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EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
INDEFERIMENTO LIMINAR
ÓNUS DA PROVA
CASO JULGADO
Sumário
I – A afirmação de que o ónus da prova dos fundamentos de indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante recai sobre os credores e sobre o administrador da insolvência significa essencialmente que eles suportam as consequências da falta de prova dos factos essenciais alegados – ou de outros que pudessem ser investigados, ao abrigo do princípio do inquisitório – e não que têm de efetuar a prova deles. II – Não é possível indeferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante com fundamento no disposto na alínea e) do n.º 1 do art. 238 do CIRE quando já tenha sido proferida sentença a qualificar a insolvência como furtuita.
Texto Integral
I.
1) AA propôs, no dia 2 de maio de 2022, processo especial para acordo de pagamento, alegando, em síntese, que: foi administrador da sociedade comercial EMP01... – Investimentos Turísticos, SA; nessa qualidade, avalizou diversas operações de crédito da referida sociedade, tornando-se responsável subsidiário pelo pagamento de avultadas dívidas desta; os rendimentos da sociedade sofreram uma drástica redução em resultado das restrições legais impostas ao exercício da atividade societária por causa da pandemia de Covid-19, o que culminou com a respetiva declaração de insolvência no dia 4 de junho de 2021; não obstante o elevado montante por que é responsável, a sua revitalização é possível desde que haja acordo dos credores no sentido do alargamento dos prazos de pagamento dos montantes em dívida.
Juntou, com o requerimento inicial, entre o mais, a relação de credores e a relação de bens.
2) O plano de pagamentos apresentado não mereceu a aprovação dos credores e, na sequência, o administrador judicial provisório concluiu que o Requerente se encontrava insolvente.
3) Notificado, o Requerente não deduziu oposição e pediu que, em caso de declaração de insolvência, fosse decretada a exoneração do passivo restante.
4) Foi determinada a autuação de certidão do requerimento inicial como processo de insolvência, tendo esta vindo a ser decretada por sentença proferida no dia 12 de abril de 2023.
5) No dia 22 de maio de 2023, o administrador da insolvência nomeado apresentou o relatório previsto no art. 155 do CIRE, no qual propôs o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante, com os seguintes fundamentos:
“Sendo certo, que se apurou que a aqui Insolvente veio a ser afetado pela qualificação de insolvência como culposa no âmbito do processo de insolvência com o n.º 2084/21...., que corre termos no Juízo de Comércio ..., Juiz ..., em que foi declarada insolvente a sociedade comercial denominada EMP01... - Investimentos Turísticos, Lda., NIF: ...50, onde foi condenado, entre outras sanções, a indemnizar os respetivos credores até ao montante de 904.792,44€
Pelo que, e tendo em consideração a redação da alínea e) do nº 1 do artigo 238º do CIRE, entendemos que tal pedido deverá ser indeferido liminarmente porquanto se verificou um agravamento da sua situação de insolvência com a situação sobredita.”
7) Notificados, os credores Banco 1..., SA, e Banco 2..., SA, declararam sufragar a proposta do administrador da insolvência quanto ao pedido de exoneração do passivo restante.
8) No dia 31 de agosto de 2023, foi proferido, pelo Tribunal a quo, despacho do seguinte teor:
AA veio requerer a exoneração do passivo restante, alegando que reunia as condições para o efeito e que se dispõe a observar todas as condições exigidas nos termos do art.º 236º do CIRE.
Foi dado cumprimento ao disposto no n.º 4 da citada disposição normativa.
O Administrador da Insolvência pronunciou-se manifestando a sua não oposição.
Constituem fundamentos do indeferimento liminar da exoneração do passivo restante os enunciados nas diversas alíneas do art.º 238.º do CIRE que compreendem comportamentos, situações ou condutas do devedor, anteriores ou contemporâneas do processo de insolvência que, como refere Carvalho Fernandes [vide Colectânea De Estudos Sobre a Insolvência, págs. 276 e 277], “em geral, são dominados pela preocupação de averiguar se o insolvente pessoa singular é merecedor do benefício que da exoneração lhe advém”. O incidente, em causa nestes autos, apresenta dois momentos de apreciação distintos por parte do Tribunal: um despacho inicial que incide sobre a sua admissibilidade [despacho de indeferimento liminar ou “despacho inicial” a determinar o prosseguimento]; e a decisão (final) de exoneração, nos termos do art.º 244.º do CIRE.
O despacho liminar destina-se a aferir da existência de condições mínimas para aceitar o requerimento contendo o pedido de exoneração, sendo que o juízo de mérito em causa não é sobre a concessão ou não da exoneração – análise que só será efetuada passados cinco anos –, mas em aferir o preenchimento de requisitos, substantivos, que se destinam a perceber se o devedor merece que uma nova oportunidade lhe seja dada.
No caso, o Tribunal pode aferir da existência de condições mínimas para aceitar o requerimento que contém o pedido de exoneração.
Assim sendo, não subsistindo motivo que fundamente, nos termos previstos pelo art.º 238.º do CIRE, o indeferimento liminar da pretensão formulada, cumpre proferir despacho nos termos do disposto no art.º 239.º do mencionado diploma legal.
Entretanto, terá de atender-se à situação económica e financeira do respectivo agregado familiar e às despesas com habitação, alimentação, electricidade, gás, água, transportes, vestuário e saúde – neste ponto atendendo-se ao quer teor os documentos juntos aos autos pelo próprio insolvente quer ao teor do relatório entretanto elaborado ao abrigo da previsão do artº 155.º do CIRE.
Nessa conformidade, determina-se que, durante os três anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, sem prejuízo da possibilidade de prorrogação prevista pelo art.º 242.º-A do CIRE, o rendimento disponível do insolvente – que corresponderá àquele que ultrapasse o valor de 1 e ½ SMN – fique cedido ao Sr. Administrador, que vai investido na condição de Fiduciário e ao qual vai conferida a tarefa de fiscalizar o cumprimento pelo devedor das obrigações que sobre este impendem, com o dever de informar os credores em caso de conhecimento de qualquer violação [art.º
241º, n.º 3 do CIRE].
Entretanto, para o cálculo do que seja o montante razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, para efeito de o excluir dos rendimentos a ceder, haverá que ter-se em consideração o valor dos rendimentos líquidos. Para tal efeito, ao rendimento bruto recebido pelo devedor haverá que deduzir não só os custos e encargos com a atividade, se os houver, mas ainda as contribuições obrigatórias, quer as fiscais quer as devidas à Segurança Social.
Acresce que, sabendo ser comum proceder-se à fixação de um rendimento com referência mensal, a informação a prestar pelo Fiduciário quanto a quantias a ceder que excedam aquele valor deve ser prestada anualmente, sendo que, quando os rendimentos não se mantenham estáveis ao longo desse período de tempo, deve o cálculo ser efetuado com referência a um ano e não a cada um dos meses (…)”
9) Inconformado, veio o credor BB (Recorrente) interpor o presente recurso, que culminou com as seguintes conclusões:
“1. A decisão em recurso proferida pelo Tribunal a quo – deferimento do pedido de EPR efetuado pelo Recorrido – salvo o devido respeito, viola a legislação atualmente em vigor, mas acima de tudo, é profundamente injusta para os credores do Recorrido.
2. Não compreende o Recorrente como é que o Tribunal a quo deferiu o pedido de exoneração do passivo restante, ignorando o facto da insolvência da sociedade EMP01..., S.A. ter sido qualificada como culposa, por responsabilidade do Recorrido.
3. O Tribunal a quo ignorou igualmente o facto de o Recorrido ter sido, dada a gravidade da situação, condenado ao pagamento de uma indemnização até ao montante de € 904.792,44 (novecentos e quatro mil, setecentos e noventa e dois euros e quarenta e quatro cêntimos) aos credores daquela sociedade EMP01..., S.A.
4. Bem como o facto de ter sido decretada a sua inibição para a administração de patrimónios de terceiros e para o exercício do comércio, para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa pelo período de 4 anos e sua a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente.
5. O Tribunal a quo, no âmbito da sua (parca) fundamentação acerca do deferimento do EPR ignorou a qualificação da insolvência como culposa da sociedade administrada pelo Recorrido, a condenação do mesmo nesse âmbito, o parecer do Sr. Administrador de Insolvência no âmbito do Relatório apresentado cf. o disposto no artigo 155.º CIRE nos presentes autos, os votos desfavoráveis dos credores e o requerimento inicial do A.I. no Apenso de Qualificação de Insolvência.
6. Por tudo o supra exposto, podemos concluir que o fez contrariamente ao estipulado na alínea e) do n.º 1 do artigo 238.º CIRE.
7. Contudo, fê-lo ainda contrariando a alínea d) da mesma disposição legal, porquanto o Recorrido não se apresentou à insolvência no período de 6 meses após ter verificado que estava efetivamente impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.
8. O Recorrido soube que estava em situação de insolvência no momento em que foi declarada a insolvência da sociedade EMP01..., S.A. (04.06.2021), onde tinha prestado o seu aval para garantia do bom pagamento das suas responsabilidades.
9. O Recorrido bem sabia que a sociedade em questão não apresentava ativo suscetível de fazer face às suas dívidas, bem sabia que ele próprio também não apresentava ativo capaz de liquidar as suas dívidas e bem sabia o montante elevadíssimo de capital que se encontrava vencido.
10. Assim como tinha perfeita noção de que não se apresentando à insolvência, continuando a viver a sua vida como se de um bom pagador se tratasse, iria prejudicar os seus credores.
11. E mesmo assim, o Recorrido apenas é declarado insolvente a 12.04.2023, depois de tanto protelar o inevitável, abusando dos mecanismos legais ao seu dispor.
12. Por tudo o supra exposto, estão preenchidas as alíneas d) e e) do n.º do artigo 238.º CIRE, o que significa que o pedido de exoneração do passivo restante apresentado pelo Recorrido não poderá ser deferido.
13. Impondo-se assim uma alteração imediata à decisão tomada pelo Tribunal a quo, evitando-se a criação de mais prejuízos junto dos credores do Recorrido, nomeadamente junto do Recorrente.”
10) O Requerente (daqui em diante identificado como Recorrido) respondeu, pugnando pela improcedência do recurso, sem a formulação de conclusões.
11) O recurso foi admitido como de apelação, com subida em separado e efeito devolutivo, o que não sofreu alteração neste Tribunal ad quem.
No mesmo despacho de admissão do recurso, o Tribunal a quo fixou o valor processual do incidente em € 5 000,01, correspondente ao valor processual da causa, o que não mereceu qualquer impugnação.
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II.
1) As conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo da ampliação deste a requerimento do recorrido (arts. 635/4, 636 e 639/1 e 2 do CPC). Não é, assim, possível conhecer de questões nelas não contidas, salvo se forem do conhecimento oficioso (art. 608/2, parte final,ex vi do art. 663/2, parte final, ambos do CPC).
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3) Por outro lado, no conhecimento do objeto do recurso é basicamente apreciada a legalidade da decisão recorrida e, mais concretamente, o juízo de facto e de direito que incidiu sobre a pretensão que através dela foi apreciada, naquele único e singular circunstancialismo, e não a tomada em consideração (pelo tribunal superior) de questões novas não suscitadas nem discutidas em 1.ª instância. Vale isto por dizer que, no recurso, também não é possível conhecer de questões novas – isto é, de questões que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida.
Compreende-se que assim seja: os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reponderação e consequente alteração e/ou revogação. No dizer de António Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 7.ª ed., Coimbra: Almedina, 2022, p. 141), “[a] diversidade de graus de jurisdição determina que, em regra, os tribunais superiores apenas devem ser confrontados com questões que as partes discutiram nos momentos próprios.” Para Armindo Ribeiro Mendes (Recursos em Processo Civil, Coimbra:Coimbra Editora, 2009, pp. 50 e 81), “no sistema jurídico português os recursos ordinários são de revisão ou de reponderação da decisão recorrida, não de reexame; o objeto do recurso é constituído por um pedido que tem por objeto a decisão recorrida. A questão do litigio não é, ao menos de forma mediata, objeto do recurso.”
Na verdade, como refere Luís Filipe Espírito Santo (Recursos Civis – O Sistema Recursório Português. Fundamentos, Regime e Atividade Judiciária, Lisboa: Cedis, 2020, pp. 8-9), está em causa a avaliação em segundo grau de uma decisão judicial pré-existente e não a possibilidade de iniciar uma nova e diversa discussão sobre temas não versados. Dito de outra forma, trata-se de sindicar a valoração do juízo de facto e de direito emitidos pelo juiz de 1.ª instancia, sobre as questões que lhe foram colocadas, nos momentos processuais adequado, e não o conhecimento de novos factos ou de novas questões de direito que as partes – podendo fazê-lo – entenderam não apresentar, nem configurar ou esgrimir, no processo que decorreu na instância inferior.
Como se sabe, são as partes que definem, no âmbito da sua liberdade de atuação, predominante e decisiva no campo do direito privado, os termos enformadores da ação. Não faria sentido que, uma vez apreciadas, em 1.ª instancia, as questões jurídicas que dividem os litigantes e obtida a decisão que sobre elas incide, com o consequente esgotamento do poder jurisdicional do julgador, fosse possível as partes suscitarem, por via do recurso, questões que extravasam aquilo que constituiu o objeto da discussão travada perante o juiz a quo. Deste modo, no dizer de Cardona Ferreira (Guia de Recursos em Processo Civil, 3.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2005, pp. 45-46), “é inadequado falar em instância de recurso. A instância, no sentido da relação jurídica processual, é a mesma ab initio do processo (...) o que muda é a fase processual e, portanto, o modo de tramitação. O “prédio” é o mesmo, ainda que mudem os “pisos” ou algum seu elemento objetivo ou, até, subjetivo.” A fase do recurso constitui, assim, mera continuação da instância e não uma nova instância. Neste sentido, na jurisprudência, vide os seguintes arestos: STJ 2.10.2014 (294/11.6T2ILH.C1.S1), STJ 29.09.2016 (291/12.4TTLRA.C1.S2), STJ 8.06.2017 (2118/10.2TVLSB.L1.S1) e STJ 9.11.2017 (26399/09.5T2SNT.L1.S1)
O único desvio a esta regra geral decorre da necessidade de apreciação pelo tribunal superior de matérias de que deva conhecer ex officio, designadamente, nos exemplos dados por Luís Filipe Espírito Santo (Recursos cit., pp. 8 – 9), as relacionadas com juízos de constitucionalidade; com a declaração de nulidade de atos jurídicos, movida por razões de interesse público (art. 286 do Código Civil); conhecimento das cláusulas contratuais estabelecidas no interesse do consumidor (vide o Decreto-lei no 446/85, de 25.10 e alterações legislativas subsequentes); questões de inobservância da forma legal, quando seja exigida imperativamente (art. 220 do Código Civil), e o instituto do abuso de direito (art. 334 do Código Civil). Como escreve o autor, “[o] incontornável interesse público subjacente à avocação e aplicação destes institutos jurídicos impõe, nesse particular condicionalismo, o desvio ao regime regra enunciado, conhecendo o tribunal superior (oficiosamente) de matéria não discutida em primeira instância, sempre sem prejuízo do exercício pleno do contraditório, conforme obriga o artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.”
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4) Pois bem, como se constata, o Recorrente pretende que este Tribunal ad quem, revogando a decisão recorrida, indefira liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante adrede formulado pelo insolvente com um duplo fundamento: (i) a não apresentação à insolvência por parte do devedor nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo para os credores, sabendo, ou não podendo ignorar, sem culpa grave, não existir qualquer perspetiva séria de melhoria da sua situação económica (art. 238/1, d), do CIRE) (conclusões 7 11); (ii) a existência de elementos que indiciam com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186 (art. 238/1, e), do CIRE) (conclusões 1 a 6).
Ora, quando se atente no iter processual descrito no relatório do presente acórdão, facilmente se conclui que apenas este segundo fundamento foi aduzido no parecer do administrador da insolvência, sufragado por dois dos credores, para justificar a pretensão de indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante. Nem o administrador da insolvência, nem os credores, Recorrente incluído, invocaram o 1.º fundamento. Não sendo este, como veremos, do conhecimento oficioso, ficou definitivamente afastado do objeto do incidente, consequência do princípio da preclusão. Deste modo, a sua invocação em sede de recurso constitui uma questão nova, nos termos enunciados, o que obsta ao respetivo conhecimento.
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5) Isto dito, podemos assentar que o objeto do recurso fica restrito à questão de saber se a decisão recorrida, ao não indeferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante (e.p.r.) formulado pelo insolvente, por ter ignorado o parecer do administrador da insolvência, não subsumindo a situação à previsão da norma da alínea e) do n.º 1 do art. 238 do CIRE, incorreu num error in iudicando.
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III.
Antes de prosseguirmos, impõe-se a apreciação de uma questão prévia: apesar de o administrador da insolvência ter emitido, de forma expressa, parecer no sentido do indeferimento liminar do pedido de e.p.r., substanciando-o e enquadrando-o na previsão do referido art. 238/1, e), do CIRE, o Tribunal a quo não emitiu qualquer pronúncia específica sobre a questão.
Com efeito, depois de consignar, erradamente, que o administrador da insolvência “pronunciou-se manifestando a sua não oposição” (sic), o Tribunal a quo limitou-se a afirmar, em termos meramente tabulares, que “não subsistindo motivo que fundamente, nos termos previstos pelo art.º 238.º do CIRE, o indeferimento liminar da pretensão formulada, cumpre proferir despacho nos termos do disposto no art.º 239.º do mencionado diploma legal” (sic), o que não corresponde ao conhecimento específico da questão adrede colocada.
Está, assim, configurada uma nulidade a decisão recorrida, por omissão de pronúncia.
Com efeito, resulta do art. 608/2 do CPC que “[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.” Em coerência, o art. 615/1, d), estabelece que é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar. Estas regras, previstas para a sentença, valem também para os despachos (art. 613/3 do CPC).
Como se sintetiza no Acórdão desta Relação de 7.03.2023 (5245/22.0T8NVF.G1), relatado pela Desembargadora Maria João Matos:
“Questões”, para este efeito, são “todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer ato (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes” (Antunes Varela, RLJ, Ano 122.º, pág. 112); e não podem confundir-se “as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão” (José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, Limitada, pág. 143).
Há, pois, que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes (para sustentar a solução que defendem a propósito de cada questão a resolver): “São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, V Volume, Coimbra Editora, pág.143 (…).
Ora, as questões postas, a resolver, “suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objeto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)” (Alberto dos Reis, op. cit., pág. 54). Logo, “as “questões” a apreciar reportam-se aos assuntos juridicamente relevantes, pontos essenciais de facto ou direito em que as partes fundamentam as suas pretensões” (Ac. do STJ, de 16.04.2013, António Joaquim Piçarra, Processo n.º 2449/08.1TBFAF.G1.S1); e não se confundem com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes (a estes não tem o Tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas aos que diretamente contendam com a substanciação da causa de pedir e do pedido).
Por outras palavras, as “partes, quando se apresentam a demandar ou a contradizer, invocam direitos ou reclamam a verificação de certos deveres jurídicos, uns e outros com influência na decisão do litígio; isto quer dizer que a ”questão” da procedência ou improcedência do pedido não é geralmente uma questão singular, no sentido de que possa ser decidida pela formulação de um único juízo, estando normalmente condicionada à apreciação e julgamento de outras situações jurídicas, de cuja decisão resultará o reconhecimento do mérito ou do demérito da causa. Se se exige, por exemplo, o cumprimento de uma obrigação, e o devedor invoca a nulidade do título, ou a prescrição da dívida, ou o pagamento, qualquer destas questões tem necessariamente de ser apreciada e decidida porque a procedência do pedido dependa da solução que lhes for dada; mas já não terá o juiz de, em relação a cada uma delas, apreciar todos os argumentos ou razões aduzidas pelos litigantes, na defesa dos seus pontos de vista, embora seja conveniente que o faça, para que a sentença vença e convença as partes, como se dizia na antiga prática forense” (Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Volume III, Almedina, Lisboa, pág. 228 (…).
Logo, a omissão de pronúncia circunscreve-se às questões de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, realidade distinta da invocação de um facto ou invocação de um argumento pela parte sobre os quais o tribunal não se tenha pronunciado.
Esta nulidade só ocorrerá, então, quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, o pedido e as exceções, e não quando tão só ocorre mera ausência de discussão das “razões” ou dos “argumentos” invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas, deixando o juiz de os apreciar, conhecendo contudo da questão (Ac. do STJ, de 21.12.2005, Pereira da Silva, Processo n.º 05B2287, com bold apócrifo).
Já, porém, não ocorrerá a dita nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando nela não se conhece de questão cuja decisão se mostra prejudicada pela solução dada anteriormente a outra (Ac. do STJ, de 03.10.2002, Araújo de Barros, Processo n.º 02B1844). Compreende-se que assim seja, uma vez que o conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição direta sobre ela, ou resultar da ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou a exclui (Ac. do STJ, de 08.03.2001, Ferreira Ramos, Processo n.º 00A3277).
Igualmente “não se verifica a nulidade de uma decisão judicial - que se afere pelo disposto nos arts. 615.º (sentença) e 666.º (acórdãos) - quando esta não aprecia uma questão de conhecimento oficioso que lhe não foi colocada e que o tribunal, por sua iniciativa, não suscitou” (Ac. do STJ, de 20.03.2014, Maria dos Prazeres Beleza, Processo n.º 1052/08.0TVPRT.P1.S1).”
Como quer que seja, certo é que a nulidade da decisão recorrida decorrente da referida omissão de pronúncia não foi arguida pelo Recorrente, que centrou a impugnação na desconformidade daquela com o disposto no art. 238/1, e), do CIRE. Não podendo o Tribunal conhecer ex officio das nulidades da sentença previstas nas alíneas b) a e) do n.º 1 do art. 615 do CPC, sem prejuízo do disposto no art. 662/2, c), do mesmo diploma, resta analisar se a decisão recorrida enferma do apontado erro de direito. Este entendimento – do não conhecimento oficioso das referidas nulidades, em rigor anulabilidades – estriba-se na circunstância de várias disposições legais aludirem (arts. 614/1, 615/2 e 4 e 617/1 e 6, todos do CPC), em determinadas circunstâncias, à possibilidade do suprimento oficioso de nulidades da sentença de modo que indicia que o conhecimento desse vício constituirá a exceção, e não a regra que, em contrapartida, é a necessidade de alegação. Neste sentido, STJ 30.11.2021, (1854/13.6TVLSB.L1.S1), RG 1.02.2018 (1806/17.7T8GMR-C.G1), RG 17.05.2018 (2056/14.0TBGMR-A.G1), RG 4.10.2018 (4981/15.1T8VNF-A.G1), RG 7.02.2019 (5569/17.8T8BRG.G1), RG 19.01.2023 (487/22.0T8VCT-A.G1); na doutrina, Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, II, 4.ª ed., Coimbra: Almedina, pp. 735-736, e Rui Pinto, “Os meios reclamatórios comuns da decisão civil (artigos 613.º a 617.º do CPC)”, Julgar Online, maio de 2020 [17.11.2023], p. 10.
Ainda que assim não fosse entendido, sempre teria este Tribunal ad quem de suprir a nulidade, por força do disposto no art. 665/1 do CPC, donde resulta que, ainda “que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação” (n.º 1); e, se “o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, deve delas conhecer no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários” (n.º 2).
Deste modo, como escreve António Santos Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 7.ª ed., Coimbra: Almedina, julho de 2022, pp. 387-388), “ainda que a Relação confirme a arguição de alguma das (…) nulidades da sentença, não se limita a reenviar o processo para o tribunal a quo. Ao invés, deve prosseguir com a apreciação das demais questões que tenham sido suscitadas, conhecendo do mérito da apelação, nos termos do art. 665º, nº 2.” Logo, “a anulação da decisão (v.g. por contradição de fundamentos ou por omissão de pronúncia) não tem como efeito invariável a remessa imediata do processo para o tribunal a quo, devendo a Relação proceder à apreciação do objeto do recurso, salvo se não dispuser dos elementos necessários”, já que só “nesta eventualidade se justifica a devolução do processo para o tribunal a quo.”
Resta assim dizer que, em decorrência, este Tribunal ad quem irá conhecer da questão enunciada, com recurso aos elementos constantes do processo.
Daqui não resulta qualquer preterição do contraditório: a questão colocada à apreciação faz parte do objeto do recurso, definido pelo Recorrente e sobre o qual o Recorrido pôde pronunciar-se na resposta; faz mesmo parte, como referimos na Parte II., do objeto do incidente. Assim, não se coloca em relação a ela a necessidade de um novo contraditório, nem se pode falar nunca em decisão-surpresa (art. 3.º/3 do CPC). Dito de outra forma, o Recorrido teve já possibilidade de se pronunciar sobre a questão – e, diga-se, que a exerceu–, quer perante a 1.ª instância, quando notificado do parecer do administrador judicial em que ela foi colocada, quer perante esta Relação, quando respondeu ao recurso.
Não resulta, também, qualquer preterição do duplo grau de jurisdição: conforme escreve Miguel Teixeira de Sousa (“Nulidade da sentença; regra da substituição – Jurisprudência 2019 (83)”, Blog do IPPC [4.11.2023]), “a garantia do duplo grau de jurisdição vale para cima, não para baixo. Quer isto dizer que a consagração do duplo grau de jurisdição visa assegurar que uma decisão possa ser apreciada por um tribunal superior, não que o tribunal superior tenha de fazer baixar o processo ao tribunal inferior para que este o aprecie e para que, depois, o processo lhe seja remetido em recurso para nova apreciação.” Acrescentamos que já no preâmbulo do DL nº 329-A/95, de 12.12, se afirmava expressamente a opção do legislador pela supressão de um grau de jurisdição, a qual seria, no seu entendimento largamente compensada pelos ganhos em termos de celeridade na apreciação das questões controvertidas pelo tribunal ad quem.
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IV.
1) Prosseguindo, passamos agora a enunciar os factos que estão provados pela prova documental constante do processo e que, em acrescento aos enunciados na Parte I., vão permitir fundamentar a resposta à questão enunciada na Parte I.:
1. Para a massa insolvente foram apreendidos dois imóveis, mais concretamente: A fração autónoma designada pela letra ..., destinada a habitação, do prédio constituído em propriedade horizontal, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da Freguesia de ... no Concelho ..., com VPT de 400.098,16 €; o prédio urbano sito à Rua ... no lugar de ..., Freguesia ..., Concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...40 daquela Freguesia, com VPT de 72.887,15 €.
2. Sobre aquela fração encontram-se registadas duas hipotecas voluntárias a favor da Banco 2..., S.A., mediante as AP. ...1 e ...2 de 04/08/2006, sendo que tais garantias vieram a ser cedidas a CC que assumiu a posição credora nos mútuos inerentes atendendo à sua qualidade de fiadora.
3. Está ainda registada uma hipoteca legal a favor do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., registada sob a AP. ...75 de 25/11/2022, que resulta num crédito garantido em 2º grau de 18.588,96€.
4. Sobre o prédio, encontra-se registada uma hipoteca a favor do EMP02..., S.A., sob a AP. ...46 de 03/03/2021, sendo que se veio a verificar a respetiva transmissão de créditos a favor da EMP03..., Lda., NIF: ...02, conforme resulta da AP.
5. Não foram apreendidos quaisquer outros bens, tudo conforme auto de apreensão junto ao apenso C cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.
6. Na sentença de reconhecimento e graduação de créditos, proferida no dia 12 de setembro de 2023, ainda não transitada, foram reconhecidos os seguintes créditos reclamados:
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7. Os créditos de DD, EMP04..., Lda., BB (ora Recorrente) e Herança Jacente aberta por óbito de EE foram reconhecidos como condicionais, ficando dependentes da prévia liquidação da sentença de qualificação proferida no processo n.º 2084/21...., do Juízo do comércio ... (Juiz ...).
8. No processo referido no ponto anterior, foi proferida sentença, no dia 6 de setembro de 2022, a qualificar a insolvência de EMP01... – Investimentos Turísticos, S.A., como culposa, ut art. 186/1, d), do CIRE, e a declarar afetado por tal qualificação o respetivo administrador AA, ora Recorrido, deferindo assim o pedido nesse sentido formulado pelos ali credores EMP04..., Lda.”, Herança Jacente aberta por óbito de FF, “Banco 2..., S.A.”, BB e GG.
9. Nela foi considerado como provado que: Através da inscrição com a ap. 5, de 31 de Maio de 2016, mostra-se registada a designação como administrador único de AA (f); A única acionista da sociedade comercial EMP01... – Investimentos Turísticos, S.A.” é a sociedade comercial “EMP05..., S.A.”, a qual tem como administrador único AA (r); A insolvente, a 13 de Maio de 2020, celebrou com a “Banco 2..., S.A.” um contrato de abertura de crédito, através do qual esta lhe emprestou a quantia de 500.000,00 euros, que aquela recebeu, nos termos e condições constantes do documento junto com o parecer do Sr. Administrador da Insolvência (aaa); Tal empréstimo destinava-se exclusivamente a financiar necessidades de tesouraria, ao abrigo da Linha Específica “Covid 19 – Apoio Empresas do Turismo”, criada pelo Protocolo que definiu uma linha de apoio com a designação “Linha de Apoio à Economia – Covid-19”, celebrado entre o “EMP06..., I.P.”, a “EMP07..., S.A.”, na qualidade de Sociedade EMP08..., a “... – Sociedade de Garantia Mútua, S.A.”, a “EMP09..., S.A.”, a “EMP10..., S.A.”, a “EMP11..., S.A.” e a “Banco 2..., S.A.” (bbb); A “EMP11..., S.A.” prestou a favor da “Banco 2..., S.A.” uma garantia autónoma, à primeira solicitação, em garantia de 90% ou 80% do capital em cada momento em dívida, nos termos previstos no referido contrato [cláusula 18.] (ccc); A insolvente, em 2020, transferiu, da conta bancária titulada junto da “Banco 2..., S.A.” com o n.º ...30, para a sua única acionista “EMP05..., S.A.” o valor total de 356.000,00 euros, nos seguintes termos: O montante de 5.000,00 euros a 8 de Janeiro de 2020; O montante de 10.000,00 euros a 17 de Janeiro de 2020; O montante de 5.000,00 euros a 24 de Janeiro de 2020; O montante de 30.000,00 euros a 31 de Janeiro de 2020; O montante de 5.000,00 euros a 24 de Fevereiro de 2020; O montante de 6.000,00 euros a 6 de Março de 2020; O montante de 5.000,00 euros a 29 de Maio de 2020; O montante de 250.000,00 euros a 2 de Junho de 2020 e O montante de 40.000,00 euros a 29 de Junho de 2020 (ddd); Após tais movimentações, entre outras, a conta bancária encontra-se saldada desde 16 de Abril de 2021 (eee); A insolvente, a 26 de Março de 2020, transferiu, da conta bancária titulada junto da “Banco 2..., S.A.” com o n.º ...30, para a sua única acionista “EMP05..., S.A.” o montante de 5.000,00 euros (fff); Após tal movimentação, entre outras, a conta bancária encontra-se saldada desde 16 de Abril de 2021 (ggg); A insolvente transferiu, da conta bancária titulada junto do “Banco 3..., S.A.” com o n.º ...01, para a sua única acionista “EMP05..., S.A.” o montante de 2.000,00 euros, a 2 de Janeiro de 2020, e o montante de 592,44 euros, a 30 de Janeiro de 2020 (hhh); Após tais movimentações, entre outras, a conta bancária apresentava, a 8 de Junho de 2021, o saldo de 332,52 euros (iii); A insolvente transferiu, da conta bancária titulada junto da “Banco 4..., S.A.” com o IBAN ...05, para a sua única acionista “EMP05..., S.A.” o valor global de 190.000,00 euros, nos seguintes termos: O montante de 30.000,00 euros a 27 de Abril de 2020; O montante de 10.000,00 euros a 20 de Maio de 2020 e O montante de 150.000,00 euros a 29 de Maio de 2020 (jjj); Após tais movimentações, entre outras, a conta bancária apresentava, a 31 de Maio de 2021, o saldo de 20,00 euros (kkk); A acionista “EMP05..., S.A.”, no ano de 2020, transferiu para a insolvente o montante de 30.000,00 euros, a 4 de Fevereiro, o montante de 6.000,00 euros, a 6 de Março, e o montante de 10.000,00 euros, a 3 de Julho (lll); O montante de cerca de 440.000,00 euros que foi transferido para a única acionista, a “EMP05..., S.A.”, provinha do financiamento referido nas alíneas aaa) a ccc), destinado exclusivamente a financiar necessidades de tesouraria, ao abrigo da Linha Específica “Covid 19 – Apoio Empresas do Turismo (mmm).”
10. A sentença foi integralmente confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7 de fevereiro de 2023, tendo transitado em julgado, tudo conforme certidão judicial apresentada no apenso de reconhecimento e graduação de créditos sob a ref. Citius ...90.
11. No apenso G (qualificação da insolvência) foi proferida sentença, no dia 29.08.2023, a declarar a insolvência do ora Recorrido com fortuita.
12. Essa sentença foi notificada ao administrador da insolvência, aos credores reclamantes, inclusive ao Recorrente, e ao Recorrido, por termos eletrónicos registados no sistema informático de apoio à atividade dos tribunais no dia 30 de agosto de 2023.
13. Não foi interposto qualquer recurso dela.
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2) Antes de prosseguirmos impõe-se um parêntesis para notar que a sentença proferida no incidente de qualificação da insolvência n.º 2084/21...., em que foram partes o Recorrente e o Recorrido, produz aqui um efeito positivo, vinculando-nos ao que nela foi decidido.
Como é sabido, a força obrigatória da sentença transitada em julgado desdobra-se num duplo sentido: a um tempo, no da proibição de repetição da mesma pretensão ou questão, por via da exceção dilatória do caso julgado, prevista e regulada em especial nos arts. 577, i), 580 e 581 do CPC, que pode ser sintetizada através do brocardo non bis in idem; a outro, no da vinculação das partes e do tribunal a uma decisão anterior, a que corresponde o brocardo judicata pro veritate habetur.
Dito de outra forma, o caso julgado não tem apenas relevância negativa: como a doutrina[1] e a jurisprudência[2] reconhecem de forma unânime, o caso julgado material pode funcionar como exceção, com a referida relevância negativa, ou como autoridade, caso em que a sua relevância é positiva.
De acordo com Miguel Teixeira de Sousa, O Objeto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ, n.º 325, p. 168, os efeitos do caso julgado material projetam-se em processos ulteriores necessariamente como autoridade do caso julgado material, em que o conteúdo da decisão anterior constitui uma vinculação à decisão de distinto objeto posterior, ou como exceção de caso julgado, em que a existência da decisão anterior constitui um impedimento à decisão de idêntico objeto posterior.
O mesmo autor acrescenta (O Objeto cit.,pp. 171 – 172) que a diversidade entre os objetos de uma e outra ação torna prevalecente um efeito vinculativo, a autoridade de caso julgado material, e a identidade entre os objetos processuais torna preponderante um efeito impeditivo, a exceção de caso julgado. Aquela diversidade e esta identidade são os critérios para o estabelecimento da distinção entre o efeito vinculativo, a vinculação dos sujeitos à repetição e à não contradição da decisão transitada: a vinculação das partes à decisão transitada em processo subsequente com distinto objeto é assegurada pela vinculação à repetição e à não contradição do ato decisório e o impedimento à reapreciação do ato decisório transitado em processo subsequente com idêntico objeto é garantido pelo impedimento dos sujeitos à contradição e à repetição da decisão.
Deste modo, pode dizer-se que a questão da autoridade do caso julgado material respeita, sobretudo, à extensão da auctoritas rei iudicatae à solução das questões prejudiciais, assim denominadas as relativas a relações jurídicas distintas da deduzida em juízo pelo autor, mas de cuja existência ou inexistência dependa logicamente o teor da decisão do pedido, sobre as quais não ocorre decisão, mas simples cognitio.
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3) Encerrado o parêntesis, prosseguimos a fundamentação dizendo que o instituto da exoneração do passivo restante foi introduzido entre nós pelo CIRE (arts. 235 a 249), tendo por base o modelo do fresh start, com origem no ordenamento jurídico norte-americano (Bankruptcy Act de 1898), depois incorporado na legislação alemã (§§ 286 a 303 da InsO).
O modelo parte da constatação de que, numa economia de mercado, é comum que uma pessoa singular se torne devedora de créditos que excedem largamente a medida da sua capacidade patrimonial.
O que se pretende é evitar que aqueles que, tendo atuado de boa-fé, num sentido objetivo, enquanto norma de conduta, mas que, por circunstâncias várias, em virtude dos normais riscos associados à contratação, se viram na referida situação, sejam definitivamente afastados do mercado. Para tanto, procede-se à afetação, durante certo período de tempo após a conclusão do processo de insolvência, dos rendimentos do devedor à satisfação dos créditos remanescentes, produzindo-se, no final, a extinção daqueles que não puderam ser satisfeitos por essa via.[3] A intenção é, portanto, a de liberar o devedor das suas obrigações, realizando uma espécie de azzeramento da sua posição passiva remanescente, para que, “depois de aprendida a lição, ele possa retomar a sua vida e, se for o caso disso, o exercício da sua atividade económica ou empresarial” (Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª ed., Coimbra: Almedina, 2021, pp. 610-611).
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4) Como foi escrito, a exoneração do passivo restante encontra-se regulada nos arts. 235 a 249, integrada no título XII, relativo à insolvência das pessoas singulares.
Pode ser concedida quando os créditos da insolvência – i. é, todos os créditos de natureza patrimonial que existam sobre o insolvente ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data de declaração de insolvência (art. 47/1 e 2) – não obtenham pagamento integral no processo de insolvência ou nos três anos posteriores ao seu encerramento (art. 235, na redação da Lei n.º 9/2022, de 11.01).
Não existe, por contraposição, uma libertação quanto às dívidas da massa insolvente, previstas no art. 51, dada a sua natureza e o regime preferencial do seu pagamento.[4]
Apurados os créditos da insolvência e uma vez esgotada a massa insolvente sem que todos os créditos tenham ficado satisfeitos, o devedor pessoa singular fica adstrito ao pagamento dos credores, durante três anos, findos os quais, poderá ser-lhe judicialmente concedida a exoneração do passivo restante, uma vez cumpridos determinados requisitos.
Deste modo, a exoneração é, acima de tudo, uma medida de proteção do devedor (Assunção Cristas, “Exoneração do passivo restante”, Themis, Edição Especial – Novo Direito da Insolvência, 2005, p. 167). Com efeito, se não fosse declarado insolvente, o devedor teria de pagar a totalidade das suas dívidas, sem prejuízo da eventual prescrição (art. 309 do Código Civil), em respeito pelo princípio pacta sunt servanda.
De acordo com Catarina Serra (Lições cit., p. 614), o instituto tem, no entanto, vantagens que apresentam um alcance mais geral: ao constituir um estimulo à diligência processual do devedor, permite o início mais atempado do processo de insolvência, ajudando a atenuar uma das maiores preocupações do legislador – o chamado timing problem; por outro lado, permite a tendencial uniformização dos efeitos da declaração de insolvência, mais particularmente dos efeitos do encerramento do processo, estendendo aos devedores singulares o benefício exoneratório que resulta para as sociedades comerciais do registo do encerramento após o rateio final (art. 234/3), consequência da extinção da respetiva personalidade jurídica; finalmente, acaba por produzir um impacto positivo na economia: “quanto mais restrito é o acesso ao crédito – mais exigente quem o concede e mais responsável quem o pede – menor é o risco de sobreendividamento e menos provável a insolvência dos consumidores e dos empresários em nome individual.”
Já do ponto de vista dos credores, afigura-se duvidoso que o instituto apresente vantagens, ao contrário do que escrevem autores como Luís Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 9.ª ed., Coimbra: Almedina, 2017, p. 366, e Letícia Gomes Marques, “O regime especial de insolvência de pessoas singulares”, Revista de Direito e Ciência Política da Universidade Lusófona do Porto, 2013, n.º 2, p. 137, disponível em https://revistas.ulusofona.pt/index.php/rfdulp/article/view/3260 [20.09.2023], para quem a exoneração constituiu uma dupla oportunidade de satisfação dos seus créditos: durante o processo de insolvência e durante o chamado “período de cessão.” No mesmo sentido, RP 10.20.2020, 1066/13.9TJPRT.P1. Na verdade, com a exoneração, cada um dos credores fica novamente sujeito a um rateio. Para os credores da insolvência, esse rateio é restrito ao remanescente do pagamento dos credores a massa (art. 241/1, d)). Como nota Catarina Serra, Lições cit., p. 614, nota 1168, “[s]e não houvesse exoneração, não haveria rateio; a satisfação do credor dependeria apenas da sua diligência processual e da data de prescrição do seu crédito, o que não poucas vezes representaria um aumento do prazo para agir executivamente contra o devedor. O período de cinco anos [que a Lei n.º 9/2022, de 11.01, reduziu para três] não é, além do mais, suficientemente longo para que seja frequente o devedor reconstituir-se in bonis de forma a pagar, dentro desse período, de formas satisfatória, a todos os que permanecessem seus credores.”
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5) Segundo o art. 236/1, na redação do DL n.º 79/2017, de 30.06, “[o] pedido de exoneração do passivo restante é feito pelo devedor no requerimento de apresentação à insolvência ou no prazo de 10 dias posteriores à citação, e será sempre rejeitado, se for deduzido após a assembleia de apreciação do relatório, ou, no caso de dispensa da realização desta, após os 60 dias subsequentes à sentença que tenha declarado a insolvência; o juiz decide livremente sobre a admissão ou rejeição de pedido apresentado no período intermédio.”
Como resulta da sua inserção sistemática, já referida, o instituto não é aplicável às pessoas coletivas, entes que nem sequer dele necessitariam, na medida em que se dissolvem com a declaração de insolvência e veem, por conseguinte, a sua personalidade jurídica ser definitivamente extinta com o registo do encerramento da liquidação.
Em regra, sobre o devedor recai um dever de apresentação à insolvência nos 30 dias subsequentes ao conhecimento da sua situação insolvencial (art. 18/1). Se o devedor for titular de uma empresa, presume-se que ele conhece a sua situação de insolvência, de modo inilidível, se já não satisfizer há 3 meses as suas dívidas tributárias, de contribuições para a Segurança Social, entre outras (arts. 18/3 e 20/1, g)). Assim, se o devedor incumprir este dever de apresentação, presume-se a sua culpa grave (art. 186/3, a), ex vi do art. 186/4), mas não se indefere liminarmente o pedido de exoneração, a não ser que exista prejuízo para os credores e que o devedor soubesse, ou não pudesse ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspetiva séria de melhoria da sua situação económica (art. 238/1, d)).
Por conseguinte, o não cumprimento atempado do dever de apresentação à insolvência não significa que o pedido de exoneração seja tido como feito fora de prazo, uma vez que ainda terão de estar verificados cumulativamente estes requisitos.
Se o devedor não for titular de uma empresa na data em que incorre em insolvência, aquele dever não existe, tendo apenas o devedor de se apresentar à insolvência, no prazo de seis meses a contar da verificação da sua situação insolvencial, para que o pedido de exoneração não seja indeferido liminarmente (arts. 18/2 e 238/1, d)).
Assim sendo, se o pedido de exoneração for feito tempestivamente, o juiz terá sempre de admiti-lo para que seja submetido à assembleia de apreciação do relatório ou dos credores e do administrador da insolvência (art. 236/1 e 4).
Como se afigura evidente, este pedido é totalmente incompatível com um plano de insolvência (art. 237, c)), uma vez que os efeitos da exoneração já resultam da homologação deste (art. 197, c). Ademais, caso o devedor não tenha, aquando da apresentação de um plano de pagamentos, declarado pretender a exoneração do passivo restante, se o plano não for aprovado, esta não lhe pode ser concedida (art. 254). Daqui também resulta que quem for beneficiário de um plano de pagamentos não pode obter a exoneração do passivo restante e vice-versa.
Relativamente ao conteúdo do pedido, do requerimento deverá constar expressamente a declaração de que o devedor preenche os requisitos e se dispõe a observar todas as condições exigidas por lei para poder obter a exoneração (art. 236/3). Deverá estar nele contido, de modo expresso, o pedido de exoneração do passivo restante, a referência de que se encontram verificados todos os requisitos de que depende a exoneração e uma menção em como o devedor se dispõe a observar todas as condições que lhe serão impostas no despacho inicial.
A falta de um destes elementos terá como consequência imediata a prolação de despacho de aperfeiçoamento, por aplicação analógica do art. 27/ 1, b), que permite a correção de vícios sanáveis que afetem a petição inicial de declaração de insolvência.
Uma vez apresentado o requerimento de exoneração do passivo restante, o devedor goza do diferimento do pagamento das custas até à decisão final desse pedido, na parte em que as mesmas não sejam pagas pela massa insolvente e pelo seu rendimento disponível durante o período da cessão (art. 248). O mesmo sucede quanto à obrigação de reembolsar o organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça das remunerações e despesas do administrador da insolvência e do fiduciário que o organismo tenha suportado. Uma vez concedida a exoneração, o devedor beneficiará do pagamento em prestações de tais montantes, podendo decorrer este para lá dos 12 meses (art. 33 do Regulamento das Custas Processuais ex vi do art. 248/2).
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6) As consequências da exoneração do passivo restante explicam os especiais cuidados colocados pelo legislador na sua concessão que se refletem, desde logo, na previsão de várias etapas até ao alcançar daquele resultado.
Assim, o procedimento tem dois momentos fundamentais: o despacho inicial e o despacho de exoneração.
A liberação definitiva do devedor quanto ao passivo restante não é concedida, nem faria sentido que o fosse, logo no início do procedimento, quando é proferido o despacho inicial (art. 239/1).
Nessa fase, o que está em causa é, no dizer se Assunção Cristas, ob. cit., pp. 169-170, o “aferir o preenchimento de requisitos, substantivos, que se destinam a perceber se o devedor merece que uma nova oportunidade lhe seja dada. Ainda não é a oportunidade de iniciar a vida de novo, liberado de dívidas, mas a oportunidade de se submeter a um período probatório que, no final, pode resultar num desfecho que lhe seja favorável.”
No fundo, citando o Ac. do TC n.º 487/2008, de 7.10.2018, “o despacho inicial em questão só “promete” conceder a exoneração efetiva do passivo restante, se o devedor ao longo de cinco anos [agora três], observar certo comportamento que lhe é imposto no despacho liminar nos termos legais. A liberação definitiva do devedor quanto ao passivo restante apenas é concedida pelo despacho regulado no artigo 244.º, do CIRE, após ter decorrido o período de cinco anos [agora três] sobre o encerramento do processo de insolvência e se, entretanto, não tiver havido fundamento para a cessação antecipada do procedimento de exoneração, nos termos do artigo 243.º, do CIRE.”
Neste contexto, compreende-se que o CIRE tenha estabelecido fundamentos que justificam a não concessão da exoneração do passivo restante, os quais, grosso modo, se traduzem em comportamentos do devedor relativos à sua situação de insolvência e que para ela contribuíram ou a agravaram ou que redundam no incumprimento de deveres processuais. É que, como se sintetiza em RC 7.03.2017, 2891/16.4T8VIS.C1, “i) a exoneração do passivo restante corresponde a um instituto jurídico de exceção, pois que por via do mesmo se concede ao devedor o benefício de se libertar de algumas das suas dívidas e de por essa via se reabilitar economicamente, inteiramente à custa do património dos credores; ii) a excecionalidade desse instituto exige que o recurso ao mesmo só possa ser reconhecido ao devedor que tenha pautado a sua conduta por regras de transparência e de boa-fé, no tocante às suas concretas condições económicas e padrão de vida adotado, à ponderação e proteção dos interesses dos credores, e ao cumprimento dos deveres para ele emergentes do regime jurídico da insolvência, em contrapartida do que se lhe concede aquele benefício excecional.”
Os referidos fundamentos podem operar em vários momentos do procedimento de exoneração: no da apreciação liminar do pedido de exoneração (art. 238/1); no da cessação antecipada do procedimento de exoneração (art. 243/1, b); no da recusa da exoneração (art. 244/2); no da revogação da exoneração (art. 246/1).
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7) Os fundamentos de indeferimento liminar, expressão que é usada, no art. 238/1, com um significado diferente do que lhe é atribuído no direito processual comum (art. 590/1 do CPC), posto que quase todos os previstos implicam a produção de prova e obrigam a uma apreciação de mérito por parte do juiz (Assunção Cristas, loc. cit., p. 169), estão previstos, de forma taxativa (RG 3.12.2020, 1851/20.5T8VNF.G1 ), no n.º 1 do art. 238.
Assim, “[o] pedido de exoneração é liminarmente indeferido se:
“a) For apresentado fora de prazo;
b) O devedor, com dolo ou culpa grave, tiver fornecido por escrito, nos três anos anteriores à data do início do processo de insolvência, informações falsas ou incompletas sobre as suas circunstâncias económicas com vista à obtenção de crédito ou de subsídios de instituições públicas ou a fim de evitar pagamentos a instituições dessa natureza;
c) O devedor tiver já beneficiado da exoneração do passivo restante nos 10 anos anteriores à data do início do processo de insolvência;
d) O devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspetiva séria de melhoria da sua situação económica;
e) Constarem já no processo, ou forem fornecidos até ao momento da decisão, pelos credores ou pelo administrador da insolvência, elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186.º;
f) O devedor tiver sido condenado por sentença transitada em julgado por algum dos crimes previstos e punidos nos artigos 227.º a 229.º do Código Penal nos 10 anos anteriores à data da entrada em juízo do pedido de declaração da insolvência ou posteriormente a esta data;
g) O devedor, com dolo ou culpa grave, tiver violado os deveres de informação, apresentação e colaboração que para ele resultam do presente Código, no decurso do processo de insolvência.”
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8) A jurisprudência, quando chamada a pronunciar-se, em especial sobre o fundamento previsto na alínea d), tem partilhado, com uma quase unanimidade, o entendimento de que a não verificação daqueles fundamentos não é facto constitutivo do direito do devedor à exoneração do passivo restante; pelo contrário, a verificação de tais fundamentos constitui facto impeditivo do direito, que assume uma natureza potestativa, pelo que, por aplicação da regra do art. 342/2 do Código Civil, o ónus da prova, que pressupõe a prévia alegação[5], recai sobre os credores ou sobre o administrador da insolvência. A título de exemplo, podem citar-se os seguintes arestos: STJ 21.10.2010 (3850/09.TBVLG-D.P1.S1), 6.07.2011 (7295/08.BTBBRG.G1.S1), 24.01.2012 (152/10TBBRG-E.G1.S1), 19.04.2012 (434/11.5TJCBR-D.C1.S1), 19.06.2012 (1239/11.9TBBRG-E.G1-S1), 21.02.2013 (542/10.0TBLNH.L1-6), 21.01.2014 (497/13.9TBSTR-E.E1.S1), 27.03.2014 (331/13.0T2STC.E1.S1), 17.06.2014 (985/12.4T2AVR.C1.S1); RL 24.04.2012 (14725/11.1T2SNT-C.L1-7), 28.11.2013 (9507/12.6TBCSC-C.L1-8), 12.12.2013 (1367/13.6TJLSB-C.L1-6), 20.02.2014 (4233/12.9TJLSB-C.L1-2), 5.03.2015 (247/13.0TJLSB-C.L1-2), 8.07.2021 (2475/20.2T8VFX-B.L1-1); RP 27.09.2011 (3713/10.5TBVLG-E.P1), 19.12.2012 (3087/11.7TBVCD.P1); RG 8.06.2017 (3481/16.7T8VNF-C.G1), 23.11.2017 (7111/15.6T8VNF-G.G1), 19.11.2020 (3755/19.5T8GMR-D.G1), 3.12.2020 (1851/20.5T8VNF.G1); RC 25.10.2011 (96/11.0T2AVR-D.C1) e 7.03.2017 (2891/16.4T8VIS.C1). Na doutrina, vide Carvalho Fernandes / João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª ed., Lisboa: Quid Juris, 2015, p. 865.
Não questionando a bondade desta jurisprudência, afigura-se, no entanto, que a afirmação nela contida tem de ser devidamente concatenada com a norma do art. 238/2 na parte em que esta impõe o indeferimento liminar, sem necessidade de audição prévia dos credores ou do administrador da insolvência, nos casos em que o pedido tenha sido apresentado fora do prazo ou em que conste já dos autos documento autêntico comprovativo de algum dos factos referidos no n.º 1. Significa isto que, nestas situações, o juiz deve indeferir liminarmente o pedido ex officio.
Por outro lado, em RC 16.04.2013 (2488/11.5TBFIG-J.C1), chama-se a atenção para o princípio do inquisitório, consagrado no art. 11 e indiscutivelmente aplicável ao incidente de exoneração do passivo restante (Ana Prata / Jorge Morais Carvalho / Rui Simões, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Coimbra: Almedina, 2013, p. 39; RP 6.06.2013, 193/12.4TYVNG-C.P1; contra RE 12.04.2018, 569/16.8T8OLH.E1), do qual resulta que o juiz pode fundamentar a sua decisão em factos que não tenham sido alegados pelas partes. Perante esta última consideração, escreve-se em RP 18.11.2013 (2510/13.0TBVFR-C.P1) que “o realce que se dá à questão do ónus de prova, esquece o princípio do inquisitório, expressamente previsto no artigo 11 do CIRE.”
A nosso ver, a questão do ónus da prova funciona a jusante, ao nível das regras de decisão. Assim, o que sucede é que, uma vez observado o antecedente ónus de alegação, os factos que aproveitam à parte, assim como outros factos essenciais que integrem a mesma previsão normativa, podem ser considerados como provados em resultado da atividade desenvolvida pelo tribunal e não pela parte a quem aproveitam, tudo com base no referido princípio do inquisitório, conjugado com o da aquisição processual genericamente consagrado no art. 413 do CPC. Deste modo, a afirmação de que o ónus da prova recai sobre os credores e sobre o administrador da insolvência significa essencialmente que eles suportam as consequências da falta de prova dos factos essenciais alegados – ou de outros que pudessem ser investigados – e não que têm de efetuar a prova deles, consideração que permite conjugar a afirmação contida na indicada jurisprudência, com o princípio do inquisitório.
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9) No presente recurso está em causa apenas o fundamento da citada alínea e), o qual constitui, como justamente assinala Alexandre de Soveral Martins (Um Curso de Direito da Insolvência, I, 4.ª ed., Coimbra: Almedina, 2022, p. 618), um “dos mais perigosos de toda a lista. Como é fácil de ver, o juiz irá decidir sobre o pedido de exoneração do passivo restante sem ter ainda decidido que a insolvência é culposa”, situação que decorrerá, no comum dos casos, do disposto no art. 188/1 do CIRE.
Na verdade, para efeitos de decisão liminar, não é exigida decisão judicial de qualificação da insolvência como culposa. Se esta vier a ser proferida, o procedimento de exoneração em que tenha sido proferido despacho inicial de exoneração cessa antecipadamente (art. 243/1, c)). Nesta linha, a jurisprudência discute a conciliação do incidente de qualificação da insolvência com este juízo de antecipação a fazer pelo juiz, concluindo que: (i) se for aberto incidente, a decisão final de qualificação, seja ela culposa ou fortuita, vincula o tribunal no âmbito da exoneração; (ii) se não for aberto incidente, mesmo que a insolvência seja qualificada como fortuita para efeitos de encerramento do processo de insolvência (art. 233/6), não há caso julgado que impeça o juiz de indeferir o pedido de exoneração com base na al. e) do n.º 1 do art. 238. No sentido da 1.ª asserção, argumenta-se que o art. 185 permite a interpretação, a contrario, de que, nas demais ações não mencionadas, a qualificação atribuída é vinculativa. Assim, RC 29.02.2012 (170/11.2TMGR-C.C1) que, para evitar julgados contraditórios, não indeferiu o pedido de exoneração com base na al. e), apesar de a considerar preenchida, porque já existia no processo decisão judicial que qualificava a insolvência como fortuita. De igual modo, RC 24.04.2012 (399/11.3TBSEI-E.C1), RP 4.03.2013 (1043/12.7TBOAZ-E.P1), RG 24.04.2014 (159/13.7TBPTB-F.G1), RG 3.04.2014 (1084/13.7TBFAF-H.G1), RG 11.06.2015 (3546/11.1TBGMR-H.G1) e RG 8.03.2018 (826/14.8TBGMR-F.G1). No sentido da 2.ª, aponta-se para o facto de tal qualificação decorrer diretamente da lei, sem avaliação material por parte do juiz, o que não permite presumir a falta de culpa ou a possibilidade de verificar a sua existência no incidente de exoneração. Assim, RG 17.12.2018 (667/18.3T8GMR-B.G1), RP 17.06.2019 (1247/18.9T8AMT-B.P1), RP de 06.09.2021 (2184/20.2T8STS-D.P1) e RL 26.10.2021, (22213/20.0T8BRR.L1-1).
O juízo que se exige é de mera probabilidade, ainda que forte, ideia que é transmitida pelo uso do adjetivo “toda.” Significa isto que se, por um lado, não bastam para preencher esta alínea meras suposições ou conjeturas, por outro, não se exige um juízo de certeza semelhante ao que deve ser observado no momento em que o juiz profere a sentença de qualificação da insolvência. Como, a propósito, se escreve no citado RG 17.12.2018 (667/18.3T8GMR-B.G1), relatado pelo Desembargador José Amaral, o que se exige são “indícios (…) da probabilidade. Não demonstração da realidade”, o que se compreende “porque, na qualificação, está em causa um juízo definitivo sobre a responsabilidade pela insolvência, a fazer e a declarar em sentença, com efeitos pessoais e patrimoniais severos, aliás dependentes da modalidade e grau de culpa considerados, no caso de transitar em julgado a declaração de que foi culposa. Enquanto que, na exoneração, se trata apenas de viabilizar a possibilidade de concessão de um benefício extraordinário ao devedor insolvente, sujeito ainda a prova durante o longo período de cinco anos, com todas as implicações que tal duração acarreta, mas que o legislador entendeu logo de impedir e rejeitar ad limine quando se verifiquem circunstâncias que o indiciem como desmerecido ou façam perspetivar como inconsequente e apenas redundantes num perdão da dívida, como é o caso de se perfilarem indícios de que, com toda a probabilidade, existem indícios de culpa na criação ou agravamento da situação de insolvência.”
Da remissão feita na parte final da norma para o art. 186 resulta que é pressuposto do seu preenchimento a existência de um comportamento do devedor, dentro de um certo limite temporal (três anos anteriores ao início do processo de insolvência, sem prejuízo do disposto no art. 4.º/2), a existência de dolo ou culpa grave e, finalmente, uma relação causal entre aquele comportamento e a criação ou agravamento da situação de insolvência.
Os conceitos de causalidade, dolo e culpa grave devem ser entendidos, na falta de indicação em contrário, nos termos gerais de Direito, conforme referem Carvalho Fernandes / João Labareda (CIRE Anotado, II, Lisboa: Quid Iuris, 2005, p. 14).
É ponto assente que, para a existência de causalidade entre o facto e o dano (rectius, a situação de insolvência ou o agravamento desta),não basta que aquele tenha sido em concreto causa deste em termos de conditio sine qua non; é necessário que, em abstrato, seja também adequado a produzi-lo, segundo o curso normal das coisas (vide, por todos, Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9.ª ed., Coimbra: Almedina, 2001, p. 708).
A averiguação da adequação abstrata do facto a produzir o dano só pode ser realizada a posteriori (prognose póstuma). A doutrina da adequação, tratada sobretudo a propósito da responsabilidade civil e da responsabilidade criminal, aceita que essa avaliação tome por base não apenas as circunstâncias normais que levariam um observador externo a efetuar um juízo de previsibilidade, mas também circunstâncias anormais, desde que recognoscíveis ou conhecidas pelo agente. É esta a teoria que se encontra consagrada no art. 563 do Código Civil: a introdução, na norma, do advérbio provavelmente faz supor que não está em causa apenas a imprescindibilidade da condição para o desencadear do processo causal, exigindo-se ainda que essa condição, de acordo com um juízo de probabilidade, seja idónea a produzir um dano (cf. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, II, 4.ª ed., Coimbra: Almedina, 2005, p. 326. Na jurisprudência, STJ 15.01.2002, CJ-STJ, IX, t. 1, pp. 36 a 38).
Mais que o nexo de imputação objetiva da situação de insolvência à conduta do insolvente, o legislador exige o dolo ou a culpa grave como pressuposto da qualificação da insolvência.
Recorrendo, também neste ponto, à teoria geral do direito das obrigações, diremos que a conceção tradicional da culpa como o nexo de imputação do ato ao agente, que se considerava existir sempre que o ato resultasse da sua vontade – ou seja, quando lhe fosse psicologicamente atribuível (Pessoa Jorge, Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, Lisboa: Centro de Estudos Fiscais, 1968, p. 321) –, foi substituída por uma definição de culpa em sentido normativo como um juízo de censura ao comportamento do agente. A culpa, ensina Menezes Leitão (ob. cit., p. 296), éatualmente, entendida como o juízo de censura ao agente por ter adotado a conduta que adotou, quando de acordo com o comando legal estaria obrigado a adotar conduta diferente. “Deve, por isso, ser entendida em sentido normativo, como a omissão da diligência que seria exigível ao agente de acordo com o padrão de conduta que a lei impõe. Nestes termos, o juízo de culpa representa um desvalor atribuído pela ordem jurídica ao facto voluntário do agente, que é visto como axiologicamente reprovável.”
É sabido que existem duas formas de culpa: o dolo e a negligência (cf. art. 483/1 do Código Civil). O dolo corresponde à intenção do agente de praticar o facto. Já na negligência, não se verifica essa intenção, mas o comportamento do agente não deixa de ser censurável em virtude de ter omitido a diligência a que estava legalmente obrigado.
A apreciação do grau de diligência exigível – e, logo, do grau de censura que a conduta do agente merece – pode ser feita por um de dois critérios: (i)) um que aponta para a apreciação da culpa em concreto, exigindo ao agente a diligência que ele põe habitualmente nos seus próprios negócios ou de que é capaz; (ii)) um que aponta para a apreciação da culpa em abstrato, exigindo a lei ao agente a diligência padrão dos membros da sociedade, a qual é naturalmente a diligência do homem médio ou, como diziam os romanos, do bonus pater familias (Menezes Leitão, ob. cit., p. 302).
O Código Civil prevê, no art. 487/2, o critério de apreciação da culpa na responsabilidade delitual – que vale, também, para a responsabilidade obrigacional (art. 799/2). Segundo o texto, a “culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, segundo as circunstâncias do caso” - ou seja, o legislador civil aponta para o critério da apreciação da culpa em abstrato, não deixando de exigir, todavia, uma análise das circunstâncias do caso, ou seja, do circunstancialismo da situação e do tipo de atividade em causa (Menezes Leitão, ob. cit., p. 303).
No art. 186/1 do CIRE, à semelhança do que sucede com alguns preceitos do Código Civil (v.g., arts. 494, 490, 497/1, 507/2 e 570), o legislador alude à ideia de graduação da culpa, implicando o recurso à denominada teoria das três culpas, aceite no nosso direito antigo, que, dentro da culpa stricto sensu, distinguia entre culpa grave, leve e levíssima. Como dá nota Pessoa Jorge (Ensaio…, p. 357), na formulação mais generalizada, que vem dos romanos, a culpa levíssima corresponde ao grau menos grave de culpa, traduzindo a negligência em que só não cai um homem excecionalmente diligente, o diligentissimus pater famílias; a culpa leve corresponde à negligência que seria evitada pelo homem mediano, o bonus pater familias; a culpa grave (também chamada de lata) traduz-se na negligência grosseira, só cometida por um homem excecionalmente descuidado (culpa lata est non intelligere quod omnes intelligunt, na expressão latina). Tradicionalmente, considerava-se aplicável à culpa grave o regime do dolo (culpa lata dolo aequiparatur).
Uma vez que, como vimos, o art. 487/2 só considera como culposa a omissão da diligência do bom pai de família, a categoria da culpa levíssima é agora inócua no domínio da responsabilidade civil. A distinção entre a culpa grave e a culpa leve continua a revestir interesse prático: para além do art. 186/1 do CIRE, exigem aquela para responsabilizar o agente o art. 1323/4 do Código Civil e o art. 10.º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças (Menezes Leitão, ibidem).
São exemplos típicos de factos enquadráveis nesta alínea os gastos descontextualizados com a situação económica familiar e pessoal do devedor (RP 8.6.2010, 243/09.1TJPRT-D.P1), a concessão de vantagens especiais a certos credores da insolvência, nomeadamente familiares, violando o princípio da igualdade de todos os credores, a contração de dívidas como testa-de-ferro de familiares (RC 4.10.2011, 306/11.3TBTMR.C1), a contração de créditos para consumo, muito para além das suas reais possibilidades financeiras (RC 22.03.2011, 1651/10.0TBFIG-C.C1), o incumprimento de dois contratos promessa de compra e venda de imóvel para habitação, com a perda do sinal prestado (RL 3.11.2011 653/11.4TJLSB-A.L1-8) ou a doação efetuada pelo devedor aos filhos, durante os três anos anteriores ao início do processo de insolvência (RC 19.10.2020, 6505/19.2T8CBR-E.C1).
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10) Isto dito, no caso vertente, afigura-se que está demonstrado que o Recorrido praticou, nos três anos que antecederam o início do processo, atos dos quais resultou, de forma direta, o agravamento da situação de insolvência da sociedade de que era administrador e, de forma indireta, o agravamento da sua situação pessoal de insolvência.
Estamos a referir-nos às disposições patrimoniais que, atuando a vontade societária, que ele próprio formada, fez disposições patrimoniais em benefício da acionista única daquela. Com isso, reduziu o ativo patrimonial da sociedade de que era administrador, o qual garantia o cumprimento das respetivas obrigações (art. 601 do Código Civil), e, por decorrência, onerou o seu património pessoal, posto que se obrigara, através da subscrição de avales, perante um dos credores daquela.
Afigura-se, no entanto, que essa é uma discussão que, no presente, não reveste qualquer utilidade. Como também não reveste qualquer utilidade apurar se esse comportamento merece o juízo de censura pressuposto pela norma do n.º 1 do art. 186 do CIRE. E por uma razão simples: como resulta da fundamentação de facto, já foi proferida e transitou em julgado a sentença que qualificou a insolvência como fortuita. Esta infirma o juízo de probabilidade forte que poderíamos fazer com base nos referidos factos.
Ora, quando se atente nas referências que fizemos a propósito do instituto do caso julgado e se conjuguem as mesmas com o entendimento jurisprudencial acerca da conciliação do incidente de qualificação da insolvência com o juízo de antecipação pressuposto na norma do art. 238/1, e), tem de concluir-se que se a decisão daquele anteceder este, como sucede no caso, ela vincula o julgador. Neste sentido, pode-se ler-se em RP 28.01.2014 (435/13.9TBPFR-C.P1), relatado pelo agora Conselheiro Vieira e Cunha, perante uma situação de facto semelhante, o seguinte:
“A questão pode também ser observada sob o ângulo da autoridade do caso julgado formado pela decisão da qualificação da insolvência no indeferimento do pedido de exoneração do passivo restante, à luz da norma do artº 238º nº1 al.e) CIRE.
Como é sabido, nos termos do artº 619º nº1 NCPCiv, transitada em julgado a sentença, o respectivo conteúdo fica tendo força obrigatória no processo e fora dele, nos limites fixados nos artºs 580º e 581º NCPCiv.
Pode assim estabelecer-se, consoante a lição do Prof. M. Teixeira de Sousa, O Objeto da Sentença e o Caso Julgado Material, Bol.325/159 a 179, que se o objeto do processo precedente não esgota o objeto do processo subsequente, ocorrendo relação de dependência ou de prejudicialidade entre os dois distintos objetos, há lugar à autoridade ou força de caso julgado.
A questão dos autos está pois em que existe um precedente no julgado em matéria de qualificação da insolvência que remete diretamente para o disposto no artº 238º nº1 al.e), assim interferindo com a integração da norma nos factos apurados no processo.
E tratando-se, no caso da qualificação da insolvência, de um julgado vinculativo, não há como fugir à conclusão de que os elementos a que se reporta a citada al.e) do nº1 do artº 238º foram já, na sua integralidade, apreciados, no processo, por forma a lhes retirar completa relevância para efeitos da conclusão sobre “culpa do devedor, na criação ou no agravamento da situação de insolvência, nos termos do artº 186º.”
Deste modo, resta concluir que o recurso está condenado à improcedência, em decorrência do trânsito em julgado da sentença que qualificou a insolvência como fortuita, proferida no apenso G.
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11) Vencido, o Recorrente deve suportar as custas: art. 527/1 e 2 do CPC.
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V.
Nestes termos, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o presente coletivo da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em:
Não conhecer do objeto do recurso no que tange às conclusões 7 a 11 das respetivas alegações por, nessa parte, estar em causa o conhecimento de questão nova, que não foi oportunamente colocada ao conhecimento da 1.ª instância;
Julgar o presente recurso de apelação improcedente, mantendo, assim, a decisão recorrida;
Condenar o Recorrente no pagamento das custas do recurso.
Notifique.
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Guimarães, 23 de novembro de 2023
Os Juízes Desembargadores,
Gonçalo Oliveira Magalhães (Relator)
Maria Gorete Morais (1.ª Adjunta)
José Alberto Moreira Dias (2.º Adjunto)
[1] Sobre a questão, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, reimpressão, Coimbra: Coimbra Editora, 1993, p. 305; Castro Mendes, Limites Objetivos do Caso Julgado em Processo Civil, Lisboa: Ática, 1968, p. 162; Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2.ª ed., Lisboa: Lex, 1997, p. 576, e O Objeto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ 325, p. 167, Antunes Varela / Miguel Bezerra / Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, p. 703, nota 1; Mariana França Gouveia, A Causa de Pedir na Ação Declarativa, Coimbra: Almedina, 2004, p. 394; Lebre de Freitas / Montalvão Machado / Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, II, Coimbra: Coimbra Editora, 2001, p. 325 – 326; Rui Pinto, “Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias”, Julgar Online, disponível em https://julgar.pt/excecao-e-autoridade-de-caso-julgado-algumas-notas-provisorias/ [13.09.2023]; Lebre de Freitas, “Um polvo chamado autoridade do caso julgado”, ROA, ano 79, n.os 3-4 (jul.-dez. 2019), pp. 691-722. [2]Inter alia, os seguintes arestos do STJ: 30.04.2019 (4435/18.4T8MAI.S1), 14.09.2022 (24558/19.1T8LSB.L1.S1), 2.03.2023 (6055/18.4T8ALM.L1.S1), 12.04.2023 (979/21.9T8VFR.P1.S1), 30.05.2023 (3358/20.1T8BRG.G1.S1) e 4.07.2023 (142/15.8T8CBC-C.G1.S1). [3] No entender de Paulo Mota Pinto, “Exoneração do passivo restante: fundamento e constitucionalidade”, AAVV, Catarina Serra (coord.), III Congresso de Direito da Insolvência, Coimbra: Almedina, 2015, pp. 195, as obrigações continuam a existir, não como obrigações civis, suscetíveis de execução judicial, mas como obrigações naturais, cujo cumprimento, não sendo judicialmente exigível, corresponde a um dever de justiça. [4] Para maiores desenvolvimentos, vide a exaustiva exposição feita em RG 7.10.2021 (1/08.0TJVNF-ET.G1), relatado pelo Desembargador José Alberto Moreira Dias, aqui 1.º Adjunto. [5] Em regra, há coincidência entre o ónus da alegação e o ónus da prova (arts. 342/1 e 2 e 343/1 do Código Civil). A regra cessa quando a lei ou as partes determinam a inversão do ónus da prova, o que sucede nos casos em que existe uma presunção legal (art. 344/1 do Código Civil), a dispensa ou liberação legal do ónus da prova (art. 344/1 do Código Civil), a dispensa ou liberação convencional do ónus da prova (arts. 344/1 e 345/1 do Código Civil) ou a impossibilitação culposa da prova pela contraparte do onerado (art. 344/2 do Código Civil). A propósito, vide Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum, Coimbra: Coimbra Editora, 2000, pp. 183 e ss.., e Rita Lynce de Faria, A Inversão do Ónus da Prova no Direito Civil Português, Lisboa: Lex, 2001, pp. 33 e ss.. Em nenhum dos apontados casos a inversão do ónus da prova dispensa do ónus da alegação, que se mantém.