INQUÉRITO JUDICIAL
LEGITIMIDADE ACTIVA
PROCESSO ESPECIAL
ANALOGIA
CONTRATO DE ASSOCIAÇÃO EM PARTICIPAÇÃO
Sumário


I - O processo comum constitui a regra e o processo especial a excepção; cada processo especial deve ser aplicado ao caso para o qual a lei expressamente o estabeleceu e apenas a ele.
II - Assim, não é lícito aplicar, por analogia, um processo especial a caso diferente daquele a que a lei o destinou expressamente.
III - No âmbito das sociedades comerciais, um dos interessados a quem atribui legitimidade para instaurar processo especial de inquérito judicial, a que se reportam os art.ºs 1048º e segs. do CPC, é o sócio da sociedade – ou seja, aquele que for titular de uma participação social, seja por ter sido parte no contrato de sociedade, seja por ter adquirido tal participação por alguma das vias admitidas em direito -, tendo legitimidade passiva a sociedade.
IV – O referido processo especial não pode ser aplicado, por analogia, ao contrato de associação em participação.

Texto Integral


ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

1. Relatório

AA intentou processo especial de inquérito judicial contra “EMP01..., Ldª”, BB e CC, pedindo seja “ordenado Inquérito Judicial, nos termos do art.º 1479º e segs do CPC e decretadas as medidas cautelares requeridas que se mostrem necessárias à garantia dos interesses da sociedade dos direitos do sócio (Requerente) e controlo da prática de actos susceptíveis de entravar a investigação necessária.”
           
Alegou para tanto, em síntese e no que releva à economia do recurso, que a 1ª requerida é uma sociedade por quotas, constituída a 21/05/2014; os 2º e 3ª requeridos foram, no momento da “constituição da sociedade / Contrato de prestação de serviços e associação em participação 17 de Outubro de 2017”, nomeados gerentes; para obrigar a sociedade em todos os actos e representá-la em juízo e fora dele, activa e passivamente, é necessária a assinatura dos mesmos; a sociedade tem por objecto a instalação e exploração de uma danceteria, bar, promoção de eventos e actividades similares; desde o início da actividade da requerida, que a gerência, de direito e “de facto”, foi exercida pelos sócios gerentes, tendo colocado, sempre, o “sócio (requerente)” à margem da actividade desenvolvida pela sociedade, controlando a empresa e explorando a sociedade sem dar qualquer satisfação dos seus actos ao “sócio, ora requerente”; o requerente, na sequência da mudança da fechadura das portas da empresa, pela 1ª e 2º requeridos, deixou de ter qualquer acesso às instalações da mesma.

Mais alegou que intentou uma acção comum – proc. 395/16...., no J ... do Juízo de Competência Genérica ..., Tribunal judicial da Comarca ...; por acordo entre o requerente e os 2º e 3ª requeridos ficou definido que as partes reconheciam a existência do contrato identificado no art.º 2º da petição inicial daqueles autos.

Alegou ainda que no proc. 199/21...., do Tribunal de Competência Genérica ..., J ..., foram os 2º e 3ª requeridos condenados a prestar contas por força do contrato de parceria em associação em participação descrito no ponto 1º dos factos provados e foi o aqui 2º requerido condenado a prestar contas por força do contrato de parceria em associação em participação descrito no ponto 2º dos factos provados; apesar de interpelados para o fazer, não o fizeram.

Alegou também que os requeridos, desde a data da mudança das fechaduras das instalações da sociedade que não falam com o requerente, não convocaram qualquer assembleia geral, não apresentaram quaisquer contas, desconhecendo o requerente a situação efectiva da empresa, não tendo acesso a qualquer documentação respeitante à empresa, a elementos contabilísticos; os requeridos “violam o direito de informação do requerente”, invocando a seguir o disposto nos artigos 214º, 215º e 216º do CSC.

Os requeridos, citados, contestaram invocando, em síntese e no que releva à economia do recurso, que o exercício do direito à informação e o recurso ao inquérito judicial advêm da qualidade de sócio de uma sociedade; o A. não é, nem nunca foi, sócio da “EMP01..., Lda.”.

Foi ordenado que a 1ª Ré juntasse aos autos certidão permanente da mesma.

A Ré procedeu à sua junção e de seguida foi proferida decisão com o seguinte teor:
Em face do supra exposto, decido julgar verificada a excepção dilatória da ilegitimidade activa do Autor e, em consequência, absolvo os Réus da instância.

Interpôs o A. recurso, pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por Acórdão que determine o prosseguimento dos autos, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

1. Discorda em absoluto o ora Recorrente da decisão adotada e promulgada pelo Tribunal a quo, pois que, no seu entender, tal não se retira, nem de forma clara nem de forma tácita, da lei aplicável.
2. Os presentes autos foram desencadeados pelo Autor, ora Recorrente, que intentou inquérito judicial à Sociedade contra EMP01..., Lda., BB e CC, e requereu que fossem aplicadas medidas cautelares.
3. Conforme explanado, a Sociedade EMP01..., Lda., aqui Requerida, é uma sociedade, relativamente à qual são sócios o aqui Requerente e os Requeridos BB e CC.
4. Todavia, o Tribunal recorrido proferiu sentença julgando verificada a exceção dilatória da ilegitimidade ativa do Autor e, em consequência, absolveu os Réus, aqui Requeridos, da Instância.
5. Para tal, o Tribunal a quo alicerçou-se na circunstância de o Autor não ser sócio da Sociedade EMP01..., Lda., aqui Requerida, pelo que carece de legitimidade ativa para requerer o presente inquérito judicial, dado que não lhe assiste qualquer direito à informação.
6. Efetivamente, em 17 de outubro de 2012 foi celebrado entre o Requerente e os Requeridos um apelidado contrato de prestação de serviço e associação em participação para exploração de um estabelecimento comercial.
7. No momento da constituição da sociedade/contrato de prestação de serviços e associação em participação foram designados gerentes BB e CC.
8. Porém, resultava da vontade de todos os outorgante/intervenientes que os contratos celebrados consubstanciassem, ainda que de forma irregular, uma verdadeira sociedade.
9. Igualmente claro é que desta sociedade resultava para todas as partes os mesmos direitos e obrigações.
10. Ora, apesar de ser solicitado constantemente pelo Requerente que lhe fosse prestada informação legalmente exigível, certo é que o mesmo tem sido afastado da vida da Sociedade, nada lhe sendo disponibilizado.
11. Assim, o Requerente é, indiscutivelmente, sócio/participante da Sociedade requerida EMP01..., Lda., tendo sido excluído da exploração do referido estabelecimento comercial pelos réus sem que lhe tenham sido prestadas contas da sua exploração.
12. O Requerente intentou uma ação para ser reconhecida a existência, entre Autor e Réu, aqui Requerente e Requeridos, do apelidado contrato de prestação de serviços e associação em participação/contrato de sociedade; bem como serem reconhecidos ao autor, aqui Requerente, os mesmos direitos e obrigações equivalentes aos dos réus, ora Requerentes, o que deu origem ao Processo n.º395/16...., que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Competência Genérica ... – Juiz ....
13. No âmbito deste processo, foi homologada por sentença a transação efetuada entre o aqui Requerente e o Requerido BB, resultando o seguinte: “As partes reconhecem a existência do contrato identificado no artigo 2º da petição inicial e junto aos autos a fls. 26 a 30, bem como reconhecem os termos e direitos conforme exarados no referido contrato”.
14. Prosseguindo: “…considera-se válida a transação efetuada pelo que se homologa a mesma pela presente sentença, condenando as partes a observar o acordo realizado nos seus precisos termos, …”.
15. Conforme consta dos mencionados contratos, bem como da transação/acordo homologado por sentença no Tribunal ..., ao Requerente foram reconhecidos os seus direitos e deveres numa proporção de 25% dos lucros que adviessem da exploração do referido estabelecimento comercial.
16. De igual forma, o Requerente intentou uma ação especial de prestação de contas que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca ... - Juízo de Competência Genérica ... - Juiz ..., sob o número do Processo n.º 199/21...., peticionando o reconhecimento ao Autor, aqui Requerente, da percentagem de 25% dos lucros a apurar; bem como a condenação dos Réus, ora Recorridos, no pagamento ao Requerente das quantias que se vierem a apurar, serem-lhe devidas, em resultado da perícia requerida.
17. No decurso dessa ação, o Tribunal a quo veio a coberto do disposto dos art.º 942.º, n.º 3, 1.º parte do CPC, julgar parcialmente procedente o pedido de prestação de contas e em consequência: “1- Condeno os Réus DD e CC a, em 20 dias, prestarem contas por força do contrato de parceria em associação, descritos no ponto 1.º dos factos provados, desde a data aposta nesse contrato e até 4 de Abril de 2013, sob pena de, não o fazendo, não lhes ser permitido contestar as contas que o autor apresente. 2- Condeno o Réu DD a, em 20 dias, prestar contas por força do contrato de parceria em associação, descritos no ponto 2.º dos factos provados, desde a data aposta nesse contrato e até 21 de agosto de 2013, sob pena de, não o fazendo, não lhes ser permitido contestar as contas que o autor apresente”.
18. Ora, não obstante serem interpelados a 18 de março de 2022, para o fazerem, com sugestão de data (31 de março) e disponibilizando instalações para o efeito, os mesmos simplesmente ignoraram o sugerido.
19. No que concerne à natureza do contrato em apreço, considera-se o mesmo um contrato de sociedade “irregular”, e não um mero contrato de parceria em associação.
20. A epígrafe do texto - “Contrato de Prestação de Serviço e Associação em Participação”- em nada vincula as partes, pois os contratos não são o que os outorgantes apodam, mas antes o que resulta das suas cláusulas.
21. Os outorgantes/intervenientes pretendiam que os contratos celebrados consubstanciassem, ainda que de forma irregular, uma verdadeira sociedade, sendo o aqui Requerente considerado um dos sócios/participantes dessa dita sociedade.
22. Sendo certo que, é mediante inquérito judicial que um sócio/participante pode fazer valer o seu direito à informação, o qual constitui um direito inerente a qualquer sócio de uma sociedade ou a qualquer “parceiro” de qualquer parceria.
23. Ainda que assim não fosse, o que só por mera hipótese de raciocínio se configura, ainda que estivéssemos perante um contrato de parceria em associação parece-nos, e salvo melhor opinião, que o inquérito judicial é passível de extensão analógica a outros contextos processuais.
24. Conforme se retira da própria sentença “(…) urge clarificar que sobre o requerente do inquérito recairá o ónus de provar, num primeiro momento, a sua qualidade de sócio e, depois, a recusa de informação pedida, ou a prestação de informação falsa, incompleta ou não elucidativa – cfr. artigo 342.º do CC.”.
25. Perante o exposto, e salvo melhor opinião, somente com a produção de prova em audiência de discussão e julgamento será possível identificar quem pode ser considerado verdadeiramente sócio da Sociedade em apreço, bem como da necessidade de realização de inquérito judicial à – reiteramos – Sociedade.

Não consta tenham sido apresentadas contra alegações.

2. Questões a apreciar

O objecto do recurso, é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso, cuja apreciação ainda não se mostre precludida,

O Tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas (isto é, questões que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis” (cfr. António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, Almedina, p. 139) (pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida).

A decisão recorrida considerou que o A. não é sócio da Sociedade EMP01..., Lda., aqui Ré, pelo que carece de legitimidade ativa para requerer inquérito judicial à sociedade.

O A., por sua vez, defende que é sócio da referida sociedade e que somente com a produção de prova será possível identificar quem pode ser considerado verdadeiramente sócio da Sociedade em referência e, mesmo que se esteja perante um “contrato de parceria em associação”, o inquérito judicial é passível de extensão analógica a outros contextos processuais.

São três as questões objecto do recurso:
- os autos contêm todos os elementos para conhecer da questão de saber se o A. tem legitimidade activa para intentar processo especial de inquérito judicial da sociedade “EMP01..., Ldª” ou é necessária a produção de prova para tal?
- tendo os autos todos os elementos para conhecer dessa questão, o A. tem legitimidade activa para intentar processo especial de inquérito judicial da sociedade “EMP01..., Ldª”?
- é possível aplicar, por analogia, o processo especial de inquérito judicial a sociedade, ao contrato de associação em participação?

3. Fundamentação de facto

A factualidade relevante a considerar é a que consta do Relatório e ainda a seguinte:
a) Tendo em consideração a Acta da audiência de julgamento realizada no dia 10/01/2018, no processo 395/16.... do J ... do Juízo de Competência Genérica ... - Tribunal Judicial da Comarca ..., junta com a petição inicial, considera-se provado:
- a 1) – A referida acção foi intentada pelo aqui A. contra o aqui R. DD, sendo interveniente principal a aqui R. CC.
- a 2) – Na referida audiência de julgamento as partes – o A., o R. e a interveniente principal – declararam transigir, nos seguintes termos:
“As partes reconhecem a existência do contrato identificado no artigo 2º da petição inicial e junto aos autos a fls. 26 a 30, bem como reconhecem os termos e direitos conforme exarados no referido contrato”.
- a 3) E foi proferida sentença que “…considera-se válida a transação efetuada pelo que se homologa a mesma pela presente sentença, condenado as partes a observar o acordo realizado nos seus precisos termos …”.
b) Tendo em consideração a sentença proferida pelo J ... do Juízo de Competência Genérica ... - Tribunal Judicial da Comarca ..., no processo 199/21.... junta com a petição inicial, considera-se provado:
- b 1) - O referido processo diz respeito a uma acção de prestação de contas intentada pelo aqui A. contra os aqui RR. DD e CC e outros dois, em que invocava que a 17 de outubro de 2012 foi celebrado entre o A. e os primeiro e segundo RR., um contrato de prestação de serviço e associação em participação para exploração de um estabelecimento comercial.
- b 2) A referida sentença considerou provado que:
1) O autor e os 1º, 2º e 3º réus outorgaram um documento escrito, datado de 17 de Outubro de 2012, denominado “Contrato de Prestação de Serviço e Associação em Participação”, onde declararam:
“Entre:
Primeiros outorgantes: CC (…) e DD (…), na qualidade de investidores;
Segundo Outorgante: AA (…) na qualidade de prestador de serviços e de associado em participação.
Terceiro Outorgante: EE (…) na qualidade de prestador de serviços e de associado em participação.
Considerando e expressamente aceitando que:
A) Em 15 de Outubro de 2012, entre os primeiros outorgantes e a sociedade EMP02..., SA, foi celebrado um contrato de arrendamento de fim não habitacional da fração autónoma designada pela letra ..., destinada a armazém e atividade industrial (…), pelo prazo de 5 anos, com início a 1 de Novembro de 2012.
B) O local arrendado tem por objeto a instalação e exploração de uma danceteria, bar, promoção de eventos e atividades similares.
C) O Segundo e Terceiros Outorgantes têm vasta experiência como gerentes de danceterias;
D) O local arrendado pelos Primeiros Outorgantes para a instalação de uma danceteria foi escolhido conjuntamente com o Segundo e Terceiro Outorgantes.
E) E pelo investimento estimado e pela experiência da gerência de danceterias, os Outorgantes atribuem ao estabelecimento comercial o valor de €200.000 (duzentos mil euros).
Pelo presente escrito, os Outorgantes, nas qualidades acima enunciadas, celebram um contrato de Prestação de Serviço e de associação em participação, nos termos das cláusulas seguintes, a cujo cumprimento mutuamente se obrigam:
Cláusula Primeira
O Presente contrato tem por objeto a instalação e exploração de uma danceteria, bar e a promoção de eventos no prédio urbano designado pela letra ... sito no Centro Empresarial de ... (…), que compreende o arrendamento deste prédio, o licenciamento e execução de obras de adaptação ao local.
Cláusula Segunda
1. Para a instalação e exploração de uma danceteria, bar e atividades similares no local arrendado, os Primeiros Outorgantes arrendaram o prédio supra identificado, e comprometem-se a suportar as rendas e as demais despesas com adaptação do local arrendado à atividade em causa, despesas com licenciamento e outras despesas que se revelem necessárias para a abertura ao público do estabelecimento comercial.
2. Todas estas despesas e cistos para a abertura ao público do estabelecimento comercial terão de ser contabilizadas por conta corrente a abrir exclusivamente para esta finalidade.
Cláusula Terceira
1. O Segundo e o Terceiro Outorgantes colaborarão, com toda a sua experiência, conhecimentos e contactos, no desenvolvimento deste projeto de instalação e exploração de uma danceteria, bar, promoção de eventos e atividades similares no espaço arrendado pelos primeiros Outorgante para o efeito.
2. Como contrapartida, o Segundo e Terceiro Outorgantes participação, na percentagem de 25%, cada um, nos lucros que advierem da exploração do estabelecimento comercial pelos primeiros outorgantes.
Cláusula Quarta
Todos os Outorgantes terão direito a receber a remuneração de €50 (cinquenta euros) por cada sessão de trabalho.
Cláusula Quinta
1. Para efeitos de determinação do valor Global do lucro devido ao Segundo e Terceiro Outorgantes, será considerado a totalidade do valor recebido pelos Primeiros Outorgantes em virtude da exploração do estabelecimento comercial a implementar no espaço arrendado, deduzindo-se a esse valor as despesas para a:
- instalação e licenciamento do estabelecimento comercial;
- exploração de estabelecimento comercial; (…)
Cláusula Oitava
1. Se, por advindas dificuldades de colaboração ou relacionamento qualquer das partes entender denunciar o presente contrato – o que lhes é reciprocamente facultado – os Outorgantes expressamente acordam que nada é devido ao Segundo e Terceiro Outorgantes, caso não tenha havido amortização integral do investimento para a instalação e licenciamento do estabelecimento comercial.
2. Na hipótese de ter havido amortização integral de investimento para a instalação e licenciamento do estabelecimento comercial, na falta de acordo, a importância que deverá ser paga ao segundo e Terceiros Outorgantes para remissão da sua participação nos lucros esperados e relacionados com a atividade desenvolvida será fixada em função do valor atribuído ao estabelecimento comercial, previsto no considerando E) deste contrato.
Cláusula Nona
Qualquer alteração ao presente contrato deve observar a forma escrita. (…), conforme documento junto aos autos como documento nº ..., cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
- b 3) A referida sentença considerou ainda provado:
“Posteriormente, o autor e os 1º e 4º réus outorgaram um documento escrito, datado de 4 de Abril de 2013, denominado “Contrato de Prestação de Serviço e Associação em Participação”, onde declararam:
“Entre:
Primeiros outorgantes: DD (…), na qualidade de investidores;
Segundo Outorgante: AA (…) na qualidade de prestador de serviços e de associado em participação.
Terceiro Outorgante: FF (…) na qualidade de prestador de serviços e de associado em participação.
Considerando e expressamente aceitando que:
A) Em 15 de Outubro de 2012, entre os primeiros outorgantes e a sociedade EMP02..., SA, foi celebrado um contrato de arrendamento de fim não habitacional da fração autónoma designada pela letra ..., destinada a armazém e atividade industrial (…), pelo prazo de 5 anos, com início a 1 de Novembro de 2012.
B) O local arrendado tem por objeto a instalação e exploração de uma danceteria, bar, promoção de eventos e atividades similares.
C) O Segundo e Terceiros Outorgantes têm vasta experiência como gerentes de danceterias;
D) Pelo investimento estimado e pela experiência da gerência de danceterias, os Outorgantes atribuem ao estabelecimento comercial o valor de €200.000 (duzentos mil euros).
E) Em 17 de Outubro de 2012, entre o Primeiro Outorgante, o Segundo e EE foi celebrado um contrato de prestação de serviço e associação e participação, tendo sido revogado por acordo das partes.
F) Pelo presente contrato, os Outorgantes pretendem que o espírito do anterior contrato de prestação de serviço e de associação se mantenha, devendo o ora Terceiro Outorgante assumir a posição do referido EE, tendo pago para o efeito a quantia de €11.533,00 (…) ao Primeiro Outorgante.
Pelo presente escrito, os Outorgantes, nas qualidades acima enunciadas, celebram um contrato de Prestação de Serviço e de associação em participação, nos termos das cláusulas seguintes, a cujo cumprimento mutuamente se obrigam:
Cláusula Primeira
O Presente contrato tem por objeto a instalação e exploração de uma danceteria, bar e a promoção de eventos no prédio urbano designado pela letra ... sito no Centro Empresarial de ... (…), que compreende o arrendamento deste prédio, o licenciamento e execução de obras de adaptação ao local.
Cláusula Segunda
1. Para a instalação e exploração de uma danceteria, bar e atividades similares no local arrendado, os Primeiros Outorgantes arrendaram o prédio supra identificado, e comprometem-se a suportar as rendas e as demais despesas com adaptação do local arrendado à atividade em causa, despesas com licenciamento e outras despesas que se revelem necessárias para a abertura ao público do estabelecimento comercial.
2. Todas estas despesas e cistos para a abertura ao público do estabelecimento comercial terão de ser contabilizadas por conta corrente a abrir exclusivamente para esta finalidade.
Cláusula Terceira
1. O Segundo e o Terceiro Outorgantes colaborarão, com toda a sua experiência, conhecimentos e contactos, no desenvolvimento deste projeto de instalação e exploração de uma danceteria, bar, promoção de eventos e atividades similares no espaço arrendado pelos primeiros Outorgante para o efeito.
2. Como contrapartida, o Segundo e Terceiro Outorgantes participarão, na percentagem de 25%, cada um, nos lucros que advierem da exploração do estabelecimento comercial pelos primeiros outorgantes.
Cláusula Quarta
Todos os Outorgantes terão direito a receber a remuneração de €50 (cinquenta euros) por ada sessão de trabalho.
Cláusula Quinta
1. Para efeitos de determinação do valor Global do lucro devido ao Segundo e Terceiro Outorgantes, será considerado a totalidade do valor recebido pelos Primeiros Outorgantes em virtude da exploração do estabelecimento comercial a implementar no espaço arrendado, deduzindo-se a esse valor as despesas para a:
- instalação e licenciamento do estabelecimento comercial;
- exploração de estabelecimento comercial; (…)
Cláusula Oitava
1. Se, por advindas dificuldades de colaboração ou relacionamento qualquer das partes entender denunciar o presente contrato – o que lhes é reciprocamente facultado – os Outorgantes expressamente acordam que nada é devido ao Segundo e Terceiro Outorgantes, caso não tenha havido amortização integral do investimento para a instalação e licenciamento do estabelecimento comercial.
2. Na hipótese de ter havido amortização integral de investimento para a instalação e licenciamento do estabelecimento comercial, na falta de acordo, a importância que deverá ser paga ao segundo e Terceiros Outorgantes para remissão da sua participação nos lucros esperados e relacionados com a atividade desenvolvida será fixada em função do valor atribuído ao estabelecimento comercial, previsto no considerando E) deste contrato.
Cláusula Nona
Qualquer alteração ao presente contrato deve observar a forma escrita. (…), conforme documento junto aos autos como documento nº ..., cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.”
c) tendo em consideração a “Certidão Permanente” da sociedade “EMP01..., Ldª” junta aos autos a 09/02/2023 e não impugnada, considera-se provado:
- c 1) - pela Ap. ...21 foi inscrita a constituição da sociedade com a firma “EMP01..., Ldª”, com o capital social de € 2.000,00, tendo como sócios GG e DD, cada um com uma quota de € 1.000,00, tendo sido designados gerentes ambos os sócios.
- c 2) - a ...28 foi inscrita a transmissão da quota, tendo como sujeito activo  DD e sujeito passivo GG
- c 3) - a ...28, foi inscrita a unificação das duas quotas de € 1.000,00 cada, numa única quota de € 2.000,00, sendo titular DD;
- c 4) - pela Ap. ...28 foi inscrita a cessação de funções de gerente, de GG.
- c 5) - pela Ap ...28 foi inscrita a alteração ao contrato de sociedade, passando DD a ser o titular de todo o capital social e o único gerente.

4. Direito
4.1. Do inquérito judicial à sociedade
4.1.1. Do processo especial

Dispõe o n.º 1 do art.º 1048º do CPC que “o interessado que pretenda a realização de inquérito judicial à sociedade, nos casos em que a lei o permita, alegará os fundamentos do pedido de inquérito, indicará os pontos de facto que interesse averiguar e requererá as providências que repute convenientes.”

O inquérito judicial à sociedade está regulado nos art.ºs 1048º a 1052º do Código de Processo Civil (doravante CPC), os quais integram a Secção I – cuja epígrafe é “Do inquérito judicial à sociedade -, do Capítulo XIV – cuja epígrafe é “Exercício de direitos sociais” –, do Título XV – cuja epígrafe é “Dos processos de jurisdição voluntária” – e, finalmente, do Livro V – cuja epígrafe é “Processos Especiais” – do CPC.

Destarte, o Inquérito judicial à sociedade é um processo especial e, de entre os processos especiais, é um processo de jurisdição voluntária.

A respeito da razão de ser dos processos especiais refere Alberto dos Reis, in Processos Especiais, Volume I, pág. 1 e 2:
Os processos destinam-se a fazer declarar em juízo os direitos substanciais, ou a dar realização efectiva a direitos já declarados. Compreende-se facilmente a necessidade ou a conveniência de que a forma de processo se ajuste à substância do direito que se pretende reconhecer ou executar. Ora, se a grande massa dos direitos materiais pode perfeitamente fazer-se valer em juízo mediante a ritologia do processo comum, nalguma das três formas (ordinária, sumária e sumaríssima), a verdade é que alguns dos direitos substanciais, dada a sua natureza, feição e estrutura peculiar, demandam formas e ritos especiais de processo.
Quer dizer, há certos direitos materiais que não podem ser declarados ou realizados através de formas do processo comum; os actos e termos do processo ordinário, sumário e sumaríssimo são inadequados para dar vida e expressão jurisdicional a esses direitos.
Verificada esta realidade, só havia um caminho a seguir: criar processos cuja tramitação se ajustasse à índole particular do direito, isto é, cujos actos e termos fossem adequados para se obter o fim em vista – a declaração ou execução do direito de que se trata.
Por outras palavras: a criação de processos especiais obedece ao pensamento de ajustar a forma ao objecto da acção, de estabelecer correspondência harmónica entre os trâmites do processo e a configuração do direito que se pretende fazer reconhecer ou efectivar. É a fisionomia especial do direito que postula a forma especial de processo.
Portanto, onde quer que se descubra um direito substancial com caracteres específicos que não se coadunem com os trâmites do processo comum, há-de organizar-se um processo especial adequado a tais caracteres, Daí tantos processos especiais quantos os direitos materiais de fisionomia específica.”

E, em consequência, dispõe o art.º 546º, n.º 2 do CPC, que o processo especial aplica-se aos casos expressamente designados na lei; o processo comum é aplicável a todos os casos a que não corresponda processo especial.

Destarte, “cada processo especial deve ser aplicado ao caso para o qual a lei expressamente o estabeleceu”; “cada processo especial é, em confronto com o processo comum, uma excepção à regra. A regra é o processo comum (…); cada um dos processos especiais constitui excepção ou desvio dessa regra.” (Alberto dos Reis, ob. cit. pág. 2).

E o mesmo autor, in loc. cit., pág. 24, analisando a questão da “aplicação de processo especial com base em analogia”, refere (sublinhado nosso):
“Já acentuámos que o processo especial tem, em confronto com o processo comum, o carácter de excepção. O processo comum é o processo regra; o especial é processo excepção. Eis o que resulta nitidamente do art.º 469. [hoje é o art.º 546º, n.º 2 do CPC].
Ora, é principio geral de hermenêutica jurídica que a lei excepcional só pode ser aplicada aos casos que ela própria especifica (Cód. Civil, art. 11º).
Quer dizer, não é licito lançar mão do argumento da analogia, e nem mesmo do argumento de maioria de razão, para o efeito de aplicar um processo especial a caso diferente daquele a que a lei expressamente o destinou.”

4.1.2. Sujeito passivo do inquérito judicial – a sociedade
Em primeiro lugar, impõe-se verificar que a letra da lei é clara no sentido de que o inquérito judicial tem como sujeito passivo a sociedade – “inquérito judicial à sociedade”.

O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26.6.2008, proc. n.º 08B1761, disponível in www.dgsi.pt/jstj, estando em causa o direito à informação no âmbito de uma associação, decidiu que a tutela judicial efetiva do direito à informação dos associados, uma vez preenchidos os pressupostos a que alude o art. 573.º do CC, é assegurada através de ação declarativa com processo comum e não por via da ação especial de inquérito judicial, tendo o respectivo sumário o seguinte teor:
I. O exercício do direito social de inquérito judicial, radicado em violação do direito à informação, através da acção declarativa, com processo especial, a que se reportam os artºs 1479º e segs. do CPC, limita-se às sociedades, não se estendendo, consequentemente, às associações.

Mas, a fim de oportunamente analisarmos cabalmente as conclusões recursivas, impõem-se aqui breves apontamentos sobre a entidade ”sociedade” e a qualidade de sócio.

O Código das Sociedades Comerciais (doravante CSC) não contém uma definição de sociedade comercial.

A noção genérica de sociedade (abrangente das diversas espécies societárias) traduz-se na seguinte síntese: “sociedade é a entidade que, composta por um ou mais sujeitos (sócio(s)), tem um património autónomo para o exercício de atividade económica, a fim de (em regra) obter lucros e atribuí-los ao(s) sócio(s) – ficando estes) todavia, sujeito(s) a perdas”. (cfr. Coutinho de Abreu, in Código das Sociedades Comerciais em Comentário, I, pág. 44).

A entidade sociedade comercial pode ser constituída por contrato (art.º 7º do CSC), mas também pode ser constituída por acto jurídico unilateral, no caso das sociedades unipessoais (cfr. art.ºs 270º-A e 488º, n 1 do CSC), deliberação social (nos casos de transformação extintiva, de cisão simples e de cisão-dissolução (cfr. art.sº 130º, n.º 2, 118º, n.º 1, alíneas a) e b) do CSC); sentença homologatória de plano de insolvência ( art.ºs 199º e 217º, n.º 3, alínea a) do CIRE) ou ato legislativo (cfr. Carlos Ferreira de Almeida, Contratos, III, 2012, pág. 106), passando a deter personalidade jurídica com o registo do respectivo acto constituinte que não seja acto legislativo (art.ºs 5º do CSC e art.º 3º, n.º 1, alínea a) do Código de Registo Comercial (doravante CRCom) (cfr. Coutinho de Abreu, in Código das Sociedades Comerciais em Comentário, I, pág. 104).

Quanto às notas especificas das sociedades comerciais, elas resultam do n.º 2 do art.º 1º do CSC, o qual dispõe que são sociedades comerciais aquelas que tenham por objecto a prática de actos de comércio e adoptem o tipo de sociedade em nome colectivo, de sociedade por quotas, de sociedade anónima, de sociedade em comandita simples ou de sociedade em comandita por acções.

Dispõe o art.º 9º do CSC que do contrato de sociedade (e vamos cingir-nos a esta modalidade de criação da entidade “sociedade”, mais uma vez tendo em consideração as conclusões recursivas) devem constar, nomeadamente:

a) Os nomes ou firmas de todos os sócios fundadores e os outros dados de identificação destes (nos termos do n.º 2 do art.º 7º, o número mínimo de partes de um contrato de sociedade é de dois, excepto quando a lei exija número superior ou permita que a sociedade seja constituída por uma só pessoa, como sucede com a sociedade unipessoal);
b) O tipo de sociedade (a que se refere o art.º 1º, n.º 2);
c) A firma da sociedade (a que se refere o art.º 10º);
d) O objecto da sociedade (dispõe o n.º 2 do art.º 11º que como objecto da sociedade devem ser indicadas no contrato as actividades que os sócios propõem que a sociedade venha a exercer);
e) A sede da sociedade;
f) O capital social, salvo nas sociedades em nome colectivo em que todos os sócios contribuam apenas com a sua indústria;
g) A quota de capital e a natureza da entrada de cada sócio, bem como os pagamentos efectuados por conta de cada quota;
h) Consistindo a entrada em bens diferentes de dinheiro, a descrição destes e a especificação dos respectivos valores.

Impõem-se alguns apontamentos quanto ao “objecto da sociedade” (alínea d)); ao “capital social“ (alínea f)) e à “quota de capital social” (alínea g)).

Quanto ao objecto da sociedade, dispõe o n.º 2 do art.º 11º que como objecto da sociedade devem ser indicadas no contrato as actividades que os sócios propõem que a sociedade venha a exercer, ou seja, a actividade que à pessoa jurídica “sociedade”, criada pelo contrato e pelo seu registo, incumbe realizar e não os sócios.

O capital social é a “cifra representativa da soma dos valores nominais das participações sociais fundadas em entradas em dinheiro e/ou em espécie” (Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, II, Das sociedades, 2015, pág. 69).

Nas sociedades por quotas, como decorre do disposto no n.º 1 do art.º 197º, o capital social está dividido em quotas.

Na constituição da sociedade, a cada sócio apenas fica a pertencer uma quota, que corresponde à sua entrada.

Quanto às entradas, podem ser em dinheiro ou outros bens patrimoniais, sendo que, neste último caso, há-de ser dado cumprimento ao disposto na alínea h).

Face ao exposto, pode afirmar-se que será sócio de uma sociedade comercial quem for titular de uma quota desse capital social, quer por ter sido parte no contrato de constituição da sociedade, quer por, entretanto, ter adquirido, por alguma das vias em direito admitidas, uma quota desse capital social.

De referir que, nos termos do disposto no art.º 7º, n.º 1 do CSC, o contrato de sociedade deve ser reduzido a escrito e as assinaturas dos seus subscritores devem ser reconhecidas presencialmente, salvo se forma mais solene for exigida para a transmissão dos bens com que os sócios entram para a sociedade, devendo, neste caso, o contrato revestir essa forma, sem prejuízo do disposto em lei especial.
E nos termos do n.º 1 do art.º 228º também a transmissão de quotas entre vivos deve ser reduzida a escrito.

Destarte, o contrato de sociedade só se prova, mediante documento escrito.

Além disso, não só o contrato de sociedade deve ser inscrito no registo comercial, nos termos da lei respectiva – cfr. art.º 18º, n.º 5 do CSC e art.º 3º, n.º 1, alínea a) do CRCom -, como estão sujeitos a registo a unificação, divisão e transmissão de quotas de sociedades por quotas – cfr. alínea c) do n.º 1 do art.º 3º do CRCom -, sendo que o registo de todos os referidos factos (os referidos na alínea a) e na alínea c) do n.º 1 do art.º 3º) é obrigatório.

Nos termos do art.º 11º o registo por transcrição definitivo constitui presunção de que existe a situação jurídica, nos precisos termos em que é definida.

Nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 13º do CRCom, os factos sujeitos a registo, ainda que não registados, podem ser invocados entre as próprias partes ou seus herdeiros.
Quando o normativo se refere a “próprias partes“ tem em vista as partes do facto sujeito a registo.

Mas o n.º 2 exclui a aplicação do n.º 1 aos actos constitutivos das sociedades e respectivas alterações, dispondo que a tais actos se aplica o disposto no Código das Sociedades Comerciais.

Quer isto significar, nomeadamente, que só com o registo a sociedade adquire personalidade jurídica, como decorre do art.º 5º do CSC; com o registo a sociedade assume de pleno direito os direitos e as obrigações decorrentes de atos realizados em nome da sociedade antes do registo, como dispõe o art.º 19º do CSC.

4.1.3. Da legitimidade activa
A legitimidade, enquanto pressuposto processual, exprime a relação entre a parte no processo e o objecto, e, por conseguinte, a posição que a parte deve ter para que possa posicionar-se quanto ao pedido, deduzindo-o (cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in CPC Anotado, 3ª edição, I, pág. 92)).

O n.º 1 do art.º 1048º do CPC, com as expressões (sublinhado nosso) “o interessado que pretenda a realização de inquérito judicial à sociedade, nos casos em que a lei o permita, remete a definição de que tem legitimidade activa para requerer este processo especial, para a lei substantiva.

Vejamos

Nos termos do disposto na alínea c) do art.º 21º do Código das Sociedades Comerciais (doravante CSC), todo o sócio tem direito a obter informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato.

E nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 214º do CSC os gerentes devem prestar a qualquer sócio que o requeira informação verdadeira, completa e elucidativa sobre a gestão da sociedade, e bem assim facultar-lhe na sede social a consulta da respectiva escrituração, livros e documentos. A informação será dada por escrito, se assim for solicitado.

Não releva, para a economia do recurso, analisar detidamente o direito à informação.
Apenas cabe referir que o mesmo comporta três vertentes: um direito à informação em sentido estrito, plasmado no n.º 1 do art.º 214º, e que permite ao sócio formular questões sobre a vida da sociedade e desta exigir resposta verdadeira, completa e elucidativa; o direito à consulta da escrituração, livros ou documentos da sociedade, plasmado no n.º 5 do art.º 214º; e o direito a inspecionar os bens sociais, plasmado no n.º 5 do art.º 214º do CSC.

Titulares deste direito são o sócio da sociedade, mas também, como dispõe o n.º 8 do art.º 214º, o usufrutuário quando, por lei ou convenção, lhe caiba exercer o direito de voto.

De referir que o direito à informação também está especialmente previsto para as sociedades em nome colectivo (cfr. art.º 181º n.º 1, onde se dispõe que os gerentes devem prestar a qualquer sócio que o requeira informação verdadeira, completa e elucidativa sobre a gestão da sociedade, e bem assim facultar-lhe na sede social a consulta da respectiva escrituração, livros e documentos; a informação será dada por escrito, se assim for solicitado) e para as sociedades anónimas (cfr. art.º 288º).

Dispõe o art.º 216º que o sócio a quem tenha sido recusada a informação ou que tenha recebido informação presumivelmente falsa, incompleta ou não elucidativa pode requerer ao tribunal inquérito à sociedade.

Destarte, um dos interessados a quem, de acordo com a lei substantiva, a lei confere legitimidade activa para requerer inquérito judicial é ao sócio de uma sociedade comercial, enquanto detentor de uma participação na sociedade, independentemente do montante da sua quota, a quem tenha sido recusada a informação ou que tenha recebido informação presumivelmente falsa, incompleta ou não elucidativa.

A este respeito o Ac. da RP de 22/10/2019, proc. 325/18.9T8VNG.P1, consultável in www.dgsi.pt/jtrp decidiu que “O exercício do direito à informação sobre a Sociedade Comercial e o recurso do inquérito judicial advém da qualidade de sócio dessa mesma sociedade, sendo indissociável dessa posição societária), O sócio tanto pode ser uma pessoa singular, como outra sociedade.”

De referir que o direito do sócio requerer inquérito judicial também está previsto nas sociedades em nome colectivo – cfr. n.º 6 do art.º 181º, que dispõe que no caso de ao sócio ser recusado o exercício dos direitos atribuídos nos números anteriores, pode requerer inquérito judicial nos termos previstos no artigo 450.º - e nas sociedades anónimas – cfr. art.º 292º, n.º 1, que dispõe que o accionista a quem tenha sido recusada informação pedida ao abrigo dos artigos 288.º e 291.º ou que tenha recebido informação presumivelmente falsa, incompleta ou não elucidativa pode requerer ao tribunal inquérito à sociedade.

Discute-se, no âmbito das sociedades comerciais, se a legitimidade activa é apenas do sócio sem responsabilidades de administração ou gerência, ou, igualmente, do sócio gerente, ou seja, tem-se em vista aquelas situações em que o sócio é gerente apenas “de direito” e não de facto (cfr. J.P. Remédio Marques, in Código das Sociedades Comerciais em Comentário, III, pág. 322 e seguintes e Diogo Lemos e Cunha, in A legitimidade do sócio gerente no exercício do direito à informação (e do inquérito judicial) nas sociedades por quotas, in https://julgar.pt/a-legitimidade-do-socio-gerente-no-exercicio-do-direito-a-informacao-e-do-inquerito-judicial-nas-sociedades-por-quotas).

Não sendo esta questão objecto do recurso, fica apenas assinalada para referir que, mesmo nesta situação, está em causa o sócio de uma sociedade.

Uma vez que, nos termos do n.º 8 do art.º 214º do CSC, o usufrutuário também tem direito à informação, quando, por lei ou convenção, lhe caiba exercer o direito de voto, também o mesmo tem direito a requerer inquérito judicial  à sociedade.

Diogo Lemos e Cunha, in O inquérito judicial…, pág. 314, refere-se ainda terem legitimidade activa o credor pignoratício de quotas e o representante comum de obrigacionistas.

Numa delimitação negativa, deixará de ter essa legitimidade o sócio que deixe de ser titular de qualquer participação social, seja por alienação da sua quota, seja por exclusão ou mesmo por exoneração (cfr. Diogo Lemos e Cunha, in O inquérito judicial enquanto meio de tutela do direito à informação nas sociedades por quotas, pág. 306, disponível in https://portal.oa.pt/upl/%7Ba4d1907e-a92f-4cb1-8a9f-c587a2657d65%7D.pdf ) e não têm essa legitimidade o gerente que não seja sócio, o pretenso cessionário de quota social que viu o consentimento para tal cessão recusado por deliberação social, nos termos conjugados dos arts. 228.º, n.º 2 e 246.º, n.º 1, al. b), o cônjuge de um sócio, ainda que casado em regime de comunhão geral ou comunhão de adquiridos, o herdeiro do sócio falecido, que não o cabeça de casal, cada um dos contitulares individualmente, cabendo esse exercício a um representante comum (cfr Diogo Lemos e Cunha, in O inquérito judicial.., pág. 314-316).

4.2. Em concreto
4.2.1. – Da qualidade de sócio

O A. pretende que se realize inquérito judicial à sociedade EMP01..., Lda., invocando a qualidade de sócio da referida sociedade.

A decisão recorrida julgou-o parte ilegítima, por ter considerado que o mesmo não é sócio da sociedade.

Em primeiro lugar, impõe-se observar que os autos continham todos os elementos necessários para o tribunal a quo decidir, pois, como referido, a constituição de sociedade e a qualidade de sócio, são factos que só se provam mediante documento escrito ou por certidão do registo comercial.

Foi junta aos autos a “Certidão Permanente” da sociedade EMP01..., Ldª, que, nos termos do art.º 11º do CRCom constitui presunção de que a situação jurídica nela exarada existe, nos precisos termos em que é definida.

Por outro lado, o A. não faz apelo a quaisquer outros documentos, para além daqueles que já estão juntos aos autos.

Face ao que consta da alínea c) da fundamentação de facto, que reflecte os factos inscritos no registo comercial relativamente à sociedade “EMP01..., Lda.”, o A. não é, nem nunca foi sócio da sociedade ou, dito de outra forma, o A. não só não foi parte no contrato que criou a sociedade em referência, não lhe tendo sido atribuída qualquer quota no capital social inicial da sociedade, como posteriormente nunca adquiriu qualquer das quotas do dito capital social.

Mas o A. insiste em afirmá-lo, invocando o acordo celebrado a 17 de outubro de 2012 entre o Requerente e os Requeridos, denominado “contrato de prestação de serviço e associação em participação para exploração de um estabelecimento comercial”.

O A. não juntou aos autos o referido contrato.

Mas juntou aos autos a sentença proferida pelo J ... do Juízo de Competência Genérica ... - Tribunal Judicial da Comarca ..., no processo 199/21...., que intentou contra os aqui RR. e outros, pedindo que fossem condenados a prestar contas, invocando o referido acordo de 17/10/2012.

A sentença em causa considerou provados dois acordos – o de 17/10/2012 e outro de 04/04/2013.

Analisados os referidos Acordos e essencialmente o de 17/10/2012 à luz dos breves apontamentos que acima deixámos consignados sobre a entidade “sociedade comercial”, verifica-se que:
- em parte alguma de tais acordos consta a manifestação de vontade de constituir uma sociedade e, nomeadamente, a sociedade em causa nos autos;
- não há em tais acordos qualquer referência à firma “EMP01..., Lda.”, ao tipo de sociedade – por quotas -, ao seu objecto, apenas se definindo a actividade que os ali 2º e 3º outorgantes, aqui RR. – e não outra entidade - iriam desenvolver: instalação e exploração de uma dancetaria, bar e actividades similares, num imóvel arrendado pelos mesmos;
- não se define a sede da sociedade;
- não se define o capital social;
- não se define a quota de capital e a natureza da entrada de cada sócio – não há, aliás, a mínima referência a sócios ou à utilização de tal expressão, bem como a pagamentos efectuados por conta de cada quota;
- em parte alguma consta dos mesmos que os aqui RR. tenham sido designados gerentes.

Ou seja, manifestamente ao contrário do que alega o recorrente, ao arrepio da letra daqueles acordos e desconsiderando ostensivamente dados básicos de direito societário, os acordos em causa:
- não traduzem, de forma alguma, a constituição de uma qualquer sociedade comercial e, concretamente, da sociedade comercial em referência nos autos;
- não conferem ao A. a qualidade de sócio de uma qualquer sociedade e, concretamente, da sociedade comercial em referência nos autos, pois, em parte alguma consta a atribuição ao mesmo da qualidade de “sócio” (tal expressão, está, aliás, completamente ausente do texto dos acordos), quota de capital e a natureza da entrada do mesmo, bem como os pagamentos efectuados por conta de cada quota.

Destarte e à luz do exposto, impõe-se concluir que:
- o A. não é nem nunca foi sócio da sociedade EMP01..., Lda.;
- como tal, não tem direito a obter informações sobre a vida da sociedade;
- em consequência, não está em posição para poder intentar processo especial de inquérito judicial à referida sociedade, ou seja, não tem legitimidade activa para intentar tal processo especial.

4.2.2. Da aplicação analógica ao contrato de associação em participação
Mas o A. invoca ainda que, caso os contratos em causa configurassem contratos de associação em participação, o processo especial de inquérito judicial à sociedade seria aplicável por analogia.

Certamente tem em consideração o facto de a sentença proferida pelo J ... do Juízo de Competência Genérica ... - Tribunal Judicial da Comarca ..., no processo 199/21...., assim ter qualificado tais acordos.

4.2.2.1. Contrato de associação em participação
Impõem-se aqui alguns breves apontamentos sobre o contrato de associação em participação, que é regulado pelo DL 231/81, de 28 de Julho e tem, historicamente, a sua origem mais próxima, na “conta em participação” prevista nos artigos 224º a 229º do Código Comercial de 1888.

Resulta do disposto no art.º 21º n.º 1 do DL 231/81, de 28 de Julho (os artigos a que nos referiremos a seguir são, salvo outra indicação, deste diploma), que o contrato de associação em participação é a associação de uma pessoa a uma actividade económica exercida por outra, ficando a primeira a participar nos lucros ou nos lucros e perdas que desse exercício resultarem para a segunda.

Referia o Prof. Ferrer Correia in Lições de Direito Comercial, Reprint, Lisboa, 1994, pág. 218 e 219:
"Destina-se esta figura jurídica a permitir que um comerciante ou industrial possa granjear os capitais de que necessite para as suas operações lucrativas, repartindo com quem lhos cede os riscos do empreendimento e guardando para si a inteira e exclusiva direcção do negócio, sem que fique a caber ao capitalista qualquer direito de intromissão na actividade do associante. Ao capitalista oferece este contrato, em vez da certeza do juro, a perspectiva mais aliciante de um lucro porventura bem maior do que o máximo legal da taxa de juro, embora com a contrapartida da assunção de uma parte do risco do negócio. ... Quer dizer, não se verifica aqui a criação de um novo ente jurídico nem, sequer, de um património autónomo. A contribuição do associado transfere-se para o património do associante, sem qualquer autonomização. Este último conclui em seu nome próprio todos os negócios jurídicos, mesmo quando o faz dentro do âmbito das actividades em que se encontra interessado o participe, ou seja, mesmo que actue por conta e no interesse da associação em participação. E perante terceiros só o associante se obriga, muito embora a existência da conta seja do conhecimento público ou a contraparte tenha sido determinada a contratar pelo conhecimento da associação. Não se vislumbra aqui a formação de um fundo patrimonial comum, nem sobretudo a de uma unidade organizatória e representativa, ainda que rudimentar; pelo que, não se podendo falar em actividade, vontade ou responsabilidade social, não poderá pensar-se em sociedade".
           
A lei não contém qualquer exigência especial quanto aos sujeitos. Apenas exige que o associante, que pode ser uma pessoa singular ou uma sociedade, exerça uma actividade económica (art.º 21º, n.º 1). Quanto ao associado – “uma pessoa”, refere o n.º 1 do art.º 21º - pode ser, também, singular ou coletiva.

O associado deve prestar ou obrigar-se a prestar uma contribuição de natureza patrimonial (cfr. art.º 24º, n.º 1) a qual pode consistir em dinheiro, transmissão da propriedade, uso ou fruição de bens, transmissão de créditos, assunção de dívidas do associante, prestação de serviços, etc (cfr. Raul Ventura, Associação em participação (Anteprojecto), BMJ, 189 (1969), pág. 123).
Mas a contribuição do associado pode ser dispensada no contrato quando ele participe nas perdas (24º, n.º 2 do diploma citado).

Quando a contribuição “consista na constituição de um direito ou na sua transmissão, deve ingressar no património do associante” (art.º 24º, n.º 1).

O associado fica sempre com o direito de participar nos lucros derivados da actividade económica do associante; a participação nas perdas pode ser dispensada (art.º 21º, n.º 2, 2ª parte), isto é, há-de constar do contrato: se não constar, o associado participará também nas perdas, até ao limite da sua contribuição (art.ºs 25º, n.º 4).

O associante é o proprietário, governante e representante externo da empresa que exerce a actividade económica.
É o associante, que exerce a actividade económica autonomamente e que se relaciona e responsabiliza (per se) com e perante terceiros ou, dito de outra forma, o associante é o gestor da actividade económica, sem participação do associado, ainda que também no interesse deste e, além disso, não “representa” (ao contrário do que sucede com os gerentes das sociedades por quotas) a associação em participação, porque a lei não dá projecção à mesma para com terceiros ( ao contrário da sociedade comercial, que, com o registo definitivo do contrato de sociedade, faz nascer uma entidade a que a lei atribui personalidade jurídica).

Mas existem alguns condicionamentos.

Assim, o associante não pode, sem consentimento do associado, fazer cessar ou suspender o funcionamento da empresa, substituir o objecto desta ou alterar a forma jurídica da sua exploração (art.º 26º, n.º 1, alínea b), 2ª parte)).

Além disso, o associante está obrigado a prestar ao associado as informações justificadas pela natureza e pelo objecto do contrato (art.º 26º, n.º 1, alínea d)) e a prestar contas, nas épocas legal ou contratualmente fixadas para a exigibilidade da participação do associado nos lucros e nas perdas e ainda relativamente a cada ano civil de duração da associação (art.º 31º, n.º 1).

Finalmente, o contrato pode estipular que determinados actos de gestão não devam ser praticados pelo associante sem prévia audiência ou consentimento do associado (art.º 26º, n.º 2).

O contrato de associação em participação não está sujeito a forma especial, à excepção da que for exigida pela natureza dos bens com que o associado contribuir (cfr. art.º 23º, n.º 1).

Raul Ventura, in Associação em participação, in Separata do BMJ n.ºs 189 e 190, pág. 76 e 77, distinguia o contrato de associação em participação e a sociedade comercial com base no facto de que, "na conta [conta em participação, antecedente histórico da associação em participação], cada uma das partes não coloca em comum na associação certos bens. Efectivamente, se o associado efectua uma contribuição, já o mesmo não acontece com o associante, que se limita a interessar aquele nos ganhos e perdas. Estes, ou estas, pertencem ao comerciante que faz interessar nele outra pessoa. Sendo assim, os ganhos e perdas são obtidos por uma qualquer outra via que permita ao associante considerá-los seus e não se está a ver que esse meio prescinda da titularidade sobre os seus bens patrimoniais" –.

Menezes Cordeiro, in Direito das Sociedades, I, 5ª edição, pág. 355 refere:
“A associação em participação começou por ser tomada como uma verdadeira sociedade em que, a público, apenas apareceria o “sócio ostensivo”. Subjacente estaria outro interessado, que daria apoio capitalístico, participando nos lucros. Tal o alcance que lhe dava o Código Ferreira Borges – artigos 571º e seguintes – e que surge na stille Gesellschaft ou sociedade oculta, do direito alemão. É, aí, tratada como uma verdadeira sociedade de pessoas, constando dos manuais de Direito das Sociedades.
No âmbito da doutrina italiana deu-se uma evolução. A associação em participação evoluiu, passando a ser entendida como uma relação comutativa: lucros por uma participação. Esta opção, não societária, ficou consignada nos artigos 2549 e seguintes do Código Civil de 1942.
            O Código Veiga Beirão marcou já um distanciamento em relação à sociedade: chamaria mesmo, à figura que nos ocupa, conta em participação, regulando-a nos artigos 224º e seguintes. O artigo 226º recusava-lhe a personalidade jurídica: um ponto essencial que permitia, à doutrina da época, distingui-la das sociedades.”

Menezes Cordeiro, in ob. cit., pág. 356, considera que a diferença essencial reside no facto de “na associação em participação, o associante age em nome próprio e não no da sociedade ou no dos sócios (…). A partir daí a formalização das sociedades faz o resto.”

Coutinho de Abreu, in Código das Sociedades Comerciais em Comentário, I, 2ª edição, pág. 59, considera que a associação em participação afasta-se das sociedades na medida em que não originam uma nova entidade; a actividade económica a que o sujeito se “associa”, não é exercida em comum, mas pelo “associante”; a contribuição do associado integra-se no património do “associante”, não há património comum nem autónomo.

4.2.2.2. Em concreto
Resulta do Acordo referido em b) da factualidade provada que o aqui A., ali 2º outorgante, indicado impressivamente como “prestador de serviços e associado em participação” e como tendo “vasta experiência como gerente[…] de danceterias”, declarou prestar "colabora[ção]”, aos ali 1ºs outorgantes, aqui RR., indicados impressivamente como “investidores”, “no desenvolvimento [do] projeto de instalação e exploração de uma danceteria, bar, promoção de eventos e atividades similares no espaço arrendado” pelos últimos para o efeito, tendo direito, como contrapartida, a uma “percentagem de 25%, (…) nos lucros que advierem da exploração do estabelecimento comercial pelos primeiros outorgantes. (…)”

Ou seja: o A. associou-se à actividade económica exercida pelos RR., “de instalação e exploração de uma danceteria, bar, promoção de eventos e atividades similares no espaço arrendado” pelos mesmos, mediante a prestação de serviços no “no desenvolvimento [do] projeto de instalação e exploração de uma danceteria, bar, promoção de eventos e atividades similares no espaço arrendado.”.

Destarte, impõe-se concluir que o Acordo de 17/10/2021 (o de 2013 é apenas a aquisição da posição contratual de outro associado no primeiro acordo) tem a natureza de contrato de associação em participação.

Aliás, assim foi considerado na sentença proferida pelo J ... do Juízo de Competência Genérica ... - Tribunal Judicial da Comarca ..., no processo 199/21....:
“Atento o acordado e as obrigações emergentes para as partes consideramos manifesto ser de classificar a relação jurídica estabelecida entre o autor e os réus como um contrato de associação em participação e não como uma sociedade irregular, como pretende o autor.
(…)
Ora, salvo o devido respeito, é precisamente o que acontece no caso concreto, em que a exploração do negócio cabe aos primeiros outorgantes investidores – veja-se as declarações expressas no ponto 2 da cláusula terceira: “(…) o segundo e terceiro Outorgantes participarão, na percentagem de 25%, cada um, nos lucros que advierem da exploração do estabelecimento comercial pelos Primeiros Outorgantes.”, associando-se os 2º e 3º outorgantes ao negócio daqueles, dando como contribuição patrimonial o seu trabalho e quinhoando nos lucros na forma descrita. Assim sendo, entendemos ser de classificar os negócios outorgados entre as partes como contratos de participação em associação.”
Ora, das declarações negociais citadas verifica-se que os segundos e terceiros outorgantes nos acordos (que intervêm como “prestador de serviços e associados em participação”) se associam ao primeiro (que intervém como “investidor”) e que detém já o contrato de arrendamento do espaço específico à exploração da atividade comercial, e acordam em colaborar “com toda a sua experiência, conhecimentos e contactos, no desenvolvimento deste projeto de instalação e exploração de uma danceteria, bar, promoção de eventos e atividades similares no espaço arrendado pelos primeiros Outorgante para o efeito.”
Como contrapartida, participam em “25% dos lucros que advierem da exploração do estabelecimento comercial pelos primeiros outorgantes.”
Atento o acordado e as obrigações emergentes para as partes consideramos manifesto ser de classificar a relação jurídica estabelecida entre o autor e os réus como um contrato de associação em participação…”

Como ficou referido, o contrato de associação em participação estabelece que o associante está obrigado a prestar ao associado as informações justificadas pela natureza e pelo objecto do contrato (art.º 26º, n.º 1, alínea d)).

Porém, nem o DL 231/81, nem qualquer outra norma, estabelece que, caso veja recusada a prestação de informações, o associado tem direito a inquérito judicial.

Mas isso não significa que o processo especial de inquérito judicial à sociedade possa ser aplicado analogicamente.

Face ao que ficou dito acima - o processo especial constitui uma excepção ao processo comum e, sendo assim e tendo em consideração o principio geral de interpretação da lei consignado no art.º 11º do CC – “As normas excepcionais não comportam aplicação analógica…” –, “não é licito lançar mão do argumento da analogia (…) para aplicar um processo especial a caso diferente daquele a que a lei expressamente o destinou.” – não é possível aplicar o processo especial de inquérito judicial ao direito à informação do associado no contrato de associação em participação.

4.3. Síntese
Em face de tudo o exposto, a decisão recorrida não merece censura e, assim, o recurso deve ser julgado improcedente e aquela mantida.

4.5. Custas
Uma vez que o recorrente ficou vencido na apelação, as custas são a seu cargo – art.º 527º, n.º 1 e 2 do CPC

5. Decisão

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 1ª Secção desta Relação em manter a decisão recorrida e em consequência julgar improcedente o recurso.

*
Custas pelo recorrente – art.º 527º n.ºs 1 e 2 do CPC
*
Notifique-se
*
Guimarães, 23/11/2023
 (O presente acórdão é assinado electronicamente) 

Relator: José Carlos Pereira Duarte
1º Adjunto: Maria João Marques Pinto de Matos
2º Adjunto: José Alberto Martins Moreira Dias