DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
INDEFERIMENTO LIMINAR
EXCEPÇÃO DILATÓRIA DE CASO JULGADO
Sumário


I. Iniciando-se o processo de insolvência com uma fase (de feição declarativa) destinada a verificar se existe a situação de insolvência invocada e a declará-la (quando exista), desenrola-se a mesma apenas com o devedor que se apresente à insolvência, sendo este então a sua única parte.

II. Num processo em que seja requerida a declaração judicial da insolvência do devedor e a concessão do benefício de exoneração do passivo restante do mesmo, são estes os respectivos pedidos, isto é, a concreta pretensão de tutela jurisdicional pretendida.

III. A causa de pedir num processo de insolvência é constituída pela facticidade essencial ou nuclear que integra a previsão do art.º 3.º, do CIRE (que contém a noção base de insolvência), ou pelos factos essenciais que integram um dos factos índices de insolvência (previstos numa das alíneas do n.º 1, do art.º 20.º, do CIRE); e, por isso, mantém-se inalterada se, nuns segundos e sucessivos autos de insolvência, se mantiver parte do passivo que já existia à data da anterior declaração de insolvência (ainda que aumentado) e se nenhum outro activo tiver acrescido àquele que então existia.

IV. Não tendo chegado a ser pago grande parte do passivo reconhecido num primeiro processo de insolvência, nem tendo o insolvente beneficiado ali da exoneração do passivo restante, manteve-se ininterruptamente insolvente até à data da instauração de um segundo processo de insolvência, onde, invocando as mesmas causas para a impossibilidade de pagamento do dito passivo, o relaciona acrescido de dois adicionais créditos (que apenas agravaram a insolvência antes reconhecida).

V. A excepção dilatória de caso julgado pressupõe o confronto de duas acções (uma delas contendo uma decisão já transitada em julgado), e a tríplice identidade entre ambas de sujeitos, de causa de pedir e de pedido; e visa o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, por forma a evitar a repetição de causas.

VI. Verifica-se a excepção do caso julgado, motivando o indeferimento liminar da petição de insolvência, se o requerente/devedor, pretendendo a exoneração do passivo restante, e tendo já anteriormente sido declarado insolvente por sentença transitada em julgado (proferida em autos onde se admitira liminarmente a dita exoneração, depois recusada por incumprimento de deveres próprios), invoca a existência e quantificação de parte do passivo já considerado na anterior insolvência (ainda que aumentados com novos créditos), o qual se mantém, com a impossibilidade de ser pago.

Texto Integral


Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - Gonçalo Oliveira Magalhães;
2.º Adjunto - Fernando Manuel Barroso Cabanelas.

*
ACÓRDÃO
I - RELATÓRIO
1.1. Decisão impugnada
1.1.1. AA e mulher, BB, residentes na Rua ..., freguesia ..., em Guimarães (aqui Recorrentes), propuseram o presente processo especial de insolvência, pedindo que:

· fossem declarados em estado de insolvência;

· e lhes fosse concedido o benefício de exoneração do seu passivo restante.

Alegaram para o efeito, em síntese: serem casados entre si; ter o Requerente marido 64 anos e encontrar-se reformado por velhice, auferindo mensalmente a esse título € 1.043,50; ter a Requerente mulher 65 anos e encontrar-se desempregada, não auferindo quaisquer subsídio ou rendimentos; serem ambos doentes crónicos (v.g. ambos hipertensos, o Requerente marido ainda com cancro e a Requerente mulher ainda com diabetes e artroses), despendendo mensalmente em medicamentos €150,00; terem outras despesas mensais fixas, de € 850,00 (com renda de casa, condomínio, água, luz, alimentação, comunicações, transporte e vestuário); e terem como único rendimento a pensão de velhice do Requerente marido e como único património os móveis que constituem o recheio da casa de morada de família, arrendada.
Mais alegaram terem-se antes apresentado à insolvência, no processo n.º 2847/13.... (do então ... Juízo Cível do Tribunal Judicial ...), tendo a mesma sido declarada em 16 de Agosto de 2013; e tendo aí pedido e visto liminarmente admitido o respectivo pedido de exoneração do passivo restante, ser-lhes-ia o mesmo recusado em Abril de 2019 (no fim do período de cessão, então de cinco anos), depois de terem entregue à fidúcia € 11.266,61, sendo a dita recusa exclusivamente imputável ao então respectivo Mandatário Judicial, que não cumpriu as notificações para apresentação de documentos que lhe foram dirigidas e das quais nem mesmo lhes deu conhecimento (por isso tendo participado disciplinarmente do mesmo).
Alegaram ainda ter a sua insolvência resultado do fracasso da exploração comercial de um café e da acumulação de créditos ao consumo que contraíram para fazer face às dívidas daí resultantes, ao que se viria a juntar o desemprego da Requerente mulher e a perda de saúde do Requerido marido; e terem desde 2017, para fazerem face à sua situação precária, contraído empréstimos juntos de uma pessoa amiga  (CC), no valor global de € 25.000,00, estando agora a ser executados pela mesma (para obter o pagamento coercivo da quantia de € 25.693,63).
Por fim, alegaram estarem em condições de beneficiar da exoneração do passivo restante, por preencherem todos os requisitos exigidos para o efeito pelos art.ºs 237.º e 238.º, ambos do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas [1].

1.1.2. Da relação dos credores respectivos, junta pelos Requerentes (AA e mulher, BB) nos termos do art.º 24.º, n.º 1, al. a), do CIRE, resulta: ser o seu passivo de capital global de € 61.843,64; deste, encontrar-se já vencido e reconhecido no anterior processo de insolvência a quantia de capital € 35.986,66; acrescerem juros a cada um dos créditos parcelares de capital integrados nestes € 35.986,66 (cujas taxas não foram, porém, indicadas), não liquidados desde 28 de Agosto de 2013 [2]; ter-se vencido em 07 de Julho de 2021 um novo crédito, de € 25.000,00 (de CC), e não dispor o mesmo de quaisquer garantias; e ter-se vencido em 05 de Janeiro de 2023 um novo crédito, de € 856,98 (de Banco 1... - Sucursal em Portugal), e não dispor o mesmo de quaisquer garantias.

1.1.3. Foi proferida decisão (aqui se dando por integralmente reproduzida), indeferindo liminarmente o pedido de declaração de insolvência, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
Verifica-se que os requerentes foram declarados insolventes no processo nº 2847/13...., que correu termos pelo ... Juízo Cível do Tribunal Judicial ... (extinto).  Os requerentes requereram igualmente a exoneração do passivo restante, tendo aquele pedido sido admitido liminarmente em 28/10/2013 – cfr. doc. nº ....
  Contudo, em abril de 2019, foi proferido Despacho de Recusa da Exoneração do Passivo Restante, “por motivo de incumprimento das obrigações legais pelos insolventes” – cfr. doc. nº ....
 Com data de 20/01/2022, foram confrontados com uma execução proposta pela EMP01..., SA. – Proc. 4008/21...., Juízo de Execução ... – Juiz .... – dívida cujo pagamento já não lhes poderia ser reclamado se lhes tivesse sido concedida a exoneração. Por via de tal execução, a reforma do requerente marido foi penhorada.
Daqui se extrai que a dívida em causa já existia aquando do supra citado processo.
*
Dispõe o artigo 27.º, n.º 1 alínea a) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que “No próprio dia da distribuição ou, não sendo tal viável, até ao terceiro dia útil subsequente, o juiz indefere liminarmente o pedido de declaração de insolvência quando seja manifestamente improcedente (…)”.
Depois de ter sido proferida sentença a declarar a insolvência em determinado processo – que, entretanto, foi encerrado – e não estando em causa a situação prevista no artigo 39º, nº 7, alínea d), do CIRE, deve ser liminarmente indeferida – por se configurar a excepção de caso julgado – a petição inicial por via da qual um devedor vem requerer, novamente, a sua declaração de insolvência (para o efeito de usufruir da exoneração do passivo que lhe foi recusada em processo anterior) invocando a inexistência de qualquer património a liquidar e a impossibilidade de satisfazer determinado passivo que, já existia à data da anterior declaração de insolvência.
Com efeito, se o passivo invocado para fundamentar o pedido de insolvência já existia à data da anterior declaração de insolvência e se nenhum outro activo tiver acrescido àquele que existia naquele momento, a pretensão formulada (delimitada pelo pedido e respectiva causa de pedir) é idêntica àquela que já foi reconhecida e declarada na anterior sentença, uma vez que a concreta situação de insolvência – traduzida pela impossibilidade de o activo assegurar a satisfação do passivo vencido – é exactamente a mesma.
Por outro lado, se o passivo invocado para fundamentar o pedido de insolvência já existia à data da anterior declaração de insolvência, os titulares desses créditos eram legalmente considerados como credores da insolvência no âmbito do anterior processo, estando, por isso, habilitados a exercer os seus direitos nesse processo; nessas circunstâncias, o facto de não terem aí reclamado os créditos não obsta a que, no segundo processo instaurado, se conclua pela existência de identidade de sujeitos que é pressuposto de funcionamento da excepção de caso julgado.
A exoneração do passivo está sempre dependente da existência de um processo de insolvência – não correspondendo, portanto, a uma pretensão que possa ser formulada de forma autónoma – e pressupõe, naturalmente, que esse processo esteja em condições de ser admitido e que nele venha a ser declarada a insolvência do devedor; nessas circunstâncias, sendo liminarmente indeferido o pedido de declaração de insolvência, também não poderá ser admitido o pedido de exoneração do passivo.
(…)
Mais se acrescentaria que apesar de não ter beneficiado da EPR (art. 238º, nº1, al. c) do CIRE) a sua recusa final implica o incumprimento das respetivas condições, o que deriva de culpa e deve ser necessariamente ponderado, o que levaria também ao indeferimento liminar daquele instituto, reconduzindo a uma situação de falta de interesse processual dos AA. na presente ação.
*
Pelo exposto, e por estarmos perante um caso de manifesta improcedência indefere-se liminarmente o pedido de declaração de insolvência.
Cumpra o disposto no art. 27º, nº2 e 44º, nº1 ambos do CIRE.
Custas pelos requerentes.
Registe e Notifique.
(…)»
*
1.2. Recurso
1.2.1. Fundamentos
Inconformados com esta decisão, os Requerentes (AA e mulher, BB) interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo que fosse provido e se revogasse o despacho recorrido.

Concluíram as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção):
(…)
30. Deste modo, conclui-se que não ocorre a invocada exceção do caso julgado, pelo que, em consequência, deve revogar-se a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento do pedido de Insolvência.
 
31. Decidindo em contrário, a douta decisão recorrida não interpretou, nem aplicou corretamente os preceitos legais atinentes, nomeadamente os artºs 580º e 581º do CPC. e os artºs 27º, 243º e 244º do CIRE..
*
1.2.2. Contra-alegações
Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.
*
II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art.º 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC) [3].
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [4], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa).
*
2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar
Mercê do exposto, e do recurso interposto pelos Requerentes (AA e mulher, BB) [5], uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal ad quem:

· Questão única -  Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação do art. 27.º, n.º 1, al. a), do CIRE, inexistindo fundamento legal para se indeferir liminarmente o pedido de declaração de insolvência formulado pelos Requerentes (nomeadamente, por a tanto não obstar o reconhecimento judicial da sua insolvência, e a recusa do benefício de exoneração do passivo restante, em sede de prévio processo de insolvência a que ambos se apresentaram)?
*
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com interesse para a apreciação da questão enunciada, encontram-se assentes (mercê do conteúdo dos próprios autos) os factos já discriminados em «I - RELATÓRIO», que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
*
IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Declaração judicial de insolvência
4.1.1. Situação de insolvência
Lê-se no art.º 3.º, n.º 1, do CIRE, que está em situação de insolvência «o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas».
Precisa-se, porém, que o cumprimento que aqui está em causa reporta-se necessariamente à realização pontual das obrigações (desconsiderando-se a possibilidade do seu eventual e incerto cumprimento futuro); e que as ditas obrigações se deverão encontrar, em regra, já vencidas (necessariamente tendo de estar quando a insolvência seja requerida por um dos credores do devedor).
Precisa-se, ainda, que esta impossibilidade de cumprimento caracterizadora da insolvência «não tem de abranger todas as obrigações assumidas pelo insolvente e vencidas», sendo que o que «verdadeiramente releva (…) é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.
Com efeito, pode até suceder que a não satisfação de um pequeno número de obrigações ou até de uma única indicie, só por si, a penúria do devedor, característica da sua insolvência, do mesmo modo que o facto de continuar a honrar um número quantitativamente significativo pode não ser suficiente para fundar saúde financeira bastante» (Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição Quid Juris, Lisboa 2015, pág. 86, com bold apócrifo) [6].
*
Contudo (num preceito inovador, sem paralelo no Direito anterior), consigna-se no art.º 28.º, do CIRE, que a «apresentação à insolvência por parte do devedor implica o reconhecimento por este da sua situação de insolvência, que é declarada até ao 3º dia útil seguinte ao da distribuição da petição inicial ou, existindo vícios corrigíveis, ao do respectivo suprimento».
Logo, os factos alegados pelo requerente apresentante devem considerar-se confessados (já que a própria propositura da acção envolve o reconhecimento daqueles que correspondem à chamada situação de insolvência, que lhe é desfavorável); e, face a essa confissão, o Tribunal deverá declarar a insolvência respectiva (sem necessidade de ulteriores e adicionais indagações).
Precisa-se, porém, que, se o reconhecimento da situação de insolvência por apresentação do devedor constitui uma confissão, este meio de prova não o exonera de alegar os factos que integram os pressupostos do pedido de insolvência [7].
*
4.1.2. Indeferimento liminar do pedido (de declaração de insolvência)
Lê-se no art.º 27.º, n.º 1, al. a), do CIRE, que, no «próprio dia da distribuição, ou, não sendo tal viável, até ao 3.º dia útil subsequente, o juiz» indefere «liminarmente o pedido de declaração de insolvência quando seja manifestamente improcedente, ou ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias insupríveis de que deva conhecer oficiosamente».
Dir-se-á, antes de mais, que, em regra, os «casos de indeferimento liminar correspondem a situações em que a petição apresenta vícios formais ou substanciais de tal modo graves que permitem prever, logo nesta fase, que jamais o processo assim iniciado terminará com uma decisão de mérito ou que é inequívoca a inviabilidade da pretensão apresentada pelo autor» (António Santos Abrantes Geraldes, Temas da reforma de processo civil, I Volume, Coimbra, Almedina, 1997, Tomo I, págs. 225-227).
Ficarão, assim, de fora do indeferimento liminar todas aquelas situações em que as deficiências notadas sejam estritamente formais ou de natureza secundária, já que, perante o seu suprimento, não se corre o risco de se reabrir a possibilidade de reformulação substancial da própria pretensão ou impugnação e dos termos em que assentam (conforme art.º 590.º, n.º 6, do CPC [8], e art.º 265.º, do mesmo diploma [9]).
*
Precisando, então, o que seja a «manifesta improcedência», entende-se que a mesma se verifica quando for evidente e ostensivo que os factos alegados e a subsunção jurídica dos mesmos efectivada, não possam, de todo em todo, sustentar a pretensão deduzida [10].
Pretende-se, deste modo, salvaguardar o princípio da economia processual, defendendo-se simultaneamente o réu: não «vale a pena prosseguir com a acção, sujeitando o réu a incómodos e a despesas, se pela simples leitura da petição o juiz se persuadir (…) que a pretensão do autor não pode prosperar» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pág. 258).
Contudo, face ao momento precoce em este julgamento antecipado de lide é feito (em que o réu ainda nem sequer foi autorizado a contraditar a pretensão do autor, ao contrário do que sucede com o conhecimento imediato do mérito da causa em sede de despacho saneador) [11], reitera-se que o mesmo apenas se justifica quando seja evidente - manifesta - a inutilidade de qualquer instrução ou discussão posterior, isto é: quando seja inequívoco (indiscutível) que a acção nunca poderá proceder, qualquer que seja a interpretação jurídica que se faça da lei em vigor (tendo nomeadamente em conta os diferentes contributos da doutrina e da jurisprudência) [12], ou a sua concreta aplicação ao caso sub judice (por insuprível falta alegação de factos necessários para o preenchimento dos requisitos de procedência da acção) [13].
Com efeito, estando nomeadamente omissa a alegação de um núcleo de factos essenciais e estruturantes da causa de pedir [14], a petição ou o requerimento inicial serão ineptos, determinando a nulidade de todo o processo (art.ºs 186.º, n.º 1 e n.º 2, al. a), do CPC).

Precisando o que sejam «excepções dilatória insupríveis de que deva conhecer oficiosamente» e que justificam o indeferimento liminar, dir-se-á que são aquelas que se apresentem, de modo evidente, em face dos próprios termos do requerimento inicial, sem necessidade de produção de qualquer tipo de prova, sendo absolutamente indiscutíveis, por não suscitarem qualquer dúvida e dispensarem, por manifesta desnecessidade, a audição da parte (diligência que, a ter lugar, não teria utilidade).
Logo, e sendo o despacho de indeferimento liminar, «pelos seus fundamentos, excepcional, não deve ser proferido quando esteja em causa uma excepção dilatória de conhecimento oficioso cujos pressupostos não emanam, de forma evidente, da petição inicial, situação que pode justificar, pelo contrário, mesmo numa fase liminar, a prolação de um despacho de convite ao esclarecimento quanto à sua verificação» (Ac. da RL, de 11.05.2021, Micaela Sousa, Processo n.º 82020/19.9YIPRT.L1-7).
*
4.1.3. Caso julgado
4.1.3.1. Âmbito
Lê-se no art.º do 628.º, do CPC, que uma decisão judicial «considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação».
Quando assim seja (e nos termos dos art.ºs 619.º, n.º 1 e 620.º, n.º 1, ambos do CPC) terá força obrigatória: dentro do processo e fora dele, se for sentença ou despacho saneador que decida do mérito da causa (caso julgado material); ou apenas dentro do processo, se for sentença ou despacho que haja recaído unicamente sobre a relação processual (caso julgado formal).

Contudo, a «sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga» (art.º 621.º, do CPC).
Ora, a doutrina divide-se quanto aos limites objectivos do caso julgado. Com efeito, partindo sempre do pressuposto da prévia existência de uma decisão que resolveu uma questão que entronca na relação material controvertida apreciada, ou que versou sobre a relação processual constituída, e pretendendo-se evitar que essa mesma questão venha mais tarde a ser validamente definida, em termos diferentes, pelo mesmo ou por outro tribunal, nem sempre se torna claro precisar o concreto alcance do caso julgado formado [15].
Assim, para uns, tais limites confinam-se à parte injuntiva da decisão, não constituindo caso julgado os fundamentos da mesma [16]; já outros, defendem que reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independente dos respectivos fundamentos, pois que o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão [17].
Reconhece-se que a posição actualmente predominante é favorável a uma mitigação do referido conceito restritivo de caso julgado, no sentido de, considerando embora o caso julgado restrito à parte dispositiva do julgamento, alargar a sua força obrigatória à resolução das questões que a sentença tenha tido necessidade de resolver como premissa da conclusão firmada [18].
Deste modo, e aderindo a este último entendimento, ainda que os limites objectivos do caso julgado se restrinjam à parte dispositiva da sentença, sem tornar extensiva a sua eficácia a todos os motivos objectivos da mesma, deve alargar-se a respectiva força obrigatória à resolução de questões preliminares que a sentença teve necessidade de resolver, como premissa da conclusão retirada: embora as premissas da decisão recorrida não revistam, por via de regra, força de caso julgado, deve reconhecer-se-lhes essa natureza, quer quando a parte decisória se referir a elas, de modo expresso, quer quando constituam antecedente lógico necessário e imprescindível da decisão final.
*
4.1.3.2. Distinção de efeitos - Excepção (de caso julgado) e Autoridade (de caso julgado)
Face ao exposto, e ainda ao teor dos art.ºs 576.º, n.º 1 e n.º 2, 577.º, al. i), 580.º e 581.º, todos do CPC, compreende-se que se distinga entre a excepção dilatória de caso julgado e a força e autoridade de caso julgado (efeitos distintos da mesma realidade jurídica).
*

Precisando, a excepção dilatória de caso julgado pressupõe o confronto de duas acções (uma delas contendo uma decisão já transitada em julgado), e a tríplice identidade entre ambas de sujeitos, de causa de pedir e de pedido. Logo, visa o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, por forma a evitar a repetição de causas.

Segundo o art.º 581.º, do CPC, repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto: aos sujeitos (isto é, quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica) [19]; ao pedido (isto é, quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico) [20]; e à causa de pedir (isto é, quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico, isto é, do mesmo princípio gerador do direito, da mesma sua causa eficiente) [21].

Enfatiza-se, porém, que, para se aferir da repetição - ou não - de uma acção, se deve atender, «não só ao critério formal (assente na tríplice identidade dos elementos que definem a acção), fixado e desenvolvido no art. 498º [art. 581.º, do actual CPC], mas também à directriz substancial traçada no nº 2, do art. 497º [art. 580.º, do actual CPC], onde se afirma que a excepção da litispendência (tal como a de caso julgado), tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior» (Antunes Varela, Sampaio e Nora, J. M. Bezerra, Manuel de Processo Civil, Coimbra Editora, Limitada, 2.ª edição, pág. 302, com bold apócrifo) [22].
*

Precisando novamente, a força e autoridade de caso julgado decorre de uma anterior decisão que haja sido proferida, designadamente no próprio processo, sobre a matéria em discussão, e prende-se com a sua força vinculativa. Logo, visa o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito; e pode funcionar independentemente da tríplice identidade exigida pela excepção, pressupondo apenas «a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida», isto é, sendo «entendimento dominante que a força do caso julgado material abrange, para além das questões directamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado» (Ac. do STJ, de 21.03.2012, Álvaro Rodrigues, Processo n.º 3210/07.6TCLRS.L1.S1).
Por outras palavras, neste segundo caso (de força e autoridade do caso julgado) «não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressuposto da decisão» (Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex - Edições Jurídicas, 1997, pág. 579, com bold apócrifo) [23].
«À mesma conclusão (naturalmente) chegamos por uma outra via. Embora o conhecimento das excepções não adquira por princípio força de caso julgado material (n.º 2 do artigo 96.º do Código de Processo Civil), o trânsito em julgado de uma decisão de mérito faz precludir a possibilidade de, em acção subsequente, poderem vir a ser utilizadas para a contrariar questões que, na primeira acção, poderiam ter sido invocadas como meios de defesa. Assim resulta do princípio da concentração, expressamente definido no n.º 1 do artigo 489.º do Código de Processo Civil: se nem como oposição a uma eventual execução (cfr. al.g) do n.º 1 do artigo 814.º) podem ser utilizados, muito menos podem servir de causa de pedir em acções cujo desfecho possa conduzir à referida contradição» (Ac. do STJ, de 08.04.2010, Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, Processo n.º 2294/06.9TVPRT.S1, com bold apócrifo).
*
Concluindo, enquanto que a excepção dilatória do caso julgado pressupõe uma identidade entre relações jurídicas (sendo a mesma relação - perfeitamente individualizada nos seus aspectos subjectivos e objectivos - objecto de sucessiva e repetida apreciação jurisdicional), a autoridade do caso julgado pressupõe uma prejudicialidade entre objectos processuais («julgada, em termos definitivos, certa matéria numa acção que correu termos entre determinadas partes, a decisão sobre o objecto desta primeira causa, sobre essa precisa questio judicata, impõe-se necessariamente em todas as outras acções que venham a correr termos entre as mesmas partes - incidindo sobre um objecto diverso, mas cuja apreciação dependa decisivamente do objecto previamente julgado, perspectivado como verdadeira relação condicionante ou prejudicial da relação material controvertida na segunda acção», conforme Ac. do STJ, de 24.04.2013, Lopes do Rego, Processo n.º 7770/07.3TBVFR.P1.S1).
Dito de outro modo, «pela excepção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito», enquanto que «a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito. (…) Este efeito positivo assente numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida» (Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 354, com bold apócrifo) [24].
*
4.1.3.3. Fundamento e ratio
O caso julgado é, então, um instituto com raízes no direito fundamental, constitucional, intimamente ligado ao princípio do Estado de Direito Democrático, por ser uma garantia basilar dos cidadãos onde deve imperar a segurança e a certeza; é hoje um valor máximo de justiça, aliado ao princípio da separação de poderes (Miguel Pimenta de Almeida, A intangibilidade do Caso Julgado na Constituição (Brevíssima Análise), pág. 18, disponível em http://miguelpimentadealmeida.pt/wp-content/uploads/2015/06/A-INTANGIBILIDADE-DO-CASO-JULGADO-NA-CONSTITUI%C3%87%C3%83O.pdf).
«O fundamento do caso julgado reside, por um lado, no prestígio dos tribunais, o qual “seria comprometido em alto grau se mesma situação concreta uma vez definida por eles em dado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente” e, por outro lado, numa razão de certeza ou segurança jurídica [25], pois “sem o caso julgado estaríamos caídos numa situação de instabilidade jurídica verdadeiramente desastrosa. (…) Seria intolerável que cada um nem ao menos pudesse confiar nos direitos que uma sentença lhe reconheceu”.
“Se assim não fosse, os tribunais falhariam clamorosamente na sua função de órgãos de pacificação jurídica, de instrumentos de paz social”» (Ac. da RG, de 17.05.2018, José Flores, Processo n.º 1053/15.2T8GMR-C.G1, citando inicialmente Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pág. 306, e depois Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, pág. 705).
*
4.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
4.2.1. Identidade de sujeitos
Concretizando, verifica-se que, tendo-se os Requerentes (AA e mulher, BB) apresentado em 2013 à insolvência (e, simultaneamente, requerido a exoneração do seu passivo restante), viram aquela ser-lhes judicialmente reconhecida (e esta ser-lhes recusada, no final dos cinco anos do período de cessão), no Processo de Insolvência n.º 2847/13.... (do extinto ... Juízo Cível do Tribunal Judicial ...).
Mais se verifica que vieram novamente, em 29 de Setembro de 2023, nos presentes autos, requerer a declaração judicial da sua insolvência (e, simultaneamente, requerer a exoneração do seu passivo restante).

Ora, iniciando-se o processo de insolvência precisamente com uma fase de feição declarativa, destinada a verificar se existe a situação de insolvência invocada e a declará-la (quando exista), desenrola-se a mesma apenas com o devedor que se apresente à insolvência, ou o devedor e o credor que a tenha requerido [26].
Logo, no caso dos autos (pretéritos e actuais), na fase liminar pertinente à sentença declaratória da insolvência, a única parte na acção são os próprios Requerentes (AA e mulher, BB), que em ambos processos coincidem.
*
4.2.2. Identidade de pedidos
Concretizando novamente, verifica-se que, quer no primeiro processo de insolvência iniciado com a apresentação à mesma pelos Requerentes (AA e mulher, BB), quer no presente - em que reiteraram idêntica apresentação -, os mesmos pediram a declaração judicial da respectiva insolvência e a concessão do benefício de exoneração do seu passivo restante.

Logo, no caso dos autos (pretéritos e actuais), a pretensão de tutela jurisdicional coincide inteiramente nos seus efeitos, pelo que se verifica identidade dos respectivos pedidos.
*
4.2.3. Identidade de causas de pedir
Concretizando uma vez mais, verifica-se que em ambos os processos de insolvência a que se apresentarem, os Requerentes (AA e mulher, BB) invocaram basicamente os mesmos factos essenciais para caracterizarem a sua situação financeira e a impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas.
Mais se verifica que estas obrigações vencidas coincidem igualmente quanto à generalidade do passivo invocado nuns e noutros autos, isto é, quanto ao montante de capital de € 35.986,66 (a que acrescem juros, quanto a cada um dos créditos parcelares nele integrados, desde, pelo menos, 28 de Agosto de 2013); e que apenas acrescem neste novo processo de insolvência dois créditos inéditos, um global de € 25.000,00, contraído entre 2017 e 2021, junto de CC, sem garantias, e outro de € 856,98, contraído junto de Banco 1... - Sucursal em Portugal,  sem garantias.
Serão os mesmos suficientes para descaracterizarem a identidade de causas de pedir, em ambos os processos de insolvência ?
 
Começa-se por precisar que, na ação de insolvência, «a causa de pedir é constituída pela facticidade essencial ou nuclear que integra a previsão da norma do art.º 3º do CIRE (que contém a noção base de insolvência) ou pelos factos essenciais que integram um dos factos índices de insolvência previstos numa das alíneas do n.º 1 do art.º 20º» do CIRE (Ac. da RG, de 03.03.2022, José Alberto Moreira Dias, Processo n.º 3546/21.3T8VCT.G1).
Compreende-se, por isso, que se afirme que «a pretensão de ver declarada a insolvência será idêntica à pretensão já obtida na acção anterior se o passivo existente for o mesmo que já existia à data da anterior declaração de insolvência e se nenhum outro activo tiver acrescido àquele que existia naquele momento. Isso não significa, porém, que qualquer acréscimo de activo ou qualquer alteração do passivo deva conduzir necessariamente à conclusão de que estão em causa pretensões diferentes; importará ainda saber, nesse caso, se a alteração existente tem ou não a relevância bastante para concluir que está em causa uma realidade de facto diferente daquela que ocorria aquando do primeiro processo que configure uma situação de insolvência distinta e que, como tal, possa justificar e conferir alguma utilidade a uma nova declaração de insolvência. Ou seja, para que se possa concluir pela existência de uma nova e diferente situação de insolvência será necessário que a impossibilidade (agora existente) de satisfazer o passivo vencido seja uma realidade diferente daquela que existia aquando do primeiro processo por se reportar a um passivo e a um activo que, não obstante possam ser parcialmente coincidentes com os que existiam anteriormente, apresentam alterações com relevância bastante para concluir que não estamos perante um mero prolongamento ou agravamento da situação de insolvência que já foi declarada, mas sim perante uma situação de insolvência nova e diferente por se reportar a passivo e activo que divergem, em termos relevantes, daqueles que existiam aquando da primeira declaração de insolvência» (Ac. da RC, de 24.01.2023, Maria Catarina Gonçalves, Processo n.º 3245/22.9T8LRA, com bold apócrifo) [27].
Logo, desde que a causa da insolvência se mantenha a mesma (nomeadamente, que não se tenha eliminado o passivo, ou parte substancial dele, cuja impossibilidade de satisfação justificou a instauração do primeiro processo de insolvência), não é o facto de se indicar uma dívida nova, ou dívidas novas (de relativa relevância, comparadas com o demais passivo, ou inferiores ao mesmo) que permite afirmar que se esteja perante uma diferente causa de pedir [28].

Ora, invocando os Requerentes (AA e mulher, BB) em ambos os processos de insolvência a que se apresentaram a mesma inexistência de patrimónios e escassez de rendimentos para fazer face ao pagamento do remanescente do passivo primeiro invocado (que, segundo eles próprios, corresponde a uma dívida global de capital de € 35.986,66, a que acrescem juros, quanto a cada um dos créditos parcelares nela integrados, desde, pelo menos, 28 de Agosto de 2013), o facto deste se mostrar acrescido com dois novos débitos de capital de € 25.856,98 não invalida que a causa de pedir seja igual em ambos os autos.
Com efeito, não tendo os Requerentes (AA e mulher, BB) chegado a pagar até hoje grande parte do passivo reconhecido no seu primeiro processo de insolvência, nem tendo ali beneficiado da exoneração do passivo restante, mantiveram-se ininterruptamente insolventes: nunca chegou a desaparecer a respectiva impossibilidade de satisfação do passivo, ali alegada e reconhecida, que apenas se agravou pela contracção de novas dívidas, sem correlativo aumento de activo, persistindo ainda as mesmas causas da dita impossibilidade.
Logo, fica igualmente certificada essa identidade de causa de pedir.
*
4.2.4. Desconsideração da (alegada) actuação do anterior Mandatário Judicial
Concretizando uma derradeira vez, insurgem-se os Recorrentes (AA e mulher, BB) contra a alegada desconsideração, feita pelo Tribunal a quo, dos «factos alegados» que «justificam cabalmente os motivos pelos quais se viram obrigados a recorrer ao segundo pedido de insolvência», isto é, o não lhes ter sido concedida a exoneração do passivo restante em «virtude, exclusivamente, da falha profissional do [seu] mandatário (…), cuja responsabilidade somente àquele pode ser assacada», e que motivou  a «participação apresentada na Ordem dos Advogados», por eles próprios contra aquele.
Com efeito, e segundo a sua alegação, «o Sr. Advogado, não deu cumprimento às notificações que o próprio recebeu, decorridos que estavam os cinco anos da cessão, nem deu cumprimento às notificações depois efetuadas aos aqui ora recorrentes e que ao mesmo entregaram (obviamente). Tais notificações tinham prazos para apresentação da documentação final (documentação essa que se encontrava já em poder do Sr. Advogado e outra que lhe foi sendo, entretanto, entregue), sob cominação que a omissão importava a recusa da exoneração».
Sendo assim, «o “incumprimento das obrigações legais pelos insolventes” no anterior processo de Insolvência, não aconteceu por culpa dos mesmos, conforme refere (mal) a decisão sub judice», tendo ainda sido ignorada a prova apresentada por si próprios, bem como a sua disponibilidade para «apresentar a participação apresentada na Ordem dos Advogados contra o mandatário que lhes “negou” a exoneração do passivo restante».
Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, não lhe assiste razão. 

Com efeito, existindo uma decisão judicial de mérito, transitada em julgado, de recusa de exoneração do passivo restante, por incumprimento das obrigações legais que estavam cometidas aos aqui Requerentes (AA e mulher, BB), não pode mais discutir-se, neste ou noutro processo (que não de recurso extraordinário de revisão da dita decisão, se para tanto houver fundamento, nos termos dos art.ºs 696.º e seguintes, do CPC) o incumprimento, por eles, dos ditos deveres, conforme sobejamente explicitado supra.
Assim, a ter sido efectivamente a «exoneração do passivo restante (…) recusada por culpa (grave) do mandatário dos insolventes, aqui recorrentes, que não agiu segundo as exigências das leges artis, os deveres deontológicos da classe e os conhecimentos jurídicos então existentes, atuando em violação do dever objetivo de cuidado», fazendo-os perder «a chance, séria e consistente» de lhes ter sido concedido aquele benefício, terão os mesmos de procurar o ressarcimento dos prejuízos que desse modo lhes tenham sido causados (grosso modo, correspondentes ao passivo restante de que não se viram libertos) noutra sede (de eventual responsabilidade civil contratual), que não esta.
Logo, inexistem quaisquer factos, alegados, desconsiderados pelo Tribunal a quo, que obstaculassem à tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, certificada antes.
*
4.2.5. Consequência processual (indeferimento liminar)
 O caso julgado consubstancia uma excepção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que conduz à absolvição do réu da instância (art.ºs 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. i), 578.º e 278.º, n.º 1, al. e), todos do CPC, aqui aplicáveis ex vi do art.º 17.º, do CIRE).

Estando-se em sede de apreciação liminar de um pedido de declaração de insolvência (e de concessão do benefício de exoneração do passivo restante, que dele depende necessariamente), mostra-se correcta a decisão do Tribunal a quo, de indeferir liminarmente o requerimento inicial, embora não por manifesta improcedência mas sim por se verificar quanto a ele a excepção dilatória do caso julgado (insuprível e de conhecimento oficioso) [29].
*
Importa, pois, decidir em conformidade, pela total improcedência do recurso dos Requerentes (AA e mulher, BB).
*
V - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto por AA e mulher, BB e, em consequência, em

· Confirmar a decisão recorrida (que indeferiu liminarmente o pedido de declaração de insolvência respectiva, precisando, porém, que não por manifesta improcedência - como nela foi ajuizado - mas sim por verificação da excepção dilatória de caso julgado).
*
Custas pelos Requerentes recorrentes (conforme art.º 304.º, II parte, do CIRE).
*
Guimarães, 23 de Novembro de 2023.


O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - Gonçalo Oliveira Magalhães;
2.º Adjunto - Fernando Manuel Barroso Cabanelas.


[1] O Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas - doravante CIRE - foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/04, de 18 de Março, e objecto desde então de sucessivas alterações.
[2] Recorda-se que, face ao CIRE (e ao contrário do que sucedida no anterior art.º 151.º, n.º 2, do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de Abril), a declaração de insolvência não impede a continuação do vencimento de juros que sejam devidos sobre as dívidas de capital, conforme nomeadamente resulta dos seus art.ºs 48.º, al. b), 128.º, n.º 1 e 129.º, n.º 2.
Neste sentido:
. na doutrina - Fátima Pereira Mouta, quando afirma que a «possibilidade de reclamação dos juros posteriores à declaração de insolvência constitui uma inovação que não é favorável ao regime da estabilização do passivo, que deve resultar da sentença que declarar insolvência» (in http://www.advogadosinsolvencia.pt/mapa/creditos-subordinados);
. na jurisprudência - Ac. da RG, de 23.11.2017, Eva Almeida, Processo n.º 1862/15.2T8VCT-F.G1; ou Ac. da RP, de 10.05.2021, Carlos Gil, Processo n.º 2636/20.4T8STS-C.P1.
[3] «Trata-se, aliás, de um entendimento sedimentado no nosso direito processual civil e, mesmo na ausência de lei expressa, defendido, durante a vigência do Código de Seabra, pelo Prof. Alberto dos Reis (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359) e, mais tarde, perante a redação do art. 690º, do CPC de 1961, pelo Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299» (Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, nota 1 - in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem).
[4] Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1, onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido».
[5] O Tribunal a quo, no despacho que admitiu o recurso sub judice, fixou o valor da causa em € 30.000,01.
[6] No mesmo sentido, Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, Janeiro de 2016, pág. 48.
Na jurisprudência: Ac. da RL, de 13.07.2010, Márcia Portela, Processo n.º 863/10.1TBALM.L1-6; ou Ac. da RL, de 20.05.2015, Farinha Alves, Processo n.º 2509/09.1TBPDL-2.
[7] Neste sentido, numa jurisprudência uniforme: Ac. da RE, de 26.06.2008, Maria Alexandra Santos, Processo n.º 1290/08-3; Ac. da RG, de 13.03.2012, Rosa Tching, Processo n.º 4551/11.3TBGMR-A.G1; Ac. da RP, de 07.04.2014, Rita Romeira, Processo n.º 3527/13.0TBVLG.P1; Ac. da RL, de 29.05.2014, Gilberto Jorge, Processo n.º 510/13.0TBPTS.L1-6; Ac. da RG, de 21.09.2017, Eugénia Marinho da Cunha, Processo n.º 4173/17.5T8GMR.G1; ou Ac. da RG, de 05.05.2022, José Carlos Duarte, Processo n.º 6868/21.0T8GMR.G1.
[8] Lê-se no art.º 590.º, n.º 6, do CPC que as «alterações à matéria de facto alegada, previstas nos n.ºs 4 e 5, devem conformar-se com os limites estabelecidos no artigo 265.º, se forem introduzidas pelo autor, e nos artigos 573.º e 574.º, quando o sejam pelo réu».
[9] Lê-se no art.º 265.º, do CPC,  q
ue: na «falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação» (n.º 1); o «autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo» (n.º 2); e é «permitida a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida» (n.º 6).
[10] Neste sentido: Ac. da RL, de 02.07.2009, Fátima Galante, Processo n.º 663/09.1TVLSB-A.L1-6; ou Ac. da RC, de 16.05.2023, Carlos Moreira, Processo n.º 5101/22.1T8LRA.C1.
[11] Enfatizando esta circunstância, Decisão Sumária, de 16.12.2015, José Eduardo Sapateiro, Processo n.º 20345/15.4T8LSB.L1-4, onde se lê que, «face à interpretação que é feita pela nossa melhor doutrina e jurisprudência relativamente à “manifesta improcedência do pedido” enquanto fundamento do despacho de indeferimento liminar que pode ser proferido no âmbito da ação declarativa com processo comum ou especial», há que ter bem presente que é prolatado «de forma unilateral e sem ter ouvido a parte contrária», antecipando um «julgamento final e definitivo do pleito», no momento em que o «julgador (…), em regra, se defronta pela primeira vez com as pretensões e correspondente causa ou causas de pedir que as sustentam e em que, numa apreciação necessária limitada e perfunctória (digamos assim), pondera acerca da verificação das condições de ação e pressupostos processuais reclamados pelo caso concreto, assim como da viabilidade de tais pedidos e fundamentos factuais e jurídicos».
[12] No mesmo sentido, na doutrina:
. António Santos Abrantes Geraldes, Temas da reforma de processo civil, III Volume, Coimbra, Almedina, 1998, pág. 154, onde se lê, que o «juiz deve reservar esta decisão apenas para os casos em que a tese propugnada pelo autor não tenha possibilidade de ser acolhida perante a lei em vigor e a interpretação que dela faça a doutrina e a jurisprudência».
.  José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, pág. 56, nota 44, onde se lê que a «simples interpretação ou aplicação duma norma de direito que possa, nomeadamente segundo a doutrina ou a jurisprudência, ter mais de um entendimento não deve levar nunca ao indeferimento liminar».
Na jurisprudência: Ac. do STJ, de 05.03.1987, BMJ, n.º 365, pág. 562, onde se lê que o indeferimento liminar por manifesta improcedência só será possível de proferir «quando a pretensão não tiver quem a defenda, nos tribunais, ou na doutrina, isto é, quando for evidente que a tese do autor não tem condições para vingar nos tribunais».
[13] Neste sentido, Ac. da RE, de 02.10,1986, CJ, Tomo IV, pág. 283, onde se lê onde se lê que o indeferimento liminar por manifesta improcedência só será possível de proferir quando «não houver interpretação possível ou desenvolvimento possível da factualidade articulada que viabilize ou possa viabilizar o pedido».     
[14] Entende-se por causa de pedir o «facto jurídico» de onde procede a pretensão dos autos (art. 581.º, n.º 4 do CPC).
Precisa-se, porém, que «quando se diz que a causa de pedir é o acto ou facto jurídico de que emerge o direito que o autor se propõe fazer valer, tem-se em vista, não o facto jurídico abstracto, tal como a lei o configura, mas um certo facto jurídico concreto, cujos contornos se enquadram na configuração legal». Logo, «há que repelir antes do mais a ideia de que a causa petendi seja a norma de lei invocada pela parte», já que a «acção identifica-se e individualiza-se, não pela norma abstracta da lei, mas pelos elementos de facto que converteram em concreto a vontade legal» (Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume III, 4.ª edição, reimpressão, Coimbra Editora, Limitada, Coimbra, 1985, págs. 121 a 124, com bold apócrifo).
Precisa-se, ainda, que na causa se pedir contêm apenas os factos essenciais (tal como definidos no art.º 5.º, n.º 1, do CPC).
[15] De forma muito expressiva sobre este tema, na jurisprudência, vejam-se: o Ac. do STJ, de 20.06.2012, Sampaio Gomes, Processo n.º 241/07.0TTLSB.L1.S1; o Ac. do STJ, de 15.11.2012, Oliveira Vasconcelos, Processo n.º 482/10.2TBVLN.G1.S1; ou o Ac. do STJ, de 21.03.2012, Álvaro Rodrigues, Processo n.º 3210/07.6TCLRS.L1.S1.
[16] Neste sentido: Castro Mendes, Direito Processual Civil, III Volume, AAFDL, 1980, pág. 282-283; Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, pág. 695; Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1976, pág. 334; e Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, Volume I, Almedina, 1970, pág. 363.
[17] Neste outro sentido, Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex - Edições Jurídicas, 1997, pág. 578.
[18] Neste sentido predominante, Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, III, Almedina, págs. 200 e 201.
[19] Dir-se-á, e quanto aos sujeitos, que «as partes são as mesmas sob o aspecto jurídico desde que sejam portadoras do mesmo interesse substancial», não tendo porém que «existir coincidência física», e sendo mesmo «indiferente a posição [autor versus réu] que assumam em ambos os processos» (Ac. da RC, de 17.09.2013, José Avelino Gonçalves, Processo n.º 507/12.7TBSEI.C1).
[20] Dir-se-á, quanto ao pedido, que estará em causa numa e outra acção «o mesmo direito subjectivo cujo reconhecimento e(ou) protecção se pede, independentemente da sua expressão quantitativa». Contudo, para haver «identidade de pedido não é necessária uma rigorosa identidade formal entre um e outro, bastando que sejam coincidentes o objectivo fundamental de que dependa o êxito de cada uma delas» (Ac. do STJ, de 06.06.2000, Garcia Marques, Processo n.º 00A327). Logo, a «identidade de pedidos ocorrerá se existir coincidência na enunciação da forma de tutela jurisdicional pretendida pelo autor e do conteúdo e objecto do direito a tutelar, na concretização do efeito que, com a acção, se pretende obter» (Ac. da RC, de 17.09.2013, José Avelino Gonçalves, Processo n.º 507/12.7TBSEI.C1).
[21] Dir-se-á, quanto à causa de pedir, que, «quando se diz que a causa de pedir é o acto ou facto jurídico de que emerge o direito que o autor se propõe fazer valer, tem-se em vista, não o facto jurídico abstrato, tal como a lei o configura, mas um certo facto jurídico concreto, cujos contornos se enquadram na configuração legal» (Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume III, 4.ª edição, reimpressão, Coimbra Editora, Limitada, Coimbra, 1985, págs. 121 e 123). Logo, «não sendo similares os factos que integram a causa de pedir na acção em que se formou o caso julgado e naquela em que se pretende projectar a sua eficácia, através da invocação da excepção, não se poderá afirmar serem idênticas as respectivas causas de pedir» (Ac. da RC, de 17.09.2013, José Avelino Gonçalves, Processo n.º 507/12.7TBSEI.C1).
[22] Compreende-se, por isso, que a «razão de ser da litispendência [bem como do caso julgado], permite que ela se verifique mesmo que as acções tenham processo diferente ou ainda que uma seja declarativa e outra seja executiva» (Ac. do STJ, de 06.06.2000, Garcia Marques, Processo n.º 00A327). É que «sobre o mesmo direito de crédito e com a finalidade de o preservar e satisfazer, podem existir acções diversas sem que necessariamente se verifique a repetição de uma causa, pois tudo depende da concreta providência jurisdicional requerida em cada uma delas» (Ac. da RG, de 30.06.2011, Isabel Rocha, Processo n.º 106/09.0TBPCR-B.G1).
[23] Assim, se, «exemplo, numa acção de condenação o réu for condenado a entregar certa coisa ao autor, a sentença proferida, uma vez transitada, obstará a que, em nova acção proposta pelo vencedor para obter a indemnização do dano proveniente da falta de cumprimento da obrigação de entrega, o réu volte a levantar a questão da existência desta obrigação. Essa questão prejudicial está definitivamente julgada» (Antunes Varela, Sampaio e Nora, J. M. Bezerra, Manuel de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, pág. 309, em nota).
Num outro exemplo, dir-se-á que, se numa primeira acção foi reconhecida a existência e validade de um contrato de compra e venda de imóvel, com base no qual os Adquirentes pretenderam - e lograram - reaver o prédio dele objecto, o seu anterior Ocupante não poderá depois, numa segunda acção, pretender invalidar o dito contrato (causa de pedir nos primeiros autos), invocando para o efeito a sua simulação: «a possibilidade de conhecimento deste pedido de declaração de nulidade colocaria o tribunal “na alternativa de contradizer ou de reproduzir” a decisão anterior (n.º 2 do artigo 497.º do Código de Processo Civil); tanto basta para que proceda a excepção de caso julgado e para que não possa ser apreciado o pedido correspondente.
[24] No mesmo sentido, Miguel Teixeira de Sousa, «O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material», BMJ, n.º 325, pág. 49, onde se lê - com bold apócrifo - que «a excepção de caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior», enquanto que «quando vigora como autoridade e caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de acção, a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição do processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão anterior».
[25] O art.º 2502.º do CC de Seabra, de 1867, afirmava cristalinamente que o caso julgado é o facto ou o direito, tornado certo por sentença de que não há recurso.
O art.º 580º, n.º 2 do CPC dispõe hoje no mesmo sentido, quando afirma que tanto «a excepção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior».
[26] Neste sentido: Ac. da RG, de 02.06.2021, Rosália Cunha, Processo n.º 4806/20.6T8VNF-B.G1; ou  Ac. da RC, de 24.01.2023, Maria Catarina Gonçalves, Processo n.º 3245/22.9T8LRA.
[27] No mesmo sentido:
. Acórdão da RC, de 03.12.2019, Maria Catarina Gonçalves, Processo n.º 562/19.9T8FND.C1 - onde se lê que «a causa de pedir do pedido de declaração de insolvência corresponda por regra, ao concreto passivo e activo que exista em determinado momento temporal e à impossibilidade de o activo do devedor lhe permitir cumprir o passivo que nesse momento se encontra vencido».
Assim, poder-se-á «concluir que a pretensão de ver declarada a insolvência nos presentes autos será idêntica à pretensão já obtida na acção anterior se a realidade a que se reporta - balizada pelo activo e pelo passivo existente e pela impossibilidade de esse activo assegurar a satisfação do passivo - for a mesma, ou seja, se o passivo em questão for o mesmo que já existia à data da anterior declaração de insolvência e se nenhum outro activo tiver acrescido àquele que existia naquele momento».
. Ac. da RC, de 26.10.2021, Freitas Neto, Processo n.º 3009/21.7T8CBR.C1 - onde se lê que, «para se poder falar de uma nova causa de pedir seria mister que a anterior tivesse desaparecido, ou seja, que a devedora tivesse conseguido por alguma forma eliminar o passivo cuja impossibilidade de satisfação serviu de razão para a instauração do anterior processo insolvencial.
Persistindo esse passivo e a impossibilidade da sua satisfação, mantém-se necessariamente a situação de insolvência então invocada, de nada importando que ela se tenha agravado com o vencimento de novas obrigações».
.  Acórdão da RC, de 23.11.2021, Arlindo Oliveira, Processo n.º 2926/21.9T8VIS.C1 - onde se lê a «causa de pedir do processo de insolvência corresponde, por regra, ao concreto passivo e activo que exista em determinado momento temporal e à impossibilidade de o activo do devedor lhe permitir cumprir o passivo que nesse momento se encontra vencido; decretada a insolvência do devedor num determinado processo por si impulsionado, a existência de uma nova causa de pedir necessária à instauração pelo mesmo devedor de um segundo processo de insolvência exige que o devedor tivesse conseguido por alguma forma eliminar o passivo cuja impossibilidade de satisfação serviu de razão à anterior declaração de insolvência.
Persistindo esse passivo, a impossibilidade da sua satisfação e se nenhum outro activo tiver acrescido àquele que existia no momento da declaração de insolvência, mantém-se necessariamente a situação de insolvência anteriormente declarada, de nada importando que ela se tenha agravado com o vencimento de novas obrigações».
[28] No mesmo sentido, Ac. da RG, de 02.06.2021, Rosália Cunha, Processo n.º 4806/20.6T8VNF-B.G1, onde se lê que, «do confronto entre o que foi considerado no anterior processo de insolvência com o que foi alegado neste verifica-se que há uma coincidência dos factos essenciais justificativos da situação de insolvência, não havendo uma nova realidade fáctica que tenha conduzido à segunda declaração de insolvência, embora nesta sejam invocados alguns factos novos, mas de escassa importância no desencadear da situação de impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas».
[29] Neste sentido:
. Ac. da RC, de 03.12.2019, Maria Catarina Gonçalves, Processo n.º 562/19.9T8FND.C1- onde se lê que, depois «de ter sido proferida sentença a declarar a insolvência em determinado processo - que, entretanto, foi encerrado - e não estando em causa a situação prevista no artigo 39º, nº 7, alínea d), do CIRE, deve ser liminarmente indeferida - por se configurar a excepção de caso julgado - a petição inicial por via da qual a devedora vem requerer, novamente, a sua declaração de insolvência (para o efeito de usufruir da exoneração do passivo que não havia requerido no processo anterior) invocando apenas a inexistência de qualquer património a liquidar e a impossibilidade de satisfazer determinado passivo que, apesar de não ter sido aí reclamado e reconhecido, já existia à data da anterior declaração de insolvência».
. Ac. da RG, de 02.06.2021, Rosália Cunha, Processo n.º 4806/20.6T8VNF-B.G1 - onde se lê que a «decisão que indeferiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, por considerar que o devedor prejudicou os credores ao não se ter apresentado tempestivamente à insolvência, tem autoridade de caso julgado num segundo processo em que é declarada a insolvência com base no mesmo conjunto de factos essenciais que já existiam aquando da primeira declaração de insolvência, impondo essa autoridade o indeferimento liminar da exoneração do passivo que já existia à data da prolação do despacho de indeferimento liminar no processo de insolvência anterior».
. Ac. da RC, de 05.04.2022, Arlindo Oliveira, Processo n.º 354/22.8T8CBR.C1 - onde se lê que se verifica «a exceção do caso julgado, motivando o indeferimento liminar da petição de insolvência, se o requerente/devedor, pretendendo a exoneração do passivo restante, e tendo já anteriormente sido declarado insolvente por sentença transitada em julgado - âmbito em que lhe havia sido concedida exoneração do passivo restante, cujos deveres ali incumpriu -, não invoca um passivo novo, mas a existência e quantificação do passivo já considerado na anterior insolvência, o qual se mantém, com a impossibilidade de o pagar».
. Ac. da RC, de 24.01.2023, Maria Catarina Gonçalves, Processo n.º 3245/22.9T8LRAV - onde se lê que a «pretensão é idêntica à já obtida na ação anterior se o passivo em questão for o mesmo que já existia à data da anterior declaração de insolvência e se nenhum outro ativo tiver acrescido, situação em que ocorre caso julgado, mesmo que se verifique um agravamento da impossibilidade de satisfação das obrigações vencidas (por via da existência de créditos vencidos posteriormente), determinando o indeferimento da petição da nova ação de insolvência, incluindo o pedido de exoneração do passivo restante».
. Ac. da RL, de 11.04.2023, Manuel Ribeiro Marques, Processo n.º 3916/22.0T8VFX.L1-1 - onde se lê que,  depois «de ter sido proferida sentença a declarar a insolvência em determinado processo - que, entretanto, foi encerrado - e não estando em causa a situação prevista no artigo 39º, nº 7, alínea d), do CIRE -, deve ser liminarmente indeferida a petição inicial por via da qual o devedor vem requerer, novamente, a sua declaração de insolvência, para o efeito de usufruir da exoneração do passivo que lhe foi negado no processo anterior, por se configurar a excepção de caso julgado».