CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES DE MENOR GRAVIDADE
CRIME DE ROUBO
CRIME DE COAÇÃO
CONCURSO APARENTE
CONSUNÇÃO
Sumário

I - Face à quantidade e qualidade de produto estupefaciente apreendido (para além do mais cocaína com o peso total líquido de 159,559 gramas, com um grau de pureza de 77%, suscetível de ser dividida em 614 doses, à perigosidade do mesmo (“droga dura”), não podendo olvidar-se quanto às circunstâncias da detenção, a apreensão de uma balança de precisão, estamos no caso em apreço perante um crime de tráfico p.p pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22/1, e não perante um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º do mesmo diploma.
II – A detenção por parte do arguido de “oito porções, vulgos “sabonetes”, de canabis (resina), envoltas individualmente em celofane, como o peso total líquido de 769,943 gramas, com um grau de pureza de 19,9% (THC), suscetíveis de ser dividida em 3064 doses; ”, num contexto em que também lhe são apreendidos sacos plásticos incolores, um rolo de fita cola de cor castanha e uma balança de bolso digital, não obstante estar em causa cannabis, encerra em si uma ilicitude que não se revela “consideravelmente diminuída”, como prevê o tipo de tráfico de menor gravidade previsto no artigo 25º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de janeiro, mas que se enquadra ainda no parâmetro do tipo base do artigo 21º, do mesmo diploma, sendo a gradação da ilicitude oportunamente ponderada na determinação da pena dentro da moldura penal deste preceito.
III - Nos casos em que a coação seja o meio típico utilizado para a entrega da coisa, verifica-se uma relação de concurso aparente (consunção) entre o crime de roubo e o crime de coação; porém no caso dos autos, a imputação e subsequente condenação pelo crime de coação resultou de factos praticados por um dos arguidos, posteriormente à entrega do dinheiro por parte da vítima.
IV – Também não estamos perante factos posteriores não punidos integrados porque na mesma resolução criminosa do crime de roubo, pois a vítima da ação coativa é uma pessoa diferente da vítima da coação utilizada para a apropriação dos valores em dinheiro.

Texto Integral

Proc. nº1168/20.JABRG.P1
1ª secção criminal




Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:


I – RELATÓRIO:

No processo comum (tribunal colectivo), do Juízo Local Criminal do Porto, Juízo Central Criminal do Porto, Juiz 5, os arguidos AA, BB, CC, DD, EE, FF e GG, foram submetidos a julgamento e a final foi proferido acórdão de cuja parte decisória consta o seguinte:
(…)
I - Em julgar parcialmente procedente, por parcialmente provada, a acusação pública/pronúncia e, em consequência:

- Arguido AA:
a) absolvem o arguido AA da prática, em co-autoria com os demais arguidos, de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo artigo 299.º, nºs 1, 2, 3 e 5 do Código Penal;
b) absolvem o arguido AA da prática, em autoria material, de seis crimes de falsificação de documento agravados, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas a), e) e f), e n.º 3, por referência ao disposto no artigo 255.º, alínea a), ambos do Código Penal;
c) absolvem o arguido AA da prática, em co-autoria, de um crime de coacção grave, p. e p. pelos artigos 154.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a), por referência ao artigo 131.º, todos do Código Penal;
d) absolvem o arguido AA pela prática, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º1, alíneas c), e), por referência ao disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alíneas p), q), x), az), aad), n.º 2, alínea l), n.º 3, alíneas o), p), ab), ac), todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro;
e) condenam o arguido AA da prática, em co-autoria, de um crime de roubo agravado, p. e p. pelo artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), este por referência ao disposto no artigo 204.º, n.º 2, alínea a) e ao artigo 202.º, al. b), todos do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão;
f) condenam o arguido AA pela prática, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º1, alínea c), por referência ao disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alíneas p), q), x), az), aad), n.º 2, alínea l), n.º 3, alíneas o), p), ab), ac), todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão;
g) (por convolação de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro), condenam o arguido AA pela prática, em autoria material, de um crime tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-B e I-C anexas àquele diploma, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;
h) Em CÚMULO JURÍDICO das penas parcelares aplicadas em e), f) e g), condenam o arguido AA na PENA ÚNICA de 8 (oito) anos de prisão.

(…)
. Arguido DD:

a) absolvem o arguido DD pela prática, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. c), por referência ao artigo 2.º, n.º 1, alíneas aad), por referência às alíneas p) e q), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro (com as alterações introduzidas pela Lei n.º 50/2019, de 24 de julho);
b) (por convolação de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro), condenam o arguido DD pela prática, em autoria material, de um crime tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-B e I-C anexas àquele diploma, na pena de 2 (dois) anos de prisão;
c) condenam o arguido DD pela prática, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. c), por referência ao artigo 2.º, n.º 1, alíneas x) e az) e ao artigo 3.º, n.º 2, al. l), todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro (com as alterações introduzidas pela Lei n.º 50/2019, de 24 de julho), na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão;
d) Em CÚMULO JURÍDICO das penas parcelares aplicadas em b) e c), condenam o arguido DD na PENA ÚNICA de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão cuja execução se suspende por igual período.

. Arguido EE:

a) absolvem o arguido EE da prática, em co-autoria com os demais arguidos, de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo artigo 299.º, nºs 1, 2 e 5 do Código Penal;
b) absolvem o arguido EE da prática, em co-autoria, de um crime de falsificação de documento agravado, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas a), e) e f), e n.º 3, por referência ao disposto no artigo 255.º, alínea a), ambos do Código Penal;
c) condenam o arguido EE pela prática, em co-autoria, de um crime de roubo agravado, p. e p. pelo artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), este por referência ao disposto no artigo 204.º, n.º 2, alínea a) e também ao artigo 202.º, al. b), todos do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão;
d) condenam o arguido EE pela prática, em co-autoria, de um crime de coacção grave, p. e p. pelos artigos 154.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a), por referência ao artigo 131.º, todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão;
e) Em CÚMULO JURÍDICO das penas parcelares aplicadas em c) e d), condenam o arguido EE na PENA ÚNICA de 7 (sete) anos e 3 (três) meses de prisão.

(…)

*

Inconformados, interpuseram recurso os seguintes arguidos e o Magistrado do MP, formulando respectivamente as seguintes conclusões:
(…)
Arguido EE

(…)
47. Ainda que toda a matéria de facto se mantenha inalterada, entende o recorrente que a conduta que lhe é imputada no dia 19.09.2021 não se subsume no crime de coação grave pelo qual foi condenado.
48. No caso sub judice a putativa coação grave pela qual foi o recorrente condenado subsume-se no facto de o deste ter empunhado uma arma aparente na direção da testemunha HH.
49. Entendeu o tribunal que “o empunhar do referido objeto cujas concretas características se não logrou apurar, mas aparentado ser uma arma de fogo”, “coartou a sua liberdade de determinação”.
50. A experiência diz-nos que não é usual depois de um roubo após os agentes do crime se ausentarem, as vítimas ou transeuntes, como é o caso de HH, saírem no seu encalce. O que pretendiam? Reaver o que havia sido roubado? Impedir a sua fuga?
51.Não parece um comportamento lógico e consciente saírem em direção de homens, que no seu entender estavam armados.
52. Mais insólito ainda é terem ato contínuo aberto as portas do veículo onde se encontravam os arguidos hipoteticamente armados.
53. Potenciou a reação do recorrente que aparentemente já teria concluído o seu objetivo.
54. Deste modo, não se entender que houve coação, “mediante ameaças ou ofensas corporais simples, exercidas imediatamente a seguir à execução de o roubo e com o único objetivo de impedir a perseguição, são consumidas pela punição do roubo” (Cfr. Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal- Parte Especial, Tomo I , Artigos 131º a 201º, pg. 368).
55. Visto que não parece existir uma nova resolução criminosa antes uma continuação da concretização do ilícito criminal.
56. Nesse caso não houve uma nova resolução criminosa, mas sim a continuação da resolução criminosa do crime de roubo por parte do recorrente dirigida a HH.
57. O objetivo com o seu comportamento, num primeiro momento nunca foi assustar ou constranger HH, mas sim defender o que tinha acabado de realizar.
58. Abrir a porta do mercedes a testemunha HH já tinha aberto, olhar para o interior do mercedes a HH já o tinha feito e, atenta a indumentária utilizada era impossível que a testemunha conseguisse identificar o recorrente, pelo que a ação deste nunca poderia ser dirigida a evitar a sua identificação.
59. Por último, a atitude da HH não era suficiente para impedir a fuga não estava porque o carro podia perfeitamente arrancar em fuga com a porta aberta, até porque a testemunha estava numa posição lateral à viatura e não obstava ao seu arranque e fuga.
60. Assim, entende-se que não estamos perante um crime de coação e, nessa medida, deve ser o recorrente absolvido deste ilícito pelo qual foi condenado, com a devida consequência legal na pena que lhe foi aplicada.
61. De outra sorte, caso se entenda que o recorrente cometeu o crime de coacção grave pelo qual foi condenado, defendemos a doutrina de Taipa de Carvalho, no sentido de a coação ser motivada pelo receio justificado de perder o que tinham roubado ou não conseguir efetivar a fuga.
62. Logo, há uma consunção entre o crime de roubo e crime de coação, uma vez que “o conteúdo de um ilícito-típico inclui em regra o de outro facto, de tal modo que, em perspetiva jurídico-normativa, a condenação pela ilícito-típico mais grave exprime já de forma bastante o desvalor de todo o comportamento” (Cfr. Direito Penal- Parte Geral, Tomo I-Questões Fundamentais, A doutrina Geral do Crime, de Jorge de Figueiredo Dias, pg. 1001).
63. A consunção, no caso sub judice, consiste numa consunção pura visto que o crime mais grave consume um facto posterior menos grave, ora neste caso o crime de roubo seguiu-se de uma coação.
64. Ora, o regime jurídico do concurso de norma consiste em aplicar o regime punitivo do crime dominante, destarte consiste em aplicar o regime de roubo.
65. Assim, no caso sub judice, a entender-se que o recorrente cometeu o crime de coacção grave pelo qual foi condenado deve considerar-se que existe consunção entre o crime de roubo e crime de coação, pelo que se impõe revogar a decisão nesta parte.
(…)

Recurso do MINISTÉRIO PÚBLICO

1 – O douto Tribunal Colectivo recorrido condenou (por convolação) os arguidos AA, e DD pela prática, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, do art.º 25.º, al. a), do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro, por referência às Tabelas I-A e I-B anexas àquele diploma legal, na pena, de 2 anos de prisão (efectiva);
2 – O Ministério Público não se conforma com a qualificação jurídica dos factos dados como provados, como tráfico de menor gravidade, pois deduzira acusação pelo crime de tráfico de estupefacientes do art.º 21.º do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro e, por via dessa convolação, com as penas que foram aplicadas aos referidos arguidos.
3 – Com efeito, entende do Ministério Público que esses arguidos devem ser condenados, dentro da moldura prevista no art.º 21.º do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, entre 4 anos e 6 meses e 5 anos e 6 meses de prisão efectiva.
4 – O caminho seguido pela douta decisão recorrida não segue o modelo de qualificação jurídica consagrada na lei, pois que, como sucede com os art.os 21.º, 24.º e 25.º do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, se o legislador prevê, no mesmo domínio, um tipo simples, acompanhado de um tipo privilegiado e um tipo agravado, é no crime simples ou no crime-tipo que desenha a conduta proibida enquanto elemento do tipo e prevê o quadro abstracto de punição dessa mesma conduta.
5 – Nos tipos privilegiado e qualificado, define, depois, os elementos atenuativos ou agravativos que modificam o tipo base, conduzindo a outros quadros punitivos.
6 – E só a verificação afirmativa, positiva desses elementos atenuativo ou agravativo é que permite o abandono do tipo simples.
7 – Sem recurso neste procedimento ao princípio do in dúbio pro reo.
8 – Assim, verificando-se os elementos do tipo base do art.º 21.º do diploma em causa, verifica-se esse mesmo crime e só se corporizará o crime agravado, por força do art.º 24.º, se se verificarem as circunstâncias das suas diversas alíneas, limitando-se o corpo do artigo a dispor que «as penas previstas nos artigos 21.º e 22.º são aumentadas de um quarto nos seus limites mínimo e máximo se:», não deixando, assim, dúvidas quanto ao modelo acima descrito, uma vez que dispensa por completo a descrição da conduta proibida e condicionando a agravação à verificação (positiva e concreta) das circunstâncias que de seguida enuncia, como só se verificará o crime privilegiado, ou tráfico de menor gravidade, por força do art.º 25.º, “se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações a pena é de:…» não deixando, assim e também aqui, dúvidas quanto ao modelo acima descrito, uma vez que dispensa por completo a descrição da conduta proibida e condiciona as penas menos graves à verificação (positiva e concreta) de uma ilicitude do facto consideravelmente diminuída.
9 – Assim tem sido entendido na Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores.
10 – Não podendo fazer caminho uma posição, que se vem insinuando, de alcandorar o tráfico de menor gravidade do art.º 25.º a crime base, substituindo o verdadeiro crime base que é, como se analisou, o crime de tráfico do art.º 21.º.
11 – Como se adiantou, só a verificação (positiva e concreta) de uma ilicitude do facto consideravelmente diminuída, «tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações» permite a aplicação ao caso das molduras atenuadas das alíneas a) e b) do falado art.º 25.º.
12 – E, neste mesmo sentido, vai igualmente a Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores.
13 – No início da consideração da questão da qualificação, o Tribunal recorrido parece aderir à posição indicada dos Tribunais Superiores, logo a seguir diz que “O tipo privilegiado, previsto no artigo 25.º, constitui uma “válvula de segurança do sistema”, destinado a evitar que se parifiquem os casos de tráfico menor aos de tráfico importante e significativo”, o que constitui um entorse ao esquema legal, pois, como se viu, o art.º 21.º – crime simples – não se refere (só, nem principalmente) ao tráfico importante e significativo, de que se ocupa primordialmente o tráfico agravado previsto no art.º 24.º.
14 – Aquela afirmação do Tribunal recorrido traduz objectivamente uma normalização da posição de que afinal o regime regra é o do tráfico de menor gravidade ficando o crime do art.º 21.º, para os crimes de tráfico importante e significativo, o que não corresponde ao modelo gizado pelo DL n.º 15/93, pelo que, no entender do Ministério Público, não pode subsistir.
15 – Entende-se, aliás, que a mera comparação da factualidade apurada nestes autos, como os exemplos que a Jurisprudência dos Tribunais Superiores nos dá, e de que se dá nota no texto desta motivação, que podem e devem funcionar como padrões a sopesar, afastam a conclusão tirada pelo douto Colectivo de que se está perante um crime de tráfico de menor gravidade.
16 –Relembremos, para além, dos exemplos dados, os critérios que vem sendo seguidos pelos Tribunais Superiores que se dá conta no texto da motivação e cuja aplicação conduz ao mesmo resultado.
17 – Mas, importa sublinhar que a douta decisão recorrida não identificou concreta e precisamente, não especificou quais as circunstâncias que entendeu diminuírem consideravelmente a ilicitude do facto.
18 – Limitou-se a retomar parte dos factos provados e sublinhar, que: (i) os se referem a uma actuação dos arguidos AA e DD circunscrita ao dia 7 de Outubro de 2021, não vindo apurados (nem imputados) quaisquer outros episódios do género; (ii) É certo que a quantidade de droga detida por cada um dos arguidos AA (no total de 1,722 gr de canabis e 321,562gr de cocaína) e DD (no total de769,943gr de canabis),é bastante elevada, mas tal, por si só, não assume dimensão indiciadora duma actividade de tráfico organizada, sofisticada e levada a cabo numa área geográfica abrangente. (realçada e sublinhado agora) (iii) É certo, também, que nos veículos Mitsubishi e Hyundai, utilizados pelo arguido AA, foram encontradas balanças de precisão e na posse de ambos os arguidos foram encontrados rolos de sacos plásticos e de fita-adesiva, artigos habitualmente utilizados na actividade de venda de produtos estupefacientes (realçado e sublinhado agora) (iv) todavia, as quantias monetárias que lhes foram apreendidas (€1.000,00 ao arguido AA e €1.040,00 DD) não sendo denunciadoras de uma actividade de venda, são enquadráveis dentro do padrão de vida dos ora arguido e acima melhor explanado.
19 – Mas, estas considerações são de índole negativa, destinadas – no desenvolvimento da posição que se identificou acima – de afastar a especial gravidade da conduta em apreciação e não de índole positiva, construtiva capazes de demonstrar a considerável diminuição da ilicitude da conduta, como soía, para concluir pelo tráfico de menor gravidade.
20 – Sendo que o douto Colectivo – na mesma atitude dogmática que não respeita o modelo legal – concluiu, somente a partir destas asserções, que: «não assume dimensão indiciadora duma actividade de tráfico organizada, sofisticada e levada a cabo numa área geográfica abrangente»
21 – Ou seja, concluir negativamente que não se tratava do tal “actividade de tráfico organizado sofisticado levado a cabo numa área geográfica abrangente” (o único que no seu entender explicito cabe no art. 21.º do DL n.º 15/93, ao arrepio, a nosso ver, desse mesmo normativo), e, depois, concluir, por exclusão de partes, que, não sendo o crime do art.º 21.º, se trata de tráfico de menor gravidade; «este quadro factual permite – parece-nos – enquadrar a actividade de venda de estupefacientes levada a cabo pelo arguido II num cenário de “pequena venda”, a apontar para a existência de uma situação de ilicitude consideravelmente diminuída..»
22 – Quando a conclusão deve baseada na afirmação e prova positiva de circunstâncias de onde resulte a considerável diminuição da ilicitude, o que não acontece no caso sujeito.
23 –Da qualidade(cocaína)e quantidade das substâncias em causa não se pode concluir pela considerável diminuição da ilicitude do facto.
24 – O mesmo se diga das circunstâncias da actividade dos arguidos, na descrição da douta sentença:
– foram encontradas balanças de precisão e na posse de ambos os arguidos foram encontrados rolos de sacos plásticos e de fita-adesiva, artigos habitualmente utilizados na actividade de venda de produtos estupefacientes, dinheiro com significado e quantidades de cocaína e canábis que o tribunal recorrido classificou de elevadas.
25 – Nada vem positivamente provado quanto ao destinar os arguidos parte das substancias(quais?) para seu consumo, não sendo lícito, como se viu, o recurso ao princípio do in dubio pro reo, para o privilegiamento da qualificação da conduta.
26 – E que devem os arguidos ser condenados nesse quadro do art.º 21.º n.º 1 já referido.
27- Como bem decidiu o STJ no Ac. de 12/07/2007, proc. n.º 07P2084, relator: Cons. Santos Carvalho, cujo sumário se mostra transcrito acima, neste ponto n.º 4.4., as condições específicas de acção de cada arguido, dentro da actividade desenvolvida, vão, depois, determinar a pena concreta a aplicar, no quadro da moldura penal abstracta que corresponde ao crime simples (crime-base) de tráfico de droga do art.º 21.º do DL n.º 15/93 de 22 de Janeiro, entendendo o Ministério Público, que a pena se deve situar entre 4 anos e 6 meses e 5 anos e 6 meses efectiva.

(…)
*
Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
*
O acórdão recorrido deu como provados e não provados os seguintes factos, seguidos da respectiva motivação:
(…)
2.1.1. CONSTANTE DO DESPACHO DE PRONÚNCIA/ACUSAÇÃO PÚBLICA:

1 - O arguido AA dispunha de vários veículos automóveis, nos quais estavam apostas matrículas falsas, os quais foram utilizados por si e alguns dos quais colocou à disposição dos arguidos CC, BB e EE.
2 - O arguido AA utilizava o veículo automóvel da marca Hyundai, modelo ..., com a matrícula ..-DF-.., pertencente à sua companheira JJ, o veículo ..., com a matrícula ..-RS-.., o qual disponibilizou ao arguido CC, e o veículo BMW ..5, com a matrícula .... BNJ.
3 - O arguido AA encontrava-se na posse das viaturas:
- da marca Mitsubishi, modelo ..., com o n.º de chassis ...75, à qual se encontrava legalmente atribuída a matrícula ..-JR-.. (viatura esta que havia sido alvo de furto no dia 5 de novembro de 2019);
- da marca Renault, modelo ..., com o n.º de chassis ...50, à qual se encontrava legalmente atribuída a matrícula ..-NI-.. (viatura esta que havia sido alvo de furto a 2 de março de 2020);
- da marca Mercedes ... com o n.º de chassis ...94, à qual se encontrava legalmente atribuída a matrícula ..-DV-.. (viatura esta que havia sido alvo de roubo no dia 27 de novembro de 2020);
- da marca Volvo, modelo ..., com o n.º de chassis ...45, à qual se encontrava legalmente atribuída a matrícula ..-UH-.. (viatura esta que foi alvo de furto no dia 29 de junho de 2020);
- da marca Audi ..., ..., de cor branca, com o n.º de chassis ...52, à qual se encontrava legalmente atribuída a matrícula ..-VC-.. (viatura esta que foi alvo de furto no dia 12 de março de 2020);
- da marca Seat, modelo ..., à qual se encontrava legalmente atribuída a matrícula ..-RS-..;
4 – Indivíduo(s) cuja(s) identidade(s) não se apurou(apuraram), apôs(apuseram):
- no referido veículo de marca Mitsubishi, modelo ..., com o n.º de chassis ...75, a matrícula com os dizeres ...2 VX, em vez da matrícula ..-JR-.., que era a que se lhe encontrava legalmente atribuída;
- no referido veículo da marca Mercedes, com o n.º de chassis ...94, a matrícula francesa com os dizeres ..-..1-FW e também a matrícula ...-SGH-..2, em vez da matrícula ..-DV-.., que era a que se lhe encontrava legalmente atribuída;
- no referido veículo da marca Volvo, modelo ..., com o n.º de chassis ...45, a matrícula belga com os dizeres TA 8195, em vez da matrícula ..-UH-.., que era a que se lhe encontrava legalmente atribuída, além de terem procedido à extração de recorte com a gravação do respetivo número de série original e posterior substituição por outro (...96), extraído de veículo da mesma marca, e por remoção da placa de identificação;
- no referido veículo da marca Audi, modelo ..., ..., com o n.º de chassis ...52, a matrícula com os dizeres ..-..4-RG, em vez da matrícula ..-VC-.., que era a que se lhe encontrava legalmente atribuída, além de terem procedido à extração de recorte com a gravação do respetivo número de série original e posterior substituição por outro (WAUZZZ8T7AA067865), extraído de veículo da mesma marca, e por remoção da placa de identificação;
- no referido veículo da marca Seat, modelo ..., a matrícula com os dizeres ..-VL-.., em vez da matrícula ..-RS-.., que era a que se lhe encontrava legalmente atribuída.
5 – Os arguidos AA, BB, CC e EE começaram a realizar ações de vigilância a caixas ATM – com particular atenção aos horários nos quais os veículos de transporte de valores da A... ali se deslocavam e os procedimentos pelos mesmos adotados –, de forma a engendrar, gizar o melhor plano e concretizar os factos abaixo descritos sob os pontos 39. a 72. (NUIPC 3744/21.0JAPRT – APENSO B).

(NUIPC 729/21.0JAPRT – APENSO A)

6 - Em data não concretamente apurada, mas anterior ao dia 26 de fevereiro de 2021, o arguido CC deu cumprimento a um plano no sentido de fazer suas as quantias destinadas ao reabastecimento, pela A..., da máquina ATM instalada na B...”, sita na Rua ..., em ..., Gondomar.
7 - De forma a familiarizar-se com o local, bem como com as rondas de reabastecimento efetuadas pela A..., o arguido CC deslocou-se, ao volante do veículo automóvel da marca Seat, modelo ..., com a matrícula ..-RS-.., que lhe havia sido disponibilizado pelo arguido AA, à praceta existente junto à Rua ..., em Gondomar, o que fez, designadamente, nos dias 13, 15, 19 e 22 de fevereiro de 2021.
8 - Já no dia 26 de fevereiro de 2021, o arguido CC, munido de um objecto aparentando ser uma arma de fogo, cujas concretas características se não logrou apurar, envergou um fato de treino de cor cinza, com capuz e uma máscara cirúrgica de proteção contra a COVID-19.
9 - De seguida, deslocou-se, ao volante do referido veículo automóvel de marca Seat, modelo ..., com a matrícula ..-RS-.., junto da referida máquina ATM instalada na B...”, sita na Rua ..., ..., Gondomar, onde chegou cerca das 7 horas e 30 minutos, ficando a aguardar a chegada da carrinha da A....
10 - Passados poucos minutos, chegou às imediações do referido estabelecimento B...” o veículo de transporte de valores da A... n.º 4020, com a matrícula ..-PL-.., o qual era tripulado por AA, seguindo como passageiro KK, o qual desempenhava as funções de porta-valores.
11 - Então, AA imobilizou o veículo de transporte de valores de matrícula ..-PL-.. junto à máquina ATM, ficando com a porta lateral do blindado virada para o acesso ao estabelecimento e a frente virada para a saída, de forma ao porta-valores KK cumprir as suas funções e que consistiam em abrir a máquina ATM, retirar os dois cacifos, proceder ao reabastecimento dos cacifos no interior do veículo de transporte de valores com a quantia total de € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros), sendo um abastecido com notas com o valor facial de € 10,00 (dez euros) e o outro com notas com o valor facial de € 20,00 (vinte euros).
12 - Assim, KK, após ter saído do veículo, dirigiu-se à máquina ATM, procedeu à sua abertura, retirou os cacifos e regressou ao veículo de transporte de valores, onde, no seu interior, procedeu ao reabastecimento do primeiro cacifo com 2 500 (duas mil e quinhentas) notas com o valor facial de € 10,00 (dez euros), no valor total de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros).
13 - De seguida, quando KK se dirigia à máquina ATM, transportando o primeiro cacifo contendo € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), foi surpreendido pelo arguido CC, o qual apontou para o chão o referido objecto aparentando ser uma arma de fogo, cujas concretas características se não logrou apurar, ordenando-lhe que pousasse o cacifo no solo.
14 - Temendo pela sua integridade física e vida, KK pousou o cacifo no chão e afastou-se, tendo o arguido CC pegado no cacifo e de imediato se ausentado do local no referido veículo automóvel da marca Seat, modelo ..., com a matrícula ..-RS-...
15 - Ao atuar da forma descrita, agiu o arguido CC em livre manifestação de vontade, no propósito, concretizado de, causando receio a KK pela sua própria vida ao exibir-lhe o objecto aparentando ser uma arma de fogo, compeli-lo e constrangê-lo a entregar-lhe o cacifo contendo a quantia monetária acima descrita, que assim fez sua, bem sabendo que a mesma lhe não pertencia e que agia contra a vontade do seu dono.
16 - Não obstante soubesse ser a sua conduta proibida, não se absteve de a empreender.

(NUIPC 3655/21.9JAPRT – APENSO C)

17 - Em data não concretamente apurada, mas anterior ao dia 13 de setembro de 2021, os arguidos CC e FF tinham delineado um plano no sentido de fazerem suas as quantias destinadas ao reabastecimento, pela A..., da máquina ATM instalada no ..., sito na Avenida ..., ....
18 - Para tanto, o arguido CC deslocou-se por várias vezes, ao volante do veículo automóvel Renault ..., que lhe havia sido disponibilizado pelo arguido AA, ao parque de estacionamento localizado em frente a um bloco de apartamentos sito na Avenida ..., em ..., ali se quedando com a frente da viatura voltada para o .... 19 - Doutras vezes, o arguido CC, sempre ao volante do referido veículo automóvel Renault ..., deslocou-se junto da Escola de Futebol “...”, em ....
20 – O arguido CC apôs, ou fez com que alguém apusesse, no veículo da marca Renault, modelo ..., com o n.º de chassis ...50, a matrícula espanhola com os dizeres ...1 KYG e bem assim a matrícula com os dizeres ..-JE-.., em vez da matrícula ..-NI -.., que era a que se lhe encontrava legalmente atribuída;
21 - Por sua vez, o arguido FF, ao volante do veículo automóvel de marca Fiat, modelo ..., com a matrícula ..-..-CG, deslocava-se ao ..., de forma a familiarizar-se com o local para, posteriormente, se encontrar com o arguido CC e transmitir-lhe os dados que obtivera.
22 - Estas vigilâncias foram efetuadas pelos arguidos CC e FF em cumprimento do plano por ambos gizado e a que ambos aderiram tendo em vista familiarizarem-se com o local, bem como com as rondas de reabastecimento efetuadas pela A..., para posteriormente poderem concretizar o assalto ao veículo de transporte de valores.
23 - Os arguidos CC e FF efetuaram tais vigilâncias, deslocando-se aos locais mencionados, designadamente nos dias 19, 26 e 27 de julho de 2021, nos dias 2, 16, 23, 30 e 31 de agosto de 2021, nos dias 1, 2, 6 e 7 de setembro de 2021.
24 - Além das referidas vigilâncias, no dia 26 de julho de 2021, em dois momentos distintos, nas imediações do referido ... de ..., o arguido CC e o arguido FF conversaram pessoalmente, trocando informações e combinando em concreto a sua atuação, sem saírem dos veículos em que se haviam feito transportar para o local, sendo que o arguido CC havia tripulado a viatura Renault ... com a matrícula ..-JE-.. (que não era a que legalmente se lhe encontrava atribuída), disponibilizada pelo arguido AA, e o arguido FF havia tripulado o veículo automóvel de marca Fiat, modelo ..., com a matrícula ..-..-CG, por forma a trocarem mensagens, impressões e combinarem a sua atuação.
25 - Já no dia 13 de setembro de 2021, o arguido FF dirigiu-se às imediações do referido ... conduzindo o veículo automóvel de marca Fiat, modelo ..., com a matrícula ..-..-CG, e, uma vez lá chegado, estacionou à face da Estrada Nacional, na Avenida ..., defronte ao referido ..., permanecendo no interior do veículo, controlando todos os acessos à mencionada caixa ATM.
26 - Quando o arguido FF viu o veículo de transporte de valores da A..., n.º..., com a matrícula ..-UZ-.., chegar ao local cerca das 16h50, informou o arguido CC.
27 – Face ao informado pelo arguido FF, cerca das 16 horas e 55 minutos, o arguido CC tripulou e conduziu para as imediações do ... o veículo automóvel da marca Renault, modelo ..., o qual tinha apostas as chapas de matrícula com os dizeres ..-JE-.., as quais não eram as que legalmente se lhe encontravam atribuídas, o que era do seu conhecimento, estacionando-o no parque de estacionamento subterrâneo do ....
28 - Nessa ocasião, o arguido CC envergava um fato-de-macaco de cor azul, uma máscara em silicone (disfarce) tapando a face, a imitar a cara de pessoa idosa, uma cabeleira postiça de cor branca e um chapéu.
29 - Naquele dia 13 de setembro de 2021, cerca das 16 horas e 50 minutos, LL tripulava o veículo de transporte de valores da A... n.º ..., com a matrícula ..-UZ-.., seguindo como passageiro MM, o qual desempenhava as funções de porta-valores.
30 - Cerca das 16 horas e 55 minutos, LL imobilizou o veículo de transporte de valores de matrícula ..-UZ-.. no piso superior do parque de estacionamento do ... de ..., perto da porta de acesso ao local onde se encontrava instalada a máquina ATM, de forma ao porta-valores MM cumprir as suas funções e que consistiam em abrir a máquina ATM, retirar os dois cacifos, proceder ao reabastecimento dos cacifos no interior o veículo de transporte de valores com a quantia total de € 66.000,00 (sessenta e seis mil euros), sendo um abastecido com notas com o valor facial de €10,00 (dez euros) e o outro com notas com o valor facial de €20,00 (vinte euros).
31 - Assim, MM, após ter saído do veículo, dirigiu-se à máquina ATM, procedeu à sua abertura, retirou os cacifos e regressou ao veículo de transporte de valores, onde, no seu interior, procedeu ao seu reabastecimento dos dois cacifos com a quantia total de €66.000,00 (sessenta e seis mil euros).
32 - De seguida, MM dirigiu-se novamente à máquina ATM, transportando o primeiro cacifo, contendo notas com o valor facial de €10,00, que introduziu na máquina, trancando-a em seguida.
33 - Após, regressou ao veículo para proceder ao transporte e à introdução na máquina ATM do segundo cacifo, este contendo notas com o valor facial de €20,00 (vinte euros).
34 - Todavia, como se assustou com um ruído estranho nas imediações, MM apressou-se a efetuar o transporte e a introdução do referido cacifo na máquina ATM, tendo-a, de imediato, fechado e colocado em segurança.
35 - Enquanto MM colocava a máquina ATM em teste, surgiu o arguido CC – que havia subido àquele piso através do elevador existente no parque de estacionamento subterrâneo localizado no ... – trajado da forma descrita em 28.
36 - Quando o arguido CC se preparava para sair do elevador e olhou em direção à máquina ATM, verificou que o cofre da mesma já se encontrava fechado e reabastecido, pelo que de imediato recuou no interior do elevador, descendo até ao piso inferior, e de imediato abandonou o local na referida viatura Renault ..., modelo ..., com a matrícula ..-JE-.., em que se havia feito transportar até ali.
37 - O arguido CC, ao apor ou mandar alguém apor, no referido veículo Renault ..., matrículas que não eram a que lhe estava legalmente atribuída, e ao conduzir e ao circular, nas descritas ocasiões, com o referido veículo, tendo o mesmo apostas matrículas que não eram as que lhe estavam legalmente atribuídas, o que era do seu conhecimento, agiu em livre manifestação de vontade, no propósito, concretizado, de alterar, ou fazer alterar por outrem, documento, falsificando-o, e de conduzir e circular com tal veículo, usando-o nessas condições, assim dificultando a sua identificação, bem sabendo que com a sua conduta colocava em crise a fé pública atribuída às matrículas dos veículos automóveis.
38 - Pese embora ser a sua conduta proibida, não se absteve o arguido CC de a empreender.

(NUIPC 3744/21.0JAPRT – APENSO B)

39 - Em data não concretamente apurada, mas anterior ao dia 19 de setembro de 2021, os arguidos AA, BB, CC e EE delinearam um plano no sentido de fazerem suas as quantias destinadas ao reabastecimento, pela A..., da máquina ATM instalada no interior do Supermercado ...”, sito no ..., ... e 2, Estrada Nacional ...04, União das Freguesias ... e ..., em de Vila Nova de Famalicão.
40 - Tal plano deveria ser levado a cabo e executado pelos arguidos BB, CC e EE e contou com a ajuda do arguido GG;
41 - Assim, cerca das 6 horas e 20 minutos do dia 19 de setembro de 2021, o arguido CC deslocou-se à Confeitaria "..."”, sita na Rua ..., ..., em Valongo, conduzindo o veículo automóvel de marca Mercedes, com a matrícula ..-..1-FW, que lhe havia sido disponibilizado para o efeito pelo arguido AA e no qual haviam sido colocadas, por indivíduo ou indivíduos cuja identidade se não apurou, chapas de matrícula que não correspondiam àquele veículo.
42 - Nessa ocasião, os arguidos BB, EE e GG igualmente se deslocaram à referida Confeitaria "..."”, fazendo-se transportar no veículo automóvel de marca Fiat, modelo ..., com a matrícula ..-..-XI.
43 - De seguida, os arguidos deslocaram-se para o ..., em Vila Nova de Famalicão, tendo o arguido GG, conduzindo o veículo automóvel de marca Fiat, modelo ..., com a matrícula ..-..-XI, transportado o arguido BB até uma zona rural, de vegetação densa, contígua ao parqueamento da aludida superfície comercial e próxima ao Supermercado ...”.
44 - Aí, o arguido BB saiu do veículo e assumiu uma posição de controlo e vigilância, dando nota aos arguidos CC e EE da chegada da viatura de transporte de valores da A... para os mesmos concretizarem o plano previamente delineado.
45 - O arguido GG, mantendo-se a conduzir o referido veículo automóvel de marca Fiat, modelo ..., com a matrícula ..-..-XI, efetuou várias passagens na referida Estrada Nacional ...04, entre as 7 horas e as 9 horas.
46 - Entretanto, os arguidos CC e EE assumiram o papel de operacionais, utilizando o veículo automóvel de marca Mercedes, com a matrícula ..-..1-FW, que lhes havia sido cedida para o efeito pelo arguido AA e no qual indivíduo ou indivíduos cuja identidade se não apurou haviam colocado as chapas de matrícula que não correspondiam às legalmente atribuídas àquele veículo.
47 - Nessa ocasião, o arguido CC envergava um fato de treino escuro, com capuz, e estava munido dum objecto aparentando ser uma arma de fogo, cujas concretas características se não logrou apurar.
48 – Também o arguido EE estava munido dum objecto aparentando ser uma arma de fogo, cujas concretas características se não logrou apurar.
49 - Naquele dia 19 de setembro de 2021 NN tripulava o veículo de transporte de valores da A... n.º..., com a matrícula ..-PE-.., seguindo como passageiro OO, o qual desempenhava as funções de porta-valores.
50 - Cerca das 10 horas e 28 minutos, NN imobilizou o veículo de transporte de valores de matrícula ..-PE-.. em frente à porta-automática de acesso ao interior do Supermercado ...”, local onde se encontra instalada a máquina ATM, de forma a OO cumprir as suas funções e que consistiam em abrir a máquina ATM, retirar os dois cacifos, proceder ao reabastecimento dos cacifos no interior do veículo de transporte de valores com a quantia total de €75.000,00 (setenta e cinco mil euros), sendo um deles abastecido com notas com o valor facial de €10,00 (dez euros), no valor global de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros), e o outro com notas com o valor facial de €20,00 (vinte euros), no valor global de €50.000,00 (cinquenta mil euros).
51 - Assim, OO, após ter saído do veículo, dirigiu-se à máquina ATM, procedeu à sua abertura, retirou os cacifos e regressou ao veículo de transporte de valores, onde, no seu interior, procedeu ao seu reabastecimento dos dois cacifos com a quantia total de €75.000,00 (setenta e cinco mil euros).
52 - De seguida, OO dirigiu-se novamente à máquina ATM, transportando o primeiro cacifo, contendo notas com o valor facial de €10,00 (dez euros), no valor global de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros), que introduziu na máquina, trancando-a em seguida.
53 - Após, regressou ao veículo para proceder ao transporte e à introdução na máquina ATM do segundo cacifo, este contendo notas com o valor facial de €20,00 (vinte euros), no valor global de €50.000,00 (cinquenta mil euros).
54 - Quando OO se preparava para proceder à abertura e introdução do segundo cacifo na máquina ATM, surgiram os arguidos CC e EE, tendo, um deles, desferido, com o referido objecto aparentando ser uma arma de fogo cujas concretas características se não logrou apurar, uma pancada na perna esquerda de OO.
55 - Os arguidos CC e EE, apontando os objectos aparentando ser armas de fogo, acima referidos, a OO, disseram-lhe: “Larga, larga, larga. Abre o cofre. Retira o outro, tira, tira. Um, dois”.
56 - Nessas circunstâncias, o arguido CC envergava um fato de treino escuro, com capuz, e uma máscara cirúrgica.
57 - Como receasse pela sua vida, OO de imediato entregou aos arguidos CC e EE três cofres: o primeiro, contendo a quantia de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros), o segundo, contendo a quantia de €50.000,00 (cinquenta mil euros), e o terceiro, vazio, destinado a recetáculo de notas rejeitadas.
58 - Já na posse dos três cacifos, os arguidos CC e EE abandonaram de imediato o local, em passo de corrida em direção à viatura Mercedes referida em 46.
59 - Nesse instante, PP e HH, ao aperceberem-se do sucedido, deslocaram-se de imediato no encalço dos arguidos, em direção ao parque de estacionamento onde se encontrava aparcado o veículo Mercedes, tendo o arguido EE entrado para o banco traseiro.
60 - Então, HH logrou aproximar-se do Mercedes e abriu a porta dianteira direita, tendo o arguido CC proferido as seguintes expressões: “Sai daqui sua filha da puta”.
61 – Como HH abrisse, de seguida, a porta traseira direita daquela viatura, logo o arguido EE lhe apontou o referido objecto cujas concretas características se não logrou apurar, mas aparentando ser uma arma de fogo.
62 - Receando pela sua vida face às expressões proferidas e ao empunhar e apontar na sua direção do objecto cujas concretas características se não logrou apurar, mas aparentando ser uma arma de fogo, HH parou de tentar impedir a fuga dos arguidos, abstendo-se de continuar a persegui-los.
63 - As expressões proferidas, acompanhadas da detenção e do empunhar do referido objecto cujas concretas características se não logrou apurar, mas aparentando ser uma arma de fogo, eram idóneas a provocar inquietação e a prejudicar a liberdade de determinação de qualquer pessoa, o mesmo sucedendo a HH, a qual ficou com receio de os arguidos virem a atingi-la na sua integridade física e vida, o que coartou a sua liberdade de determinação.
64 - Nesse mesmo dia 19 de setembro 2021, cerca das 11 horas e 25 minutos, na Variante de Vila Nova de Famalicão (...), sentido sul-norte, ao km 28,6, na berma, veio a ser recuperada uma das gavetas retiradas da máquina ATM.
65 - Como consequência direta e necessária dos factos acima descritos, advieram para OO uma equimose arroxeada no 1/3 proximal da face lateral da perna esquerda, com ligeiro edema, medindo 3 cm de diâmetro, e alteração do seu normal estado de sensibilidade.
66 - Teve OO que ser assistido no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, E.P.E.
67 - Ao atuarem da forma descrita, agiram os arguidos AA, CC, BB e EE em livre manifestação de vontade, em execução do plano previamente engendrado por eles e a que aderiram, com o objetivo, concretizado, de, causando receio a OO pela sua própria vida ao apontarem-lhe objectos cujas características não se logrou apurar mas aparentando ser armas de fogo, compeli-lo e constrangê-lo a entregar-lhes os cacifos contendo as quantias monetárias acima descritas, que assim fizeram suas, bem sabendo que as mesmas lhes não pertenciam e que agiam contra a vontade do seu dono.
68 – Ao actuar da forma acima descrita, o arguido GG agiu em livre manifestação de vontade, no propósito, concretizado, de auxiliar os arguidos AA, BB, CC e EE na prática dos factos acima descritos de 39. a 58., através de disponibilização de transporte no seu veículo Fiat ... com a matrícula ..-..-XI, sabendo ele do carácter criminoso da actividade que aqueles arguidos se propuseram realizar, acima descrita, e que efectivamente executaram.
69 - Não obstante soubessem ser a sua conduta proibida, os arguidos AA, CC, BB, EE e GG não se abstiveram de a empreender.
70 - Os arguidos CC e EE conduziram e circularam com o veículo da marca Mercedes, tendo o mesmo apostas matrículas que não eram as que lhe estavam legalmente atribuídas.
71 - Ao atuarem do modo descrito, agiram os arguidos CC e EE em livre manifestação de vontade, em conjugação de esforços e no seguimento de plano a que aderiram, no propósito, concretizado, de proferir as referidas expressões e de empunhar o objecto cujas concretas características se não logrou apurar, mas aparentando ser uma arma de fogo, apontando-o a HH, e de assim causar receio a esta pela sua vida, deixando-a num estado de atemorização que lhe prejudicou a sua liberdade de determinação, com o propósito final, que concretizaram, de a constranger a não continuar a persegui-los, evitando a sua fuga.
72 - Não obstante soubessem ser a sua conduta proibida, não se abstiveram os arguidos CC e EE de a empreender.
73 - No dia 7 de outubro de 2021 o arguido AA tinha guardado e em sua posse:
a) na residência sita na Rua ..., ..., em Guimarães:
1. três embalagens em plástico, contendo:
a. canábis (folhas/sumidades), com o peso total líquido de 0,772 gramas, com um grau de pureza 10,7% (THC), suscetíveis de ser dividida em 2 doses;
b. cocaína (cloridrato), com o peso total líquido de 0,053 gramas;
c. cocaína (cloridrato), com o peso total líquido de 159,559 gramas, com um grau de pureza de 77%, suscetíveis de ser dividida em 614 doses;
2. seis cápsulas contendo produto químico não determinado;
3. três cartões de suporte, de cartão SIM;
4. uma bolsa de plástico contendo cinco molhos de chaves diversas;
5. uma chave de viatura Volvo;
6. um telemóvel da marca Alcatel, modelo 1066D;
7. um telemóvel da marca Alcatel, Modelo 2003G;
8. um telemóvel da marca Alcatel, Modelo 2003G;
9. um telemóvel da marca BlackView, modelo BV5500, de cor preta e amarela, visor partido, mau estado de conservação, dual-sim, com o IMEI ...26, e o IMEI ...34, com bateria, em funcionamento, com o cartão SIM da operadora Vodafone, referente ao n.º ...54;
10. um telemóvel da marca Zamko, modelo Z11, de cores branca e preta, em razoável estado de conservação, dual sim, com o IMEI ...74 e e o IMEI ...82, com bateria, cartão SIM da Operadora UZO, com as inscrições ...15;
11. um telemóvel da marca Neffos, Modelo 8030;
12. um detetor de sinal rádio, modelo CC308+, de cor preta, com antena telescópica de 17 cm, em bom estado de conservação, na respetiva caixa, acompanhado por carregador e auriculares;
13. uma agenda de capa dura, de cor preta, tamanho, 15cm x 9cm, com alguns apontamentos manuscritos, com quatro autocolantes apostos (...), em razoável estado de conservação;
14. uma chave de automóvel da marca Mitsubishi com porta chaves em pele castanha;
15. uma chave de automóvel da marca BMW, de cor preta e prateada;
16. um par de luvas de latex de cor preta, aparentemente por usar, acomodadas numa luva de plástico transparente;
17. três folhas soltas com apontamentos manuscritos diversos;
18. uma chave aparentemente de automóvel, em baquelite, forma pentagonal;
19. uma chave de viatura BMW;
20. uma viatura da marca Mitsubishi, modelo ..., com o n.º de chassis ...75, a qual tinha aposta a matrícula de origem francesa ...2 -VX, sendo que matrícula que legalmente se lhe encontrava atribuída era a matrícula ..-JR-.. (tal veículo havia sido subtraída em 05 de novembro de 2019);;
21. uma viatura Volvo ..., com a matrícula de origem belga TA-8195;
22. uma viatura da marca Audi, MODELO ..., de cor branca, ostentando as chapas de matrícula francesa ..-..4-RG;
23. uma viatura da marca BMW, modelo ..., de cor verde, ostentando as chapas de matrícula espanhola ....BNJ.
b) na residência sita na Rua ..., ..., Guimarães:
1. uma chave de automóvel da marca Audi, de cor preta e prateada;
2. um veículo automóvel Audi ..., matrícula de origem francesa AP...;
3. um par de luvas de latex de cor preta, aparentemente por usar.
c) no interior do veículo de marca BMW ..., com a matrícula ..-..-XX:
1. um “Detector Safety protection”, da marca Zoto, modelo K88, com o n.º de série ..., e respetivos cabos de ligação;
2. uma pasta plástica contendo livrete de manutenção e documentos da viatura da marca BMW, modelo ..., com a matricula ....BNJ;
3. uma pasta (mica), contendo fotocópias do cartão de cidadão de QQ, uma declaração de divida no valor de € 10.000 (dez mil euros), supostamente assinada pelo mesmo indivíduo, a favor de JJ, bem como um cheque titulado pelo mesmo indivíduo, do Banco 1..., com o n.º ...18, referente à conta n.º...08-1, no valor de € 10.000 (dez mil euros);
4. uma outra pasta (mica), com uma etiqueta manuscrita com os dizeres «contas Golf ... ..-PD-..», contendo no seu interior diversos documentos manuscritos e cópias de faturas.
d) no interior do veículo de marca Mistubishi, modelo ..., com a matrícula de origem francesa ...2 -VX:
1. um revólver, da marca Ruger, calibre 32, modelo SP101, com o n.º de série ..-...68, em boas condições de funcionamento;
2. trinta e sete munições de calibre 32;
3. uma cápsula de munição de calibre 32;
4. um saco contendo rolo de fita-adesiva, rolo de sacos de plástico transparente;
5. uma embalagem revestida a fita adesiva, contendo 161,93g de cocaína;
6. um pedaço de saco plástico transparente recortado;
7. um fato-macaco de cor azul escura, uma sweat, uma gola em tecido polar, um boné, três pares de calções, um par de calças de ganga, uns boxers;
8. uma balança de precisão, marca HF1976, de cor prateada, em bom estado de conservação e respetiva caixa;
9. um dispositivo, componente de alarme auto, da marca GTAlarm, de cor preta, em razoável estado de conservação.
e) na residência sita na Avenida ..., em Braga:
1. um aparelho “Asset GPS Tracker”, com o IMEI ...52, e respetivo carregador;
2. um certificado de matrícula Francesa, com o n.º ...30, referente a uma viatura da marca/modelo Audi ..., com a matrícula ..-..4-RG;
3. um documento/fatura datado/a de 26/11/2020, referente à viatura acima indicada, em nome de DD, no valor de € 11.000 (onze mil euros);
4. cinco papéis manuscritos, com indicação de quantias referentes a viaturas, telemóveis e outros apontamentos;
5. uma mochila de cor preta, com pormenores de cor bege, da marca Quechua, contendo no seu interior duas máscaras em plástico, iguais, semelhantes às utilizadas pelo grupo “Anonymous”;
6. três aparelhos de telemóvel;
7. a quantia, em notas, de € 1.000 (mil euros), sendo dezanove notas no valor de € 50 (cinquenta euros) cada, duas notas no valor de € 20 (vinte euros) cada, e uma nota no valor de € 10 (dez euros);
8. oito embalagens em plástico transparente, contendo uma delas Canabis (folhas), num peso aproximado de 0,95 gramas, e a outra, Cocaína, num peso aproximado de 0,2 gramas;
9. uma caixa vermelha da marca Huawei, contendo no seu interior diversas chaves de viaturas: uma chave de uma viatura da marca Volkswagen; uma chave de uma viatura da marca/modelo Volvo ..., com uma etiqueta com referência à matricula TA....; uma chave e comando de uma viatura da marca Hyundai; uma chave/comando de uma viatura da marca Peugeot; uma chave/comando de uma viatura da marca BMW; uma chave/comando de uma viatura, com o símbolo “K”, e que era viatura da marca BMW, com a matrícula espanhola, .... BNJ.
74 - No dia 7 de outubro de 2021 o arguido BB tinha guardado e em sua posse, na residência sita na Avenida ... - frente, em ...:
1. um telemóvel da marca SAMSUNG, modelo S10, IMEI ...36 e ...34, com o cartão SIM da rede de telecomunicações VODAFONE, com o n.º ...47, com o código de desbloqueia do equipamento n.º ...95 e com código PIN do cartão SIM ... e respetiva capa de proteção;
2. um cartão de segurança do cartão SIM da VODAFONE a operar com o n.º ...47;
3. um relógio da marca SEIKO, com mostrador de cor preta, com o número de série ...47;
4. uma bolsa a tiracolo, de cor preta, da marca NIKE, contendo um papel manuscrito com os números ...45 e ...22/001;
5. um telemóvel da marca F2, de cor preta, com os IMEI ...70 e ...88, com o cartão SIM da rede de telecomunicações USO com ICCID n.º ...30;
6. um par de sapatilhas, de cor branca, da marca Reebok, com o número/ tamanho 40.5.
75 - No dia 7 de outubro de 2021 o arguido CC tinha guardado e em sua posse:
a) na residência sita na Rua ..., em ...:
1. um fato de macaco de cor preta com riscas laterais e com os dizeres ADIDAS;
2. um casaco com capuz de cor preta e fecho metálico;
3. um boné de cor azul escuro, com os dizeres INESIS;
4. um maço de vinte e cinco notas de € 20 (vinte euros), com elástico, perfazendo a quantia total de € 500 (quinhentos euros);
5. um par de sapatilhas de cor preta, da marca TIGER, tamanho 45;
6. dezassete notas de € 20 (vinte euros), perfazendo a quantia total de € 340 (trezentos e quarenta euros);
7. uma bolsa em nylon, de cor castanha;
8. um carregador de pistola semiautomática, com as inscrições LLAMA e A;
9. duas munições de calibre 7,65 mm, com invólucros em cor cinza prateada;
10. nove munições de calibre 32;
11. treze munições de calibre 7,65;
12. um pano em tecido de cor amarela com publicidade da marca “BOM PETISCO”;
13. um pano em tecido de cor azul;
14. um recipiente em plástico contendo óleo para limpeza de máquinas;
15. um par de jardineiras em tecido de cor azul com referência à marca BENTINI, tamanho L;
16. um casaco, no mesmo tecido, de cor azul, da mesma marca;
17. um telemóvel da marca IPHONE, com o IMEI n.º ...91 (sem código de bloqueio e sem cartão SIM);
18. um telemóvel da marca IPHONE, com o IMEI n.º ...24, com o código de acesso ...95;
19. uma caixa em cartão de cor cinzenta com os dizeres IPHONE, em estado novo;
20. um tablet da marca “SAMSUNG” com o IMEI n.º ...14/50 e o n.º de série ...;
21. uma chave de uma viatura automóvel da marca Mercedes;
22. um documento denominado “CONFISSÃO DE DÍVIDA/PROMESSA DE PAGAMENTO”, com 2 páginas, firmado pelo arguido CC e por RR, em 19/12/2014;
23. um documento denominado “CONFISSÃO DE DÍVIDA/PROMESSA DE PAGAMENTO”, com 4 folhas, firmado pelo arguido CC e por SS, em 27/08/2014;
24. um Ipod Touch de 6.ª geração, com o n.º de modelo MKH62NF/A, o n.º de série ...k6, em estado novo, respetiva caixa com auriculares, com o código de acesso n.º ...32;
25. uma viatura da marca Renault, modelo ..., com a matrícula de origem espanhola ...1-..G;
26. uma viatura da marca Mercedes, modelo ..., de cor azul, ostentando as chapas de matrícula belgas ...-SGH-..2.
b) no interior da viatura de marca Renault, modelo ...:
1. uma chave de cor cinzenta metalizada presa a um porta chaves de cor cinzenta com uma circunferência em plástico com a imagem de um peixe;
2. um par de óculos de sol de cor preta da marca Reflezo;
3. uma chave de porcas da marca Dexter com o cabo azul e laranja.
c) no interior da viatura de marca Seat, modelo ...:
1. diversa documentação relativa a uma viatura da mesma marca e modelo, mas com diferentes matrículas e proprietários;
2. um conjunto de chapas de matrícula ..-VL-...
76 - No dia 7 de outubro de 2021 o arguido DD tinha guardado e em sua posse:
a) na residência sita na Rua ..., ..., cave, em ..., Guimarães:
1. um revólver, em metal de cor preta, com punho e platinas em madeira de cor castanha, com o n.º ... gravado na base do punho, da marca Smith & Wesson, calibre .38 S&W SPL, de fabrico americano, com tambor com seis alvéolos;
2. 25 (vinte e cinco) munições da marca Magtech, de calibre .38 Special, do fabricante CBC, encontrando-se 5 inseridas no tambor do revólver referido em 1., municiando-o;
3. um telemóvel da marca e modelo Vodafone Smart N9, com o IMEI ...57, tendo inserido o cartão SIM com o n.º ...82;
4. a quantia monetária de €1.040 (mil e quarenta euros) em notas do BCE, sendo duas notas de €200 (duzentos euros), três notas de €100 (cem euros), duas notas de €50 (cinquenta euros), dez notas de €20 (vinte euros) e quatro notas de € 10 (dez euros).
b) na residência da sua companheira, sita em Rua ..., ..., ..., em ..., Guimarães:
1. uma pistola semiautomática, prateada, com platinas em madeira de cor castanha, de fabrico espanhol, da marca Star, de calibre 9 mm/-380, vulgarmente denominado “9 curto”, sem número de série visível, apresentando sinais de intervenção/transformação a nível do cano (interior e exterior), apresentando na face esquerda da corrediça as inscrições “... (...)”, sendo uma arma de fogo transformada;
2. um carregador, inserido na pistola referida em 1., municiado com 7 (sete) munições do calibre 9 mm/ 380 Auto, vulgarmente denominado “9 curto”;
3. 13 (treze) munições de calibre .22 Long Rifle, de percussão anelar ou lateral, sendo 9 (nove) da marca Federal, com a inscrição F, e as restantes 4 (quatro) da marca SP;
3. 28 (vinte e oito) munições de calibre 9 mm Parabellum, de fabrico português, da marca INDEP, com a inscrição ...;
4. 95 munições de calibre 9 mm Luger, da marca Sellier & Bellot, com a inscrição S&B 9x19;
5. 24 (vinte e quatro) munições de calibre .38 Special, sendo 14 (catorze) do fabricante NORMA, 4 (quatro) do fabricante CVIM, 2 (duas) do fabricante GECO, 2 (duas) do fabricante RP, 1 (uma) do fabricante W-W e 1 (uma) do fabricante NCCIR;
6. oito porções, vulgos “sabonetes”, de canabis (resina), envoltas individualmente em celofane, como o peso total líquido de 769,943 gramas, com um grau de pureza de 19,9% (THC), suscetíveis de ser dividida em 3064 doses;
7. um rolo de sacos plásticos incolores;
8. um rolo de fita cola de cor castanha, em uso, da marca 3W Inter;
9. vários sacos plásticos de asas, de cor preta.
c) na viatura de marca Hyundai, com a matrícula ..-DF-.., aparcada na sua oficina de trabalho, sita na Urbanização ..., em ... (...), Guimarães:
1. uma balança de bolso, digital, da marca Pocket Scale, modelo MH-200, acondicionada na respetiva caixa em cartão;
2. um talão de payshop referente ao carregamento de € 10 (dez euros) no telemóvel n.º ...54;
3. três telemóveis da marca Alcatel, modelo 2003G, com os IMEI’S ...61, ...34 e ...70, sendo que um dos telemóveis tinha um elástico a segurar uma bolsa de cartão SIM, da operadora Vodafone, correspondente ao n.º ...56, estando manuscrito nessa bolsa o n.º ...24;
4. vários recortes de sacos plásticos incolores.
77 - No dia 7 de outubro de 2021 o arguido EE tinha guardado e em sua posse, na residência sita na Rua ..., em ..., Gondomar:
1.58 (quarenta e oito) notas de € 20 (vinte euros), num total de €1.160 (mil cento e sessenta euros);
2. um telemóvel da marca OPPO, modelo CPH 2067;
3. um telemóvel da marca APPLE, modelo A1633.
78 - No dia 7 de outubro de 2021 o arguido FF tinha guardado e em sua posse, na residência sita na Travessa ..., ..., em ...:
1. um telemóvel SAMSUNG Galaxy, modelo S9, com os IMEI´S ...79 e ...77, com o cartão nº ...57;
2. um telemóvel NOKIA, modelo 7230, com o IMEI ...14, com o cartão nº ...09;
3. uma bolsa de cor cinza e alças pretas, da marca Berg;
4. uma T-Shirt caveada de cor vermelha;
5. dois gorros passa-montanhas, com a cor preta.
79 - No dia 7 de outubro de 2021 o arguido GG tinha guardado e em sua posse, na residência sita na Rua ..., em ...:
1. um par de sapatilhas de tons esverdeados/acinzentados;
2. um casaco em tecido de cor preta;
3. um telemóvel da marca Samsung Galaxy, mod. A30, com o cartão SIM ...25 nele inserido.
80 - Os arguidos AA, CC e DD não são portadores de qualquer licença nem de qualquer autorização que lhes permita deter ou usar quaisquer armas e munições, não tendo, bem assim, quaisquer armas manifestadas ou registadas em seu nome.
81 - Agiram os arguidos AA, CC e DD em livre manifestação de vontade, no propósito, concretizado, de deter e guardar as armas e munições acima descritas, bem conhecendo as suas caraterísticas e bem sabendo que necessitavam de ser titulares de licenças de uso e porte de arma e que as armas não se encontravam manifestadas e registadas.
82 - Não obstante soubessem ser a sua conduta proibida, não se abstiveram, no entanto, de a prosseguir.
83 – Agiu cada um dos arguidos AA e DD em livre manifestação de vontade, no propósito, concretizado, de deterem e guardarem as substâncias estupefacientes acima mencionadas.
84 - Assim atuaram, conhecendo as características e natureza das substâncias estupefacientes acima mencionadas e bem cientes de que a sua aquisição, transporte, detenção, cedência, manipulação e venda são proibidos, não obstante, não se coibiram de assim agir.
(….)

2.1.2. CONSTANTE DO INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO PARA PERDA ALARGADA DE BENS A FAVOR DO ESTADO:

85 - AA foi constituído arguido a 07/10/2021.
86 - O agregado familiar do arguido era composto por si e por TT, e pelos filhos UU e VV.
87 - No período compreendido entre outubro de 2016 e 12 de abril de 2021 o arguido AA esteve casado com TT.
88 - No período de tempo referido em 87., o arguido e a sua atual ex-cônjuge TT foram beneficiários dos seguintes rendimentos em sede de IRS:



Arguido:




89 - Rendimento Disponível – outubro 2016 a abril 2021





90 - O rendimento lícito líquido do arguido e seu agregado familiar ascende ao valor total de € 20 907,42.
91 - Enquanto se manteve casado com TT, os rendimentos e património de cada um encontravam-se na esfera da disponibilidade de ambos, com usufruto comum, domínio e benefício, no mesmo período temporal.
92 - Para o período em apreço, em contas tituladas e co-tituladas pelo arguido e pelo seu ex-cônjuge, o arguido procedeu aos seguintes movimentos globais a crédito, que ascenderam ao valor total de € 41.374,20:


93 - Verifica-se uma diferença de € 20.466,78 entre o somatório dos movimentos a crédito acima referidos, que estiveram e estão na titularidade/disponibilidade do arguido, e o rendimento lícito por ele e pela ex cônjuge declarados à administração fiscal no mesmo período temporal.
94 - A inconsistência entre os rendimentos declarados fiscalmente pelo arguido e o património por ele adquirido, detido e do qual beneficiou no lapso de tempo em referência, computa-se nos seguintes termos:



2.1.3. CONSTANTE DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL:

95 - Ao atuar da forma supra descrita de 6. a 16., o demandado CC fez sua a quantia monetária de € 25.000,00, bem sabendo que a mesma lhe não pertencia e que agia contra a vontade do seu dono.
96 - Para além daquela quantia, não foi possível recuperar o cacifo Talaris ..., onde se encontrava o numerário, avaliado em €565,80 (€460,00 + IVA).
97 - O demandado CC sabia que não podia retirar os bens pertencentes à ofendida “A... - Empresa de Segurança, SA” e/ou seus clientes, sem a sua autorização e contra a sua vontade, usando de intimidação com exibição de objecto aparentando ser arma de fogo, mas não obstante tal cognição agiu do modo descrito, bem sabendo que fazia seu o dinheiro e o objeto acima descrito que não lhe pertencia.
98 – Ao atuar da forma supra descrita de 39. a 72., os demandados AA, BB, CC, EE e GG causaram um prejuízo à demandante no valor total de €76.697,40 (€75.000,00 em numerário + €1.697,40 três cacifos).
99 - O demandado CC integrou no seu património bens que possuíam um valor global de €25.565,80 (€25.000,00 numerário + €565,80 cacifo).
100 - Os demandados AA, BB, CC, EE e GG integraram no seu património bens que possuíam um valor global total de €76.697,40 (€75.000,00 em numerário + €1.697,40 três cacifos).

(…)
Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.
No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, há que decidir as seguintes questões:
(…)

Recurso do MINISTÉRIO PÚBLICO

Se a decisão recorrida devia ter condenado os Arguidos AA e DD pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p.p. pelo artº 21º nº1 da Lei 15/93 de 22/1 em vez do crime de tráfico de menor gravidade em penas entre 4 anos e 6 meses e 5 anos e 6 meses de prisão efectiva.
Se o Arguido AA devia ter sido condenado pelos 6 crimes de falsificação e documento p.p. pelo rtº 256º nº1 als a),e) e f) e nº3 o CP;
Consequentemente devem ser quanto a tais Arguidos refeitos os cúmulos jurídicos.
Se face à condenação do Arguido AA pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p.p. pelo artº 21º do DL 15/93 de 22/1 deve ser procedente quanto ao mesmo o incidente de liquidação para perda alargada.

*

II - FUNDAMENTAÇÃO:
(…)
Assim estabilizada que se mostra a matéria de facto provada, passemos às questões de direito suscitadas no recurso.
(…)
O crime de tráfico de estupefacientes.
O Arguido AA vinha acusado e pronunciado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p.p. pelo artº 21º nº 1 do DL 15/93 de 22/1,vindo após a audiência de discussão e julgamento a ser condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p.p. pelo artº 25ºnº1 do mesmo diploma na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Por força das alterações supra efectuadas á matéria de facto, resultou provada a detenção pelo Arguido de: cannabis com o peso líquido de 0,772gamas, com um grau de pureza 10,7º (THC) susceptíveis de ser divididas em 2 doses; Cocaína com o peso total líquido de 0,053gramas e cocaína com o peso total líquido de 159,559 gramas, com um grau de pureza de 77%, susceptível de ser dividida em 614 doses.
Provada a detenção do referido estupefaciente e provado que o Arguido agiu com livre manifestação de vontade de deter aqueles estupefacientes cujas características conhecia sabendo que, a sua conduta era proibida, cometeu um crime de tráfico de estupefacientes.
Uma vez que o Magistrado do Ministério Público interpôs recurso pedindo a condenação do Arguido AA pela prática além do mais de um crime de tráfico de estupefacientes p.p. pelo artº 21º do Dl 15/93 de 22/1 em vez do crime de tráfico de estupefacientes pelo qual o Arguido foi condenado importa conhecer agora do Recurso do Ministério Público quanto aquele Arguido.
Dispõe o referido art.º 21º nº1 do DL 15/93, «Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser á venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art.º 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos
O crime de tráfico de estupefacientes é caracterizado por ser um crime de perigo abstracto e de perigo comum.
O bem jurídico protegido identifica-se a final com a saúde pública, integrado pelos bens jurídicos da vida, integridade física e a liberdade de determinação dos consumidores de estupefacientes. [1]
Tem sido definido também como um crime “exaurido” e um crime de trato sucessivo.
Como vem sendo definido na jurisprudência, é um crime exaurido, no sentido em que fica consumado “ através da comissão de um só acto de execução ainda que sem se chegar à realização completa e integral do tipo legal pretendido pelo agente” e ainda que “é uma figura criminal em que a incriminação do agente se esgota nos primeiros actos de execução independentemente de os mesmos corresponderem a uma execução completa e que a repetição dos actos como produção de sucessivos resultados é, ou pode ser uma realização única.”[2]
O crime de trato sucessivo como de forma esclarecedora se expõe no voto de vencido aposto ao ac. do Supremo Tribunal de Justiça 29/11/202 [3] pelo Conselheiro Manuel Brás citando “Lobo Moutinho (Da unidade à pluralidade dos crimes no direito penal português, página 620, nota 1854) “será reconduzível à figura do crime habitual”.
Como também refere o Prof. Figueiredo Dias “Crimes habituais são aqueles em que a realização do tipo incriminador supõe que o agente pratique determinado comportamento de uma forma reiterada, até ao ponto de ela poder dizer-se habitual.”[4]
Escreve também Pedro Pato “ (…) esta qualificação também se liga à unificação de condutas prolongadas no tempo como um único crime, unificação que se distingue do concurso de crimes e do crime continuado. O grau de ilicitude deste crime é medido não em função das porções de droga proibida que, em dado momento, se apure que o agente venda, ceda ou detenha, mas em função da quantidade vendida, cedida ou detida durante determinado período prolongado de tempo.”[5]
Por sua vez dispõe o artº 25º, al.a) do DL nº15/93, de 22-1, " Se nos casos dos artº 21º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de um a cinco anos, se tratar de plantas substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI.).”
Relativamente à questão de a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, como resulta do artº 25º e vem sendo entendido pela jurisprudência, embora o elemento quantitativo tenha um papel relevante, o mesmo não tem contudo um papel exclusivo antes havendo que valorar todas as outras circunstâncias aí referidas.
Sobre a delimitação do crime de tráfico de menor gravidade escreveu-se no Ac. do STJ de 24/1/2007 que “ A gravidade à escala assim delineada encontra tradução na conformação da acção típica, enquanto não prescinde de a ilicitude, ou seja o demérito da acção típica, na sua expressão de contrariedade à lei, ser consideravelmente reduzida, um acto de repercussão ética de menor gravidade, em função da consideração, além do mais, dos meios utilizados, da modalidade ou circunstância da acção, da qualidade ou quantidade das substâncias ou preparações – al.. a) daquele art. 25º.”.”[6]
Para a conclusão de que a ilicitude se encontra consideravelmente diminuída a jurisprudência tem salientado que assumem relevo os "meios utilizados" - ou seja, a organização e logística demonstradas -, a "modalidade ou circunstâncias da ação" - isto é, o grau de perigosidade para a difusão da droga - a "qualidade" das substâncias ou preparações - aferida em termos de danosidade tal como é indiciada pela sua concreta colocação em cada uma das tabelas anexas ao DL 15/93 - e a "quantidade", não apenas da droga detida no momento da intervenção policial, mas que o agente tenha "manipulado" em alguma das operações enunciadas no art.º 21.º. [7]
Mantém plena actualidade o ac do STJ de 17/4/2008, quando no mesmo se escreve:
“.A construção e a estrutura dos crimes ditos de tráfico de estupefacientes como crimes de perigo, de protecção (total) recuada a momentos anteriores a qualquer manifestação de consequências danosas, e com a descrição típica alargada, pressupõe, porém, a graduação em escalas diversas dos diferentes padrões de ilicitude em que se manifeste a intensidade (a potencialidade) do perigo (abstracto-concreto) para os bens jurídicos protegidos. De contrário, o tipo fundamental, com os índices de intensidade da ilicitude pré-avaliados pela moldura abstracta das penas previstas, poderia fazer corresponder a um grau de ilicitude menor uma pena relativamente grave, com risco de afectação de uma ideia fundamental de proporcionalidade que imperiosamente deve existir na definição dos crimes e das correspondentes penas.
Por isso, o escalonamento dos crimes de tráfico (mais dos tipos de ilicitude do que da factualidade típica, que permanece no essencial), respondendo às diferentes realidades, do ponto de vista das condutas e do agente, que necessariamente preexistem à compreensão do legislador: a delimitação pensada para o grande tráfico (arts. 21.º e 22.º do DL 15/93), para os pequenos e médios traficantes (art. 25.º) e para os traficantes-consumidores (art. 26.º) (cf., v.g., Lourenço Martins, Droga e Direito, ed. Aequitas, 1994, pág. 123; e, entre vários, o acórdão deste Supremo Tribunal de 01-03-2001, in CJ, ano IX, tomo 1, pág. 234).”[8]
Como se escreveu no Ac. do STJ de 11/5/2023 “As categorias grande tráfico, pequeno e médio tráfico são meramente indicativas ou aproximativas, não correspondendo a categorias legais ou sequer sociológicas ou criminológicas bem delimitadas. Daí não poder afirmar-se que no tipo base do artigo 21º apenas caibam os grandes agentes do tráfico de estupefacientes, integrados em organizações mais ou menos extensas e sofisticadas, detentores, em regra, de grandes fortunas pessoais, ou ainda os traficantes que circulem na respetiva órbita dando corpo e consistência à atividade organizada, pois os critérios legalmente fixados impõem que se abranja no tipo base de tráfico de estupefacientes (art. 21º) realidades sociológicas que claramente extravasam daquele quadro, abrangendo muitos casos envolvendo os chamados traficantes de rua, cuja atividade apresenta igualmente grandes diferenças entre si.” [9]
Face à quantidade e qualidade de produto estupefaciente apreendido, para além do mais cocaína com o peso total líquido de 159,559 gramas, com um grau de pureza de 77%, susceptível de ser dividida em 614 doses, à perigosidade do mesmo, droga dura, não podendo olvidar-se quanto às circunstâncias da detenção, a apreensão de uma balança de precisão, considerando como se decidiu no Ac do Stj de 16/2/2023, que “No que respeita ao art. 25.º do mesmo diploma DL n.º 15/03, referente ao tráfico de menor gravidade, há que ter em conta que a ilicitude do facto se mostre consideravelmente diminuída e de se ter em consideração circunstâncias específicas, mas objectivas e factuais, verificadas na acção concreta, nomeadamente os meios utilizados pelo agente, a modalidade ou as circunstâncias da acção, e a qualidade ou a quantidade dos produtos.…”[10] (negrito nosso) entendemos não emergirem circunstâncias que diminuam consideravelmente a ilicitude da conduta, pelo que, e não obstante a alteração efectuada à matéria de facto, entendemos que os actos de tráfico praticados pelo Arguido AA se inserem no crime de tráfico p.p pelo artº 21º do DL 15/93 de 22/1, tal como vinha imputado na acusação, procedendo pois nesta parte o recurso do Ministério Público.
(…)
Já em sede de direito, o Magistrado recorrente, peticiona a aplicação ao Arguido AA pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de uma pena entre 4 anos e 6 meses e 5 anos e 6 meses de prisão.
Por sua vez o Arguido AA, peticionava a aplicação de uma pena de prisão não superior a “6 meses” pelo crime de tráfico de menor gravidade e de uma pena não superior a “12 meses de prisão pelo crime de detenção de arma proibida”, e em cúmulo jurídico uma pena “ não superior a 5 anos, suspensa na sua execução.”
Nos termos do artº 71º do C. Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra aquele, designadamente as elencadas nesse preceito. Por outro lado, nos termos do artº 40º nº2 do CP, a pena não pode ultrapassar a medida da culpa.
Culpa e prevenção são, nas palavras do Prof. Figueiredo Dias, os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena, o que vale dizer de determinação concreta da pena. Sendo que o modelo de determinação da medida da pena que melhor combina os critérios da culpa e da prevenção é “aquele que comete à culpa a função (única, mas nem por isso decisiva) de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena: à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma «moldura de prevenção», cujo limite é fornecido pelas exigências irrenunciáveis do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da referida «moldura de prevenção», que melhor sirva as exigências de socialização (ou em casos particulares, de advertência ou de segurança do delinquente”).
Tem-se ainda presente que a actividade judicial de determinação da pena é, toda ela, juridicamente vinculada (artigos 40.º, 70.º e 71.º do Código Penal), pelo que, em sede de recurso, o procedimento, as operações e a aplicação dos princípios gerais de determinação da pena são susceptíveis de revista pelo tribunal superior quando “tiverem sido violadas regras de experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada” – Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte Geral, II - As Consequências Jurídicas do Crime, § 255.. (negrito nosso)
A decisão recorrida ponderou em sede de determinação da medida das penas quanto ao Arguido AA as seguintes circunstâncias:
Relativamente aos crimes de detenção de arma proibida praticados pelos arguidos AA, (….), é de destacar a quantidade e variedade de tais objectos que foram apreendidos a cada um dos arguidos, conforme acima assinalado, a elevar o grau da ilicitude.
Já quanto ao crime de tráfico de estupefacientes praticado por cada um dos arguidos AA e (…) relevam a quantidade elevada de produtos estupefacientes detidos por cada um deles e, no caso do arguido AA, também a sua variedade (canabis e cocaína), a situar também num patamar elevado o grau de ilicitude.
No que respeita à culpabilidade dos arguidos AA, (…,) há que relevar a intensidade do dolo com que actuaram – dolo directo - conforme acima visto.
No que concerne à personalidade dos arguidos AA (….) os factos expressam uma tendência para a prática de comportamentos desajustados, social e juridicamente, atentos os seus vastíssimos antecedentes criminais, sendo que o arguido AA foi já por diversas vezes condenado pela prática de crimes de roubo, detenção de arma proibida e tráfico de estupefacientes, tendo sido condenado, em cúmulo jurídico de penas, na pena única de 12 anos de prisão, tendo-lhe sido concedida liberdade condicional em 2017 e tendo praticado os factos objecto dos presentes autos no decurso do período de liberdade condicional.
(….)
A integração social, familiar e laboral dos arguidos é a que consta dos factos provados: os arguidos AA, BB, CC e EE têm tido um comportamento adequado em meio prisional e beneficiam de apoio familiar. Também o arguido GG tem vindo a cumprir adequadamente a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica que lhe foi imposta e encontra-se bem inserido familiar e laboralmente.
(….)
Também os arguidos AA, (…) evidenciam um percurso laboral pouco consistente (tendo como denominador comum o negócio de compra e venda de carros usados).”
Em sede de recurso o Arguido AA, não invoca qualquer circunstância que o tribunal não tenha valorado, antes explanando sobre as finalidades das penas e os critérios legais abstractos da sua fixação, alegando que as penas parcelares e única são desproporcionadas e excessivas, “não visa a respectiva integração social, profissional-que carece de ter – e familiar e ultrapassa e muito a concreta medida da culpa.” .
Face à condenação do Arguido por um crime de tráfico de estupefacientes p.p. pelo artº 21º do DL 15/93 de 22/1, o qual é punido abstractamente com pena de de 4 a 12 anos de prisão, há que fixar a medida da pena concreta, ficando sem efeito a pena aplicada no acórdão pelo crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade.
Para além das circunstâncias referidas no acórdão recorrido, pondera-se e salienta-se a natureza do produto estupefaciente, cocaína com elevada perigosidade social, a quantidade do mesmo, com o peso total líquido de 159,559 gramas, com um grau de pureza de 77%, susceptível de ser dividida em 614 doses, os vastos antecedentes criminais do Arguido, em penas de prisão efectiva, inclusive por crimes de tráfico de estupefacientes, sendo que o último acórdão de cúmulo jurídico aplicou pena única de 12 anos de prisão e cometeu os factos dos autos no período de liberdade condicional. Mais se considera, a inexistência de qualquer acto de assunção de culpa ou contrição, ponderando a seu favor o apoio familiar e inserção social, que, porém, não obstaram à prática do crime.
Tudo ponderado tem-se por ajustado aplicar ao Arguido pelo crime de tráfico de estupefacientes p.p. pelo artº 21º do DL 15/93 de 22/1, a pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Quanto à pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão, aplicada ao arguido pela prática de um crime p. e p. pelo artigo 86.º, n.º1, alínea c), por referência ao disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alíneas p), q), x), az), aad), n.º 2, alínea l), n.º 3, alíneas o), p), ab), ac), todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, concorda-se com a ponderação efectuada na decisão recorrida.
A pretensão do Arguido de ser condenado no mínimo da moldura penal que é de 1 a 5 anos de prisão, revela-se manifestamente improcedente e sendo que face às anteriores condenações por crimes da mesma natureza, a pena aplicada não é excessiva ou desajustada, nem violadora de qualquer critério legal, pelo que se mantém.
Este tribunal da Relação tem que proceder a um novo cúmulo jurídico das penas, por via da absolvição do arguido do crime de roubo qualificado e da aplicação de uma pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão pelo crime de tráfico de estupefacientes p.p. pelo artº 21º do DL 15/93 de 22/1.Os critérios para a fixação da pena única são para além dos critérios decorrentes do artº71º do CP, os estabelecidos no artº 77º do CP, onde se dispõe que na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente
Dispõe o artº 77º do CP que «Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente
Sobre o modo de levar à prática estes critérios, expende o Professor Jorge Figueiredo Dias: “Tudo deve passar-se (…) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido a atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”.[11]
Ou seja, o nosso sistema rejeita uma visão atomística da pluralidade dos crimes e obriga a ponderar o seu conjunto, a possível conexão dos factos entre si, e a relação da personalidade do agente com o conjunto dos factos, devendo ainda o tribunal atender à análise da concreta necessidade de pena resultante da inter-relação dos vários ilícitos típicos.
Considera ainda o Prof. Jorge Figueiredo Dias que à questão de saber se “factores de medida das penas parcelares podem ou não, perante o princípio da proibição da dupla valoração, ser de novo considerados na medida da pena conjunta” se impõe, “em princípio”, uma resposta negativa. Mas faz notar que “aquilo que à primeira vista poderá parecer o mesmo factor concreto, verdadeiramente não o será consoante seja referido a um dos factos singulares ou ao conjunto deles: nesta medida não haverá fundamento para invocar a proibição da dupla valoração”.[12]
Recordam-se agora todas as circunstâncias referidas aquando da determinação de cada uma das penas parcelares.
A moldura abstracta da pena única oscila entre um mínimo de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão e um máximo de 7 (sete) anos e 2 (dois) meses de prisão.
Tudo ponderado, designadamente a personalidade do Arguido ao demonstrar uma severa indiferença ao efeito de admonição das penas tem-se por adequado fixar a pena única de 6 (seis) anos de prisão, ficando naturalmente prejudicada a apreciação da possibilidade de suspensão da execução da pena, por não se verificar o pressuposto formal desse instituto previsto no artº 50º nº1 do CP.
Face à absolvição do Arguido AA da prática do crime de roubo qualificado pelo qual vinha acusado, decorrentemente terá o Arguido de ser absolvido do pedido civil deduzido pela demandante A... –Empresa de Segurança, SA, por não se encontrarem demonstrados os factos ilícitos que suportavam tal condenação, e como tal também não estarem verificados os pressupostos legais do artº 483º nº1 do CC e tendo presente a doutrina imanente ao Assento nº7/99 de 17/6/1999.
Igualmente terá o Arguido de ser absolvido do pedido de condenação da vantagem patrimonial de 75.000 € enquanto vantagem do crime de roubo, pelo qual o Arguido foi absolvido, face ao disposto no artº 110º nº1 do CP.
Terá no entanto de proceder o pedido de perda alargada a favor do Estado formulado pelo MP, no montante de 20.466,75€ uma vez que foi apurado um património incongruente nesse montante, e uma vez que oArguido foi condenado pela prática e um crime de tráfico de estupefacientes p.p. pelo artº 21º do DL 15/93 de 22/1 que é um crime de catálogo previsto no artº 1º nº1 da Lei nº5/2002.
No artº 1º nº1 da Lei nº5/2002, de 11 de Janeiro, prevê-se o âmbito de aplicação da Lei, enquanto regime especial designadamente sobre a perda de bens a favor do Estado relativamente a determinado tipo de crimes, estando elencado na alínea a) o crime de tráfico de estupefacientes previsto no artº 21º do DL 15/93 de 22/1 pelo qual o arguido foi condenado.
Dispõe o artº 7º nº1 da referida Lei:
1. Em caso de condenação pela prática do crime referido no artigo 1º, e para efeitos de perda de bens a favor do Estado, presume-se constituir vantagem de actividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito.
.2 Para efeitos desta lei, entende-se por «património do arguido» o conjunto dos bens:
a) Que estejam na titularidade do arguido, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e benefício, à data da constituição como arguido ou posteriormente;
b) Transferidos para terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, nos cinco anos anteriores à constituição como arguido;
c) Recebidos pelo arguido nos cinco anos anteriores à constituição como arguido, ainda que não se consiga determinar o destino.
3 – Consideram-se sempre como vantagens de actividade criminosa os juros, lucros e outros benefícios obtidos com bens que estejam nas condições previstas no arresto do artigo 111º do Código Penal.”
O artº 8º deste diploma legal estabelece os termos processuais em que o MP procede à liquidação do património.
Por sua vez o artº 9º estabelece a possibilidade e modo de defesa do arguido à liquidação efectuada dispondo:
1-Sem prejuízo da consideração pelo tribunal, nos termos gerais, de toda a prova produzida no processo, pode o arguido provar a origem dos bens referidos no nº2 do artº 7º.
2- Para os efeitos do número anterior é admissível qualquer meio de prova válido em processo penal.
3- A presunção estabelecida no nº1 do artº 7º é ilidida se se provar que os bens:
a) Resultam de rendimentos de actividade ilícita;
b) Estavam na titularidade do arguido há pelo menos cinco anos no momento da constituição como arguido.
c) Foram adquiridos pelo arguido com rendimentos obtidos no período referido na alínea anterior.
4. Se a liquidação do valor a perder em favor do Estado for deduzida na acusação, a defesa deve ser apresentada na contestação. Se a liquidação for posterior à acusação, o prazo é de defesa é de 20 dias contados da notificação da liquidação.
5. A prova referida nos nºs 1 a 3 é oferecida em conjunto com a defesa”.
Tendo o Ministério Público deduzido incidente de liquidação para perda alargada, cf. fls 6265, vol 23º, face à matéria provada sob os pontos 85 a 94, há que declarar perdido a favor do Estado o montante de 20.466,78€, (vinte mil quatrocentos e sessenta e seis euros) correspondente ao valor do património incongruente, condenando o Arguido AA no pagamento ao Estado daquele valor (art.º 12.ºda Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro). Procede pois também nesta parte o recurso do MP.
No mais improcedem os recursos do MP –na parte respeitante ao Arguido AA - e do Arguido AA, não tendo sido violadas as normas invocadas.
Ainda em sede de qualificação jurídica e determinação da medida das penas aplicadas há agora que conhecer do recurso do Magistrado do Ministério Público relativamente à condenação do Arguido DD pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p.p. pelo artº 25º nº1 do DL 15/93 de 22/1.
Alega o Magistrado recorrente que a decisão recorrida devia ter condenado o arguido DD pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p.p. pelo artº 21º nº1 da Lei 15/93 de 22/1 em vez do crime de tráfico de menor gravidade, em pena entre 4 anos e 6 meses e 5 anos e 6 meses de prisão efectiva.
O acórdão recorrido enquadrou a conduta do arguido no tráfico de estupefacientes do artº25º nº1 do Dl 15/93 de 22/1 com a seguinte fundamentação:
Os factos apurados referem-se a uma actuação dos arguidos AA e DD circunscrita ao dia 7 de Outubro de 2021, não vindo apurados (nem imputados na acusação pública) quaisquer outros episódios do género.
É certo que a quantidade de droga detida por cada um dos arguidos (…) e DD (no total de 769,943 gr de canabis), é bastante elevada, mas tal, por si só, não assume dimensão indiciadora duma actividade de tráfico organizada, sofisticada e levada a cabo numa área geográfica abrangente.
É certo, também, que nos veículos Mitsubishi e Hyundai, utilizados pelo arguido AA, foram encontradas balanças de precisão e na posse de ambos os arguidos foram encontrados rolos de sacos plásticos e de fita-adesiva, artigos habitualmente utilizados na actividade de venda de produtos estupefacientes.
Todavia, as quantias monetárias que lhes foram apreendidas (€1.000,00 ao arguido AA e €1.040,00 ao arguido DD), não sendo denunciadoras de uma actividade de venda , são enquadráveis dentro do padrão de vida dos ora arguido e acima melhor explanado.
A isto acresce a circunstância de não se ter comprovado que os arguidos AA e DD tivessem actuado em conjugação de esforços e no seguimento de plano entre ambos gizado e a que ambos aderiram.
Este quadro factual permite ainda - parece-nos - enquadrar a conduta dos arguidos AA e DD num cenário de mera detenção de estupefacientes, a apontar para a existência de uma situação de ilicitude consideravelmente diminuída.
Destarte, a avaliação global da situação de facto permite concluir que a mesma integra o tráfico de menor gravidade.…”
A fim de evitar inúteis repetições dá-se agora como reproduzido o que supra se escreveu, aquando da apreciação do recurso do Arguido AA, sobre os critérios jurídicos e jurisprudenciais de diferenciação entre o crime de tráfico de estupefacientes do artº 21º do DL 15/93 de 22/1 e o crime de tráfico de menor gravidade previsto no artº 25º nº1 do CP.
Conforme resulta da factualidade dada como provada está em causa a detenção pelo Arguido DD de “oito porções, vulgos “sabonetes”, de canabis (resina), envoltas individualmente em celofane, como o peso total líquido de 769,943 gramas, com um grau de pureza de 19,9% (THC), suscetíveis de ser dividida em 3064 doses; ”ponto 76.6 dos factos provados.
Mais foram apreendidos “um rolo de sacos plásticos incolores; 8. um rolo de fita cola de cor castanha, em uso, da marca 3W Inter;”ponto 76.7 e8 da factualidade provada. e ainda “. uma balança de bolso, digital, da marca Pocket Scale, modelo MH-200, acondicionada na respetiva caixa em cartão; ”e “vários recortes de sacos plásticos incolores. ”
E simultaneamente deu-se como não provado que:
Nas circunstâncias supra descritas em 73. e 76. dos factos provados, os arguidos AA e DD tivessem agido em conjugação de esforços e no seguimento de plano entre ambos gizado e a que ambos aderiram, no intuito de vender a terceiros (consumidores/revendedores) as substâncias estupefacientes acima mencionadas por um preço superior ao da sua aquisição, assim visando obter os correspondentes lucros.
Pois bem, desde já se adianta que face aos critérios supra enunciados, a detenção por parte do arguido de “oito porções, vulgos “sabonetes”, de canabis (resina), envoltas individualmente em celofane, como o peso total líquido de 769,943 gramas, com um grau de pureza de 19,9% (THC), suscetíveis de ser dividida em 3064 doses; ”, num contexto em que também lhe são apreendidos sacos plásticos incolores, um rolo de fita cola de cor castanha e uma balança de bolso digital, não obstante estar em causa cannabis, encerra em si uma ilicitude que não se revela “consideravelmente diminuída”, como prevê o tipo de tráfico de menor gravidade previsto no artº 25º nº1 do DL 15/93 de 22/1, mas que se enquadra ainda no parâmetro do tipo base, artº 21º, do mesmo diploma, sendo a gradação da ilicitude oportunamente ponderada na determinação da pena dentro da moldura penal deste preceito, vale dizer pena de prisão de 4 a 12 anos.
Isto, sem prejuízo de se manter inalterada a matéria de facto provada e não provada, a qual não foi objecto de impugnação por parte do recorrente.
Há pois que determinar a pena aplicar ao Arguido DD, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p.p. pelo artº 21º do DL 15/93 de 22/ pelo qual este tribunal de recurso o condena.
Mais uma vez se reproduz o que se escreveu anteriormente sobre os critérios de determinação da medida da pena.
A decisão recorrida, ainda que dentro da moldura do tráfico de menor gravidade havia considerado o seguinte:
Já quanto ao crime de tráfico de estupefacientes praticado por cada um dos arguidos AA e DD relevam a quantidade elevada de produtos estupefacientes detidos por cada um deles(…).
No que respeita à culpabilidade dos arguidos (…) DD, EE e (…), há que relevar a intensidade do dolo com que actuaram – dolo directo - conforme acima visto.
(…)
Em relação aos demais arguidos é de salientar, pela positiva, o facto de não contarem com antecedentes criminais.
(….)
O arguido DD apresenta boa inserção familiar e laboral.
(…)”.
Consideradas as circunstâncias referidas e o disposto no artº 71º do CP, designadamente a quantidade e a natureza do produto detido pelo Arguido, cujos efeitos são considerados menos perigosos para a saúde pública do que as ditas “drogas duras”, ponderada a situação de primário, e a boa inserção familiar e laboral, surgindo a detenção como um acto isolado, tem se por adequado para satisfazer as necessidades de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir, aplicar ao Arguido DD uma pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Face à aplicação desta pena pelo crime de tráfico de estupefacientes p.p. pelo artº 21º do DL 15/93 de 22/1, fica naturalmente prejudicado o cúmulo jurídico efectuado pelo tribunal recorrido, havendo agora que proceder à efectivação de um novo cúmulo jurídico com a pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão que lhe foi aplicada pela prática de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. c), por referência ao artigo 2.º, n.º 1, alíneas x) e az) e ao artigo 3.º, n.º 2, al. l), todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro (com as alterações introduzidas pela Lei n.º 50/2019, de 24 de julho), e determinação de uma nova pena única.
Dá-se por reproduzido o que supra se escreveu sobre os critérios de determinação da pena única.
Pondera-se a concentração temporal dos factos, a boa inserção laboral do Arguido, e a ausência de antecedentes criminais, a revelarem um acto isolado, e a demandarem atenuação das exigências de prevenção especial, não obstante a natureza dos ilícitos esteja ligado a prementes razões de prevenção geral.
Tudo ponderado tem-se por adequado aplicar ao Arguido DD uma pena única de 5 (cinco) anos de prisão.
Face à aplicação de uma pena não superior a 5 (cinco) anos de prisão, verificado está o pressuposto formal da aplicação da suspensão da execução da pena, previsto no artº 50º nº1 do CP, há que ponderar a verificação dos requisitos materiais da respectiva suspensão.
Como escreve o Professor Figueiredo Dias é preciso ter presente que na avaliação dos pressupostos da suspensão da pena não estão em causa “quaisquer considerações de culpa” – Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 344”-(realçado nosso).
E ainda que “A suspensão da execução da prisão é uma pena de substituição. As finalidades de tais penas são exclusivamente preventivas, não finalidades de compensação da culpa” – sublinhado nosso- cuja finalidade é exclusivamente preventiva (prevenção geral e especial) e não retributiva.[13]
Como também refere o mesmo autor[14], “ (..) desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias”.
Assim considerando a ausência de antecedentes criminais, tendo o arguido nascido em 9 de Abril de 1981, actualmente com 42 anos de idade, a boa inserção familiar e profissional e a boa imagem social de “pessoa educada, trabalhadora e prestativa”, ponto 109 da factualidade provada, pensamos ser possível acreditar que a ameaça da pena de prisão serão suficientes para fazer o arguido arrepiar caminho quanto à sua conduta futura, e como tal ser viável a formulação de um juízo de prognose positivo que impõe a suspensão da execução da pena de prisão aplicada.
Entendemos pois, ser possível formular um juízo de prognose positivo de molde a correr o risco prudente de considerar que a simples censura do facto e a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, de molde a restabelecer a validade da norma e os sentimentos de confiança e segurança nas instituições judiciais pelo que nos termos do artº 50º do CP, se suspende a pena de 5 (cinco) anos de prisão aplicada ao arguido por igual período de 5 (cinco) anos, artº 50º nº 2 e 5 do CP, com sujeição a regime de prova, nos termos do artº 53º nº1 e 2 do CP, assente num plano individual de reinserção social, com incidência na manutenção da actividade profissional e afastamento de pessoas e locais relacionados com o tráfico de estupefacientes, a executar sob a vigilância do IRS, que deverá dar conhecimento trimestral ao tribunal relativamente à forma como está a decorrer a execução plano.

(…)
Já em sede de direito alega o recorrente (EE) que não se verifica o crime de coacção, e que “existe uma relação de concurso aparente por consunção entre o crime de roubo agravado e o crime de coacção grave”. Invoca como apoio do alegado o Prof, Américo Taipa de de Carvalho quando o mesmo escreveu em anotação ao artº 154º do CP “As coacções, mediante ameaças ou ofensas corporais simples, exercidas imediatamente a seguir a execução do roubo e com único objectivo de impedir a perseguição, são consumidas pela punição do roubo.”[15]
Para apreciação desta questão, importa fazer uma breve incursão sobre os elementos do crime de roubo.
São elementos do ilícito em causa, a utilização de violência física ou ameaça com um perigo iminente contra uma pessoa, ou pondo-a por qualquer maneira na impossibilidade de resistir.
É pois necessário para que o crime se verifique que a conduta do agente, integre algum dos comportamentos referidos.
E o crime de roubo "é um crime complexo, na medida em que o seu autor viola não só um bem jurídico de carácter patrimonial, mas ainda um bem jurídico eminentemente pessoal, na parte em que põe em causa a liberdade, a integridade física ou até a própria vida da pessoa do ofendido, característica que se apresenta de maior relevo do que a ofensa do bem patrimonial e que verdadeiramente o distingue do crime de furto".11)Cf.Ac.STJ de 24 de Novembro de 1993, in BMJ 431, pág.2ª 63. )
Trata-se pois de um crime comum, que pode ser praticado por qualquer pessoa, e de natureza complexa na medida em ofende tanto bens jurídicos patrimoniais como bens jurídicos pessoais.
Nas palavras de José António Barreiros, o crime de roubo é, e diferentemente do furto, pluriofensivo, “pois com ele atinge-se o bem jurídico propriedade e também a liberdade, a segurança, a integridade física e a própria vida alheia, todos de natureza pessoal.” [16] [17]
Esta dimensão complexa do roubo ao nível dos bens jurídicos protegidos, resulta directamente das expressões usadas na formulação do tipo legal quer com a referência à subtracção de coisa alheia, que nos remete directamente para a tutela de bens patrimoniais, - estando aqui compreendidos tanto a propriedade como a detenção da coisa, - quer com a enumeração dos meios tipificados para levar a cabo a subtracção, -violência, ameaça, pôr na impossibilidade de resistir - , reflexo da tutela dos bens pessoais protegidos, quer a utilização da expressão constranger, da qual já resulta a tutela da liberdade da pessoa constrangida. [18]
Quanto à ameaça, tem-se entendido que com a mesma se coarcta a liberdade individual de decisão e acção, que acaba por colocar a vítima numa situação, de coacção moral que a impossibilita de resistir aos propósitos do agente, numa noção próxima do conceito descrito no tipo do artº 153º do CP, só que apenas relevando aqui a ameaça com perigo iminente para a vida ou integridade física.
Do que ficou dito resulta pois que o crime de roubo além de ser um crime comum e de resultado é também um crime de processo típico/execução vinculada quanto aos meios de acção, subtracção ou constrangimento. A nível subjectivo exige-se uma conduta dolosa, pelo menos com dolo eventual.
Dispõe o artº 154º do CP «Quem, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, constranger outra pessoa a uma acção ou omissão, ou a suportar uma actividade, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa»
O bem jurídico protegido pelo crime de coação é “a liberdade de decisão e acção. Liberdade de decisão e liberdade de acção são como o lado interno e o lado externo da liberdade de acção. O crime de coacção não só abrange as acções que apenas restringem a liberdade de (decisão e de ) acção – as acções de constrangimento em sentido estrito, ou seja a tradicional vis compulsiva -, mas também as acções que eliminam, em absoluto, a possibilidade de resistência – a chamada vis absoluta -, bem como as acções que afectam os pressupostos psicológico-mentais da liberdade de decisão, isto é, a própria capacidade para decidir – como são as hipóteses de coação mediante hipnose ou intoxicação.”[19]
É um crime de execução vinculada quanto aos meios, violência ou ameaça com mal importante.
Trata-se de um crime de resultado, pois como escreve o Prof. Taipa de Carvalho, “Sendo o bem jurídico protegido a liberdade de acção, a consumação deste crime exige, consequentemente, que a pessoa objecto da acção de coacção tenha, efectivamente, sido constrangida a praticar a acção, a omitir a acção ou a tolerar a acção de acordo com a vontade do coactor e contra a sua vontade.” [20]
A nível subjectivo é um crime doloso, mas basta o dolo eventual, ou seja “bastando que o agente, sejam quais forem as suas motivações, tenha consciência de que a violência que exerce ou a ameaça que faz é susceptível de constranger e com tal se conforme.”[21]
Tendo presentes os elementos dos dois tipos de ilícitos, roubo e coacção, pode-se pois dizer que o crime de roubo abrange os crimes de coacção e ameaça. Como escreve Conceição Ferreira da Cunha, “O crime de ameaça (artº 153º) constitui um dos meios de coacção, (cfr art.154.3) e, também (consequentemente), um dos meios expressamente referidos no crime de roubo. Saliente-se no entanto, que o tipo legal de roubo abrange apenas a ameaça com perigo iminente para a vida ou a integridade física (diferentemente do crime de ameaça – artº 153º - que abrange a ameaça com outros tipos de crimes; -cf artº 153º(…); e do crime de coacção –artº 154º - que se refere a ameaça com mal importante – cf- artº 154º (…).”[22]
E como tal nos casos em que a coacção seja o meio típico utilizado para a entrega da coisa, verifica-se uma relação de concurso aparente (consunção) entre o crime de roubo e o crime de coacção.[23]
Porém no caso dos autos, a imputação e subsequente condenação pelo crime de coacção resultou de factos praticados pelos Arguido EE, posteriormente à entrega do dinheiro por parte da vítima, no que foi, conforme resulta da matéria de facto, usado como meio de constrangimento a exibição e o apontar de objecto aparentando ser uma arma de fogo.
Vista a matéria provada, o crime de coacção pelo qual o Arguido foi condenado, refere-se à matéria provada sob os pontos 59.60,61,62,63e 71dos factos provados, vale dizer: “.59 Nesse instante, PP e HH, ao aperceberem-se do sucedido, deslocaram-se de imediato no encalço dos arguidos, em direção ao parque de estacionamento onde se encontrava aparcado o veículo Mercedes, tendo o arguido EE entrado para o banco traseiro. 60. Então, HH logrou aproximar-se do Mercedes e abriu a porta dianteira direita, tendo o arguido CC proferido as seguintes expressões: “Sai daqui sua filha da puta” 61. Como HH abrisse, de seguida, a porta traseira direita daquela viatura, logo o arguido EE lhe apontou o referido objecto cujas concretas características se não logrou apurar, mas aparentando ser uma arma de fogo.62 Receando pela sua vida face às expressões proferidas e ao empunhar e apontar na sua direção do objecto cujas concretas características se não logrou apurar, mas aparentando ser uma arma de fogo, HH parou de tentar impedir a fuga dos arguidos, abstendo-se de continuar a persegui-los..63. As expressões proferidas, acompanhadas da detenção e do empunhar do referido objecto cujas concretas características se não logrou apurar, mas aparentando ser uma arma de fogo, eram idóneas a provocar inquietação e a prejudicar a liberdade de determinação de qualquer pessoa, o mesmo sucedendo a HH, a qual ficou com receio de os arguidos virem a atingi-la na sua integridade física e vida, o que coartou a sua liberdade de determinação. 71. Ao atuarem do modo descrito, agiram os arguidos CC e EE em livre manifestação de vontade, em conjugação de esforços e no seguimento de plano a que aderiram, no propósito, concretizado, de proferir as referidas expressões e de empunhar o objecto cujas concretas características se não logrou apurar, mas aparentando ser uma arma de fogo, apontando-o a HH, e de assim causar receio a esta pela sua vida, deixando-a num estado de atemorização que lhe prejudicou a sua liberdade de determinação, com o propósito final, que concretizaram, de a constranger a não continuar a persegui-los, evitando a sua fuga.”
Desta matéria resulta que as referidas HH e WW após a subtracção do dinheiro pelos arguidos foram no seu encalço, conquanto não se diga qual era o seu objectivo; recuperar o dinheiro? Impedir a fuga?
De todo o modo inequívoco resulta da matéria de facto que com as expressões proferidas e com a exibição do objecto que aparentava ser uma arma, os arguidos pretenderam que HH parasse de persegui-los e fugirem do local.
Isto independentemente de HH, só por si não ter capacidade para deter a viatura onde os arguidos se encontravam, e fugiram. Mas ao abrir a porta, obstaculava a tal fuga, e seguia no encalço dos mesmos.
Os factos praticados pelos arguidos consubstanciam pois a prática de actos de coacção puníveis nos termos do artº 154º nº1 e 155nº 1 al.a) do CP.
Pretende o arguido que esta conduta integra-se ainda na resolução que tomaram de se apoderarem do dinheiro, e que seria uma situação de concurso aparente por consumpção.
A ser válida a argumentação do recorrente, os factos integradores da prática do crime de coacção teriam de ser considerados como factos posteriores não punidos.
Porém e com o devido respeito afigura-se não ser correcto tal entendimento.
No caso em análise, muito embora se possa apreender uma unidade de acção e o mesmo sentido de ilícito jurídico social, o que à partida nos remeteria para a existência de um único crime de roubo por força da ocorrência de uma relação de concurso aparente de normas por consumpção entre o crime de coacção e o crime de roubo, ocorre que a vítima da acção coactiva é uma pessoa diferente da vítima da coacção utilizada para a apropriação dos valores em dinheiro.
Acerca do princípio da consunção escreve o Prof. Germano Marques “O princípio da consumpção não assenta num critério de relação lógica entre normas, mas num critério de valor. Na perspectiva do princípio da consunção o facto é idêntico mas naturalisticamente diferenciado, embora seja expressão de um desvalor penal homogéneo.”[24]
Porém quando estão em causa crimes que protegem bens de caracter eminentemente pessoal, Adverte o Prof. Figueiredo Dias, “ (…) a pluralidade de vítimas – e, consequentemente, a pluralidade de resultados típicos – deve considerar-se sinal seguro da pluralidade de sentidos do ilícito e conduzir à existência de um concurso efectivo.”[25]
Existindo uma pluralidade vítimas, como ocorre no caso dos autos, o crime de coacção agravado perpetrado pelos Arguidos na pessoa da ofendida HH, não s encontra consumpto pelo crime de roubo.
Nota-se que não obstante a anotação efectuada pelo Prof Taipa de Carvalho ao artº 154º do CP, transcrita pelo recorrente, logo ressalva o mesmo Professor, “ Já haverá concurso efectivo (real) entre os rimes de roubo e as coacções praticadas contra um terceiro (…) com o objectivo de coagir este a adoptar determinado comportamento.(…). [26][27] .
Improcede pois esta questão.
(…)

III – DISPOSITIVO:
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em.
(…)
No parcial provimento do recurso do Arguido AA:
Alterar a matéria de facto nos termos sobreditos;
Absolver o Arguido AA da prática do crime de roubo agravado p.p. pelo artº 210º nºs1 e 2, alínea b) do CP por referência ao disposto no artigo 204º, nº2, alínea a) e ao artigo 202º alb) do CP pelo qual foi acusado/pronunciado.
Revoga-se a condenação do arguido AA a pagar ao Estado nos termos 110º nº1 al.b) e nº4 do a quantia de 75.000€;
Revoga-se a condenação do Arguido AA no pagamento da quantia de 76,697,40 € à demandante A..., absolvendo o mesmo do pedido civil deduzido pela demandante, uma vez que não se verificam os pressupostos da responsabilidade por factos ilícitos, nos termos do artº 483º do C.Civil e tendo presente a doutrina imanente ao Assento nº7/99 de 17/6/1999.
Condenar a demandante nas custas do pedido cível em ambas as instâncias.
Sem tributação (artº 513º nº1 do CPP)

No parcial provimento do recurso do Ministério Público:
Alterar a qualificação jurídica efectuada no acórdão recorrido e condenar o Arguido AA pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p.p. pelo artº 21º do DL 15/93 de 22/1, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Em cúmulo jurídico desta pena, com a pena que lhe foi aplicada pelo crime de detenção de arma proibida p.p. pelos artºs p. e p. pelo artigo 86.º, n.º1, alínea c), por referência ao disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alíneas p), q), x), az), aad), n.º 2, alínea l), n.º 3, alíneas o), p), ab), ac), todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, condena-se o arguido AA na pena única de 6 (seis) anos de prisão.
Julgar procedente o incidente de liquidação para perda alargada, deduzido pelo MP, e condena-se o Arguido AA a pagar ao Estado a quantia de 20.466,78€, (vinte mil quatrocentos e sessenta e seis euros) (art.º 12.ºda Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro).
Alterar a qualificação jurídica efectuada no acórdão recorrido e condenar o arguido DD pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p.p. pelo artº 21º do DL 15/93 de 22/1, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Em cúmulo jurídico desta pena com a pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão que lhe foi aplicada pela prática de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. c), por referência ao artigo 2.º, n.º 1, alíneas x) e az) e ao artigo 3.º, n.º 2, al. l), todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro (com as alterações introduzidas pela Lei n.º 50/2019, de 24 de julho) condenar o arguido na pena única de 5 (cinco) anos de prisão.
Nos termos do artº 50ºnº1, 2 e 5 do CP, suspender a pena de 5 (cinco) anos de prisão aplicada ao arguido por igual período de 5 (cinco) anos com sujeição a regime de prova, nos termos do artº 53º nº1 e 2 do CP, assente num plano individual de reinserção social, com incidência na manutenção da actividade profissional e afastamento de pessoas e locais relacionados com o tráfico de estupefacientes, a executar sob a vigilância do IRS, que deverá dar conhecimento trimestral ao tribunal relativamente à forma como está a decorrer a execução do plano.
(…)

Porto, 8/11/2023
Lígia Figueiredo
Maria do Rosário Martins
Paulo Costa
______________
[1] Ibidem.
[2] Cfr. Ac STJ de 18/4/96, in Colectânea Jurisprudência do STJ, Ano IV, tomo 2, 1996, (relator Sá Nogueira.), pág.170ss.
[3] Voto de vencido aposto no ac. do STJ de 29/11/2012 proferido no processo nº 862/11.6TAPFR.S1.
[4] Jorge de Figueiredo Dias, Direito, ibidem.
[5] Pedro Pato, in Comentário das Leis Penais Extravagantes, Paulo Pinto de Albuquerque, José Branco, (Org.) vol.2, Universidade Católica Editora, pág.490.
[6] Proc. 06P3112 (relator Armindo Monteiro) in dgsi.pt.
[7] Ac. do STJ de 2-6-99 (proc. n.º 269/99, Relator: Conselheiro Lourenço Martins)
[8] Proferido no proc. 08P571 (relator Conselheiro Henriques Gaspar).
[9] Proferido no proc. 5/20.5GAETZ.E1.S1 (relator Conselheiro António Latas.).
[10] Proferido no proc. 1/20.2GABJA.S1 (relatora Conselheira Leonor Furtado)
[11] - (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Reimpressão, 2005, páginas 291 e 292).
[12] Ibidem.
[13] Ac. RP. 0211729, de 11.12..2002 de que foi relator Fernando Monterroso.
[14] Ob.cit.pág.333.
[15] Américo Taipa de Carvalho, Código Penal, Comentário Conimbricense do Código Penal, parte especial, Tomo I, Coimbra Editora 2ª edição, pág. 584
1)Cf.Ac.STJ de 24 de Novembro de 1993, in BMJ 431, pág.2ª 63.
[16] Crimes Contra o património, pág.84.
[17] Classificação também aceite por Taipa de Carvalho, Direito Penal, Parte Geral pág.296.
[18] Cfr. Conceição Ferreira da Cunha , Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, pág.164
[19] Prof. Taipa de Carvalho Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte especial, Tomo I, 2º edição, pág. 569.
[20] Ob cit pág.574.
[21] Ob.cit pág. 575.
[22] Conceição Ferreira da Cunha, anotação artº 210º do CP, Comentário Conimbricense do Código Pena, parte especial Tomo II, Coimbra Editora 1999, pág.162.
[23] Ibidem pág177.
[24] Prof. Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, Tomo I, Verbo 2ª edição , pág.337.
[25] Jorge de Figueiredo Dias Direito Penal, Parte geral Tomo I, Questões fundamentais de Direito Penal, Coimbra Editora,2ª edição pág,1008.
[26] Ibidem pág.585.
[27] Esta solução de concurso real é também defendida por Miguez Garcia e Castela Rio, no caso de haver duas vítimas de violência e um só ofendido patrimonialmente (dono da coisa), cf. anotação artº 210º do CP, Código Penal , Parte Geral e Especial, Almedina, 2018,pág.998.