EMBARGOS DE EXECUTADO
INDEFERIMENTO LIMINAR
MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA
CESSÃO CRÉDITOS EM MASSA
HABILITAÇÃO ADQUIRENTE IMÓVEL HIPOTECADO
CASO JULGADO
LIQUIDAÇÃO
Sumário


I – A “manifesta improcedência” dos embargos de executado, justificativa do seu indeferimento liminar, nos termos do disposto no art.º 728º alínea c) do CPC, baseia-se em razões substanciais ligadas à antevisão manifesta da inviabilidade da pretensão, neste caso, da extinção, total ou parcial da execução.
II - Estamos aqui perante um julgamento antecipado do mérito dos embargos de executado, o qual apenas tem cabimento nos casos de evidente inutilidade de qualquer instrução ou discussão posterior, por que, à luz dos factos que é possível considerar adquiridos e do direito aplicável - considerando neste âmbito, não apenas a lei, mas a doutrina e a jurisprudência -, os fundamentos invocados são “manifestamente improcedentes” ou, dito de outra forma, não têm, face aos factos e ao direito aplicável, qualquer viabilidade.
III – O indeferimento liminar por manifesta improcedência, impõe, necessariamente, que o tribunal analise o mérito dos fundamentos invocados pois só assim poderá concluir pela manifesta improcedência fáctica e/ou jurídica dos mesmos.
IV – Nos termos e para os efeitos do disposto no DL 42/2019, de 28 de março, que estabelece um regime simplificado para a cessão de créditos em massa (definida no art.º 2º como sendo “aquela em que o cessionário seja uma instituição de crédito, sociedade financeira ou uma sociedade de titularização de créditos sempre que o preço de alienação global dos créditos a ceder seja, no mínimo, de (euro) 50 000,00, e a carteira seja composta por, pelo menos, 50 créditos distintos”), o cessionário considera-se habilitado em todos os processos em que estejam em causa créditos objeto de cessão” com a junção ao processo de cópia do contrato de cessão.
V – Tendo sido proferida sentença que julgou procedente a habilitação de cessionário e, consequentemente, determinou que a execução apensa prosseguisse os seus termos contra a atual proprietária do imóvel objeto de garantia real, no caso, a embargante, tendo tal sentença sido notificada à mesma, que dela não interpôs recurso, tendo, assim, transitado em julgado, está precludida qualquer discussão quanto à legitimidade da embargante para estar na acção executiva.
VI – Querendo o executado colocar em causa o “acertamento” quantitativo da obrigação (liquidação) apresentado pelo exequente, não pode limitar-se a impugná-lo; há-de invocar factos que uma vez provados permitam concluir que a liquidação está incorrecta ou apresentar os cálculos que permitam chegar a essa conclusão e que, portanto, a obrigação exequenda é quantitativamente inferior, o que, sendo procedente, terá como consequência a extinção parcial da execução, mediante o reconhecimento da actual inexistência parcial do direito exequendo.

Texto Integral


ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

1. Relatório

A 08/01/2022 Banco 1... intentou acção executiva para pagamento de quantia certa, sob a forma ordinária, contra AA e BB, invocando, em síntese, que os mesmos, por si e em representação da EMP01... Lda., celebraram com a Exequente um contrato de mútuo que identifica; no âmbito de tal contrato, os executados AA e BB constituíram hipoteca voluntária a favor da Banco 1... sobre o prédio rústico, composto por Terra e Mato, denominado ..., sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...24 – ..., registada a favor da Banco 1... pela AP. ...70 de 2016/11/14; a mutuária, “EMP01... Lda.” foi declarada insolvente no processo que indica; os Executados mutuários não pagaram à Exequente, nem na data do respectivo vencimento, nem posteriormente, a prestação vencida na data que indica, nem qualquer uma das vencidas após aquela data, o que determinou, nos termos contratualmente acordados, o vencimento imediato de todas as responsabilidades assumidas no âmbito do referido contrato, estando a dívida que indica.

Mais alega que os Executados AA e BB, por si e na qualidade de sócios gerentes da mutuária EMP01... Lda. celebraram com a Exequente um outro contrato de mútuo, que identifica; no âmbito deste contrato, os executados AA e BB constituíram-se solidariamente fiadores e principais pagadores das dívidas contraídas pela sociedade mutuária, renunciando expressamente ao benefício da excussão prévia; os executados não pagaram à Exequente, nem na data do respectivo vencimento, nem posteriormente, a prestação vencida na data que indica, nem qualquer uma das vencidas após aquela data, o que determinou, nos termos contratualmente acordados, o vencimento imediato de todas as responsabilidades assumidas no âmbito do presente contrato, estando em dívida que indica.

Invoca ainda que é portadora de três livranças, nos montantes e datas de vencimento que indica respectivamente para cada uma delas, subscritas por “EMP01... Lda..” e avalizadas pelos executados AA e BB, as quais se destinaram a garantir o bom pagamento de todas as obrigações e/ou responsabilidades inerentes aos contratos que identifica; apresentadas a pagamento, não foram pagas.
           
A 24/05/2022, nos autos de execução, EMP02... DAC apresentou requerimento nos termos do n.º 2 do art.º 3º do DL 42/2019, de 28 de março, procedendo à junção aos autos da escritura de cessão de créditos em que foram outorgantes a Banco 1..., na qualidade de cedente e a habilitante, na qualidade de cessionária, e a sua habilitação no lugar da referida Banco 1....

No documento junto as partes declararam que:
- a Banco 1... é titular dos créditos melhor descritos no documento complementar Um anexo à escritura;
- alguns créditos encontram-se garantidos por hipoteca sobre os imóveis identificados no documento complementar Dois anexo à escritura;
- o saldo em dívida dos créditos corresponde à quantia global de cento e trinta e nove milhões setecentos e quarenta e cinco mil duzentos e vinte e oito euros;
- pela referida escritura a Banco 1... cede à EMP02... DAC, que adquire, os créditos, conjuntamente com todas as garantias, por compra e venda;
- o preço da cessão de créditos, por compra e venda, corresponde á quantia global de quarenta e quatro milhões sessenta e seis mil duzentos e cinquenta e quatro euros.

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A 29/08/2022 a EMP02... DAC deduziu incidente de habilitação de adquirente contra os executados e CC, o qual constitui o apenso A da execução, alegando para tanto que o crédito exequendo é garantido por hipoteca sobre o prédio rústico identificado no requerimento executivo e já supra identificado o Relatório supra; por consulta à informação predial tomou conhecimento de que o imóvel dado em hipoteca fora doado à 3ª requerida; os executados deixaram de ser proprietários do imóvel dado em garantia, o que impede a exequente de proceder à penhora e consequente venda do mesmo para ver ressarcido o seu crédito; resta-lhe requerer a habilitação da 3ª requerida para quanto a ela prosseguir a execução na estrita medida do valor do imóvel dado em garantia, prosseguindo a execução quanto aos já executados, na qualidade de avalistas.

A requerida BB foi notificada para contestar a habilitação por carta de 29/08/2022, não tendo deduzido oposição.

A 27/09/2022 foi proferida sentença a qual tem o seguinte decisório:
“Nos termos e fundamentos acima expostos, julgo procedente a presente habilitação de cessionário e, consequentemente, determino que a execução apensa também prossiga os seus termos contra a atual proprietária do imóvel objeto de garantia real, CC (…).”

A requerida BB foi notificada da sentença por carta de 27/09/2022.

Da referida sentença não foi interposto recurso.
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Entretanto, no âmbito da acção executiva, a 13/02/2023, a Sra. Agente de execução lavrou Auto de penhora do imóvel identificado neste Relatório supra.

E na mesma data foi enviada carta de citação de CC.
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A 07/03/2023 CC deduziu embargos de executado alegando que a exequente e a embargante são partes ilegítimas, pois os seus nomes não figuram nos títulos executivos – livranças e contratos; a embargante não é responsável pelo pagamento de qualquer dívida; a embargante nenhum contrato celebrou com a exequente; não conhece os contratos de mútuo e livranças subscritos pelos restantes executados; através da análise dos mesmos, não é possível concluir quando terão os primitivos executados deixado de cumprir as suas obrigações e qual é, ao certo, o montante em dívida, pelo que não é liquida a obrigação a que se reportam os títulos; adquiriu o prédio em 2019, antes de vencidas as livranças e alguns anos antes da declaração de insolvência da “EMP01..., Ldª”, a Banco 1... reclamou na insolvência todos os seus créditos, que foram reconhecidos, no valor que indica, em que se inclui o montante dos títulos dados à execução; o pedido executivo é de valor muito superior; desconhece em que termos ocorreram as cessões de créditos que legitimam o pedido da exequente e se estes estão devidamente formalizados, pois não dispõe de quaisquer documentos dessa cessão. 

A 08/03/2023 foi proferida a seguinte decisão:
 Despacho liminar:
Diversamente do que sucede no processo declarativo, em que a legitimidade se afere pela posição das partes e pelo objeto da ação, em processo executivo o conceito é muito mais restrito, podendo dizer-se que é de natureza meramente formal, na medida em que é definido pelo próprio título, como, com toda a clareza, emerge do disposto no n.º 1 do artigo 53.º, do C.P.C., que refere expressamente que dispõe de legitimidade, como exequente, quem no título figure como credor e, como executado, quem no título tenha a posição de devedor.
Esta regra, conforme resulta do artigo 54.º, do C.P.C., sofre um desvio quando tenha havido sucessão no direito ou na obrigação.
Com efeito, neste último caso, é possível fazer intervir na execução os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda ou contra quem tiver adquirido o bem onerado com uma garantia real – cfr. artigo 54.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4, do C.P.C..
É, assim, hoje pacífico na nossa jurisprudência e doutrina que “o preceituado no artigo 54.º, n.º 1, do C.P.C., constitui desvio à regra geral da legitimidade para a ação executiva, podendo esta ser intentada por e contra pessoas que não figurem no título executivo, por, entretanto, ter ocorrido transmissão do direito ou na obrigação”.- cfr. neste sentido douto Ac. TRL, datado de 24-04-2007, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/fc02bb26756d4039802572dc003d464c. ou douto Ac. TRL datado de 24-04-2008, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/e6e1f17fa82712ff80257583004e3ddc/d3d572ab1214f09c80257463004cab58.
Aliás, este regime está amplamente sustentado no artigo 686.º, do Código Civil, que refere expressamente que a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.
No caso em apreço, resulta da certidão predial do imóvel adquirido pela embargante que o mesmo está onerado com uma hipoteca que garante uma parte dos créditos reclamados pela exequente.
Perante tal realidade e sustentado no citado regime legal, a atual exequente, já devidamente habilitada nos autos na qualidade de exequente, intentou o respetivo incidente de habilitação de cessionário, que correu seus termos no respetivo apenso A, contra a ora embargante.

Nesse incidente de habilitação de cessionário que a exequente EMP02... DAC intentou contra a ora embargante, foi alegado o seguinte:
”1.- crédito exequendo é garantido por hipoteca sobre prédio rustico, denominado de ..., sito no Lugar ..., freguesia ... e concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...24– cfr título junto ao requerimento executivo e para o qual se remete, por economia processual.
2.- Por consulta a informação predial do imóvel que se junta com o nº 1, a exequente tomou conhecimento de que o imóvel fora doado à 3ª requerida, conforme consta da inscrição AP. ...38 de 2019/03/27.
3.- Assim sendo, os executados deixaram de ser proprietários do imóvel dado em garantia, o que impede o exequente de proceder à penhora e consequente venda do mesmo para ver ressarcido o seu crédito.
4.- Pelo que resta-lhe requerer a habilitação da habilitante indicada como 3º para quanto a ela prosseguir a execução na estrita medida do valor do imóvel dado em garantia”.
No âmbito deste incidente de habilitação de cessionário (apenso A) a ora embargante foi devidamente citada e não deduziu qualquer oposição.
Por essa razão, o tribunal proferiu sentença, já transitada em julgado, admitindo a intervenção da ora embargante, atento o citado artigo 54.º, do C.P.C., como é do seu conhecimento – cfr. notificação da sentença proferida no âmbito do apenso A.
Dito isto, é indiscutível que a ora embargante, devidamente citada no âmbito do incidente de habilitação de cessionário ocorrida no passado dia 30 de agosto de 2023 (citação recebida pela própria), sabe por que razão intervém nos autos de execução.
Com efeito, conforme resulta da sentença proferida no âmbito desse mesmo incidente de habilitação de cessionário, a sua intervenção nos autos de execução resulta do facto de ter adquirido um imóvel onerado com uma hipoteca que garante parte do crédito exequendo.
É, assim, indubitável que a embargante ao invocar a sua ilegitimidade passiva e a ilegitimidade da ora exequente foge à verdade processual que já é do seu conhecimento 1, como já supra se evidenciou.
1 Segundo preceitua o n.º 1, do artigo 580.º, do C. P. Civil, as exceções de litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar a litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à exceção de caso julgado.
Ambas as exceções visam evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior (vide artigo 480º, nº 2 e, mais detalhadamente, cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil “, págs. 567 e 574; na jurisprudência, vide, por todos, acórdãos do STJ, de 26/1/1994 e de 17/2/1994, in BMJ nºs 433, pág. 515 e 434, pág. 580, respetivamente).
Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (cfr. artigo 581.º, n.º 1, do C.P.C.).
Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica (artigo 581.º, n.º 2, do C.P.C.).
Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico (cfr. artigo 581.º, n.º 3, do C.P.C.). Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico (cfr. artigo 581.º, n.º 4, do C.P.C.).
Ensina Antunes Varela que “para sabermos se há ou não repetição da ação, deve atender-se não só ao critério formal (assente na tríplice identidade dos elementos que definem ação) fixado e desenvolvido no artigo 581.º, do C.P.C., mas também à diretriz substancial traçada no n.º 2, do artigo 580.º, do C.P.C., onde se afirma que a exceção da litispendência (tal como a do caso julgado) tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior “ – vide “Manual de Processo Civil”, 2ª edição, pág. 302.
Acontece que, no que respeita à delimitação ou à eficácia subjetiva do caso julgado, importa ter igualmente em atenção que essa identidade também passa pela análise da “qualidade jurídica” das partes nas ações em confronto, analisando-se, para o efeito, o conteúdo material ou de direito subjetivo de cada uma das partes, podendo o “caso julgado” atingir terceiros que não tiveram intervenção numa dessas ações em conflito.
E tal eficácia externa do caso julgado verifica-se quando a ação decorreu entre todos os interessados diretos (quer ativos, quer passivos) e, portanto, esgotou-se a discussão judicial com a intervenção dos sujeitos com legitimidade para discutir a tutela judicial de uma situação jurídica em dada altura temporal, pelo que aquilo que ficou definido entre os legítimos contraditores deve ser aceite por qualquer terceiro que, por várias razões, venham posteriormente a ocupar a titularidade desses interesses e direitos (cfr., neste particular, Miguel Teixeira de Sousa, obra citada, págs. 590 e 591).
Isto é, o efeito reflexo do caso julgado não constitui propriamente uma exceção à sua eficácia relativa, porquanto mais não é do que o correlativo daquela eficácia relativa – como as partes da ação esgotam aqueles que para ela têm legitimidade processual (dado que todos interessados são partes nela – cfr. artigo 30.º, nº 1, do C.PC. ) -, aquilo que vale – relativamente – entre as partes vale igualmente perante qualquer terceiro.
A autoridade de caso julgado de sentença que transitou e a exceção de caso julgado são, assim, efeitos distintos da mesma realidade jurídica.
Com o escreve o Prof. Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 2ª ed., p. 354, “pela exceção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação, constituindo-se o caso julgado um obstáculo a nova decisão de mérito”, enquanto que “a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito. (...). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objeto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida”.
No mesmo sentido, o Prof. Miguel Teixeira de Sousa, in “O objeto da Sentença e o caso julgado material, BMJ 325, p. 49 e ss”, escreve que “a exceção de caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional duplicando as decisões sobre idêntico objeto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior”, já “quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspeto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de ação, a proibição de omissão respeitante à vinculação subjetiva à repetição do processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão anterior”.
Relativamente a esta questão, é pacífico para a nossa jurisprudência que a autoridade de caso julgado, diversamente da exceção de caso julgado, pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade a que alude o artigo 581.º, do C.P.C., pressupondo, porém, a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida – cfr. nesse sentido, Acs. do STJ de 13.12.2007, processo nº 07A3739; de 06.03.2008, processo nº 08B402, e de 23.11.2011, processo nº 644/08.2TBVFR.P1.S1, disponíveis in www.dgsi.pt»
Neste contexto, apenas nos apraz afirmar que ou por manifesto lapso ou por má fé processual, vem agora a embargante invocar a sua ilegitimidade passiva e a ilegitimidade ativa.
Optamos, por mera conveniência nossa, pela primeira das hipóteses.
Note-se, mais uma vez, que a responsabilidade da ora embargante, como esta bem sabe e resulta do incidente de habilitação de cessionário, apenas está circunscrita e limitada ao crédito garantido pelo imóvel que adquiriu aos executados originários, conforme resulta dos dizeres da sentença proferida no apenso A e da certidão predial que sustentou essa sua confessada aquisição do identificado imóvel.
Outro dos argumentos que a embargante invoca é a iliquidez do crédito da exequente.
Ora, é consabido que a liquidez da obrigação é uma das características essenciais da obrigação exequenda, conforme prevê o 713.º, do C. P. Civil.
Com efeito, a exequibilidade da obrigação está dependente da certeza, exigibilidade e liquidez da obrigação contida no título.
Certa é a obrigação cujo objeto se encontra determinado e exigível, aquela que se encontra vencida, por se mostrar ultrapassado o prazo, legal ou convencional, do cumprimento da mesma.
Por seu turno, nas palavras de Fernando Amâncio Ferreira - in Curso de Processo de Execução, Almedina, 2006, pág.116-, “É ilíquida, para efeitos de execução, a obrigação cujo quantitativo não se encontra ainda determinado ou o seu objeto é uma universalidade (…)”.
Ora, do simples confronto da causa de pedir inscrito no requerimento executivo com os dizeres do título executivo, facilmente se depreende que a “liquidez” do crédito exigido pela exequente e cujo pagamento está garantido pelo imóvel adquirido pela embargante está apenas dependente de um mero cálculo aritmético – cfr. artigo 716.º, n.ºs 1, 2, e 8, do C.P.C., - o que determina a sua exequibilidade.
Aliás, a existirem dúvida sobre o cálculo aritmético efetuado no requerimento executivo por parte da exequente – cfr. artigo 716.º n.º 1, do C.P.C. -, era ónus processual da embargante concretizar onde se encontra esse erro de cálculo e eventualmente comprovar nos autos pagamentos efetuados pelos devedores, o que não se verifica.
Sobre esta questão em concreto, embora imputável ao mutuário, escreveu-se no douto aresto proferido pelo V.T.R.C., datado de 29.02.2012, no proc. 369/10.9TBCDN, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/-/02A0610627C267B4802579C10042ADF7., que “a propósito do que os oponentes/recorrentes dizem sobre a liquidação da obrigação; em que sustentam que a mesma não é líquida nem exigível, em que repetidamente dizem que “impugnam”, que “desconhecem o capital em dívida”, que “impugnam o valor da liquidação”, que a exequente não “mostra os cálculos”, etc. Não têm neste ponto, com o devido respeito, qualquer razão. Via de regra, uma oposição a uma execução para pagamento de quantia certa que aspire a ser processualmente útil não se pode ficar pela impugnação. A um documento/escritura exarado pelo notário que coloca os executados na posição de mutuários e, por isso, adstritos quer à obrigação (principal) de restituir idêntica quantia/capital à emprestada quer à obrigação (acessória) de pagar uma retribuição (os juros) pelo capital emprestado, não se opõem eficazmente os executados dizendo tão só que “impugnam”, que “desconhecem o capital em dívida”, que “impugnam o valor da liquidação”, que a exequente não “mostra os cálculos”. Resultando igualmente do documento/escritura exarado pelo notário, como é o caso, que todos os meses se vencem prestações, respeitantes a parte do capital e aos juros, não se podem os executados limitar a invocar, na oposição à execução, “desconhecimento” e “impugnação”; tendo necessariamente que dizer – para poderem extinguir as obrigações a que as escrituras os vinculam – que pagaram/liquidaram todas as prestações mensais que desde a celebração do contrato e da entrega da coisa se foram vencendo. Se já não devem o capital mutuado que a exequente pede, têm que dizer quanto devem; se acham que as contas estão mal feitas quanto ao capital em dívida, têm que “demonstrar” as suas contas e dizer quanto devem”.
Sublinhe-se que um dos princípios nucleares do processo civil é o princípio do dispositivo, o qual na sua veste de disponibilidade do objeto do processo, impõe às partes o ónus de alegar os factos e as questões fundamentais que consubstanciam o thema decidendum, ou seja, a alegação constitui o terminus a quo que predetermina o terminus ad quem da decisão da matéria de facto e da consequente pronúncia jurisdicional (cfr.- João de Castro Mendes, Do Conceito de Prova em Processo Civil, Ática, p. 132 e seguintes), o que manifestamente não aconteceu.
Assim, perante a impossibilidade de avaliação de qualquer ficcionado erro no cálculo da identificada divida, também quanto a este aspeto em concreto, os presentes embargos são indiscutivelmente improcedentes.
Acresce que não se pode empurrar, à luz do artigo 334.º, do Código Civil, um ónus que não compete legalmente ao exequente/credor.

Assim, em face do exposto, não admito os presentes embargos à execução por manifesta falta de fundamento legal e de factos relevantes.
****
Custas dos embargos à execução pela embargante, sem prejuízo da decisão a proferir pelo ISS quanto ao pedido de benefício de apoio judiciário.
Registe e notifique.

A embargante interpôs recurso, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

A) A presente execução tem como títulos executivos contratos de mútuo e livranças.
B) A Apelante deduziu embargos de executado nos presentes autos e invocou a ilegitimidade ativa e passiva; a iliquidez da dívida exequenda e repetição do pedido, na execução e na insolvência da devedora originária, ao abrigo do art. 731º do CPC.
C) E como defende a jurisprudência e doutrina não compete ao Tribunal, nesta fase, analisar o mérito dos argumentos utilizados, mas tão só verificar se devem ou não ser recebidos. Art. 732º do CPC.
D) Pelo que se impunha a admissão dos embargos, atenta a sua tempestividade e os fundamentos apresentados.
E) A decisão recorrida impede o contraditório e impede a pronúncia sobre outros fundamentos invocados nos embargos pelo que o Tribunal a quo foi além do que lhe competia nesta fase processual.
F) O douto despacho recorrido violou as normas supracitadas e deve ser revogado, como é de justiça.

Não consta tenham sido apresentadas contra-alegações.

2. Questões a apreciar

O objecto do recurso, é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso, cuja apreciação ainda não se mostre precludida,

O Tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas (isto é, questões que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismo destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis” ( cfr. António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, Almedina, p. 139) (pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida).
 
A única questão que cumpre apreciar é a de saber se o tribunal a quo não podia ter indeferido liminarmente os embargos de executado, o que passa, naturalmente, por saber em que condições é que o tribunal pode indeferir liminarmente a petição de embargos e se tais condições estavam verificadas in casu.

3. Fundamentação de facto

As incidências fácticas relevantes para a decisão são as indicadas no antecedente relatório e que aqui se dão por reproduzidas.

4. Direito
4.1. Indeferimento liminar dos embargos de executado

A embargante veio deduzir embargos de executado invocando três fundamentos: a ilegitimidade da exequente; a sua própria ilegitimidade; a iliquidez da dívida.

O tribunal a quo indeferiu liminarmente os embargos de executado, por manifesta improcedência.

Vejamos

Nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 728º do CPC, o executado pode opor-se à execução por embargos no prazo de 20 dias a contar da citação.

E, quanto aos fundamentos dessa oposição, quando a execução se baseia em outro título que não a sentença (para o que rege o art.º 729º), decisão arbitral (para o que rege o art.º 730º) ou em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, dispõe o art.º 731º que, além dos fundamentos de oposição especificados no artigo 729.º, na parte em que sejam aplicáveis, podem ser alegados quaisquer outros que possam ser invocados como defesa no processo de declaração.

Uma vez autuados por apenso, os embargos são submetidos a despacho liminar, dispondo o art.º 732º n.º 1 do CPC que são liminarmente indeferidos quando:
a) Tiverem sido deduzidos fora do prazo;
b) O fundamento não se ajustar ao disposto nos artigos 729.º a 731.º;
c) Forem manifestamente improcedentes.

Aqui apenas releva a última hipótese.

A “manifesta improcedência” dos embargos de executado baseia-se em razões substanciais ligadas à antevisão manifesta da inviabilidade da pretensão, neste caso, de extinção, total ou parcial da execução.

Estamos aqui perante um julgamento antecipado do mérito dos embargos de executado, o qual apenas tem cabimento nos casos de evidente inutilidade de qualquer instrução ou discussão posterior, por que, à luz dos factos que é possível considerar adquiridos e do direito aplicável - considerando neste âmbito, não apenas a lei, mas a doutrina e a jurisprudência -, os fundamentos invocados são “manifestamente improcedentes” ou, dito de outra forma, não têm, face aos factos e ao direito aplicável, qualquer viabilidade.

Assim tem sido considerado, com formulações variadas, pela jurisprudência, de que se cita, a título exemplificativo, os seguintes Acórdãos:

- da RE de 27/10/2022, proc. 2632/21.7T8ENT-A.E1, consultável in www.dgsi.pt/jtre, constando do respectivo sumário:
I. Os embargos de executado devem ser rejeitados, designadamente se for manifesta a improcedência da oposição formulada (artigo 732º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Civil), situação que ocorre quando a pretensão de executado/embargante, seja por razões de facto, seja por motivos de direito, está irremediável e indiscutivelmente condenada ao insucesso injustificando o prosseguimento dos ulteriores termos processuais, em obediência aos princípios de economia processual e proibição da prática de actos inúteis.

- desta RG de 17/12/2019, processo 3/19.1T8VNF-A.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg, em cujo sumário consta;         
I- Os embargos de executado devem ser rejeitados, designadamente se for manifesta a improcedência da oposição formulada (art. 732º, n.º 1, al. c) do CPC).
II- Os embargos de executado são manifestamente improcedentes quando a pretensão de executado/embargante, seja por razões de facto, seja por motivos de direito, está irremediável e indiscutivelmente condenada ao insucesso.

- da RL de 24/04/2019, processo 19047/18.4T8LSB-A.L1-2, consultável in www.dgsi.pt/jtrl e em cujo sumário consta:         
A manifesta improcedência justificativa do juízo de liminar indeferimento é aquela que decorre da circunstância da pretensão do Executado/embargante, seja por razões de facto, seja por razões de direito, configurar-se, de forma inequívoca, irremediável e indiscutível, condenada ao fracasso, injustificando o prosseguimento dos ulteriores termos processuais, em obediência aos princípios de economia processual e proibição da prática de actos inúteis;

A embargante interpõe recurso afirmando – conclusão C) – que, “como defende a jurisprudência e doutrina não compete ao Tribunal, nesta fase, analisar o mérito dos argumentos utilizados, mas tão só verificar se devem ou não ser recebidos. Art. 732º do CPC.”.

Em primeiro lugar verifica-se que a embargante não concretiza qualquer doutrina e, quanto à jurisprudência, limita-se a citar o sumário do Ac. da RE de 26/05/2022, que por consulta no sitio www.dgsi.pt/jtre, se verifica ter sido proferido no processo 4139/18.8T8STB-C.E1 e em cujo sumário consta:
I - Na fase liminar dos embargos de executado, não há que apreciar e decidir as questões suscitadas como fundamento de oposição à execução, mas apenas verificar se ocorre alguma das situações em que o artigo 732.º, n.º 1, do CPC, prevê o respetivo indeferimento liminar.

Porém, lido o texto do Acórdão verifica-se que aquela afirmação não tem o sentido pretendido pela embargante, pois foi produzida no âmbito da apreciação da nulidade da decisão recorrida, invocada pelo recorrente, que alegou que o tribunal a quo – que indeferiu liminarmente os embargos de executado por intempestividade - devia ter conhecido do fundamento invocado nos embargos, por ser de conhecimento oficioso e, não o tendo feito, havia omissão de pronúncia,
E daí que a Relação tenha afirmado que: “Não há que apreciar, nesta fase liminar, as concretas questões suscitadas pelo executado nos embargos deduzidos, mas apenas verificar se devem ser recebidos, isto é, se não ocorre qualquer das situações, elencadas nas várias alíneas do n.º 1 do citado artigo 732.º, em que se impõe o indeferimento liminar do incidente, o que foi efetuado no despacho recorrido, que assim não enferma do vício de omissão de pronúncia.”

Em segundo lugar, como já ficou referido, o tribunal pode indeferir liminarmente os embargos de executado, se verificar que os mesmos são manifestamente improcedentes.

E, face ao que já ficou referido e ao contrário do que alega a recorrente, para tal, o tribunal tem, necessariamente, de analisar o mérito dos fundamentos invocados pois só assim poderá concluir pela manifesta improcedência fáctica e/ou jurídica dos mesmos.

Em terceiro lugar, pese embora a decisão recorrida tenha indeferido liminarmente os embargos de executado por manifesta improcedência, constata-se que a recorrente nada alegou no sentido de convencer do mérito dos fundamentos invocados.

Apesar disso impõe-se verificar se tais fundamentos são, como decidiu o tribunal a quo, manifestamente improcedentes.

4.2. Da ilegitimidade activa –

Como resulta do Relatório supra, a acção executiva de que os presentes são apenso foi intentada pela Banco 1....

Mas, no desenrolar do processo de execução, mais concretamente a 24/05/2022, a EMP02... DAC apresentou requerimento nos próprios autos, termos do n.º 2 do art.º 3º do DL 42/2019, de 28 de março, requerendo a junção do contrato de cessão de um conjunto de créditos celebrado com a Banco 1... e a sua habilitação no lugar da referida Banco 1....

O art.º 1 do DL 42/2019 dispõe que este diploma estabelece um regime simplificado para a cessão de créditos em massa, que o art.º 2º define como sendo “aquela em que o cessionário seja uma instituição de crédito, sociedade financeira ou uma sociedade de titularização de créditos sempre que o preço de alienação global dos créditos a ceder seja, no mínimo, de (euro) 50 000,00, e a carteira seja composta por, pelo menos, 50 créditos distintos”.

Face ao que consta do Relatório supra, a cessionária apresenta-se como sociedade financeira, o preço global dos créditos cedidos é superior a € 50.000,00 e, face ao documento complementar junto, a carteira dos créditos cedidos é superior a 50 créditos.

Ainda no que releva, o n.º 1 do art.º 3º do mesmo diploma estabelece que o “cessionário considera-se habilitado em todos os processos em que estejam em causa créditos objeto de cessão” e o n.º 2 que “[p]ara efeitos do número anterior, compete ao cessionário juntar ao processo cópia do contrato de cessão, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 356.º do Código de Processo Civil.”

Ou seja: o cessionário considera-se habilitado na posição do primitivo autor ou exequente, mediante a junção ao processo de cópia do contrato de cessão.

Tendo sido junta aos autos a escritura de cessão de créditos e estando reunidos os pressupostos para aplicação do DL 42/2019, a EMP02... DAC passou a ocupar a posição da exequente Banco 1..., pelo que a mesma é parte legítima.

Destarte, a invocada ilegitimidade activa é manifestamente improcedente.

4.3. Da ilegitimidade passiva da embargante –

Na situação em apreço e como flui do Relatório supra, a execução baseia-se, quanto aos executados AA e BB, na celebração de dois contratos de mútuo e no facto de terem avalizado três livranças.

A exequente Banco 1... alegou ainda que aqueles executados constituíram  hipoteca a favor da Banco 1... sobre o prédio rústico, composto por Terra e Mato, denominado ..., sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...24 – ..., registada a favor da Banco 1... pela AP. ...70 de 2016/11/14.

Já depois de ter junto aos autos a escritura de cessão de créditos, a 29/08/2022 a EMP02... DAC deduziu habilitação de adquirente contra os executados e a ora embargante, por a mesma ter adquirido o imóvel sobre o qual recaía a hipoteca.

A ora embargante foi notificada para deduzir oposição, não o tendo feito.

Foi proferida sentença que julgou “procedente a presente habilitação de cessionário e, consequentemente, determino que a execução apensa também prossiga os seus termos contra a atual proprietária do imóvel objeto de garantia real, CC (…).”

E, tendo tal sentença sido notificada à embargante, a mesma dela não interpôs recurso, tendo transitado em julgado.

Aquela decisão constitui caso julgado material, que aqui releva no seu aspecto positivo, ou seja, proibição de contradição da decisão transitada e, nessa medida, preclusão de qualquer indagação sobre a relação material controvertida.

Sendo assim, não tem qualquer cabimento discutir, agora, a legitimidade da embargante para estar na acção executiva.
A sentença proferida constitui caso julgado quanto a tal questão, o que impede seja colocado em causa o nela decidido através dos embargos, nomeadamente sob a veste da ilegitimidade passiva da embargante.

Destarte, a invocada ilegitimidade passiva da embargante é manifestamente improcedente.

4.4. Da iliquidez da dívida –

Como refere Rui Pinto, in A Acção Executiva, AAFDL, pág. 240, “a liquidez é a qualidade da obrigação que esteja quantitativamente determinada. O acertamento da obrigação cujo objecto não esteja quantificado em face do título é um dos pressupostos da execução, já que ele irá dar a medida do ataque ao património do executado.
Por conseguinte, o exequente não pode, na execução, formular pedido ilíquido, sem proceder à respectiva liquidação.”

E, assim, o art.º 713º do CPC dispõe que:
A execução principia pelas diligências, a requerer pelo exequente, destinadas a tornar a obrigação certa, exigível e líquida, se o não for em face do título executivo.

Sucede que, in casu, a obrigação exequenda foi apresentada como liquida, quer parcelar, quer globalmente, ou seja, como quantitativamente determinada, quer relativamente aos contratos de mútuo – a exequente apresentou o resultado do cálculo que efectuou relativamente às obrigações vencidas, em virtude do não pagamento, na data do vencimento, de uma das prestações acordadas, que refere, relativamente a cada um dos contratos de mútuo -, quer relativamente às livranças – indicando o valor inscrito nas mesmas e a data de vencimento -, ou seja, a exequente indicou as quantias em dívida relativamente a cada um dos títulos executivos.

Importa aqui densificar a função dos embargos de executado.

Os embargos de executado são uma das formas de oposição à execução, pela qual se visa a extinção, total ou parcial, da execução, mediante o reconhecimento da actual inexistência (total ou parcial) do direito exequendo ou da falta de um pressuposto, especifico ou geral da acção executiva (com a concomitante declaração da sua inadmissibilidade) – Lebre de Freitas, in A Acção Executiva, 7ª Edição, pág. 195.
Os embargos de executado têm vista obstar à produção dos efeitos do título executivo e ou da acção que nele se baseia.
Quando veicula uma oposição de mérito à execução, visa um acertamento negativo da situação substantiva (obrigação exequenda), de sentido contrário ao acertamento positivo consubstanciado no título executivo, cujo escopo é obstar ao prosseguimento da acção executiva mediante a eliminação, por via indirecta, da eficácia do título executivo enquanto tal.
Quando a oposição por embargos tem um fundamento processual, o seu objecto é, já não uma pretensão de acertamento negativo do direito exequendo, mas uma pretensão de acertamento, também negativo, da falta dum pressuposto processual, que pode ser o próprio título executivo, igualmente obstando ao prosseguimento da acção executiva, mediante o reconhecimento da sua inadmissibilidade (cfr. Lebre de Freitas, in ob. cit. pág. 215-216).

É certo que “a oposição à execução é o meio processual pelo qual o executado exerce o seu direito de defesa perante o pedido do exequente.” (Rui Pinto, in A Acção Executiva, AAFDL, pág. 365).

Porém e do ponto de vista do seu conteúdo, a contestação da acção declarativa e os embargos de executado não são equiparáveis, desde logo porque enquanto na primeira o réu se pode limitar a impugnar os factos ( dispõe o art.º 571º n.º 2 do CPC que o R. defende-se por impugnação quando contradiz os factos articulados na petição ou quando afirma que esses factos não podem produzir o efeito jurídico pretendido pelo autor, sendo que, como se disse no já vetusto Ac. da RP de 03 de Abril de 1990, in CJ, 90, 2, 224, mas cuja doutrina permanece actual, a defesa por impugnação implica sempre uma negação dos factos ou dos seus efeitos jurídicos, através da negação simples e directa ou da negação motivada, que se traduz na alegação de outros factos distintos e opostos àqueles, dando-se uma nova versão da realidade), tal não tem cabimento nos embargos de executado.

Assim, invocando o exequente uma obrigação liquida, querendo o executado atacar a liquidação, isto é, querendo o executado colocar em causa o “acertamento” quantitativo da obrigação apresentado pelo exequente, não pode limitar-se a impugná-lo.
Querendo atacar a liquidação há-de invocar factos que uma vez provados permitam concluir que a liquidação está incorrecta ou, pelo menos, apresentar os cálculos que permitam chegar a essa conclusão e que, portanto, a obrigação exequenda é quantitativamente inferior, o que, sendo procedente, terá como consequência a extinção parcial da execução, mediante o reconhecimento da actual inexistência parcial do direito exequendo.

Sendo assim, o invocado pela embargante - “através da análise dos [contratos de mútuo e das livranças] não é possível concluir quando terão deixado de cumprir as suas obrigações e qual é, ao certo, o montante em dívida.” -  não traduz a invocação de qualquer fundamento viável de oposição à execução por embargos de executado, ou seja, é uma oposição manifestamente improcedente.

4.5. Síntese
Em face de tudo o exposto, a decisão recorrida não merece censura e, assim, o recurso deve ser julgado improcedente e aquela mantida.

4.6. Custas
Uma vez que a recorrente ficou vencida na apelação, as custas são a seu cargo – art.º 527º, n.º 1 e 2 do CPC

5. Decisão

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 1ª Secção desta Relação em manter a decisão recorrida e em consequência julgar improcedente o recurso.
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Custas pela recorrente – art.º 527º n.ºs 1 e 2 do CPC
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Notifique-se
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Guimarães, 23/11/2023
 (O presente acórdão é assinado electronicamente) 

Relator: José Carlos Pereira Duarte
1º Adjunto: Pedro Manuel Quintas Ribeiro Maurício
2º Adjunto: José Alberto Martins Moreira Dias