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AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
TESTEMUNHA
FALTA DE TESTEMUNHAS
ADIAMENTO DA INQUIRIÇÃO
Sumário
I - O art. 508.º, n.º 3 do CPC, ao estabelecer o regime a seguir quando falta uma testemunha, não distingue os casos em que a testemunha é a notificar pelo Tribunal ou a apresentar pela parte. II - Não faria sentido que a lei estabelecesse um regime apenas para o caso particular das testemunhas que o tribunal deva notificar, uma vez que, no sistema processual civil vigente, a notificação constitui a exceção, sendo a regra a apresentação das testemunhas pela parte. III - Apenas a falta justificada da testemunha poderá dar lugar ao adiamento da sua inquirição, estando, assim, o adiamento da inquirição dependente da verificação de algum dos requisitos previstos na al. b) do nº 3 do art. 508.º do CPC.
Texto Integral
Apelação n.º 5489/21.1T8MTS-A.P1
Acordam na 3ª secção do Tribunal da Relação do Porto
Em sede de audiência final de discussão e julgamento, ocorrida em 01 de junho de 2023, foi proferido despacho que não admitiu a suspensão da audiência de discussão e julgamento e agendamento de uma nova data, num período inferior a 30 dias, para inquirição da testemunha AA, arrolada pela ré A..., UNIPESSOAL, LDA., testemunha que é a apresentar.
Entendeu-se em tal despacho que tendo em consideração que a testemunha era a apresentar, não seria aplicável qualquer uma das situações previstas no artigo 508.º, n.º 3 do CPC.
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Não se conformando com tal decisão, a ré interpôs o presente recurso, que foi admitido como de apelação, a subir em separado e com efeito meramente devolutivo.
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A apelante apresentou as seguintes conclusões:
“I. Vem o presente recurso interposto do despacho que indeferiu o adiamento da inquirição da testemunha AA, em virtude de considerar que atendendo à testemunha ser a apresentar, não lhe era aplicável o disposto no artigo 508.º, n.º 3, al. b) do CPC.
II. Entende a aqui Recorrente que andou mal o Meritíssimo Tribunal a quo ao considerar que sendo a testemunha a apresentar, não lhe era aplicável o regime previsto no artigo 508.º, n.º 3 do CPC.
III. O Código de Processo Civil, quer numa perspetiva sistemática, quer numa perspetiva literal, não distingue os casos em que a testemunha é a notificar pelo Tribunal, dos casos em que a testemunha é a apresentar pela Parte.
IV. Ora, no caso dos presentes autos, a testemunha AA não compareceu no Tribunal de Oeiras para ser inquirida, porquanto se encontrava em período de gozo de férias, configurando tal situação um caso de impossibilidade temporária, prevista na alínea c) do n.º 3 do artigo 508.º do CPC.
V. O direito da parte se poder socorrer de testemunhas para prova dos factos por esta alegados constitui manifestação do direito ao contraditório, ao abrigo do nº 3 do artigo 3º CPC.
VI. Assim, o legislador, ao não distinguir as situações de testemunhas a apresentar e de testemunhas a notificar, pretendeu a aplicação de um regime uniforme a ambos os casos, não podendo o Tribunal a quo fazer uma distinção que a própria lei não faz.
VII. Sendo dotado de conhecimentos técnicos, a testemunha revela-se essencial para a descoberta da verdade material no âmbito dos presentes autos.
VIII. Violou, assim, o Tribunal a quo o disposto 3.º e 508.º, n.º 3 e, bem assim o artigo 2.º da CRP.
IX. Posto tudo isto, deverá ser reaberta a audiência de discussão e julgamento para, desta forma, permitir-se a inquirição da testemunha AA, arrolada pela Recorrente.
E, consequentemente, deverá ser revogado o despacho recorrido, substituindo-se o mesmo por um despacho que determine a suspensão da audiência de discussão e julgamento, designando-se nova data para a inquirição da testemunha arrolada.
Termos em que, sempre com o douto suprimento de vossas excelências, deverá ser concedido integral provimento ao recurso de apelação ora interposto, e revogado o despacho recorrido, nos termos supra expendidos (…).”.
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O autor/recorrido BB, notificado do recurso interposto, veio apresentar a sua contra-alegação, formulando as seguintes conclusões:
“a) O objecto do recurso consubstancia-se na decisão proferida pelo Tribunal em sede de audiência de julgamento por não ter adiado a mesma para inquirição da testemunha AA, arrolado e a apresentar pela Ré, que não se encontrava presente naquele dia.
b) Entende a Ré que aquela decisão incorre em erro de interpretação ao artigo 508.º/3 do CPC, por ter considerado que, sendo a testemunha a apresentar, não lhe poderá ser aplicável o regime relativo às testemunhas a notificar.
Contudo, não assiste qualquer razão à Ré e Recorrente. Senão vejamos:
c) Sobre a questão e para os efeitos do artigo 508.º/3 b) do CPC de a testemunha ser a apresentar pela Parte vs ser notificada pelo Tribunal, importa salientar que:
c.1) Determina o aludido preceito que “No caso de a parte não prescindir de alguma testemunha faltosa, observa-se o seguinte: (…) b) Se a impossibilidade for meramente temporária ou a testemunha tiver mudado de residência depois de oferecida, bem como se não tiver sido notificado, devendo tê-lo sido, ou se deixar de comparecer por outro impedimento legítimo, a parte pode substituí-la ou requerer o adiamento da inquirição pelo prazo que se afigure indispensável, nunca excedente a 30 dias.
c.2) Entendeu o Tribunal que, uma vez que era a apresentar, a testemunha em causa não poderia ser considerada faltosa, o que é legítimo e válido – e até protector dos princípios da igualdade das partes e justiça, como ao adiante se verá –, tendo suporte jurisprudencial nesse sentido, nomeadamente Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães 14/Abril/2016, processo n.º 3719/10.4TJVNF-A.G1, onde se sumaria que “Só pode ser qualificada como "testemunha faltosa", para os efeitos do artigo 508.º n.º 3 CPC, aquela que, por isso se impor, tenha sido previamente notificada/convocada para comparecer no julgamento, o que não abrange as testemunhas que a parte deva apresentar”,
c.3) pelo que, tal tendo sido plasmado no despacho recorrido, deve ser mantido para todos os efeitos legais, o que desde já se requer.
Por sua vez:
d) O artigo 508.º/1 do CPC estatui que “Findo o prazo a que alude o n.º 2 do artigo 598.º, assiste ainda à parte a faculdade de substituir testemunhas nos casos previstos no n.º 3; a substituição deve ser requerida logo que a parte tenha conhecimento do facto que a determina”.
d.1) Ora, a prezada data para audiência de julgamento já estava agendada há vários meses, mais precisamente desde 16/Fev/2023, ou seja, há cerca de 3 meses e meio, sendo que em a Ré em Março/2023 decidiu voltar a incluir ao rol de testemunhas o Sr. AA.
d.2) Sucede que, desde essa data [Março/2023], a Ré mais nada disse, sendo que, bem poderia – e deveria, em cumprimento do transcrito preceito legal – ter vindo aos autos informar da alegada indisponibilidade da testemunha por alegadamente ir de férias na data agendada para a audiência de julgamento.
d.3) Ao invés, a Ré optou por apenas informar o Tribunal no próprio dia do julgamento apenas que testemunha está de férias… [e não logo que tiveram conhecimento do facto que determinaria a impossibilidade, provavelmente, aquando da marcação das férias]. E fê-lo apesar de, tal como a testemunha, bem saber – e não poder desconhecer – da existência e data da audiência do julgamento, com atenção reforçada da mesma, ademais quando foi adicionada ao rol, substituída e novamente adicionada.
d.4) Ao assim actuar, violaram as regras de produção de meios de prova, nomeadamente o artigo 508.º/1 do CPC, tendo, deste modo, andado bem o Tribunal ao não admitir marcação de nova data de julgamento para inquirição desta testemunha, pelo que deve o presente recurso improceder, o que novamente se requer.
Sem prescindir:
e) O facto de a Ré apenas ter informado o Tribunal na própria audiência de julgamento e não quando teve conhecimento da alegada impossibilidade de comparência da dita testemunha, tem como consequência a obtenção de uma vantagem manifestamente ilícita, por demais injusta e desequilibradora da exigência (legal) de uma posição de igualdade das partes, sendo irrelevante se tal vantagem ilícita foi intencional ou involuntária...
e.1) É que apesar de o ónus de prova não ser seu, o Autor crê que, também através da sua prova testemunhal, conseguiu contrariar, quer a testemunha apresentada pela Ré, quer, de sobremaneira, o teor do relatório que a Ré apresentou para justificar o não accionamento da garantia, confirmando, para além do demais, que agiu em total conformidade e cuidado com o que lhe era exigido e que a avaria no seu veículo não procedeu, de todo, de acto ou conduta sua.
e.2) Ora, revogando-se o despacho recorrido e marcando-se nova data para inquirição da testemunha, esta será inquirida, não no dia agendado e previsto para audição de todas as testemunhas, mas sim em momento posterior, munida e conhecedora de todas as questões que lhe irão ser colocadas, bem como da estratégia do Autor e fragilidade do documento que a Ré apresentou como relatório, podendo, assim, preparar-se e defender-se a latere do que se pretende da inquirição de uma testemunha,
e.3) o que, com o devido respeito, não é admissível, assim devendo-se manter o indeferimento da marcação de nova data de audiência de julgamento, o que, também por esta ordem de razões, se requer.
Ainda sem prescindir:
f) Da conjugação dos artigos 508.º/3 e 508.º/1, ambos do CPC, exige-se:
f.1) para além da substituição de testemunha dever ser requerida atempadamente [quando se tenha conhecimento da impossibilidade – 508.º/1], uma demonstração cabal da impossibilidade temporária [508.º/3] – e não uma mera alegação no próprio dia do julgamento –, sob pena de:
• serem as próprias partes a decidirem quem, quando e em que condições é que uma testemunha será inquirida; e, igualmente,
• caso assim não fosse, serem as próprias Partes, e não o Tribunal, a decidirem o “andamento” do processo, (ab)usando de impossibilidades temporárias a seu belo e único proveito, assim podendo constituir um evidente expediente dilatório.
f.2) De facto, seria fácil para as Partes, porque assim meramente lhes convinha, adiar e suspender audiências de julgamento, prolongar ab eternum processos, decidir qual e quando é que a testemunha seria inquirida [bem como em que condições, assim obtendo a mencionada vantagem ilícita, desigual e injusta]. Para o efeito, bastar-lhes-ia alegar, por exemplo, que certa testemunha está de férias…
f.3) Neste sentido – da necessidade de provar a exigida impossibilidade temporária – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/Março/2021 [processo n.º 131/16.5T8MAI-B.P1.S1], porquanto, citando sumário de acórdão do Tribunal da Relação, refere com destaque nosso que “IV - A falta justificada de testemunha poderá dar apenas lugar ao adiamento da sua inquirição (ou à sua substituição), adiamento que estará dependente da verificação de algum dos requisitos previstos na al. b) do nº 3 do art. 508 do CPC, sendo ademais necessário que a parte não prescinda da mesma (…) Foi nesse contexto que se decidiu rejeitar o pedido formulado pelo facto de, afinal, não existir “qualquer prova do motivo de impossibilidade de comparência das mesmas na data designada para a audiência de julgamento no dia de hoje”.
f.4) Ora, face ao exposto e inexistindo in casu qualquer prova do motivo de impossibilidade de comparência daquela testemunha [AA] na data designada para a audiência de julgamento – outrossim, reitere-se, uma mera alegação na própria audiência que a mesma estaria de férias, não tendo nenhum outro e adicional elemento ou documento sido apresentado ou alegado a este respeito –, não é admissível a marcação de nova data de julgamento para inquirição da testemunha, pelo que não violou o despacho recorrido o artigo 508.º do CPC ou outro qualquer, devendo, neste seguimento, julgar-se o recurso improcedente, o que se volta a requerer.
Por fim:
h) Outra das razões pelas quais deve o recurso em crise improceder é o facto de a inquirição da testemunha, aparentemente, não ser essencial para a descoberta da verdade ou sequer indispensável para o Tribunal forma a sua convicção.
h.1) Tanto assim é que na primeira data designada para audiência de julgamento [para 16/Fev/2023] nem a testemunha em causa constava do rol de testemunhas, dado ter sido substituída anteriormente pela própria Ré / Recorrente.
h.2) Neste sentido, cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 22/Junho/2004 [processo n.º 913/04-1], onde se sumaria que “3. Perante a falta de testemunhas a apresentar, (…) terá de ponderar a situação de molde a certificar-se se a inquirição é indispensável a formar a sua convicção (…) 5. No caso negativo, consigna na acta que não é necessária a sua inquirição para a descoberta da verdade”.
h.3) Pelo que, também por este argumento, deve o recurso improceder e o despacho recorrido se manter, o que, nova e expressamente, se requer.
Com efeito,
i) face ao tudo in supra exposto, afigura-se que não assiste razão à Recorrente, não merecendo qualquer censura o doutamente decidido e devendo, por conseguinte, tal despacho ser mantido e o recurso improceder.”.
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Decidindo:
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.
Atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, a única questão a decidir é saber se deve, ou não, ser admitida a inquirição da testemunha faltosa, com a suspensão da audiência de julgamento e designação de uma nova data para o efeito, apesar de a testemunha ser a apresentar pela parte.
Sobre as consequências do não comparecimento da testemunha dispõe o Código de Processo Civil (CPC), no art. 508.º, e no que para o caso interessa, o seguinte:
“1 - Findo o prazo a que alude o n.º 2 do artigo 598.º, assiste ainda à parte a faculdade de substituir testemunhas nos casos previstos no n.º 3; a substituição deve ser requerida logo que a parte tenha conhecimento do facto que a determina.
2 - A falta de testemunha não constitui motivo de adiamento dos outros atos de produção de prova, sendo as testemunhas presentes ouvidas, mesmo que tal implique alteração da ordem referida na primeira parte do n.º 1 do artigo 512.º.
3 - No caso de a parte não prescindir de alguma testemunha faltosa, observa-se o seguinte:
(…)
b) Se a impossibilidade for meramente temporária ou a testemunha tiver mudado de residência depois de oferecida, bem como se não tiver sido notificada, devendo tê-lo sido, ou se deixar de comparecer por outro impedimento legítimo, a parte pode substituí-la ou requerer o adiamento da inquirição pelo prazo que se afigure indispensável, nunca excedente a 30 dias;
(…)”.
Posto isto, resulta dos autos que a testemunha faltosa era a presentar pela parte, não compareceu no dia designado para a audiência de discussão e julgamento, não tendo apresentado qualquer justificação, a não ser a informação, dada pelo ilustre mandatário da parte que arrolou a testemunha, de que estaria de férias.
Nas suas alegações, a recorrente refere que andou mal o Tribunal a quo ao considerar que sendo a testemunha a apresentar, não lhe era aplicável o regime previsto no artigo 508.º, n.º 3 do CPC, já que o Código de Processo Civil, quer numa perspetiva sistemática, quer numa perspetiva literal, não distingue os casos em que a testemunha é a notificar pelo Tribunal, dos casos em que a testemunha é a apresentar pela Parte, sendo que no caso dos presentes autos, a testemunha AA não compareceu no Tribunal de Oeiras para ser inquirida, porquanto se encontrava em período de gozo de férias, configurando tal situação um caso de impossibilidade temporária, prevista na alínea c) do n.º 3 do artigo 508.º do CPC.
Ora, tendo em conta o teor do preceito citado supra, entende-se que assiste razão à recorrente quando refere que o art. 508.º, nº 3 do CPC, não distingue os casos e que a testemunha é a notificar pelo Tribunal ou a apresentar pela parte.
Concordamos, quanto a esta questão, com o que foi decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo 2330/17.3T8ALM.L1-7, de 12-03-2019, disponível no site da dgsi, que passamos a citar:
“«Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado» - art. 417, nº 1, do CPC. Esta regra aplica-se às testemunhas, independentemente da forma como sejam chamadas a juízo. Sejam notificadas pelo tribunal, sejam apresentadas por outro ator processual, todas as pessoas têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, o que implica desde logo o dever de comparecer em tribunal, não só quando notificadas para tal, mas também quando lhes seja pedido por uma parte. Trata-se de um dever jurídico, independentemente de a sua coercibilidade poder ser diversa se a parte tiver atempadamente pedido ao tribunal a notificação da testemunha.
Nos termos do disposto no art. 507, n.º 2, do CPC, as testemunhas são apresentadas pelas partes, salvo se a parte que as indicou requerer, com a apresentação do rol, a sua notificação para comparência ou inquirição por teleconferência. As testemunhas que as partes devam apresentar não são notificadas (n.º 3 do mesmo artigo).
A norma do n.º 2 do art. 507 foi introduzida no ordenamento pelo CPC de 2013. Face ao anterior Código (de 1961), as testemunhas seriam notificadas pelo tribunal, a menos que a parte se comprometesse a apresentá-las. Com o Código de 2013, a regra passou a ser a inversa: nada dizendo a parte, esta tem o ónus de apresentar a testemunha, sob pena de a mesma não ser ouvida.
A regra é, portanto, a de as testemunhas serem apresentadas pela parte que as arrola.
Os subsequentes artigos, 508 a 510 do CPC, estabelecem o regime a seguir quando uma testemunha não comparece, aplicando-se quer se trate de testemunha notificada, quer de testemunha a apresentar, uma vez que as normas em causa não distinguem e não faria sentido que, sem que isso fosse explicitado, se estabelecesse um regime apenas para o caso particular das testemunhas que o tribunal deva notificar e que, no sistema processual civil vigente, constitui a exceção.
A falta de testemunha não constitui motivo de adiamento dos outros atos de produção de prova, sendo as testemunhas presentes ouvidas, mesmo que tal implique alteração da ordem referida na primeira parte do n.º 1 do artigo 512 (n.º 2 do art. 508 do CPC). Ou seja, não é possível, à luz do direito processual civil português vigente, o adiamento do julgamento por falta de uma testemunha. Já não o era à luz do CPC-1961 desde as alterações que o DL 183/2000, de 10 de agosto, introduzira no seu art. 651, n.º 1, al. b) (CPC-1961). Do que se trata no presente recurso não é, portanto, do adiamento do julgamento. Faltando uma testemunha, o julgamento não pode ser adiado com esse fundamento. Pode, porém, ser suspenso para se permitir a inquirição dessa testemunha noutra altura, nunca além de 30 dias. Trata-se do que a lei designa por «adiamento da inquirição» da testemunha, permitindo que se efetue por uma única vez, salvo acordo das partes (art. 509 do CPC). Ou seja, havendo acordo das partes, poderá haver mais do que um adiamento da inquirição da mesma testemunha; na falta de acordo, apenas haverá um adiamento da inquirição. Em todo o caso, o dito adiamento estará dependente da verificação de algum dos requisitos previstos na al. b) do n.º 3 do art. 508 do CPC.
Com efeito, nos termos do disposto no citado n.º 3, al. b), no caso de a parte não prescindir de alguma testemunha faltosa, se a impossibilidade for meramente temporária ou a testemunha tiver mudado de residência depois de oferecida, bem como se não tiver sido notificada, devendo tê‐lo sido, ou se deixar de comparecer por outro impedimento legítimo, a parte pode substituí-la ou requerer o adiamento da inquirição pelo prazo que se afigure indispensável, nunca excedente a 30 dias.
Assim será, seja uma testemunha que o tribunal tenha notificado ou devesse ter notificado, seja uma testemunha cuja apresentação estivesse a cargo da parte, pois a lei não distingue (ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus), e sobre todas as testemunhas, independentemente do tipo de chamamento a juízo, impende o dever de colaborar na descoberta da verdade (um dos contrapontos do direito a uma tutela jurisdicional efetiva). (…).”.
Como referido, concordamos inteiramente com esta posição, uma vez que se entende que a lei, no preceito citado, não distingue entre testemunhas a apresentar ou testemunhas a notificar.
Contudo, o art. 508.º, nº 3, al. b) do CPC, não se limita a permitir à parte que indicou a testemunha faltosa, que requeira o adiamento da respetiva inquirição, impondo-lhe, ainda, a declaração de que não prescinde do seu depoimento e exigindo a verificação das condições previstas no mesmo preceito, como sejam, ser a impossibilidade de comparência meramente temporária, a testemunha ter mudado de residência depois de oferecida, a testemunha não ter sido notificada quando deveria tê-lo sido, ou a testemunha deixar de comparecer por outro impedimento legítimo.
Ou seja, apenas a falta justificada da testemunha poderá dar lugar ao adiamento da sua inquirição (ou à sua substituição), sendo que o adiamento da inquirição estará, assim, dependente da verificação de algum dos requisitos referidos, previstos na al. b) do nº 3 do art. 508.º do CPC.
No caso, resultando que a parte não prescinde do depoimento da testemunha faltosa e que se trata de uma impossibilidade de comparência temporária, e não se aplicando nenhuma das outras situações referidas, a situação deve ser enquadrada na previsão de a testemunha não ter comparecido/sido apresentada por algum impedimento legítimo.
Ora, o motivo para a falta da testemunha será que a mesma se encontraria em gozo de férias, sem qualquer prova ou outra justificação, nomeadamente desde quando e até quando, ou desde quando era conhecida da testemunha a data do gozo das férias, ou o local onde estava a gozar férias era no estrangeiro e não tinha possibilidade de se deslocar ao tribunal ou, pelo contrário, era em Portugal e teria a possibilidade de ser ouvida, uma vez que o nº 1 do art. 508.º dispõe que a substituição deve ser requerida logo que a parte tenha conhecimento do facto que a determina, o que vale também para o adiamento da inquirição previsto no n.º 3 do preceito.
Na situação dos autos, entende-se que não se mostra cumprida a previsão do art. 508.º, nº 3, al. b) do CPC, não se mostrando, nomeadamente, comprovado o impedimento legítimo da testemunha comparecer, já que não pode ser qualquer falta a justificar o adiamento da inquirição, mas apenas uma falta justificada por algum motivo legítimo.
Dizer simplesmente que a testemunha estará de férias, sem qualquer outra especificação, sem qualquer prova documental, não se afigura suficiente para se considerar estarmos perante um motivo legítimo.
Deste modo, terá que improceder o recurso e manter-se a decisão recorrida.
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Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar a apelação interposta do despacho proferido na audiência final totalmente improcedente, mantendo a decisão recorrida de não suspender a audiência e designar nova data para inquirição da testemunha faltosa.
Custas pela recorrente.
Porto, 2023-10-25
Manuela Machado
Francisca Mota Vieira
Paulo Duarte Teixeira