 09S0318 (Cons. Sousa Grandão), em www.dgsi.pt, evidenciando que se pretende “assegurar o primado da justiça sobre a segurança”, em casos/situações “limite de tal modo graves que a subsistência da decisão em causa seja susceptível de abalar clamorosamente o princípio da desejada justiça material”.
([6]) Cfr. Abrantes Geraldes, op. cit., p. 406.
([7]) V. Armindo Ribeiro Mendes, op. cit., p. 198.
([8]) Veja-se ainda o citado Ac. STJ de 17-09-2009 (Proc. 09S0318).
([9]) Assim, o sumário do dito Ac. STJ, com itálico aditado.
([10]) Cfr. o regime legal previsto, no plano substantivo, nos art.ºs 392.º a 396.º do CCiv., e, no plano adjetivo, nos art.º 498.º e segs. do NCPCiv..
([11]) Veja-se o disposto nos art.ºs 362.º e segs. e 373.º e segs. do CCiv..