PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO (PER)
LEGALIDADE DO PLANO DE REVITALIZAÇÃO
VIOLAÇÃO DE NORMAS IMPERATIVAS INDERROGÁVEIS
Sumário


I A verificação da legalidade do plano de revitalização, quer quanto ao dispositivo, quer quanto ao conteúdo, faz-se em primeiro lugar pela sua confrontação e conformidade com as regras do CIRE, designadamente com os arts.º 194º e 196º, no caso de falta de consentimento do credor visado por uma afetação da sua esfera jurídica.
II Até à introdução do n.º 3 no art.º 30º da Lei Geral Tributária operada pela Lei nº. 55-A/2010 de 31/12, vinha-se entendendo que o art.º 196º, nº. 1, a), do CIRE, permitia o perdão ou redução (de capital e juros) de créditos sobre o insolvente titulados pela Autoridade Tributária ou pela Segurança Social, independentemente do respetivo consentimento.
III Com essa alteração, e face à indisponibilidade dos créditos fiscais e derivados de falta de contribuições à Segurança Social, há que sindicar à luz dos princípios da igualdade e da legalidade tributárias, e concretamente perante as normas com caráter imperativo da legislação aplicável a todos os contribuintes e cidadãos, se as cláusulas do plano respeitantes a esses créditos são válidas.
IV Verificando-se violação não negligenciável (porque) de normas imperativas inderrogáveis aplicáveis ao conteúdo do plano, tal como mencionado no art.º 215º do CIRE, o juiz, ao invés de recusar a homologação do plano, pode, ponderado o caso e se mais nada se opuser, declarar a nulidade do plano, na parte em que dispôs sobre o pagamento dos créditos tributários sem consentimento do respetivo credor, no caso determinando o seu pagamento em prestações, condicionando a respetiva e definitiva homologação ao apuramento, pelo Tribunal a quo, da vontade dos Credores em manterem o acordo sem a parte viciada e de ser o mesmo ainda assim idóneo a assegurar a sua revitalização.

Texto Integral


Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

I RELATÓRIO (conforme consulta eletrónica dos autos).

EMP01... UNIPESSOAL LDA veio apresentar-se a processo especial de revitalização –PER.
Juntou proposta de revitalização.
Foi nomeado administrador judicial provisório (AI).

Foi apresentada lista provisória de credores:
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Foi prorrogado o prazo de negociações.
Foi apresentado o plano final.
Foi determinado o cumprimento do art.º 17º-F, nºs. 2 e 3, do CIRE.
O MP veio, em representação do Estado (Autoridade Tributária e Aduaneira), juntar a votação desfavorável ao plano apresentado, nos seguintes termos:
“a) face ao anúncio “citius” de 13/07/2023 (nº 3, do artº 17º-F do CIRE - Não Junção de Nova Versão ) e aos termos da nova versão final do plano de revitalização, junta aos autos  judiciais, nos termos do nº 1, do artº 17ºF do CIRE, e atendendo ao regime legal aplicável à regularização dos créditos tributários, designadamente: artigos 36ª da LGT e 85º, 196º e 199º do CPPT, de votação desfavorável do mesmo, nomeadamente por:
- a Devedora não ter pago as suas obrigações fiscais relativas a facto tributário posterior ao inicio do PER, nomeadamente os valores que deram origem aos seguintes processos de execução fiscal: 4200202301018370 (IRS 2023); ...05 (IRS/DMR de janeiro 2023); ...41 (IRS/DMR de fevereiro 2023); ...86 (IRS 2023); ...10 (IRS/DMR de março 2023); ...30 (IVA de janeiro 2023); ...32 (IVA de fevereiro de 2023); ...20 (IRS de 2023); ...64 (IRS/DMR de abril 2023); ...06 (IVA de março de 2023); ...95 (IRS de 2023); ...63 (IVA de janeiro de 2023); ...69 (coimas)..
Ora, estes valores terão que estar pagos na data do inicio do prazo para votação do plano, sob pena de se considerar que a empresa não consegue satisfazer as suas obrigações fiscais correntes cumulativamente com o cumprimento dos termos do plano e de, por isso, se considerar o plano e a empresa inviáveis.
Assim, a Fazenda Nacional está subordinada à observância das normas legais aplicáveis à regularização dos créditos tributários.
Tais normas consubstanciam-se nos arts.º 30º./2 e 3 e 36º/3, da LGT., e arts.º 85º./3, 196º, e 199º, do CPPT e artº 125º, da Lei 55-A/2010, de 31/12.
Consagram as referidas normas os princípios da indisponibilidade dos créditos tributários e da proibição da moratória, bem como o seu regime de regularização prestacional.
Refira-se que o disposto no nº 2, do artº 30º da LGT, nos termos do nº 3, do mesmo dispositivo legal, na redação que lhe foi dada pela Lei 55-A/2010, de 31 de dezembro, “prevalece sobre qualquer legislação especial”, impondo-se, o principio da indisponibilidade dos créditos tributários, sobre as disposições estabelecidas no C.I.R.E ou em qualquer outra legislação especial.
Pelo que, neste caso, aplica-se em absoluto e de forma inelutável a regra de que o principio da indisponibilidade dos créditos tributários se sobrepõe a qualquer outra legislação especial, nomeadamente ao CIRE, e à ideia de que os créditos tributários cedem face à posição maioritariamente assumida em Assembleia de Credores;
b) face à publicitação do plano, nos termos do nº 1 e 2 do artº 17º-F do CIRE e à sua, eventual, aprovação, que seja requerida a não homologação do mesmo ou que da, eventual, sentença homologatória do plano.”
O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., aqui representado pelo Centro Distrital de Segurança Social de ..., apresentou voto favorável.

O Administrador judicial provisório veio juntar a ata da votação dos credores:
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De seguida foi proferida a seguinte sentença recorrida:
“Aprovado o plano de recuperação com 73,01% dos votos e atentas as perspetivas razoáveis de evitar a insolvência, verificados os requisitos previstos no artigo 17.º F, n.º 7 do CIRE, homologo o plano de recuperação da devedora EMP01... UNIPESSOAL LDA., sociedade comercial por quotas, com NIPC ...99, com sede sita na Rua ..., ... apresentado nos autos.
A presente decisão vincula todos os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações – artigo 17.º-F, n.º 11 do CIRE. 
*
Custas pela devedora, artigos 17.º-F, n.º 12 do CIRE, sendo o valor da ação para efeitos de custas equivalente ao da alçada da Relação.
Registe, notifique e publicite nos termos do artigo 17.º-F, n.º 11 do CIRE.” 
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Inconformado, o Ministério Público, junto deste Tribunal, em representação da Fazenda Pública, veio interpor recurso apresentando alegações com as seguintes
-CONCLUSÕES- (que se reproduzem)

“1.- A sentença recorrida que homologou o plano de recuperação aprovado, com o voto contra da Fazenda Nacional, incorreu na violação do princípio da legalidade e está ferida de nulidade.
2.- O disposto no artigo 125.° da Lei nº 55-A/2010, de 31-12, que aditou o n.º 3 ao artigo 30.º da LGT, veio afastar, mesmo para os processos de insolvência pendentes, a interpretação de que, sendo o CIRE uma lei especial, os créditos fiscais, para efeito de homologação do plano de recuperação, se encontram em plano de igualdade com os demais créditos.
3.- Pelo que, considerando que os créditos fiscais prevalecem em relação aos demais créditos, na homologação do plano de recuperação não poderá haver redução, extinção ou moratória de créditos fiscais que não tenha a concordância da Fazenda Nacional e que não obedeçam aos pressupostos legais previstos, designadamente nos artigos 85.º, 86.º n.º1, 196.º, 197.º, 198.º e 199.º, todos do CPPT.
4.- Contemplando o artigo 30.º, n.º3 da LGT uma norma imperativa, não podem os Tribunais deixar de cumprir este comando legal, vinculados que estão ao dever de obediência à Lei.
5.- A Devedora não tem pago as suas obrigações fiscais relativas a facto tributário posterior ao inicio do PER, nomeadamente os valores que deram origem aos seguintes processos de execução fiscal: 4200202301018370 (IRS 2023); ...05 (IRS/DMR de janeiro 2023); ...41 (IRS/DMR de fevereiro 2023); ...86 (IRS 2023); ...10 (IRS/DMR de março 2023); ...30 (IVA de janeiro 2023); ...32 (IVA de fevereiro de 2023); ...20 (IRS de 2023); ...64 (IRS/DMR de abril 2023); ...06 (IVA de março de 2023); ...95 (IRS de 2023); ...63 (IVA de janeiro de 2023); ...69 (coimas).
6.- Com esse não cumprimento a Devedora revela a sua inviabilidade e a inviabilidade do plano de revitalização, reiterando o comportamento que manifestava antes da apresentação do pedido de PER e que era de não pagamento sistemático, sobretudo, de retenções na fonte de IRS e de IVA, não demonstrando, portanto, qualquer mudança de comportamento compatível com uma vontade genuína de revitalização.
7.- Os valores não pagos pela Devedora são, na sua maioria, relativos a retenções na fonte de IRS e a IVA, podendo ser suscetíveis de consubstanciar a prática do crime de Abuso de Confiança, face à previsão do artigo 105º do RGIT (com situações de duplo prejuízo para a Fazenda Nacional, uma vez que, no caso do IVA liquidado as entidades adquirentes puderam fazer uso do direito à dedução do IVA liquidado, mas que não foi entregue ao Estado e, no caso das retenções na fonte, os empregados puderam, na sua declaração anual de IRS (mod.3) subtrair ao valor de imposto a pagar, o valor de IRS que lhes foi retido na fonte, apesar da empresa não o ter entregue nos cofres do Estado.
8.- A decisão proferida é conivente com o inadimplemento do devedor, permite que a recuperanda continue de forma reiterada a fazer como seus valores que não lhe pertencem, exclusivamente para manter a aparência de um negócio ou de um plano de recuperação, à custa do erário publico.
9.- Tal decisão desqualifica a génese subjacente a um plano de recuperação, o qual é construído para recuperação da devedora visando o pagamento das dívidas aos credores, mas também é cúmplice ao sufragar e autorizar o continuo incumprimento reiterado, mesmo após o inicio do PER com o credor tributário, à custa de todos os contribuintes.
10.- O princípio da indisponibilidade dos créditos tributários previsto pelo artigo 30º, n.º 2 e 3 da Lei Geral Tributária impõe condições e restrições à Autoridade Tributária, por não poder alterar a relação jurídica tributária e, assim, dispor livre e autonomamente dos seus créditos, mas impõe igualmente deveres no julgador, exigindo um juízo critico e assertivo, sobre a atuação do recuperando, não se bastando pelo conforto do plano reunir os pressupostos formais para a regularização da dívida tributária vencida, mas devendo exigir como condição inviolável, o cumprimento imediato e tempestivo de todas as novas obrigações tributárias.
11.- Não o fazendo, e tornado eficaz o plano ao credor tributário, penaliza todos os contribuintes, pois garante ao devedor, sobre a capa de um processo de recuperação, que a dívida exigível não só não é paga como irá aumentar, amarrando o credor tributário durante meses à suspensão dos processos de execução fiscal.
12.- Assim, a homologação publicitada é uma decisão meramente formal, a qual passou pela simples aplicação de um silogismo em que as condições propostas são as legalmente exigíveis, não ponderando, como devia fazer, se o devedor é ou não cumpridor, se constitui ou não nova dívida, se paga ou não paga os tributos exigíveis.
13.- Acresce que, no plano aprovado nos presentes não foi proposta a constituição de qualquer nova garantia por forma a assegurar o pagamento dos créditos fiscais em dívida, sendo que decorre do persistente comportamento incumpridor, antes a após a apresentação do PER, a falta de condições para o seu cumprimento.
14.- O plano de recuperação aprovado nos autos incorre, assim, na violação – não negligenciável – do disposto nos artigos 30.º, n.ºs 2 e 3 e 36.º, n.º 3 da LGT, artigo 125.º da Lei n.º55-A/2010, de 31.12 e artigos 85.º, 86.º n.º1, 196.º, 197.º, 198.º e 199.º, todos do CPPT.
15.- Assim e em face do voto contra emitido pela Fazenda Nacional, a decisão proferida pelo Tribunal a quo que homologou o mesmo plano de recuperação não observou o disposto no artigo 215.º, ex vi artigo 17.º-F, n.º11, ambos do CIRE, estando ferida de nulidade, pelo que deve ser revogada.”
Pede que o recurso seja julgado procedente, revogando-se a decisão judicial recorrida, substituindo-a por outra que recuse a homologação do plano de recuperação aprovado.
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Foi determinado o desentranhamento das contra-alegações da requerente por falta de pagamento de multa liquidada e taxa de justiça.
O recurso foi admitido como de apelação, efeito devolutivo e subida imediata. O recurso subiu nos próprios autos.
Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II QUESTÕES A DECIDIR.

Decorre da conjugação do disposto nos arts.º 608º, nº. 2, 609º, nº. 1, 635º, nº. 4, e 639º, do Código de Processo Civil (C.P.C.) que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo. Impõe-se ainda ao Tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso que se resultem dos autos.
Impõe-se por isso no caso concreto e face às elencadas conclusões decidir se:
-se há violação não negligenciável de normas aplicáveis ao conteúdo do plano de insolvência;
-na afirmativa, se deve ser recusada a homologação do plano apresentado nos autos.
***
III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

Os termos a atender são os que constam do relatório supra.
Acresce que do plano final proposto consta, além do mais:
“No caso do Instituto da Administração Tributária, a regularização das dívidas será efetuada nos termos dos nºs 2 e 3 do artigo 30º e nº 3 do artigo 36º da LGT e artigos 196º e 199º do CPPT, em concreto, obedecendo cumulativamente aos requisitos a seguir identificados:
- Pagamento em regime prestacionas, nos termos do artigo 196.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), ou seja;
a) As prestações são mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira até ao final do mês seguinte à data da sentença homologatória do Plano;
b) Número de prestações: 150 prestações mensais, não podendo nenhuma delas ser inferior a 10 unidades de conta (atualmente €1020);
A redução dos créditos fiscais só se dará, por juros de mora vencidos e vincendos, nos termos do Decreto-Lei n.º 73/99 de 16 de março, aceitando-se as taxas praticadas para os créditos da Segurança Social, face à renúncia dos demais credores e às garantias constituídas;
Não haver lugar à redução de coimas e custas; Não haver lugar a qualquer moratória; Manutenção das garantias existentes, nos termos do nº 13, do artº 199º do CPPT;
Para os efeitos previstos do n.º 1 do artigo 17º-E do CIRE, determina-se, nos termos da sua parte final, que a extinção dos processos fiscais só se dará nos termos do CPPT”.
Quanto aos créditos de outros credores e fornecedores, consta:
“O reembolso do valor dos créditos a pagar a estes credores ocorrerá durante um período de 1 (um) anos, através de 12 (doze) prestações mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira prestação 6 meses após o mês seguinte ao trânsito em julgado da sentença que homologar o Plano de Recuperação e as restantes no mesmo dia dos meses subsequentes.
Inexigibilidade de juros de mora com aplicação de sobretaxas, custas e outras quantias desta natureza, como também, a título de clausula penal, e relacionadas com créditos constituídos ou vencidos até à data de aprovação do plano de Revitalização.
Perdão total da dívida reclamada e não reconhecida pelo Administrador Judicial Provisório na Lista Definitiva de Credores homologada nos termos e para os efeitos do artigo 17º-D do CIRE, e bem assim, perdão total da dívida existente à data do despacho de admissão do Processo Especial de Revitalização que não tenha sido reclamada.
Perdão total dos juros vencidos e vincendos.”

Mais consta do plano:
“No caso do Instituto de Gestão Financeira de Segurança Social, reclamadas e reconhecidas no presente Processo, deverão ser regularizadas através de um Plano de Pagamento Prestacionas, a autorizar, em prestações mensais e sucessivas, ⎯ Pagamento no âmbito dos valores da Execução em dívida Fiscal, em obedecendo 150 prestações aos seguintes mensais, factos: iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira até ao final do mês seguinte ao términus do prazo previsto no n.º 5 do artigo 17-D do CIRE;
- Não haverá lugar à redução de coimas e custas;
⎯ Não haver lugar a qualquer moratória;
⎯ Pagamento de juros vencidos e vincendos à taxa legalmente fixada para os juros de mora aplicáveis às dividas ao Estado e outras entidades Públicas;
⎯ Isenção da prestação de garantia, nos termos do nº 13º do artigo 199º do CPPT;
⎯ As Ações Executivas pendentes para cobrança de dívida à Segurança Social não são extintas mantendo-se suspensas após Aprovação e Homologação do Plano de Recuperação até integral cumprimento do plano de pagamentos que venha a ser autorizado;
Para os efeitos previstos do n.º 1 do artigo 17º-E do CIRE, determina-se, nos termos da sua parte final, que a extinção dos processos fiscais só se dará nos termos do CPPT”
Sob o título “Pressupostos subjacentes ao plano”, diz-se no parecer:
“O objetivo deste estudo é o de facultar aos credores a informação necessária sobre o desenvolvimento da atividade da empresa e demonstrar a sua viabilidade.
A Devedora está fortemente empenhada em implementar o cenário de viabilização para que possa reembolsar todos os credores, bem como privilegiar com eles a continuidade das suas relações negociais.
Nesse sentido, importa acautelar o risco para clientes e fornecedores bem como o financiamento do ciclo de exploração.
Perante a eventualidade de perda de clientes e consequente diminuição do volume de negócios, é imprescindível que a retoma da atividade para os níveis desejados seja rápida e consistente.
Não foi feito qualquer estudo de mercado. O volume de vendas e da prestação de serviços 2022 é o resultado da conjugação das vendas com a previsão de Prestação de Serviços pela Devedora, que se espera claramente ser superior comparado com o alcançado no ano de 2021.
No âmbito da conjuntura atual e considerando o excelente desempenho alcançado, sobretudo, no último terço do ano de 2022, a Devedora espera, a nível dos serviços de prestados e de comercialização de mercadorias, um aumento da procura, sustentada nos acordos com alguns dos clientes e com alguns dos fornecedores, que permitirá "trabalhar com rede" ao nível do mercado de matérias primas e gestão de stocks.
O alargamento da atividade da empresa à comercialização dos seus produtos para o mercado externo, e que, permitirá a comercialização de produtos com um maior valor acrescentado respeita, a aposta – seguramente, mais competitiva –neste segmento (Premium ou generalistas) – o novo target da empresa.
A Devedora com os acordos com os clientes e fornecedores prevê aumentar consideravelmente a sua capacidade produtiva, passando das atuais 180 000 peças anuais para 220 000 peças.
Para além dos acordos alcançados com clientes e fornecedores, a empresa mantém contatos - neste momento em já em fase adiantada de negociação – para o regresso à produção de produtos de designer que lhe permitirá fornece-los a potenciais clientes de referência.
A Devedora com os acordos com os clientes e fornecedores prevê aumentar consideravelmente a sua capacidade produtiva.
As margens de comercialização brutas serão de 25 % para setor de prestação de serviços e de 20% para o setor de produtos acabados.
Na comercialização de produtos para o mercado externo, a margem será entre 25 % e 30%.
Não haverá reavaliações dos ativos fixos tangíveis e intangíveis durante a aplicação do Plano de Revitalização.
Assumiu-se o cumprimento integral do plano de pagamentos. Assume-se, também, a capitalização da empresa através do reforço das reservas durante os primeiros 15 anos subsequentes ao trânsito em julgado da sentença homologatória do PER, não havendo lugar à distribuição de resultados. (…)”.
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IV MÉRITO DO RECURSO.

DECISÃO DE DIREITO.

O processo especial de revitalização (PER) foi um mecanismo introduzido no sistema de recuperação de empresas previsto no CIRE pela Lei n.º 16/2012, de 20 de abril; consta dos seus artigos 17º-A a 17º-I, por ela aditados.
Trata-se do crescente reforço que se pretende imprimir à orientação preventiva do Direito da Insolvência, introduzindo mais um processo de pré-insolvência, que se aplica às situações de empresas em risco de insolvência, seja por se encontrarem em insolvência iminente, seja por se encontrarem em situação economicamente difícil –cfr. art.º 17º-A, nº. 1. Impõe-se a possibilidade ou suscetibilidade de recuperação. Catarina Serra (cfr. Lições de Direito da Insolvência”, pág. 356 e 357 da 2ª edição (remetendo para outros trabalhos seus) destaca três princípios: os princípios da recuperação, entre os quais se destaca o princípio do primado da recuperação, o princípio da recuperabilidade e o princípio da universalidade.
Não desenvolveremos estes conceitos, pois o que importa ao caso é a sua abrangência e efeitos. Acrescenta-se que, quanto à sua natureza, trata-se de um procedimento híbrido, no sentido em que, para alcançar a sua finalidade última que é a recuperação do devedor, é um processo extrajudicial, mas que exige a intervenção do tribunal em três momentos decisivos: no início, na decisão da impugnação da lista provisória de créditos, e no final, para tornar gerais os efeitos do acordo, para recusar a sua homologação ou para extrair as devidas consequências da sua não aprovação.
No caso que nos ocupa, o PER iniciou-se com base na declaração de vontade da própria empresa visada –cfr. art.º 17º-C, nº. 1. O requerimento passou o crivo liminar.
Não se levantou qualquer questão quanto à relação provisória de credores.
Porém, feita a publicação prevista no art.º 17º-F, nº. 3, veio o MP enquanto representante da Autoridade Tributária (AT) juntar votação desfavorável e apresentar razões pelas quais solicita a não homologação do plano.

O voto de rejeição da proposta pressupõe que não se pretende a homologação do plano; mas isso não basta como pedido de não homologação ao abrigo do art.º 216º do CIRE, o qual exige que o credor invoque e prove razões, tal como legalmente formuladas, e alternativas:
“a) A sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas;
b) O plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar.”
A AT não alegou tais razões.
Porém “chamou a atenção” para um motivo de não homologação, o que requereu; alegou a violação da legislação tributária, designadamente “arts.º 30º./2 e 3 e 36º/3, da Lei Geral Tributária (LGT), e arts.º 85º./3, 196º, e 199º, do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e artº 125º, da Lei 55-A/2010, de 31/12. Refere que a Devedora não pagou as suas obrigações fiscais relativas a facto tributário posterior ao inicio do PER, nomeando-as. E diz que estes valores terão que estar pagos na data do inicio do prazo para votação do plano, sob pena de se considerar que a empresa não consegue satisfazer as suas obrigações fiscais correntes cumulativamente com o cumprimento dos termos do plano e de, por isso, se considerar o plano e a empresa inviáveis.”
Ora, a decisão de não homologação do plano, na falta de requerimento no sentido do art.º 216º, podia decorrer dos poderes de oficiosidade previstos no art.º 215º. Ou seja, o Tribunal tinha de, verificando estar respeitada a maioria necessária à aprovação, negar ou conceder o seu “aval” à negociação levada a cabo pelos devedora e credores, funcionando como um controle da legalidade, atuando oficiosamente na prossecução desse desiderato.
Dispõe o art.º 17º-F, no seu nº. 7, na redação dada pela Lei nº. 9/2022 de 11/1 que:
“7 - Nos 10 dias seguintes à receção da documentação mencionada nos números anteriores, o juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras previstas no título ix, em especial o disposto nos artigos 194.º a 197.º, no n.º 1 do artigo 198.º e nos artigos 200.º a 202.º, 215.º e 216.º, e aferindo:
a) Se o plano foi aprovado nos termos do n.º 5;
b) Se, no caso de classificação dos credores em categorias distintas, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 17.º-C, os credores inseridos na mesma categoria são tratados de forma igual e proporcional aos seus créditos;
c) Se, no caso de classificação dos credores em categorias distintas, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 17.º-C, as categorias votantes discordantes de credores afetados recebem um tratamento pelo menos tão favorável como o de qualquer outra categoria do mesmo grau, e mais favorável do que o de qualquer categoria de grau inferior;
d) Que nenhuma categoria de credores, a que alude a alínea d) do n.º 3 do artigo 17.º-C, pode, no âmbito do plano de recuperação, receber nem conservar mais do que o montante correspondente à totalidade dos seus créditos;
e) Se a situação dos credores ao abrigo do plano é mais favorável do que seria num cenário de liquidação da empresa, caso existam pedidos de não homologação de credores com este fundamento;
f) Se aplicável, que qualquer novo financiamento necessário para executar o plano de reestruturação não prejudica injustamente os interesses dos credores;
g) Se o plano de recuperação apresenta perspetivas razoáveis de evitar a insolvência da empresa ou de garantir a viabilidade da mesma.
O art.º 194º estabelece o “Princípio da igualdade”:
“1 - O plano de insolvência obedece ao princípio da igualdade dos credores da insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas.
2 - O tratamento mais desfavorável relativamente a outros credores em idêntica situação depende do consentimento do credor afectado, o qual se considera tacitamente prestado no caso de voto favorável.
3 - É nulo qualquer acordo em que o administrador da insolvência, o devedor ou outrem confira vantagens a um credor não incluídas no plano de insolvência em contrapartida de determinado comportamento no âmbito do processo de insolvência, nomeadamente quanto ao exercício do direito de voto.”
O art.º 195º reporta-se ao “Conteúdo do plano”.
O art.º 196º, dispõe:
“Providências com incidência no passivo
1 - O plano de insolvência pode, nomeadamente, conter as seguintes providências com incidência no passivo do devedor:
a) O perdão ou redução do valor dos créditos sobre a insolvência, quer quanto ao capital, quer quanto aos juros, com ou sem cláusula ‘salvo regresso de melhor fortuna’;
b) O condicionamento do reembolso de todos os créditos ou de parte deles às disponibilidades do devedor;
c) A modificação dos prazos de vencimento ou das taxas de juro dos créditos;
d) A constituição de garantias;
e) A cessão de bens aos credores.
2 - O plano de insolvência não pode afectar as garantias reais e os privilégios creditórios gerais acessórios de créditos detidos pelo Banco Central Europeu, por bancos centrais de um Estado membro da União Europeia e por participantes num sistema de pagamentos tal como definido pela alínea a) do artigo 2.º da Directiva n.º 98/26/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Maio, ou equiparável, em decorrência do funcionamento desse sistema.”
Por sua vez o art.º 197º, dispõe quanto à “Ausência de regulamentação expressa”:
“Na ausência de estatuição expressa em sentido diverso constante do plano de insolvência:
a) Os direitos decorrentes de garantias reais e de privilégios creditórios não são afectados pelo plano;
b) Os créditos subordinados consideram-se objecto de perdão total;
c) O cumprimento do plano exonera o devedor e os responsáveis legais da totalidade das dívidas da insolvência remanescentes.”
Compete ao juiz a não homologação oficiosa, face ao art.º 215º CIRE, quando se verifique “violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os atos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação”. Mais tem o juiz de verificar se o plano de recuperação apresenta perspetivas razoáveis de evitar a insolvência da empresa ou de garantir a viabilidade da mesma.
Foi esta intervenção que a AT oportunamente (porque antes da aprovação e concomitantemente com a apresentação do seu voto) suscitou –o que obviamente pode fazer independentemente de se tratar de um poder/dever do juiz.
Pode, pois, neste caso colocar-se a questão: quanto à atuação ao abrigo do art.º 215º do CIRE, o juiz apenas tinha de se pronunciar expressamente se entendesse que alguma circunstância obstava à homologação? Ou, no caso, e face ao requerimento da AT, deveria pronunciar-se de qualquer modo?
A sentença homologatória do plano, não tem de obedecer ao formalismo previsto no art.º 607º do C.P.C.; remete para os termos e para as condições no mesmo plano previstas e definidas.
Efetivamente, após a sua aprovação, o plano de insolvência deve ser homologado pelo juiz (cfr. art.º 214º do CIRE); o seu conteúdo é livremente fixado, devendo o juiz, quando atue oficiosamente, limitar-se a um controle da legalidade. Conforme Catarina Serra (pág. 333 da 2ª edição de “Lições de Direito da Insolvência”), “O poder mais significativo do juiz nesta sede é o de recusar a homologação do plano de insolvência com base na violação não negligenciável das regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo (cfr. art. 215.º). Trata-se de um poder oficioso, que só depende da iniciativa do juiz.” Regras procedimentais serão as que visam regular a forma como deverá desenrolar-se o processo (vício de procedimento); normas aplicáveis ao conteúdo do PER serão as que se reportam ao dispositivo do plano de pagamento, bem como aos princípios que lhe devem estar subjacentes (a que deve de obedecer imperativamente), e as que definem os temas que a proposta deve contemplar (vício de conteúdo) - Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, pág. 713.
Todavia, o facto de ser um poder oficioso, significa apenas que, caso o juiz entendesse que não havia motivo para não homologar, nada teria de dizer na sentença homologatória, pois que tacitamente assumiria isso mesmo. Mas tendo sido suscitada uma questão por um credor, o facto de ser situar no âmbito de um poder oficioso, e ainda que entendesse que o “vício” apontado não se verificava, não dispensaria o juiz de o apreciar e assim concluir.
Em suma, quanto à questão suscitada pela AT representada pelo MP quando apresentou o seu voto contra o plano, o tribunal deveria ter apreciado a mesma.
Veja-se o Ac. desta Relação de 9/7/2009 (relatora Rosa Tching, em www.dgsi.pt, como todos os que se citarão sem indicação de outra fonte): “(…) nada impede que este credor possa solicitar ao tribunal uma decisão não homologatória do plano de insolvência com fundamento na ocorrência de violação das normas aplicáveis ao seu conteúdo. É que, como ensinam Carvalho Fernandes e João Labareda, o facto do juiz, nestes casos, dever rejeitar oficiosamente a homologação não exclui que qualquer interessado possa, até à prolação da decisão, suscitar a questão ao tribunal, solicitando uma decisão não homologatória.”.
*
Passamos então a apreciar o plano de insolvência face ao art.º 215º do CIRE, bem como aferir se o plano de recuperação apresenta perspetivas razoáveis de evitar a insolvência da empresa ou de garantir a viabilidade da mesma, quer perante o suscitado em 1ª instância, quer face ao invocado no recurso e à oficiosidade da matéria (e, por isso, ainda que não tenha sido suscitada a nulidade da decisão por omissão de pronúncia ao abrigo do art.º 615º, nº. 1, d), C.P.C., o que de qualquer modo atribuiria a este Tribunal o dever de sanar ao abrigo do art.º 665º, nº. 1, do mesmo).
A previsão do art.º 215º a normas aplicáveis ao seu conteúdo, como dissemos, refere-se às respeitantes à parte dispositiva do plano, e também às que fixam os princípios a que o plano deve obedecer imperativamente -Ac. da Rel. de Coimbra de 27/6/2017 (relator Isaías Pádua). Trata-se de vícios de natureza material que resultam da violação de regras, normas ou princípios a que o plano deve obediência.
Recorde-se o que está previsto relativamente ao crédito tributário e ao crédito da S.S.:
“- Pagamento em regime prestacionas, nos termos do artigo 196.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), ou seja;
a) As prestações são mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira até ao final do mês seguinte à data da sentença homologatória do Plano;
b) Número de prestações: 150 prestações mensais, não podendo nenhuma delas ser inferior a 10 unidades de conta (atualmente €1020);
A redução dos créditos fiscais só se dará, por juros de mora vencidos e vincendos, nos termos do Decreto-Lei n.º 73/99 de 16 de março, aceitando-se as taxas praticadas para os créditos da Segurança Social, face à renúncia dos demais credores e às garantias constituídas;
Não haver lugar à redução de coimas e custas; Não haver lugar a qualquer moratória; Manutenção das garantias existentes, nos termos do nº 13, do artº 199º do CPPT;
Para os efeitos previstos do n.º 1 do artigo 17º-E do CIRE, determina-se, nos termos da sua parte final, que a extinção dos processos fiscais só se dará nos termos do CPPT”.
(…)
 “No caso do Instituto de Gestão Financeira de Segurança Social, reclamadas e reconhecidas no presente Processo, deverão ser regularizadas através de um Plano de Pagamento Prestacionas, a autorizar, em prestações mensais e sucessivas, ⎯ Pagamento no âmbito dos valores da Execução em dívida Fiscal, em obedecendo 150 prestações aos seguintes mensais, factos: iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira até ao final do mês seguinte ao términus do prazo previsto no n.º 5 do artigo 17-D do CIRE;
- Não haverá lugar à redução de coimas e custas;
⎯ Não haver lugar a qualquer moratória;
⎯ Pagamento de juros vencidos e vincendos à taxa legalmente fixada para os juros de mora aplicáveis às dividas ao Estado e outras entidades Públicas;
⎯ Isenção da prestação de garantia, nos termos do nº 13º do artigo 199º do CPPT;
⎯ As Ações Executivas pendentes para cobrança de dívida à Segurança Social não são extintas mantendo-se suspensas após Aprovação e Homologação do Plano de Recuperação até integral cumprimento do plano de pagamentos que venha a ser autorizado;
Para os efeitos previstos do n.º 1 do artigo 17º-E do CIRE, determina-se, nos termos da sua parte final, que a extinção dos processos fiscais só se dará nos termos do CPPT”
Ora, face ao disposto no art.º 30º nº. 2 da LGT, o crédito tributário é indisponível só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelos princípios da igualdade e da legalidade tributária.
A Lei nº. 55-A/2010 de 31/12 (Lei do Orçamento de Estado para 2011) aditou a este preceito um nº. 3 estabelecendo que o disposto no nº. 2 prevalece sobre qualquer legislação especial, tomando posição no sentido que jurisprudência já vinha defendendo (cfr. art.º 125º dessa Lei: “O disposto no n.º 3 do Artigo 30.º da LGT é aplicável, designadamente aos processos de insolvência que se encontrem pendentes e ainda não tenham sido objecto de homologação, sem prejuízo da prevalência dos privilégios creditórios dos trabalhadores previstos no Código do Trabalho sobre quaisquer outros créditos.”).
Vigora, pois, a regra da indisponibilidade do crédito tributário; as únicas exceções a esta regra baseiam-se nos princípios da igualdade e da legalidade tributária.
O art.º 36º, nº. 3, da LGT dispõe que: “A administração tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na lei.”
O artº 85º da LPPT dispõe:
“Prazos. Proibição da moratória e da suspensão da execução
1 - Os prazos de pagamento voluntário dos tributos são regulados nas leis tributárias.
2 - Nos casos em que as leis tributárias não estabeleçam prazo de pagamento, este será de 30 dias após a notificação para pagamento efectuada pelos serviços competentes.
3 - A concessão da moratória ou a suspensão da execução fiscal fora dos casos previstos na lei, quando dolosas, são fundamento de responsabilidade tributária subsidiária.
4 - A responsabilidade subsidiária prevista no número anterior depende de condenação disciplinar ou criminal do responsável.”
Quanto ao art.º 196º, diz (negrito nosso):
“Pagamento em prestações e outras medidas
1 - As dívidas exigíveis em processo executivo podem ser pagas em prestações mensais e iguais, mediante requerimento a dirigir, até à marcação da venda, ao órgão da execução fiscal, sem prejuízo do disposto no artigo 198.º-A.
2 - O disposto no número anterior não é aplicável às dívidas resultantes da falta de entrega, dentro dos respetivos prazos legais, de imposto retido na fonte ou legalmente repercutido a terceiros, salvo em caso de falecimento do executado.
3 - É excepcionalmente admitida a possibilidade de pagamento em prestações das dívidas referidas no número anterior, sem prejuízo da responsabilidade contra-ordenacional ou criminal que ao caso couber, quando:
a) O pagamento em prestações se inclua em plano de recuperação no âmbito de processo de insolvência ou de processo especial de revitalização, ou em acordo sujeito ao regime extrajudicial de recuperação de empresas em execução ou em negociação, e decorra do plano ou do acordo, consoante o caso, a imprescindibilidade da medida, podendo neste caso haver lugar a dispensa da obrigação de substituição dos administradores ou gerentes, se tal for tido como adequado pela entidade competente para autorizar o plano; ou
b) Se demonstre a dificuldade financeira excecional e previsíveis consequências económicas gravosas, não podendo o número das prestações mensais exceder 24 e o valor de qualquer delas ser inferior a 1 unidade de conta no momento da autorização.
4 - O pagamento em prestações é autorizado desde que se verifique que o executado pela sua situação económica, não pode solver a dívida de uma só vez, não devendo o número das prestações em caso algum exceder 36 e o valor de qualquer delas ser inferior a um quarto da unidade de conta no momento da autorização, exceto se demonstrada a falsidade da situação económica que fundamenta o pedido.
5 - Nos casos em que se demonstre notória dificuldade financeira e previsíveis consequências económicas para os devedores, poderá ser alargado o número de prestações mensais até 5 anos, se a dívida exequenda exceder 500 unidades de conta no momento da autorização, não podendo então nenhuma delas ser inferior a 10 unidades da conta.
6 - Quando, para efeitos de plano de recuperação a aprovar no âmbito de processo de insolvência ou de processo especial de revitalização, ou de acordo a sujeitar ao regime extrajudicial de recuperação de empresas do qual a administração tributária seja parte, se demonstre a indispensabilidade da medida, e ainda quando os riscos inerentes à recuperação dos créditos o tornem recomendável, a administração tributária pode estabelecer que o regime prestacional seja alargado até ao limite máximo de 150 prestações, com a observância das condições previstas na parte final do número anterior.
7 - Quando o executado esteja a cumprir plano de recuperação aprovado no âmbito de processo de insolvência ou de processo especial de revitalização, ou acordo sujeito ao regime extrajudicial de recuperação de empresas, e demonstre a indispensabilidade de acordar um plano prestacional relativo a dívida exigível em processo executivo não incluída no plano ou acordo em execução, mas respeitante a facto tributário anterior à data de aprovação do plano ou de celebração do acordo, e ainda quando os riscos inerentes à recuperação dos créditos o tornem recomendável, a administração tributária pode estabelecer que o regime prestacional seja alargado, até ao limite máximo de 150 prestações, com a observância das condições previstas na parte final do n.º 5.
8 - A importância a dividir em prestações não compreende os juros de mora, que continuam a vencer-se em relação à dívida exequenda incluída em cada prestação e até integral pagamento, os quais serão incluídos na guia passada pelo funcionário para pagamento conjuntamente com a prestação.
(…)”
Por último, o art.º 199º refere:
“Garantias
1 - Caso não se encontre já constituída garantia, com o pedido deverá o executado oferecer garantia idónea, a qual consistirá em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente.
2 - A garantia idónea referida no número anterior poderá consistir, ainda, a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária, aplicando-se o disposto no artigo 195.º, com as necessárias adaptações.
3 - Se o executado considerar existirem os pressupostos da isenção da prestação de garantia, deverá invocá-los e prová-los na petição.
4 - Vale como garantia, para os efeitos do n.º 1, a penhora já feita sobre os bens necessários para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido ou a efectuar em bens nomeados para o efeito pelo executado no prazo referido no n.º 7.
5 - No caso de a garantia apresentada se tornar insuficiente, a mesma deve ser reforçada nos termos das normas previstas neste artigo.
6 - A garantia é prestada pelo valor da dívida exequenda, juros de mora contados até ao termo do prazo de pagamento voluntário ou à data do pedido, quando posterior, com o limite de cinco anos, e custas na totalidade, acrescida de 25 /prct. da soma daqueles valores, exceto no caso dos planos prestacionais onde a garantia é prestada pelo valor da dívida exequenda, juros de mora contados até ao termo do prazo do plano de pagamento concedido e custas na totalidade, sem prejuízo do disposto no n.º 14 do artigo 169.º
7 - As garantias referidas no n.º 1 serão constituídas para cobrir todo o período de tempo que foi concedido para efectuar o pagamento, acrescido de três meses, e serão apresentadas no prazo de 15 dias a contar da notificação que autorizar as prestações, salvo no caso de garantia que pela sua natureza justifique a ampliação do prazo até 30 dias, prorrogáveis por mais 30, em caso de circunstâncias excepcionais.
8 - A falta de prestação de garantia idónea dentro do prazo referido no número anterior, ou a inexistência de autorização para dispensa da mesma, no mesmo prazo, origina a prossecução dos termos normais do processo de execução, nomeadamente para penhora dos bens ou direitos considerados suficientes, nos termos e para os efeitos do n.º 4.
9 - É competente para apreciar as garantias a prestar nos termos do presente artigo a entidade competente para autorizar o pagamento em prestações.
10 - Em caso de diminuição significativa do valor dos bens que constituem a garantia, o órgão da execução fiscal ordena ao executado que a reforce ou preste nova garantia idónea no prazo de 15 dias, com a cominação prevista no n.º 8 deste artigo.
11 - A garantia poderá ser reduzida, oficiosamente ou a requerimento dos contribuintes, à medida que os pagamentos forem efectuados e se tornar manifesta a desproporção entre o montante daquela e a dívida restante.
12 - As garantias bancárias, caução e seguros-caução previstas neste artigo são constituídas a favor da administração tributária por via electrónica, nos termos a definir por portaria do Ministro das Finanças.
13 - Os pagamentos em prestações ao abrigo de plano de recuperação no âmbito de processo de insolvência ou de processo especial de revitalização ou em acordo sujeito ao regime extrajudicial de recuperação de empresas em execução ou em negociação que decorra do plano ou do acordo não dependem da prestação de quaisquer garantias adicionais.
14 - As garantias constituídas à data de autorização dos pagamentos em prestações referidos no número anterior mantêm-se até ao limite máximo da quantia exequenda, sendo reduzidas anualmente no dobro do montante efetivamente pago em prestações ao abrigo daqueles planos de pagamentos, desde que não se verifique, consoante os casos, a existência de novas dívidas fiscais em cobrança coerciva cuja execução não esteja legalmente suspensa ou cujos prazos de reclamação ou impugnação estejam a decorrer.
15 - Os n.os 13 e 14 são correspondentemente aplicáveis, com as necessárias adaptações, aos planos de pagamentos em prestações aprovados ao abrigo do n.º 7 do artigo 196.º”
Ora, salvo melhor opinião, o plano não viola qualquer daquelas normas, onde, além do mais, está previsto o pagamento prestacional.
O plano não prevê qualquer extinção ou redução do crédito da AT, mas o pagamento em prestações mensais; quer no caso da AT, quer no caso da S.S., o plano prevê que a parte do capital de cada prestação seja no mínimo de 10 UC, até se perfazer o pagamento que se estima em 150 prestações; em ambos os casos utilizou-se a possibilidade mais ampla (limites máximos permitidos), sendo que a prestação a pagar à S.S., dado o valor do crédito ser bem mais elevado, será naturalmente também mais elevada (além de se vencer a primeira em momento anterior ao vencimento das prestações relativas ao crédito da AT), respeitando-se por isso os princípios da proporcionalidade, da igualdade e da legalidade.
A propósito do art.º 196º do CIRE, diz-se naquele acórdão desta Relação de 9/7/2009 já mencionado, “…se assim é, então, há que considerar admissível, como se decidiu nos Acórdãos da Relação do Porto de 13.07.2006 e 31.01.2008 , que o plano de insolvência pode afectar os créditos de todos os credores, quer sejam públicos quer sejam privados e que, tal como se entendeu nos Acórdãos da Relação do Porto de 15-12-2005 e de 1.07.2008 e no Acórdão da Relação de Lisboa, de 17.07.2008, que o plano de insolvência aprovado pela assembleia de credores defina o conteúdo e prazos de pagamento dos créditos de que sejam titulares o Estado e a Segurança Social, ainda que contra o voto destes.” E, consequentemente, que as medidas em concreto previstas no plano de insolvência aprovado se inserem no âmbito das providências permitidas pelo nº. 1 do art.º 196º.
Portanto, independentemente do seu consentimento, não são as normas do CIRE que impedem a aprovação ou a eficácia do plano relativamente à recorrente.
Reitera-se que o(s)crédito(s) é (são) integralmente pago (s), mantendo-se a obrigação de pagamento de juros vencidos e vincendos, coimas e custas. Tudo o mais previsto vai ao encontro da legislação vigente. Não é exigível a prestação de novas garantias e a suspensão dos processos decore do nº. 1 do art.º 17º-E.
Esta análise do plano que afeta os créditos do Estado, a nosso ver, tem de ser feita casuisticamente, como melhor justificaremos mais à frente, face ao interesse público subjacente à criação do PER.
Retomando. O art.º 30º, nº. 2 da L.G.T., afirma que o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se em condições para a sua redução ou extinção com o respeito pelos princípios da igualdade e da legalidade tributária. O nº. 3 do art.º 36º da L.G.T. determina que “A administração tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na lei”.
Então, qual o óbice que se poderia colocar?
Nos termos do art.º 197º do CPPT: “A competência para autorização de pagamento em prestações é do órgão da execução fiscal.”
No caso a AT não deu o acordo ao plano. A questão não se coloca quanto à S.S. que deu o aval.
Não deixamos de notar que, sendo a S.S. um instituto público do Estado, ainda que no âmbito da administração indireta e com regras próprias face ao seu regime especial, e a AT um organismo do Estado, o primeiro tendo um crédito que é quase o triplo do valor do crédito da AT, deu o aval ao plano, e a AT não deu, sendo as condições previstas para ambos equivalentes.
Aquela norma é procedimental e não uma regra relativa ao conteúdo da relação tributária. Normas procedimentais “…são todas aquelas que regem a atuação a desenvolver no processo, que incluem os passos que nele devam ser dados até que os credores decidam sobre as propostas que lhes foram apresentadas, incluindo, deste modo, as próprias regras com que se devem reger as negociações a encetar entre os credores e o devedor e as regras que regulam a aprovação e votação do plano, tal como as relativas ao modo como o plano deve ser elaborado e apresentado” (Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, “PER - O Processo Especial de Revitalização”, pág. 144). Todavia acaba por ter efeitos ao nível do conteúdo do próprio plano.
Numa leitura conjugada dos nºs. 1 e 3 do art.º 196º, e feito o paralelismo, podemos retirar que, também em sede de PER, seria de obter a autorização da AT para o pagamento prestacional.
Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, págs. 781 e 782, dizem que são “…não negligenciáveis todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza” e são “…desconsideráveis as infrações que atinjam simplesmente regras de tutela particular que podem, todavia, ser afastadas com o consentimento do protegido”. Logo, tratando-se verdadeiramente “…de avaliar a relevância, ou não, da violação constatada”, é “razoável atender ao critério geral que a própria lei processual utiliza no art.º 195.º do C.P.Civ.”.
Ora, nesta matéria, temos a posição da Rel. de Lisboa expressa no seu Ac. de 30/6/2023 (relatora Manuela Espanadeira Lopes, relatora também do acórdão de 4/7/2023), embora a moratória seja algo diverso do pagamento em prestações.
Diz essa jurisprudência que o que está em causa “…é saber se o deferimento do pagamento em prestações configura uma moratória ao pagamento, caindo assim, na previsão do nº 2 do art.º 30º da LGT. No caso de apenas autorizado pelo órgão competente poder ser concedida esta modificação do crédito – nos limites previstos pela lei – estaremos, então, perante uma violação da regra da indisponibilidade dos créditos tributários.
No entanto, tratando-se de um plano prestacional contido dentro dos limites previstos na própria lei, a mera falta de autorização não pode deixar de ser tida como uma violação negligenciável (trata-se de uma norma processual de definição de competência para processos e tramitação diversas das seguidas em processo de insolvência ou processo especial de revitalização, em que o juiz, oficiosamente deve aferir da conformidade dos planos com os princípios da indisponibilidade e legalidade tributárias, quanto aos créditos dos credores públicos), e sob pena de o direito de voto dos credores públicos se tornar num direito de veto, de que claramente não dispõem – neste sentido, para além do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa imediatamente supra referido, podem ainda ver-se os Acs desta mesma Secção de 22/09/2020 (Amélia Rebelo, também subscrito pela ora relatora enquanto 1ª adjunta), de 27/10/2020 (por nós relatado) e de 22/02/2022 (Renata Linhares de Castro)  ainda, entre outros, os Acs. TRC de 01/10/2013 (Barateiro Martins), TRG de 11/07/2013 (António Sobrinho) TRP de 22/03/2021 (Fernanda Almeida) e TRC de 26/04/2022 (Maria João Areias), todos in www.dgsi.pt.”
No Ac. da Rel. de Lisboa de 22/9/2020 diz-se (negrito nosso): “Porém, da citada solução legal, jurisprudencialmente realizada, não resulta como inevitável a ilegalidade do Plano (ou das medidas por ele previstas para os créditos do Estado) sempre que este seja votado desfavoravelmente pela Segurança Social ou pela Autoridade Tributária; apenas e tão só quando não respeite os requisitos ou limites da extinção ou redução das dívidas fiscais ou contributivas nos termos em que estas são legalmente autorizadas, independentemente do sentido de voto - favorável ou desfavorável - daqueles credores. (…) Relevante é aferir se as medidas previstas pelo Plano de Recuperação (…) violam os limites dos requisitos atinentes com a regularização de dívidas ao Estado, conforme normas que se transcrevem (…).”.
De facto, bastaria ao credor público votar contra, sem apresentar razões substanciais, de mérito (relativas à violação de princípios orientadores das relações entre credores e entre credor público e contribuinte), para inviabilizar a revitalização/recuperação da empresa; já o credor privado tem de apresentar razões para o seu pedido de não homologação, tal como o juiz tem de fundamentar uma decisão nesse sentido. Estamos sempre a tratar, note-se, de credores “vencidos” na votação, portanto está em causa um plano aprovado pela maioria legal. 
Assim sendo, por esse prisma, nada obstaria à total eficácia do plano em relação a todos os credores afectados, designadamente a Autoridade Tributária, já que não se verifica violação dos princípios da legalidade tributária e por isso da indisponibilidade do crédito.
Naquele Ac. já citado desta Relação de 9/7/2009, antes da alteração ao art.º 30º LGT (de que daremos melhor nota), portanto ainda com diferente base legal, mas ainda com oportunidade, ponderou-se, no que respeita aos interesses em jogo: “É que se é verdade que, segundo o disposto no art. 1º do citado DL nº 411/91, não é permitido autorizar ou acordar extrajudicialmente o pagamento prestacional de contribuições em dívida à segurança social, nem isentar ou reduzir, extrajudicialmente, os respectivos juros vencidos ou a vencer, também não é menos verdade contemplar o seu art. 2º, nº1 situações excepcionais para a regularização da dívida.
Do mesmo modo, se é certo estabelecer o art. 30º, nº 2 da LGT que “o crédito tributário é indisponível”, também não é menos certo prescrever este mesmo artigo a possibilidade de “fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária”.
E o art. 36º, nº3 da mesma lei, ao dispor que “a administração tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias”, também ressalva “os casos expressamente previstos na lei”, estabelecendo o seu art. 42º, nº1 que “…o devedor que não possa cumprir integralmente e de uma só vez a dívida tributária pode requerer o pagamento em prestações, nos termos que a lei fixar”. Mas, se assim é no que respeita ao processo de pagamento das obrigações tributárias, no âmbito da execução fiscal, por maioria de razão se compreende que, dada a natureza especial do processo de insolvência e o relevo que nele assumem o princípio da igualdade dos credores a que alude o art. 194º do CIRE e o princípio da auto-regulação da insolvência pelos credores consagrado no art.192º, nº 1 do mesmo diploma, na face executória da insolvência, o pagamento das dívidas fiscais do insolvente fique sujeito ao regime do CIRE. É que, como se salienta, no citado Acórdão da Relação do Porto, de 31.01.2008, em sede de processo de insolvência, não faz sentido conceder tratamento diferenciado na regularização dos créditos do Estado e da Segurança Social no confronto com os demais créditos da mesma espécie.”
Em 2012, no Ac. da Rel. do Porto de 15/5/2012 (relator Ramos Lopes), dando conta de mudanças legais e mudança de paradigma, foi esclarecido que (negrito nosso): “Antes da entrada em vigor da Lei 55-A/2010, de 31/12 (Lei do Orçamento de Estado para 2011), vinha sendo maioritária a jurisprudência que entendia não existir impedimento à homologação do plano de insolvência, aprovado pela assembleia de credores, que previsse a redução ou o perdão de dívidas fiscais do insolvente, não havendo razões para concluir que a sentença homologatória de um tal plano padecesse dos vícios de violação do princípio da legalidade e da igualdade e de inconstitucionalidade por derrogação de normas imperativas[1]. Todavia, a partir de 1/01/2011, data da entrada em vigor da Lei 55-A/2010, a jurisprudência vem considerando, maioritariamente[2], a ‘validade dos princípios que informam o nosso sistema tributário no sentido de que a extinção dos seus créditos fiscais não podem ser perturbados contra a vontade do Estado’[3], que se os créditos da segurança social e os créditos fiscais podiam ser afectados pelo plano de insolvência até ao aditamento do nº 3 do art. 30º da LGT (D.L. 398/98, de 17/12) pela Lei 55-A/2010, a partir daí essa possibilidade foi pelo legislador expressamente afastada (com o referido preceito ficou arredada a interpretação de que a lei especial – o CIRE – derroga a lei geral – a Lei Geral Tributária (LGT) -, pelo que depende agora do acordo do Estado (Fazendo Nacional ou Segurança Social), em conformidade com as normas próprias da LGT e CPPT, a redução ou extinção dos seus créditos e/ou a concessão de moratória, pelo que tais créditos não podem ser afectados pelo plano de insolvência contra a sua vontade (impondo-se por isso, no caso de plano de insolvência que afecte, em tais termos, os seus créditos, a sua não homologação oficiosa, ao abrigo do art. 215º do CIRE)[4]. Argumenta-se que, relativamente aos processos de insolvência, se colhe por via interpretativa dos textos legais constantes dos nº 2 e 3 do art. 30º da Lei Geral Tributária, na redacção introduzida pela Lei 55-A/2010, conjugados com o disposto no art. 125º desta Lei, o sentido de que o ‘crédito tributário é indisponível’, prevalecendo tais normas sobre qualquer legislação especial, designadamente a concernente aos processos de insolvência, donde resulta serem inaplicáveis as normas em vigor (designadamente as previstas no CIRE) que prevejam a possibilidade de ocorrer o perdão ou a redução de créditos tributários[5].
Anteriormente à Lei 55-A/2010 considerava-se que o Estado, um credor da insolvente entre os demais, devia respeitar a deliberação tomada pela assembleia de credores, ponderando que o fim do processo de insolvência era (é) contribuir para a renovação da economia e das empresas, em vista da competitividade do mercado. Fundava-se tal entendimento na ‘especialidade da lei falimentar relativamente à lei geral tributária (a aplicar nas relações entre a administração fiscal e os contribuintes), segundo o princípio de que lex specialis derrogar legi generali, no princípio da igualdade dos credores (par conditio creditorum), quando em igualdade de situações, e da primazia da vontade destes na escolha da melhor forma de satisfação dos seus interesses na insolvência (incluindo pela aprovação de um plano de insolvência a que todos ficassem vinculados) – cfr. arts. 1º, 192º, 194º e 196º do CIRE – e na participação do Estado no esforço de solvência das empresas viáveis, assim contribuindo para a realização do interesse público do regular e saudável funcionamento do mercado e da actividade económica’, pois que, ‘normalmente, o peso das dívidas dos insolventes ao Estado e outros credores públicos, cuja falta de colaboração no esforço do plano, fazendo recair os encargos da insolvência apenas sobre os demais credores, acabaria por determinar a sua inviabilidade’[6].
Veio entretanto a Lei 55-A/2010 aditar ao art. 30º da LGT (que previa, no seu nº 1, sobre os créditos que integral a relação jurídica tributária, e que estabelecia, no seu nº 2, serem tais créditos indisponíveis, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária) um nº 3, no qual se estabeleceu que o disposto no número 2 do preceito prevalece sobre qualquer disposição especial, vindo ainda o art. 125º da Lei 55-A/2010 estabelecer que o disposto no nº 3 do art. 30º da LGT é aplicável, designadamente, aos processos de insolvência que se encontrem pendentes e ainda não tenham sido objecto de homologação.
O sentido útil da alteração legislativa levada a cabo pela Lei 55-A/2010 só pode ser o de arredar, nos processos de insolvência, as normas em vigor que prevejam as situações de perdão e/ou redução de créditos tributários, como se justifica no citado Ac. R. Coimbra de 17/01/2012, ou também qualquer diversa da prevista na lei tributária para o pagamento prestacional.
Tal conclusão vale também para os créditos da Segurança Social, pois que independentemente da sua qualificação jurídica, ‘não há dúvida que são contribuições impostas coactivamente por lei, com a finalidade de financiar o direito à segurança social, que constitui um direito constitucional’, constituindo pois ‘uma espécie do género «tributo»’, caindo no âmbito do nº 2, parte final, do art. 3º da LGT[7].
Impõe-se, pois, concluir não ser possível, depois da vigência da Lei 55-A/2010, por vontade dos credores, reduzir ou extinguir, em plano de insolvência, créditos tributários ou da segurança social.
Tal modificação legislativa operada pela referida lei é aplicável nos presentes autos – a sentença homologatória do plano de insolvência aprovado pela assembleia de credores foi proferida já no corrente ano de 2012.
O plano aprovado (com os votos contra da Segurança Social e da Fazenda Nacional) pela assembleia de credores comporta não só a redução dos juros de créditos tributários e da segurança social como o pagamento de tais créditos em prestações em termos que a administração, de acordo com a lei, não pode conceder (arts. 36º e 196º do Código do Procedimento e Processo Tributário), além de não prever a prestação de garantia idónea (em contrário do previsto no art. 199º do CPPT), mantendo a gerência (ao arrepio do previsto no art. 196º, nº 3 do CPPT).
Assim, por violação não negligenciável de normas aplicáveis ao seu conteúdo[8], deveria – e deve agora – ser oficiosamente recusada, nos termos do art. 215ºdo CIRE, a homologação do plano de insolvência aprovado na assembleia de credores.
Notas: [1] Assim, v. g., os Acórdãos S. T. J. de 4/06/2009 (Álvaro Rodrigues) e de 13/01/2009 (Fonseca Ramos), os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 5/02/2009 (Manuel Gonçalves) e de 22/03/2011 (Anabela Calafate) e os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 13/07/2006 (José Ferraz), de 30/09/2008 (Marques Castilho), de 6/11/2008 (Carlos Portela), de 02/02/2010 (Canelas Brás), de 09/02/2010 (Rodrigues Pires) e de 16/03/2010 (Anabela Dias da Silva), todos no sítio www.dgsi.pt. Em contrário, sustentando a impossibilidade dos créditos fiscais serem objecto de redução, extinção ou plano de pagamento, no âmbito de um processo de insolvência, atenta a indisponibilidade dos direitos a eles conexos e imperatividade das normas fiscais, o acórdão da Relação do Porto de 30/06/2008 (Caimoto Jácome), no mesmo sítio. [2] Contra, o Ac. T. R. Guimarães de 18/10/2011 (Catarina Gonçalves), no sítio www.dgsi.pt. [3] Ac. S.T.J. de 15/12/2011 (Silva Gonçalves), no sítio www.dgsi.pt. [4] Assim se entendeu nesta Relação Porto na Decisão Sumária de 14/11/2011 (Rui Moura) e no Acórdão de 4/07/2011 (Anabela Luna de Carvalho), no sítio www.dgsi.pt. [5] Ac. R. Coimbra de 17/01/2012 (Alberto Ruço), no sítio www.dgsi.pt. [6] Ac. R. Porto de 7/07/2011 (José Ferraz), no sítio www.dgsi.pt., que conclui, também, que face às alterações introduzidas pela Lei 55-A/2010, não são eficazes relativamente à Fazenda Nacional as modificações dos créditos tributários resultantes de plano de insolvência aprovado pela assembleia de credores, com oposição do Estado. [7] Cfr., mais uma vez, o citado Ac. R. Coimbra de 17/01/2012. [8] Não são negligenciáveis todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza – Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, reimpressão, 2009, p. 713 (nota 5 ao art. 215).
Conforme destaque nosso, as situações abrangidas no plano não tinham acolhimento na lei tributária.
Recorrendo agora à doutrina e concretamente recorrendo a Catarina Serra (“Regime…”, págs. 147 e 148), introduzindo as notas no local respetivo: “Tem-se discutido, em particular, a categoria das dívidas fiscais e das dívidas à Segurança Social: pergunta-se se é possível que o plano de insolvência preveja perdões, reduções de valor, moratórias ou outros condicionamentos ao pagamento destas dívidas.
No que toca às dívidas fiscais, está em causa por um lado, o carácter imperativo dos arts. 30º, n.º2, e 36.º, n.ºs 2 e 3, da Lei Geral Tributária (LGT) e do art. 196.º, n.ºs 1 e 5, do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT).
Estão em causa, por outro lado, principalmente, os preceitos do art. 196.º, n.º1, e ainda do art. 197º do CIRE, na parte em que este último se refere à “ausência de estatuição expressa em sentido diverso constante do plano de insolvência” e da qual decorre o seu carácter supletivo.
Para o esclarecimento da questão contribuíram significativamente as decisões de alguns juízes do Supremo Tribunal de Justiça, que se pronunciaram no sentido de que não existe nestes casos, violação de normas fiscais imperativas por vontade das partes ou dos credores mas sim a necessidade de observar um regime especial criado pelo próprio legislador, sendo, por isso, legítimas quaisquer alterações aos créditos do Estado mesmo sem o consentimento deste[4] Cfr. os Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Janeiro de 2009 (Relator: Fonseca Ramos), de 4 de Junho de 2009 (Relator Álvaro Rodrigues) e de Março de 2010 (Relator: Silva Salazar) disponíveis em www.dgsi.pt..
O que sucede é que, no final de 2010, a Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, veio aditar um n.º3 à norma do art. 30.º da LGT, afirmando expressamente a prevalência do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários mesmo nos casos de legislação especial (cfr. art. 123.º).
Veio ainda, em sede de “disposições transitórias no âmbito da Lei Geral Tributária, estender aplicabilidade da norma aos “processos de insolvência que se encontrem pendentes e ainda não tenham sido objecto de homologação” (cfr. art. 125.º).
O legislador queria provavelmente referir-se, não aos processos de insolvência, como por precipitação se refere, mas aos planos de insolvência dado que são eles que são objecto de homologação judicial.
Não há dúvida que, com estas alterações, o legislador pretendeu alargar o alcance da protecção aos créditos tributários. E, sem dúvida, atingiu um dos argumentos principais da jurisprudência: a cedência da lei geral (a lei tributária) perante a lei especial (a lei da insolvência), havendo já consideráveis sinais de uma inversão de sentido nas decisões dos tribunais portugueses sobre esta matéria […].”
E continua (pag. 249): “Depois da introdução do n.º3 do art. 30º da LGT, a situação agravou-se consideravelmente, sendo, como se referiu, dos próprios juízes que parte a inflexão. Em favor da manutenção da tese da modificabilidade dos créditos pelo plano de insolvência resta, em todo o caso, um argumento de peso imanente à disciplina do plano de insolvência e o argumento da unicidade do sistema jurídico.
A regra de que havendo contradição entre o que resulta da interpretação do texto expresso de uma norma jurídica e aquilo que resulta do silêncio de outra ela se resolve com a sobreposição da primeira norma à segunda não deve ser mantida sempre que isso acarrete perturbações intoleráveis da harmonia do sistema jurídico. Tudo indica ser este o caso.”.
De facto, com a Lei nº. 55-A/2010, de 31/12, e com o art. 125º (norma transitória), o legislador afastou por forma expressa, a interpretação de que a lei especial (CIRE) derroga a aplicação da lei geral (LGT) –cfr. art.º 7º, nº. 3, do C.C..
Os Tribunais, devendo obediência à Lei, tiveram de rever as suas posições.
Nos Acs. do STJ de 13/11/2014 e 18/2/2014 (relator Fonseca Ramos) dando conta da incongruência (palavra nossa) do sistema, adota-se uma posição que assume uma interpretação restritiva e teleológica das normas de modo a compatibilizá-las.
Veja-se ainda o que se disse no Ac. do STJ de 10/5/2012 (relator Álvaro Rodrigues), com destaque nosso: “Dito isto, é tempo de dizer que, sendo certo que o nº 2 do artº 30º da Lei Geral Tributária, depois de estatuir a indisponibilidade do crédito tributário, permite a fixação da sua redução com respeito pelo princípio de igualdade, menos certo não é que exige também o respeito pela legalidade tributária.
Esta norma indiscutivelmente imperativa prevalece sobre qualquer legislação especial, como comanda o nº 3 do mesmo preceito legal.
Daí que, não se limitando o Instituto de Segurança Social a votar contra o Plano da Insolvência apresentado pelo Administrador, mas também tendo requerido, nos termos do art. 215º do CIRE, a recusa da homologação do plano de insolvência relativamente aos créditos da Segurança Social, uma vez que o mesmo não se coaduna com o regime geral de regularização de dívidas à Segurança Social, violando normas imperativas da LGT e o DL nº 411/91, de 17/10, conforme se colhe do Acórdão recorrido, impunha-se que, nos termos do referido preceito legal tal homologação fosse recusada, mesmo oficiosamente, isto é, ainda que não fosse pedida por este credor uma vez que se verifica, como bem decidiu a Relação, violação dos artºs 1º e 2º do Decreto-Lei 411/91 de 17 de Outubro que estabelecem o apertado condicionalismo que o pagamento prestacional dos juros das contribuições em dívida à Segurança Social e a redução dos respectivos juros podem ser autorizados.
Note-se que tal autorização é da competência do membro do Governo que tiver a seu cargo a área da segurança social e reveste a forma de despacho (artº 2º, nº 2 do Decreto-Lei 411/91 de 17 de Outubro).
No caso sub judicio não só não houve autorização competente para tal redução e pagamento em prestações, como o Estado se manifestou contra na assembleia de credores (voto contra do Instituto de Segurança Social) e ainda requereu a não homologação daquele plano, quanto a este aspecto.
A recusa oficiosa da homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores tem lugar em caso de violação não negligenciável das regras aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, como impõe o artº 215º/1 do CIRE.
A este respeito, escrevem Carvalho Fernandes e João Labareda: «dir-se-á, com efeito, que são não negligenciáveis todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza. Diversamente, são desconsideráveis as infracções que atinjam simplesmente regras de tutela particular que podem todavia, ser afastadas com o consentimento do protegido» (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, Reimpressão, 2009, pg 713, com bold e sublinhado nossos).”
Alguma jurisprudência adota a posição de que não é possível o pagamento em prestações das dívidas ao Estado, tão pouco a cedência dos juros, face a essas disposições, e por isso o plano que o considere, sem o acordo do credor, não pode ser homologado, sem necessidade de análise mais detalhada. Neste sentido pode ver-se o Ac. da Rel. de Lisboa de 9/7/2017 (relator Roque Nogueira) cfr. os requisitos cumulativos: “A Lei nº110/2009, de 16/9, que aprovou o citado Código e que, entre outros, revogou o DL nº411/91, de 17/10, prevê, no seu art.190º, situações excepcionais para a regularização da dívida.
Assim, resulta do disposto nos seus nºs 1 e 6, que o pagamento prestacional da dívida à segurança social, bem como a isenção ou redução dos respectivos juros vencidos e vincendos, só é permitida nos termos daquele artigo e mediante autorização concedida por deliberação do conselho directivo do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. (IGFSS, I.P.).
Ora, tal autorização não foi concedida, sendo certo que competia àquele conselho directivo averiguar e apurar se se verificavam, no caso, os respectivos requisitos, previstos no citado Código (cfr. os seus arts.190º e segs.), para, em caso afirmativo, deliberar no sentido da autorização do pagamento prestacional da dívida à segurança social.
Acresce que o ISS, I.P., votou contra o plano, onde se previa, além do mais, tal pagamento prestacional. Sendo que, estamos perante normas que têm, claramente, um carácter público e imperativo, não podendo, pois, ser afastadas pela vontade dos credores maioritários, que aprovaram o plano.
Nem competindo ao tribunal, segundo cremos, até por falta de elementos, decidir se o pagamento prestacional previsto no plano se adequa ao estabelecido no citado art.190º e se a garantia prevista é idónea, nos termos do art.203º, do mesmo Código, aprovado pela Lei nº110/09, para, depois, se concluir que inexiste vício não negligenciável que justifique a recusa oficiosa da homologação do plano, como se decidiu no Acórdão da Relação de Guimarães, de 11/7/13, disponível in www.dgsi.pt.”.
O S.T.J. no Ac. de 18/2/2014 (relator Fonseca Ramos) conclui que, atualmente “(…) não é de excluir que no plano da insolvência, ao abrigo do art. 196º, nº 1, als. a) e c) do CIRE, cabe o perdão ou redução do valor dos créditos da AT ou da Segurança Social sobre o passivo do devedor, quer quanto ao capital, quer quanto aos juros, bem como a modificação dos prazos de vencimento ou das taxas de juro, sejam os créditos comuns, garantidos ou privilegiados, aprovado o plano que respeitou o quórum estabelecido no artigo 212°, desde que a intervenção nos créditos do Estado credor não evidencie uma redução injusta e desproporcional, tendo em conta o somatório dos créditos dos particulares e a medida em que deles abdicam, visando a recuperação da empresa pré-insolvente.”.
Quanto à posição desta Relação, o Ac. de 10/4/2012 (relatora Ana Cristina Duarte), veio dizer: “…apesar de o n.º 2 do artigo 30.º da LGT determinar que o crédito tributário é indisponível, é a própria norma que admite a possibilidade da sua redução ou extinção e, portanto, tal indisponibilidade não é absoluta, não resultando da citada norma que o crédito não possa, em circunstância alguma, ser objecto de redução ou extinção.
A indisponibilidade do crédito tributário, a que alude esta norma, bem como o artigo 36.º do mesmo diploma, significa apenas que a administração tributária não pode dispor livremente deste crédito e, portanto, ao contrário do que acontece com qualquer outro credor, não pode, em qualquer caso e por sua livre iniciativa, perdoar, reduzir ou alterar os créditos tributários. Isso não significa, contudo, que esses créditos não possam ser objecto de perdão, redução, moratória ou qualquer alteração. Significa, apenas que estes actos estão sujeitos aos princípios da igualdade e da legalidade tributária.
Ora, o perdão ou a redução de créditos no âmbito de um plano de insolvência validamente aprovado pelos credores, não correspondendo a qualquer violação do princípio da legalidade tributária, também não viola o princípio da igualdade, porquanto este princípio pressupõe um tratamento igual para o que é igual e um tratamento desigual para o que é desigual, sendo que o legislador consagrou um tratamento diferenciado para os insolventes, através do regime que instituiu com o CIRE, impondo, designadamente, aos credores, a sua vinculação a um plano de insolvência, ainda que os mesmos não tenham dado o seu acordo para o perdão ou redução dos respectivos créditos que conste desse plano.
Ao ficar vinculada a esse plano, a administração tributária apenas fica submetida ao regime especial que o legislador impôs à generalidade dos credores sempre que está em causa uma pessoa insolvente, sem que tal importe uma qualquer violação dos princípios da legalidade tributária e da igualdade.
Diga-se, aliás, que, a prevalecer a interpretação dada na sentença sob recurso, ter-se-ia encontrado, por forma ínvia – através de uma disposição transitória na Lei do Orçamento de Estado – a maneira de inviabilizar todo o capítulo do CIRE dedicado ao plano de insolvência, sabendo-se, como se sabe, que, normalmente, os créditos do Estado (Segurança Social e Fazenda Nacional) têm um grande peso no universo das dívidas do insolvente e que, não podendo o Estado aprovar um plano com redução ou extinção dos seus créditos, e não podendo o mesmo ser homologado sem o seu voto favorável, conduziria, inevitavelmente, à inviabilização de qualquer plano de insolvência e, por consequência, à revogação, ainda que não formal, de todo esse capítulo.
Não terá sido essa, acreditamos, a vontade do legislador, nem se justificaria que o Estado se colocasse à parte, abstendo-se de contribuir para a prossecução dos fins que visou atingir com o processo de insolvência e que o próprio Estado consagrou legislativamente, normas essas – do CIRE – que, repete-se, não foram alteradas, subsistindo, portanto, a interpretação que das mesmas vinha fazendo a jurisprudência, o que relega para o campo estritamente fiscal a alteração introduzida na Lei Geral Tributária.
Daí que, em conclusão, se tenha que dizer que o perdão ou redução dos créditos tributários ao abrigo de um plano de insolvência validamente aprovado, não viola os princípios da igualdade e da legalidade tributária e, como tal, não é vedado pelo disposto no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, ainda que a Administração Tributária não tenha dado o seu acordo ao mesmo, sendo que o aditamento do n.º 3 a este artigo 30.º, em nada altera este raciocínio, do mesmo não resultando que o legislador tenha querido inviabilizar – pelo seu voto desfavorável - a homologação de planos de insolvência, ao contrário do que a jurisprudência vinha aceitando uniformemente.”.
Aquele acórdão do STJ, depois de aludir a esta decisão da nossa Relação, ainda diz: “Por outro lado, o Estado Português não cumpriu, ou não executa o Compromisso a que se obrigou no Memorandum of Economic and Financial Polices (MEPT):
“O enquadramento Jurídico será aperfeiçoado para facilitar uma ordeira e eficaz reestruturação do endividamento familiar e empresarial” que “a lei de Insolvência será alterada para melhor apoio e efectivo resgate de empresas viáveis […], com a assistência técnica do FMI, para, nomeadamente, introduzir maior rapidez nos procedimentos judiciais de aprovação para os planos de reestruturação.
Princípios gerais sobre a reestruturação voluntária extrajudicial, em conformidade com as melhores práticas internacionais serão emitidos no final de Setembro de 2011 (valor de referência estrutural). Além disso, tomaremos as medidas necessárias para autorizar as administrações fiscais e de segurança social para usar uma ampla gama de ferramentas de reestruturação, com base em critérios claros e rever a legislação fiscal para identificar os obstáculos à reestruturação da divida.[7]”  
Como é notório, quer os créditos do Estado, quer os de outras entidades, como a Segurança Social, representam em grande número de casos, avultadas somas, daí que, a manterem-se intocados, todo o esforço de recuperação da insolvente ficará a cargo dos credores comuns ou preferenciais da insolvência, que terão de arcar com a modificabilidade e mesmo a supressão dos seus créditos e garantias ante o Estado que, nada cedendo, se coloca numa posição de jus imperii, num processo em que só, excepcionalmente, deveria ter tratamento diferenciado.
Seria transformar uma excepção, ditada por razões de ordem pública, em regra, assim, afrontando o princípio da proporcionalidade, apesar da peculiar natureza e finalidade dos tributos que o Estado arrecada.
Como ensina “Jorge Reis Novais, in “Os Princípios Estruturantes da República Portuguesa”, pág. 171:
“…Por sua vez, a observância ou a violação do princípio da proporcionalidade dependerão da verificação da medida em que essa relação é avaliada como sendo justa, adequada, razoável, proporcionada ou, noutra perspectiva, e dependendo da intensidade e sentido atribuídos ao controlo, da medida em que ela não é excessiva, desproporcionada, desrazoável.
Nesta aproximação de definição podem intuir-se, em primeiro lugar, a relativa imprecisão e fungibilidade dos critérios de avaliação; em segundo lugar, o permanente apelo que eles fazem a uma referência axiológica que funcione como terceiro termo na relação e onde está sempre presente um sentido de justa medida, de adequação material ou de razoabilidade, por último, a importância que nesta avaliação assumem as questões competenciais, mormente o problema da margem de livre decisão ou os limites funcionais que vinculam legislador, Administração e juiz.” (pág. 178)
Como se afirma no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º40/07, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt, citando o Acórdão n.º 187/2001, publicado no Diário da República, II Série, de 26 de Junho de 2001:
“O princípio da proporcionalidade, em sentido lato, pode (...) desdobrar-se analiticamente em três exigências da relação entre as medidas e os fins prosseguidos: a adequação das medidas aos fins; a necessidade ou exigibilidade das medidas e a proporcionalidade em sentido estrito, ou “justa medida”.
Numa perspectiva de adequada ponderação de interesses, tendo em conta os fins que as leis falimentares visam, pode violar o princípio da proporcionalidade admitir que o processo de insolvência seja colocado em pé de igualdade com uma simples execução fiscal, servindo apenas para a Fazenda Nacional actuar na mera posição de reclamante dos seus créditos, sem atender à particular condição dos demais credores do insolvente ou pré-insolvente, que contribuem para a recuperação da empresa, abdicando dos seus créditos, permanecendo o Estado alheio a esse esforço, escudado em leis que contrariam o seu Compromisso de contribuir para a recuperação das empresas, como resulta do Memorandum assinado com a troika e até das normas que, no contexto do PER, o legislador fez introduzir no CIRE.”
Retomamos o que ficou dito no Ac. de 15/10/2015 (relatora Eva Almeida, www.dgsi.pt) (negrito nosso): “Com a nova redacção do artº 30º pôs-se fim à querela jurisprudencial acima referida, prevalecendo o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários sobre o princípio da igualdade dos credores no referido processo [ver Acs. do STJ de 10.05.20012 (Álvaro Rodrigues), proc. 368/10.0TBPVL-D.G1.S1 e de 15.12.2011, (Silva Gonçalves) proc. 467/09.1TYVNG-Q.P1.S1]. No seguimento desta alteração legislativa, tem prevalecido nesta Relação de Guimarães o entendimento de que a homologação de um plano de recuperação que não respeite o regime previsto nos artigos 1º e 2º do DL nº 411/91, de 17.10 e no artigo 30º, nºs 2 e 3 da LGT, por contemplar a redução dos juros e a concessão de pagamento a prestações do crédito do Instituto da Segurança Social sem a sua autorização, é ineficaz relativamente a este credor, contra ele não produzindo quaisquer efeitos - entre outros os Acs. do TRG de 16.04.2015 (3499/12.9TBGMR-D.G1); de 06.03.2014 (643/13.2TBBCL-A.G1) e de 15.10.2013 (8604/12.2TBBRG.G1); de 18.06.2013 (4021/12.2TBGMR.G1) in dgsi.pt, entre outros não publicados. Semelhante entendimento é acolhido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24.03.2015 (Proc. 664/10.7TYVNG.P1.S1), em cujo sumário se pode ler: «O plano de insolvência aprovado mesmo contendo propostas contrárias ao preceituado nos arts. 30.º, n.ºs 1, 2, 3, 36.º, n.ºs 2 e 3, da LGT, e 190.º, n.ºs 1, 2 e 6, do CRCSPSS, não deve o mesmo ser objecto de recusa de homologação judicial, por nulidade do mesmo, antes enfermando de mera ineficácia, sendo, por isso, inoponível, relativamente ao Instituto de Segurança Social». Consequentemente, é hoje ponto assente não ser possível, contra a vontade do Estado (ou da Segurança Social), reduzir ou extinguir créditos tributários ou da Segurança Social, ou conceder moratória mediante o pagamento em prestações que se prolonguem por período superior ao previsto no Código Contributivo.
A posição que se acolha terá de respeitar os princípios constitucionais no âmbito da matéria tributária. O princípio da legalidade tributária, previsto no art.º 103.º da Constituição da República Portuguesa, significa que os impostos são criados por lei, sendo por lei que se determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais, as garantias dos contribuintes. O princípio da igualdade tributária implica que os cidadãos tenham igual oportunidade de cumprimento das suas obrigações –cfr. arts.º 13º e 266º, nº. 2, da Constituição). Refere-se no Ac. da Rel. do Porto de 21/10/2013 (relator Carlos Querido), que “…o princípio da equidade fiscal, particularmente num momento de emergência nacional, pressupõe o sacrifício de todos, e tal princípio seria violado, isso sim, pela interpretação dos normativos legais em apreço que permitisse excluir do esforço colectivo apenas alguns contribuintes, pelo simples facto de se encontrarem em situação económica difícil ou em situação de insolvência iminente”. E acrescenta, conforme jurisprudência constitucional, que o princípio da igualdade também se concretiza no tratamento de forma diferente, de realidades diferentes. Neste enquadramento temos os arts.º 194º, nº. 1, e 97º do CIRE.
Não se verifica a violação do princípio da igualdade na medida em que se considere que a indisponibilidade dos créditos fiscais é oponível a todos os devedores, enquanto dever fundamental de pagar impostos legalmente constituídos, inerente à incontornável natureza de “Estado fiscal” do nosso Estado de direito democrático –Ac. da Rel. de Coimbra de 5/12/2012 (relator Teles Pereira). E as oportunidades concedidas a uns são também concedidas a outros, respeitando, porém, a específica situação de cada um.
No acórdão da relatora do presente, proferido no processo nº. 2452/20.3T8GMR-B.G1 em 20/1/2022 (publicado) preconizamos a posição de que demos nota da Relação de Lisboa, nomeadamente seguindo a posição restritiva e adaptada ao caso do acórdão de 22/9/2020 (relatora Amélia Rebelo).
Contudo, face à evolução da posição do nosso STJ, e perante as posições que conhecemos deste Tribunal e seção, nomeadamente da aqui 1ª adjunta –decisão proferida no processo nº. 2728/21.2T8VCT.G1 em 31/3/2022 (e que incluiu outro coletivo), alteramos, em decisão coletiva, a nossa posição (quer quanto à apreciação das cláusulas do plano, quer quanto ao efeito), reconhecendo que a preconizada e aplicada nas recentes decisões do STJ, nomeadamente de 9/6/2021, 17/1/2023, e de 17/10/2023 (relator de todas, Luís Espírito Santo) é a que mostra mais conforme à lei, por muito “atrativa” que se mostrasse a outra, do ponto de vista dos objetivos do PER.
Pela sua pertinência e atualidade, deixamos aqui reproduzido a declaração de voto de vencido apresentado neste último acórdão, de António Barateiro Martins, onde se apela ao já por nós mencionado interesse público “É conhecida a polémica que a homologação do “Plano” que modifique os créditos tributários (designadamente, do Estado e das Instituições de Segurança Social) tem gerado.
Por o “Plano” – convenção ou negócio jurídico próprio do direito da insolvência – ter a força jurídica especial de afetar os direitos dos credores (aparentemente, todos os credores, com exceção das entidades referidas no art. 196.º/2 do CIRE, em que se incluem o BCE e os Bancos Centrais dos Estados membros), passou a entender-se neste STJ1, pese embora a regra da “indisponibilidade” dos créditos tributários estabelecida nos art. 30.º/2, 36.º/2 e 3 da LGT2, que as dívidas fiscais e as dívidas à segurança social podiam ser comprimidas pelo “Plano” (argumentou-se que não existia, no caso do “Plano” prever perdões, reduções ou moratórias no pagamento das dívidas fiscais e da segurança social, violação das normas fiscais imperativas por vontade das partes ou dos credores, mas sim a necessidade de observar um regime especial, consagrando-se a igualdade de tratamento para todos os credores, criado pelo próprio legislador.)
Face a tal contexto e entendimento jurisprudencial, a Lei do Orçamento de 2011 veio dizer, nos seus arts. 123.º e 125.º, que a regra geral tributária constante do art. 30.º/2 – que estabelece a indisponibilidade do crédito tributário e que diz que só no respeito pelos princípios da igualdade e da legalidade tributárias o mesmo poderá ser comprimido – não é alterável por uma qualquer legislação ou regime especial, querendo referir-se, não há qualquer dívida, ao CIRE.
Temos pois, a partir de tal Lei do Orçamento, que o mesmo legislador que impõe aos particulares um regime de exceção, obrigando-os a um “Plano” (seja de recuperação seja de insolvência) que inclui o perdão ou a redução dos seus créditos sem ou contra o seu acordo, se pretende abster, ele próprio, de contribuir para a prossecução dos fins que visou atingir com o processo de insolvência, pretendendo manter intocáveis os seus créditos e impondo aos demais credores todo o esforço de recuperação do insolvente.
E é neste ponto – perante a desarmonia e inconciliabilidade das leis, perante o Estado que produz legislação insolvencial com a função de recuperação de empresas (e que anuncia medidas legislativas de recuperação e revitalização das empresa), mas não quer participar nos sacrifícios que tais medidas representam – que este STJ (sem embargos de reconhecer a referida desarmonia e inconciliabilidade) excogitou a “tese da ineficácia relativa”, que, segundo o Conselheiro Fonseca Ramos (no local e artigo referidos no Acórdão), “(…) a par de constituir a solução que melhor satisfaz a conciliação dos interesses em jogo e supera a intransigência do legislador fiscal, obviando às drásticas consequências da não homologação do plano de insolvência, possibilitando a recuperação do insolvente, as mais das vezes à custa de pesados sacrifícios”.
Sucede, a nosso ver e com todo o respeito – quando, como é o caso, o “Plano” (seja de insolvência ou de recuperação) viola normas tributárias (o art. 30.º/2 e 3 da LGT), ou seja, quando, sem a autorização/acordo do Estado ou Seg. Social, reduz os juros ou dilata prazos de pagamento das obrigações tributárias – que não se está perante uma situação juridicamente configurável como de possível “ineficácia relativa”, mas sim perante uma invalidade/nulidade, na medida em que um tal “Plano” infringe uma norma imperativa (o referido art. 30.º/2 e 3 da LGT) e, para tal, a sanção é a nulidade (cfr. art. 294.º do C. Civil)3.
Por outro lado, a decisão de julgar ineficazes as cláusulas do “Plano” que afetem créditos tributários é, na realidade, uma recusa de homologação de parte do “Plano” aprovado pelos credores4: é uma decisão de recusa de homologação da cláusula que prevê a modificação dos créditos fiscais. E, a nosso ver, o art. 215.º do CIRE não consente, em relação a um mesmo Plano, uma decisão de homologação em relação a uma parte dele e uma decisão de não homologação em relação a outra parte.
Ademais, a prolação de duas decisões – uma a homologar parte do Plano e outra a recusar a homologação de outra parte – coloca em causa as formas de satisfação dos credores no processo de insolvência.
Efetivamente, segundo o art. 1.º/1 do CIRE, o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores por uma de duas formas: pela forma prevista num plano de insolvência baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente; ou, quando tal não se afigure possível, através da liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.
A ideia do CIRE é a de que todos os credores fiquem sujeitos ou ao regime do plano de insolvência ou ao regime do procedimento de liquidação, não estando prevista uma “terceira via”, nem que o “Plano”, uma vez aprovado, não estenda os seus efeitos a todos os credores5.
E, admitindo-se a não homologação parcial do “Plano”, em relação aos credores tributários, tal significaria que a satisfação de tal crédito não seria feita nem pela forma prevista no plano nem através da liquidação do património do devedor insolvente, ou seja, seria feita por uma forma diferente, ao arrepio do prescrito no CIRE (e o objetivo tido em vista com o Plano poderia ser frustrado com a liberdade de que dispunham os credores tributários para exercerem os seus direitos contra o devedor sem quaisquer restrições).
Enfim, a questão da homologação ou não do Plano, no seu todo, passa pela aplicação do art. 215.º do CIRE.
Quando o conteúdo do “Plano” viola o art. 30.º/2 e 3 da LGT deve, em princípio, a meu ver, em face da referida imperatividade de tal preceito, ser recusada a homologação de todo o “Plano”.
E dizemos “em princípio”, na medida em que deve haver algum espaço/margem para, por interpretação, poder “sair/resultar” uma solução que respeite minimamente a unidade e harmonia do sistema jurídico.
Dispondo-se no art. 215.º do CIRE (para que remete o art. 17.º-F/5 do CIRE) que o juiz só deve recusar a homologação em caso de “violação não negligenciável (…) das normas aplicáveis ao seu conteúdo”, deve considerar-se ser possível entender, em certos e concretos casos de violação do art. 30.º/2 e 3 da LGT, que estaremos tão só perante violações negligenciáveis das normas tributárias.
Vem-se entendendo, é certo, que devem ser consideradas como não negligenciáveis todas as violações de normas imperativas que acarretam a produção dum resultado que a lei não autoriza; todas as violações de normas que interfiram com a justa salvaguarda dos interesses/posições dos credores.
Mas será o caso – violação não negligenciável – se a violação se traduzir numa mera modificação dos prazos de pagamento e numa redução das taxas de juros, que reflitam e exprimam uma redução global do crédito pouco expressiva e se tal modificação dos prazos e redução de juros não estiver à partida e em abstrato proibida pelas disposições tributárias convocáveis e invocáveis (no que acompanhamos o Acórdão deste STJ de 24 de Março de 201, referido no texto deste Acórdão).
Todos estão de acordo – veja-se o que o que o Conselheiro Fonseca diz no seu já referido artigo – em dizer que não se justifica manter o credor tributário totalmente à margem dos deveres de cooperação e solidariedade económica e social que devem recair sobre todos os credores, no sentido de possibilitar a recuperação da empresa e evitar o seu encerramento e as consequências económicas que tal pode gerar, nomeadamente, fomentar a insolvência de outras empresas, o acréscimo de desemprego, entre outras consequências nefastas para a economia, enfim, todos dizem que o legislador já devia ter “deslindado” esta desarticulação de objetivos e de diplomas legais, mas, volvidos 12 anos sobre a Lei do Orçamento de 2011, o certo é que o legislador não fez.
A nosso ver, uma adequada ponderação dos interesses que a questão convoca, tendo em conta os fins que as leis falimentares visam (recuperação de empresas) e, por outro lado, o interesse público na arrecadação das receitas fundamentais à preservação e desenvolvimento do Estado Social (o dever geral que todos temos de contribuir para as receitas suficientes para fazer face às necessidades coletivas), tem que permitir, no respeito pelo princípio da proporcionalidade, uma interpretação, em certos casos, restritiva dos art. 30.º/2 e 3, 36.º/3 da LGT, uma interpretação que restrinja o seu pleno campo de aplicação à relação tributária e que permita, em certos casos de confronto com a legislação especial do direito falimentar, uma interpretação restritiva.
Repare-se:
- Uma das funções/princípios da nossa lei de insolvência é a recuperação de empresas;
- Tanto o Estado como a Segurança Social são, na maioria dos casos, titulares de créditos avultados sobre o devedor, pelo que, se não puderem participar no esforço de recuperação da empresa, o processo poderá ficar por vezes votado ao insucesso, o que contraria frontalmente a teleologia do PER (da reforma de 2012, confirmada em 2017), sendo certo que o direito deve ser (e é suposto que seja) um sistema harmónico e coerente;
- O princípio da indisponibilidade tributária e o que resulta do art. 103.º/1 e 2 da CRP tem que ser articulado com outras disposições constitucionais, designadamente das que tutelam a posição dos trabalhadores (53.º e 58.º/2/a) da CRP) e a manutenção do tecido económico e empresarial (100.º/d) da CRP);
- O próprio princípio da igualdade e legalidade tributária (cfr. art. 30.º/2 da LGT; do devedor, face aos outros contribuintes), perspetivado em sentido material, não será violado se se perceber que o Estado e a Segurança Social recebem mais (aceitando alguma modificação/redução do seu crédito) do que viriam a receber em caso insolvência (até poderá ser “bom” para os outros contribuintes, na medida em que o Estado cede facilmente à tentação de ir buscar dinheiro onde ele existe, no caso, perante a insolvência dum contribuinte, aos outros contribuintes).
Em face disto, ponderando tudo adequada e proporcionalmente, desde que a intervenção nos créditos do Estado e Seg. Social não evidencie uma modificação injusta e desproporcional – tendo em conta o somatório dos créditos dos particulares e a medida em que eles abdicam, visando a recuperação da empresa pré-insolvente – entendemos que será de admitir que o “Plano” possa incluir alguma modificação dos prazos de pagamento ou das taxas de juros (ou mesmo, em casos muito extremos, desde que devidamente justificado/explicado, uma moratória e o perdão ou redução do valor do capital) dos créditos da AT ou da Seg. Social.
Enfim, entendemos, verificada/apreciada uma concreta, precisa e “exigente” conjugação de circunstâncias, que poderemos estar “apenas” perante uma violação negligenciável das normas aplicáveis ao conteúdo do “Plano”.
Todos estão de acordo que a lei/legislador já devia ter previsto as situações, excecionais, em que uma “intervenção” nas dívidas tributárias pudesse acontecer nos processos que visem a recuperação económica do devedor, estabelecendo as condições em que tal poderia acontecer, quando tal se demonstre indispensável à viabilização da empresa, já que também constitui interesse público digno de proteção a continuidade das empresas que revelem a possibilidade de se recuperarem, pelo que o que se refere – e a que se procura chegar por interpretação restritiva dos art. 30.º/2, 36.º/2 e 37.º/2 da LGT – procura colmatar tal omissão legislativa.
Ora – é o ponto – o caso dos autos/recurso preenche, a meu ver, o concreto, preciso e “exigente” circunstancionalismo que leva a que se possa admitir que o “Plano” inclua, como é o caso, a modificação dos prazos de pagamento dos créditos da Seg. Social: não prevê qualquer perdão ou redução do crédito reclamado pela Seg. Social, prevendo-se a sua “regularização ao abrigo do CRCSPSS”, com modificação do prazo e pagamento em 150 prestações iguais, sem moratória, pelo que, tendo em conta o somatório dos créditos dos particulares e a medida em que eles abdicam, visando a recuperação da devedora, a “intervenção” que o Plano faz nos créditos da Seg. Social não evidencia qualquer “redução injusta ou desproporcional”.
Estamos até perante uma “intervenção” que compreende uma modificação do prazo que é à partida (e em abstrato) viabilizada pelos arts. 189.º e 190.º do CRCSPSS, que “grosso modo” (e preenchidas certas condições) admite, quando tal for indispensável à viabilidade do contribuinte e este se encontre em processo de insolvência ou recuperação, que seja autorizado o pagamento prestacional da dívida e a redução dos respetivos juros vencidos e vincendos.
Em face de tudo isto, homologaria, como comecei por referir, in totum o Plano de Recuperação apresentado/aprovado.”
Notas: “1. Cfr. v. g. Ac. do STJ de 13/01/2009, 04/06/2009 e 02/03/2010, in DGSI
2. Que significa, nas palavras de José Casalta Nabais [Direito Fiscal, Almedina (2010, 6.ª Edição, páginas 249 e 250], que ao “… credor não cabem, em princípio, quaisquer poderes para conceder moratórias, admitir o pagamento em prestações ou conceder o perdão da dívida”.
3. Segundo o art. 294.º do C. Civil, os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei; e não existe uma qualquer disposição especial a sancionar a violação do art. 30.º/2 e 3 da LGT com a ineficácia, valendo a regra dos negócios celebrados contra a lei: nulidade.
4. Ou, noutra perspetiva, uma alteração do “Plano”, sendo que, depois da aprovação do plano pelos credores, não é lícito ao juiz introduzir-lhe alterações.
5. Afirma-se no art. 217.º/1 do CIRE que, com a sentença de homologação produzem-se as alterações dos créditos sobre a insolvência introduzidas pelo plano de insolvência, independentemente de tais créditos terem sido, ou não, reclamados ou verificados.”

Veja-se ainda a seguinte decisão do STJ de 10/05/2018 (relator Fonseca Ramos): “Continuamos a admitir que, em caso de flagrante e injustificada afirmação intransigente, pela autoridade tributária, das prerrogativas dos créditos fiscais, podem os Tribunais desconsiderá-las, na salvaguarda de interesses públicos, que num patamar de justificados sacrifícios imponham ao Estado (no respeito pelo paradigma insolvencial vigente, sobretudo após a Reforma de 2012, com a introdução do PER, já que a finalidade da lei insolvencial é agora a recuperação da empresa devedora e não a liquidação) o seu contributo para evitar a destruição e a liquidação da empresa.
Nesse hipotético quadro de estado de necessidade social e visando evitar a derrocada de empresas, sobretudo grandes empregadores, num meio social economicamente débil e carenciado, a justiça, a equidade e os fins sociais pelos quais o Estado deve velar, podem conduzir à atenuação daqueles direitos - “III Congresso de Direito da Insolvência” – Almedina – 2015 – “Os créditos tributários e a homologação do plano de recuperação” – António Fonseca Ramos, páginas 361 a 381 – se, e quando a posição dos credores públicos for decisiva para a recuperação da sociedade devedora.”
De mencionar ainda os Acs. desta Relação de 16/2/2023 (relatora Eugénia Pedro: “Acompanhando-se a referida jurisprudência maioritária, entendemos que o diferimento temporal, não autorizado, do pagamento dos créditos à segurança social, em prestações, constitui, na prática, uma moratória não autorizada, que traduzindo-se numa alteração restrictiva de tais créditos  acarreta uma violação não negligenciável do art. 30º da LGT,  o que nos termos do disposto no artigo 215.º do CIRE,  impossibilita a homologação do plano, no que concerne a tais créditos.”) e de 30/3/2023 (relator Fernando Cabanelas; “…o diferimento temporal consubstanciado num plano de pagamentos em prestações dos créditos da Segurança Social, com a oposição desta, constitui uma moratória não autorizada e envolve modificação de tais créditos, traduzindo-se numa violação não negligenciável do princípio da indisponibilidade dos créditos fiscais, razão pela qual inexiste fundamento para decretar a eficácia do plano também quanto aos créditos reclamados pela Segurança Social.”).
Diremos, por isso, que a questão ainda não obteve entendimento uniforme e consenso generalizado a nível jurisprudencial.
Em síntese, estando no caso em apreço “apenas” em falta a autorização (consubstanciada no voto contra) da AT para o pagamento prestacional, reconhecemos tratar-se de uma violação não negligenciável, na medida em que não poderiam terceiros (os restantes credores votantes) impor ao credor tributário um pagamento a prestações, de natureza excepcional, que dependeria sempre da sua aprovação. Violou, por isso, o dito plano uma norma imperativa, aplicável ao conteúdo do plano, com resultado não autorizado por lei.
Voltaremos a esta questão mais à frente, de modo a analisar as consequências do decidido nesta parte.
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Analisada a questão sob a ótica do art.º 215º do CIRE, cremos, contudo, que se impõem ainda umas palavras a propósito da alínea g) do nº. 7 do art.º 17º-F do CIRE: se o plano de recuperação apresenta perspetivas razoáveis de evitar a insolvência da empresa ou de garantir a viabilidade da mesma.
O recorrente alude à falta de viabilidade da empresa que, não obstante o plano apresentado, alegadamente não tem pago as suas obrigações fiscais relativas a facto tributário posterior ao início do PER, e com esse não cumprimento a devedora revela a sua inviabilidade e a inviabilidade do plano de revitalização, reiterando o comportamento que manifestava antes da apresentação do pedido de PER e que era de não pagamento sistemático, não demonstrando qualquer mudança de comportamento compatível com uma vontade genuína de revitalização. Alude à aparência de negócio e de plano.
Ora, salvo o devido respeito, esses factos e conclusão estão por demonstrar no processo. É verdade que, uma vez mais, compete ao juiz, no âmbito do seu poder/dever de oficiosidade, aferir daquela circunstância. Mas para o efeito é preciso que isso ressalte de algum elemento objetivo.
De facto, de acordo com o nº. 4 e nº. 6 do mesmo artigo, compete ao AI, juntamente com o resultado da votação, juntar o seu parecer fundamentado sobre se o plano apresenta perspetivas razoáveis de evitar a insolvência da empresa ou de garantir a viabilidade da mesma.
Ora, do segmento do parecer do AI que reproduzimos na fundamentação dá-se conta de boas perspetivas para o futuro da devedora. Como em muitos outros juízos que se exigem nestes processos, trata-se de um juízo de prognose futura. Este parecer, embora não vinculativo, constitui um elemento determinante para o juiz, pois que é precedido do estudo da atividade da empresa e das causas das suas dificuldades.
No ponto 2.18 do “Memorando de Entendimento” celebrado entre o Estado português, a CE, o BCE e o FMI, que impunha a definição de “princípios gerais de reestruturação voluntária extra-judicial em conformidade com boas práticas internacionais” e no seguimento do qual o Governo Português veio a aprovar a Resolução do Conselho de Ministros nº. 43/2011, de 25 de outubro, que definiu os seguintes “Princípios Orientadores da Recuperação Extrajudicial de Devedores”, consta (…): “Décimo princípio - As propostas de recuperação do devedor devem basear-se num plano de negócios viável e credível, que evidencie a capacidade do devedor de gerar fluxos de caixa necessários ao plano de reestruturação, que demonstre que o mesmo não é apenas um expediente para atrasar o processo judicial de insolvência, e que contenha informação respeitante aos passos a percorrer pelo devedor de modo a ultrapassar os seus problemas financeiros;”.
Não é despiciendo a esta ponderação o facto da S.S., entidade com o crédito mais elevado, ter aceite o plano. Não é também de ignorar que além da AT e da S.S., a devedora “apenas” deve a fornecedores € 7.212,94 (sendo um dos credores a Distribuidor de energia ...). Os seus créditos assumem por isso natureza essencialmente pública. Podemos dizer que se afigura que no meio empresarial a devedora continue de certo modo com uma relação “saudável” com os seus parceiros.
Assim, aquela informação veiculada pela AT, que tão pouco refere quais os valores envolvidos, não interfere ou contende, pelo menos com os dados disponíveis, com a adesão ao parecer do AI.
Concluímos por isso que por este prisma nada impede a homologação do plano de revitalização apresentado.
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Relativamente às consequências da violação antes apreciada, a jurisprudência uma vez mais divide-se.
Já deixamos exposta a posição do STJ, quer através da menção da decisão proferida nos acórdãos citados, quer através da citação do voto de vencido.
Citaremos o que ponderamos no anterior acórdão desta relatora: “…deve o juiz recusar a homologação do plano (no sentido que só pode homologar ou recusar a homologação Ac. da Rel. de Lisboa de 9/7/2017 -relator Roque Nogueira-, e voto de vencido apresentado por Aristides Rodrigues de Almeida no Ac. da Rel. do Porto de 12/7/2017, ambos em www.dgsi.pt):, ou declarar a sua ineficácia ou inoponibilidade em relação ao credor cujo crédito está afetado pelo vício (o que pressupõe a validade do plano)? Ou ainda optar pela nulidade das cláusulas ilegais nos termos do art.º 280º do C.C. (o que pressupõe a nulidade parcial do plano), com a consequência da sua exclusão do plano face á possibilidade de redução de negócios jurídicos nos termos do art.º 292º do C.C., presumindo-se que a vontade hipotética ou conjectural das partes é no sentido de conservar o plano?
Uma outra tese possível foi seguida no Ac. da Rel. de Évora de 4/2/2016 (relator Bernardo Domingos, www.dgsi.pt) em que se decidiu que a sentença que homologou o plano deve ser revogada, e que caberá ao Tribunal “a quo” fixar prazo para a elaboração de novo plano por forma a obter o consentimento da entidade (nesse caso a Autoridade Tributária) para modificações que estejam em conformidade com a lei. Essa solução pressupõe porém a prévia conclusão, de que estava-se perante uma violação negligenciável dos princípios da indisponibilidade e da legalidade tributária, designadamente do disposto nos art.ºs 196º, n.º5 e 199º, ambos do CPPT, que tal irregularidade pode ser suprida facilmente (…).
A jurisprudência não vinha sendo unânime nesta resposta, citando Catarina Serra os vários acórdãos proferidos (pag. 445 de “Lições…”).”
Ponderando que estamos perante um negócio jurídico, ainda que um contrato atípico, bem como a aprovação do plano, o confronto da alternativa da revitalização face à alternativa de uma insolvência, optamos na nossa anterior decisão pela posição da declaração de ineficácia em relação ao crédito/credor que o plano não pode abranger por violação de normas imperativas. E dissemos: “É esta a posição do STJ que consta do citado acórdão de 13/11/2014 e que se consolidou na jurisprudência deste Tribunal Superior. Este Acórdão vem proferido já na sequência do de 18/2/2014 do mesmo relator e do de 25/3/2014 (relator Fernandes do Vale, também em www.dgsi.pt).
Concorda-se com o argumento dado no Ac. da Rel. de Lisboa de que optar pela não homologação do plano na sua globalidade seria, pelo simples facto de os credores públicos terem emitido voto desfavorável, atribuir-lhes voto de qualidade, que não tem fundamento legal.
Aí se conclui, como aqui, que “…a nulidade ou a ineficácia abrange apenas essas concretas medidas ilegais, permanecendo no demais válido e eficaz relativamente a todos os credores, incluindo os de natureza publica.”, citando ainda nesse sentido, entre outros, acórdãos do STJ de 10/05/2012, 24/03/2015, 02/06/2015, e 17/04/2018 e 10/5/2018. Acrescentamos um dos mais recentemente proferidos, em 10/5/2021 (relator: F. Pinto de Almeida, todos em www.dgsi.pt).”
No acórdão mencionado e relatado pela aqui 1ª adjunta ponderou-se, face aos termos do art. 294.º, do CC (onde se lê que os “negócios celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei” (-introduzimos as notas no texto): “Contudo, e tendo em conta a natureza essencialmente contratual do plano de recuperação, admite-se que se possa operar a sua redução, face ao disposto no art. 292.º, do CC (onde se lê que a nulidade «parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada»).
Precisa-se, porém, que face à natureza especialíssima de qualquer plano de recuperação e ao teor dos presentes autos, não se crê possível optar sem mais por ela. É que, por um lado, o plano que viesse a ser aqui homologado (com a referida redução) não corresponderia, rigorosamente, ao plano aprovado pelos credores, suscitando preocupações ao nível da tutela da confiança (Manifestando esta concreta preocupação, com a eventual violação da tutela da confiança, Fátima Reis Silva, Processo Especial de Revitalização - Notas Práticas e Jurisprudência Recente, Porto Editora, 2014, pág. 67.); e, por outro, restaria sempre a dúvida sobre se o plano assim homologado ainda manteria a sua aptidão para realizar a recuperação da Requerente(…) (Manifestando esta concreta preocupação, com a necessidade de o plano de recuperação reduzido manter a idoneidade para o fim a que se destinava, Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, Fevereiro de 2021, pág. 446.)
Tem-se, por isso, como mais adequada solução a de declarar a nulidade parcial do plano de pagamento; e condicionar a sua homologação à confirmação, a obter pelo Tribunal a quo, de continuar o dito plano (assim reduzido) a ser desejado pela generalidade dos credores e a ter utilidade como via para a recuperação da Requerente”.
Face ao que na nossa anterior decisão estava em causa (após o caminho percorrido para aí chegar) - perdão de juros-, e comparativamente ao que está em causa neste caso –pagamento em prestações de 421 429,52 €, num total de créditos de 1 568 450,58 €-, portanto algo bem mais substancial e decisivo para o plano de revitalização, cremos que esta última posição é a que no caso se afigura mais acertada. Optámos por isso pela sua aplicação.
Esta solução configura uma procedência parcial do pretendido pela via recursiva, que era a revogação da decisão judicial recorrida, e sua substituição por outra que recusasse a homologação do plano de recuperação aprovado, face à sua nulidade.
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Por tudo o exposto, é de alterar a decisão recorrida, procedente parcialmente a apelação.
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V DISPOSITIVO.

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso do MP parcialmente procedente, e em consequência, conceder provimento à apelação, e alterar a decisão recorrida no sentido de declarar a nulidade do plano de revitalização da Requerente EMP01... UNIPESSOAL LDA, na parte em que dispôs sobre o pagamento dos créditos da Autoridade Tributária, condicionando a respetiva e definitiva homologação ao apuramento, pelo Tribunal a quo, da vontade dos Credores daquela em manterem o acordo de recuperação sem a parte viciada e de ser o mesmo ainda assim idóneo a assegurar a sua recuperação.
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Custas a cargo da recorrida (art.º 527º, nºs. 1 e 2, do C.P.C.).
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Os Juízes Desembargadores
Relator: Lígia Paula Ferreira Sousa Santos Venade
1º Adjunto: Maria João Marques Pinto de Matos
2º Adjunto: Maria Gorete Roxo Pinto Baldaia de Morais
(A presente peça processual tem assinaturas eletrónicas)
Guimarães, 23 de novembro de 2023.