CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
RENOVAÇÃO DO CONTRATO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Sumário


1 – Nos arrendamentos para habitação, a liberdade dos contraentes para modelarem o conteúdo do contrato sofre as limitações resultantes do disposto na Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro.
2 – Assim, na sequência da alteração introduzida no n.º 1 do art.º 1096.º do Código Civil pela citada Lei n.º 13/2019, de 12.02, os contratos de arrendamento habitacionais, com prazo certo, quando renováveis, estão sujeitos à renovação pelo prazo mínimo de três anos.
3 – Com efeito, embora as partes possam convencionar a exclusão da possibilidade de qualquer renovação, só terão liberdade para convencionar prazo de renovação igual ou superior a três anos, impondo o legislador imperativamente um prazo mínimo de renovação de três anos.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral


ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

I – RELATÓRIO
A autora “Direito & Matos, Lda” intentou o presente procedimento especial de despejo contra a ré AA, tendo peticionado o despejo desta, com fundamento na cessação do contrato de arrendamento para habitação com ela celebrado em 24.02.2014 e que teve por objecto a fracção autónoma designada pela letra “C” correspondente ao 1.º andar esquerdo do prédio urbano, denominado de Lote n.º..., sito na Praceta ..., Urbanização ..., freguesia e concelho de Portimão.
A autora considera cessada a relação locatícia na data de 01.03.2023, em consequência da oposição à renovação pelo senhorio, expressa nas comunicações que dirigiu à ré, primeiro através de notificação judicial avulsa requerida em 08.06.2022, que não foi possível concretizar, mas a que se seguiu o envio a 24.08.2022 de carta registada com aviso de recepção tendente a comunicar o conteúdo da referida notificação.
A ré deduziu oposição ao despejo, sustentando que o contrato de arrendamento não cessou.
Findos os articulados, e na consideração de que os factos assentes permitem o conhecimento do mérito da causa, ao abrigo do disposto no artigo 15.º H, n.ºs 3 e 4, do Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, foi de imediato proferida sentença.
Nessa sentença foi julgado improcedente o presente procedimento especial de despejo e consequentemente absolvida a ré do pedido de despejo formulado pela autora.

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II – O RECURSO
Inconformada com o decidido, a autora intentou então o presente recurso de apelação, apresentando as suas alegações, que terminou com as seguintes conclusões:
I. Vem o presente recurso, interposto da douta sentença proferida nos autos, que:
a) Julgou o procedimento especial de despejo improcedente;
b) Absolveu a Ré do pedido formulado pela Autora;
c) Custas a cargo da Autora, nos termos do art.º 527º do CPC.
II. Salvo o devido respeito, entende a Recorrente que a sentença recorrida enferma, desde logo:
a) Uma errada interpretação e aplicação do artigo 1096º do Código Civil, na redação dada pela Lei 13/2019, mormente quanto à renovação do contrato pelo prazo de 3 anos, com a sua entrada em vigor,
b) Porquanto veio a Mm.ª Juiz na fundamentação da douta sentença considerar que o contrato in casu, nos presentes autos, se renovou, por aplicação do supracitado diploma, a 1/03/2019, pelo período de 3 anos, e posteriormente, se voltou a renovar por mais 3 anos, até 01/03/2025.Mais considerou a Mm.ª Juiz a quo, que,
c) “A ré é legítima ocupante do imóvel locado e que as comunicações que
foram tentadas concretizar pela autora – em 08.06.2022 (com frustração certificada em 29.07.2022) e em 24.08.2022 – não poderão produzir um efeito extintivo, no caso por caducidade, do arrendamento, com referência à data pretendida de 01.03.2023, em face das sucessivas renovações ocorridas.”
III. Salvo o devido respeito, entende a Recorrente que a Mm.ª Juiz de Direito não fez uma correta aplicação do direito, porquanto,
IV. A Recorrente e a Recorrida celebraram contrato de arrendamento com
prazo certo em 24/02/2014, com início em 01/03/2014 e termo em 01/03/2015.
V. O contrato de arrendamento renovou-se, sucessivamente, pelo período de 1 ano, por 8 vezes consecutivas.
VI. Em 08/06/2022 a Recorrente solicitou a notificação da Recorrida, mediante Notificação Judicial Avulsa, com vista a dar-lhe conhecimento de que, ao abrigo da al. b) do n.º 1 e n.º 3 do artigo 1097º e artigo 1096º, ambos do Código Civil, se opunha à renovação do contrato, o qual cessaria os seus efeitos a 1 de Março de 2023.
VII. Não sendo possível realizar a notificação à Recorrida, foi emitida certidão negativa datada de 29/07/2022, na medida em que a Agente de Execução não logrou encontrar a Requerida.
VIII. Ao abrigo do n.º 3 do artigo 10º da Lei 6/2006 de 27 de Fevereiro, a Recorrente remeteu à Recorrida uma carta registada com aviso de receção, com o intuito de comunicar à Ré o conteúdo da Notificação Judicial Avulsa, na qual tinha declarado a oposição à renovação do alusivo contrato de arrendamento.
IX. Nos termos do disposto no n.º4 do artigo 10º do Novo Regime do Arrendamento Urbano, a comunicação considerou-se recebida no 10º dia posterior ao seu envio, porquanto a carta não foi levantada pela Recorrida.
X. Na data em que o contrato de arrendamento cessou a Recorrida não entregou o locado à Recorrente.
XI. Para esse efeito, a Recorrente apresentou um requerimento de despejo, no Balcão Nacional do Arrendamento, correndo a ação sob a forma de procedimento especial de despejo.
XII. No decorrer da fase administrativa não se verificou nenhum fundamento para a recusa do requerimento de despejo, nos termos do artigo 15º-C do NRAU.
XIII. Não se verificando motivos para a recusa do requerimento, o Balcão
nacional do Arrendamento notificou a Recorrida para esta a) desocupar o locado ou b) deduzir oposição à pretensão.
XIV. A Recorrida, notificada pelo BNA, apresentou a sua Oposição, alegando que a Recorrente não cumpriu o prazo de 240 dias, referente ao pré-aviso exigido por lei, porquanto o contrato vigorava há 9 anos.
XV. O Tribunal a quo veio decidir pela improcedência do pedido do despejo, não pelo alegado na Oposição Recorrida, mas sim pela aplicação e interpretação do n.º 1 do artigo 1096º do Código Civil, na sua nova redação.
XVI. O Tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação do artigo
1096º do Código Civil, ao decidir absolver a Recorrida do pedido.
XVII. A decisão recorrida assenta na improcedência do procedimento especial de despejo exclusivamente na ideia de que a alteração do n.º 1 do artigo 1096º, pela Lei 13/2019 de 12 de Fevereiro impede que as partes estejam vinculadas aos termos do contrato que subscreveram.
XVIII. Isto é, impede que a sua renovação tenha ocorrido apenas por um
ano, mas que este se renovou por três anos após entrada em vigor de tal diploma.
XIX. Mal andou também ao decidir pela improcedência do pedido da Recorrente e decidir que o contrato de arrendamento se encontra em vigor até 01/03/2025.
XX. As comunicações de oposição à renovação do contrato de arrendamento foram válidas e tempestivas, pelo que, o presente processo especial de despejo deveria ter sido considerando procedente, por cessação do contrato em 01/03/2023.
XXI. Data em que o imóvel deveria ter sido desocupado e entregue à Recorrente.
XXII. Até porque a Recorrente cumpriu com o que legalmente lhe era imposto, ao abrigo ao abrigo da al. b) do n.º 1 e n.º 3 do artigo 1097º e n.º 1 do artigo 1096º, ambos do Código Civil.
XXIII. A Recorrente validamente lançou mão do procedimento especial do
despejo, tendo demonstrado do BNA a efetiva cessação do contrato de arrendamento, por oposição à renovação.
XXIV. A letra do artigo 1096º do Código Civil, alterado pela Lei 13/2019 foi mal interpretada pelo Tribunal a quo, que lhe atribuiu caráter imperativo.
XXV. Quando tal norma assume caráter supletivo.
XXVI. O prazo de renovação automático do contrato de arrendamento, previsto no art.º 1096º do Código Civil, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019 de 12/02 é supletivo, encontrando-se abrangido pela ressalva da norma “salvo disposição em contrário”.
XXVII. Não poderá assumir natureza imperativa tal norma, relativamente à limitação temporal mínima de três anos, do período de duração do contrato de arrendamento, após a sua renovação, pois, mediante acordo das partes, esse período poderá ser reduzido até um ano.
XXVIII. Não se pode demonstrar a imperatividade da norma constante do
artigo 1096º do Código Civil, quer pela letra da lei, quer pelo espírito da Lei, porquanto vigora o princípio da liberdade contratual,
XXIX. Conforme disposto no artigo 405º do Código Civil, as partes podem
fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos na lei ou neles incluir as cláusulas que lhes aprouver.
XXX. A decisão recorrida viola o disposto no artigo 405º, o n.º 1 do artigo
1096º e n.º 3 do artigo 1097º, todos do Código Civil, estes dois últimos na redação dada pela Lei 13/2019 de 12/02, nomeadamente no que refere ao princípio da liberdade contratual, segurança e boa-fé dos negócios jurídicos.
XXXI. Em face do exposto deveria a Recorrida ter sido condenada nos
pedidos deduzidos pela Recorrente.
Nestes termos, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em
consequência, ser revogada a decisão que julgou totalmente improcedente o procedimento especial de despejo, sendo a mesma substituída por outra que verifique a caducidade do contrato de arrendamento, por oposição à sua renovação da Senhoria, ora Recorrente, e, em consequência condenar a Recorrida nos pedidos formulados, fazendo-se assim, inteira e sã Justiça.
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III – DAS CONTRA-ALEGAÇÕES
Não foram apresentadas contra-alegações.
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IV – DA MATÉRIA A CONSIDERAR
A factualidade relevante, para efeitos de decisão do recurso, é aquela que consta do relatório inicial, para o qual remetemos, e a que alude também a recorrente nas suas alegações, e ainda os seguintes factos, fixados na sentença, factualidade esta que não vem questionada pela recorrente:
1. Por documento particular, datado de 24 de Fevereiro de 2014, epigrafado de “Contrato de para habitação prazo certo”, a requerente declarou ceder à requerida, pelo prazo de um ano, com início em 1 de Março de 2014 e termo a 01 de Março de 2015, e com possibilidade de renovação automática, por iguais e sucessivos períodos, o uso e fruição da fração autónoma designada pela letra “C” correspondente ao 1.º andar esquerdo do prédio urbano, denominado de Lote n.º..., sito na Praceta ... , Urbanização ..., freguesia e concelho de Portimão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o n.º...76 da referida freguesia .
2. Estabeleceram as partes que a referida cedência era feita mediante o pagamento pela requerida de uma contrapartida pecuniária mensal, no valor de €380,00 (trezentos e cinquenta euros), que se venceria entre o primeiro e o oitava dia do mês a que dissesse respeito.
3. Em 08.06.2022 a requerente solicitou a notificação da ré, através de notificação judicial avulsa (a que coube o n.º 1483/22.3T8ptm e que coreu termos neste juízo local, J2), com vista a dar-lhes conhecimento de que se opunha à renovação do contrato o qual cessaria os seus efeitos a 01.03.2023, devendo o locado ser entregue livre e devoluto de bens.
4. Não foi possível realizar a notificação referida em 3), conforme certidão negativa datada de 29.07.2022, na medida em que AE não logrou encontrar a requerida.
5. Pelo que a autora procedeu ao envio de carta registada, com aviso de receção, datada de 10.08.2023, mas cuja remessa foi concretizada em 24.08.2022, com o intuito de comunicar à ré o teor da suprarreferida notificação judicial avulsa, na qual tinham declarado que se opunha à renovação do contrato mencionado em 1).
6. A carta mencionada em 5 foi devolvida por não ter sido levantada.
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V – DO OBJECTO DO RECURSO
1 - Como é sabido, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (cfr. arts. 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC).
Sublinha-se ainda a este propósito que na sua tarefa não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pela recorrente, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (cfr. art. 5.º, n.º 3, do CPC).
No caso presente, a questão colocada ao tribunal de recurso, tendo em conta o conteúdo das conclusões que acima se transcreveram, resume-se em decidir se o tribunal interpretou correctamente o disposto no artigo 1096º, n.º 1, do Código Civil vigente, ao entender que havendo renovação do contrato de arrendamento em causa o período de renovação é imperativamente de 3 anos.
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VI – FUNDAMENTAÇÃO
Como se verifica da leitura das suas conclusões, a apelante sustenta que o tribunal fez uma errada interpretação e aplicação do artigo 1096º, n.º 1, do Código Civil, na redacção dada pela Lei n.º 13/2019, concretamente quanto à renovação do contrato pelo prazo de 3 anos.
No entender da recorrente, uma vez que as partes convencionaram que o arrendamento da habitação em causa seria pelo prazo de um ano renovável por períodos iguais e sucessivos, deve prevalecer essa estipulação, em nome da liberdade contratual.
Seria assim porque o disposto no art. 1096º, n.º 1, na parte em que refere que havendo renovação automática esta terá que ser “por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior”, tem que ser compreendido como norma supletiva (ou seja, este segmento normativo estaria abrangido pela supletividade estabelecida para a própria renovação automática, resultante da expressão “salvo estipulação em contrário”).
Recordamos que o artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, inserido nas disposições especiais do arrendamento para habitação, diz em relação à renovação automática que “salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior (…)”.
Não discute a recorrente, neste ponto acompanhando o julgador da primeira instância, que este preceito, na sua redacção actual, introduzida pela Lei n.º 13/2019, de 12.02, é aplicável ao caso dos autos, respeitante a um contrato de arrendamento muito anterior.
E também não está em discussão que a possibilidade de estipulação em contrário, excluindo a renovação automática, está consagrada na norma em apreço.
O ponto de discordância centra-se, portanto, na imperatividade do prazo de 3 anos previsto para o caso de haver renovação automática, em contratos em que o prazo inicial for inferior, argumentando a recorrente que também este segmento normativo tem carácter supletivo, e assim estaria no caso afastado pela disposição inserida no contrato.
Em consequência, a recorrente conclui que, por efeito da sua oposição à renovação, o contrato em causa cessou a 01/03/2023, final do período de renovação de um ano em que comunicou a sua oposição a uma eventual nova renovação, e o julgador entendeu que essa oposição só poderia eventualmente produzir efeitos a 01/03/2025, findo o período de renovação de 3 anos em curso.
Explica a sentença recorrida que o pedido de despejo formulado mostra-se inviável, dada a duração imperativa de 3 anos para o prazo de renovação em curso.
Como consta da sentença, “após a entrada em vigor da Lei n.º 13/2019, de 12.2, o contrato, de que nos ocupamos, face à nova redação do art. 1096º, n. º1 do Código Civil (que entrou em 13 de fevereiro de 2019) renovou-se em 01.03.2019 pelo período, não de um ano, mas sim de três anos, ocorrendo o seu términus (por ter, em bom rigor a duração de um ano e um dia) a 01.03.2022, data em que, por não ter sido antecipada e validamente manifestada pela senhoria a oposição à sua renovação, se tornou a renovar por mais três anos, ou seja, até 01.03.2025.
A divergência interpretativa tem sido analisada em múltiplos arestos dos nossos tribunais superiores, persistindo alguma controvérsia.
Todavia, a jurisprudência produzida neste Tribunal da Relação de Évora tem optado decididamente pela posição que se manifestou na sentença recorrida, contrariando a posição pretendida pela recorrente.
Pesquisando na base de dados www.dgsi.pt (onde se encontra toda a jurisprudência que citaremos de seguida) deparamos com os Acórdãos proferidos a 27-10-2022 na apelação n.º 256/22.8YLPRT.E1, relatora Maria Adelaide Domingos, a 10-11-2022 na apelação n.º 126/21.7T8ABF.E1, também relatado por Maria Adelaide Domingos (estes dois subscritos como Adjunto pelo ora Relator) e ainda a 10-11-2022, na apelação n.º 983/22.0YLPRT.E1, em que foi relatora Maria João Sousa e Faro.
Conforme é orientação comum de qualquer desses acórdãos:
“I. A Lei n.º 13/2019, de 12-02, que alterou a redação do n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil (renovação automática do contrato de arrendamento) aplica-se aos contratos de arrendamento para habitação com prazo certo, já antes celebrados e vigentes à data da entrada em vigor deste diploma legal, por aplicação do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil.
II. A redação do n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil tem natureza imperativa no que concerne ao prazo mínimo de renovação automática do contrato de arrendamento, sem prejuízo das partes poderem convencionar a exclusão da renovação automática do contrato ou um prazo superior ao prazo mínimo de renovação do contrato legalmente previsto de três anos.”
A mesma orientação se encontra expressa em recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que se debruçou sobre a questão, proferido a 20-09-2023 no processo n.º 3966/21.3T8GDM.P1.S1, em que foi relator Jorge Leal.
E de igual modo foi sublinhado no Acórdão de 17-01-2023 do STJ, em que foi relator Pedro Lima Gonçalves:
O artigo 1096.º do Código Civil, conforme é entendimento dominante na doutrina, não tem carácter imperativo, pelo que é permitido às partes excluírem a renovação automática. Impõe imperativamente, porém, que, caso seja clausulada a renovação, esta tem como período mínimo uma renovação pelo período de 3 anos. Ou seja, o legislador permite às partes que convencionem um contrato de arrendamento urbano para habitação pelo período de um ou dois anos, não renovável. Mas, caso seja convencionada uma cláusula de renovação automática, terá de obedecer ao disposto neste normativo, ou seja, o contrato sofre uma renovação automática de 3 anos.”
Idêntica orientação foi defendida também nos seguintes Acórdãos, que indicamos a título exemplificativo:
- Relação de Guimarães, de 11-02-2021, no processo n.º 1423/20.4T8GMR.G1, relatora Raquel Batista Tavares.
- Relação de Guimarães, de 10-07-2023, processo n.º 1627/21.2YLPRT.G1, relator Alcides Rodrigues.
- Relação de Guimarães, de 23-03-2023, no processo n.º 1824/22.3T8VCT.G1, relatora Raquel Batista Tavares.
- Relação de Guimarães, de 26-10-2023, processo n.º 1231/23.0YLPRT.G1, relatora Anizabel Sousa Pereira.
Não ignoramos que posição oposta tem sido defendida em outros arestos, e nomeadamente os Acórdãos da Relação de Lisboa de 27-04-2023, processo n.º 1390/22.0YLPRT.L1-6, relatora Maria de Deus Correia, de 10-01-2023, processo n.º 1278/22.4YLPRT.L1-7, relator Luís Filipe Pires de Sousa, e de 17-03-2022, no processo n.º 8851/21.6T8LRS.L1-6, relator Nuno Lopes Ribeiro.
Também na Relação do Porto foram proferidos alguns Acórdãos no sentido da supletividade pretendida pela recorrente. É o caso dos acórdãos de 09-10-2023, no processo n.º 1467/22.1YLPRT.P1, relatado por Miguel Baldaia de Morais, de 14-09-2023, no processo n.º 1394/22.2YLPRT.P1, relatado por Judite Pires, e de 12-07-2023, no processo n.º 19506/21.1T8PRT-A.P1, relatado por Ana Paula Amorim.
Porém, e ressalvando o devido respeito pelas posições divergentes, em nosso entender a razão está com a posição maioritária, na doutrina e na jurisprudência, expostas nos acima citados Acórdãos da Relação de Évora e do Supremo Tribunal de Justiça.
Aderimos, pois, à posição explicada, nomeadamente, por Maria Olinda Garcia (in Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019, in Julgar Online, março 2019, p. 11-12):
“Quanto à renovação do contrato, a nova redação do artigo 1096.º suscita alguma dificuldade interpretativa, nomeadamente quanto ao alcance da possibilidade de “estipulação em contrário” aí prevista. Por um lado, pode questionar-se se tal convenção poderá excluir a possibilidade de renovação do contrato ou apenas estabelecer um diferente prazo de renovação.
Parece-nos que (na sequência do que já se verificava anteriormente) as partes poderão convencionar que o contrato não se renova no final do prazo inicial (o qual tem de ser de, pelo menos, um ano). O contrato caducará, assim, verificado esse termo.
Mais delicada é a questão de saber se as partes podem estipular um prazo de renovação inferior a 3 anos (hipótese em que o prazo legal de 3 anos teria natureza supletiva). Atendendo ao segmento literal que diz que o contrato se renova “por períodos sucessivos de igual duração”, pareceria poder concluir-se que, se o período inicial pode ser de 1 ou de 2 anos, as partes também teriam liberdade para convencionar igual prazo de renovação. Todavia, ao estabelecer o prazo de 3 anos para a renovação, caso o prazo de renovação seja inferior, parece ser de concluir que o legislador estabeleceu imperativamente um prazo mínimo de renovação. Afigura-se, assim, que a liberdade das partes só terá autónomo alcance normativo se o prazo de renovação estipulado for superior a 3 anos.
Conjugando esta disposição com o teor do artigo 1097.º, n.º 3, que impede que a oposição à renovação, por iniciativa do senhorio, opere antes de decorrerem 3 anos de duração do contrato, fica-se com a ideia de que o legislador pretende que o contrato tenha, efetivamente, uma vigência mínima de 3 anos (se for essa a vontade do arrendatário). Assim, o contrato só não terá duração mínima de 3 anos se o arrendatário se opuser à renovação do contrato no final do primeiro ou do segundo ano de vigência. No final destes períodos (tratando-se de contrato celebrado por 1 ano), o senhorio não terá direito de oposição à renovação. Tal direito extintivo cabe, assim, exclusivamente ao arrendatário antes de o contrato atingir 3 anos de vigência.
Se as partes não convencionarem a exclusão da renovação, o senhorio só poderá impedir que o contrato tenha uma duração inferior a 3 anos na hipótese que agora é criada pelo n.º 4 do artigo 1097.º, ou seja, em casos de necessidade da habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em primeiro grau. Trata-se de um tipo de solução que, até agora, só vigorava no domínio dos arrendamentos de duração indeterminada, a qual depende do preenchimento dos requisitos do artigo 1102.º e exige o cumprimento dos deveres impostos pelo artigo 1103.º, n.os 1, 5 e 9.
Por outro lado, quanto ao direito do locador para se opor à renovação do contrato, importa ainda interpretar conjugadamente o artigo 1097.º, n.º 3, com o artigo 1096.º, n.º 1. Assim, na hipótese de o contrato ser celebrado por um ano (sem se excluir a sua renovação), como o artigo 1096.º, n.º 1, diz que a renovação do contrato opera por um período mínimo de 3 anos, o direito de oposição à renovação, previsto no n.º 4 do artigo 1097.º, só produzirá efeito no final de um período de 4 anos.»
Acolhemos esta interpretação porquanto a mesma respeita a ratio legis da Lei n.º 13/2019, 12-02, ou seja, que o legislador, ao definir um período mínimo de renovação, pretendeu conferir uma maior proteção ao arrendatário, dotando o seu contrato de arrendamento de uma maior estabilidade e limitando a liberdade de estipulação das partes quanto a esta matéria.”
Julgamos ser este entendimento o que melhor se coaduna com a ratio legis da Lei n.º 13/2019, 12-02 (que visava “reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano”, como proclama logo no intróito), ou seja, que o legislador, ao definir um período mínimo de renovação, pretendeu conferir uma maior protecção ao arrendatário, dotando o seu contrato de arrendamento de uma maior estabilidade e limitando a liberdade de estipulação das partes quanto a esta matéria (cfr. Ac. Rel. Évora de 25-01-2023, já citado).
Nestes termos, julgamos não assistir razão à recorrente na questão colocada ao tribunal.
E, uma vez que mais nenhum fundamento é apresentado na apelação, improcedendo este fundamento improcede também o recurso, pelo que se impõe confirmar a decisão recorrida
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VII - DECISÃO
Por todo o exposto, acordamos em julgar improcedente a apelação em apreço, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, considerando o decaimento verificado (cfr. art. 527.º, n.º 1, do CPC).
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Évora, 23 de Novembro de 2023
José Lúcio
Albertina Pedroso
Francisco Xavier